28
1

A CIDADE

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Texto adaptado para apresentação dramatizada

Citation preview

Page 1: A CIDADE

1

Page 2: A CIDADE

2

Os alunos das turmas B e C do nono ano de Oficina de Teatro apresentam

um trabalho baseado em texto original da autoria do professor de Oficina

de Teatro e que foi alvo de análise e debate nas aulas e nos ensaios

Uma cidade que é um Mundo

A cidade é como o Mundo

Entidade caótica que engole e esvazia as almas

Os seus habitantes procuram compreender o pulsar da cidade

Procuram descobrir nesse pulsar a razão de ser dos seus destinos

A CIDADE

Page 3: A CIDADE

3

HOMEM ANÓNIMO: Abri a porta Na avenida o caos habitual Os animais

metálicos tentam chegar aos destinos mas não avançam mais que uma mera dezena

de metros de cada vez O calor associa-se ao cheiro urbano do tráfego diário Preciso

do café da manhã e de passar os olhos por um pedaço de notícia As pessoas nos

passeios são um formigueiro humano que avança como os animais metálicos Em

rituais ensaiados sobem pela direita descem pela esquerda numa interiorizada cópia

do sistema rodoviário Derretem-se no asfalto e na calçada Esta parece ser a ordem de

todas as coisas na cidade A ordem desordenada da lei do mais forte a ordem do

distraído que segue alheio à rotina a ordem dos animais perdidos na beira dos

passeios a ordem dos semáforos e dos sinais sonoros que querem orientar A ordem

dos animais metálicos depositados aleatoriamente nos passeios entre espaços

impossíveis A ordem da ousada condutora apressada de filhos empurrados de filhos

carregados com quilos de mochilas

Cesário 9ºB

Page 4: A CIDADE

4

A ADVOGADA: A ordem dos relógios a ordem da discussão familiar no banco

da frente a ordem da fome que se mata com a palhinha introduzida no pacote de leite

acastanhado adocicado e amigo no banco de trás A ordem dos pássaros metálicos

gigantes que guincham os últimos segredos nos últimos segundos da viagem ao

passar por cima da avenida Não sei como aqui se dorme e se acorda como se

descansa A ordem dos mendigos e dos loucos que como mendigos pedem a quem

passa dois ou três segundos de atenção A ordem desordenada dos esperançosos

estudantes com brilho nos rostos que suspiram horas perdidas nas desalinhadas filas

dos transportes A ordem das estações debaixo do solo as mesmas que os esperam no

final da viagem A ordem de tudo aquilo que se constrói cada dia desde que se acorda

desde que o vento bate nas cortinas das janelas mal fechadas A ordem gasta das

fachadas dos velhos edifícios da avenida dos cafés que lhe conhecem os vícios e de

todos os viciados

Madalena 9ºB

Page 5: A CIDADE

5

O IDOSO: Quando a cidade escurecer não estarei aqui Porque será que tudo

está petrificado e eu sozinho no meio de toda esta gente no meio da cidade estátua no

meio dos que ficaram dentro das viaturas É uma solidão sem paralelo e a sensação é

insustentável As pessoas anónimas que fazem parte da vida da cidade assustam nesta

inércia forçada O peito ficou obstruído Um forte aperto no peito impede o ar de

circular Grito e não sai nenhum som nenhum sinal Perdi de vez a ligação com a

cidade que também não fala e não se mexe Tentou acabar com a minha irritação e

com a minha mágoa assustando-me Estou sozinho no meu destes milhões numa

solidão claustrofóbica doentia e sufocante Uma solidão igual à que sofre a cidade

