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comunlc c o dogrotes o uniz Sodre Como pensara cultura de massa brasi l eira it l uzda modern a Teoria da Comunica,ao? Na primeira partedeA Comunica  a o do Grotesco 0 autor procura i ndicar as motiva,Oes politi cas e mitol6gicas dessa cultura. As conclusOes, a f irma ele, n ao sao defini t ivas epodem mes mo converter-seem hip6teses para novas pesquisas . Na se- gunda parte analisa as revistas e a televisao . A escolha seprendeao fato detais velculos implicarem num con sumo passive , estando por isso mais diretamente ligado s ao lazer e it disponibi li dade de tempos mortos na vida do ho mem con t e m poraneo ; fornecem , poroutro lado , uma id e i a m ais precisa da for a de evasao ep i sodica no interior da cu tura de massa . o ivro mostra , gua l mente , como uma engrenagem industria l pode utilizar velhos mecanismos da consciencia coletiva pa ra combi n ar, sob a egide do consu m o, culturas dediversas forma,Oes sociais coexisten t es. E aponta , por fim, a mais g r ave de suas coseqOencias: a destrui,ao dos val<;>res da cui tu r a rustico - plebeia nacional. o autor nasceu em Sao Gon a l o d os Campos (Bahia) . Ba c h a r e l em Cia n ci as Jurldicas . e Soc i a i s p ela U niversidade Fe- dera l da Bahia ( 1 964 ; cursou Sociologia da In fo r ma ao eda Comunica,ao - nlvel de mestrado - na Sorbonne(Fran,a) . E xerce 0 mag i sterio em varias universidades brasileiras . Jornalista profissional, e redatorde variosjornais e revist as . Publicou varias obras , entre elas a Monop lioda F ala (Vo zes) . IS  N . 326.0794  2 6 o ,

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•comunlc c o

dogrotes o

uniz SodreComo pensara cultura de massa brasi leira it luzda modernaTeoria da Comunica,a o? Na primeira partedeA Comunica a o do Grotesco 0 autor procura indicar as motiva,Oes politicas e mitol6gicas dessa cultura.As conclusOes, afirma ele, nao sao defini t ivas epodem mesmo converter-seem hip6teses para novas pesquisas . Na se-

gunda parte analisa as revistas e a televisao .A escolha seprendeao fato detais velculos implicarem numcon sumo passive ,estando por isso mais diretamente ligadosao lazer e it disponibi lidade de tempos mortos na vida do homem contemporaneo; fornecem ,poroutro lado , uma ideiamais precisa da for a de evasao episodica no interior da cuitura de massa.o ivro mostra, gualmente,como uma engrenagem industrialpode utilizar velhos mecanismos da consciencia coletiva para combinar, sob a egide do consumo, culturas dediversasforma,Oes sociais coexisten tes. E aponta , por fim, a mais

grave de suas coseqOencias: a destrui,ao dos val<;>res da cui

tu ra rustico -plebeia nacional.o autor nasceu em Sao Gon a lo dos Campos (Bahia). Bacharel em Cianci as Jurldicas .e Sociais pela Universidade Fe-deral da Bahia (1964 ; cursou Sociologia da In fo rma ao eda

Comunica,ao - nlvel de mestrado - na Sorbonne(Fran,a).Exerce 0 mag isterio em varias universidades brasileiras .Jornalista profissional, e redatorde variosjornais e revistas.Publicou varias obras ,entre elas aMonop lioda Fala (Vozes).

IS  N . 326.0794  2

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A Comunicar ao

o Grotesco

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  o l e ~ a oVOZES O MUNDO MOD  RNO4

editorial:

MARIO PONT S

1

I

COMUNIC C O

O GROTESCO

ntrodUfaocultur de m ss

br sileir

uniz Sodri

12 E d i ~ o

Petr6polis1992

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Pre acio

No BRASIL OS AUTORES DE TRABALHOS SOBRE COMUNICAGAO

au cultura de massa lembram bastante Bouvard ePecuchet, personagens de Flaubert, muito apegados s

teorias dos rnanuais e pOlle aos fatas. E no que toea

a cultura de mas sa nacional quase nada se diz. Istose deve, em parte, ao velho hAbito de transplante cultural por parte das elites intelectuais nativas e a escassa tradicao de reflexao sobre a ossa realidade.Em parte, tamhem a pr6pria confusao em torna daTeoria da Comunicacao e todas as suas ramificacoes.

Althusser observa que urna ci ncia em nascimento or-

re 0 risco de pOr a serviCD de sellS procedimentos 'habituais a ideologia em que se banha . A Teoria daCort:lunicacao naD pocteria fugir a esse perigo. NosEstados Unidos, situada no campo das chamadas c i ~ n -cias humanas, ela ainda se acha parcial mente bloquea

da pela ideologia empirista que domina 0 panoramacientifico americano. Ali onde e mais desenvolvido 0

estudo dos veiculos de massa e do comportamento dopublico, a pretensa ciencia da comunicacao e urna colcha de relalhos, conslitufda por milhares de pesquisaspatrocinadas por empresas de publicidade, fundacoes,universidades ou 6rgaos governamentais.

Dessa forma, os americanos ainda nao puderam dominar esse mon stro epistemol6gico que e a Teoria daComunicaC;ao embora se valham de outras discipJinasjll conslituidas (Antropologia, Sociologia, elc.) paraerigir as suas linhas de pesquisa. Ora, sem a instauracao do processo te6rico necessaria it sua canstituic;ao definitiva como c i ~ n c i a a comunicacao corre 0

risco de converter-se numa tecnica de recursos gigantescos destinada a promoc;ao e it perpetuacao dos ob-

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jetos e simbolos da sociedade de consumo ocidental.Vma c i ~ n c i nao progride sem uma ideia precisa desua natureza e de sells meios de desenvolvimento, 0

que s6 pode ser conseguido por arduo esforco te6rico.Enos Estados Vnidos, com relacao aos mass-mediatern havido rna is uma prdtica industrial do que umapratica te6rica, indispensavel it prodUf;ao dos conceitoscienUticos adequados. Por sua vez, 0 panorama cienUtico europeu - notadamente 0 caso frances - caracteriza-se pelo contra rio : rnuitas teorias, em baseslinglifstico-socioJ6gicas, e poucas pesquisas, que supoemsempre grandes recursos de financiamento.

Como pensar a cultura de rnassa brasileira it luz darnoderna Teoria da Cornunicac;ao? Reconheternos asdificuldades. Para comec;ar carecemos de pesquisa ede teoria pr6prias. Mas carecernos tambern de urnacerta coragern necessaria para esquecerrnos das compJicacoes te6ricas. desnecessarias. As vezes, e precisoretomar a ideia nietzsc heana de ruminar ideias ao

ioves de persistir numa exegese que conduz invariavelrnente a impasses.

Este. trabalho nao ultrapassa, assirn, 0 quadro de urnensalO termo e usado aqui em seu sentido radical,de tentativa, mas tambern de forma literaria caracterizada pela brevidade . e pela interpretacao pessoal.Nossa intenc;ao e ademais, didatica. Levarnos em considerac;ao 0 oosso contexto de pais em desenvolvimen-10. E lambem a falo de que a Iransforma,ao das estruturas ec<?nomico-sociais de urn pais depende de umavontade nacional de transforrnar. Essa vontade decorrede urn processo primordial mente politico. A China rni-lenar precedeu de longe 0 mundo ocidentaJ na acumlllac;ao de conhecimentos cientificos, mas nao realizollantes do Ocidente a sua revoIlIc;ao industrial. De nadaserviria ao nosso projeto de desenvolvimento, por exemplo promover pesquisas cientificas e entesourar osseus resultados sem utiliza-Ios na renovac;ao ·das estruturas socia s . 0 projeto de transformac;ao nacionalesta Jigado a lima ideia nacional de desenvolvimento.E na nossa epoca, em nossa sociedade, os veiculosde comunicac;ao de massa sao meios tecnicos indispensaveis it transmissao dessa ideia.

Nao resta duvida nenhuma de que 0 processo de desenvolvimento economico tern de coincidir com limamobilizac;ao ideol6gica de ordem nacional. 0 sistemade comunicacao nacional nao deve exercer i n f l u ~ n c i scontrarias. 0 soci610go Lucian W. Pye observa que a

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dicotomia entre a poUtica e as comunicac;oes nao existe com relac;ao it construcao de uma estrutura politica;o processo mesmo de comunicacoes e coincidente como processo politico. desenvolvimento da estrutura dascomunicac;oes, a criac;ao de modos de cornunicac;ao maiscoerentes e 0 fortalecimento de todas as formas de c o ~municacao recfproca 'sao tambem inerentes ao desenvolvimento de uma estrutura politica mais integrada e mais

sensfvel . No Brasil, a velha estrutura politica formou·se com urn sistema comunicativo baseado nas relac;oesinterpessoais, no prestigio do cabo eleitoral rnais pr6-ximo - 0 cidadao de uma sociedade economicamente

n o ~ e x p n s i v tende a contiar apenas na palavra verbal direta dos que integram 0 mesmo ambiente.

Hoje, porem, quando sao evidentes 0 abalo dos sistemas tradicionais de poiftica e de comunicacao e 0

progresso dos media eletrOnicos, a cultura nacionalpermanece presa a padroes imobilistas. Sabemos que,enquanto a c i ~ n c i avanc;a, as representac;oes coletivas permanecem seculos atrasadas. E' dentro de umaperspectiva de alienac;ao e de crise que enxergamosa cultura de massa brasileira. Na primeira parte destetrabalho, procuramos indicar as suas motivac;oes poH-ticas e mitol6gicas. As concJusoes nao sao definitivas:podem converter-se em hip6tese de novas pesquisas.Na segunda parte, analisamos as revistas e a televisao.A escolha se prende ao fato de considerarmos queesses veiculos implicam num consumo passivo, estando

p ~ r isso mais diretamente ligados ao lazer e it disponibilidade de tempos mortos na vida do homem contemporAneo. Fornecem uma ideia mais precisa da forc;ada evasao epis6dica no interior da cultura de massa.E nao deixam duvidas de que por tras do racionalis·rna de Apolo (a escrila) e do arrebalamenlp de Dionisio (a imagem) se encontra 0 olho comercial deHermes.

MUN Z SOOR

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I ultura e ullura de Massa

NAO HA SOCIEDADE, POll MAIS AIlCAICA QUE SEJA

sem urn sistema de comunica9ao, ou seja, semurn sistema de circula9ao de informa90es baseado num c6digo comum. A n09ao de comunica9ao,apesar de toda a sua complexidade te6rica, serasubmetida aqui a uma simplifica9ao necessaria:Comunica9ao e troca de inforrna90es (estimulos,irnagens, sirnbolos, mensagens) possibilitada porurn conjunto de regras explicitas ou irnplicitas ,a que chamarernos de Clidigo rn exemplo dec6digo de cornunica9ao com regras explicitas -fixadas por conven9ao clara e inequivoca - eo C6digo Morse. A lingua tambern e urna espe

cie de c6digo, mas com regras irnplicitas, subentendidas para todos os usuarios, letrados ou

analfabetos, nurna comunidade Iingiiistica . Nasciencias sociais, a cornpreensao dessas regras

. perrnite a constru9ao de urn rnodelo te6rico doconjunto, antecipador do real, que recebe 0 nome

de estrutura Entender a estrutura de urn sistema irnplica em decifrar 0 seu c6digo.

Mas alern dessa visao geral, metalingiiistica, a

estrutura tern urn sentido mais especifico em Antropologia Cultural. E que todo agrupamento

humano s6 se torna possivel mediante uma coerencia interna - a cultura - que e tambem a

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sua estrutura. Toda cultura, portanto, e uma estrutura de c o m u n i c a ~ a o que s6 pode ser compreendida pel a d e c i f r a ~ a o de seu c6digo. Mas aestrutura tem duas faces: uma explicita de sentido s6cio-antropo-etnogrAfico, ou os ditos fenlimenos culturais comuns) e outra implicita as

regras formais de c o m u n i c a ~ a o que compoem 0

c6digo). Fica evidente que 0 conhecimento doc6digo nao esgota a cultura. Alem do mais., osfenlimenos explicitos reagem constantemente emretorno sobre as regras implicitas, chegando asvezes a transformA-las.As sociedades hist6ricas variam os seus sistemasde c o m u n i c a ~ a o mas a Sociologia identifica hojedois tipos principais: 0 sistema oral e 0 sistemapor media veiculos indiretos ou de comunica

~ a o de massa). Atraves das respostas a qu estoesjA paradigmAticas em pesquisa de c o m u n i c a ~ a oquem diz, 0 que, a quem, com que efeitos), per

cebe-se melhor a diferen,a entre os dois sistemas:

Conal

ublico

Fonte

ConteuC o

1

Sistema d media SI,tema oral

media {com. indireta oral com . direta

au difusaoJ ou caro-a-coro)

masso (ample, dispersa, prim6rio homogeneo)

heterogenea)

profissionol Ihabilito ;aol hier6rquica baseoda

no stotus sociol

descritivo prescrilivo bo seo dono costume

e no trodi ;ool

Este quadro nlio e evidentemente, rigido, podendohaver a c o e x i s t ~ n c i a dos dois sistemas. Nos paisesainda nao desenvolvidos, essa coexist@ncia e bastante comum. Mas se tem como absoluto 0 fato de

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que a d i r e ~ a o da m u d a n ~ a se dA sempre no sentido sistema oral -> sistema de media. Esta mudan

~ a , por sua vez, mantem estreita c o r r e l a ~ a o comos novos modos de p r o d u ~ a o e com uma serie defenlimenos sobrevindos no conjunto da sociedade:

u r b a n i z a ~ a o , alfabetiza,ao, i n d u s t r i a l i z a ~ a o e de

senvolvimento econlimico-social. Um sistema dec o m u n i c a ~ a o pode servir como barlimetro do desenvolvimento econlimico de um pais e como espelho de suas caracteristicas s6cio-politico-culturais.o moderno fenlimeno da cultura de massa s6 setornou possivel com 0 desenvolvimento do sistema de c o m u n i c a ~ a o por media, ou seja, com 0

progresso e a m u l t i p l i c a ~ a o vertiginosa dos veiculos de massa - 0 jornal, a revista, 0 filme, 0

disco, 0 rAdio a televisao. Como causas subja

centes necessArias, mencionam-se os fenlimenosda u r b a n i z a ~ a o crescente, da f o r m a ~ a o de publicosde massa e do aumento das necessidades de lazer.Portanto, 0 que se convencionou chamar culturade massa tem como pressuposto, e como suportetecnol6gico, a i n s t a u r a ~ a o de um sistema moderno de c o m u n i c a ~ a o os mass-media, ou veiculosde massa) ajustado a um quadro social propicio.

o problema que tem agitado os scholars gira em

torno da exist@nciada

cultura de mass a como umaunidade antropol6gica autlinoma, em o p o s i ~ a o auma silposta cultura elevada ou superior: Naoseria essa p r o p o s i ~ a o d i s t i n ~ a o ) mero preconceito de uma classe detentora da p r o d u ~ a o da

cultura?

