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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 7 a 10 de junho de 2016 1 A COMUNICAÇÃO DE INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E O PARADOXO DA VISIBILIDADE ESTRATÉGICA 1 COMMUNICATION OF PUBLIC INSTITUTIONS AND THE PARADOX OF STRATEGIC VISIBILITY Maria Helena Weber 2 Fiorenza Zandonade Carnielli 3 Resumo: Este artigo propõe uma reflexão sobre a comunicação pública identificada em instituições públicas, em duas dimensões. A primeira constitutiva das funções da organização e demarcada pela natureza da sua atividade e a segunda decorrente da comunicação estratégica produzida, em busca de visibilidade. O objeto de estudo é a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul que permite desenvolver esta análise pois a natureza da sua atividade é marcada pela defesa dos direitos humanos e da igualdade de pessoas excluídas do sistema judicial. Ao mesmo tempo, essa instituição se faz visível, através de dispositivos estratégicos que não valorizam a sua natureza, mas promovem sua estrutura e gestão. O texto aciona conceitos como democracia, comunicação pública, cidadania e visibilidade voltados à análise da comunicação da Defensoria Pública. Palavras-Chave: Comunicação Pública. Instituições Públicas. Comunicação Estratégica. Visibilidade Abstract: This paper aims to reason about the public communication in public institutions identified in two dimensions. The first dimension regards the organization's functions and is delimited by the nature of its activity. The second dimension is the result of the strategic communication produced aiming visibility. The object of study is the Rio Grande do Sul Public Defender. This institution has been selected because the nature of its activity is marked by the defense of human rights and equality to the excluded judicial system individuals. At the same time, this institution makes itself visible through strategic devices that do not value its nature, but promote its structure and management. The paper works with concepts such as democracy, public communication, citizenship and visibility related to the analysis of communication of the Public Defender. Keywords: Public Communication. Public Institutions. Strategic Communication. Visibility. 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e política do XXV Encontro Anual da Compós, na Universidade Federal de Goiás, Goiânia, de 7 a 10 de junho de 2016. 2 Professora (PPGCOM/FABICO/UFRGS). Pesquisadora CNPq/Pq1. Doutora em Comunicação e Cultura (UFRJ). Mestre em Sociologia (UFRGS). [email protected] 3 Doutoranda e mestre em Comunicação e Informação (PPGCOM/UFRGS). Professora (UCS). Jornalista e Relações-Públicas (UFMG). [email protected]

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A COMUNICAÇÃO DE INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E O PARADOXO DA VISIBILIDADE ESTRATÉGICA1

COMMUNICATION OF PUBLIC INSTITUTIONS AND THE PARADOX OF STRATEGIC VISIBILITY

Maria Helena Weber2 Fiorenza Zandonade Carnielli3

Resumo: Este artigo propõe uma reflexão sobre a comunicação pública

identificada em instituições públicas, em duas dimensões. A primeira constitutiva

das funções da organização e demarcada pela natureza da sua atividade e a

segunda decorrente da comunicação estratégica produzida, em busca de

visibilidade. O objeto de estudo é a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul que

permite desenvolver esta análise pois a natureza da sua atividade é marcada pela

defesa dos direitos humanos e da igualdade de pessoas excluídas do sistema

judicial. Ao mesmo tempo, essa instituição se faz visível, através de dispositivos

estratégicos que não valorizam a sua natureza, mas promovem sua estrutura e

gestão. O texto aciona conceitos como democracia, comunicação pública,

cidadania e visibilidade voltados à análise da comunicação da Defensoria Pública.

Palavras-Chave: Comunicação Pública. Instituições Públicas. Comunicação

Estratégica. Visibilidade

Abstract: This paper aims to reason about the public communication in public

institutions identified in two dimensions. The first dimension regards the

organization's functions and is delimited by the nature of its activity. The second

dimension is the result of the strategic communication produced aiming visibility.

The object of study is the Rio Grande do Sul Public Defender. This institution has

been selected because the nature of its activity is marked by the defense of human

rights and equality to the excluded judicial system individuals. At the same time,

this institution makes itself visible through strategic devices that do not value its

nature, but promote its structure and management. The paper works with concepts

such as democracy, public communication, citizenship and visibility related to the

analysis of communication of the Public Defender.

Keywords: Public Communication. Public Institutions. Strategic Communication.

Visibility.

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e política do XXV Encontro Anual da Compós, na Universidade Federal de Goiás, Goiânia, de 7 a 10 de junho de 2016. 2 Professora (PPGCOM/FABICO/UFRGS). Pesquisadora CNPq/Pq1. Doutora em Comunicação e Cultura (UFRJ). Mestre em Sociologia (UFRGS). [email protected] 3 Doutoranda e mestre em Comunicação e Informação (PPGCOM/UFRGS). Professora (UCS). Jornalista e Relações-Públicas (UFMG). [email protected]

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“E então não é verdade que tudo é válido, que tudo é possível, que

tudo é verdadeiro. Já que são as operações humanas que

constituem os valores e sentidos das coisas”

(Umberto Eco, Viagem na Irrealidade Cotidiana, 1984, p.107)

1. Introdução

Este artigo propõe uma reflexão sobre a comunicação pública e a visibilidade das

instituições públicas nas democracias contemporâneas mantidas pelo interesse público e,

consequentemente, dirigidas à promoção da cidadania. O objetivo é analisar os processos de

comunicação pública constitutivos da instituição e os processos de comunicação estratégica

usados para obter visibilidade, em busca de apoio, imagem pública, votos.

Nessa direção, o texto foi estruturado sobre duas premissas. A primeira diz respeito ao

caráter normativo e ético da comunicação pública como indicador de qualidade da

democracia, quando instituinte de políticas de comunicação, de práticas dos sistemas de

comunicação de instituições públicas, ou sistemas públicos de radiodifusão. Significa admitir

que as instituições públicas possuem responsabilidade singular na circulação de temas de

interesse público, capazes de acionar o debate, a participação e a opinião pública.

Essa abordagem é determinada por uma base teórica que articula conceitos de espaço

público, esfera pública, opinião pública e o tensionamento entre interesses públicos e

privados, já que entendemos a comunicação pública como promotora do debate público

(WEBER, 2007, 2009, 2011), a partir de temas de interesse que circulam na “esfera de

visibilidade pública” (GOMES, 2008) e podem gerar manifestações sociais, políticas,

individuais, governamentais, mediáticas, religiosas e outras. O marco teórico da comunicação

pública exige a conjugação de um entendimento normativo sobre o conceito, a partir de um

ideal e preceito ético, assim como deve ser compreendida quanto aos aspectos da verificação

de sua facticidade (ESTEVES, 2011). No tensionamento dos ideais que relacionam

comunicação pública, democracia e interesse público, podem ser avaliadas as suas práticas

concretas, devendo ser considerados, especialmente os acionamentos estratégicos, pois ao

mesmo tempo que responde aos preceitos de publicidade e acessibilidade, aciona também

interesses privados.

