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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Natal – RN – 02 a 04/07/2015
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A Contradição da Morte na Sociedade Moderna: Rejeição da Finitude, Privação
do Luto no Cotidiano e o Espetáculo no Jornal Impresso1
Elenilda Dias de Souza CARLOS2
Marcília Luzia Gomes da Costa MENDES3
Maria Cristina Rocha BARRETO4
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró, RN
Resumo
Este trabalho busca compreender de que maneira a sociedade moderna lida com a morte
e com o luto em seu dia a dia, e com a presença frequente destes temas nos conteúdos
midiáticos. Partindo do pressuposto de que a morte é tratada como espetáculo nas
produções jornalísticas, e utilizando a AD de orientação francesa como método de análise,
o corpus discursivo é composto por quatro publicações do jornal O Mossoroense, na
cobertura do assassinato da menina Cínthia Lívia, na cidade de Tibau/RN.
Palavras-chave
Morte; Luto; Espetáculo; Jornal Impresso; Discurso.
Introdução
A morte é, talvez, um dos maiores tabus da saciedade moderna. Pode-se observar
que em seu cotidiano, as pessoas fogem deste assunto e repelem a expressão de emoções
e sentimentos ligados à ideia de perda e da finitude humana. O presente trabalho procura
observar como a morte e o luto são tratados na sociedade atual, a partir de um pressuposto
de que nos dias atuais as pessoas, pautadas por um discurso de felicidade, têm evitado e
ignorado cada vez mais o sofrimento alheio e o próprio. Procura-se também analisar como
a morte e o luto são abordados no discurso jornalístico, partindo da hipótese de que nas
publicações midiáticas a morte e o luto são representados de forma espetacularizada.
O estudo será realizado a partir da Análise do Discurso de orientação francesa,
buscando demonstrar como a mídia constrói os discursos acerca da morte em suas
1 Trabalho apresentado no DT 1 – Jornalismo do XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Natal – RN – 02 a 04/07/2015 2 Estudante do Programa de mestrado em Ciências Sociais e Humanas da UERN, e-mail: [email protected] 3 Docente do Programa de mestrado em Ciências Sociais e Humanas da UERN, e-mail: [email protected] 4 Docente do Programa de mestrado em Ciências Sociais e Humanas da UERN, e-mail: [email protected]
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produções. O foco da análise será a cobertura feita pelo jornal O Mossoroense sobre o
caso da morte da menina Cínthia Lívia, assassinada em julho de 2012, na cidade de Tibau,
RN. O corpus discursivo é composto por quatro publicações do jornal no referido mês,
buscando além de observar como os discursos são construídos, identificar também se
esses discursos se apresentam de maneira espetacularizada.
Por fim, buscam-se ainda, a partir das hipóteses aqui levantadas, apontamentos
sobre uma possível “incoerência” no comportamento de indivíduos que rejeitam a morte
em suas rotinas, mas a consomem como espetáculo através dos jornais.
1- A morte e o luto sob a ótica sociológica
A morte, apesar de causar desconforto, é um tema que, por mais que se tente, não
se pode fugir dele o tempo todo. Castells (2005, p. 544) reforça que “a morte é e foi o
tema central das culturas ao longo da história, seja reverenciada como a vontade de Deus,
seja afrontada como o último desafio humano”. Entretanto, o homem vem buscando, cada
vez mais, não se deparar com o assunto, evitando falar, reduzindo rituais, e isolando a si
mesmo e aos outros em seus processos de luto. “Quando retrocedemos no tempo e
estudamos culturas e povos antigos, temos a impressão de que o homem sempre
abominou a morte e, provavelmente, sempre a repelirá” (KÜBLER-ROSS, 1998, p. 14).
A maneira de reagir perante a morte e às emoções a ela relacionadas varia de
acordo com cada sociedade e de acordo com a época. Rezende (2010) demonstra que os
sentimentos são tributários das relações sociais e do contexto cultural em que emergem.
Segundo Koury (2003) as formas de lidar com a morte e o morrer na nossa sociedade
passaram por grandes transformações no século XX. Se antes uma boa morte era a morte
esperada, a morte que permitisse ao moribundo se despedir de todos os seus entes
queridos e se arrepender de seus erros, com os avanços da medicina, essa aceitação deu
lugar a uma batalha incessável até o último instante, batalha essa que confina o enfermo
nos hospitais, afasta-o de sua família, e o condena a uma morte solitária. Além disso, o
surgimento de doenças contagiosas e epidemias transformaram a morte em questão
sanitária no Brasil urbano. As emoções em torno da morte passam, então, por um
processo de mudanças. De acordo com Solomon (2001), as emoções são julgamentos. A
causa de uma emoção é um fato. As emoções mudam com o nosso conhecimento das
causas dessas emoções. O conhecimento do risco à própria saúde ao ter contato com o
morto começa a afastá-lo da presença dos vivos.
