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QD 07 - Área Especial 01 Cruzeiro Velho (61) 3964-8624 / 3233-2527 www.adcruz.org/ebd Presidente: Pastor João Adair Ferreira Dirigente e Consultor Doutrinário: Pastor Argileu Martins da Silva Superintendente: Presbítero Jorge Luiz Rodrigues Barbosa Lição 09 27 de Fevereiro de 2011 A conversão de Saulo de Tarso Texto Áureo "Veio, porém, a lei para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, super abun- dou a graça". Rm 5.20 Verdade Aplicada A conversão de Saulo a Cristo foi a mais influente da Igreja Primitiva, pois repercutiu na salvação de muitos, no desenvolvimento de novas Igrejas e, ainda hoje, a cristandade vive sob o efeito dela. Objetivos da Lição Entender o que levava Saulo ser um perseguidor tão temido e cruel antes da sua conversão. Compreender teoricamente a dimensão da perseguição por Paulo sofrida em prol do evangelho. Conhecer a grandeza da chamada de Paulo e as lições que aprendemos com ela. Textos de Referência At 9.1 E Saulo, respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor, dirigiu-se ao sumo sacerdote. At 9.2 E pediu-lhe cartas para Damasco, para as sinagogas, a fim de que, se encontrasse alguns daquela seita, quer homens, quer mulheres, os conduzisse presos a Jerusalém.

A conversão de Saulo de Tarso - virtualebd.com.br · nele o espírito da perseguição, ficou enfurecido contra a Igreja. Como um animal selvagem, Como um animal selvagem, prendia

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QD 07 - Área Especial 01 Cruzeiro Velho

(61) 3964-8624 / 3233-2527 www.adcruz.org/ebd

Presidente: Pastor João Adair Ferreira Dirigente e Consultor Doutrinário: Pastor Argileu Martins da Silva Superintendente: Presbítero Jorge Luiz Rodrigues Barbosa Lição 09 27 de Fevereiro de 2011

A conversão de Saulo de Tarso Texto Áureo "Veio, porém, a lei para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, super abun-

dou a graça". Rm 5.20 Verdade Aplicada A conversão de Saulo a Cristo foi a mais influente da Igreja Primitiva, pois repercutiu na salvação de muitos, no desenvolvimento de novas Igrejas e, ainda hoje, a cristandade vive sob o efeito dela. Objetivos da Lição ► Entender o que levava Saulo ser um perseguidor tão temido e cruel antes da sua conversão. ► Compreender teoricamente a dimensão da perseguição por Paulo sofrida em prol do evangelho. ► Conhecer a grandeza da chamada de Paulo e as lições que aprendemos com ela. Textos de Referência At 9.1 E Saulo, respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor, dirigiu-se ao sumo sacerdote. At 9.2 E pediu-lhe cartas para Damasco, para as sinagogas, a fim de que, se encontrasse alguns daquela seita, quer homens, quer mulheres, os conduzisse presos a Jerusalém.

At 9.3 E, indo no caminho, aconteceu que, chegando perto de Damasco, subitamente o cercou um resplendor de luz do céu. At 9.4 E, caindo em terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me per-segues?

A Conversão de Saulo At 9.1-31 As experiências de Saulo e do estadista etíope (como vimos na lição anterior aqui no site ebdareiabranca) se contrastam. Ambos fizeram uma viagem. Um era gentio, outro judeu. O gentio vinha de Jerusalém, onde foi buscar bênçãos espirituais. Saulo ia de Jerusalém a Damasco em viagem de perseguição aos crentes. O primeiro caso é exemplo do texto: "Buscai, e achareis". O outro, do texto: "Fui achado daqueles que me não buscavam". O Senhor foi gracioso a ambos os viajantes. Um recebeu a bênção que procurava; o outro, a que não buscava. Ambos foram abençoados e continuaram a viver para Deus. A Campanha Anticristã de Saulo (At 9.1,2) A igreja judaica havia sido estabelecida. O Evangelho já tinha alcançado Samaria. Logo Pedro abriria a porta da Igreja aos gentios. Alguém tinha, então, de levar o Evangelho "até aos confins da terra". Eis o homem certo: Saulo de Tarso. Não acompanhou Cristo na terra. Contudo, não era inferior aos primeiros discípulos quanto ao zelo, conhecimento, poder e trabalho. A vida e ministério de Paulo mostram que o Senhor escolheu o tipo de homem que a situação exigia. Segundo a orientação de Deus, ele faria a religião de Jesus ser uma religião para todos os homens. 1. Um líder religioso. Saulo, provavelmente com 30 anos, era membro do Sinédrio, o concilio religioso judeu. O mesmo que condenou Jesus à morte. Isto é dado a entender pela posição que ocupava entre os judeus daquela época (Gl 1.14), e também pelo papel que desempenhou no processo de Estêvão (At 7.58), inclusive seu voto lançado (At 22.20). 2. Um defensor zeloso. Com energia característica, Saulo se dedicava à desarraigar o Cristianismo. Para ele, um movimento perigosíssimo. Provavelmente imaginasse ser "do diabo". Dizer que Jesus, crucificado após a condenação do Sinédrio como blasfemador, era o Messias e Filho de Deus seria o cúmulo da blasfêmia. E, quando Estêvão falou na anulação da Antiga Aliança e na destruição do Templo, Saulo concluiu que tais ensinos ameaçavam a verdadeira religião. Como se os crentes fossem subversivos e anarquistas! Resolveu, então, salvar o judaísmo mediante a destruição do Cristianismo. Após o apedrejamento de Estêvão, começou sua tarefa em Jerusalém (At 8.1-3). Viu o movimento se espalhar para outras cidades. Então, pediu autorização a fim de prender os crentes em Damasco e levá-los para serem processados em Jerusalém. 3. Um cruel perseguidor. Saulo era normalmente bondoso e gentil. Quando, porém, entrou nele o espírito da perseguição, ficou enfurecido contra a Igreja. Como um animal selvagem, prendia homens e mulheres, lançando-os em cárceres, condenando-os a serem açoitados e até mortos. Até procurava forçá-los a blasfemar contra o nome de Cristo (At 22.4; 26.10,11; 1 Co 15.9; Fp 3.6). Qual a explicação para tanta crueldade por parte de um homem devoto e piedoso? Primeiro, agiu "ignorantemente, na incredulidade" (1 Tm 1.13; cf. Lc 23.34). Em segundo lugar, seu zelo era mal orientado. Pensava que, com isso, tributava culto a Deus (Jo 16.2,3). O zelo religioso desprovido do amor de Deus sempre tem sido uma desgraça neste mundo (ver 1 Co 13).