Gonçalo 9ºC

Page 6: A CIDADE

6

O SEM-ABRIGO: Deixou de fazer sentido continuar o passeio Tenho como

companhia esta voz com rosto de menino numa cara suja de olhos brilhantes vivos

inteligentes com um sorriso inocente doce e cativante É ele que me descreve as

avenidas paradas preenchidas por centenas de milhares de viaturas imobilizadas onde

parou tudo o que vive O vento está petrificado como a brisa e os ruídos Só eu

permaneço igual na cidade estátua Um silêncio gigantesco tomou conta da paisagem

e enche-me de vontade de gritar Mas que grande merda esta Quem se lembrou de

virar a cidade contra mim Foste tu ó cidade maldita que não gostaste do que disse de

ti É assim que procedes com quem te critica Vai para o raio que te parta espécie de

inferno habitado Tu não me derrotarás Estou meio louco

Manuel Santos 9ºC

Page 7: A CIDADE

7

O DESEMPREGADO: A loucura espreitava de qualquer forma por detrás de

cada esquina por onde eu passava por isso podes ir para o raio que te parta Quem

serias tu se nós homens não te criássemos Quem serias tu sem os homens que te

reconstroem sem os que fazem de ti tudo aquilo que tu és Vingas-te em mim apenas

em mim Porquê Continuas muda apesar de gritares de descontentamento através

desta fossilização generalizada que acabaste de produzir Deixa-me em paz cidade

funesta deixa-me em paz com a minha solidão Volta àquilo que é normal e faz com

que todos regressem aos movimentos e vivam e se deixem angustiar nas filas

intermináveis e no caos das tuas entranhas Volta ao que é normal e deixa que todos

regressem às rotinas diárias com que te refrescas Deixa-os viver ou morrer ou lá o

que fazem dia após dia após dia Oferece de novo movimento a quem o retiraste

José Janela 9ºC

Page 8: A CIDADE

8

O ARQUITETO: Volta a girar o mecanismo volta a dar corda ao sistema para

que possas voltar a consumir a vida de todos num instante Fomos nós homens que te

criámos como uma prisão e tu não aprecias aquilo em que te transformaste Serás

ainda pior com o passar dos anos Ficarás mais caótica mais inútil e dantesca Serás

um gigantesco animal anónimo Vai mas é para o raio que te parta A cidade parou e

todos pararam de dançar a coreografia da cidade O peso é tremendo e o vazio

silencioso sufoca Não tenho forças para correr mas é isso que me apetece fazer

Correr para bem longe deste museu artificial onde me movimento Só isso me ocupa

o espírito A cidade organizou este pesadelo para meu tormento Avanço na direção

dos prédios que se encontram para lá do parque central da avenida Sigo até essas

torres circulares que ocupam metade da rotunda As árvores na avenida parecem

surpreendidas por não as cumprimentar como é meu costume

José Pedro 9ºC

Page 9: A CIDADE

9

A HISTORIADORA: Hoje a cidade vinga-se da minha amargura Resolveu

empurrar-me definitivamente para o lado mais escuro do abismo A cidade é antiga A

história da cidade tem séculos cada um com milhares de histórias que a

transformaram Nada na cidade é simples ou harmonioso Tudo se transformou para

que a cidade crescesse desmesurada crescesse do mar e do rio que assim a moldaram

gigantesca e cosmopolita Recebeu milhões ao longo destes séculos Cresceu com os

seus sistemas de navegação com os sistemas rodoviários e ferroviários Cresceu com

ideias tensões surpresas rotina utopia revoluções liberdade e luz A imprensa da

cidade sempre foi mais enérgica do que os seus silêncios principalmente na primeira

metade do século dezanove

Maria Condinho 9ºB

Page 10: A CIDADE

10

O ARDINA: A cidade cresceu com os ardinas que vendiam jornais carregados

com histórias de sexo crime assassinatos e todos os demais vícios A imprensa

vibrava com as histórias violentas da cidade Poligamias incêndios acidentes e

incidentes e a avenida central vigilante como espinha dorsal da imensa urbe

Gigantescos contrastes entre ricos e pobres entre quem é culto e quem não possuí

formação entre etnias entre todas as caóticas transmutações que o tempo lhe acicatou

O coração da cidade cresceu nesta diversidade e assim se moldou A cidade grotesca

que ama o grotesco que ainda hoje ama tudo aquilo que é grotesco Os escritores da

cidade faziam crescer a sua reputação monstruosa nos primeiros jornais obedecendo

aos gostos da época Estas imagens são transmitidas por uma voz de mulher africana

com rosto redondo olhos negros e cabelo curto A maior das misérias estava para

chegar A cidade recebia caixões abertos em náuticos paquetes que eram o produto

acabado da desumana travessia que os derrotava A miséria é dona da cidade e cresce

por toda a parte fazendo crescer a cidade.

