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A Conquista do Planeta Azul - O Início do Reconhecimento do Oceano e do Mundo (Versão Preliminar) Dias, J. A. (2004) 37 Se se projecta a Terra numa superfície plana, têm necessariamente que se efectuar, como é óbvio, alguns ajustes. Os sistemas de projecção prévios, com linhas rectas equidistantes representativas dos paralelos e dos meridianos, provocam distorções evidentes, tanto nas distâncias como nas direcções. Por outro lado, quando se olha para uma esfera com os olhos fixos no centro de um dos quadrantes, é evidente que os meridianos convergem para os pólos, e que os paralelos, apesar de serem equidistantes na esfera, dão a impressão de estarem mais próximos uns dos outros à medida que nos aproximamos do pólo. Fig. 45 - Esquema exemplificativo do sistema de projecção cónica utilizado por Ptolomeu. No sentido de tentar resolver estes (e outros) problemas de forma prática, Ptolomeu propõe a utilização do que actualmente se designa por “projecção cónica”, ou seja, projectar a esfera numa superfície cónica tendo como eixo o eixo da Terra, intersectando esta nos paralelos de Tule (Islândia?) e de Rodes. O resultado, numa superfície plana, traduz-se num sistema de paralelos circulares e concêntricos, e de meridianos rectilíneos convergentes no pólo. Para que não existam deformações excessivas, numa projecção deste tipo, apenas um dos hemisférios deve ser representado no mesmo mapa Tal não é grande inconveniente quando o objectivo é o de representar a maior parte do mundo habitado conhecido no tempo de Ptolomeu. Porém, na altura, já se sabia que grande parte de África (e outras terras) se localizavam no hemisfério sul. Para representar tudo no mesmo mapa, Ptolomeu considera o paralelo de Meroe (uma cidade africana), no hemisfério norte, e um paralelo no hemisfério sul à mesma distância do equador que o de Meroe, o qual é dimensionado e dividido exactamente como este. O sistema de projecção complementar é conseguido através de meridianos que passam pelos pontos homólogos do paralelo oposto de Meroe e do equador (fig. 45). Na realidade, pode considerar-se que se trata de uma dupla projecção cónica. É interessante verificar que, apesar de Ptolomeu criticar os sistemas de projecção utilizados pelos seus antecessores, nos mapas complementares (regionais) parece não ter utilizado a projecção cónica (adoptada para o mapa geral), nem qualquer das projecções por ele recomendadas, mas sim a projecção rectangular, com paralelos e meridianos rectilíneos e equidistantes. Esta inconsistência parece ter perturbado os responsáveis pelas cópias da Geographia efectuadas nos séculos XV e XVI, pois que, à excepção da tradução italiana efectuada por Berlinghieri, todas as outras não utilizaram as versões originais, mas sim modificações destas, produzidas por Nicolaus Germanus, em projecções com paralelos rectilíneos e equidistantes, e meridianos convergindo para os pólos. Os mapas estão orientados, tal como os mapas modernos, com o Norte no topo e Este do lado direito. Fig. 46 - Mapa de Ptolomeu, numa reconstituição de 1505, por Johan Scotus Os Livros II a VI da Geographia, bem como os primeiros quatro capítulos do Livro VII, são dedicados à catalogação completa de cerca de 8000 locais (núcleos urbanos, estuários, montanhas, ilhas, cabos, penínsulas, lagos, etc.) identificados nos mapas regionais (26 numas cópias e 64 noutras), para cada um dos quais é fornecida a latitude e a longitude em graus. Fig. 47 - Reconstituição do mapa de Ptolomeu, produzida no século XII. É no quinto capítulo do Livro VII da Geographia que Ptolomeu descreve o “mapa do mundo” (fig. 46 e 47), referindo, entre outros, os oceanos e as ilhas. O Oceano Índico (Indicum Mare) é apresentado como o maior dos mares, rodeado por terras, estando confinado a sul por um continente desconhecido que ligaria a África à parte oriental da Ásia. Os outros dois mares rodeados por terra são, por ordem decrescente no que se refere às dimensões, o Mediterrâneo e o Cáspio. São ainda referidos o Oceano Meridional, com disposição Este-Oeste, banhando as costas da Germânia (Alemanha), e o Oceano Ocidental, que define

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A Conquista do Planeta Azul - O Início do Reconhecimento do Oceano e do Mundo (Versão Preliminar) Dias, J. A. (2004)

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Se se projecta a Terra numa superfície plana, têmnecessariamente que se efectuar, como é óbvio, algunsajustes. Os sistemas de projecção prévios, com linhas rectasequidistantes representativas dos paralelos e dosmeridianos, provocam distorções evidentes, tanto nasdistâncias como nas direcções. Por outro lado, quando seolha para uma esfera com os olhos fixos no centro de umdos quadrantes, é evidente que os meridianos convergempara os pólos, e que os paralelos, apesar de seremequidistantes na esfera, dão a impressão de estarem maispróximos uns dos outros à medida que nos aproximamos dopólo.

Fig. 45 - Esquema exemplificativo do sistema de projecçãocónica utilizado por Ptolomeu.

No sentido de tentar resolver estes (e outros) problemas deforma prática, Ptolomeu propõe a utilização do queactualmente se designa por “projecção cónica”, ou seja,projectar a esfera numa superfície cónica tendo como eixo oeixo da Terra, intersectando esta nos paralelos de Tule(Islândia?) e de Rodes. O resultado, numa superfície plana,traduz-se num sistema de paralelos circulares econcêntricos, e de meridianos rectilíneos convergentes nopólo. Para que não existam deformações excessivas, numaprojecção deste tipo, apenas um dos hemisférios deve serrepresentado no mesmo mapa Tal não é grandeinconveniente quando o objectivo é o de representar a maiorparte do mundo habitado conhecido no tempo de Ptolomeu.Porém, na altura, já se sabia que grande parte de África (eoutras terras) se localizavam no hemisfério sul. Pararepresentar tudo no mesmo mapa, Ptolomeu considera oparalelo de Meroe (uma cidade africana), no hemisférionorte, e um paralelo no hemisfério sul à mesma distância doequador que o de Meroe, o qual é dimensionado e divididoexactamente como este. O sistema de projecçãocomplementar é conseguido através de meridianos quepassam pelos pontos homólogos do paralelo oposto deMeroe e do equador (fig. 45). Na realidade, podeconsiderar-se que se trata de uma dupla projecção cónica.

É interessante verificar que, apesar de Ptolomeu criticar ossistemas de projecção utilizados pelos seus antecessores,nos mapas complementares (regionais) parece não terutilizado a projecção cónica (adoptada para o mapa geral),nem qualquer das projecções por ele recomendadas, massim a projecção rectangular, com paralelos e meridianosrectilíneos e equidistantes. Esta inconsistência parece terperturbado os responsáveis pelas cópias da Geographiaefectuadas nos séculos XV e XVI, pois que, à excepção da

tradução italiana efectuada por Berlinghieri, todas as outrasnão utilizaram as versões originais, mas sim modificaçõesdestas, produzidas por Nicolaus Germanus, em projecçõescom paralelos rectilíneos e equidistantes, e meridianosconvergindo para os pólos. Os mapas estão orientados, talcomo os mapas modernos, com o Norte no topo e Este dolado direito.