4. A Igreja ameaçada. Cristo prometeu que nunca abandonaria a Igreja (Mt 28.20). Assegurava seus seguidores de que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela (Mt 16.18). Parecia, no entanto, que Saulo não sendo afastado do caminho, o Cristianismo seria exterminado. Tenham bom ânimo, discípulos de Cristo: Alguém está se preparando para levar Saulo cativo terminando assim sua carreira de perseguições. A Luz Celestial (At 9.3) 1. Iniciada a viagem. Levando na bagagem cartas oficiais do Sinédrio, e acompanhado por um grupo de policiais do templo, Saulo iniciou sua viagem. Ia a Damasco para uma campanha anticristã por toda a cidade. Confiava que seria bem recebido pelas autoridades. Afinal, o governador da cidade era amigo do sumo sacerdote (2 Co 11.32). O grupo provavelmente viajava em cavalos e mulas. Levariam cerca de uma semana percorrendo em torno de 240 quilômetros de distância. Saulo tinha bastante tempo para refletir durante a viagem. 2. A viagem interrompida. Por volta do meio-dia (At 22.6), Saulo e o grupo chegavam perto de Damasco. O fato de viajarem na parte mais quente do dia, quando normalmente todos descansavam, demonstra sua impaciência e pressa. Desejava começar a obra de perseguir os cristãos. Será que dúvidas profundas, fruto da meditação, o incomodavam tanto que buscava abafá-las iniciando logo sua obra? Ao aproximar-se de Damasco, "subitamente", brilhou uma luz do céu ao seu redor. Brilhava mais do que o próprio sol escaldante da Síria em pleno meio-dia (At 26.13). A Voz Celestial (At 9.4,5) 1. "Saulo, Saulo, por que me persegues?" O que estas palavras significavam para Saulo? Recebia uma mensagem pessoal do Céu. No Antigo, como no Novo Testamento, quando Deus chamava alguém pelo nome, era sinal de que tinha um cuidado especial por aquela pessoa. E que a chamava para um serviço especial (ver Gn 22.1; 46.2; Êx 3.4; 1 Sm 3.4; Lc 19.5; At 10.3). Sabia que eram pronunciadas por um ser celestial. Portanto, estava sendo acusado de lutar contra Deus (At 5.39 ־ Saulo não havia seguido o conselho de Gamaliel, seu professor). As palavras continham um desafio à sua retidão de conduta e crença. "Por quê?" Como Saulo, zeloso pela Lei e por Deus, iluminado pelas palavras de Moisés e dos profetas, chegou ao ponto de lutar contra Deus, pensando que servia a Ele. 2. "Quem és, Senhor?" Saulo tinha consciência de que algum ser celestial lhe aparecera. Ele bem conhecia narrativas de acontecimentos semelhantes no Antigo Testamento (Is 6.1-3; Ez 1.27,28; Dn 10.5-8). Não sabia, no entanto, a identidade do visitante. Era um dos anjos, o Anjo do Senhor ou o Senhor Deus em pessoa? Esta era a razão da sua pergunta. 3. "Eu sou Jesus, a quem tu persegues". Que susto enorme para Saulo! O ser celestial era o próprio Jesus, considerado por ele um impostor crucificado. Estêvão tinha razão! O crucificado era verdadeiramente o Messias, glorificado e profetizado (At 7.55,56 e Dn 7.13,14). Notemos que Cristo se revelou com o nome humano, tão odiado por Saulo. Não disse: "Sou o Filho de Deus", nem: "Sou o Messias". O próprio Jesus de Nazaré foi glorificado (Jo 1.45,46,49,51). A Advertência Celestial (At 9.5)

"Duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões" (At 26.14). 1. A ilustração. Nos dias de Paulo, empregavam-se bois para arar. Os bois, no começo, ficavam parados, dando coice para trás. Por meio de pontas metálicas agudas no madeiramento do arado e de um aguilhão na mão do arador, infligia-se cruel sofrimento ao boi rebelde. Até que aprendesse a obedecer ao invés de dar coices. 2. A aplicação. Deus queria Saulo num serviço nobre, mas este resistia. Provocava sofrimentos a si próprio. Longe de obedecer ao Altíssimo, era rebelde. Contra que aguilhões Saulo dava pontapés? A resposta tem conexão com o martírio de Estêvão. Estêvão foi acusado de blasfemar contra a Lei. Mostrava, porém, a mesma glória do rosto de Moisés ao descer do Sinai com a Lei (At 6.11,15; Êx 34.29). Saulo pensava que Estêvão fosse um apóstata condenado ao inferno. No entanto, enquanto era apedrejado, teve a visão celestial do trono de Deus (At 7.55,56). Saulo considerava Estêvão um inimigo dos líderes judeus. Estêvão, ao invés de amaldiçoá-los, orou invocando perdão para eles (At 7.60). A vida santa dos crentes perseguidos não deixou de causar impressão na consciência de Paulo. Estêvão, acusado de quebrar a Lei, morreu com a paz de espírito dos fiéis à vontade de Deus (At 7.59). Apesar da retidão segundo a Lei exterior e sua paixão pela ortodoxia religiosa, Saulo, por certo, não possuía a satisfação espiritual vista no rosto do mártir. As palavras do Senhor dão a entender que o Espírito já falava à consciência de Saulo antes de ter este recebido a visão celestial. A voz da consciência por certo estava dizendo: "Paulo, não acha que se enganou? Estêvão não tem cara de blasfemador. Os crentes aos quais você persegue têm vidas puras. Será que eles não têm razão ao afirmar que Jesus é o Messias?” No início, Saulo deve ter rejeitado tais sugestões. Deviam ser do próprio Satanás, procurando desviá-lo de cumprir seu dever. As dúvidas, no entanto, continuavam dando origem a uma cruel luta interior. Pela misericórdia de Jesus elas chegaram ao fim no momento da visão. Saulo realmente sofria na sua luta contra os aguilhões da consciência. As Instruções Celestiais (At 9.6-8) 1. Uma comissão pedida. "Senhor, que queres que faça?" (At 22.10). As palavras indicavam uma entrega incondicional ao Cristo glorificado que lhe apareceu. Tinha sido dominado pela "iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo" (2 Co 4.6; Ap 1.16,17; cf. Lc 22.61,62). As palavras revelam, outrossim, o caráter enérgico de Paulo. Sempre pronto para o serviço. A entrega a Cristo que fez naquele instante caracterizou toda a sua carreira missionária. 2. Uma comissão concedida. "Levanta-te, e entra na cidade, e lá te será dito o que te convém fazer". Saulo, cego dos olhos físicos, foi levado pela mão até Damasco. Pretendia entrar na cidade como representante do Sinédrio e ser recebido com distinção e honra. No entanto, sua entrada foi bem diferente: ferido, abatido, trêmulo e já não ardia em fúria contra os crentes. Pelo contrário, estava disposto a aprender humildemente com o mais simples cristão. 3. Uma comissão mudada. "E Saulo levantou-se da terra..." Caíra por terra como judeu orgulhoso e cruel. Levantou-se como crente humilhado e quebrantado. Num só momento, Cristo o transformara de feroz fariseu em verdadeiro discípulo. Daquele momento em diante, Saulo era uma nova criatura em Cristo (2 Co 5.17). Morrera Saulo, o fariseu; ressuscitara