Raquel 9ºC

Page 11: A CIDADE

11

A ESCRITORA: Crime sujidade poluição medo e miséria a par de uma falta de

esperança do tamanho do mundo caracterizaram os sonhos da cidade no início da

primeira metade do século dezanove Avanço pelos habitantes congelados dessa

cidade antiga que me surge como um pesadelo É um inferno a céu aberto com

milhares de habitantes perdidos e a ordem violenta e sanguinária dos seus gangues A

cidade museu transformou os habitantes mas não me transformou Avanço na

tentativa de encontrar explicação para tudo o que me acontece Esta é a voz de um

homem calvo com barba curta e cuidada de olhos castanho mel Quem sou e o que

significo para a cidade Falo sobre a cidade como se a tivesse escrito apenas ontem O

poeta é o reunificador O poeta é o único capaz de sentir a cidade O poeta é o único

capaz de dar a conhecer o coração da cidade Esta é a voz com rosto de Walt

Whitman que viajou do passado e me fala da sua cidade calcorreando-a e

inventariando-a Fala-me de todas as pessoas e dos sonhos que lhes foram apagados O

poeta da cidade conhece a cidade e viu luz neste alienado e caótico caldo citadino A

minha cidade não é a de Whitman mas todas as cidades são as de Whitman Foi ele

que transformou os habitantes petrificados da minha cidade nos habitantes

petrificados da sua Nova Iorque

Inês 9ºC

Page 12: A CIDADE

12

A URBANISTA: A voz do poeta é única como a cultura do desejo é única

como toda a fantasia e curiosidade e a selvagem e pura busca da verdade são únicas

A cidade sexual a cidade do prazer libertador em contraponto com o poder castrador

do cimento do tijolo da argamassa do edifício da estrada da avenida Quem vê assim

amantes no mais improvável dos elementos da cidade é o maior dos amantes da

cidade Quem ama a cidade miserável deprimente e injusta é um amante da esperança

e do coração dos homens Esta é a cidade que cresce cinzenta e desgovernada A

população vive empacotada nos mais repugnantes espaços e sobrevive na pior das

condições Esta é a cidade que cresce anónima desigual e sem tempo A cidade tem de

se reinventar tem de deixar de sangrar internamente para que os seus habitantes

deixem de sangrar internamente E a cidade reinventa-se em quadros de verde e de

esperança através do maior de todos os parques A cidade bebe essa esperança e tenta

calar os ruídos nesta sua reinvenção Mas o parque não é sinal de libertação pois foi

pensado para quem se sabe comportar

Catarina 9ºC

Page 13: A CIDADE

13

O SOLDADO: A cidade é engolida pela história e a história da cidade

transformou-se por todos aqueles que a reinventaram A cidade não para a cidade

nunca para como a noite termina para o dia nascer As pessoas petrificadas da minha

cidade regressaram Walt Whitman diz-me que a linguagem dos antigos habitantes da

cidade é a mesma dos de agora O campo que alimenta a cidade enlouquece o mundo

enlouquece e o poeta serve a cidade e o campo nessa loucura A loucura fez crescer a

cidade louca que louca cresceu e se enegreceu O mundo a cidade e o campo

enlouqueceram Os loucos queimam-na e destroem-na Edifícios pilhados esperanças

destroçadas vidas desfeitas a vingarem-se da cidade e das suas entranhas Os que

atacam estão desesperados e com ódio no olhar atacam o coração da cidade que

agora está queimada negra e anárquica O réptil venenoso que habita na cabeça de

cada habitante da cidade alimentou-se do veneno da cidade O vermelho toma conta

do coração negro da cidade A cidade está em guerra a cidade é o próprio inferno que