Fig. 46 - Mapa de Ptolomeu, numa reconstituição de 1505,por Johan Scotus

Os Livros II a VI da Geographia, bem como os primeirosquatro capítulos do Livro VII, são dedicados à catalogaçãocompleta de cerca de 8000 locais (núcleos urbanos,estuários, montanhas, ilhas, cabos, penínsulas, lagos, etc.)identificados nos mapas regionais (26 numas cópias e 64noutras), para cada um dos quais é fornecida a latitude e alongitude em graus.

Fig. 47 - Reconstituição do mapa de Ptolomeu, produzida noséculo XII.

É no quinto capítulo do Livro VII da Geographia quePtolomeu descreve o “mapa do mundo” (fig. 46 e 47),referindo, entre outros, os oceanos e as ilhas. O OceanoÍndico (Indicum Mare) é apresentado como o maior dosmares, rodeado por terras, estando confinado a sul por umcontinente desconhecido que ligaria a África à parte orientalda Ásia. Os outros dois mares rodeados por terra são, porordem decrescente no que se refere às dimensões, oMediterrâneo e o Cáspio. São ainda referidos o OceanoMeridional, com disposição Este-Oeste, banhando as costasda Germânia (Alemanha), e o Oceano Ocidental, que define

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as costas ocidentais de África e da Europa. Entre as ilhasmais notáveis são referidas Taprobana (Ceilão?), Albion(Grã-Bretanha), Chersonesus (Crimeia), Hibernia (Irlanda),Sicília, Sardenha, Cyrnus (Córsega), Creta e Chipre.

Na margem esquerda deste mapa encontram-se explicitadassete zonas climáticas, definidas com base no número dehoras de Sol no dia mais longo do ano. É importante referirque, no tempo de Ptolomeu, o termo clima tinha umsignificado diferente do actual, pois que estavaestreitamente relacionado com a geografia, emborahouvesse a percepção de que havia alguma correlação como clima como o entendemos hoje. Na realidade, esteconceito de divisão da terra em zonas começou por serformulado por Parménides de Elea no século 6º A.C., que asdesignou por Klimata (plural de Klima, do termo grego parainclinação), sendo definidas por paralelos. Como o númeromédio de horas com iluminação solar depende da inclinaçãodo Sol, compreende-se a origem do termo. Na margemesquerda do mapa de Ptolomeu estão marcados 21 paralelosequidistantes, indicando-se os graus e minutos a partir doequador, bem como o número de horas de luz do dia no diamais longo do ano.

Fig. 48 - Outra das numerosas reconstruções do mapa dePtolomeu

No Livro VIII (último) da Geographia Ptolomeu regressa àdiscussão dos princípios cartográficos, e dos métodosmatemáticos, geográficos e astronómicos de observação.

Um dos maiores erros do mapa de Ptolomeu relaciona-secom a estimativa da circunferência da Terra. Desprezando aestimativa de Eratóstenes, surpreendentemente correcta, de252 000 estádios (cerca de 42 500km), adoptou a dePosidónio, que também tinha sido aceite por Estrabão, de180 000 estádios (cerca de 30 000km). Devido ao prestígiode Ptolomeu, foi este o valor geralmente considerado pelodurante o quase milénio e meio que se seguiu. Tal erro estána base da subestimativa das distâncias indicadas. Porexemplo, no seu mapa a Europa e a Ásia cobrem mais demetade do globo quando, na realidade, abrangem apenas130. De igual modo, Ptolomeu indica um comprimento de62º para o Mediterrâneo, quando na realidade essa medida éde apenas 42º. Aparentemente, foi também este erro queesteve na base do pressuposto, aceite por Colombo (e pelos

seus patrocinadores, os Reis Católicos de Castela), de quenavegando para Oeste se poderia chegar aos ricos centroscomerciais asiáticos em condições competitivas (devido àmenor distância) com as rotas orientais praticadas peloportugueses.

Fig. 49 - Reprodução de uma das reconstruções de um dosmapas regionais da Geographia de Ptolomeu

Foi a obra de referência no que se refere à geografia durantemais de 1400 anos. Muitos geógrafos dos séculos XV e XVIconfiavam de tal modo neste trabalho que, inclusivamente,tendiam a ignorar novos factos introduzidos pelasnavegações marítimas, pelo que, em certo sentido, a obra dePtolomeu teve um efeito retardador do progresso destedomínio da Ciência. Por outro lado, muitas das legendas edos sinais convencionais ainda actualmente utilizadas peloscartógrafos derivaram, frequentemente apenas com ligeirasmodificações, das utilizadas por Ptolomeu. Foram tambémos seus mapas que, segundo muitos autores, introduziram aprática, perpetuada até hoje, de os orientar com o Norte naparte superior e o Este do lado direito. Os seus sistemas deprojecção, designadamente as projecções cónica e esféricamodificada, bem como as projecções ortográfica eestereográfica (desenvolvidas no seu trabalho intituladoMathematike Syntaxis, mais conhecido pelo título greco-arábico de Almagest), são ainda muito utilizadas.

Durante a Idade Média, na Europa, os trabalhos dePtolomeu parece terem sido esquecidos, tendo sidoaparentemente preservados apenas nos estados islâmicos enas versões grega e árabe, que posteriormente foramutilizadas, na Alta Idade Média, nas traduções para latim.

Os trabalhos de Ptolomeu apenas começaram a “regressar”à Europa por volta do século XIII, quando um monge deBizâncio, Máximus Planudes (1260-1310), descobriu ecomprou uma cópia da Geographia (actualmente existentena Biblioteca do Vaticano), sem mapas, mas que elereconstruiu segundo as indicações expressas na obra escrita.

Na Europa medieval, onde o conhecimento cartográficoptolomaico (que propiciava mapas claros, inteligíveis,proporcionados e astronomicamente referenciados) pareceter sido perdido, utilizando-se, em geral, os denominados“Mapas T-O”, que não tinham qualquer dessas

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características, mas eram profusamente decorados eornamentados, nomeadamente com figuras de reis epríncipes, monstros e personagens legendárias.

1. A "CIÊNCIA", A TÉCNICA E O MAR

5.1. Os Gregos, a Ciência e o Mar

A cultura helénica herdou muitos dos conhecimentosobtidos pelas anteriores civilizações minóica e micénica.Assim, as práticas religiosas, os mitos e as lendas, ainda queadaptadas, eram as mesmas. Tinham, igualmente, gosto pelacerâmica com decorações sofisticadas e, de forma análoga,eram dotados de grande perícia na produção de objectosmetálicos. Consequentemente, é natural que tivessem,também, grande vocação para a navegação e para ocomércio. Na realidade, as condicionantes básicas (situaçãoarquipelágica, costa recortada proporcionando portosnaturais, clima ameno, solo pouco fértil, riscos naturais,etc.) que tinham vocacionado as civilizações anteriores parao mar eram as mesmas.