A comunicação pública é o processo de comunicação que operacionaliza critérios como

visibilidade, acessibilidade, relações e discutibilidade, indispensáveis à democracia. É

constituída em torno da visibilidade e do debate sobre temas de interesse público que

circulam em redes (WEBER 2007, 2010, 2011) e afirmada como medium por excelência de

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cidadania (ESTEVES, 2011). A cidadania é o conceito instituinte da democracia e a

comunicação pública é indicador da qualidade da democracia, na medida em que promove o

interesse público, através de ações, sistemas e debates. Nesse sentido, comunicação pública e

comunicação governamental se diferenciam conceitualmente, já que os regimes ditatoriais4,

não incluem o interesse público e seus sistemas de comunicação (sic) produzem propaganda e

censura. Práticas e instrumentos da comunicação governamental, no entanto, podem ser

identificadas em sistemas públicos diferenciadas pela perspectiva do interesse público. As

diferenças de constituição das estruturas e assessorias do Poder Executivo, em períodos

democráticos e ditatoriais são bastante complexas mas suficientes para entender as

dificuldades de uma cultura de comunicação pública no Brasil, como mostra a pesquisa de

César (2012) a partir da obra de Singer; Villanova; Duarte; Gomes (2010).

A segunda premissa diz respeito à necessidade das instituições públicas de prestar

contas e promover suas práticas e, portanto, acionar dispositivos de visibilidade pública.

Como exigência das democracias, a visibilidade está associada a transparência,

acessibilidade, accountability, prestação de serviços e às ações dos atores relacionados à

representação política e à função política do cargo. A complexidade da visibilidade

institucional – de caráter estratégico, quando planejada em seus objetivos, públicos e ações

por publicidade – reside em frágeis fronteiras entre o público e o privado quanto há interesses

privados partidários e pessoais mesclados às ações públicas. Da associação entre os

processos de comunicação pública e a exigência de visibilidade é possível identificar o

“paradoxo da visibilidade” (WEBER, 2012) constituído entre a necessidade de tornar visíveis

os discursos e as práticas da instituição pública e a promoção de discursos e práticas de atores

políticos em busca da boa imagem pública, da ocupação de espaço mediático e de votos. Na

dimensão estratégica, a instituição aciona a visibilidade necessária para promover suas ações

e atores.

Nessa reflexão, importa identificar a comunicação pública de instituições públicas,

considerando sua dimensão normativa determinada pela articulação entre comunicação

pública, instituição e cidadania, incluindo, também, na perspectiva da facticidade, o

4 Nos regimes ditatoriais, a propaganda e o controle da informação impedem o debate público e a participação social, associando persuasão e coerção policial à eficácia da propaganda e da censura. Um exemplo próximo é o regime militar brasileiro que no Decreto nº 67.611 (6/1/1970), cria o Sistema de Comunicação Social do Poder Executivo que seria coordenado pela AERP. O conceito comunicação é utilizado pela vez primeira na história política brasileira, num período em que predominava a propaganda. (WEBER, 2000, p. 139-205).

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paradigma relacional, que privilegia as interações comunicativas (FRANÇA, 1998) entre

sujeitos individuais e coletivos, na afirmação de sentidos que dizem de si e do mundo.

Para identificar e analisar questões relacionadas à comunicação pública e à visibilidade

estratégica escolhemos a Defensoria Pública, especificamente, a Defensoria Pública do Rio

Grande do Sul – DPRS, porque a natureza do seu serviço público reside na defesa dos

direitos humanos e da igualdade de pessoas excluídas do sistema judicial. A DPRS mantém

um sistema de comunicação que permite identificar a relação entre a comunicação pública

(determinada pela natureza das suas práticas) e a comunicação estratégica da instituição

(determinada pela visibilidade da instituição).

Apresentamos este texto estruturado em duas partes: reflexões teóricas sobre

comunicação pública e estratégica, visibilidade e cidadania; análise dos processos de

comunicação constitutivos da DPRS e da sua visibilidade estratégica que permitem

identificar o paradoxo da visibilidade, considerando a valorização do interesse público e a

visibilidade desejada pela instituição.

2. Comunicação Pública e Visibilidade Estratégica

A comunicação pública5 caracteriza a comunicação imanente às democracias,

executada, especialmente, em cinco instâncias: em sistemas de comunicação das instituições

do Estado; em sistemas de radiodifusão pública; como debate público, em redes de

comunicação, em torno de temas de interesse público; como acontecimento público quando

atores sociais, políticos, mediáticos são responsáveis pela sua constituição; na abordagem de

temas de interesse público promovidos por organizações privadas e associados à

responsabilidade social e ao marketing. A comunicação pública se constitui, especialmente,

em redes de comunicação, afirma Weber (2007), que agrupam diferentes atores e instituições

na defesa de interesses públicos e privados. Nessa perspectiva, a opinião pública torna-se

conceito central, pois a comunicação pública não está restrita ao discurso e às práticas

governamentais ou políticas, mas pode existir quando o tema em questão for de interesse

público (educação, saúde, direitos humanos, outros).

A partir da abordagem teórica da comunicação pública, é preciso conjugar tanto um

entendimento normativo da comunicação pública, como ideal e preceito ético, quanto os 5 Este conceito tem sido experimentado teórica e empiricamente nas pesquisas, teses e dissertações constitutivas do grupo de pesquisa NUCOP - Núcleo de Comunicação Pública e Política (CNPq/ UFRGS) que abriga, também, o Observatório de Comunicação Pública (UFRGS).

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aspectos da verificação de sua facticidade (ESTEVES, 2011). Em tensionamento com os

ideais que a relacionam à democracia e ao interesse público, avaliam-se as práticas de

comunicação pública e sua dimensão estratégica (WEBER, 2011). Os princípios normativos

da comunicação pública estão relacionados à argumentação pública baseada na publicidade,

crítica e debate (HABERMAS, 2003a, 2003b). Esses são os critérios que constituem a base

da comunicação pública relacionada à opinião pública. Trata-se, portanto, de preceito ético da

comunicação pública que deve sempre ser tensionado pela facticidade, em esforço analítico

para evidenciar “[...] em cada situação social em concreto, quais as condições que favorecem

a possibilidade social dessa comunicação, quais as condições que a bloqueiam e quais as

condições que podem potenciar uma sua afirmação mais decisiva” (ESTEVES, 2011, p. 212).