aqui se edificou

Carolina 9ºC

Page 14: A CIDADE

14

A ENGENHEIRA: Pais e filhos primos e irmãos lutam uns contra outros nas

praças nas avenidas nas ruas e nas esquinas esventradas da cidade do poeta que não

sabe o que dizer O poeta não consegue explicar a cidade doente que não é justa

porque nunca o foi e nunca o será Como sobrevive a cidade a este inferno que arde

no centro do seu coração A cidade pobre e rica é violenta Todos os habitantes falam

pela cidade O poeta duvida da cidade mais uma vez São negras as nuvens que pintam

como serpentes o céu da cidade Esta é a cidade dos desesperos de todas as misérias

da mais profunda e gritante de todas as misérias A cidade renascerá como nunca A

cidade reinventa-se máquina reinventa-se cidade futurista e fumegante A cidade

reinventa-se gananciosa diabólica corrupta cruel desgovernada O monstro sem ética

nem moral renasce cinzento poderoso e explosivo A cidade cresce imensa para lá das

margens dos rios cresce para norte para este para sul e para oeste Para todo o lado a

cidade cresce e cresce para lugares onde ainda não era cidade

Bárbara 9ºC

Page 15: A CIDADE

15

A SOCIÓLOGA: A cidade cresceu para lá do rio e foi ligada à sua outra parte

em crescimento A cidade da ponte que nasce gigantesca e maior do que todas as

pontes que após esta nascerão A cidade fraqueja é tão desgraçadamente suja que não

sei como consigo caminhar A ponte enche o céu por cima de quem habita a cidade A

ponte pertence à cidade e a cidade à ponte A cidade cosmopolita dança finalmente no

parque verde fora dos esgotos lamacentos dos guetos escuros e mal cheirosos A

cidade dança com medo vive no medo e vive nervosa Esta é a voz de um homem

idoso com cabelo branco curto bigode aristocrático olhos vivos inteligentes nariz

imenso redondo e vermelho Como os escuto Como ouço não sossego Escuto sempre

e sempre e já não consigo imaginar esta cidade sem vozes As vozes falam-me tanto

sobre a cidade que só podem pertencer à cidade Algumas dessas vozes são só minhas

A história da cidade passa a ser a história da ponte e do rio que dividia as duas partes

da cidade Esse é um rio que já não divide A cidade embelezou-se pois a ponte que

une a cidade é bela e forte e cresceu vigorosa através do trabalho de quem a montou

Alina Salata 9ºC

Page 16: A CIDADE

16

A FOTÓGRAFA: A cidade e a ponte são uma só esperança Ricos e poderosos

fazem crescer este paraíso urbano e fazem crescer as diferenças entre os que têm e os

que não têm Todos parados Os habitantes da cidade permanecem petrificados

Acredito que isto é uma manobra programada pela cidade para me enlouquecer

Permaneço minimamente saudável Escuto as palavras que os meus rostos cantam

Esta voz tem rosto de criança com cabelos encaracolados revoltos e sujos com olhos

da cor da esperança O otimismo do poeta não contagiou a cidade E o flash das

máquinas mostrou toda a escuridão A cidade escondida dos fantasmas escondidos

dos passageiros do inferno A cidade dos miseráveis da mais horrível e miserável

ruína da mais horrível e miserável pobreza A cidade que é dos homens e não é dos

homens A cidade dos meninos abandonados a cidade dos que sendo habitantes da

cidade são habitantes dos vários infernos onde apodrece a cidade A cidade das

doenças amigas que matam e trazem o paraíso aos que falecem A cidade doente que

despoleta doenças com infinita paciência enchendo caixões enchendo cemitérios

Beatriz 9ºC

Page 17: A CIDADE

17

A EMIGRANTE: E o livro do poeta ajuda a cidade que não ajudou o poeta

porque a cidade é tudo menos justa A cidade é forma é arco é edifício é estátua é

sombra é sombra projetada em outras sombras segundo as palavras do primeiro poeta