Saulo, o crente. A antiga comissão fora repudiada (At 9.1,2) pois Saulo tinha recebido uma nova (At 26.16-18). A Bênção Celestial (At 9.919 ־) 1. Uma alma ferida. A luz celestial temporariamente cegou a Saulo (At 22.11). Foi providencial, dando a Saulo tempo para meditar sobre sua nova experiência. Durante três dias, sem comida nem água, dedicou-se à oração. O aparecimento de Cristo mudou tudo para Saulo. Precisava de tempo e silêncio para se ajustar à mudança. Seus olhos foram vendados a fim de que os olhos espirituais se acostumassem à luz recebida. 2. Um mensageiro fiel. Após conversar com Saulo, o Senhor apareceu a um discípulo chamado Ananias. Por seu intermédio, completaria a obra de instruir a Saulo, obra que Deus começou pessoalmente. Mesmo havendo a possibilidade de instruí-lo, Cristo lança mão de instrumentos humanos para tal serviço (At 10.3-6). Ananias recebeu a ordem de ir a certo endereço procurar Saulo e ministrar a ele. O discípulo ficou assustado ao receber tal ordem (vv. 13,14). Geralmente existe conexão entre as visões e o estado das pessoas que as recebem. Por isso, é provável que Ananias, tendo ouvido da comissão de Saulo, orasse pela proteção da igreja em Damasco. Por certo, não imaginava que sua oração fosse respondida exatamente daquele modo! 3. A bem-vinda libertação. Obedientemente, Ananias foi andando para a casa onde Saulo estava hospedado ־ andou realmente pela fé! A singela fé e obediência de Ananias é demonstrada no seu modo de se dirigir ao antigo perseguidor: "Irmão Saulo..." Com a impo-sição das mãos de Ananias, Saulo foi curado da cegueira. Depois foi batizado na água, e começou a cooperar na igreja. Ensinamentos Práticos 1. A comunhão dos seus sofrimentos. "Por que me persegues?" Esta pergunta é como espada de dois gumes. Repreende os perseguidores e consola o povo de Deus. Expressa a contínua presença do Senhor com seus servos. É a identificação com os seus sofrimentos. Quando qualquer parte do nosso corpo é ferida, sentimos dores. Assim também o Cristo glorificado fica sendo, mais uma vez, o varão de dores quando qualquer membro de seu corpo sofre. No dia do Juízo, os perseguidores não arrependidos ouvirão: "Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes". 2. O dever da cuidadosa reflexão. "Por que me persegues?" Cristo apela à razão do homem. "Vinde então, e argui-me, diz o Senhor..." Deus quer levar todos a meditarem profundamente sobre a sua vida e o seu relacionamento com ele. Oxalá as pessoas meditassem mais! Males são praticados por falta de reflexão. Por falta de se entender as consequências ou as verdadeiras razões do que se faz. A maioria das pessoas são impulsionadas por paixões cegas. Enquanto isso, seu juízo fica adormecido. "O boi conhece o seu possuidor, e o jumento a manjedoura do seu dono; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende" (Is 1.3). 3. As consequências de se resistir a Deus. "Duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões". Já explicamos a figura. Vamos considerar as palavras como parábola do relacionamento entre o homem e seu Criador.

3.1. O boi. Por que o homem é comparado a ele? E um animal valioso e depende do dono para suprir suas necessidades. Do boi se exige, com toda a razão, o serviço, que pode ser muito frutífero. 3.2. O aguilhão. O instrumento, por doloroso que seja, é necessário por causa da natureza obstinada do boi. Quais os aguilhões que Deus emprega para amansar a natureza rebelde do homem? Bons conselhos de amigos; sermões bem aplicáveis; aflições; a operação do Espírito Santo sobre a consciência. 3.3. Os coices. O boi estultamente dá coices quando sente o aguilhão, que assim dói muito mais. Da mesma forma, há pessoas que zombam dos bons conselhos, rejeitam exortações, ficam zangadas quando o sermão ataca seus erros e, embora não possam empregar violência contra o povo de Deus, o perseguem com calúnias, zombadas e críticas. Mesmo assim, é duro recalcitrar contra os aguilhões. "O caminho dos transgressores é áspero". Lutamos contra o nosso próprio bem, quando lutamos contra Deus. 4. A variedade nas conversões. A conversão de Saulo foi súbita, violenta e espetacular. Muitas conversões são assim. Como o carcereiro de Filipos, precisam de um terremoto para despertá-los a fim de reconhecerem seu pecado e a necessidade de salvação. Outras, como Lídia (At 16.14), abrem seu coração com mais naturalidade às suaves influências do Espírito Santo. O que Saulo fez de bom para merecer a salvação? Nada. Pelo contrário, estava empenhado em perseguir a Igreja. Da profundidade da sua experiência podia dizer: "Pela graça sois salvos". A conversão de Lídia, por outro lado, resultou da sua piedosa busca por Deus nas reuniões de oração. A lição a ser meditada é que Deus trata com os indivíduos de diferentes modos. Alguém disse com acerto: "O Espírito Santo não tem hábitos". Ele é livre e soberano em todas as suas operações. Afinal, a questão não é como alguém foi convertido, e sim, se realmente recebeu a Cristo. Depois, sua vida revelará a Cristo: "Por seus frutos os conhecereis". 5. O mistério da regeneração. "E os varões, que iam com ele, pararam espantados, ouvindo a voz, mas não vendo ninguém" (At 9.7). "Os que estavam comigo, viram a luz, sem contudo perceber o sentido de quem falava comigo" (At 22.9). Os homens que acompanhavam Saulo ouviram um som. Mas não entenderam o que era falado. O verbo grego "ouvir" tem o sentido de "entender" também. A tradução depende da regência. Por isso a dúvida que surge em traduções que colocam "ouvir" em ambas as passagens. Como os acompanhantes de Paulo, hoje, os não-convertidos nada compreendem sobre a vida espiritual: "Ora o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente" (1 Co 2.14). Muitas pessoas são espiritualmente cegas. A questão é: Desejam ver realmente ou preferem continuar cegas? A fé é o remédio, porque, em assuntos espirituais, só vemos depois de crermos. 6. Perguntas da alma despertada. O despertamento espiritual de Saulo foi evidenciado nas suas duas perguntas: "Quem és, Senhor?" e "Senhor, que queres que faça?" Estas perguntas servem como teste do nosso crescimento na graça. Temos desejo de saber mais e mais acerca de Cristo? Nossa atitude é de obediência, buscando conhecer a sua vontade para nós?