A atenção à facticidade ressalta a produção compartilhada de sentidos a partir do

encontro de sujeitos individuais e coletivos em um espaço público de interação, que é

marcado pelo tensionamento constante entre interesses públicos e privados. Na instância

pública há o embate de diferenças que permite estabelecer reconhecimentos de igualdades e

conferir relevância ao que é público, capaz de ligar as pessoas. É por meio da comunicação

dada – faticamente – nessa instância, ou seja, a comunicação pública, que os temas de

interesse público são forjados e colocados em circulação. Em situações concretas, sujeitos e

instituições colocam-se em rede para oferecer seus sentidos e opiniões publicamente, em uma

atuação que será estratégica ao defender causas públicas que podem incluir interesses

privados. Atentar para esse tensionamento significa avaliar a proximidade ou distanciamento

do ideal normativo da comunicação pública.

Relacionar a comunicação pública e a comunicação estratégica para refletir sobre o

paradoxo da visibilidade permite formular a hipótese de que a busca de visibilidade,

compreensão, apoio e credibilidade incide no desejo de obter uma imagem pública favorável,

pode desequilibrar as relações entre Estado, sociedade e mídia e reduzir a qualidade

democrática do debate sobre temas de interesse público. A visibilidade de instituições e

atores associada ao desejo de credibilidade e legitimidade desequilibram a comunicação

pública no sentido de que o privado pode ser confundido estrategicamente com o público. A

visibilidade é associada por Weber (2011) à necessidade de projeção da instituição na ‘esfera

de visibilidade pública’ (GOMES, 2004) e, consequentemente, na busca de ocupação de

espaço na esfera mediática. Nesse sentido, a busca de espaços e opiniões favoráveis por

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atores políticos e governantes pode reduzir as ações e o debate público, em torno de temas de

interesse público, a posições pessoais.

O conceito sobre comunicação pública articula, portanto, aspectos normativos e

práticas associados ao caráter estratégico demarcado pela visibilidade (WEBER, 2011). A

visibilidade estratégica pode alterar os princípios normativos da comunicação pública quando

rompe com a rotina de registros sobre a instituição (agendas, imagens, notícias, publicidade,

mídias, eventos e ações diversas) e inserta objetivos dirigidos à formação da imagem pública

favorável para seus dirigentes e governantes; quando a promoção de partidos e políticos se

sobrepõe às ações. Nesse processo, os limites se confundem entre o que é tornado visível

(para promover a instituição e atores) e a visibilidade necessária a ações imanentes às

instituições públicas republicanas voltadas a direitos e deveres do cidadão.

A partir da comunicação pública, procura-se atentar para a circulação de temas de

interesse público acionados em torno da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul e a

constituição de redes de comunicação pública em seu âmbito institucional. Um estudo de

comunicação pública requer o reconhecimento do pressuposto ético da convivência

democrática, pautada pelo interesse público e realizada através da acessibilidade e

participação amplas dos sujeitos. Implica ainda observar as práticas e possibilidades reais

dessa comunicação social e política, procurando ver o que barra e o que potencializa o

alcance daquele ideal.

A cidadania é compreendida como o conceito instituinte da democracia e está

diretamente relacionada com a experiência e o exercício de direitos pelas pessoas, com a ação

significativa de construção da experiência cidadã. A interação comunicacional importa na

abordagem da Defensoria Pública ao atentar para o instituir, a dinâmica de produção

simbólica dos sujeitos que se colocam em relação nesse espaço institucional particular.

A democracia, como o exercício de poder pautado pelos interesses públicos, impõe a

tarefa de democratização permanente (BOBBIO, 2012; DAHL, 2001), chegando a novos

espaços marcados por processos hierarquizados e discriminatórios – crítica à justiça

brasileira. O fortalecimento da democracia significa a possibilidade de efetivação de

instituições, para além daquela do voto, que se coloquem do ponto de vista dos direitos e

sejam marcadas por processos mais democráticos. É um cidadão forte em direitos que

fortalece a democracia, exatamente porque reconhece o direito dos outros cidadãos. Ou seja,

porque oferece limites ao poder através do exercício público de direitos. É o exercício de

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direitos que caracteriza a cidadania (MARSHALL, 1967; GIDDENS, 2008) e permite o

reconhecimento da pessoa como sujeito de direitos nos campos civil, político e social. A

cidadania só pode existir como decorrência de ações que privilegiem o interesse público e

como espaço da ação política em que interesses comuns possam suplantar a coleção de

interesses particulares. É no espaço público, através de instituições públicas e políticas

públicas, que as pessoas podem se transformar em cidadãos que não defendem simplesmente

seus interesses privados, mas compartilham reconhecimentos mútuos e, dessa forma, podem

ter acesso à democracia.

A história brasileira mostra um processo de construção frágil de cidadania

(CARVALHO, 2013), mas há possibilidades de sua construção menos centrada nos processos

estatais e com os direitos cidadãos construídos com a participação mais efetiva de pessoas

que caracterizam uma nova e ampliada cidadania (DAGNINO, 2004) decorrente da

experiência, com evidência subjetiva e afetiva para os sujeitos. Idealmente é o mesmo

processo de gênese de valores identificado por Joas (2012) como o desencadeador da

decodificação legal dos direitos humanos. Conformados por processos de comunicação, os

valores defendidos em argumentações públicas implicam na triangulação entre instituições

que os sustentem e práticas que os corporifiquem.

Nas instituições do estado democrático de direito, a comunicação pública existe no

próprio funcionamento, nas interações e relações estabelecidas entre a sociedade e o estado.

Essas organizações podem ser estudadas a partir da perspectiva normativa identificável nas

políticas, objetivos e práticas voltadas ao interesse público. A perspectiva estratégica,

também é necessária às instituições que obedecem aos princípios da transparência, prestação

de serviços, accountability e publicidade, através de mídias, produtos e ações comunicativas

que propiciem visibilidade. Diferentes gradações da visibilidade permitem potencializar

interesses privados (promoção de atores e discursos políticos) sobre interesses públicos

(ações próprias da instituição).

Na confluência do normativo e do estratégico podemos argumentar sobre o paradoxo

da visibilidade: a necessidade de promoção, apoio ou votos que incidem na aferição da

imagem pública poderá comprometer a qualidade da comunicação pública, sempre de caráter

institucional e público. Paradoxo devido à dependência que toda ação pública tem de

circulação e visibilidade e essa ação, por sua vez, estará associada e promoverá, em maior ou

menor escala, os atores a ela ligados.