que faleceu Em tão pouco tempo o poeta viu a cidade florescer com esperança com

os olhos que só um poeta pode ter A cidade ecológica cultural e ambiciosa que se

reinventa Glória para a cidade e glória ao poder infinito dos que nela mandam A

cidade esperança nasce com o fim de uma era e o início de outra A cidade cresce

gigante muito para além da imaginação dos que a habitam A cidade física cresce

como cresce a onda dos que a desejam alcançar Essa onda é a primeira de muitas

marés que nunca terminarão A cidade que nunca é está em permanente

transformação O que é a cidade e de quem é a cidade Os poetas compreendem a

mudança da cidade grande Tantas foram as lágrimas vertidas por quem chegou à

cidade e sobreviveu A cidade louca desesperada traumatizada A cidade dos

esquecidos e dos que jamais regressarão Todos os países pertencem à cidade que se

transforma A cidade recebe-os como se não existisse na terra mas sim no céu

Ana Carolina 9ºC

Page 18: A CIDADE

18

A MAQUINISTA: A cidade das estruturas verticais que se erguem cada vez mais

altas e imponentes Erguem-se e fazem da cidade a maior de todas as estruturas A

cidade templo esta cidade templo continua a perseguir-me como uma sombra louca e

fantasmagórica Nada se mexe Nada se move ou disso dá sinal A cidade metrópole

inaudita que não só transforma como se deixa transformar A cidade dos milhões que

a invadiram e que se tornaram tão frenéticos como a cidade Os habitantes são

regulados pelos ritmos frenéticos da cidade moderna e cosmopolita que os organiza e

automatiza e que afinal não é o céu que aguardavam As ruas são bazares são

mercados colossais são virtudes aceleradas sem descanso As ruas são frenéticas a

sugar os sonhos dos novos habitantes A cidade disseca as esperanças e as energias e

coloca todos contra todos As ruas da cidade estão furiosas apinhadas e confusas Aqui

se nasce se vive se sobrevive A cidade caprichosa que engole os habitantes

transporta-os e castiga-os

Carolina Carramanho 9ºC

Page 19: A CIDADE

19

A OPERÁRIA: Os que nela vivem conhecem finalmente a verdadeira dimensão

desta entidade A cidade das estações por onde tantos passam por onde são destilados

onde se iniciam e terminam as viagens de todos os destinos De nada interessa tanta

luz tanta ponte tantos caminhos tão rápidas ligações O problema da cidade vive com

a cidade e ela galvaniza-se nestes ciclos desmesurados de contrastes A cidade sempre

será uma cidade de contrastes A cidade escraviza A cidade tem escravos que não

podem falar nos seus postos de trabalho e que não podem parar de produzir Esta é

uma voz com rosto de mulher de tez pálida penteado esculpido em tranças apanhadas

atrás da cabeça numa caprichosa e perfeita banana de cabelo O olhar é cansado

exausto negro e inquieto A cidade desespera todos os que nela respiram e nela ainda

acreditam A cidade mata de cansaço e de dor A cidade transforma os sonhos no

maior dos pesadelos A cidade é um mar de chamas é um inferno que nenhum

bombeiro consegue debelar

Rita 9ºC

Page 20: A CIDADE

20

O JORNALISTA: A cidade dos que voam para escapar à morte e que a

abraçam A cidade das trevas e das tragédias sem igual A cidade petrificou todos os

que nela habitam sem pestanejar e mantém-me acordado para que escute estas vozes

enquanto caminho sem rumo no meio da quietude e do silêncio Escuto as memórias

de todos estes mortos da cidade Choro pelas vidas de todos os que a cidade fez

desaparecer Choro pelos escravos da cidade pelos escravos de todas as cidades

A cidade da crise A cidade de todas as crises cíclicas imensas universais Em

cada esquina cresce a serpente humana dos que procuram alimento para sobreviver A

cidade cresce grotesca terrível inabalável na sua petrificada violência de ferro

cimento vidro e betão Os habitantes da minha cidade transformaram-se de novo para

voltarem a ser os habitantes da cidade do poeta Esfomeados ordenados desorientados