7. Da morte para a vida. "E esteve três dias sem ver..." (v. 9). Jonas passou três dias no grande peixe. Depois surgiu para um ministério renovado. Cristo ficou três dias sob a terra e, então, ressuscitou para uma nova vida. Da mesma forma, os três dias que Saulo passou na escuridão simbolizam a morte de sua antiga vida e a ressurreição para a nova. Os prazeres anteriores já não existem. Suas atividades passadas terminaram. Seus velhos amigos se foram. No silêncio e na escuridão, a nova vida tomava vulto. Nova luz se acendia em sua alma. A salvação raiava em seu íntimo, e suas forças se reorganizavam para o cumprimento de novo ministério. Os novos amigos já chegavam à porta. Os dias de inatividade forçada podem servir para renovação espiritual. 8. Nada é difícil demais para o Senhor. Leia os vv. 10-14, observando como Ananias parece estar explicando suas dificuldades ao Senhor. Como se Deus não conhecesse muito bem a Saulo. Ananias, como muitos de nós, achava difícil considerar um problema muito grande solucionado e é agir com plena fé de que Deus já removera os obstáculos. Saulo parecia tão fora do alcance da graça divina! Os melhores servos de Deus, geralmente, eram pessoas que pareciam fora do alcance da religião. Se tivéssemos os olhos de Cristo! Nunca consideraríamos ninguém pecaminoso ou endurecido demais para a graça salvadora, revelada em Jesus Cristo. 9. Escolhido para o serviço. "Este é para mim um vaso escolhido..." O mundo é o campo em que Deus opera. E está cheio dos seus instrumentos. Cada ser humano pode ser transformado em instrumento de Deus. O Senhor vê tudo e sabe onde achar vasos para seu serviço. Dois fatos ocorrem nas conversões: o homem recebe um poderoso Salvador e Deus um servo dedicado. Podemos testificar que achamos um grande Salvador? E o Senhor? Pode testificar que, em nós, achou um servo fiel? 10. Sofrimento e serviço. Jesus disse: "E eu lhe mostrarei quanto deve padecer pelo meu nome". A alegria do Senhor sempre está conosco. Mas, em um mundo imperfeito como é este, não podemos imaginar que passaremos a vida sem dificuldades. Quando sofremos por causa das nossas próprias falhas, isto não é surpreendente. As vezes, porém, ficamos perplexos quando fazemos o bem, e ainda passamos por momentos difíceis. Pedro disse: "Se, fazendo o bem, sois afligidos e o sofreis, isso é agradável a Deus" (1 Pe 2.20). 11. Caloroso aperto de mão no escuro. Quanto valeu a Saulo o toque amistoso da mão de Ananias? E sua voz bondosa? Foi motivo de alegria para o antigo perseguidor ser chamado "irmão". Desta forma, Saulo soube que os cristãos já lhe tinham perdoado. É só dessa maneira que a obra cristã pode ir adiante. As pessoas necessitam mais de nossa simpatia do que das críticas. Precisam de um caloroso aperto de mão, não de olhar frio. 12. "Eis que ele está orando". Ananias não tinha razão de temer um encontro com o terrível Saulo de Tarso. O Senhor já lhe explicara: "Pois eis que ele está orando". A oração era uma evidência da conversão de Saulo. O caráter de Saulo foi marcado, durante todo o seu ministério, pela incessante oração em prol dos convertidos. A nossa conversão traz o selo da oração? Bibliografia M. Pearlman

A origem do evangelho de Paulo Gl 1.11-24 Vimos em Gálatas 1:6-10 que há um só evangelho, e que este evangelho é o critério pelo qual todas as opiniões humanas devem ser testadas. É o evangelho que Paulo apresentou. A questão agora é: qual é a origem do evangelho de Paulo para que seja normativo, e para que as outras mensagens e opiniões sejam avaliadas e julgadas por ele? Sem dúvida é um evangelho maravilhoso. Lembremos a Epístola aos Romanos, as Epístolas aos Coríntios e as poderosas epístolas da prisão, como Efésios, Filipenses e Colossenses. Ficamos impressionados com o majestoso ímpeto, profundidade e a consistência com que Paulo expõe o propósito de Deus de eternidade a eternidade. Mas de onde ele tirou essas idéias? Seriam produto de sua própria mente fértil? Ele as inventou? Ou será que eram material antigo, de segunda mão, sem autoridade original? Será que as plagiou dos outros apóstolos em Jerusalém, que os judaizantes evidentemente defendiam, uma vez que tentavam subordinar a autoridade de Paulo à dos apóstolos? A resposta dele a estas perguntas pode ser encontrada nos versículos 11 e 12: Faço-vos, porém, saber, irmãos (uma fórmula favorita sua de introduzir uma declaração importante), que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem; porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo. Eis aí a razão por que o evangelho de Paulo era o padrão pelo qual os outros evangelhos deviam ser medidos. O seu evangelho era (literalmente, versículo 11) "não... segundo o homem"; não era "invenção hu-mana" (BLH). "Eu o preguei'', Paulo poderia dizer, "mas não o inventei. Também não o recebi de um homem, como se fosse uma tradição já aceita, passada de uma geração a outra. Também não me foi ensinado, como se o precisasse aprender de mestres humanos." Pelo contrário, ele veio "mediante revelação de Jesus Cristo". Isto provavelmente significa que ele lhe foi revelado por Jesus Cristo. Alternativamente, o genitivo poderia ser objetivo, caso em que Cristo é a substância da revelação, como no versículo 16, e não o seu autor. Seja qual for o caso, O sentido geral é explícito. Assim como no versículo 1 ele afirmou ser divina a origem de sua comissão apostólica, agora ele afirma ser de origem divina o seu evangelho apostólico. Nem a sua missão nem a sua mensagem derivaram de homem algum; ambas lhe vieram diretamente de Deus e de Jesus Cristo. A reivindicação de Paulo, portanto, é a seguinte. O seu evangelho, que estava sendo colocado em dúvida pelos judaizantes e abandonado pelos Gálatas, não era uma invenção (como se a sua própria mente o tivesse fabricado), nem uma tradição (como se a igreja lho tivesse transmitido), mas uma revelação (pois Deus é quem o revelara a ele). Como John Brown diz: "Jesus cristo o tomou sob sua própria e imediata tutela." Por isso é que Paulo se atrevia a chamar o evangelho que pregava de "meu evangelho" (cf. Rm 16:25). Era "seu", não porque ele o criara, mas porque lhe fora revelado de maneira especial. A magnitude de sua reivindicação é notável. Ele está afirmando que a sua mensagem não é sua, mas de Deus; que o seu evangelho não é seu, mas de Deus; que as suas palavras não são suas, mas de Deus. Após fazer esta surpreendente declaração de uma revelação direta de Deus, sem canais humanos, Paulo prossegue comprovando-a historicamente, isto é, com fatos de sua própria autobiografia. As situações ocorridas antes, durante e após sua conversão foram tais que ele sem dúvida recebeu o seu evangelho diretamente de Deus e não de algum homem. Examinemos essas três situações separadamente.