Para ten tar solucionar a questao, e preciso voltarbrevemente Ii n o ~ a o , em geral nebulosa, de cul

tura. JA deixamos assente: a cultura e uma estrutura biface - c6digo e a t u a l i z a ~ o e s c o n c r e ~ o e s ) .Articula-se ao sistema social e torna possiveis asdiferentes trocas entre os homens bens, mensagens, mulheres) ou entre os homens e a natureza a t r a n s f o r m a ~ a o e a a s s i m i 1 a ~ a o ) . A cul-

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tura e, na verdade, urn sistema mediador - umaespecie de circuito que possibilita a c i r c u l ~ o aanalise e a constru,ao do real Izumano (nao scpode falar, assim, de uma cultura simplesmenteanimal).

Em Iinhas gerais, como ela funciona? Consideremos 0 processo de fabrica,ao de uma mesa. Atraves da experi@ncia hist6rica do trabalho, 0 marceneiro aprendeu a serrar a madeira e a articularas diversas partes do m6vel. Cada novo conhecimento enriquecia as regras (0 c6digo) de constru,ao da mesa, que por sua vez eram mantidascomo pad roes necessarios etapa seguinte - af b r i c ~ o de novas mesas. Se alguem quisesseinovar em materia de mesas, teria de ultrapassar

o cMigo ja assente desse m6vel. E' perfeitamente visivel a r e l ~ o dialetica entre 0 c6digo e aexperi@ncia existencial: urn avan,a com a ajudado outro. A cultura e precisamente a estruturaque possibilita a dialetica c6digo/ exist@ncia atra-

ves da troca de informa,oes entre os dois niveis),a analise do real e a cria,ao. Mas a cultura s6

~ x i s t e no tempo e muda, de acordo com as encarna,oes hist6ricas, a sua organiza,ao interna.Em conseqil@ncia, pode existir uma cultura sin

cretica (onde haja uma unidade religiosa dosconhecimentos, como nas sociedades arcaicas),mas tambem uma cultura heterogenea, de realidades diferentes (social, economica, etc.), comose da historicamente na nossa sociedade. Cadauma. .dessas realidades diversificadas comporta,po{ sua vez, uma subestrutura (ou uma estruturaparcial), com seu c6digo particular e seus fenomenos explicitos especificos, sempre regidos poruma dialetica estruturante.

Aquilo a que em geral cham amos de culturatern urn sentido estritamente sociol6gico: i 0 sa-

ber das artes e das letras (as Humanidades), legado greco-Iatino iricorporado pelo Ocidente. Esta

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cultura, de raizes aristocraticas, denominada pormuitos de superior ou elevada tomou vullo apartir do seculo XVI. Ap6s a e n a s c e n ~ a c aReforma, a intelligentsia (classe dos intelectuais)c a cultura se Iibertaram da rigida a m b i e n t a ~ a osocial imposta a vida culta pelo Cristianismo du

rante a Idade Media e se separaram em demasiada exist@ncia comurn - a cultura era campo particular dos privilegiados do espirito , dos aristocratas. Dela c o m e ~ o u a se apropriar, no seculoseguinte, a burguesia ascendente (intelectuaiscomo Spinoza, Hobbes, Descartes, ja provinhamdessa c1asse), desejosa de arrebatar os simbolosde status da aristocracia e tam bern ·de marcar asua p o s i ~ o como c1asse. No seculo XVIII, urnnumero maior de burgueses (Diderot, Rousseau,

d Holdach, Voltaire e outros) ascendeu as posi,oes-chaves da cultura. No seculo XIX, a c1assevitoriosa , senhora absoluta dos meios de produ,ao, passou a patrocinar integral mente a culturae os intelectuais. Estes se abriam, esporadicamente, para a vida social, mas em geral esta era entendida como a vida da nova c1asse no poder. Noseculo XX, a cultura elevada voltou a fechar-senum certo hermetismo e numa p o s i ~ o que exaltaa aristocracia do espirito, separando-se - como

ap6s a Reforma - da vida comum.

Qual 0 c6digo atual des sa cultura? Segundo EdgarMorin, elee estetico-cognitivo: leva ao conhecimento cumulativo do saber humanistico, mas aomesmo tempo orienta as percep,oes, as condutas,

os gostos do iniciado, de acordo com modelos esteticos consagrados. Urn entendido em Picasso,

por exemplo, deve nao apenas conhecer a obrado pintor, mas ser tambem capaz de sentir 0

mundo como ele, ou seja, de ressentir 0 seu atacriador. E a cria,ao e tida como apanagio dessacultura. Caberia vanguarda, aos genios, no interior da intelligentsia sentir a ferida mitol6gica

IS

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de Filoctetes (de S6focles) e ultrapassando 0 cO-

digo, criar. 0 que tern cabido II classe detentorados meios de p r o d u ~ a o 0 usa social do c6digo.A classe que fin ancia a intelligentsia - 0 financiamento nao exclui a revolta eventual dos intelectuais contra 0 sistema s6cio-economico de seus

mecenas - sente-se tao dona da cultura elevadaquanto os seus criadores. De tal modo que 0 ar-

rivismo social implica, sociologicamente, num ar-

rivismo cultural. 0 nouveau riche das f i n a n ~ a scostuma ser tambem 0 novo rico da cultura: freqilenta salas de concertos, possui objetos unicos,coleciona quadros originais, Ie os autores consagrados, assinalando com estes pretensos atos decultura superior a sua p o s i ~ a o social elevada.

Aquilo a que se convencionou chamar cultura de

massa vem tendo sentido no quadro de uma opos i ~ o II cultura superior que e colocada geralmente em termos de refinamento contra vUlgaridade.E.sta o p o s i ~ a o e basicamente falsa, porque 0 c6-dlgo da cultura de massa (tambem estetico-cognitivo) e ontologicamente 0 mesmo da culturaelevada, apenas adaptado para 0 consumo detodas as classes socia s (urn publico amplo, disperso e heterogeneo). Quando se diversifica _por classes, sexos, idades, niveis de i n s t r u ~ a o ,etc. - 0 publico receptor de uma mensagem, estadeve simplificar-se a urn denominador comum,para ser ;ntendida por todos. 0 c6digo que regea P r o d u ~ a o das mensa gens de massa tern de setomar rna is pobre para aumentar 0 indice de per

c e ~ a o por parte dos receptores. E is to implica,com freqilencia, num empobrecimento da mensagem com r e l a ~ a o l original da cultura elevada).

Na sociedade moderna, com a passagem do siste

ma oral de c o m u n i c a ~ a o ao sistema por media osdetentores do novo sistema continuaram pertencendo l mesma classe que se apropriara e financiara a cultura humanistica. Essa classe foi buscar

16

na cultura tradicional, com todas as suas injun,oes ideol6gicas, os padroes fundamentais do queiria comunicar pelos novos veiculos. 0 sistema dacomunica,ao de massa nao instaurou, portanto,uma cultura estruturalmente diferente da tradicional 0 codigo e 0 mesmo apenas mais malea

vel), porem uma extenstio mais sintonizada coma existencia do homem medio, da cultura tradicional. Preparada para 0 consumo de massa, essaextenstio participa da sociedade capitalist a porseu carater industrial: e a cultura que se vende,a cultura de mercado. De e v o l u ~ a o rapida e planetarizada, ela apresenta caracteristicas transnacionais em varios aspectos. Sao exemplos comunsos modelos (de  felicidade, beleza, bem-estar, etc.)do cinema americano, as bossas da r e d a ~ a o pu

blicitaria, os {opyrights das grandes revistas europeias ou american as, importados, adaptados e

consumidos por paises de culturas nacionais diversas (fenomeno, alias, marcante nos paises emdesenvolvimento, com conseqilencias dificilmente

beneticas) .

Na cultura de massa, a parte cognitiva a informa,ao do tipo jornalistico, por exemplo) e a estetica (os espetaculos, as diversoes destinadas a

provocar a evasao onirica do consumidor) costumam situar-se em niveis muito superficiais comrela,ao II cultura elevada - dai 0 menosprezo

das elites pelos produtos culturais de massa. Noen tanto, a rela,ao estetica entre 0 consumidor e aobra e geralmente rna is viva do que na culturaelevada atual. Isto porque existe maior participa,ao psicoafetiva da parte do espectador - e todarela,ao estetica e poderosa quando alimentadapela participa,ao. 0 que tern acontecido na cul

tura de massa e que esta r e l a ~ a o e ao mesmotempo, intensa e an6dina. Por que? Porque 0 fenom eno e provisorio, e a sua influencia e micromutacionista: milhares de fragmentos culturais

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bombardeiam 0 individuo na sociedade modernaAbraham Moles fala mesmo de uma cullur mo-

saiC( , fragmentada e aleat6ria), sem formar urncorpo sistematico e coerente de conhecimentos,como na cultura tradicional.

Mas nao existe nenhum criterio real mente validoque permita estabelecer priori uma diferen9aintrinseca entre urn produto de cultura elevada eoutro de cultura de massa. Historicamente, a cultura de massa e apenas urn mom ento na evolu9aoda cultura de uma classe, e seus produtos naotardam a ser recuperados pelo sistema elitista da

cultura superior. Na verdade, ha tambem ultrapasse do c6digo - logo, ato criador - no interior da cultura de massa. Quando is to ocorre,

a dita oposi9ao se reduz, em termos objetivos, aurn sopro de voz. Urn born exemplo e 0 cinema,classificado como arte de massa no inicio de suahist6ria e ·hoje aceito no Olimpo da cultura elevada. Dentro da pr6pria cultura de massa, constituem-se hierarquias e estratifica90es, sempre em

fun9ao de urn apice ideal localizado na culturaelevada. Por exemplo, cineastas como GlauberRocha, Caca Diegues, joaquim Pedro, Nelson Pereira dos Santos, sao em geral colocados priori

num p610 formalmente superior a outro em queestao j. B Tanko, Adolfo Chadler, etc. Na musica popular, Pixinguinha, Caetano Veloso, joaoGilberto, sao vistos aprioristic.amente como mais

pr6ximos da cultura elevada do que Teixeirinha,Adelino Moreira, etc. Pixinguinha, classico da musica popular b r s i l e i r .cpstuma ser associado aBach - com isto 0 sistema garante a sua recupera9ao para 0 nivel superior da cultura. E assimpor diante.

Do ponto de vista antropol6gico, a cultura demassa nao tern unidade nem c6digo autOnomo.Seus produtos nao se podem distinguir antecipadamente de nenhuma obra da cultura elevada. No

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campo da informa9ao jornallstica, esse fato ebern patente. Por exemplo, 0 jornal Le Mondeque e urn registro em bases u n i ~ e r s i t r i s da Hist6ria cotidiana, e cultura supenor ou de massa?Para seus leitores, a pergunta certamente nao terngrande importAncia. No Brasil, os artigos jorna

Ilsticos de Paulo Francis, Newton Carlos, OttoMaria Carpeaux ou Carlos Castelo Branco sobrepolltica sao geralmente mais valiosos do que asexplana90es de certos manuais adotados pel as

universidades.

No entanto, a informa9ao jornallstica esta est reitamente associada ao fenomeno da cultura demassa a evasao epis6dica nao e norma absolutadessa cultura) e po de mesmo trazer maiores es

clarecimentos quanta as suas fun90es. Com efeito,a informa9ao destina-se sempre a grupos sociaisenquanto grupos indiferenciados), com uma inten9ao comunitaria, generalizadora: urn Iivro deEconomia destina-se, em principio, a urn publicohomogeneo e restrito - a classe dos especialistas ou dos iniciados em Economia - mas urnprograma de teve ou urn artigo de jornal visa

a todo e qualquer individuo, indistintamente, nasociedade. A finalidade aparente da informa9ao

e ordenar ou reordenar) a experiencia social docidadao, promovendo 0 seu convivio com setorescon tin gentes. A informa9ao tern, assim, uma fun-9ao polltica - no sentido de constitui9aO ou for

m ~ o da Polis. Por esta razao, urn produto dacultura de massa nao pode ser analisado em termos puramente esteticos ou poeticos, mas tambemem f u n ~ o das i n t e n ~ o e s do sistema comunicador_ definidas pela Publicidade, pelas ideologias

predominantes, pelos interesses das empresas de

comunica9ao, etc. Essa intencionalidade condiciona, mais no que da cultura elevada, as rela90es

entre oprodutor da obra e 0 consumidor, gerando uma mensagem bast ante especifica. Encarada

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sob esse angulo a cultura de massa mio deixade ser politicamente mais democrAtica do que atradicional.

Mas se cullura de massa e cultura superior saodois aspectos de uma mesma realidade antropo-16gica, is to nao significa que a aludida o p o s i ~ a o

n a ~exista. Significa que essa

o p o s i ~ a opode serformal - e nao material (conteudistica). Em

L6gica Simb6lica, toda vez que se forma umaclasse n? universo de um discurso qualquer, forma-se slmultaneamente a sua n e g ~ o ou 0 seucomplemento (no universo homens, a classe homens brancos tem como complemento a c1asse

h017U ns nao-brancos . Em Semantica Estrutural,para que um signo tenha s i g n i f i c a ~ a o , e precisoque oponha imedia1amente a um outro signo

ls6hdo/ dA sentido a / liquido/ e vice-versa).A o p o s i ~ a o e uma c o n d i ~ a o da s i g n i f i c a ~ a oNas . sociedades hist6ricas conhecidas, a culturadommante sempre buscou contrapartidas, provavelment7 ~ r a achar um estatuto significativo emelhor Jushhcar a sua superioridade - logo, da

classe que controla 0 seu c6digo. Na Europa, j

no seculo XIII, uma musica popular - caracterizada pelo ritmo, pela parte instrumental epelo uso do vernaculo - de origem an6nima ou

composta por trovadores e menestreis, era colocada em o p o s i ~ a o a musica sacra. Mas ao mesmotempo influenciava os compos ito res austeros daIgreja. Depois do seculo XIV ja no fim da IdadeMedia, desenvolveu-se ao lado da cullura dasuniversidades uma cullura popular Iigada a se

c u l a r i z a ~ a o da vida social. Desde entao, nuncase deixou de nomear uma cullura folc16rica ou

popular ou rustico-plebeia ao lado da cullura daselites. A parte popular era eventualmente recupe

rada por determinados movimentos criadores deelite, COl 1O 0 Romantismo.Essa o p o s i ~ a o entre os valores culturais de classes diferentes era sempre formalizada e acentuada

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por razoes politicas. Na realidade, a pr6pria ideiade cullura nacional e em suas origens, essencialmente politica (tao politica quanto 0 conceito den a ~ a o . Na Europa, esta vinculada ao historicis-100 que pretendeu reagir ao racionalismo do seculo XVIII. A romantica e x a l l a ~ a o do folclorepor parte da intelectualidade burguesa no seculoXIX era uma r e a ~ a o a aristocracia internacional.A verdade e que os mitos, as lendas, as d a n ~ a spopulares, quase nunca sao aut6ctones. Nao deixaram, entretanto, de servir a cullura burguesa

emergente como instrumento politico de a f i r m a ~ a onacional. Mas sempre como uma outra cullura ,

simples e ingenua, basicamente oral, sobre a qualse d e b r u ~ a v a , sonhador e nostalgico, 0 intelectual.