organizados em grupos descansam por instantes deste enorme desespero A cidade

está parada e estrangula toda a fé A cidade é implacável e irredutível nesta sua

escuridão O poder da cidade encontra-se nos desejos que ela fabrica

João Diogo 9ºC

Page 21: A CIDADE

21

O POLÍTICO: A cidade diz-me tudo o que escuto ao caminhar A cidade das

promessas conta desta forma a sua trágica história Hospitais estradas escolas pontes

túneis viadutos museus bibliotecas avenidas estações aeroportos parques aquedutos

portos prédios estradas e autoestradas ligações ferroviárias o paraíso cinzento-escuro

do asfalto e dos automóveis amigos brilhantes velozes e reluzentes A cidade engorda

de prazer ao som vibrante do objeto poluente que lhe alimenta as entranhas Viva o

objeto rolante que faz crescer a cidade numa velocidade estonteante A cidade da

poesia urbana poesia mecânica poesia metálica complexa vascular Esta é a poesia do

ferro do aço e do cimento A cidade dos que vivem na rua porque a cidade é o lar dos

que vivem na rua A cidade será sempre o seu lar A cidade dos civis e dos militares A

cidade dos que agradecem terem regressado à cidade Viajo anónimo no meio de

milhões no meio dos sonhos de milhões A cidade será sempre a cidade das

esperanças e não apenas a cidade de uma só esperança

Simão 9ºB

Page 22: A CIDADE

22

O EMPRESÁRIO: A cidade engole os habitantes que foram engolidos pelos

objetos rolantes Os habitantes já não são os donos das ruas da cidade Os automóveis

tomaram conta das ruas matando-as Tomaram conta da grande avenida da

autoestrada do viaduto da gigantesca galeria e fizeram renascer a cidade como um

esgoto de escuras entranhas Esta é a nova cidade do vidro da transparência do

andaime da forma paralelepipédica da forma prismática vertical imensa Os novos

pobres chegam à cidade e tomam conta dos seus pedaços mais sujos mais distantes e

degradantes A cidade é uma tragédia e tudo isto me é comunicado por uma voz de

homem idoso com cabelos brancos marcado por muitas rugas num rosto queimado

de barba longa grisalha e olhos azuis com profundas olheiras A cidade que já não é

industrial que já não é esperançosa que já não é o que foi mas que deseja ser tudo o

que ainda pode ser O homem pertence à cidade e alimenta o génio e a grandeza da

cidade O homem é louco e a cidade é o homem louco que a esventra destrói constrói

reconstrói

Diogo 9ºC

Page 23: A CIDADE

23

A BANQUEIRA: Recria tudo o que na cidade ensandece Recria a desgraça

do subúrbio Recria redesenha reconstrói reinventa faz crescer faz desaparecer destrói

para segregar para desumanizar mais uma vez outra vez uma décima vez uma

centésima vez uma milésima vez uma centésima milionésima vez A cidade afasta os

habitantes a quem destrói todas as raízes A cidade rejuvenesce coisa não-humana A

cidade automóvel caótica horrífica poluída suburbana catastrófica cinzenta escura

quente inexpressiva corroída louca e que enlouquece Esta é a cidade a quem o

coração foi arrancado vezes sem conta A estrada está entranhada no centro do

coração da cidade A estrada corta esventra e destrói o que resta do coração da cidade