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Em sua pesquisa, Koury (2003) demonstra que no Brasil essas mudanças
começaram a acontecer na década de 50 do século XX. As sociedades industrializadas e
o crescimento da população urbana simplificaram os rituais funerários, o corpo do morto
deixou de ser velado em casa, os longos cortejos deixaram de ser praticados, os rituais
religiosos passaram a ser suprimidos, e com isso veio também o abandono das expressões
públicas de sofrimento. “A morte parece ter se tornado um tabu, uma coisa inominável,
na qual não se deve falar em público nem tampouco obrigar os outros a fazê-lo”
(KOURY, 2003, p. 55).
Ao falar sobre as reações do homem perante a morte, Ariès (2000) comenta que
antigamente morria-se sempre em público. As pessoas se reuniam para se despedir do
moribundo. Porém, segundo o autor, a morte foi retirada do dia a dia das sociedades
modernas, banida da vida cotidiana. “O distanciamento em relação ao morto e às pessoas
que o perderam parece ser a característica principal da nova sensibilidade que começa a
tomar forma, mais e mais nítida, na sociedade brasileira urbana dos últimos anos”
(KOURY, 2003, p. 21).
Toda essa rejeição pode estar ligada também ao medo que o homem tem de sofrer
e de expor que está sofrendo. As pessoas, em seu dia a dia, não querem saber das tristezas
das outras, pois estão engajadas em livrar-se de suas próprias amarguras. Vivemos em
uma época dominada pelos discursos da felicidade como um direito e quase como uma
obrigação. O indivíduo tem o direito e a necessidade de ser feliz o tempo todo e deve
esconder sua tristeza, seus sofrimentos, suas dores e o luto, para não contagiar os outros.
“Podemos ser felizes, seremos felizes, devíamos ser felizes. Temos o direito à felicidade.
Este é, com certeza, o nosso credo moderno” (MACMAHON, 2006, p. 12).
Diante dessa “obrigação” de ser feliz, a morte é cada vez mais rejeitada. Castells
(2005, p. 544), explica que essa “é uma característica distinta de nossa nova cultura, a
tentativa de banir a morte de nossa vida”. O autor comenta ainda que a morte está fora de
moda e que a privação ao luto é o preço a se pagar para alcançar a ideia de eternidade de
nossa existência.
Podemos evidenciar a morte como um assunto desagradável e delicado ao
observarmos o trabalho de Kübler-Ross (1998), intitulado Sobre a morte e o morrer, no
qual a autora relata a respeito das dificuldades de se falar com as crianças sobre este
assunto, e que os parentes, muitas vezes, usam de eufemismos, criando pequenas fábulas
(“vovô está num lugar melhor, descansando em um jardim florido com os anjos”) para
evitar falar abertamente sobre o que aconteceu. As leituras sobre o tema revelam que a
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necessidade de fugir ou mascarar a realidade sobre a morte não estão presentes apenas na
fase da infância. De uma maneira geral, a morte não é um tema que agrada e por isso, é
evitado; e o sofrimento pela perda não é bem-vindo nos lugares públicos.
2- A espetacularização da morte
Contraditoriamente ao que foi visto no tópico anterior, apesar de repelir a morte
de suas vidas e de rejeitar a expressão das emoções do luto em seu cotidiano, as
sociedades modernas são, ao mesmo tempo, audiência para os grandes espetáculos
midiáticos sobre a morte envolvendo pessoas desconhecidas. A morte está presente na
mídia e tem um lugar de destaque nas grandes coberturas, principalmente no que se refere
às celebridades, grandes autoridades, casos polêmicos, singulares, que envolvam grande
violência ou injustiças. É possível encontrar variados tipos de mortos nas páginas dos
jornais impressos, como: “os mortos acidentais; os mortos dos conflitos, das guerras e das
revoluções, que passam a fazer parte da história; e o Grande Morto, que se destaca pelo
seu nome, pela sua fama” (NEGRINI, 2011, p. 05).
Em sua obra A Sociedade do Espetáculo, Debord (2003, p. 13) explica que “toda
a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia
como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai
na fumaça da representação”. O conceito de espetáculo tem relação com a representação
e, no caso do espetáculo midiático, com o sensacionalismo. Ainda de acordo com o que
ressalta Debord (2003, p. 16) “o espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de
toda a vida humana, socialmente falando, como simples aparência”.