No entanto, a civilização helénica era bastante maisestruturada, o que conduziu ao aparecimento de classessociais bem marcadas. Parte da população dedicava-se àagricultura, produzindo cereais (principalmente trigo ecevada), azeite e vinho, e criando ovelhas e cabras. Outroseram artesãos que se dedicavam à produção de tecidos finosde lã, de cerâmica sofisticada, de objectos variados de metale de armas. Outros, ainda, eram pescadores. Os navegadorese comerciantes viabilizavam a exportação de produtos e aimportação de bens. Eram estes, bem como outros tipos deviajantes, que importavam novas ideias e conhecimentos,que acabavam por se propagar na sociedade e integrar acultura helénica. Foi desta forma que, por exemplo,adoptaram o alfabeto fenício (que, basicamente, é o queainda hoje utilizamos), aprenderam a prática da cunhagemda moeda com os lídios, e aprenderam a geometria com osegípcios. Com uma sociedade de tal forma estruturada, e nafase de desenvolvimento humano em que se encontravam, oaparecimento de uma faixa da população que não tinhaverdadeiramente que se preocupar com a sua subsistência, eque podia, consequentemente, dedicar-se à análise e síntesedos conhecimentos, foi natural.

Efectivamente, foi na civilização helénica que se efectuaramas primeiras grandes sínteses do conhecimento. Além doconhecimento que lhes tinha sido transmitido pelosancestrais, e do que iam obtendo pela prática quotidiana,integraram ideias e saberes importados das outrascivilizações com quem tinham contactos comerciais esociais, o que lhes permitiu adquirir uma visão integrada domundo, com uma amplitude nunca conseguida até aomomento. Era a Ciência a nascer!

A tendência grega para o expansionismo, em muitodecorrente do sucesso civilizacional, era, também, bastantemarcada. Começam, assim, a surgir colónias gregas, entreoutras regiões, na Ásia Menor, no norte de África, naSicília, e ao longo das costas do Mar Negro. Nestascolónias, ainda que independentes, subsistiam as tradições eos estilos de vida helénicos, e mantinham fortes ligações

comerciais e culturais com a terra mãe. Neste contexto, aintensificação das navegações surgiu lógica e naturalmente,o que significa forte ampliação do conhecimento do meiomarinho, tanto no que se refere à parte geográfica, como noque se relaciona com aspectos variados da dinâmicamarinha.

Fig. 50 - Mapa simplificado da Grécia Antiga.

Foi neste contexto que floresceu, nos séculos VI e V A.C., oque vulgarmente é designado por “Escola Iónica”, em quese incluem, entre outros, Tales de Mileto, Anaximandro,Anaxímenes, Heraclito, Anaxágoras e Diógenes deApolónia. Os três primeiros são, vulgarmente, designadoscomo “os três filósofos de Mileto” que, entre outrosassuntos, se preocuparam com a “cosmologia”, procurandodeterminar a essência básica de todas as coisas (ou seja, damatéria). É relevante referir que, para Tales, a água era oconstituinte básico de tudo, enquanto que, para Anaxímenesesse constituinte era o ar, e para Anaximandro, a substânciaessencial era o “ilimitado”. Estas diferentes ópticas tiveramconsequências, designadamente, na concepção que cada umdeles tinha do mundo: pata Tales a Terra era um disco queflutuava no oceano, enquanto que para Anaxímenes a formaera rectangular, sendo as partes sólida e líquida suportadaspelo ar comprimido pelo peso daqueles..1

O facto destes pensadores serem de Mileto expressa bem aimportância que as colónias tinham nessa altura, emparticular esta. Efectivamente, no século VI A.C., Miletoera a maior cidade grega do Oriente, localizada na AnatóliaOcidental. Devido à sua localização, era um grandeentreposto comercial, abrangendo a sua zona de influênciauma vasta região que ia do interior da Anatólia até àPenínsula Itálica.

É relevante caracterizar os princípios básicos dopensamento da época. Até à escola de Mileto, as diferentesculturas (babilónios, assírios, egípcios, etc.), embora

1 ver ponto 4.2., na página 31

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tivessem coligido muitas informações observacionais,acreditavam viver num mundo dominado por demónios eespíritos, que convinha adular para estar nas suas “boasgraças”, mas que eram bastante imprevisíveis. As principaispreocupações dos homens letrados dessas culturas ia nosentido de perceber o sobrenatural, mais do que o mundonatural (para eles governado por esses deuses). A escolaiónica vem, de alguma forma, romper com essa visão dascoisas, introduzindo um racionalismo restritivo, ou seja,tentando explicar os fenómenos observados através doraciocínio objectivo, não recorrendo a entidadessobrenaturais.

À medida que a cultura helénica se vai desenvolvendo eafirmando, a tendência aludida vai-se tornando cada vezmais forte. O espírito analítico acaba por dominar opensamento da intelectualidade da época, convertendo-se,com o tempo, em pensamento lógico e matemático, e é comesta base que se efectuam as grandes sínteses doconhecimento, nas mais diversificadas áreas. Se, nestaaltura, se verifica, de certa forma, a separação entre areligião e a “ciência”, continua a não haver preocupações(com raras excepções) com as aplicações práticas doconhecimento intelectual. Todavia, todo estedesenvolvimento dos métodos de raciocínio foi essencialpara que, mais tarde, os romanos, com o seu espírito prático,passassem para a aplicação intensiva do conhecimento.

5.2. O Império Ateniense e o domínio do mar (478–359aC)

a) As Guerras Persas

Apesar da hegemonia grega no Mediterrâneo, os gregosnunca estiveram politicamente unidos. Era um conjunto decidades-estado que, com frequência, se digladiavammilitarmente. Foi a ameaça do Império Persa que obrigou osgregos, entre 499 A.C. e 479 A.C., a ultrapassarem as suasdiferenças, por forma a enfrentarem conjuntamente oinimigo comum, numa longa série de batalhas que ficaramconhecidas pela designação de Guerras Persas.

O conflito armado iniciou-se com a conquista, pelos persas,das colónias gregas da Ásia Menor, que foram dominadasdurante cerca de 50 anos. Porém, em 499 A.C., algumas dascolónias rebelaram-se contra Dário, que na altura ocupava otrono persa. Tirando proveito da sua familiarização com omar, os gregos enviaram, da região helénica, vários naviospara auxiliar os rebeldes, mas acabaram por ser derrotados.

Após várias batalhas (Maratona, Termópilas, Salamina,etc.), os persas acabaram por ser derrotados e expulsos daregião helénica, continuando, todavia, a constituir umaameaça. No sentido de contrabalançar o poderio persa eevitar novas invasões, Esparta e Atenas fizeram aliançascom mais de 150 outras cidades estado do ArquipélagoHelénico e da Ásia Menor, dando origem à Liga Délica,para a qual cada cidade–estado contribuía com navios,soldados e dinheiro. Esta liga acabou por ser dominada porAtenas, o que deu origem ao Império Ateniense, quedispunha da maior frota naval constituída até ao momento.A Grécia passou a dominar os mares. Os próprios naviossofreram inovações tecnológicas que os tornaram mais

seguros, belicamente mais eficazes, e mais adequados ameios marinhos menos calmos.