A partir do seculo XIX, 0 monop6lio da cultura

foi abalado pelas ideias democrAticas e pela maiorabertura da e d u c ~ o As massas recem-desperta

das para 0 que era antes privilegio das elites tornavam-se excelente mercado para uma industriaque ainda engatinhava. No inlcio, foi 0 barateamento do jornal, 0 incremento do folhetim. De

pois, com 0 desenvolvimento da tecnologia, chegou-se aos mt dJa modernos. E a o p o s i ~ a o cullurasuperior/ cullura de massa surgiu, como sempre,para reafirmar e atribuir s i g n i f i c a ~ a o nao exatamente a uma hipotetica cullura superior , masa pr6pria c o n c e p ~ o burguesa de cullura. Porisso, essa o p o s i ~ a o tem mais sentido junto aosmembros das classes que controlam os melos de

p r o d u ~ a o , as i n s t i t u i ~ o e s oficiais (universidactes,orgaos cllllurais, etc.), aos arrivistas e outros.

FORMAI AO ESTRUTURA

DA CULTURA DE MASSA BRASILEIRA

Ja afirmamos que a cullura de massa tem umafunc;ao marcadamente politica e se instaura como

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uma extensao da cultura Iivresca de elite. Mas 0

que acontece com a cultura oral - base ada namem6ria, nos ritos coletivos, na poesia popular,no folclore - em face dos media modernos? Emgeral, e destruida e incorporada ao novo sistema.No Brasil, este processo ainda pode ser obser

vado com muita riqueza de detalhes. Nao e umat r n s f o r m ~ o inocente. Ao se transplantarempara os veiculos de massa, os elementos dacultura tradicional passam pelo crivo ideol6gicodo sistema, que aproveita apenas as formas (ossignificantes do mito) mais propicias a inocula

da consciencia hist6rica da c asse dominante.

Todo 0 aparato tecnol6gico da c o m u n i c ~ o brasileira tern sido acionado ate agora por uma politica de m n u t e n ~ o de urn sistema de inercias,

perfeitamente ajustado ao interesse de f o r ~ a r 0

consumo. Num pais de p o u p n ~ deficiente (0baixo nivel de renda das p o p u l ~ o e s e causa principal), 0 sistema da cultura de massa esta, paradoxalmente, montado para f o r ~ a r 0 que os economistas denominam efeito de demonstrariio   hA

e s t i m u l a ~ a o de necessidades atraves de modeloss6cio-culturais importados e adaptados, emboranao haja dinheiro suficiente para paga-Ias. Destemodo, a, o u p n ~ que, se canalizada para inves

timentos produtivos, poderia financiar 0 desenvolvimento economico nacional se depaupera.

Como a precariedade do equilibrio financeiro euma das caracteristicas basicas da economia dacultura de massa, os veiCulos - no caso, a televisao e a imprensa - dependem hoje quase inteiramente da Publicidade, que nao e urn mecenasdesinteressado. A cultura de massa tern de serentendida, portanto, no interior de urn sistema

complexo, para 0 qual confluem: a) as mot ivado consumo orientado segundo os interessesdas empresas nacionais e estrangeiras, atraves dofinanciamento publicitario; b) os interesses even-

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tuais dos governos; (c) a r e c u p e r a ~ a o mitica da

cultura oral; d) a d i l u i ~ a o da CUltura elevada,mas tambem 0 processo de c r i a ~ a o em termos decultura de elite; (e) 0 acionamento ~ o s velhosmecanismos da consciencia coletiva naclOnal , atrayeS dos quais os detentores do .sisteI?a de. comu

n i c ~ o projetam a sua f o r m a ~ a o pSlcol6glca as

suas a l u c i n a ~ o e s de elite,Para entendermos tais mecanismos, temos de levarem conta que 0 Brasil de hoje se movimenta sobre uma calmaria secular. Comparada aos outrospaises da America Latina, a Hist6ria do Brasil secaracteriza pelo abrandamento das lutas de classes e pela inexistencia de uma t r a d i ~ a o de .Iutaou dos aspectos cruentos tao freqUentes na hlst6-ria dos povos hispanicos, dos asiaticos e mesmo,em certos casos, dos europeus. As i n s u r r e i ~ o e s que

ensangUentaram a Hist6ria brasileira (Palma res,Cabanagem, Balaiada, Canudos, Farrapos etras) eram m a n i f e s t a ~ o e s isoladas de.grupos opnmidos, sem objetivos de t r a n s f o r m a ~ a o estrutural.E com raras x c e ~ o e s , os choques entre conserv;dores (oligarquias) e progressistas (liberais)tiveram sempre uma s o l u ~ a o de compromisso, detransigencia. Esta mesma s o l u ~ a o se a p l i c ~ v a ~ o scasos de i n s a t i s f a ~ a o das grandes massas mtenoranas analfabetas. Mais do que a f o r ~ a das ar

mas, a grande tecnica .de dissuasao. a palavrao aliciamento pelo dlscurso conclhador. Esta euma das raizes hist6ricas do mandarinato do verbo no Brasil. Nesse imenso feudo da Ret6rica,desenvolveu-se 0 culto da personalidade bern do·

tad a do individuo dedicado aos jogos do espirito suma, 0 culto do doutor. Os politicos, os

b;chareis em Direito e em Medicina capitalizariam os louvores desse culto ap<>iado no analfa·betismo. Isto se dava atraves de urn sistema de

c o m u n i c ~ o oral. Para as gran des massas, a palavra imprensa sempre inexistiu. E a c u l t ~ r e ~ e -vada brasileira, de t r d i ~ o basicamente hterana,

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sempre se ressentiu da ausencia de publico, devido grande massa de analfabetos nas p o p u l a ~ 5 e sinterioranas, mesmo urbanas, do pals.

Nas cidades, os conflitos politicos mais seriosocorriam sempre no nlvel da pequena burguesiaurbana a classe media), classe sem norte poli

tico e sem compromissos fortes com a Hist6ria -formada dos meios tradicionais decadentes e dasfamilias de imigrantes - sempre disposta a aceitar 0 jogo conciliat6rio. Depois de 1930, com a

a c e l e r a ~ a o das r e l a ~ 5 e s capitalistas, entraram emcena outros fatores - atividade sindical, nacionalismo em ascensao, enfraquecimento do coronelismo - capazes de a g u ~ a r os conflitos ou deresolver as c o n t r a d i ~ 5 e s sociais. Mas a personalidade hist6rica do pais os condicionamentos

psicossociais das mass·as e das elites) atuava como parte do complexo sistema de freios. 0 compromisso, 0 adiamento, 0 famoso jeitinho eramusos correntes. Os partidos politicos posterioresao Estado Novo tinham programas ou demag6-gico-populistas ou timidamente nacionalistas Oll

de i n d i g n a ~ a o moral.

No BraSil, porem, a pobreza nao provocou juntoas massas efeitos permanentes de desanimo ou

abatimento, em c o m p a r a ~ a o por exemplo, com ar e s i g n a ~ a o fatalista dos miseraveis fellahs eglpciosda epoca de Farouk. As p o p u l a ~ 5 brasileiras,sobretudo as urbanas, sempre se caracterizarampor urn certo otimismo este sentimento coletivochegou mesmo a inspirar todo urn programa deGoverno, como 0 do sr. Juscelino Kubitschek). Eo ufanismo a e x a l t a ~ a o irrestrita das virtudes edas potencialidades nacionais - qu e teve no Conde Afonso Celso 0 seu coordenador - e a 6xa

c e r b a ~ a o desse sentimento.

A decada de 30 nao consolidou apenas a derrocada da Velha Republica brasileira, mas tambem

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o nascimento da cultura de massa no Brasil. 0radio ja era mania nacional, Assis Cha.teaubriandcriava 0 seu imperiO jornalistico, crescI am 0 proletariado e as dasses medias urbanas formandoo publico de massa), s u r ~ i a ~ os p.rimeiros grandes projetos de autonomla mdustrlal do pais 0publico das grandes cidades ja nao era tao b l ~ o lado tao controlado de perto quanta 0 dos melDsrurals, mas tambem nao era radicalmente diferenteo Seria de esperar, por exemplo, que urn nordestino que migrasse para 0 Rio nos anos quarenta encontrasse, fora das estruturas espontaneasde c o m u n i c a ~ a o da cidadezinha do interior, mensagens verdadeiramente novas. Realmente, conversa entre vizinhos, 0 cochicho do cabo eleltoral,as brigas entre fazendeiros, tinham sido substituldos pelo noticiario jornalistico, pel.a propaganda,

pelos espetaculos dos duelos verbals m o r a l - r ~ f o r mistas. Em franca disponibilidade moral e mtelectual conseqUente ao seu desenraizam:nto comunitario, esse nordestino estaria teorlcamentepreparado para receber as mensagens .que .Iheinculcariam uma consciencia nova, naclOnahsta

e desenvolvimentista.

Por que is to nao ocorreu? Porque a ideologia doconsumo suntuario, que ja c o m e ~ a v a a marcar a

incipiente cultura de massa nacional, se opunhavisceralmente a ideologia da p r o d u ~ a o para 0 desenvolvimento com todos os seus valores necessarios: p o u p a n ~ a p a r t i c i p a ~ a o n a c i o ~ a 1 i n ~ e g r a lno processo de industrializa<;ao, m o d l f t c a ~ a o doslatu quo imobilista. Na vcrdade, 0 processo de

desenvolvimento brasileiro - adaptado ao modelo clilssico latino-americano de e x p o r t a ~ a o restrita a poucos produtos primarios e importa<;aodiversificada em fun<;ao do crescimento de uma

parte da demand a interna - nunca se fez acompanhar de transforma<;5es econ5micas em profundidade. 0 modelo exportador adotado nao exigiu

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na9ao embora em situa9ao contestataria. Osvalores desses jovens renega9ao da sociedadede consumo de higiene, do vestuari o da moralvigente, etc.) tern eficacia contestataria porqueatingem va lores carissimos it ideologia da classemMi a norte-americana. Eles sao simbolos nega

tivos da plenitude - enquanto os hippi  s nospaises subdesenvolvidos podem afixar, no maximo indices de uma carencia a· ausencia de bemestar comum). Mas, mesmo como contestadores,os hippi s existem dentro de lim dos tra90S definidores da moderna sociedade de consumo,que e a extrodetermina9ao. Em outros termos,o hippi  nao e a expressao de uma individualidade exaltada, decidida a enfrentar sozinha asociedade que contesta, mas uma expressao gru

pal. Ele s6 existe no interior de seu grupo -que nao e 0 da familia , nem mesmo as vezes deamigos ou conhecidos - cuJos valores aceita eafixa. Ha no hippi uma vontade de realiza9aopessoal, mas diferente do homem introdeterminado. Agora a enfase recai sobre uma especie derealiza9ao introspectiva, de autoconhecimento,desligada dos val ores materiais, de certo modomais pr6xima da cultura hedonistica (helenistica) do Terceiro Seculo Grego - que se carac

terizou pelo misticismo, pelo desprestigio da razao, pela busca do orientalisl1)o - do que daciviliza9ao tecnol6gica do seculo XX.

A extrodetermina9a{) brasileiraainda atravessaa sua pre-hist6ria •. Os veiculos de massa, cuja

• No en tanio, tern ImportAncia 0 reconbeclmento dessa nOl;loa 11m de se enquadra rem corretam en te r m l n a d o problemas:Exemplo: Recentemente, 0 Ministerlo da E d u c a ~ o condenouem oficlo A Comlssl0 de E d u c a ~ o da CAmara e em nome dhlgiene , da mo ra l e da pedagogla , 0 pfojelo que lorn ava obrl-

fatOria a e d u c a ~ l o sexual na s estolas prim arias e secundAtlaslornal do rasil

de 20/11/70). Urn dos argume ntos pa ra a condenalOAo do pfoje lo era de que 56 os pals devem Inlela r osadOleScentes no s mlsth los da vida. S6 0 Jar reune o n d lpSIcol glcas e mor s para essa educ8f;lo sadla e eflclente emmateria t  o dellcada . Segundo outro argumento, 0 assunto s6deverA se r tratado Individualmente, nunca em grupo. E s6 deveser abordado por pessoa qu e tenha saudAvel n f l u ~ n c l a moralsob re 0 ln strumento, como 0 pal, arnIe determlna dos mestres,

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a9ao e imprescindivel na difusao dos valores extrodeterminados, operam como modelos trans plantados da cultura de massa estrangeira (os anuncios publicitarios, as f6rmulas jornalisticas asprograma90es de teve , etc.) ou com valores nacionais ultrapassados, em geral sobrevivencias

da velha cultura brasileira, apoiadas em velhosmecanismos psicossociais. Examinaremos algunsdeles, sem i n t e n ~ a o exaustiva:

I) 0 espirito de c o n c i l l a ~ A o , que .comodo ou obstaas d e f i n i ~ o e s por demais extremadas ou radicais. Deledecorreria nao s6 uma certa lentidao nas reacoes politicas, mas tambem a indecisao quanto a atitudes existenciais importantes. A linguagem conciliat6ria apeJacom f r e q U n c i a para os valores do bom-senso, que compoe uma especie de doutrina pequeno-burguesa da rea

lidade. Para os cultores do born-senso as organizacoes socia is tern uma ordem natural, que seria 0 reflexomais ou menos perfeito do comportamento e das tendencias de seus membros. Exemplo: vamos admitir que ,segundo a tradicional classif icaCao dos tipos humanosbrasileiros, 0 carioca seja considerado sempre a  egre ebem-humorado. Suponham os que haja protesto violentode urn grupo soc ial qualquer contra uma situacao queafete coletivamente 0 grupo. Os apelos ao bom-sensodeverao conter men sagens de (a) retorno ao bomhumor, suposto substrato psicossociai do grupo e (b)resolucao espontdne da situacao geradora do conflito.

o bom-senso e, na realidade, urna das manifestacoesda ideologia da Ordem estabelecida. De maneira geral,os profissionais da informacao, os jornalistas, os homens muito afeitos as ideias gerais , por dificuldadete6rica de sistematizacao de seus conhecimentos, term i-

nam aderindo it doutrina do bom-senso. Acabam confundindo a regra da simplicidade nas formulas da cu ltura de massa com toda e qualquer realidade. Dai urnacerta ojeriza, nesses sistemas, as elaboracoes te6ricasque nao tenharn urna expressao positivista. 0 tom do

o medico quando amigo Intimo, parentes pr6ximos rna is velhos  .Ora 0 adolescent e das grandes cldades brasllelras nlo podeesqulvar-se a o r i e n t a ~ l o de g rupos ext rafarnlllares e dos velculosde massa , qu e colo cam constantemente questoes de ordern sexual.o jovem s6 poderA anailsar corretamente 0 fenOmeno sexual sedlspuser de I n f o r m a ~ l S sls tematlcas de base - ou sela deurna educalO  o sexual escolar. 0 parecer ollclal valeu-se denormas da socledade de determlnalOlo tradlClonal para regularsltualOOes de uma socltdade qu e comelOa a se extrodeter mlnar .