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3. A Comunicação na Defensoria Pública

Na reflexão sobre a comunicação pública e o tensionamento do paradoxo da

visibilidade, cabe uma instituição voltada ao interesse público e à qualificação da cidadania: a

Defensoria Pública. Criada em 1988, pela Constituição Federal do Brasil6, é fortalecida pela

Emenda Constitucional 80, de 2014, que aponta para o potencial ético da Defensoria ao

ratificar seu papel essencial nas questões jurídicas e defini-la como “expressão e instrumento

do regime democrático”. A natureza dessa instituição está relacionada aos valores públicos

da democracia e aos direitos humanos e, nesse sentido, a Defensoria Pública do Rio Grande

do Sul – DPRS reúne a complexidade para efetuar a análise.

Essa abordagem permite associar comunicação e cidadania, uma vez que a DPRS atua

em defesa do direito de todos a ter direitos como cidadão, considerando as consequências do

acesso garantido à justiça; a paridade de tratamento diante da lei e, portanto, o

reconhecimento da igualdade para o exercício da cidadania. Sendo a cidadania o resultado de

um processo permanente e ativo de construção e experiências de direitos, a Defensoria

Pública permite identificar processos de comunicação e constituição da cidadania e de

visibilidade estratégica.

Para compreender uma instituição é fundamental acentuar seu caráter

permanentemente instituinte, sem limitar-se aos aspectos funcionais a ela associados,

percebendo os processos de interação comunicacional relacionados à própria gênese da

instituição (CASTORIADIS, 1982; BRAGA, 2010). Acreditamos que o exercício alargado da

cidadania qualifica a política e as democracias, na medida em que os cidadãos possam

adquirir maior consciência sobre seus direitos, deveres e do seu papel político. Para isso,

concorrem as instituições que executam políticas públicas visando à emancipação social.

Uma dessas organizações é a Defensoria Pública que executa a missão de fazer a orientação

jurídica e a defesa de necessitados, responsável pela função corretiva em relação à

dificuldade de acesso e mesmo exclusão das pessoas econômica e socialmente desfavorecidas

no sistema de justiça brasileiro; aqueles vulneráveis que não acessam a justiça e, na lógica do

6 O artigo 134 da Constituição Federal define a Defensoria Pública como uma “[...] instituição permanente,

essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime

democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos

os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos

necessitados”. (BRASIL, 1988).

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Estado Democrático de Direito, enfrentam a desigualdade como barreira para a efetivação de

seus direitos – concebidos como iguais para todos. Trata-se de uma instituição tão recente

quanto a retomada da democracia no Brasil, criada para dar voz ao cidadão excluído. A

inclusão possibilitada pela Defensoria é indicativa de maior democratização do espaço da

justiça e da vida social como um todo, visto que as decisões jurídicas têm validade para

afirmar direitos na vida das pessoas.

Os aspectos ético-normativos da Defensoria são definidos pelos textos legais7 e

indicam o caráter público da instituição; sua vinculação com a democracia; a promoção dos

direitos humanos e as expectativas sobre a instituição ratificadas pelo Estado. É a defesa do

interesse público que justifica a existência da Defensoria Pública, tendo na sua base, os

valores públicos da igualdade e da liberdade cultivados para promover a igualdade jurídica,

social e econômica.

O atendimento da DPRS - Percebemos ainda que a afirmação legal sobre a atuação da

Defensoria Pública, identifica e reconhece direitos e realiza o acolhimento público de

questões e direitos privados de pessoas necessitadas. Não há uma relação direta, no entanto,

entre a importância dessa instituição e a sua presença no território brasileiro. Pelo critério

adotado pelo Mapa da Defensoria Pública (MOURA et al., 2013), 83% da população

brasileira (com mais de dez anos, segundo o Censo 2010) seria considerada pobre (grupo

familiar recebe até três salários mínimos mensais) e, por isso, constitui o público potencial da

Defensoria Pública. No entanto, o diagnóstico feito para o Mapa da Defensoria Pública no

Brasil, em 2013, aponta que a instituição estava presente em apenas 28% das 2880 comarcas

brasileiras8.

A realidade das Defensorias no Brasil coloca a instituição gaúcha em situação

privilegiada. Efetivada por lei em 1994, hoje está presente em 97% das comarcas do estado e

registra, desde 2007, o aumento de atendimentos em 71%, chegando a 600.885, em 2015.

Esses índices de acionamento da população vulnerável à instituição apontam para um

processo importante de comunicação, experimentação e interação, na medida em que

defensores públicos e excluídos dialogam (Figura 1).

7 Principalmente Constituição Federal de 1988 (artigo 134); Lei Complementar 80/1994; Lei Complementar 132/2009 e Emenda Constitucional 80/2014. 8 Comarca é a unidade jurisdicional que pode equivaler a um ou mais municípios, ou mesmo a sua parte.

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FIGURA 1 – Fluxo geral de atendimento do cidadão na DPRS

Fonte: Carnielli (2016) com dados DPRS

A compreensão sobre a necessidade da atuação da Defensoria é percebida claramente

pelas pessoas assistidas, conforme demonstram os resultados da pesquisa9 realizada pela

DPRS com pessoas em atendimento. A confiança inspirada por ser uma instituição pública

(21,4%) aparece como uma das três qualidades da instituição mais referenciadas nas

respostas da pesquisa, de acordo com o Gráfico 1. O mesmo índice é verificado em relação à

obtenção de esclarecimento para enfrentar problemas e a possibilidade de falar e ser ouvido é

apontada por 19,6%. Ou seja, as pessoas possuem um espaço para narrar seus problemas,

receber orientação e, ao acessar os serviços da justiça, têm seus direitos concretizados.

9 Pesquisa de 2015, aplicada por defensores públicos em 4 cidades do RS. Foram entrevistadas 56 pessoas atendidas pela DPRS. Apesar de limitada pela amostra não probabilística, não estratificada e pela aplicação definida por acessibilidade e conveniência, a pesquisa fornece informações que ilustram o perfil dos assistidos e suas percepções sobre a DPRS. A pesquisa foi tabulada e divulgada por CARNIELLI (2016).