Foi neste contexto, em que as trocas comerciais e oscontactos com outros povos se intensificaram, e que aacumulação de conhecimentos, no seio de uma civilizaçãosofisticada e esclarecida, propiciou a elaboração de grandessínteses que viabilizaram uma maior percepção do mundo eo lançamento das bases fundamentais da Ciência.

b) Os Navios Helénicos

Na época, as guerras eram frequentes, e quem tivessesupremacia no mar detinha vantagens óbvias sobre oinimigo, pelo que o poderio naval e, consequentemente, aeficácia dos navios de guerra eram muito importantes.Mesmo em tempos de paz, a pirataria era uma constante,pelo que era vital patrulhar e tornar seguras as principaisrotas comerciais marinhas. Daí o progressivoaperfeiçoamento dos meios navais, principalmente dosvasos de guerra.

Os esporão metalizado tinha sido introduzido por volta de800 A.C., o que modificou por completo a guerra naval,transformando as batalhas numa violenta competição develocidade e manobralidade. Quem dispusesse de naviosmais rápidos e que pudessem ser mais facilmentemanobrados, tinham maiores possibilidades de abalroar osnavios inimigos.

Os navios compridos egeus, com os seus remadores e o seuesporão já completamente desenvolvido, eram dos maisdesenvolvidos da época, rivalizando com os dos fenícios.Os helénicos aperfeiçoá-los-ão ainda mais, renunciando aoconvés e tornando-os mais leves e, consequentemente, maisrápidos e eficazes.

Fig. 51 - Nesta taça ática, de finais do século VI A.C.,existente no British Museum, em Londres, estão representadosdois tipos de navios distintos, um mercante e outro de guerra,distinguindo-se neste o esporão que, ao abalroar o navioinimigo, o trespassava.

Nestas embarcações estreitas, rápidas e eficazes, ocomprimento foi sendo progressivamente ampliado, o quepermitiu aumentar o número de remadores. Surgem, assim,as célebres “pentacontoras” (fig. 52), com cinquentaremadores (vinte e cinco em cada bordo), armadas com umesporão revestido por metal, que eram galés de guerraextremamente eficazes, pois que podiam atingir velocidades

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da ordem de 10 nós. Foram intensivamente utilizadas nacontínua luta pelo domínio do Mediterrâneo.

O mérito da sua introdução, bem como a altura em quecomeçaram a ser utilizadas, são objecto de controvérsia. Épossível que tenham resultado das múltiplas inter-influências que existiam entre as potências navaismediterrâneas da época, em que os aperfeiçoamentosintroduzidos por uns eram rapidamente adoptados poroutros que, eventualmente, os melhoravam ainda mais.

Fig. 52 - Pintura representando uma pentacontora. Extraídode http://www.cartagena-virtual.com/users/angahe/Diccionario

As referências às pentacontoras são extremamenteabundantes em praticamente todo o Mediterrâneo. Porexemplo, logo no início do “Registo da viagem do reiHanno de Cartago em torno das terras da Líbia (África)que ficam para lá dos Pilares de Hércules (Estreito deGibraltar)”, viagem esta realizada na primeira metade doséculo VI A.C., se refere que estes exploradores“Navegaram com sessenta pentacontoras ...”. Outroexemplo, entre muitos, é o de Tucídides, que refere que afrota ateniense utilizou largamente as pentacontoras nabatalha de Salamina, em 480 A.C..

Havia várias variantes deste tipo de navio, como é o casodas “tricontoras”, com trinta remadores, que eram maispequenos, e que foram bastante utilizadas pelas frotas doMar Egeu. Na realidade, navios de vários tipos co-existiamno Mediterrâneo.

A birreme (fig. 53) parece ter sido introduzida por voltas de700 A.C. Na base deste desenvolvimento está a adopção desuportes exteriores para os remos, o que viabilizou aexistência de dois níveis de remadores. Os remos inferiorestrabalhavam directamente no casco, como naspentacontoras. Os remos superiores apoiavam-se emsuportes exteriores, por forma a haver espaço suficientepara que as duas ordens de remos pudessem trabalhar.Muitas birremes tinham mais de cem remadores.

Fig. 53 - Pintura representando uma birreme. Extraído dehttp://www.cartagena-virtual.com/users/angahe/Diccionario

Tanto as pentacoras, como as birremes foram tambémutilizadas pelos helénicos. É possível que tenha sido umaimportação efectuada pelos gregos da arte naval fenícia. No

entanto, aparentemente, as birremes não foram utilizadosintensivamente pelos helénicos, pois que prefeririam aspentacontoras, bastante mais seguras no mar.

Maior sucesso entre os helénicos parecem ter tido astrirremes (fig. 54), com três ordens sobrepostas deremadores. As primeiras trirremes parecem ter aparecidopor volta de 650 A.C., tendo-se imposto de tal forma que,cerca de 500 A.C. era já o navio de guerra pesado maisutilizado pelas cidades-estado da Grécia.

Nas trirremes os suportes exteriores dos remos estão jáintegrados no casco do navio. Dispunham, também, de umconvés de combate, total ou parcial, sobre os remadores. Asdimensões longitudinais e transversais destes navios não erasignificativamente diferente dos outros, isto é, tinhamcomprimentos da ordem de 35 metros e larguras de,aproximadamente, 3,5 metros. Nas armadas gregas, tinhamgeralmente 170 remadores e vinte marinheiros, e podiamatingir velocidades superiores a 11,5 nós.

Os remadores eram distribuídos da seguinte forma: vinte esete de cada lado, no nível inferior (talamitas); vinte e setede cada lado, no nível intermédio (zigitas); e trinta e um decada lado, no nível superior (tranitas). Havia, ainda, à popa,dois remos direccionais, e duas âncoras à proa.

As trirremes eram navios temíveis, pois que eram maispesadas do que as birremes e as pentacontoras, podendoacelerar mais rapidamente, atingir maior velocidade emanobrar mais facilmente do que estas.

Fig. 54 - Pintura representando uma trirreme. Extraído dehttp://www.cartagena-virtual.com/users/angahe/Diccionario

Todavia, as trirremes eram navios caros, pois que careciamde tripulações empenhadas, bem treinadas e exercitadas,habituadas a responder em uníssono às ordens de comando.A falha de um simples remador podia lançar a confusão nosremos, fazendo abortar a manobra. Por essa razão, só eramutilizados como remadores homens livres.

Mais tarde, as trirremes foram suplantadas por galés aindamaiores, como as tetrarremes ou tetereis (com quatro níveisde remadores), e as quinquerremes ou pentereis (com osremadores distribuídos por cinco níveis), ou até navios commais níveis de remadores, como as tessarconteras (quarenta,mas em que é duvidoso que esse número se refira a

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diferentes níveis). Esta sofisticação foi acompanhada pelaintrodução de artilharia no convés, designadamentecatapultas e balistas.

A tendência para o aumento das dimensões dos navios,acarretando consequente aumento do número de remadores,era bastante marcada. Alguns destes navios eram,realmente, muito grandes, mesmo pelos padrões actuais.