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t ~ t i c a (sem nenhuma transfigura9ao criadora)desse estado de espirito.

E  dessa forma que a cultura de ma ssa se apropria da ora l, traduzindo os seus padroes aos

r q u ~ t i p o s da consciencia coletiva. A televisao,mais do que qualquer outro veiculo, tem sido a

gran.de. aproveitadora da cultura popular oralbrastlelra. Urn programa de variedades na teve,p o r e ~ e m p l o tem geralmente forma estrangeira(amencana) - a do show estilo music-hall comcantores, concursos, curiosidades, d e ~ o n s t ; a 9de destreza, etc. - mas conteudos nacionais:personagens, situa90es, alusoes, j Ogos brasileiros.Por ai penetram elementos esparsos da oralidade brasileira, mas sempre sob a a9ao de controledos supostos padroes da consciencia coletiva: a

c(>ncilia9ao, 0 verbalismo, 0 sentimentalismo, a{;aridade, a democracia racial, a benignidade decarater do cidadao nacional, etc. Assim, a televi sao ou a revista podem mostrar, como fazem ospequenos circos de interior, 0 magico que serraa mulher ao meio, 0 garoto que repete palavrasde tras para frente, sessoes de baixo espiri·tismo,0 doutor fulano de tal, a garota que sabe tudosobre urn vulto famoso da Hist6ria patria, 0 negro mais bonito, 0 negro mais feio, etc. uni

verso evasivo da cultura de massa brasileira erealmente 0 do velho jogo oral, recriado pelooffset ou pelo olho eletronico das camaras.

Escatologia e Grotesco

Existira um sentido escatol6gico na cultura demassa brasileira?

As culturas orais, de um modo ou de outro inf1uenciadas por concep90es religios as e filos 6ficasestao intimamente Iig.adas a formas e s c a t l 6 g i c aque orientam seus mitos quanto ao homem, a

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natureza, 0 fim de todas as coisas. Esta e a significa9ao precisa da Escatologia: reflexao oudoutrina das coisas finais (do mesmo modo como se reflete sobre as origens). Em Medicina,0 termo tern sentido coprol6gieo - e 0 estudodos excrementos.

A Escatologia implica numa atitude cultural comrela9ao a Hist6ria. A cultura oral brasileira foimarcada, des de as suas origens afro-indiano

portuguesas, por uma Escatologia naturalista -que ve 0 homem como parte de uma natureza

manifesta em ritmos ciclicos, recorrentes. Comoo homem estaria integrado organicamente na natureza, qualquer desacerto, injusti9a, ou aberra 9ao, deveria ser vista como uma aliena9ao do

estado natural, remediavel pelo culto ou pelamagia. Mas esse naturalismo nunea foi absolutamente coerente - como acontece nas culturas

sincreticas das sociedades arcaicas - existindosempre em conjunto com restos da  Escatologiahist6rica do Novo e do Velho Testamento, transmitidos pelas classes letradas. A cren93 na vidapost-mortem, no sobrenatural, e urn exemplo des

sa alucina9ao hist6rica.

Essas escatologias influem poderosamente n aimagina9ao coletiva. 0 portador de deiorma9aofisica, por exemplo, e percebido historicamentecomo urn desvio da organicidade natural comomonstro Teratos). Isto gerou em nossa mitologia figuras como 0 lobisomem, 0 mao-de-ca

belo, etc. Ainda hoje, em cidades do interior doBrasil, 0 deformado fisico (a mulher macaco, 0

menino com cara de jumento, ·etc.) e vivido comourn fen(}meno de ordem sobrenatural - castigo

dos eeus - e, as vezes, como espetaculo, ja quepode ser exibido, a dinheiro, em feiras, ou simplesmente vendido como hist6ria na Iiteratura .decordel.

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Mas 0 tato social tambem po de ser vivido como

desvio teratol6gico. A madrasta, em nossa mitologia uma substituta impossivel da mae verdadeira, aparece treqilentemente como tigura rna eperversa na tradi9ao oral brasileira. Outro exemplo: 0 tilho que renega os pais, sendo transtor-

mado, como castigo, em mula sem cabe9a. Da

mesma torma, bandidos tamosos assumiam poderes sobrenaturais na imagina9ao popular, sendous ados para amedrontar crian9as. Faz partetambem da mesma mitologi-a a tixa9ao pelasdeje90es, pelo suor, pelas roupas usadas - componentes sobrenaturais dos teiti90s de amor e

morte.

o ethos da cultura de massa brasileira, tao perto

quanto ainda se acha da cultura oral, e torte-mente marcado pelas intIuencias escatol6gicas da

tradi9ao popular. tascinio pelo extraordinario,pel a aberra9ao, c evidente nos programas devariedades (tatos mediunicos, aberra90es fisicascomo as irmas siamesas, aleijoes, t l g e l ~ o e s morais, etc.). A essa altura, a Escatologia conseguejuntar os dois sentidos: 0 mistico e 0 coprol6gico.E os temas coprol6gicos - que, na literatura deSamuel Beckett, Henry Miller ou mesmo Fernan

do Arrabal, sao submetidos a uma transfigura-9ao critico-revolucionaria - passam a compor,na cultura de massa brasileira, a estrutura domau-gosto e do Kitsch

o grotesco parece ser, ate 0 momento, a categoria estetica mais apropriada para a apreensaodesse ethos escatol6gico da cuItura de massanacional. Realmente, 0 fabuloso, 0 aberrante, 0macabro, 0 demente - entim, tudo que a primeira vista se localiza numa ordem inacessivel it

normalidade humana - encaixam-se n estru

tura do grotesco. Para Woltgang Kayser, 0 grotesco s6 se experimenta na p e r c e p ~ o da obra.Seu sentido seria, assim, relativo: uma mascara

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indigena pode parecer-nos grotesca,. mas tertorma tamiliar dentro da ordem raclOnal dos sllvicolas. Entretanto, segundo Kayser, e perfeitamente concebivel que se considere como grotesco aquilo que nq o r g n i z ~ o da obra nao sejustifica como tal . Em outros termos, 0 grotesco

e umab e r r ~ o

de estrutura ou de contexto.Uma figura de Jerilnimo Bosch ou de Breughelcostuma ser analisada pela critica como grotesca . 0 conceito pode ser estendido It esfera da

cultura de massa: 0 miseravel, 0 estropiado, saogrotescos em face da s o f i s t i c ~ o da sociedadede con sumo, especial mente quando sao apresentados como espetaculo. A estranheza que caracteriza 0 grotesco coloca-o perto do cilmico oudo caricatural, mas tambem do Kitsch

Em resumo, 0 grotesco e 0 mundo distanciado,dai a sua afina9ao com 0 estranho e 0 ex6tico.Atirma Kayser que ele aparece sempre onde faltaao homem uma orienta9ao segura com rela9ao It

vida, sendo portanto a manifesta9ao de uma angustia. Seria este 0 caso da cultura massabrasileira? Nao e 0 que nos parece. AqUl, 0 grotesco e posto a s e r v i ~ o de urn sistema que pre-

tende ser exatamente a c o m p e n s ~ o para aangustia do individuo dos grandes agrupamentos

urbanos. Cada o r g n i z ~ o das r e l ~ o e s de prod u ~ o engendra uma atmostera pSicossocial pr6-pria, que se destina em geral a perpetuar 0 seutipo especifico de r e l ~ o e s humanas. A cultura demassa - trisamos: essencialmente politica - ehoje 0 grande medium da atmosfera capitalista.No caso brasileiro, ela e tambem 0 espelho queretIete 0 id e os demilnios das nossas estruturas.E 0 espelho em que a sociedade se olha e se

oferece como espetaculo.

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II A Revista

o CO NCEITO CLA SSICO DE REV ISTA jORNALISMO

peri6dico) e de extensao da imprensa diaria, comos objetivos de comentar e opinar sobre assuntos

variados ou dar uma visao rna is aprofundada dosten;as de natureza humana. Historicamente, asrevistas remontam, na Europa nos Estados

Unidos, ao seculo XVIII. No Brasil, 0 fenomenoe recente, deste seculo praticamentc. Assim, aocontrArio da imprensa diaria, as revistas (comexce,ao das folhas de caricaturas da segundametade do seculo XIX nao estao na tradi,aodas lutas Iiberais, do Abolicionismo, das grandescampanhas civicas.

A revista brasileira, porem, ja nasceu com ascaracter sticas aproximadas da revista moderna:foi sempre definida pela ilustrac;ao. Ate cerca

de 1945, as revistas Cena Muda, Paralodos, Ci-nearle, Vida Domeslica, Malho, Carela, Rev isla

da Semana, etc.) primavam pela ilu strac;ao, ma sestruturalmente distinguiam-se poueo dos jornais.

Os rep6rteres eram meros notieiaris tas ou arti-

c ~ l i s t a .. As fotografias eram estaticas, a pagina

,ao rud.lm entar - ge ralmente feita pelo pr6priosecretAno da revista. Foi a revista 0 Cruzeiro a

grande lanc;adora, no Brasil, da reportagem illlS-trada, dinamica.

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De 1944 a 1950, surgiram em Cruzeiro algumas duplas rep6r er e fot6grafo que trabalhamsempre juntos) que deram nova fi sionomia it reportagem de rev ista. 1nieialmcnte, Jean Manwn .c

David Nasser - sem dllvida nenhuma , os plOn cI-

ros no genero. Depois, Jose Leal e Jose Mcdeiros,

Jorge Ferreira e Roberto Maia. De 1950 a 1959,o Cruzeiro conheeeu a sua epoca Aurea (nesseperiodo, 0 apogeu foi de 1952 a 1956) ,. quandochegou a atingir urna tiragem de 750 n l cxel:'piares - maior do que a de qualquer 6rgaode imprensa em toda a America Lahna. Nessaepoea 0 Cruzeiro oeupava 0 primeiro lu gar entreos r r e n t e s : 0 Mundo Iluslrado Revislo doSemana e Manchele (que surgira em 1952).

A televisao ape nas engatinhava. As rev istas es-

pecializadas eram poucas e de qualidade f r i vA pos ic;ao dc Iidcranc;a absoluta de Cruzeirose baseava nas reporta gcns exc lu sivas, de cunho

scnsacionalista. E num pais de dimensoes continentais, scm maiores Iimitac;oes de censura, 0

campo cra vasto e variado para Cruzeiro. Seusrep6rteres e fot6grafos, que constituiam uma es-

pec ie de elite profissio nal na cpoca, eram verdadeiros cavaleiros andantes em busca do SantoGraal da Sensac;ao : iam buscar 0 assunto na

fonte, em qualquer ermo do Brasil ou mundo.Alguns atuavam como rep6rter e foto grafo . aomesmo tempo (Joao Martins, Luciano Carneiro,

Luis Carlos Barreto).

Para um publico ainda nao sa turado pelos vcicul osde massa, ler Cruze iro era rcdcscobrir sema-

nalmente 0 mundo, e sempre de modo aventurosoou sensacional: indios hostis, di scos voadores,escandalos de politicos ou de idolos p u l rexcursoes proibidas na Ar gentina perol lsta, cn -me s misteriosos, etc. A simples informac;ao do-cumentaria saunas finland esas, pescadores deesponjas no Japiio, etc.) era capaz de empolgar

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o publico, E 0 mesmo ocorria com rela,ao a as-

suntos menores, como os velhinllOS da olombo

(que se transf?rmou em march a ca rnavalesca), asestatuas do RIO, a escola para caes de ra,a, etc,

A partir de 1960, Com 0 desenvolvimento dasagencias noticiosas e 0 aprimoramento da nolf

cia, se,rvi,o fotogr.ifico e do segundo cadernodos, J ~ r n a l s , com a multiplica,ao das revistas especlahzadas, com 0 grande boom da televisao, emsuma, com 0 bombardeio do publico pelos veiculos ,de massa, 0 jornalismo de revista mudou,

revlsta Manchete - boa impressao, fotogra

flas, t abalhadas, ideologia publicitaria definida(oltmlsmo e desenvolvimento) - afirmou-se como, 0 veiculo que reuniria, no BraSil, as 'caractensltcas modernas da revista,

Caracteristicas Atuais

Ha centenas de revistas e publica,6es especia lizadas no BraSil, mas em termos de c i r c l t l a ~ 5 0 demassa e de Suporte publicitario apenas algum assao importantes:

aJI n o r m a ~ a o .

geral e entretenimento _ Man che/e 0Cruzeiro Realldade Falos Fotos.

b) Informaeao e analise de notleias - VeJ a V -) R t f ' , Isao,

C evJs as emlninas ou dedicadas a problemas dfamlha - CMlIdia Des/ile Ele Ela Pais Fil lw:Quertda etc.d Revistas de co h tn eClmen as gerais - EnciclopediaBloch Conhecer e tacta urna Iinha de fasciculos lltll-

ralistas.

~ b o r a caracteristicas econ6micas da indus

tr a de revl,stas na Europa enos Estados Unidosnao se aphquem integral mente ao Brasil nota-

damente a de tiragens elevadas), as tendenciasse assemelham:

42

J

1 Alta c o n c e n t r a ~ o - Duas grandes editoras - BlochEditores e Editora Abril - sao majoritarias em tiragem. E a tendencia de cada urna destas empresas e aumentar 0 numero de pubticac;6es (principaimente as

que independem da publicidade, como as fotonovelas eos fasclculos), nao s6 para fazer crescer 0 publico leitorglobal, mas, em certos casos, tambem para dar vazao

a capacidade ociosa de modernas maquinas graficas.

2) AcessibDidade do mercado - Ao contrario da imprensa diaria, urna revista de sucesso ainda pode surgircom pequenos capitais e gran des ideias. Exemplo distoe 0 Pasquim semanario que, em apenas alguns meses,pOde competir em tiragem com revistas antigas nomercado editorial brasileiro. Sem os recursos graficosdas revistas modernas (cor, born papel, paginal;aomultiforme, etc.), os editores de 0 Pasquim dispunhamapenas de uma f6rmula oportuna: uma '  Combinal;ao deliberdade de linguagem com inteligencia e humor. Mas

o exito junto aos leitores nao implica necessariamentena tradul;ao do fenOmeno em termos publicitarios. Parauma revista ser incluida na programal;ao regular dasagencias, ela tern de dar, entre .outras garantias, prowvas s6lidas de sua integral;ao, no sistema , na Ordem.Playboy e urn exemplo estrangeiro . Com a grandeideia do nu personalizado 0 leitor ficava sabendo tudosabre a playmate da mes: profissao, idade, gostos, etc.)e urn capital inicial de sete mil d6lares, levantado juntoa amigos, Hugh Hefner pOde lanear Playboy que hojeultrapassa as cinco milh6es de exemplares. Mas durante as tres primeiros anos, apesar do sucesso de banca

dessa revista, a Publici dade norte-americana recusouse a tamar conhecimento dela.