Toda a cidade é do homem ditador que a deseja Viva o alcatrão antissocial viva o

cimento e tudo o que é anti-humano A cidade deve ser coisa sem alma Viva o

império do alcatrão do cimento do petróleo da mobilidade que agrilhoa e divide a

cidade Viva o império da cidade Viva o império do homem-cinzento do homem

autoestrada do homem que queria ser cidade que queria ser esgoto

Ana Carolina 9ºB

Page 24: A CIDADE

24

A IDOSA SOLITÁRIA: A cidade definha Cresce mas morre Cresce mas

morre cada dia mais um pedaço Cresce mas fica todos os dias cada vez mais

minúscula cada vez mais parada mais cinzenta mais morta mais inacabada mais

museu Para que serve a cidade Para que serve este pesadelo gigantesco inerte e

esventrado que agora volta a petrificar todos os que nela habitam O homem mata a

cidade e a cidade retribui O homem acredita que o que é moderno é melhor e a

cidade retribui A idade de tudo o que era sagrado na cidade acabou e a cidade

retribuirá Onde se encontra o que há de sagrado no coração da cidade O que

desejamos da cidade Todos a matam e a cidade matará o homem que mata a cidade

Esta é a voz com rosto de velho cansado ambicioso ganancioso cruel de olhos

castanhos fundos de olhar desumano que deseja construir no coração no cidade A

cidade está estripada e deve ser destruída para que se possa vingar contra quem assim

a desejou Eis a cidade desumana que não é velha nem nova Esta é a cidade que

caminha e faz caminhar

Inês Quaresmaa 9ºB

Page 25: A CIDADE

25

A MÉDICA: Os habitantes da minha cidade começam a acordar Os

habitantes da minha cidade não percebem esta momentânea filosofia de paragem Eu

não entendo o que se passa O melhor mesmo é continuar a caminhar como se nada

tivesse acontecido O poder da cidade está no poder das pessoas e não no poder da

pessoa poderosa que julga pensar pela cidade A cidade existe e ainda pode existir se

for pensada por quem nela habita O espaço urbano da cidade pensa moderno pensa

matar o passado pensa matar definitivamente o coração da cidade e a cidade morde A

cidade que não deseja escurecer morde e ataca Quer manter-se na essência daquilo

que ainda é A cidade está viva e é tão imensa e tão rápida O subúrbio é a cidade o

gueto é a cidade e a miséria e a degradação são cidade As sombras mais do que a luz

são cidade O povo em constante conflito é a cidade Esta voz tem rosto de mulher

jovem de nariz escultórico cabelo ruivo ondulado com olhos castanhos profundos e

pele clara e bem tratada Esta voz é intensa rica e melódica

Maria 9ºB

Page 26: A CIDADE

26

A LOUCA: As escolas dos bairros degradados explodem e a cidade explode

num caos urbano sem precedentes A miséria explode os prédios explodem e a cidade

implode A cidade vale mais destruída do que inteira A cidade urbana e suburbana é

uma doença moderna sem fim A cidade é uma doença louca cíclica e caótica Onde

estão todas as crianças e jovens da cidade Onde estão os idosos os doentes e os

loucos da cidade Seguem-me encarcerados nas viaturas imobilizadas Estão de olhos

colados aos vidros Olhos tristes destroçados e cansados A cidade foi pensada para

dar lucro para promover o lucro para nunca parar de crescer de desumanizar e de

arruinar Sinto esta doença da cidade que me afeta e corrói A cidade irá explodir e irá

morrer A cidade é tudo aquilo que não devia ser mas também é aquilo que ainda

pode ser A cidade nasceu cresceu viveu mas não sabe como sobreviver

Maria Coimbra - 9ºC

Page 27: A CIDADE

27

A ESPERANÇA DA CIDADE: A cidade extraordinária é contraditória e

sofre A cidade encontra-se na cabeça do todos os habitantes do globo Eu ainda não

fui habitante da cidade mas sou habitante da cidade porque sou habitante do globo

Os habitantes cavalgam nos seus cavalos de metal como em todos os outros dias

Viva a cidade moderna futurista poderosa global vaidosa ambiciosa engenhosa

empreendedora Viva a cidade humana construída por seres humanos audaciosos

inteligentes engenhosos experientes corajosos e capazes Viva a cidade dos

prodigiosamente capazes Viva a cidade que alberga e que aparentemente protege os

que nela habitam Viva a cidade que depois de ferida debilitada atacada e descrente

cresce com formas impossíveis Viva a cidade imensa global Viva a cidade de todas

as liberdades Viva a cidade paradoxal

Ana Francisca - 9ºC

O melhor mesmo é continuar a caminhar como se nada tivesse acontecido

FIM

Page 28: A CIDADE

28

Música de Adele – Hometown Glory 2007 – XL recordings - álbum 19