De acordo com as informações existentes, o maior navio daantiguidade clássica data já no século II A.C., tendo sidomandado construir por Ptolomeu IV, do Egipto. Tinhaforma de catamarã, e um grande convés que cobria os doiscascos. Segundo Ateneus, este navio tinha quase 130 metrosde comprimento e mais de 17 metros de largura. Os remosdo terceiro nível tinham 17 metros de comprimento. Paraser movido, dispunha de 4000 remadores, sendo a tripulaçãocompletada com 2850 marinheiros e mais 400 tripulantes.Aparentemente, foi o maior navio construído no mundoocidental até ao século XX. Crê-se, no entanto, que estenavio monstruoso foi utilizado mais como elemento deprestígio e de propagando, do que como verdadeiro vaso deguerra.

Os navios referidos eram navios de guerra. Os naviosmercantes tinham, certamente, características bastantediferentes. No entanto, o conhecimento sobre os naviosmercantes gregos do primeiro milénio A.C. são bastantemenores do que os que temos sobre os vasos de Guerracoevos. As ilustrações chegadas até à actualidade permitemdeduzir que os navios mercantes eram, por via de regra,mais pequenos do que os de guerra, tendo cerca de 15metros de comprimento de fora a fora. Como a preocupaçãoprincipal era o espaço para transporte de mercadorias, e asolidez para aguentar eventuais períodos de mau tempo,tinham, provavelmente, boca grande (Heródoto os descrevecomo redondos), características estas que os tornavam maislentos. Como, as infra-estruturas portuárias não eramfrequentes, à excepção das grandes cidades, estes naviostinham, provavelmente, pequeno calado, permitindo-lhesencalhar facilmente nas praias.

Nalgumas representações, os navios mercantes aparecemarmados só com um mastro e vela quadrada, seminstalações para o uso dos remos. Pode-se deduzir,consequentemente, que navegavam basicamente à vela,provavelmente porque os gastos de manutenção dosremadores (mesmo sendo escravos) eram excessivos..

Constituíam, genericamente, elementos vitais para associedades pois que, nesses tempos, como actualmente, otransporte marítimo era muito mais económico do que otransporte por terra. Tal está bem expresso, embora areferência seja já do 3º século da nossa era, num dos éditosde Dioclesiano, em que se afirma que “é mais barato enviarcereais, por barco, de uma extremidade do Mediterrâneopara a outra, do que transportá-lo por terra para destinoslocalizados a cerca de 100km …”

Sendo a via marítima estruturante no desenvolvimento dassociedades, compreende-se o grande cuidado que existia emproteger as rotas e os navios mercantes, que, pelos valoresque transportavam, eram presas apetecíveis.

c) A Evolução do Conhecimento

As guerras persas, as intensas navegações e os subsequentescontactos com outras culturas e com viajantes que traziamnotícias de terras longínquas permitiram adquirir uma noçãomais pormenorizada do mundo habitado. Tal está bemexpresso na obra de Heródoto2 (c.480 - c.425 A.C.), quetinha como primeiro objectivo descrever a história daslongas lutas entre os gregos e persas, mas em que o autorincluiu, também, praticamente tudo o que se conhecia, naépoca, sobre geografia.

O máximo expoente cultural deste período foi Aristóteles(384 - 322 A.C.), filho do médico do rei da Macedónia, quecom 17 anos foi para Atenas estudar na academia de Platão.A influência de Aristóteles e dos seus escritos (dos quaisapenas uns 50 chegaram aos nossos dias) é bem conhecida.Entre os seus diversificados interesses incluíam-se abiologia, a astronomia e a física. Dotado de espíritosistemático, ia anotando cuidadosamente as observaçõesque ia efectuando.

Um dos temas que lhe despertou a atenção foram as marés(especificamente as que se verificam entre a Gréciacontinental e a ilha de Euboea, sobre o que escreveu que “asubida e a descida do mar verifica-se sempre em relaçãocom a Lua e a tempos certos…”. A influência do seupensamento, que perdura até à actualidade, foi determinantepelo menos até ao final da Idade Média.

Foi um dos primeiros filósofos a defender a teoria dacausalidade, isto é, que todos os acontecimentos sãodeterminados por causas prévias. Nesta linha depensamento, estipulava que qualquer teoria só deveria seraceite se estivesse de acordo com factos observados.Aristóteles foi, assim, um dos fundadores do pensamentocientífico.

Aristóteles efectuou importantes contribuições para aOceanografia. O segundo livro da sua Meteorologia inicia-se com o que, basicamente, é um tratado de oceanografia.Concebendo a Terra como um corpo esférico(contrariamente à visão generalizada da época, que aconsiderava discoidal), apresenta seis argumentos principaisque o comprovavam, designadamente baseados nagravidade e na sombra que se vê na Lua durante eclipses.

Aristóteles defendia, também, que os mares ocupavam aspartes mais profundas da superfície terrestre e, numa visãoclara do ciclo da água, que o Sol era responsável pelaevaporação da água marinha superficial, que apóscondensação, voltada sob a forma de chuva.

Reconheceu, ainda, que os continentes e os mares se vãomodificando lentamente à medida que o tempo passa. A estepropósito, exemplificou com o Mar de Azov, que se vailentamente assoreando até, no futuro, desaparecer e setornar em terra firme.

Entre muitas outros registos refira-se que catalogou diversosorganismos marinhos, designadamente 24 espécies decrustáceos e de anelídeos, 40 espécies de moluscos e de

2 ver ponto 4.4., página 31

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equinodermes, e 116 espécies de peixes do Mar Egeu. Alemdo mais, reconheceu que os cetáceos eram mamíferos e nãopeixes.

Pelo trabalho pioneiro que desenvolveu, é frequentementeconsiderado como o “Pai da História Natural”. Aliás, tinhanoção de que, neste campo, o seu trabalho era inovador,pois que deixou escrito que “ … não encontrei nadapreparado, nem modelos para copiar … Dei o primeiropasso e, portanto, um passo pequeno, embora resultante demuito raciocínio e de muito trabalho. Deve ser encaradoapenas como um primeiro passo e, consequentemente,julgado com indulgência.”

Porém, em vários aspectos, o pensamento aristotélicoconstituiu um recuo relativamente ao de Platão e dePitágoras. As suas especulações astronómicas ecosmológicas acabaram por se revelar perniciosas. ParaAristóteles, a Terra era o centro do Universo, e todos oscorpos celestes rodavam em seu torno. Foi nesta visão que,mais tarde (no século 2º A.D.), Ptolomeu baseou o seusistema astronómico, que perdurou durante a Idade Média,até que Copérnico, no século XVI, reavivou a teoriaheliocêntrica de Aristarco.

5.3. O Império Macedónio (359 A.C. – 323 A.C.)

A certa altura Esparta começou a desafiar o poder de Atenase do seu domínio da Liga Délica, na sequência do queconstituiu a Liga do Peloponeso e, em 431 A.C., invadiu oterritório ateniense. Após um período de lutas bastanteconturbado, conhecido como a Guerra do Peloponeso,Atenas acabou por se render em 404 A.C. Porém, o períodoanterior de relativa tranquilidade não consegue serrestabelecido, seguindo-se guerras contra a Pérsia e lutasintestinas.