3) Orande vulnerabllidade - A f6rmula de uma revistaesta sempre diretamente Hgada a fenomenos sociais eeconOmicos de dural;ao imprevisiveJ Ultrapassando 0 fenOmeno, esgota':se a f6rmula, que deixa de ser apaiadapela arganizal;ao capitalista do mer ca do publicitario.Pade acontecer que 0 sistema publicitario (as agencias,as anunciantes) continue sustentando um a revista def6rmula superada, especialmente quando nao existe ou-tra no genera, au em razaa de seu apuro gratico. Mas,

como regra geral, pode-se afirmar que 0 rapido obsoletismo da f6rmula torna a revista grandemente vulneravel e dependente. Segundo a economista frances HenriMercillan, nos Estados Unidos, entre 1950 e 1957, auseja, na epoca do crescimento da televisao, t 10 publi-

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exemplo, ife costumava eriar uma atmosfera Iit ~ r ~ r i a a ~ e n c i a n d o estere6tipos da d e s c r i ~ a o Iiterana classlca) ao abordar temas mais diretamente Jigados ao entretenimento. Do mesmo modo aRealidade l a n ~ a mao, com freqUencia, da est;u

t ~ r a do conto e ~ suas reportagens. Isto nao querdlzer que as revlstas f a ~ a m realmenle Iiteralura,

mas que se Iraveslem das formas Iiterarias ja estereol padas ou consagradas pelo usa, t manei rado KUsch. Roland Barthes distingue 0 escrilorecrivain) do .redalor ou escrevente ecrivant).Para esle, a hnguagem e puro inslrumenlo dopensamenlo, um meio de transmilir realidades.Para o.escr.itor, ao conlriirio, a Iinguagem e um

lugar dJaletlCO onde as coisas se fazem e desfazem, onde imerge 0 escritor para desfazer a suapr6pria subjetividade. Enquanto 0 discurso Jile

rario. funda num certo indeterminismo naposslblhdade de traduzir diferentes matizes doreal), 0 jornalistiCo tem como base a simples eclara d e t e r m i n a ~ a o dos sistemas denotalivos _aqueles cujos signos tem correspondencia inequivoca com 0 real comum a todos.

A ~ h a v e p ~ r a o. entendimento dos pad roes editonals do lornahsmo de revista pode-se resumira t.res termos: sensariio, sucesso e relaxamento.TalS padroes visam a atingir 0 leitor em seus

t ~ m p o s mortos com r e l a ~ a o ao trabalho, proporclOnando-lhes horas de entretenimento evasivo Osjornais diarios nao escapam inteiramente a ~ s s a

c 1 a s s i f i c a ~ a o - reservam um numero cada vez

maior de paginas a assuntos tradicionalmente especificos de revistas - em bora mantenham a sua

f u n ~ a o basica de informar e escrever sobre a Hist6ria humana de todos os dias. E' nas revistasque. a norma se atualiza em sua totalidade. Recapltulemos os pad roes :

I) S e n s a ~ o - Faz com que apenas os angulos espelaculares dos assuntos considerados dignos de interesse

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sejam abordados. Os temas psicanaliticos, por exempto,

estao IH\ alguns aoos em grande voga nas revistas . 0que se aborda, todav ia naD sao as rea is fundamentos

da ant ropologia freudian a mas as aspectos tidos comosensacionais ligados a sexo. E cur iosa observar que 0

surgimento da Psicanalise como tem a jornaifstico coincidiu com 0 recrudescimento do erofismo na publicidade

e com a d i v u l g a ~ a o da chamada Revolw;;ao Sexual. Do

mesmo modo, para figurar com destaque nas paginasdas revistas, urn pensador ou urn cientista devem Iigar-se a urn Angulo excepcional sensacional . Urnexemplo: Herbert Marcuse - que ha muito tempo era

conhecido pe los estudiosos da Psicanalise como urn dos

mais perspicazes analistas da significac;ao social doimpufso da morte aventado por Freud - s6 se tornou

familiar aos lei to res de revistas do rnundo inteiro depois

que foi citado por urn dos lfderes da rebeliao estudantileuropeia. Este exemplo vale tanto para revistas Quanto

para jornais. ·Mas os tipos de sensac;ao que urn e outro

valorizam sao diferentes. Nos jornais, 0 sensacionalismoe quase sernpre datado refere-se a urn fato coincidente

ou pr6ximo da dala de e l a b o r a ~ l i o do jornal). Nas revistas, e corn maior freqUencia intemporal. Por exemplo,

a p u b l i c a ~ l i o de carlas de amor de Mussoline Iraladade forma sensacional pelas revistas mas completamente

desdenhada pelos jornais.

2) Sucesso - Enlende-se como a boa r e a l i z a ~ l i o deuma personagem urn individuo, urn grupo, uma insti

tuic;ao etc.) com relac;ao a urn optimum de praze r esatisfac;ao estabelecido pela Ordem social. Luxo, alta po

sic;ao social, feitos extraordina.rios, beleza fisica e outros

enquadram-se no padrao. Nas revistas de l u x ~ , este padrao se explica, em parte, pela estrutura economica do

veiculo: os anuncios, carissimos, s6 podem ser pagospor empresas muito grandes Oll por aquelas cujo pro-

duto, de modo geral, destina-se as classes de alto poderaquisitivo. Desta forma, a mensagem da revista se con

diciona aos gostos das classes a que se dirigem os

anuncios - ou seja, as classes mais abastadas da 5

ciedade. Como personagem, 0 P V em seu conceito

politico: a p o p u l a ~ l i o menos as elites) esM ausenle daspaginas das revistas de l u x ~ , a nao ser: 1) quando

representa ameac;a a Ordem crime, greve, inquieta

~ e s sociais); 2) vitima de calAslroles (desaslresaereos, terremotos, secas inclementes) ; 3 destaca-sepelo excepcional ou pitoresco urn artista primitivo que

surge, os sambistas negros no Carnaval, etc.) . Por outro

Jado os membros das classes abastadas, os idolos de

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periosa nessa rede. Para a abertura de uma reportagem, por exemplo, nao basta a foto pura esimples do fa to. E' p ~ e c i s o que, na medida dopossivel, a foto seja sintetica, reunindo numa

mesma imagem todas as nuances da ·hist6ria aser contada, de maneira que 0 lei tor possa to

mar conhecimento do assunto de uma s6 vez. Afotografia de revista investe-se, assim, da mesma

f u n ~ a o do lead (abertura da materia) no textojornalfstico tradicional, que e a de resumir ahist6ria a'ntes de passar aos detalhes.

As vezes mesmo num assunto de atualidade, afotografia pode ser montada com elementos sim

b6licos, de modo a f o r n e c ~ r uma sintese ou, sefor 0 caso, uma r e c o n s t i t u i ~ a o do fa to nuclearda hist6ria. Exemplo: uma c r i a n ~ a foi violentadae morta numa cidadezinha do Estado do Rio. Areportagem do crime foi publicada numa revistacom a seguinte foto de abertura: em primeiroplano, jogada no chao, uma boneca semidespe_d a ~ a d a ; ao fundo, urn vulto esbatido contra a luzdo crepUsculo. Fique bern claro que nao existenenhum c6digo simb6lico organizado pelos fot6-grafos ou editores de revistas. A construftio daimagem resulta da sensibilidade do fot6grafo ou

do editor que planejou a materia. Os elementosda fotografia sao, segundo Roland Barthes, in

dutores comuns de a s s o c i a ~ a o de ideias (biblioteca = intelectual) ou de urn modo mais obscuro, simbolos verdadeiros (a porta da camara

de gas de Caryl Chessman recorda a porta fU 'nebre das mitologias antigas) . 0 editor podc,alcm disso, carregar a foto de suas s i g n i f i c a ~ o e spessoais atraves do c rte (que estabelece 0 angulo desejado na p a g i n a ~ a o ) ou das legendas

recurso do jornalista para reduzir a ambigliida_de da imagem, fixando urn dentre os varios significados possiveis. E' 6bvio que, trabalhadadesse modo pelo grupo comunicador (fot6grafo,

J

. d 'magem publicadaditor, redator, pagma or , a I a0 tao obJ'etiva como procurar f zer crer

nao e . 1 t'ideologia do sistema lorna IS ICO

.d e que numa re-  u t r ~ aspecto a se cons I erar ' 0 bolosI'd d para que os slmPortagem de atua I a e, t d'dos pelo. t ossam ser en en Ida imagem de revIs a p o t .

ate-

leitor e muitas vezes necessano que es e J tnha tornado conhecimento do ass unto P t ~ e ~ ~ s ~ ~medio de outros veiculos de m a s ~ a - . e i r ~o · . I ue dao a noticla em pnm~ : ~ ~ A J ~ ~ ~ ~ g r a f i a q d e revista joga t a ~ b e ? J o a a ~ ~ : ~

. d t mpo entre 0 pnmelrcom a d l f e r e n ~ a d t

ede publicacao da revista.

. do fato e a a a , r h~ ~ m o 0 lei tor ja conhece p r o v ~ v e l m e n t e as m t r : ~. da hist6ria resta Ii revIsta tecer uma

beral s 'ano de fundo em que so res-

~ ~ m a o g ~ ~ ~ ~ ~ ~ n a n o e aned6tico do fato ou enA

tao aprofundar P S i C O S S ~ C i O I ~ 1 c : : : : ~ ~ e j ~ t ~ ~ v ~ d O Sfoto simb6lica, que reune a pr6pria jus-no tempo do l e ~ t o r , a p a r ~ c e _ cO.mo revista.tificativa editonal da eXIstencla da .

o ue acontece, finalmente, it v e r d ~ e socI.al

q f' ando esta passa pelo cnvo edltonalfotogra la qu . tO rin-d 'stas? Desaparece sImp esmen e.

as revI. , b' t f togracipio de realidade do fato ou do 0 Je O

b t't °d por outro que se defme emado e su s I U 0 • df u n ~ o das necessidades industriais da revIsta econvencer e vender.

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III A Televisiio

A D1TA ERA DA TELEVISAO E RELATIVAMENTE,

nova. Embora os principios h ~ c n i c o s de base sobre. os quais repousa a transmissao televisual ja

es hvessem em experimenta,ao entre 1908 e 1914

nos Estados U nidos, no decorrer de pesquisassobre a amplilica,ao eletronica, somente na dec?da de vinte chegou-se ao tubo catodico, principal pe,a do aparelho de teve. Apos varias ex

p e r i < ~ n c i a s por sociedades eletr6nicas tiveram. .IOICIO , em 1939, as transmissoes regulares entreNova Iorque e Chicago - mas quase nao haviaaparelhos particulares. A guerra impos urn hiatoas. experiencias. A ascensao vertiginosa do novovelculo deu-se apos 1945. No Brasil, a despeito

de algumas experiencias pioneiras de laboratorio R ? q ~ e t e P i ~ t o chegou a interessar-se pela

~ r a n s m l s s a o da Imagem), a teve so loi mesmoImp a-ntada em setembro de 1950, com a inaugura,ao do anal 3 (Tv-Tupi), por Assis Chateau

? ~ i a n d Nesse mesmo ano, nos Estados Unidos,Ja havla cerca de cel esta,oes servin do a dozemilhO es .de aparelhos. Existen: hoje 44 canaisem lunclOnamento, em todo 0 territorio brasilei-

ro e .perto de 4 mil hoes de aparelhos receptores.

Aqul, como em toda a America Latina (com exee,ao do Chile e ressalvados os canais cedidospara experieneias com teve edueativa), a televisao

56

esta nas maos de grupos particulares e empresasprivadas. Em todos os paises onde a televisaoe controlada por lunda,oes ou pelo Governo, erazoavel 0 nivel de qualidade e de responsabilidade do comunicador te1evisual. No Brasil, assimcomo em toda a America Latina, e baixissimo 0

nivel de teve.

A Natureza do Veiculo

A telev isao tern grandes especilicidades como v ~ i -culo se conlrontada, por exemplo, com a radlOdifuiao. Na cria,ao de estados psiquicos, a teveseria dionisiaca por entregar 0 espectador (te

lespectador?) a si proprio, pondo-o em c o n t ~ t ocom 0 mundo concreto das imagens. No radIOpara ser transmitida, a mensagem tern comosubstrato necessario a voz humana, que por sua

vez e obrigada a recorrer a media,ao dos coneeitos. Em outros termos, para 0 receptor da

mensagem de radio, 0 processo de comunica,aotranscorre mais ou menos como se 0 locutorlesse alguma coisa para ele. N e s s ~ sentido, 0

radio aproxima-se do livro. Mas, cUTlosamente, 0

"livron do radio e 0 mesmo dos gregos. NaGreeia de S6crates - ou me SolO na Idade Media _ 0 texto escrito nao tinha UI lim em si

l11esmo. Era m mero suporte, m guia visual ou

mnemonico, para a orienta,ao do comllnicador

ou do orad or .

o Renascimento redeliniu 0 livro em termos in

dividualistas, rna is proprios a i d e o l o g i ~ do ~ r o -gresso: 0 receptor da mcnsagem 0 leltor), ISO-

lado em sua casa ou em seu quarto com 0 texto

independente do autor, entrega-se a urn exerciciode imagina,ao e de abstra,ao, que resultava al

tamente criador.

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o radio veio restaurar, em bases culturais infinitamente inferiores, a concep9ao grega do Iivro:este 0 texto) e apenas um meio para 0 locutor.E evidente que 0 locutor radioiOnico, obrigado aficar distante de seu publico, perde a for9a expressiva, 0 car sm a, caracteristico do orador gre

go. Para compensar essa perda, ele recorre aosrecursos idiossincrAticos: a boa emposta9ao davoz, as pausas, enfim, as caracteristicas personalissimas de narra9ao. E, do mesmo modo queno Iivro, 0 ouvinte de radio tem de se entregar aum certo exercicio de imagina9ao para visualizara mensagem transmitida.

Na televisao, ao contrario, 0 receptor tem a imagem - concretamente, 0 locutor - diante de si.o aparelho de teve e 0 outro que impoe um

monologo contro/dvel (ja que se pode, a qualquerinstante, mudar de canalou desligar 0 aparelho).A imagem ja se impoe construida ao receptor,deixando pouco a imagina9ao. Considere-se, porexemplo, uma partida de futebol transmitida peloradio: para 0 torcedor, Ii em09ao dos lances dosjogadores no estadio junta-se a em09ao da pr6-pria transmissao - a do locutor. Para compensi . a ausencia da imagem, 0 locutor esportivofoi. .obrigado a criar um verdadeiro espetaculo

verbal, em que as palavras parecem f1uir com avelocidade da bola ou com 0 impeto dos atletas.Distante do torcedor, mas dito pelo locutor, 0 jogador e sentido mais ou menos como os her6isdo chamado realismo socialisla, de paixoes facilmentc identificavcis. Sells defeitos e qualidades sao gritados pelo locutor. Ha torcedores delutebol que, em pleno estAdio, mantem os radioscolados ao ouvido, embora conhe9am todos osjogadores em campo. E 6bvio que os atrai 0espetaculo verbal da transmissao.