Em nossa sociedade, os meios de comunicação de massa utilizam-se de aspectos
da realidade, produzindo, selecionando, excluindo e transformando-os, reproduzindo
parcialmente essa realidade e formando a opinião pública (PACHECO, 2005). O
espetáculo midiático alcança grandes públicos e um dos seus principais componentes é o
sensacionalismo. Pacheco (2005, p. 11) ressalta que “o sensacionalismo na mídia não é
novidade, desde o século passado os meios de comunicação têm explorado
acontecimentos com conteúdos apelativos, com matérias capazes de emocionar ou
escandalizar”. Os conteúdos espetacularizados têm o poder de mexer com as emoções do
público, recorrendo, muitas vezes, a temas de cunho emocional, pessoal e dramático.
Embora não seja um termo abordado apenas no âmbito das produções midiáticas,
o conceito de espetáculo hoje se encontra significativamente associado aos campos
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cultural e midiático (Rubim, 2002). A tradição desse tipo de produção nos conteúdos
jornalísticos é antiga, e ganhou força com os chamados “jornais populares” que faziam
sucesso na França no século XIX. Segundo Pacheco (2005, p. 11), “por relatarem fatos
mais chocantes, eram os mais procurados pela população da época. Ao longo do tempo,
o mesmo modelo de fazer notícia foi ganhando força e atualmente é utilizado por parte
dos meios de comunicação”.
A forma como a morte é representada na cobertura jornalística é repleta de
imagens fortes, com grande apelo emocional, que visam mexer com as emoções do
público, e chamar sua atenção para o fato. A espetacularização dos fatos noticiosos na
mídia reflete uma busca por prender o espectador, dando prioridade ao insólito, ao
excepcional e ao chocante (Canavilhas, 2001).
No impresso, não raras vezes, a morte é o tema central das publicações, com
destaque nos cadernos de polícia e nas capas dos jornais. E se este tema continua sendo
abordado de forma tão intensa, pode-se supor que existe um público consumidor desse
tipo de informação. Requena (1999) afirma que o espetáculo consiste da relação dialética
entre dois fatores: a atividade oferecida e um determinado sujeito que a contempla. Deste
modo, podemos dizer que se os espetáculos são produzidos, é porque existe uma demanda
por parte do público. Negrini (2011, p. 03) afirma que “os espetáculos de violência e
morte são atrativos ao grande público. [...] mesmo os que dizem não gostar de violência
acabam sendo atraídos por contemplá-la nos meios de comunicação e acabam se
interessando por notícias com este conteúdo”.
Esta afirmação pode se tornar ainda mais válida se for levado em conta o sucesso
dos blogs especializados em casos de polícia, que expõem as tragédias sem censuras, sem
delicadeza, que estampam suas publicações com a morte em suas mais variadas formas,
apresentando imagens de casos de violência e brutalidade contra as vítimas. “É
característica do espetáculo que a realidade seja levada para a cena de forma dura, nua e
crua. Assim, quanto mais completa, global e natural for o real que o público vai ter acesso,
maior será a probabilidade do noticiário de captar audiência” (NEGRINI, 2011).
Apesar de não abordar o tema de maneira tão dura quanto os blogs, o jornal
impresso apela para outros artifícios para chamar a atenção, substituindo o excesso de
sangue, pelas lágrimas, pela comoção pública, pela exposição do sofrimento, este mesmo
sofrimento com o qual o homem se nega a deparar-se em sua vida cotidiana.
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3- O discurso jornalístico sobre a morte: O Mossoroense e o caso Cínthia Lívia
Como enfoque para a análise deste trabalho, o corpus discursivo é composto por
quatro matérias publicadas no jornal O Mossoroense, na cobertura do caso da morte da
menina Cínthia Lívia, assassinada após tentativa de estupro na cidade de Tibau/RN, em
julho de 2012. Entre os conteúdos analisados estão três capas e uma publicação no
caderno de polícia. A análise será centrada nas imagens e nas manchetes, considerando
que são os elementos que mais chamam a atenção do público.
O caso da menina Cínthia Lívia ganhou grande repercussão no Rio Grande do
Norte devido à forma como a garota foi morta. Um conhecido da família estrangulou a
criança de 12 anos após tentativa de estupro e jogou o corpo dentro de um poço, em uma
casa que costumava ser alugada por temporada na cidade praiana onde os envolvidos
moravam e na ocasião não havia ninguém ocupando o imóvel. O desaparecimento de
Cínthia Lívia ocorreu no sábado, 21 de julho de 2012, o fato foi noticiado pela mídia no
dia 24. E só no dia 26 foi que moradores da cidade, curiosos com o mau cheiro vindo da
casa, encontraram o corpo da garota. Após investigações, a polícia identificou o assassino,
um conhecido da família de Cínthia, que, segundo as reportagens divulgadas em O
Mossoroense, tinha a confiança da vítima, e depois de interrogado, confessou o crime.