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GRÁFICO 1 – Qualidades da Defensoria Pública

Fonte: DPRS e CARNIELLI, 2016

Dessa forma, o espaço institucional de interação da DPRS se caracteriza pelas

demandas de afirmação de direitos apresentadas por pessoas historicamente excluídas do

espaço da justiça brasileira. As ações dirigidas à defesa dos direitos do cidadão vulnerável

mostram que, dos atendimentos em 201510, 71% das questões estão nas áreas do Direito

Civel ou de Família. Isso indica que os cidadãos buscam ativamente a regulação pública para

suas questões privadas, já que as principais questões não são criminais. A partir dessa

inclusão, a pessoa antes apenas acionada ou enunciada pela justiça na condição de ré

(sobretudo nos processos criminais), poderá, então, se apresentar como autora e enunciante

de suas demandas por reconhecimento e efetivação de direitos.

Outro aspecto sobre a interação institucional a ser destacado na pesquisa refere-se ao

acesso das pessoas assistidas à informação da DPRS e como a instituição é capaz de ajudar

naquela situação. Nas respostas (Gráfico 2) prevalece a origem vinda das relações

institucionais da pessoa com o Estado (42,8%, considerando 21,4% do fórum e 21,4% de

outros órgãos públicos) e das suas relações pessoais (41,1%). Ou seja, é a informação

qualificada pela experiência ou ligação com outras instituições e pessoas que têm relevância,

em detrimento das fontes de informação de veículos de comunicação como jornal, rádio,

televisão e internet.

10 Dados do Relatório 2015 da DPRS, disponível em www.defensoria.rs.def.br/lista/366/relatorio-anual

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GRÁFICO 2 – Acesso à informação sobre a Defensoria

Fonte: DPRS e CARNIELLI, 2016

O reconhecimento da Defensoria como instância ativa de preservação dos direitos de

pessoas que tomam a iniciativa de buscar a justiça para resolver questões controversas é

corroborada com a postura afirmativa em relação à percepção dos direitos em sua vida,

conforme indica a pesquisa (Gráfico 3). O total de 53,6% afirmou ter todos seus direitos

respeitados em sua vida.

GRÁFICO 3 – Percepção dos direitos

Fonte: DPRS e CARNIELLI, 2016

Com esses dados parciais é possível inferir que procurar a Defensoria Pública é uma

ação afirmativa para a efetivação dos seus direitos; é a ação de um cidadão que é autor da

requisição de seus direitos; alguém que é acolhido numa instituição pública e pode falar, ser

ouvido, expor seus problemas e receber informações que trarão resultados práticos para sua

vida.

Não se trata de um entendimento de cidadania centrado no papel do Estado, como os

críticos atribuem a Marshall (1967), nem direito concedido discricionariamente tal qual

privilégio, como percebe Carvalho (2013) na história brasileira. Poder levar as questões

individuais à justiça diz respeito ao exercício dos direitos civis, na base da tríade de cidadania

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de Marshall (1967) e que Carvalho (2013) indica que foram historicamente negligenciados no

Brasil. Mesmo assim, o reconhecimento do indivíduo de direitos, embora essencial, não é

suficiente para uma cidadania ampliada (DAGNINO, 2004), que só pode ser construída

relacionalmente. Entende-se que todo o processo em busca de afirmação e concretização de

direitos do cidadão socialmente excluído verificado na DPRS a caracteriza como espaço

institucional privilegiado em termos de interação comunicacional, promoção de direitos e

capaz de ampliar as experiências de cidadania de pessoas, ao instituir um lugar de fala para o

cidadão. No âmbito institucional está voltada para a capacidade de expressão e enunciação de

indivíduos e, portanto, em viés determinante para o amplo gozo dos direitos civis.

Recorrendo à lógica de fortalecimento da pirâmide de cidadania indicada por Marshall

(1967) e considerando todo o processo brasileiro de marginalização de cidadãos à

parcialidade dos três direitos (civis, políticos e sociais) que Carvalho diagnostica, o

fortalecimento da experiência civil no âmbito do sistema de justiça e o acolhimento público

do indivíduo em seus direitos feito pela Defensoria é um profícuo caminho para a afirmação

dos direitos civis como base para fortalecer os direitos políticos e sociais de um cidadão

brasileiro mais pleno.

Portanto, é possível perceber as lógicas interacionais como determinantes para o

funcionamento da DPRS, considerando que o encontro das pessoas vulneráveis com esse

serviço prestado pelo Estado instaura também um novo âmbito institucional que contribui

para o fortalecimento da cidadania. Por outro lado, a Defensoria, como todas as instituições

públicas, empreende processos de comunicação estratégica com seus públicos de interesse.

4. A Comunicação Estratégica da DPRS

A comunicação pública que caracteriza os processos da DPRS reside na dimensão

normativa que determina o funcionamento da instituição garantido por lei. A dimensão fática

dessa comunicação pode ser identificada por intermédio de acessos e diálogos entre o

defensor público e os assistidos, em torno de questões relacionadas ao bem público, à

igualdade e à cidadania. A perspectiva estratégica promove esses aspectos, porquanto

promove a instituição e a natureza de suas ações e benefícios.

A projeção estratégia de uma instituição está articulada à defesa argumentativa de sua

previsão legal voltada ao interesse público e às experiências de exercício de direitos do

cidadão proporcionadas por esse espaço institucional. Entende-se que o processo ideal de

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institucionalização conjuga as três dimensões: a razão de ser e as expectativas ideais que

orientam a instituição, a concretização desses propósitos no fazer institucional e a legitimação

pública. Consideramos que para a análise estratégica é necessário levar em conta como a

instituição, em sua apresentação pública, aciona os ideais normativos e as experiências

institucionais.

Em defesa do interesse público, a comunicação pública é estratégica quando gerada

por uma instituição pública como é o caso da DPRS. Trata-se de utilizar ações e meios de

comunicação determinados por objetivos relacionados à defesa argumentativa dos valores da

instituição. Considerando o tensionamento permanente entre interesses públicos e privados,

esses objetivos estratégicos conjugarão também a visão para objetivos privados ou mais

particulares.

A comunicação realizada por atores públicos tem caráter público e estratégico, pois

responde, simultaneamente, às necessidades de transparência e também aos seus interesses

privados ao buscar visibilidade política, imagem pública favorável, adesão de opiniões e

votos. Nesse sentido, a comunicação empreendida pelo Estado sempre será, necessariamente

estratégica e responderá aos legítimos interesses das instituições estatais.

Trata-se de entender o poder do Estado quanto à competência para obter visibilidade, informar, promover atores, instituições e projetos e, especialmente, de estabelecer relações e comunicação com os cidadãos, a sociedade e suas organizações. Este poder viabiliza um enfrentamento simbólico com as informações e notícias circulantes na esfera da comunicação midiática. (WEBER; COELHO, 2011, p. 73).