Mas 0 lato de 0 espectador se deparar, no casoci televisao, com a imagem construida, nao sig-

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nifica que a sua aten9ao estej.a a u t o m a t i c a m ~ ~ t eestruturada pela imagem. MUlto p e ~ o contrano,a televisao tende a dispersar a aten9ao do.espectador ao inves de estrutura-Ia. Tanto assl.m_ que.nos bons programas n o t i c i o s o ~ de t e l e v l ~ a o agrande preocupa9ao do comumcador _e eVltar. afugacidade a tendencia

Iinao-r.eten9ao) das mform a90es. A continuidade das Imagens de tele

visao, analogas de certo m ~ o ao fluxo da consciencia humana, arrebata vIsualmente 0 espectador, 0 que leva a pensar que, na verdade,pessoas veem leve antes de verem 0 que esla

na leve.

Voltando ao radio, poderiamos na terminologiade Jakobson) chamar a fun9ao do locutor depressiva: ao lado da fun9ao puramente d ~ n o t a t l v aa simples descri9ao dos lances da partida), ele

se compromete emocionalmente com a mensagemexpressQo) . Com a televisao, muda 0 pan?rama.

A idiossincrasia e 0 compromisso expresslvo dolocutor perdem 0 sentido diante das imagens concretas que desfilam aos olhos do receptor Estenao tem mais de imaginar 0 clima do estAdlo e .0

impeto dos jogadores, porque tudo isto e perfeltamente visivel no video. A fun9ao do locutor1 simplesmente denotativa, referencial, as vezes

tao redundante que as imagens chegam a corrersilenciosas. Com a televisao, 0 locutor ganha em

indicar  , mas perde em e ~ p r e s ~ a o _ r e c ~ p t o rperde, cspecialmente, em Imagma9ao, _ pOlS aimagem e uma realidade trabalhada - nao neces

sariamente objetiva, mas concreta - que Ihe. edada para consumo, sem maiores apelos ao m

telecto.

Isto nao quer dizcr quc 0 radio ~ e a mais suges

tivo que a televisao. Ao contrano, por sen;mplenas de significados, as imagens s ~ g e ~ e m m ~ l t omais que 0 simples f1uxo verbal, atmgmdo. ~ I r e -tamente a parte do psiquismo menos vIglada

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pclo intelecto. Diante da teve, que se impoe comourn simulacro de realidade, 0 receptor se abandona, descuidado. Este estado de espirito ten de

R Rumentar na medida em que a mensagem maisse adaptc its especificidades do vefculo. Se 0 locutor de teve tenta, por exemplo, se impor idiossincraticamente ao receptor ao inves de assumir

urn tom natural, vagamente familiar, pr6prio doveiculo), podera criar barreiras na aceita9ao da

mensagem. Na iconosfera (universo das imagens),a s e n s a ~ a o tende a predominar sobre a consciencia,. fazendo apelo a todos os sentidos, masenfraquecendo-os.

Nasceria dai uma tendencia a passividade, quecertos psicanalistas veem como condutora do

adulto a urn estagio oral semelhante ao dobebe alimentado por sua mae. Tal possibilidadee contestada por pesquisadores como a Dra. Him mel welt, autora do trabalho mais completo sobre a televisao e a cria9ao. Himmelweit substituiu a perspectiva dos efeitos pela das l u n ~ o e sc procurou descobrir nao 0 que a televisao laziaa c r i a n ~ a mas 0 que esta fazia com a televisao,como selecionava os canais, etc. Nao ha provasconcludentes sobre uma passividade do telespectador em grau maior que a de urn leitor de Iivro,

por exemplo. 0 que acontece com os vefculosaudiovisuais (e af estao juntos 0 radio e a televisao) e que favorecem, mais do que os vefculosescritos, os processos de projefiio 0 receptordesloca as suas pulsoes para os personagens dovfdeo), identificafiio (0 receptor torna-se inconscientemente identico a urn personagem no qual ve

qualidades que gostaria ou julga que Ihe perten<;am c empatia (conhecimento que 0 receptortern do comunicz,'  r; colocando-se mentalmenteem

seu lugar).Jean Cazeneuve ad mite, com Cohen-Seat, quetodo espetaculo pode suscitar fenomenos de

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p r o j e ~ a o e i d ~ n t i f i c a 9 a o 0 equilibrio do espectador, cujo ego e momentaneamente apagado pelofenomeno, e restaurado pelo contato com a reaIidade . Ora, a teve, numa reportagem, por exemplo, coloria 0 receptor frente a uma .mens age,:

que s ~ r i a , em ultima analise, um , ? b J ~ t o , r e ~ h -dade. Mas, pergunta-se Cazeneuve,_ sena preclsosaber se as tccnicas de difusao a ~ e m tantosobre 0 objeto qua-nto sobre 0 sUJelto .

Real mente, a teve (deixando de lado 0 radio) ,apesar de nos trazer uma imagem c ~ n c r e t a , naofornece uma reprodu9ao fiel da. r e _ a h d ~ d e . U na

reportagem de teve, com t r a n s m ~ s s a o dlreta, e 0

resultado de varios pontos de vIsta: 1) do reolizador  que costrola e seleciona as .imagens nummonitor; 2) do produ/or que podera efetuar ~ o r -tes arbitrarios; 3) do cameraman, que seleclOnaos iingulos de filmagem, finalmente de todosaqueles capazes de intervir no processo da transmissao. Por outro lado, alternando sempre oscloses (apenas 0 rosto de urn p e r s o n a ~ e m no

v i d ~ o , por exemplo) com cenas r e . d ~ z l d a _ svista geral de uma multidao), a televlsao nao ?a

ao espectador a Iiberdade de escolher 0 e s s e n C l ~ 1ou 0 acidental, ou seja, aquilo que ele deseJaver em grandes ou pequenos pianos. Dessa f ~ r -ma 0 vefculo impoe ao receptor a sua manelra

especialfssima de ver 0 real. .

Tambcm os cfcitos de montagem e de d ~ a m a h -za9ao, que contribuem para tornar rna,s mteres-'sante a mensagem, ajudam por outro lado a deformar a rea idade comunicada. Urn exemplo: No

Rio de Janeiro, ja morreu p r a t i c a m o velhocarnaval de rua, onde 0 individuo se d,verha semesquemas, nem injun90es turisticas, mas todo ano

pode-se ver nas ruas uns poucos r c m a ~ e s c£los velhos tempos. Na cobertura tla teve,tem-se uma impressao de multida o e de m m ~ oque, na realidade, nao existem. que 0 camera-

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m n seleciona as imagens mais atraentes, 0 rep6rter dramatiza 0 que se passa Irente a seusolhos, e as eleitos de continuidade operados atrayeS dos monitores ajudam a criar 0 resto da ilusao. Sao constantes as ilusiies de objetividadelabricadas pela televisao. Isto implica numa ar-

. madilha para 0 receptor: certo de delrontar-secom 0 real, este pode deixar-se influenciar aindamais pela mensagem, entregando-se sem redeasaos processos de i d e n t i l i c a ~ a o e p r o j e ~ a o . Nesseponto, a teve converte-se num veiculo socialmente perigoso, pois tende a conlormar 0 individuoa sua pseudo-objetividade 0 que nao ocorre, porcxemplo, cam 0 cinema, cujo munda imaginariac sempre denunciada pela p r e s e n ~ a dos atores,dos truques, das elipses narrativas, etc.) que nO

ca sa dO Brasil e bastante mediacre e con servadara, como veremas.

A F o r m a ~ a o da Mensagem

De um mado geral, a mensagem da televisaa -assim coma a dO radio - visa a uma universalidade (ati ngir a todo e qualquer receptor indistintamente) que, mal compreendida, pode levar a

veiculo a uma r e l a ~ a o lalsa com a grupo social.A teve e levada a tratar como homogeneos lenomen as caracteristicos de apenas alguns setoresda sociedade. A busca de um suposto denominador comum, que renda 0 maximo de a c e i t a ~ a opar parte do publico, preside it e l a b o r a ~ a o damensagem. 0 exito de um programa e aleridopelo indice de audiencia: quanto maior a publico maior sucesso.

Essa necessidadc de padronizar a conteudo doveiculo segundo lO n indice opt mu n de aprova~ a o do publico condiciona necessariamente a lor

m a ~ a o da mensagem. Isto e de mans travel na

62

Teoria da I n l o r m a ~ a o : quanta menor e a taxamatematica de i n l o r m a ~ a o de uma mensagem (emaior, portanto, a redundancia), m?ior_a sua

pacidade de c o m u n i c a ~ ~ o . C o n : u m c a ~ - o aqu. eempregada em seu senhdo tecmco: n?o se tratade um ideal de ordem humana au soc.al, mas da

r e c e p e d e c o d i l i c a ~ a o da mensagem por umindividuo qualquer. Quanta mais os signos damen sagem as elementos culturais de um. pro-

grama de televisao, par exemplo) lorem lam.loar.esao publiCO, por ja constarem. de _seu repert6no,

maior sera 0 grau de c o m u m c a ~ a oo qu e aconteceria se um comunicador a teve,por exemplo) tentasse transmitir uma mensagema um publico amplo e heterogeneo c o ~ p o s t o _ pardile rentes classes sociais, niveis de o n s t r u ~ a o _ e

faixas etarias) sem atentar, na sua l o r m a ~ a o ,para 0 niv el comum de .entendin:e.nto? Certame.nte, a mensagem s6 sena decod.hcada au a c ~ . t apel a parte do publico que c o n h e c e s s ~ . 0 c6d.godo comllnicador, Oil seja, que parhc.passe da

mesma estrutura cultural.Suponhamos que a televisao pretendesse, a titulo

de s e r v i ~ publico, esclarece r 0 P?vO sobre . osperigos da lalta de higiene domeshca e de 10m:pez a urbana para a saude nacio?al: Se a teve

utilizasse argumentos puramente tecmCOS (de ordem medico-sanitarios, sociol6gicos, etc.), a mensagem seria provavelmente entendida por umaboa parcela da p o p u l ~ a o c u l t ~ a detentora do

c6digo segundo 0 qual se ~ . z o ~ a ~ e n ~ a g e mMas outros setores da p o p u l a ~ a o hcanam .mper

meaveis i campanha.

o comunicador poderia, entao, elaborar uma nova mensagem em termos mais acessiveis. .A n ~ v amensagem, embara mais afetiva em. a m u m c ~ -

seria certamente ~ ~ i s p o ~ r ; e.m o n l o r m a ~ a apar amitir dadO s cienhhcos (d.hce.s, mas necessarias a carreta a p r e c i a ~ a a dO problema) desco-

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integrado, 0 espa90 televisual exige urn interlocutor , a fim de que a mensagem se mantenhanum nlvel de intimidade, de familiaridade, ou deconfidencia. Seria provavelmente imposslvel im por, atraves da televisao, urn mito de beleza como de Greta Garbo. Por que? Porque 0 interlocutor , 0 chapa 0 publico do veiculo nao acei-  'tana uma mascara de beleza · perturbadora umainc6gnita, quase tragica, denlro e sua Natelevisao, 0 que causa efeito e 0 roslo amigoque transmita em090es de facH entendimento ede franca cordialidade: nas mulheres, uma expressao natural assim como a filha ou a tiado dono-da-casa (Gl6ria Menezes, Hebe Camargo, etc.); nos homens, urn certo dinamismo (BIota jUnior, Flavio Cavalcanti) ou a masculinida

de do vizinho (Tarcfsio Meira). Em outros termos na teve importa mais a folhetinesca vivacidade fisionomica do que a regularidade plAstica .

Mas a estetica - ou, para quem preferir, a poet ica televisual - parece apoiar-se melhor na Iransmissiio direla: a avalancha de enlatados ou deprogramas em video-tape tern urn peso apenasquantitativo. JA nos referimos antes a imposi9aodo lIngulo do comunicador ao publico, que cria,

mesmo na transmissao direta, uma Husao de ob

jetividade. Para Umberto Eco, a a9ao do comunicador de teve na transmissao direta e uma mimesis (imita9ao de comportamento, no sentido

aris.totelico) de experiencias. Em outras palavras,ao mterpretar os fatos, at raves da sele9ao e composi9ao de imagens, 0 realizador de teve reproduz- consciente ou inconscientemente - as suas

experiencias pessoais , a maneira de urn artistaque transfigura, mi obra de arte, 0 seu mundo ea sua vivencia. Nao se trata da pura cria9ao ar-'tistica, mas da possil;ilidade de cria9ao. Existiriaai, para Eco, estetica em potencial, dando mesmomargem a urn esb090 de fenomenologia da im-

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provisa9ao  a partir da atividade do realizadorde teve. Ele ve na montagem de certos filmesmodernos - como A Aventura de Antonioni -a destrui9ao da intriga da narrativa tradicional

atraves da incorpora9ao de elementos da linguagem televisual a ausencia de clfmax, a indetermina9ao das a ~ o e s 0 emprego dos tempos mor

tos, etc.).

Para n6s, em 200I-Uma Odisseia no Espafo 

Stanley Kubrick demonstrou tambem uma enorme sensibilidade para essa abertura da n a r r a ~ a ocinematogrllfica. As cenas que mostram, em pleno

e s p a ~ o c6smico, plataforma e e s p a ~ o n a v e em deslocamento, dao uma impresslio de grandiosidade,mas jll nao se trata da mesma n o ~ a o de Cecil B.De Mille. Kubrick nao construiu uma a ~ a o dra

matica introdut6ria ao grandioso, uma a ~ a o sustentada pela p r e c i p i t a ~ a o de gestos, de imagensou de paixoes dos personagens. 0 grandioso surge, para 0 espectador, como a c o n s t a t a ~ a otriunfo da tecnica e do homem (atraves da visaodetalhada da viagem espacial nas regioes mitologicamente insondaveis). 0 espetaculo da viagem se traduz em imagens lentas, como a sugerir uma i d e n t i f i c a ~ a o com 0 tempo real, do qualse aproxima 0 tempo televisual nas transmissoes

diretas. Urna certa sugestao de i n d e t e r m i n a ~ a onas a ~ o e s iniciais de 2001 foi justamente 0 quenos pareceu de mais positivo no filme em materia de Iinguagem. Depois que 0 computador all

enlouquece e que a intriga se apossa da narrativa, 0 filme perde a i n f o r m a ~ a o do inlcio. Recua do feliz aproveitamento da brecha esteticatelevisual (tao bern acentuada pela harmoniosae liberadora c o m p o s i ~ a o de Strauss) para a tensao da velha narrativa romance ada.

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o Publico

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E' evidente que, se 0 sucesso de uma mensagem

se me de pela maior ou menor audiencia, os cri- '

terios do comunicador tendem a ser puramentequantitativos. Dessa e n t a ~ a o nascem, nos Es-

tados Vnidos duas correntes:

I) Uberallshls quantitativos - Defeodern 0 que se podena classlflcar como uma especie de behaviourismo o

gosto Para eJes, comunicador de televisao deve darao publico 0 que este deseja.