A cobertura feita pelo jornal teve início com o desaparecimento da criança. No dia
24 de julho de 2012 foi publicada uma foto da menina em sua capa comunicando o fato:
Imagem 1 - O Mossoroense, 24 de Julho de 2012
A notícia repercutiu em outros jornais, em alguns blogs e programas de TV. A
imprensa potiguar ajudou nas buscas por informações sobre o paradeiro da menina até o
dia 26 de julho, quando o corpo de Cínthia foi encontrado. No dia seguinte o assunto foi
destaque em O Mossoroense que trazia em sua capa a foto da garota, publicada
anteriormente, a foto do acusado pelo assassinato com o rosto coberto e uma foto grande
do local onde o corpo foi encontrado, na qual observam-se o carro do Instituto Técnico-
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Científico de Polícia (ITEP) e homens do corpo de bombeiros, alguns deles, com
máscaras de oxigênio para que pudessem fazer a remoção do corpo já em estado de
decomposição. Na manchete desta edição, o jornal dá destaque para um suposto
envolvimento amoroso entre a mãe da vítima e o assassino.
Imagem 2 - O Mossoroense, 27 de Julho de 2012
Dando sequência à cobertura do caso, no dia 28 de Julho de 2012 o jornal traz o
assunto mais uma vez como tema central de sua publicação. Desta vez, uma série de
imagens apresentam ao público a comoção da família e o impacto que o caso provocou
na pequena cidade de Tibau. A capa desta edição apresenta um resumo cronológico dos
fatos que aconteceram após a morte da garota. Com isso, pode-se identificar traços de
uma representação espetacularizada, segundo Negrini (2011), a espetacularização é uma
forma de repassar ao público as ilusões de que estão acompanhando o fato jornalístico em
sua essência. A autora complementa dizendo que “o detalhamento da informação sobre a
mortalidade, com a explicitação de minúcias de como a morte ocorreu, também é uma
forma espetacular de chamar a atenção do público” (NEGRINI, 2005, p. 09).
A primeira imagem mostra ao centro um pequeno caixão branco, a população,
familiares e amigos reunidos para o sepultamento de Cínthia. A segunda imagem é
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posterior a do sepultamento e apresenta um grupo de moradores da cidade derrubando o
muro da casa de Poliano Cantareli, autor do crime. Na terceira foto a população revoltada
ateia fogo na casa do assassino, e na quarta e última fotografia (a de maior destaque)
pode-se ver a casa quase completamente destruída, um grupo de pessoas que observa o
local e algumas pessoas que ainda atiram pedras nos escombros. O jornal faz questão de
frisar que apesar do ato revoltoso, a família de Poliano não estava mais no local e ninguém
se feriu durante a ação.
Imagem 3 - O Mossoroense, 28 de Julho de 2012 Imagem 4 - O Mossoroense, 28 de Julho de 2012
Imagem 5 - O Mossoroense, 28 de Julho de 2012 Imagem 6 - O Mossoroense, 28 de Julho de 2012
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Imagem 7 - O Mossoroense, 28 de Julho de 2012
O discurso produzido por essa sequência de imagens aciona as emoções do
público, podendo despertar sentimentos de compaixão e solidariedade com a família da
vítima, tristeza pela forma trágica como a criança foi morta, revolta contra o assassino e
por fim, a sensação de que algum tipo de vingança ou justiça foi praticada pelos
moradores ao destruírem a casa do assassino. O discurso do jornal preza pela isenção da
população revoltada, colocando-a como justiceira e frisando que os danos cometidos
foram apenas materiais, já que o imóvel estava vazio e ninguém se feriu com a ação do
grupo.
Para finalizar a série de reportagens, O Mossoroense traz na última edição do mês
de julho uma matéria sobre o desdobramento do caso no caderno de polícia. Passada quase
uma semana, o assunto já não ganha grande destaque na capa do jornal. O conteúdo
apresenta especulações sobre suposto envolvimento amoroso da mãe e da irmã da vítima
com o assassino. A manchete principal dá destaque para a versão das duas mulheres que
negam o relacionamento com Poliano Cantareli, que aparece em uma fotografia, desta
vez com o rosto revelado ao público, e ao lado da foto dele, a mesma foto da garota que
vinha sendo veiculada em publicações anteriores.