Entretanto, uma nova potência estava a emergir no norte daGrécia: o Império Macedónico. Filipe II, que subiu ao poderem 359 A.C., organiza um poderoso exército e acaba porvencer os atenienses e os tebanos, terminando, em 338 A.C.,com o que frequentemente se designa por civilizaçãoateniense. Após o assassinato de Filipe II, em 336 A.C.,sucede-lhe o filho, Alexandre o Grande, que segue aspisadas expansionistas do pai, e domina, entre outras, a ÁsiaMenor, a Pérsia e o Noroeste da Índia, constituindo umimpério vastíssimo.

Alexandre, que tinha estudado com Aristóteles, era umhomem determinado, dotado de elevada perícia militar,grandes qualidades de chefia, e muita curiosidade científica.Era um amante da cultura grega, conhecendo bem, porexemplo, a Ilíada e a Odisseia, de Homero. Por certo que talfoi determinante para que a cultura grega se expandisse portodo o Império Macedónio, e para que, em contrapartida, osconhecimentos adquiridos por todo o império viessemenriquecer e integrar a cultura helénica.

Em 325 A.C. Alexandre atingiu os desertos da costa deMekran, no que é actualmente o Paquistão. Segundo acrença dominante da época, julgava-se que as terras emersaseram rodeadas pelo Rio Oceano, um mar sem fim, escuro ehabitado por monstros e demónios. No sentido de,

aparentemente, desvendar os mistérios deste Rio Oceano,Alexandre enviou o seu comandante Nercus, com a suafrota e tropas, ao longo da costa. Não encontraram,obviamente, nem monstros, nem imensas quedas de água,mas sim marés (quase inexistentes no Mediterrâneo) e umacosta que, embora diferente da que estavam habituados, nãotinha nada de aterrorizador. Passados oito dias, Nercusregressou a Hormuz em segurança. Tal revela queAlexandre, além de grande conquistador, era dotado degrande curiosidade (científica).

5.4. A Idade Helenística (323 A.C. - …)

a) Contexto

Após a morte de Alexandre, o Grande, em 323 A.C., os seusgenerais desmembram o Império Macedónico, dividindo-oentre si em 3 reinos principais: o Reino da Macedónia (quemantém a Grécia sob seu domínio, e que viria a serconquistado pelo romanos em 146 A.C.); o Reino do Egipto(que os Ptolomeu tornaram próspero, tendo transformadoAlexandria, fundada por Alexandre, em 332 A.C., na capitalintelectual do mundo antigo, e que acabaria por serfacilmente conquistada pelos romanos em 31 A.C.); e ovasto Reino da Síria (que acabaria por ser dominado peloromanos em 190 A.C.).

Apesar do Império ter sido desmembrado, os gregos e acultura helénica permaneceram, principalmente nos reinosda Macedónia e do Egipto. As características culturaishelénicas, designadamente a curiosidade científica e ascapacidades de análise e de síntese, viriam a influenciartoda a região do Mediterrâneo Oriental e, mais tarde, toda abacia mediterrânea. Embora a região grega continuasse a serum centro cultural de excelência, designadamente Atenas, oprincipal pólo de desenvolvimento científico transferiu-separa Alexandria, onde Ptolomeu (um dos generais deAlexandre), em 304 A.C., tinha estabelecido uma novadinastia, em que o saber era fortemente encorajado. Abiblioteca de Alexandria continha mais de meio milhão delivros e manuscritos provenientes de todas as partes domundo conhecido.

Pode dizer-se que foi neste período, dominado pela culturahelenística, que a generalidade da bacia mediterrânica seconstituiu, verdadeiramente, como uma região de fortedesenvolvimento cultural e científico. As trocas comerciais,bem como as culturais, eram intensas entre as principaiscidades (Alexandria, Atenas, Rodes, Siracusa, Cartago,etc.), tendo a navegação através do Mediterrâneo assumidoum papel ímpar até à altura. Neste contexto, oconhecimento do meio marinho ia sendo progressivamenteampliado. Porventura mais importantes foram osdesenvolvimentos verificados no conhecimento em geral.Com efeito, muitas das bases da Ciência foram formuladasneste período, bases essas que, como é óbvio, viriam apropiciar um maior desenvolvimento científico das CiênciasMarinhas.

b) A Viagem de Píteas (325 A.C.)

Muitos foram os avanços geográficos e as ampliações doconhecimento sobre o meio marinho que se verificaram

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neste período. Um dos feitos mais notáveis foi conseguidopor Píteas que, partindo da Marselha, em 325 A.C., saiupara o Atlântico, navegou para Norte, até à Escócia e àNoruega, sendo possível que tenha mesmo penetrado noMar Báltico.

Píteas nasceu em Massalia (Marselha), colonia gregafundada, cerca de 600 A.C., por marinheiros gregosoriginários de Focaea, na Ásia Menor. Após a sua viagemaventurosa, escreveu a sua obra principal, intitulada “NoOceano”, a qual não perdurou até aos nossos dias. Todavia,esses escritos são conhecidos pois que vários autoresposteriores a descreveram ou dela parafrasearam diversosexcertos, designadamente Políbio e Estrabão (queclassificaram a viagem de fantasiosa, e de nunca ter sidoefectuada, embora actualmente seja considerada plausível).

O mistério e as questões suscitadas pela viagem de Píteascomeçam logo com o próprio início dessa expedição.Nesses tempos, os cartagineses exerciam vigilânciaapertado sobre o Estreito de Gibraltar (um verdadeirobloqueio), com o objectivo de manterem as vantagens doacesso ao Atlântico. Não é claro como é que Píteasconseguiu, nestas condições, passar o Estreito. Têm sido,todavia, aventadas, várias possibilidades. Para furar obloqueio, é possível que tenha viajado mesmo junto à costae de noite, assim iludindo os cartagineses. Outra hipótese, éa de que tenha beneficiado de um dos períodos, queparecem ter existido, em que a vigilância do Estreito erapouco eficaz. Para outros autores, Píteas teria viajado porterra até um ponto na costa Atlântica, talvez na foz doLoire, e só a partir daí teria utilizado meios navais.

Não obstante todas as dúvidas existentes, a tendência actualé para considerar que a viagem se efectuou realmente, atéporque as referências geográficas e físicas existentes nadescrição correspondem, efectivamente, em grande partedos casos, à realidade.

Nessa expedição, Píteas efectuou navegação astronómica(utilizando o Sol e as estrelas), tendo tentado obterdeterminações da latitude recorrendo à estrela polar. Foitambém Píteas que, ao estudar as marés no NW daPenínsula Ibérica, se constituiu como um dos primeirosautores a sugerirem a relação entre os estados da maré e asfases da Lua.

Outro dos locais visitados por Píteas foi a Cornualha, regiãomuito importante no Mundo Antigo pois que era uma dasprincipais fontes de estanho. Aí, descreveu a forma como oestanho era produzido e processado. Circum-navegou,também, a Grã-Bretanha, tendo determinado o seuperímetro (surpreendentemente com um erro de apenas2,5% relativamente às estimativas modernas). Nesta regiãodescreveu as marés de grande amplitude (regime de macro-marés) aí existentes.