2) Llberallstas qualltatlvos - Sao de opioillo que sed e ~ e oferecer pt lblico que este seieciona ap6sc idadosas e x p e n ~ n c i a s .

De modo geral, dar ao publico 0 que ele deseja eum chavao empregado pelos produtores de tele

visao no mundo inteiTO, acentuadamente no Bra-si l. Os desejos do publico sao, assim, aferidosquantitativamente pelo [nstituto Brasileiro de Opi

niao Publica e Estatistica ( BOPE). Nao e nossa

i n t e n ~ a o aqui discorrer sociologicamente sobre 0

publico brasileiro de televisao (apesar da grande

utilidade que teria um estudo dessa ordem) nemdiscutir as amostragens do BOPE (nao deixa de

ser impressionante observar que nenhuma esta

~ a o de televisao se tenha dado ao trabalho de

submeter os questionarios do BOPE a testes dei f i c a ~ a o , e sim fornecer alguns dados de

conjunto sobre a i t u a ~ a o carioca. .

A unidade basica do publico de televisao e a fa

milia. Em f u n ~ a o dela, sao elaborados os programas. No Rio de Janeiro, ha cerca de dois miIhoes de telespectadores, colados diariamente a

600 mil aparelhos. Cerca de 70 por cento dessaspessoas sao pobres ou muito pobres. 0 que a

t e l e ~ i s a o Ihes oferece? Segundo uma pesquisa

reahzada pelo Jorna / do Brasil durante sete dias

- .de a 24 de m a r ~ o de 1969 - os ape/osmalS uhhzados pel a teve carioca eram a vio/encia

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de um lado, e os valores tradicionais relativos ainfancia   de outro. A pesquisa ~ e f i n i a como ape/0 0 elemento presente na umdade de pro.gra

m a ~ a o , capaz de atrair 0 telespectador ,: edlO,. eexp lorado, de maneira mais ou menos mtenclO-.

nal, segundo varios graus de intensidade e im

portAncia"

No tempo total de transmissao, os apelos aos

valores tradicionais de inUncia e familia ocupavam 47,73%. Seguiam-se vio/encia 43,7791:),

o s t e n t a ~ a o e ascensao socia/ (30,12%), fantasIas(26,20 ), erotismo (3,90%), onda jovem . , .

(8,60 ), humor (33,31%), politica (14,58 ),cultura e tecnica ( 17,17% ), grotesco-chocante(5,250/0). A percentagem do apelo ao "grotesco-

chocante" resultou insignificante porque os or

ganizadores da pesquisa restringiram c ~ r t a m e n t eo conceito. Para n6s, como veremos adlante, um

tipo especia l de grotesco atinge 0 status de ~ a t e -goria estetica na televisao brasileira, contamman

do os programas de humQr, as novelas e mesmo

programas tidos como de "nive l razoavel".

Ha da parte dos produtores de teve, 0 eterno

de;ejo de atender as s o l i c i t a ~ o e s do publico. Sedescobrem, por exemplo, que 0 trivial domestico

agradaaos telespectadores de

n ~ v e l a s ,lo

goconstroem cenarios em torno da cozmha ou da copa.

Tal personagem deveria morrer no fim da hist6-ria de acordo com 0 script mas contra a vontade.do publico? Simples, muda-se 0 ript e se asse-

gura a vida do her6i.

Essa l i g a ~ a o do comunicador com 0 publico po-

deria ser vista como beneiica. Afinal de contas,

tudo indica que 0 publico do futuro (os futu

r610gos estao sempre na ordem do. d i ~ sera

seletivo do ponto de vista da c o m u m c a ~ a o . Nas

p o s i ~ i i tecnol6gicas, 0 jornal do futuro ja

apresentado como um mito de aparelho de teve

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I

e .maquina ~ e r o g r a t i c a g r a ~ a s ao qual 0 consu

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~ T I I d o r seleclOna as i n f o r m a ~ i i e s desejadas e as

.mpnme na hora, em casa.

S e r i ~ a atual influencia do publico sobre 0 co

mumcador a pre-hist6ria dessa decantada auto

nomia seletiva dos consumidores de i n f o r m a ~ i i e se.lazer? Nao ha grandes motivos para se acred.tar msto, porque a atual r e l a ~ a o do produtor

de teve c,?m 0 publico e apenas deformadora da

. ~ . e n s a g e m Sem falar dos coeficientes de parciahdade das respostas as sondagens, a televisao _

m a n t ~ n ~ o s e na estreita dependencia dos desejos

do p ~ b h c o _ - converte-se num organismo difusor

de d . ~ t o r ~ o e s estere6tipos e preconceitos socia is.

No RIO, transmitia-se uma novela em que havia

um caso de amor entre um negro e uma branca.

romance, ins6lito nas telenovelas, acionou ospreconceitos raciais de alguns setores do publico,

e c o m e ~ r m a chegar a e s t a ~ a o de teve as car

tas de protesto. Foi tipica a s o l u ~ a o dos produ

tores: alteraram 0 enredo para que uma atriz

negra, contratada as pressas, substituisse a bran

ca na paixao do personagem negro.

D i ~ u :, dire tor comercial de televisao: "Quando

a hrama do .BOPE acabar, talvez possamos fazer

alguma coisa . A culpa el a n ~ a d a

dessa formasO.bre. as estatisticas, que passam com rapidez

cnteno absoluto para alibi conveniente. Numa novela de p r o d u ~ a o muito cara, devido ao numero

e l e v ~ d o de atores, os produtores introduziram no

rote.ro uma epidemia que matava a maior partedos personagens, e assim se resolveu 0 problema.

Desta vez, 0 publico nao se havia manifestado

mas 0 h?bito tambem faz 0 produtor de t e l e v i s a ~no Brasil.

Em outras circunstancias, essa r e l a ~ a o entre 0produtor de programas e 0 publico poderia dar

margem a experiencias culturais de c o m u n i c a ~ a o7

lorte com a existencia. Teriamos l tipo de espetaculo em que os consumidores (0 publico)

seriam tambem criadores at raves de sua

de retorno feedback) sobre 0 comunicador. As

circunstancias desejaveis seriam aquelas em que

o comunicador losse capacitado para adaptar-se

as especificidades da Iinguagem do veiculo tele

visual e, do ponto de v.ista de uma antropologiacultural, preparado para corrigir ou selecionar os

estere6tipos. Um comunicador desse calibre seria,mesmo na area pura do espetaculo, um bom for

mador de publico, na medida em que contribuis

se para reestruturar os valores que lundamentam

os estere6tipos.

Vale ressaltar, porem, que a televisao, ao ladode sua conservadora e pseudomoralizantc,

pode tambem g u ~ r certas c o n t r a d i ~ i i e s sociais.Ha um exemplo bem recente nos Estados Unidos.

Apos os motins raciais de 1967 em Watts, umacomissao ormada pelo entao Presidente Lyndon

Johnson para estudar as causas dos conflitos

terminou concluindo que a televisao era culpadade ostentar a opulencia em que vive a maioria

branca norte-americana, tornando-se assim res

ponsAvel pel a e x s p e r ~ o das minorias negrasque habitam os guetos das grandes cidades. 0

relat6rio, feito por brancos, nao condenou a opulencia, mas a sua o s t e n t a ~ a o . 0 ocorrido nos Es

tados U nidos demonstra que, com a teve, nem

sempre se da fenomeno que os soci610gos fran

ceses dos velculos de mass a chamam de declasse-menl, ou seja, 0 sentimento comum a todos ostelespectadores de pertencerem a mesma cIa sse

- ja que os programas se dirigem a todos indistintamente, 0 aparelho se encontra tanto na casa

do rico como do pobre.

Na verdade, porem, por tras da igualdade i1us6-

ria, ·estA a realidade discriminadora. A antena detelevisao no barraco de um favelado e a antena

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nUma residcncia de luxo nao sao apenas us indi antes tida como bela pode come,ar a fazer care

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ces de um mesmo rito de consumo, mas tambemde um_a C?ntradi,ao em processo de agu,amento.A teve nao transform a a real. Reflita-se sabrea casa das direitas civis narte-americanas: naah a u v ~ _nenhuma mudan,a de atitude par parte datelev.lsaa cam rela,aa a camunidade negra, que

c.?ntmuau. esquecida. Apenas... e eis aqui a questaa: as ilderes passaram a ser /ocalizados com

m ~ l O r /r.eqiiencia. Candutares de hardas furiasase m p a c l e n t e ~ , as Ifderes negras tipificam, para

a nar.te-ameflcana branca, a mita da Apacalipse.Facahzanda-as, a televisaa, cama num espetacu la,pravaca a harror e a infalivel atra,aa.

o fmagimirio Brasileiro

Resta saber em que categaria estetica _ nautrastermas, a acarda estrutural das pragramas a sua

d . ? m i n a n ~ i ~ afetiva,. a ethos - se ap6ia a'televis.aa b r a S I l e ~ r a ? Acreditamas achar a resposta num

tIP? especIal grotesco. Cad a epaca e cadamelD. de comunIca,ao artistica valorizam uma de

t ~ r m m a d a categoria estetica 0 tr<igico a dramaIIco . a meladramatico). 0 ethas dos pragramasao VIVO da teve brasileira, coma veremos atraves

de exe,: plas, identifica-se com 0 grotesco. Estac.ategofla esta nas vizinhan,as do comica, da cafIcatural e mesmo, da monstruosa. 0 que e 0

grotesco? Para 0 esteta frances Jean Onimus .

urn e ~ t a d o s e g u ~ d o e consciencia, e s s e n C i ~ l ~mente CrttICO SefIa uma ref lex ao sabre a 'dnasc'd d VI a,

I a_ e uma compara,aa entre as coisas taiscoma saa em prafundidade e tais como nos apa-recem em superficie . '

o gratesco C m olhar acusadar que penetra asestruturas ate um ponto em que descobre a suafeaIdade, a sua aspereza. A essa altura, 0 real

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tas, 0 pesadela p.ode tamar 0 lugar do sonho.Uma mascara negra, um monstro g6tico, obrasde profunda inspira,ao artistica, padem sit uar-sena categoria da grotesco. As vezes, ele nos ajuda a desvelar uma realidade mitificada: e 0 caso,por exempla, do grotesco utilizado por muitas

cartunistas modern as. A pr6pria an/ropofagia /ro-picalista de Oswald de Andrade po.de ser tidacamo uma visaa grotesco-caricatural da realida

de nacianal.

Mas a grotesco dos programas de teve brasileiras se configura como uma disfun,ao social eartistica, de tipo especialissima, que poderiamoschamar de grotesco escatolOgico. Aqui, a ethosc de puro mau-gosto. Por que? Parque 0 valor

cstetico de critica e distanciamenta e anulado poruma mascara construida com falsa organicidade

contextual. 0 gratesco (em todos os seus significantes: 0 feita, 0 portador da aberra,ao, a de

formado, a marginal) e apresentado como signodo excepcional, como um fenomeno desligado da

estrutura de nossa sociedade - e visto como 0

signo do outro. A inten,ao do comunicador e sem

pre colocar-se diante de alga que estA entre n6s,mas que ao mesmo tempo e ex6tico, logo sensa

cional. A recapitula,ao das caracteristicas de alguns das programas - passados ou presentes

- e de seus animadores ajudarA a esclarecer aquestiia. Par exemplo:

I Silvio Santos em Rainha por um Dia promovia 0 desfile de miseraveis, que contavam suaspen as. Cabia ao audit6rio escolher a hist6ria mais

triste. A rna is desgra,ada, a mais infeliz, era eleitaRai nha por um dian.

2. Jacinto Figueiras Junior que apresentou noRia e em Sao Paulo 0 program a 0 HOlTU m doSapato Branco  levou a televisao prostitutas, la-

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droes c homossexuais, chegando a realizar uma do programa desejam nos significar (consciente

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mesa-redonda de mendigos .

3. Dercy Gonfalves - explora tambem a miseria, os temas de baixo espiritismo, os curandeiros, as irmas xif6pagas, as a b e r r a ~ o e s e as deformidades fisicas.

4Raul Longras - explorava 0 tema

dainfelicidade humana: mulheres que nao conseguem

casar-se eram expostas aos telespectadores, quese compraziam com as diversas fases do romance Todas as incidencias e virtualidades dos jogossentimentais eram enfocadas como tipicas. Haviao estere6tipo romiintico do amor sob as estrelasAmor no Baleao), 0 estere6tipo do rompimento

e da r e c u p e r a ~ a o S.O.S. Amor), da paixao instantiinea Amor Primeira Vista) e outros. Ha

via tambem, para dar maior v e r o s s i m i l h a n ~ a itmimesis social, urn representante da lei : UIII

leao-de-chAcara encarregado de zelar pela ordeme pelo respeito as donzelas. 0 climax - e apoteose - ocorria no dia do casamento, com vestido de noiva, champanha e as benesses das casasde comercio.

5. Flavio Cavalcanti - Aparentemente, 0 programa destoa da regra geral, mas a d e c i f r a ~ a odos mitos por ele veiculados nos revelam a suaverdadeira natureza. ara tanto, valemo-nos dometodo de leitura do mito proposto por RolandBarthes.

o objetivo do programa VII Ins/an/e, Maestro :

passar em julgamento a musica popular. ara

isso, apresenta-se urn corpo de jurados compostos de tipos: urn e compositor conhecido, outroentende de musica, outro e mordaz e espirituoso,outro c cronista de musica popular, etc. Em re

sumo, 0 corpo de jurados nos fornece uma forma(um significante), cujo eoneeito (significado) ecrime de eriafao artis/ka. 0 que os produtores

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ou inconscientemente)? Em outras palavras, quala significafao do programa? Parece-nos esta:Todos os produtos artisticos, sejam eles puroKitsch ou obras pertencentes i cham ada ar/e depropos/a, sao passlveis de julgamento por representantes do born-sensa social.

Antes de sustentarmos essa s i g n i f i c a ~ a o expJiciternas a terminologia empregada.

I Forma - A forma do mito e 0 seu suporte material,urn significante roubado de outro sistema. Assim do ·cstatuto juridico nacional r e t i r o u ~ s e 0 significante orpode jurados. que encontra a sua racionalidade no C6digoPenal. No cotidiano brasiteiro, 0 corpo de jurados 0

tribunal do juri dispoe de urna hist6ria pr6pria e devalores particulares: 0 drama de consciencia dos mern-

bros a validade ou naD da instituil;ao 0 conhecimento

do Direitu, enfim tuda 0 que entra como componentenecessaria na descril;ao do juri e que nos da 0 seu

sentido. 0 que acontece quando urn sistema fortementemitico como a produCao de programas de televisao se

apropria desse sentido (que e tambcm 0 significante)para dar-Ihe uma forma? A prim-eira conseqUencia e aesvaziamento de sua hist6ria e a sua deformacao. Despido de suas relacoes com 0 C6digo Penal e com aeriminalidade, em outros termos, fora da hist6ria ur -

dica do pais, 0 significante corpo de jurados passa a~ e r uma forma vazia, pronta para ser usada num outrosistema. De que modo? Atraves de urn novo significado,

ou seja, de urn conceito.