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Imagem 8 - O Mossoroense, 31 de Julho de 2012
O jornal já havia falado sobre o suposto envolvimento amoroso na publicação do
dia 27 de Julho, na qual afirmava em sua capa que o assassino era um “ex-amante” da
mãe de Cínthia. No dia 31, mais uma vez, a vida pessoal das pessoas envolvidas é exposta
e especulada nas páginas do periódico.
Considerações finais
O presente trabalho buscou analisar como o tema sobre a morte e o luto é tratado
na sociedade atual e como este mesmo tema é abordado no discurso jornalístico, partindo
da hipótese de que nas publicações midiáticas a morte e o luto são representados de forma
espetacularizada. Buscaram-se ainda apontamentos sobre a “incoerência” no
comportamento de indivíduos que rejeitam a morte em suas rotinas, mas a consomem
como espetáculo através dos jornais. Para que a análise pudesse ser realizada, o corpus
discursivo selecionado foi composto por quatro edições do jornal O Mossoroense, sobre
o caso do assassinato da menina Cínthia Lívia, na cidade de Tibau/RN, em julho de 2012.
A partir do pensamento de autores como Koury (2003), Castells (2005), Kübler-
Ross (1998), entre outros, demonstrou-se que na sociedade moderna o tema da morte é
evitado, os rituais funerários e os processos de luto foram reduzidos, a morte se tornou
uma questão sanitária devido às doenças que surgiram no século XX, os avanços da
medicina fizeram com que houvesse uma maior resistência à morte, o que resulta em um
número maior de pessoas que morrem solitárias nos hospitais, internadas até o último
suspiro numa luta incessável pela vida. Além disso, a sociedade moderna, pautada por
um discurso de felicidade, evita falar sobre a morte e rejeita o luto, que se torna cada dia
mais, um processo de sofrimento silencioso e solitário.
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Observou-se também que a representação da morte no jornal impresso é feita de
maneira espetacularizada, com conteúdos que remetem ao sensacionalismo, com grandes
coberturas, e grandes espetáculos montados em cima do desdobramento dos casos, com
sequências de reportagens que se utilizam de conteúdos chocantes e de cunho dramático
para envolver o público e mexer com suas emoções.
Para demonstrar como a morte espetacularizada é representada no jornal impresso,
foram analisadas quatro edições do jornal O Mossoroense acerca da cobertura do caso da
morte da menina Cínthia Lívia. Baseando-se em Debord (2003) e Negrini (2011),
constatou-se que o discurso produzido pelo jornal espetaculariza os acontecimentos
através da exploração de sentimentos, exposição da intimidade das pessoas envolvidas,
riqueza de detalhes, cobertura repetitiva com foco no desenrolar da história, demonstração
das emoções e dos efeitos que o caso provocou na população da cidade de Tibau, e
exposição dos dramas humanos. Além disso, sendo O Mossoroense o jornal mais antigo
do estado ainda em circulação, diante de seu alcance e de sua credibilidade, o espetáculo
é reforçado com grande propagação em todo o interior do estado do Rio Grande do Norte.
O que se observa até aqui, é que as mesmas pessoas que repelem a morte, que
evitam o luto, que se negam a falar sobre o tema, que não querem aceitá-la em suas vidas,
assistem, mantendo uma certa distância, a espetáculos midiáticos que retratam a morte de
outras pessoas, pessoas desconhecidas, distantes de suas realidades, e talvez por isso, o
tema não pareça tão indesejado assim, tendo estas pessoas a possibilidade de desligar a
TV, fechar a página de internet, deixar o jornal de lado e ignorar o tema na hora que
tiverem vontade, não sendo, deste modo, obrigadas a lidar com estes fatos quando eles
estiverem causando incômodo.
Esta constatação pode ser reforçada através das palavras de Castells (2005) de que
diante da necessidade entre os indivíduos modernos de apagar a morte de suas vidas, a
representação repetitiva feita através da mídia, abordando a morte do outro contribui para
que ela – a morte – se torne inexpressiva, de um modo que a exposição da morte do outro
contribua para um afastamento da ideia que o indivíduo possa ter de sua própria morte.
Por fim, com base no que diz Kübler-Ross (1998), pode-se afirmar que em seu
inconsciente, o homem não pode conceber a ideia de sua própria morte e por isso, acaba
acreditando em sua imortalidade. Deste modo, a cobertura midiática sobre a morte do
outro é aceitável como uma forma de confirmação dessa crença inconsciente na própria
imortalidade, onde o indivíduo se alegra e suspira aliviado diante da tragédia alheia:
“ainda bem que não fui eu”.
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