1. O que Aconteceu Antes de Sua Conversão (vs. 13, 14) Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora no judaísmo, como sobremaneira perseguia eu a igreja de Deus e a devastava. E, na minha nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos na minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais. Aqui o apóstolo descreve a sua situação antes da conversão, quando ele estava "no judaísmo", isto é, quando ainda era um "judeu praticante". O que ele fora naquele tempo todos sabiam. "Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora", diz ele, pois já lhes falara sobre isto antes. Paulo menciona dois aspectos da sua vida antes da regeneração: a perseguição à igreja, que ele agora reconhece ser "a igreja de Deus" (versículo 13), e o seu entusiasmo pelas tradições dos seus pais (versículo 14). Em ambos, diz ele, era fanático. Consideremos a perseguição à igreja. Paulo perseguia a igreja de Deus "sobremaneira" (ERC)(edição revista e corrigida) ou "com violência" (BLH)(a bíblia na linguagem de hoje). A frase parece indicar a violência, até mesmo selvageria, com que ele se empenhava na sua atividade sinistra. O que ele nos conta aqui podemos suplementar com o livro de Atos. Ele ia de casa em casa em Jerusalém, prendendo todos os cristãos que encontrasse, homens e mulheres, e arrastando-os para a cadeia (At 8:3). Quando esses cristãos eram condenados à morte, ele votava contra eles (At 26:10). Ainda não satisfeito em perseguir a igreja, ele se sentia realmente inclinado a devastá-la (versículo 13). Estava determinado a acabar com ela. Ele fora igualmente fanático em seu entusiasmo pelas tradições judaicas. "Fui um dos judeus mais religiosos do meu tempo e procurava seguir com todo o cuidado as tradições dos meus antepassados", descreve (versículo 14, BLH). Ele fora criado de acordo com "a seita mais severa" da religião judaica (At 26:5), ou seja, era um fariseu e vivia como tal. Esta era a condição de Saulo de Tarso antes de sua conversão: um fanático inveterado, completamente dedicado ao Judaísmo e à perseguição de Cristo e da igreja. Um homem nessa condição mental e emocional de maneira alguma mudaria de opinião, nem se deixaria influenciar por outras pessoas. Nenhum reflexo condicionado ou qualquer outro artifício psicológico poderia converter um homem assim. Apenas Deus poderia alcançá-lo - e foi o que Deus fez! 2. O que Aconteceu na sua Conversão (vs. 15, 16a) Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios... O contraste entre os versículos 13 e 14, de um lado, e os versículos 15 e 16, do outro, é dramaticamente abrupto. Vemo-lo claramente nos sujeitos dos verbos. Nos versículos 13 e 14 Paulo está falando de si mesmo: "perseguia eu a igreja de Deus... e a devastava... quanto ao judaísmo avantajava-me... sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais." Mas nos versículos 15 e 16 ele começa a falar de Deus. Foi Deus, escreve, "que me separou antes de eu nascer", Deus "me chamou pela sua graça", e a Deus "aprouve revelar seu Filho em mim". Em outras palavras, "no meu fanatismo eu me inclinava a perseguir e destruir, mas Deus (que eu havia deixado fora de minhas cogitações) me prendeu e alterou meu impetuoso cur-so. Todo o meu violento fanatismo nada era diante da boa vontade de Deus." Observe como a iniciativa e a graça de Deus são enfatizadas a cada estágio. Primeiro, Deus me separou antes de eu nascer. Assim como Jacó foi escolhido antes de nascer, em preferência ao seu irmão gêmeo Esaú (cf. Rm 9:10-13), e como Jeremias, designado para ser