2) Conceito - No mito, 0 conceito implica no retornoda hist6ria, dos vaiores perdidos, mas agora sob lentesinteiramente novas. Assim em corpo de jurados que se

apresenta oeo como lima casca de noz, injeta-se limanova situacao, onde a crime passa a ser a transgressao a certos canones de criacao, e as jurados convertem-se num born punhado de representantes do bomsenso. 0 que os legitima? Antes de mais nada, a decisao

arbitraria do produtor do prograrna, mas tambern lima

certa condicao social que os apregoa como cuitos e

experientes, ergo capazes de julgar. Desta maneira, 0conceito mitico e pecado ou crime de criafao artistica.Se a grupo fosse constituldo apenas de especialistasem musica (music610gos maestros, professores, etc.).

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os espectadores teriam urn julgamen.tu puramente tec ni lembra das escalas musicais aprendidas na juven

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co, e a Jeitura do mito teria de ser condu zida de out romodo. Ma s, ao constituir urn corpo de jurados , 0 programa liga 0 seu conceito t forma. E a i n t e n ~ a o finaltorna-se clara: trata-se de absolver e premiar COI1

denar e punir.

3) i g n i f i c a ~ i i o - E' 0 terceiro termu do sistema miticue, ern ultima analise, 0 pr6prio mit o, que resulta da

a s s o c i a ~ a o en tre 0 coneeito e a forma. Paralela ao mito,ha sempre uma intenlYao, s vezes rn asearada sob asaparencias. No caso do programa, 0 mit o nos diz )

seguinte: 0 publico e 0 juiz do _rtista e de sua obta,e esse corpo de jurados, representante do publico, padejulgar 0 artista. Na verdade, a saciedade dos chamadoshom ns honestos e indu strio sos sempre se arvorou acontrolar au jul gar 0 produtor da obra de ar te, atravesdo mereado au da eensura. Assim como 0 1 11 ':0, 0 artista sempre foi vigiado de perto pela soded te industrial. Mas ess vi giJancia nunea se materializull num ainstituit;ao diretamente representativa do publico - fo i,

antes, confiada t autaridade constituida nas func;ocs decensor au a grupas de elite que se feehavam nllm jargaoteenica.

A a c e i t a ~ a o do program a de Flavio Cavalcanti _para quem preferir, a leitura popular do mito _ .

deve-se exatamente a abertura desse direito dejulgar a obra de arten Nao se trata, ja afirmamos, da arte classificada como elevada, mas daquela habitualmente consumida pelo publico ao

qual se des tin a 0 programa a c a n ~ a o popular) .No plano do consumo, a cultura e tambem fortemente ideologizada. A i d e n t i f i c a ~ a o do publicocom 0 program a e propiciada exatamente pelomito do corpo de jurados. No Brasil, a qualquermom ento, todo e qualquer cidadao pod era serchamado a integrar 0 verdadeiro tribunal do juri,

t i t u i ~ a o aberta, como se sabe, it participa~ a o leiga. Da mesma forma, os telespectadoressentem-se mais ou men os capazes de integrar 0

tribunal da televisao, porque seus criterios de julgamento sao tambem leigos: um jurado e compositor, outro e cronista, outro e ator, outro se

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tude, ma s nenhum tem padroes criticos c d ~ m i -cos, que dependam de uma f o r m ~ o escolar.

Como no tribunal'd o juri, a f u n ~ a o de cada umdeles e, mais do que dar uma a p r e c i a ~ a o esteti

ca, chegar a uma resposta para 0 quesito Cu/padoau lno  e? 0 reu e a c n ~ o ou seu au toe

Ma s 0 que seria 0 crime, a transgressao, no pro

grama em questao? Em geral, tudo aquilo que

rompe com canones preestabelecidos por uma

Ordem Atraves de uma linguagem tautol6gica

0 bom e bom, 0 mau e maul, chega-se a uma

especie de t i ~ a maniqueista, que s6 deixa uma

alternativa para 0 produto artistico: a b s o l v i ~ l i oou c o n d e n a ~ l i o . Exemplos de a b s o l v i ~ l i o : os com

positores consagrados do passado, as composi

c;oes ja ass imiladas, 0 bom-gosto moralista. Exem

plos de c o n d e n a ~ l i o : a vanguard a (Caetano Ve

loso era tido como aceitAvel antes de mudar a

imagem bem-comportada) , os lapsos morais, oserros de gramaticas, as canc;oes caipiras.

Mas 0 condendve/ apesar dos termos simplistasem qu e e posto, nem sempre fica muito claro

para 0 publico (e a televis lio , ja dissemos antes,

impoe uma r e d u ~ o simplificadora dos elementos

de sua mensagem) . Para fazer passar a mensagem, 0 mito se carrega de form as ret6ricas fun

dadas em es tere6 tipos ja conhecidos por todo 0

publico. A n t a ~ l i o de uma dup/a caipira

por exemplo, e urn recurso ret6rico do programa.

Com seus signos claros de ruralidade paulista

(chapeu de palha, camisa xadrez, viola, etc.), 0

cantor caipira e a pr6pria redundiincia ret6rica

para a ideia que se quer transmitir de s u p e r a ~ l i opassadismo e ·mau-gosto. Ao v ~ - I o 0 cidadao decultura de classe media e de ralzes urban as secompraz em pretensa superioridade.

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Por que? Porque 0 outro Ihe c imposto como gica anterior It realiza,ao do programa. Ele sabe

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grotesco. 0 estranho e Teratos, 0 mon stro, doqual se deve obrigatoriamente rir e tripudiar.Aqui, 0 mito se disfar,a para agir: em seu mecanismo dualista de julgamento, 0 grotesco e 0

novo (a vanguarda, por exemplo) identificam-scna mesma categoria do teratol6gico, do conde

navel. E na Ordem que 0 mito se aloja, mas nogrotesco que se evidencia. E 0 animador do programa, as vezes, resume tudo numa exprcssiio dedesconfian,a: Estranho i6. 0 Chacrinha Abelardo Barbosa, a Chacrinha, apontado por si mesmo e pelos jornais comofenomeno de comunica,ao de massa , nao foge

a regra geral de manipula,ao do grotesco. Ma s

aqui, ja nao Iidamos com a mesma grande dis

fun,ao dos outros programas. E' preciso dizer,antes de mais nada, que a estrutura aparente (tomamos 0 termo emprestado ao Iingiiista NoamChomsky, para designar aqui apenas os fatosde superffcie do programa) de um programa doChacrinha n a ~ diferc' muito de qualqller olltroprogram a de auditorio.

Como comunicador, 0 Chacrinha nao c bem 0

ingenuo ou 0 primitivo que se pensa. Os partic i p a ~ t e s de seu programa - calouros, cantores,

convldados, etc. - sao selecionados de acordocom s ~ u s criterios pessoais, formados ao longode mUltos anos como profissional do radio e datelevisao, sempre na sintonia das preferencias do

publico a que se destina a sua mensagem. Doprogram a do Chacrinha, assim como de outrosa n i ~ a d o r e s fazem parte, par exemplo, compulsOflamente: 1) canto res de estiJo e . repert6.rioultrapassados, de pessima qualidade; 2) calourosque, ,Par certas caracteristi,as fisicas (velhice, au

s ~ n c l a de dentes, debilidade mental) , provocamhllafldade au simpatia do publico. HIi portanto,tambem no Chacrinha uma e s t r l 1 t u r a ~ a o tipol6-

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o que agrada ao seu publico.

A diferen,a entre 0 Chacrinha e os outros animadores esta menos na sua intencionalidade dec017lunicador (especial mente depois que ele tomou conhecimento desse termo e de algumas desuas implica,oes) do que em algumas singulari

dades - malgre lui meme de sua Iinguagemaudiovisual. A compreensao desses aspectos podera aumentar a capac idade informativa da men

sagem do Chacrinha.

Senao, vejamos:

1) I r r e a 1 i z a ~ A o do traJe - A roupa do Chacrinha epura non-stnse: minissaia cornbin d com botinhas itLuis XV babados, chapeu de pirala e assim por dianIe.Ternos 3qui urna fusao naD necessariamente harmonicade sistemas vestimentares diversos . Ele usa minissaia,traje exclusivo de outro sexo, sem se travestir; usabotinhas e babados de estilo Ifaristocratico , sem p r e ~tender interpretar urn aristocrata j idem para 0 chapeude pirala. 0 resultado final nao nos dA urn palha,o delipo c1Assico E cada urn dos significantes arrancadosde sistemas diferentes se neutraliza no novo conjunto.Em LingUistica, esse fenomeno se chama mesmo n e u ~tralizarao - 0 signo resultante e 0 arquifonema. Porexemplo: em atemao, 0 Idl e normalmente uma octusiva linguodental sonora, mas no fim da palavra, tor·na-se surda: It . Assim Rad pronuncia-se da mesmaforma que Rat. Diz-se, entao, que houve n e u t r a l i z a ~ a odo fonema /d/ e conslitui,ao do arquifonema IV. Ncutralizado, 0 traje do Chacrinha e para n6s e n g r a ~ a d omas lambem irreal (falo de non-sense . Na folografiade modas as poses jocosas e irreais das manequinsirrealizam a mulher 0 significante) para re ssaltar aroupa (produlo a ser vendido). Com 0 Chacrinha, dA-seo contrario: a roupa e irrealizada para destacar 0 ani·mador figura a ser vista). A n e u t r a l i z a ~ a o dos variossignificantes vestimentares tern apenas urn significado:o Chacrinha.

2) Reeursos relorieos - Alem de seu palavreado fortemente marcado pelo non sense embora os sells referentes passam ser perfeitamente claros para ete naoo sao para 0 publico), 0 Chacrinha lanc;a mao de sign -

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ficantes mimicas que, de algum modo, duplicam, stibstiw atingir as pequenas verdades pelo cinismo, por

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tuem ou anunciam 0 seu discurso, fixando a t e n ~ a ogeral. Assim, ao colocar 0 dedo no canto da boca, eledA ao publico urn ndice de sua fala (que se vai seguir) .Ao deslocar 0 dedo, para frente e para tras, no mow

menta em que fala, ele constr6i, t maneira dos mongestrapistas, urn significante paralelo, cujo significado e 0

Chacrinha estA lalando.

3 Esses gestos podem investir¥se, as vezes, de f u n ~ a opoetica quando, por exemplo, ele t r a ~ a circulos no arcom a ponta do dedo, acompanhados de uma d i v a g a ~ a o(/froda, roda ), esta provavelmente, e consciente·mente, se referindo ao pr6prio ato de transmissao de seuprograma - radar em giria de teve, significa c car

no ar. Referir-se aos elementos de c o n s t i t u i ~ a o ou es¥truturaclio da mensagem e 0 que Jakobson designa como fun ;ao poetica da c o m u n i c a ~ a o Por outro lado, noplano da linguagem articulada, as seus ditos jocososquase sempre obedecem a uma rima e as vezes se assemelham a versos de poetas consagrados pel a cham ada

cultura elevada. Uma c o m p a r a ~ a o : a) Chacrinha: "Co¥mo vai, vai bem?/ Veio a pel Ou veio de trem/ ; b) -

cenro Ferreira "Ohi, seu Ferramenta/ Voce cai ou searrebenta/ ".

4) Marcas expresslv8s - Trata¥se aqui da u t i l i z a ~ a o habilidosa de suas caracteristicas ffsicas (empurrar os ou¥tros com a barriga, sorrir tonga e maliciosamente, etc.).

Afastada a estrutura9ao tipol6gica de mau-gostoa que ja nos referimos, 0 Chacrinha nos oferece

um grotesco com fun9ao social. Suas incursoespelo irreal, sua constru9ao de um pequeno mundoexagerado em gestos e trejeitos, sua provoca9aodo risivel pela irrisao, devolvem ao espectadorbrasileiro a figura, hA muito perdida, do palha90.Chacrinha e a prime ira boa adapta9ao da cultura ora l ao medium eletronico. E (se quisermoscoloca-Io num contexto maior), por que nao evocar a figura do louco? Chacrinha, na verdade,se aproxima da descri9ao c1assica dos loucos que

divertiam as cortes orienta s e que foram introduzidos como bobos da corte no Ocidente pelosCruzados. A eles, se permitia tocar nos tabus,

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que eram uma media9ao conveniente para a desinibi9ao Iiberadora das classes hip6critas. S6depois do Renascimento (num processo que chegaria ao apice no seculo XIX), com a reestrutura9ao racional de seu espa90, e que 0 homem dasociedade industrial resolveu encerrar os loucos

em asilos. Ate meados do seculo XVII, eles divertiam e eram ate exaltados intelectualmente.

o clown 0 palha90, e 0 louco profissional. S6ele pode sorrir sonoramente ante 0 escandalo daexistencia e levar-nos a reconhecer a nossa condi9ao tragicomica. A mimica do palha90 e a estiIiza9ao do nosso ridiculo cotidiano - nossos h -

b i t o repetidos, nossos estere6tipos. ara fazerrir da realidade, ele, inconscientemente, se distancia dela, apontando-a, no mesmo movimentorevelador do grotesco.

o Chacrinha e 0 bobo da corte do consumo. Elenao nos impinge uma falsa verdade: seu programa nao se disfar9a como educador ou artistico. Ele nos faz ver (repetimos: apesar delepr6prio) 0 ridfculo de nossa seriedade como "sociedade de con sumo" . e 1  vai bacalhau nacar a de quem nao tem dinheiro para compra-Io,mas consome televisao 0 Chacrinha e em suma,

o palha90 adaptado a circuiticidade eletronica.o bacharel quer fazer discurso em seu programa? La vai 0 dedo desmoralizador na boca do

chato

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Bibliogra ia Seleta

s p i r Nacionais - Jose Hon6rio Rodrigues

Casa Grande Senzala - Gilberto Freire

CuUura Brasileira.I n t r o d u ~ i i o ao

Estudo da CuUura noBrasil - Fernando de Azevedo

o m u n i c a ~ a o de Ma ssa e Desenvolvimento - WilburSchr:tmm

Reader in Public Opinion and Communication - BernardBereison c Morris Jnnowitz The Free Press)

Mass Communications - Wilbur Schramm (Universityof Illinois Press)

Apoealiticos e Integrados - Umberto Eca

Mass Culture - The Popular Arts in America - BernardRo senberg e David Manning White Free Press)

o m u n i c a ~ a o de assas no Seculo - Edgar Morin

Mythologies - Roland Barthes Editions Ull Seuil)

La Foule Solitaire - David Rie sman (Arthaud)

Lo Groteseo - Wolfang Kayser Editorial Nova)

Understanding Media : The Extensions of Man - MarshaMcLuhan Signet)

Revista Communications, nllmeros 5 e 4

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