Os processos da comunicação do Estado na disputa por opinião, apoio e voto dos

cidadãos identificados por Weber (2011) a partir da investigação dos sistemas e da produção

de comunicação dos poderes executivo, legislativo e judiciário, elenca seis tipos de

estratégias identificáveis em organizações públicas, especificamente “visibilidade;

credibilidade; autonomia; relacionamento direto; propaganda e imagem pública”, que

demarcam a comunicação do Estado pautada pelo interesse público e, ao mesmo tempo,

sempre tensionada por interesses privados (WEBER, 2011, p.112). Dentre essas estratégias é

a necessidade de visibilidade que pode promover o desequilíbrio dos objetivos voltados à

comunicação pública de uma instituição quando perspectivas privadas e os atores políticos se

sobrepõem em busca da circulação de informações favoráveis à formação da sua imagem

pública e para a qual todos os esforços simbólicos e discursivos são acionados, especialmente

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no que se refere à ocupação de espaço mediático. A formação da imagem pública ocorre no

âmbito dos destinatários, da autonomia dos media e das manifestações de opinião pública que

se apropriam das informações em circulação, geradas ou não pela instituição.

Reconhecimento da DPRS - Uma das variáveis mais importantes da busca de

visibilidade e, consequentemente, de credibilidade, é a notícia e a ocupação de espaço

mediático. Nesse sentido, ao mesmo tempo que a instituição gera suas próprias notícias,

planeja ações estratégicas capazes de gerar pauta junto à imprensa e ser requerida como fonte

pela mídia. A inserção da DPRS na mídia é restrita se comparada com outras instituições

da justiça, mas são crescentes e positivas as referências, de acordo com os relatórios de

clipping encomendados pela Associação dos Defensores Públicos do Rio Grande do Sul,

em 2014.

A visibilidade midiática da DPRS associada ao reconhecimento por parte de seus

usuários pode ser constatada na pesquisa “Percepção da População Gaúcha sobre o Trabalho

do TCE-RS”11, onde a Defensoria Pública é citada como a quarta instituição pública com

80% do ‘nível de conhecimento’ (Gráfico 4). À sua frente, apenas as forças policiais que

possuem estruturas maiores e são mais capilarizadas.

GRÁFICO 4 – Conhecimento sobre órgãos públicos

Fonte: TCE (2014, p. 21)

11 Pesquisa realizada com 2.040 entrevistados presenciais, residentes em dez cidades gaúchas, maiores de 18 anos, de junho a agosto de 2014, com nível de confiança de 95%.

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Notícias produzidas pela DPRS - Para identificar as estratégias de comunicação

pública e a promoção da DPRS quanto à visibilidade das suas atividades dirigidas ao

interesse público e à promoção da cidadania, utilizamos como indicador a produção de

notícias geradas pela própria Defensoria e a respectiva veiculação no seu site. A importância

de analisar o conteúdo noticioso do site da instituição reside na premissa de que as notícias

publicadas pela instituição demostram, entre todas as ações, mais expressamente como ela se

posiciona, como se traduz ao público. Nas notícias está registrado o que a instituição escolhe

dizer de si e dos seus feitos para ser publicizado em seu site e também como sugestão de

pauta para a imprensa (já que as notícias são postadas em formato de release com contatos do

assessor de imprensa ao final).

A partir delas, busca-se identificar os temas mais recorrentes para entender a

constituição da DPRS e também as vozes/fontes acionadas por esse jornalismo institucional.

Weber e Coelho (2011) identificam o jornalismo institucional do Estado como aquele

prooduzido por jornalistas ligados às instituições estatais com objetivo de informar os

cidadãos sobre suas ações. Está colocado como estrutura especializada para fornecer notícias

entre o Estado, que é a fonte das informações, e o jornalismo midiático e o público (WEBER;

COELHO, 2011, p. 69-70).

Ao longo de 2015, a DPRS publicou 593 notícias em seu site, organizadas em doze

editorias que identificam a área de atuação do Direito ou a iniciativa institucional, como é o

caso do Programa de Modernização Institucional12. A análise das notícias foi realizada em

três etapas: classificação das notícias por editoria; identificação dos temas e das vozes/fontes

das notícias veiculadas pela DPRS.

Para operacionalizar a análise dos temas e vozes desse conteúdo, optou-se pela

construção do mês composto no ano de 201513. Após essa seleção, as notícias foram

analisadas individualmente.

12 O PMI é um projeto financiado pelo BNDES para investimentos na informatização, infraestrutura, capacitação, ações itinerantes de atendimento e melhoria dos veículos de comunicação. 13 Para o Dia 1 foi considerado o primeiro dia do mês de janeiro e assim, sucessivamente, para os trinta dias e na sequência dos doze meses do ano. Identificada a data de referência, a seleção foi sempre da primeira notícia publicada a partir daquela data. De 24 a 31 de dezembro não houve publicações o que impediu a seleção de notícias.

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a) Editorias

O levantamento das notícias por editorias considerou a classificação da própria DPRS.

A maior porcentagem de notícias (Quadro 1) está na editoria Geral (57%), com notícias sobre

a gestão da instituição, realização de concursos, inovações em procedimentos, e eventos.

Entre as editorias específicas, destacam-se a Defesa da mulher (9%), Defesa da criança e do

adolescente e o Projeto de Modernização Institucional com 8%, a Defesa agrária e moradia

(7%).

QUADRO 1 – Editorias das notícias do site da DPRS em 2015

Editoria Total de notícias

Porcentagem

Geral 339 57%

Defesa da mulher 51 9%

Projeto de Modernização Institucional PMI 47 8%

Defesa da criança e do adolescente 46 8%

Defesa agrária e moradia 39 7%

Defesa em execução penal 32 5%

Defesa da saúde 23 4%

Defesa dos direitos humanos 22 4%

Centro de Referências em Direitos Humanos 21 4%

Defesa do consumidor e de tutelas coletivas 19 3%

Defesa criminal 10 2%

Defesa ambiental 3 1%

Total 593 *14

Fonte: Carnielli (2016)

O Quadro 1 evidencia a concentração de informações de caráter institucional,

totalizando 65% (Projeto e Geral) e mostrando a valorização da própria DPRS quanto a

questões administrativas, em detrimento dos outros dez itens que representam, de fato, a

natureza da instituição.

b) Temas

A análise do conteúdo das notícias permitiu identificar quatro grupos de assuntos

recorrentes promovidos pela DPRS: temas institucionais, de gestão e investimentos; relação

14 A soma das porcentagens é superior a 100% pois há casos de uma mesma notícia ser classificada pela DPRS em mais uma editoria simultaneamente.