profeta antes de nascer (Jr 1:5), Paulo, antes de nascer, foi separado para ser apóstolo. Desta forma, se ele foi consagrado apóstolo antes mesmo do nascimento, então é evidente que ele nada tem a ver com isso. Em segundo lugar, essa escolha antes do seu nascimento levou à sua vocação histórica. Deus me chamou pela sua graça, isto é, por seu amor totalmente imerecido. Paulo estivera lutando contra Deus, contra Cristo, contra os homens. Ele não merecia misericórdia, nem a pedira. Mas a misericórdia fora ao seu encontro e a graça o chamara. Terceiro, aprouve (a Deus) revelar seu Filho em mim. Quer Paulo esteja se referindo à sua experiência na estrada de Damasco, ou aos dias imediatamente subseqüentes, o que lhe foi revelado foi Jesus Cristo, o Filho de Deus. Paulo perseguia a Cristo porque cria que este era um impostor. Agora os seus olhos estavam abertos para ver Jesus não como um charlatão, mas como o Messias dos judeus, Filho de Deus e o Salvador do mundo. Ele já conhecia alguns dos fatos acerca de Jesus (ele não declara que estes lhe foram revelados sobrenaturalmente, naquele ocasião ou mais tarde, cf. 1 Co 11:23), mas agora percebia o seu significado. Era uma revelação de Cristo para os gentios, pois a Deus "aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios". Fora uma revelação particular a Paulo, mas para uma comunicação pública aos gentios. (Cf. At 9:15.) E o que Paulo foi encarregado de pregar aos gentios não foi a lei de Moisés, como os judaizantes estavam ensinando, mas as boas novas (o significado do verbo "pregar" no versículo 16), as boas novas de Cristo. Este Cristo fora revelado, diz Paulo, "em mim" (literalmente). Nós sabemos que foi uma revelação externa, pois Paulo declara ter visto Cristo ressuscitado (p. ex., 1 Co 9:1; 15:8, 9). Essencialmente, porém, foi uma iluminação interior de sua alma, Deus resplandecendo em seu coração "para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo" (2 Co 4:6). E esta revelação foi tão íntima, tornando-se de tal forma parte dele mesmo, que lhe possibilitou torná-la conhecida aos outros. A força destes versículos é muito grande. Saulo de Tarso fora um oponente fanático do evangelho. Mas Deus se agradou fazer dele um pregador desse mesmo evangelho ao qual ele antes se opunha tão ferozmente. Sua escolha antes de nascer, sua vocação histórica e a revelação de Cristo nele, tudo isso foi obra de Deus. Portanto, nem a sua missão apostólica nem a sua mensagem vinham dos homens. Contudo, o argumento do apóstolo ainda não está completo. Considerando que a sua conversão foi uma obra de Deus, o que se tornou claro na maneira como aconteceu e pelos seus precedentes, não teria ele recebido instruções depois de sua conversão, de modo que a sua mensagem fosse proveniente de homens? Não. Isto também Paulo nega. 3. O que Aconteceu Depois de sua Conversão (vs. 16b-24) ...não consultei carne e sangue, 17 nem subi a Jerusalém para os que já eram apóstolos antes de mim, mas parti para as regiões da Arábia, e voltei outra vez para Damasco. 18 Decorridos três anos, então subi a Jerusalém para avistar-me com Cefas, e permaneci com ele quinze dias; 19 e não vi outro dos apóstolos, senão a Tiago, o irmão do Senhor. 20 Ora, acerca do que vos escrevo, eis que diante de Deus testifico que não minto. 21Depois fui para as regiões da Síria e da Cilícia. 22 E não era conhecido de vista das igrejas da Judéia, que estavam em Cristo. 23 Ouviam somente dizer: Aquele que antes nos perseguia, agora prega a fé que outrora procurava destruir. 24 E glorificavam a Deus a meu respeito.