Ouvindo falar da ilha de Thule, a seis dias de viagem daBretanha, decidiu visitá-la. Não se sabe, verdadeiramente, aactual região que corresponde à Thule da AntiguidadeClássica, podendo ser a Noruega, a Islândia, as Shetlandsou, mesmo, as Faroe. Na descrição de Píteas, Thule era umaregião agrícola, onde havia, também, produção de mel. Aí,

verificou que as noites eram muito curtas, durando apenasduas ou três horas.

Viajando ainda mais para Norte, durante um dia, chegou auma região em que o mar começava a estar congelado.Segundo Estrabão, “Píteas fala das águas nas proximidadesde Thule e dos lugares onde a terra, propriamente dita,não existe, nem mar, nem ar, mas sim uma mistura destascoisas, como os “pulmões dos marinheiros” onde, como sediz, a terra e a água e todas as coisas estão em suspensão,como se fosse uma ligação entre todos estes elementos, naqual não se pode nem caminhar, nem navegar” .Actualmente, admite-se que Píteas tentava descrever osflocos de gelo, tal como se formam na periferia das grandesmassas geladas polares. O autor refere ainda que, aí, nosolstício de Verão, o dia tem 24 horas de luz.

Pelas descrições existentes, pode-se deduzir que Píteasvisitou, também, o Mar Báltico, tendo visitado uma ilha queera a fonte do âmbar (possivelmente Helgolândia).

Sobra a viagem de regresso, nada se sabe. É possível quetenha regressado por mar, seguindo a mesma rota de ida.Porém, é também possível que tenha retornado por terra,eventualmente seguindo os cursos dos rios Reno e Ródano.

c) O Progresso da Ciência

Como mais atrás se referiu, a pouco e pouco foram sendointroduzidos métodos lógicos de raciocínio objectivo quepropiciavam um melhor conhecimento da realidade factual.Alguns dos contributos desta época foram absolutamentedecisivos para o progresso da Ciência, como se verificoucom a geometria euclidiana.

Euclides (330 - 275 A.C.), que durante o reinado dePtolomeu I ensinou matemática em Alexandria, embora nãotenha fornecido, aparentemente, qualquer contributo directorelevante para as Ciências Marinhas, lançou basesimprescindíveis para o desenvolvimento destas. Nos seus“ E l e m e n t o s ” expressou, numa ordem lógica, osconhecimentos sobre geometria existentes no seu tempo, aíintroduzindo contribuições próprias fundamentais.

O próprio termo “Geometria” parece ter sido introduzidopor este matemático grego. Segundo muitos historiadores daCiência, foi Euclides que, pela primeira vez, desenvolveu a“ciência do espaço”. Foi a geometria que possibilitou arepresentação tridimensional dos conceitos de espaço, detempo, e de movimento, em sistemas de coordenadas. Foiesta possibilidade de representar pensamentos abstractosque marcou o início de muitos séculos de descobertascientíficas, designadamente no que se relaciona com aoceanografia.

Aliás, foi precisamente a geometria que permitiu queAristarco de Samos (c. 310 A.C. – c. 230 A.C.) tentassedeterminar as dimensões relativas da Terra, do Sol e da Lua,bem como as distâncias que separam estes astros. Emboraos resultados obtidos estejam errados (devido aosinstrumentos disponíveis na época não permitirem aprecisão observacional necessária), o método que utilizouera plenamente válido. Embora os seus escritos revelemuma base geocêntrica, sabe-se, por um dos seus

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contemporâneos, Arquimedes, que Aristarco sugeriu,também, a teoria heliocêntrica, isto é, que a Terra e osplanetas giram em torno do Sol (o que só se tornariaaceitável mais de 1800 anos mais tarde).

Outro expoente máximo desta época foi Arquimedes (287-212 A.C.), que viveu em Siracusa, na Sicília, tendoprovavelmente estudado em Alexandria, e que revelou serum dos maiores matemáticos de todos os tempos e,provavelmente, o mais eficaz da antiguidade no campo dasciências aplicadas. É de referir que os seus métodos decálculo integral precederam, em 2000 anos, os de Newton ede Leibniz. São igualmente notáveis os seus trabalhos sobrea geometria do círculo, das espirais, da esfera, do cilindro, ede vários esferóides. Alguns dos princípios axiomáticos damecânica por, também, por ele definidos. Osdesenvolvimentos que efectuou no domínio da hidrostáticaforam absolutamente essenciais para o posteriordesenvolvimento das Ciências Marinhas.

Tirando proveito dos seus conhecimentos científicos,revelou-se inventor profícuo, sendo-lhe imputados mais dequarenta inventos, aplicados quer na sociedade civil, quermilitarmente. Diz-se que, utilizando sistemas de espelhoscôncavos de grandes dimensões, com os quais se conseguiaincendiar barcos e outras estruturas inimigas, viabilizou queSiracusa resistisse durante três anos ao cerco dos romanos.Finalmente, a cidade capitulou, tendo Arquimedes morridotrespassado pela espada de um soldado romano, apesar docônsul Marcelo ter ordenado às suas tropas que poupassema vida do Sábio.

De certa forma, pode dizer-se que Arquimedes foi um dos“pais” da Ciência Aplicada. Neste aspecto, prenunciava jáas características do mundo romano, tecnológico, em que asaplicações práticas do conhecimento eram extremamentevalorizadas.

A síntese dos conhecimentos geográficos da altura foiefectuada no “Mapa do Mundo”3 de Eratóstenes (257-195A.C.). Embora baseado na concepção geocêntricadominante no seu tempo, este autor, frequentementeconsiderado como o “Pai da Geografia Sistemática”,efectuou contribuições muito válidas no que se refere àesfericidade da Terra, designadamente determinando, comprecisão notável (erro inferior a 4%), o perímetro do globoterrestre.

5.4. A Civilização Romana (sec. 3º A.C. – sec.5º A.D.)

É interessante analisar porque e como é que um grupo dehomens ligados à terra, originalmente sem qualquer vocaçãonaval, se transformou de modo relativamente rápido numagrande potência, construindo um vasto império que rodeavao Mediterrâneo, de tal forma que viria a ser por estesapelidado por “Mare Nostrum”, tal era a hegemonia que aíexerciam. Muito provavelmente grande parte das razõesradica, como vulgarmente se verifica, na localizaçãogeográfica, situada na margem esquerda do rio Tibre. Azona transformou-se num entreposto comercial, para ondeconvergiam as rotas, quer terrestres, quer marítimas, o quepermitiu que os romanos intensificassem os contactos com o 3 ver ponto 4.5., página 32

mundo exterior e desenvolvessem as suas capacidadescomerciais.

Os romanos eram um povo dotado de características bélicas,com vocação expansionista bem marcada. À medida que seforam impondo do ponto de vista comercial, foramdominando os competidores. Em 272 A.C. dominavam já,por completo, a península itálica. Seguiu-se,progressivamente, a conquista dos principais competidorescomerciais, para o que aproveitaram e integraram grandeparte do conhecimento sobre o meio marinho e sobre anavegação existente na civilização helénica, de que, a poucoe pouco, iam tomando posse. O último grande rivalcomercial era Cartago. Após uma série de guerras, asGuerra Púnicas, acabou por ser conquistada e destruída em146 A.C..