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da instituição com sociedade organizada; relação da instituição com outras instituições do

Estado e serviços e informação sobre serviços prestados à população.

De acordo com o Quadro 2, as notícias que abordam a relação da Defensoria Pública

com outras instituições do Estado totalizam 43% e incluem ações conjuntas e participação em

eventos. Na sequência, estão as notícias sobre a gestão e investimentos da DPRS (26%).

Apenas sete notícias (23%) relatam os serviços prestados ou oferecem informações para o

assistido. A menor incidência (13%) está nas notícias que abordam parcerias ou

relacionamento da instituição com organizações ou movimentos sociais.

QUADRO 2 - Tema das notícias da DPRS em 2015

Temas Notícias*15 Percentual

Relação com outras instituições do Estado 12 39%

Institucional, gestão e investimento 8 26%

Serviços prestados à população, informações para o assistido 7 23%

Relação com sociedade organizada 4 13%

Fonte: Carnielli (2016)

Na análise dos temas, chama atenção a baixa representatividade de notícias sobre a

atividade-fim da instituição: os serviços prestados à população. Por outro lado, o destaque

está no relacionamento institucional com outras estruturas do Estado, assim como os feitos da

gestão institucional.

c) Vozes

Na análise das vozes foram consideradas as indicações no texto feitas por citação, ou

por relato. Os apontamentos de presença de autoridades e líderes sociais nos eventos e

cerimônias feitos nas notícias sem registro da voz por citação ou relato não foram

considerados na análise.

Na análise foram identificadas quatro categorias de vozes consideradas fundamentais

para a compreensão da ação estratégica da DPRS, dirigida à cidadania, especificamente:

gestores DPRS e defensores; sociedade organizada (movimentos ou organizações sociais);

outras instituições do Estado e cidadãos assistidos.

15 O total (31) é superior ao número de notícias analisadas porque uma mesma notícia estava relacionada a vários temas.

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Os resultados (Quadro 3) mostram que a DPRS tem um discurso marcadamente

autocentrado, já que a voz de seus gestores ou defensores aparece em 59% das notícias

analisadas. Vozes de atores de outras instituições do Estado têm ocorrência de 10%. A

sociedade organizada fala em 7% das notícias, enquanto o cidadão assistido tem voz em

apenas 1 das 29 notícias representando 3% de ocorrência.

QUADRO 3 – Vozes das notícias

Vozes/fontes das notícias Notícias*16 Percentual*

Gestores DPRS e defensores 17 59%

Outras instituições do Estado 3 10%

Sociedade organizada 2 7%

Cidadãos assistidos 1 3%

Fonte: Carnielli (2016)

Ainda sobre a identificação das fontes, destaca-se o número de notícias em que não

houve citação ou relato de vozes. Das 29 notícias analisadas, 13 não têm vozes, são as “notas

secas” como denomina o jargão jornalístico. Em 12 notícias houve referência a apenas uma

categoria de voz (em todos os casos gestores da DPRS e defensores). Duas categorias de

vozes foram identificadas em três notícias e a ocorrência das quatro categorias de vozes foi

verificada em apenas uma notícia.

A análise dos temas e vozes recorrentes nas notícias do jornalismo institucional da

DPRS mostrou que há forte destaque para a própria atividade de gestão da instituição e não

para os serviços prestados à população ou informações para o cidadão, como poderia ser

esperado em decorrência de sua missão institucional. A verificação de um discurso sem

relevante representação de outras vozes a não ser a da própria instituição sugere o

silenciamento do cidadão na comunicação produzida pela DPRS. Essa constatação a coloca

em contradição com a natureza de sua prática que processa a inclusão de pessoas vulneráveis.

A comunicação estratégica da DPRS indica esforços direcionados para a busca de

reconhecimento na estrutura estatal; para se firmar como interlocutor de relevância na

16 *O total de notícias com ocorrência de vozes (23) é diferente do que o de notícias analisadas pois há casos de uma mesma notícia com duas ou mais vozes e ainda notícias sem vozes, o que explica também a soma das porcentagens ser menor do que 100%.

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estrutura burocrática e a busca de apoio e orçamento. O crescimento da instituição pode ser

um indicativo de que essa estratégia trouxe resultados quanto a sua capacidade de ampliar

seus serviços. No entanto, a estratégia da instituição identificada nas notícias que produz

sobre si mostra claramente a dissociação entre a força da instituição que está na natureza das

suas práticas em benefício dos direitos humanos e a sua apresentação pública. O que

significa que a narrativa que alimenta a rede de comunicação pública em torno do assistido da

DPRS e que subsidia seu acesso à informação sobre a instituição não tem sido objeto da

gestão estratégica da comunicação feita pela instituição.

5. Paradoxo da Visibilidade

No espaço possível tentamos refletir sobre a imperiosa visibilidade focada em ângulos

da instituição Defensoria que se sobrepõem a práticas importantes para a cidadania e a

democracia, porque o foco não está no público atendido, sendo privilegiadas as relações de

poder. As informações e dados coletados sobre os processos de comunicação da DPRS

permitem identificar os processos e relações de comunicação imanentes ao funcionamento da

instituição.

A visibilidade da DPRS importa para a identificação do paradoxo, nas duas

perspectivas comunicacionais que podem ser convergentes e, no entanto, coexistem em

paralelo. A primeira, da ordem da interação, aponta para os resultados das pesquisas em

direção à qualidade, importância e reconhecimento das funções da DPRS, a partir da opinião

dos assistidos e da opinião pública. Na segunda, de ordem estratégica, a DPRS se apresenta

em eventos e notícias, promove a voz e a opinião de seus gestores e defensores. Os temas

preponderantes são aqueles de caráter institucional e que demonstram as relações com outros

órgãos estatais.

Do ponto de vista interacional da instituição, procedimentos e relações promovem a

cidadania e o reconhecimento de pessoas passíveis de marginalização social, política e

jurídica. Nesse sentido, o ethos dessa instituição é a valorização dos direitos humanos e,

como tal, qualifica a democracia em defesa do interesse público. Assim, a comunicação

pública pode ser identificada quanto à comunicação realizada em prol do interesse público.

No entanto, essa qualidade concretizada em seu âmbito institucional não é promovida como

estratégia de visibilidade da instituição.