Pode considerar-se que os romanos constituíram o primeiropovo tecnológico da História. Os desenvolvimentostecnológicos e as comodidades por eles propiciados foramsendo expandidos por todo o Império. De certa forma, osromanos herdaram os conhecimentos e os métodoscientíficos que tinham sido adquiridos pela civilizaçãohelénica, tendo prosseguido na sua ampliação eaperfeiçoamento. Dotados de espírito prático, pode afirmar-se que optaram, de modo decisivo, pela Ciência Aplicada.Neste processo, tiraram vantagens óbvias do facto de teremaglomerado os diferentes reinos que, no conjunto,constituíam a civilização helénica, colocando, de formamais ou menos coordenada, o saber e a tecnologia dispersapor variados centros culturais ao serviço de uma entidadeúnica, a Roma Imperial.

Neste contexto, em que convergiam a organização militar,os interesse comerciais, o conhecimento científico básico ea ciência aplicada, é natural que se se tenha verificado umconstante aperfeiçoamento tecnológico. Tal ficou bemexpresso, no que se refere à utilização do meio marinho, porexemplo, no refinamento conceptual dos navios, nosaperfeiçoamentos da construção naval, nos progressos dastécnicas de navegação, e nos métodos de conserva depescado.

Não obstante os conflitos armados e as conturbaçõespolíticas inerentes à passagem de uma situação fragmentáriapara outra centralizada, a transição da civilização helénicapara a romana efectuou-se de forma gradual, à medida que,progressivamente, o Império de Roma se ia apoderando dabacia circum-mediterrânica. O conquistador ia sendo,simultaneamente, conquistado culturalmente. Roma acaboupor ser a grande herdeira da civilização helénica.

Um dos temas persistentes que transitou, com as mesmascaracterísticas, de uma para outra das civilizações aludidas,foi a preocupação com a compreensão e representação domundo conhecido. Assim, no final do século 2º A.C. ouinício do 1º A.C., Posidónio4 (c135 - 51 A.C.) apresentounova imagem de oikumene (o mundo habitado),complementado com o tratado “O Oceano”, em queapresentou uma divisão da Terra baseada nos trópicos e noscírculos polares,

4 ver ponto 4.7., página 33

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Os desenvolvimentos geográficos culminaram com ostrabalhos de Ptolomeu5 (138?-180AD), designadamente asua “Geographia” e os seus mapas, tendo o seu trabalhoinfluenciado toda a sociedade ocidental pelo menos até aoRenascimento. Para muitos investigadores, a sua obraescrita teve maior influência na geografia e na cartografia,do que qualquer outro trabalho ao longo da História.

Após a queda do Império Romano entrou-se num períodonegro da história europeia: a Idade Média. As relaçõescomerciais na Europa decresceram até atingirem ummínimo. Muito do conhecimento existente na AntiguidadeClássica perdeu-se. A navegação no Mediterrâneo (enoutras áreas) passou a ser dominada pelos árabes. Até àrenascença poucos trabalhos originais viriam a serdesenvolvidos na Europa, existindo a noção, muitas vezesexpressa, de que Aristóteles já tinha descoberto e descritotudo o que de relevante havia para saber sobre as CiênciasNaturais.

5.5. O Direito do Mar na Antiguidade Clássica

Na Antiguidade Clássica, o mar era considerado como algoque não era susceptível de apropriação. Constituindo via decomunicação privilegiada, todos se sentiam no direito de onavegar. A única limitação eram as tecnologias navais deque cada utilizador dispunha.

As civilizações mediterrâneas estavam, em muito,dependentes do transporte marítimo, e como tal, cargasvaliosas eram, assim, com frequência, transportadas.Atendendo às características do ser humano, pode-seconsiderar natural que tais valores despertassem apetitesilícitos, surgindo, assim, o que podemos designar porpirataria. Consequentemente, surge a necessidade deproteger os navios mercantes e as rotas por estes utilizados,recorrendo a vasos de guerra. Não era, todavia, o exercíciode soberania sobre uma área marítima, mas tão somente adefesa de bens, frequentemente essenciais para a sociedade.

Em caso de guerra, parecia ser legítimo que um dosbeligerantes se apropriasse de bens transportados porcidadãos da potência inimiga. O transporte marítimo tinha,assim, que ser devidamente protegido e assegurado. Nestesconflitos armados, as batalhas navais, propositadas oucasuais, eram relativamente frequentes. Quem tivesse asupremacia no mar podia tentar exercer o bloqueio de vastasregiões, dificultando ou impedindo o transporte marítimo demercadorias e consequente não abastecimento daspopulações, assim debilitando o inimigo. Não era umaquestão de possuir uma área marítima, mas apenas a dedominar o tráfego marítimo nessa área. Assim que oconflito armado era resolvido, o livre trânsito marítimo erarestabelecido.

5 ver ponto 4.13., página 38.

O que mais se aproxima de “zona exclusiva” surgiu quandoos cartagineses, durante um longo período, controlaram, emexclusividade, o tráfego marítimo através do Estreito deGibraltar, com o objectivo de manter em sigilo as zonasatlânticas de abastecimento e garantirem um certomonopólio no fornecimento de determinados bens(designadamente o estanho) à bacia mediterrânea. Que sesaiba, os direitos que se arrogavam, baseados no domíniocomercial que exerciam e do seu poderio naval, restringiam-se ao tráfego marítimo.

Havia já, seguramente, nas comunidades piscatórias, umcerto conceito do que se poderia designar por “marterritorial”, de uma forma que, em muito, perdurou até àactualidade em muitas regiões. O direito de pescar naszonas marinhas próximas a determinada comunidade, e queeram utilizadas desde há gerações, eram consideradas comosuas. Os pescadores de comunidades rivais eram malrecebidos e, mesmo, impedidos de aí exercer a suaprofissão. Em muito, era um direito consuetudinário.

O direito de todos utilizarem e explorarem o mar foi bemexpresso pelos jurisconsultos romanos quando definiram omar, genericamente, como res comunis omnium (coisacomum de todos) de que, consequentemente, nem o próprioEstado se podia apropriar.

Com a implantação do Império Romano, verificou-se umaalteração nesta filosofia. Roma, como potência dominanteno Mediterrâneo, começou a reivindicar o dominium maris,arrogando-se o direito de, nas águas costeiras, regular oexercício da pesca e conceder o exclusivo de pescar e, nomar alto, policiar as águas no sentido de reprimir a piratariae assegurar a liberdade de navegação. Aliás, a hegemonia deRoma sobre o Mediterrâneo, que conduziu à políticaaludida, está bem expressa na expressão Mare Nostrum, deTito Lívio.

Seria apenas depois da queda do Império Romano que viriaa surgir o conceito de “zona exclusiva”, quando algumasCidades-Estado se arrogaram direitos próprios sobre vastasáreas marinhas, designadamente Veneza e Génova, queexerciam o seu poder, respectivamente, sobre o marAdriático e o mar da Ligúria.

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