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A constatação de um discurso autocentrado, sem relevante representação de outras

vozes que não a da própria instituição ou de outros atores estatais pode indicar a dissociação

entre a percepção do cidadão como público destinatário de seus serviços e a decisão sobre o

que deve ser estrategicamente divulgado em nome da Defensoria. Essa indicação também

aparece na análise dos temas das notícias.

Uma instituição pública nunca poderá se furtar da necessidade do relacionamento

institucional e político de acordo com seus procedimentos, em busca de visibilidade de seus

atos. Para a DPRS, entretanto, o público assistido e a sociedade organizada não estão

identificados no seu discurso institucional e assim contrariam a sua própria missão pública e

institucional.

A despeito disso, as análises permitiram identificar uma rede de comunicação pública

(WEBER, 2007) constituída a partir da DPRS. A pesquisa com as pessoas atendidas pela

Defensoria Pública mostrou, quando os cidadãos indicam a sua fonte de informação sobre a

instituição, a constituição de uma rede de comunicação pública a partir dos relacionamentos

pessoais e institucionais do cidadão que o ligam a líderes de opinião e outras instituições do

Estado que fazem a mediação do seu acesso a outros serviços como educação, saúde e

segurança. Nesse âmbito, como fonte de informação decisiva para a Defensoria, importa mais

a experiência das interações cotidianas desse cidadão que não são considerados estratégicos

para a comunicação midiática e para a sua própria comunicação (site, redes sociais). Ou seja,

parece razoável afirmar que há uma rede de comunicação pública constituída a partir da

Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, não em torno dela, mas sim em torno do cidadão.

São as relações pessoais e institucionais desse cidadão que o ligam à Defensoria, e não as

ações de comunicação da Defensoria que chegam até ele – ao menos até a sua primeira

experiência com a instituição.

A DPRS parece não reconhecer a força comunicativa do seu trabalho relacionado ao

acolhimento público e à defesa de direitos. É na experiência real da interação comunicacional

que a instituição se manifesta, constrói seu próprio sentido e dos atores que vivenciam os

papéis institucionais. Como afirmam Berger e Luckmann (1988), à vida institucional impõe-

se a necessidade de legitimação, pois é necessário interpretar o significado das instituições

em fórmulas legitimadoras, capazes de contar a mesma história e transformar a memória

biográfica de uma geração em legitimação para a próxima geração. Nos quatro níveis de

institucionalização indicados por Berger e Luckmann pode-se adaptar a DPRS. O primeiro

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(dizer e nomear a instituição) está na história e identidade da Defensoria Pública. No segundo

que abrange a referência a ações concretas, a DPRS tem, no próprio cidadão, uma

testemunha. No terceiro nível são as teorias explicativas oferecidas por pessoas

especializadas que contribuem para a instituição atingir sua autonomia e gerar seus próprios

procedimentos institucionais. O último nível é constituído pelo universo simbólico que

abrange a ordem institucional. A legitimação confere à instituição uma cobertura protetora

de interpretações do conhecimento e das normas, atribuindo dignidade normativa a seus

imperativos práticos. Pode-se afirmar que a DPRS está entre o segundo e o terceiro nível,

investindo esforços para afirmar a sua autonomia como instituição essencial à justiça e à

promoção dos direitos humanos. Mas a qualificação de um nível a outro não poderá ser feita

sem o fortalecimento da experiência real, onde as situações de enunciação e efetivação de

cidadania são vividas pelos sujeitos e seus direitos de cidadão concretizados. São elas que

corporificam e comprovam as teorias explicativas, sob pena de tornarem-se teorizações

vazias quando não há esse embasamento.

6. Considerações Finais

Para relacionar a Defensoria Pública às dimensões da comunicação pública e da

comunicação estratégica três perspectivas concorreram: a normatividade, a facticidade e a

estratégica. Integradas e equilibradas fortalecem a instituição democrática agindo em prol do

interesse público. Em desequilíbrio ou sobrepondo ações privadas às públicas, mesmo

simbolicamente, as estratégias de comunicação afetarão a legitimidade e a credibilidade. Para

a instituição Defensoria Pública isso significa fazer da letra fria da lei experiência vivida e,

da cidadania, valor socialmente instituído.

O debate sobre o paradoxo da visibilidade realizado a partir da análise da

comunicação imanente e aquela produzida pela DPRS identificou a prevalência do

acionamento estratégico da visibilidade sobre as suas interações institucionais. Essa estratégia

é dirigida à obtenção de resultados quanto ao reconhecimento e relacionamento da instituição

dentro da estrutura burocrática do Estado democrático. Essa decisão, estranhamente, não

aparece associada ao trabalho desempenhando em torno da inclusão social e da valorização

da cidadania àqueles marginalizados pelos sistemas políticos e jurídicos, que é a justificativa

de sua existência.

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Na forma com que a Defensoria faz circular os temas de interesse público relativos

aos direitos do cidadão foi possível verificar a constituição de rede de comunicação pública.

A rede se constrói, destacadamente, a partir dos relacionamentos pessoais e institucionais do

cidadão que se coloca numa postura ativa em relação aos seus direitos ao procurar a

Defensoria Pública.

Como sujeitos enunciantes dessa rede de comunicação pública, os cidadãos ocupam

novos lugares de fala, reconhecem e têm reconhecidos seus direitos, possibilitando uma

vivência mais plena da cidadania. Uma cidadania que é experimentada através das interações

comunicacionais travadas nas situações de afirmação e efetivação de direitos proporcionadas

pela atuação institucional DPRS. No entanto, essa qualidade da instituição é silenciada na

produção da sua visibilidade estratégica, o que demonstra que as relações de poder e

institucionais externas à instituição são mais valorizadas. Não chegam a constituir a

sobreposição do privado sobre o público, mas limitam a visibilidade real e legítima da

comunicação pública da DPRS e as relações ali constituídas que privilegiam a cidadania.

Ao privilegiar a dimensão administrativa e promocional nas ações estratégicas da sua

comunicação em detrimento à valorização do acolhimento e promoção da cidadania, uma

organização pública como a DPRS contribui para a reflexão sobre o paradoxo da visibilidade.

Referências

BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1998.

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. São Paulo: Paz e Terra, 2012.

BRAGA, J. L. Comunicação é aquilo que transforma linguagens. Rio de Janeiro: Revista Alceu, v. 10, n.20, jan/jun 2010, p. 41-54.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal. Acesso em 29 de dezembro de 2015. Disponível em:http: //www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/quadro_emc.htm.

CARNIELLI, F. Z. A cidadania e a sua instituição: estudo de comunicação pública sobre a Defensoria do Rio Grande do Sul. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação. Porto Alegre, 2016

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

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