Neste parágrafo um tanto longo a ênfase está na primeira declaração, no final do versículo 16: "não consultei carne e sangue". Isto é, Paulo diz que não consultou nenhum ser humano. Sabemos que Ananias foi ao seu encontro, mas evidentemente Paulo não discutiu o evangelho com ele, nem com qualquer dos apóstolos em Jerusalém. Agora ele faz esta declaração historicamente. Ele apresenta três álibis para provar que não gastou tempo em Jerusalém e que seu evangelho não foi moldado pelos outros apóstolos. Álibi 1. Ele foi à Arábia (v. 17) De acordo com Atos 9:20, Paulo ficou algum tempo em Damasco, pregando, o que dá a idéia de que o seu evangelho já estava bastante definido para que pudesse anunciá-lo. Mas deve ter ido logo depois para a Arábia. O Bispo Lightfoot comenta: "Um véu muito espesso cobre a visita de S. Paulo à Arábia." Não sabemos aonde ele foi nem por que foi para lá. Possivelmente não foi muito longe de Damasco, porque todo o seu distrito naquele tempo era governado pelo rei Aretas da Arábia. Há quem diga que ele foi à Arábia como missionário para pregar o evangelho. Crisóstomo descreve "um povo bárbaro e selvagem" que vivia ali, o qual Paulo foi evangelizar. Mas é muito mais provável que ele tenha ido à Arábia em busca de quietude e solidão, pois este é o ponto alto dos versículos 16 e 17: "...não consultei carne e sangue... mas parti para as regiões da Arábia." Parece que ele ficou por lá durante três anos (versículo 18). Cremos que neste período de afastamento, ao meditar sobre as Escrituras do Antigo Testamento, sobre os fatos da vida e morte de Jesus, os quais ele já conhecia, e a experiência de sua conversão, o evangelho da graça de Deus lhe foi revelado em toda a plenitude. Alguém até já sugeriu que aqueles três anos na Arábia foram uma deliberada compensação pelos três anos de instrução que Jesus dera aos outros apóstolos, mas que Paulo não recebera. Agora era como se ele tivesse Jesus ao seu lado durante três anos de solidão no deserto. Álibi 2. Ele foi a Jerusalém mais tarde para uma rápida visita (vs. 18-20) A ocasião provavelmente é a que se menciona em At 9:26, depois que ele foi tirado às escondidas de Damasco, sendo descido pelo muro da cidade em um cesto. Paulo é totalmente franco acerca desta visita a Jerusalém, mas lhe dá pouca importância. Nada havia nela de tão significativo como os falsos mestres estavam obviamente sugerindo. Diversos aspectos dela são mencionados. Primeiro, ela aconteceu "decorridos três anos" (versículos 18). Isto significa quase certamente três anos depois de sua conversão, tempo em que o seu evangelho já fora plenamente formulado. Depois, quando ele chegou a Jerusalém, avistou-se apenas com dois apóstolos, Pedro e Tiago. Ele foi para "avistar-se" (ERAB)(edição revista e atualizada no Brasil) ou "conhecer" (BLH) Pedro. O verbo grego (historesai) era usado no sentido de fazer turismo e significa "visitar com o propósito de conhecer uma pessoa" (Arndt-Gingrich). Lutero comenta que Paulo foi visitar esses apóstolos "não porque recebeu tal ordem, mas de sua própria vontade; não para aprender alguma coisa com eles, mas apenas para conhecer Pedro". Paulo também conheceu Tiago, que parece estar aqui relacionado entre os apóstolos (versículo 19). Não viu, porém, nenhum dos outros apóstolos. Pode ser que eles estivessem ausentes, ou ocupados demais, ou até mesmo com medo de Paulo (cf. At 9:26). Terceiro, ele passou apenas "quinze dias" em Jerusalém. Naturalmente em quinze dias os apóstolos teriam tido tempo par falar acerca de Cristo. Mas o que Paulo está destacando é

que, quinze dias não era tempo suficiente para ele absorver de Pedro todo o conselho de Deus. Além disso, não fora este o propósito da visita. Lemos em At (9:28,29) que grande parte daquelas duas semanas em Jerusalém foi ocupada em pregações. Resumindo, a primeira visita de Paulo a Jerusalém deu-se apenas depois de três anos, durou duas semanas, e ele viu apenas dois apóstolos. Portanto, é ridículo sugerir que tenha recebido o seu evangelho dos apóstolos em Jerusalém. Álibi 3. Ele foi para a Síria e a Cilícia (vs. 20-24) Esta visita ao extremo norte corresponde a At 9:30, onde lemos que Paulo, estando em perigo de vida, foi levado pelos irmãos à Cesaréia, de onde o enviaram para Tarso, que fica na Cilícia. Uma vez que ele diz que também foi "para as regiões da Síria", ele deve ter visitado novamente Damasco e Antioquia a caminho de Tarso. De qualquer maneira, o que Paulo está destacando é que estava lá no extremo norte, e não em Jerusalém. Um resultado disso é que ele "não era conhecido de vista das igrejas da Judéia" (versículo 22). Estas o conheciam apenas de ouvir falar, e o rumor que ouviam era que o seu perseguidor de outrora se tornara pregador (versículo 23). Na verdade, ele se tornara pregador "da fé" que havia aceitado e que anteriormente "procurava destruir". Sabendo disto, "glorificavam a Deus a meu respeito". Eles não glorificavam a Paulo, mas a Deus em Paulo, reconhecendo que este era um troféu extraordinário da graça de Deus. Só catorze anos mais tarde (2:1), presumivelmente anos esses após a sua conversão, Paulo tornou a visitar Jerusalém e teve um contato mais demorado com os outros apóstolos. A essa altura dos acontecimentos, o seu evangelho já estava totalmente desenvolvido. Mas durante o período de catorze anos entre a sua conversão e esta entrevista ele fez apenas uma rápida e insignificante visita a Jerusalém. O restante desse tempo ele passou na distante Arábia, na Síria e na Cilícia. Seus álibis provam a independência do seu evangelho. O que Paulo diz nos versículos 13 a 24 pode ser resumido da seguinte forma: o fanatismo de sua carreira antes da conversão, a iniciativa divina na sua conversão e depois, o seu isolamento quase total dos líderes da igreja de Jerusalém, tudo contribuía para provar que sua mensagem não era humana, mas divina. Além disso, estas evidências históricas e circunstanciais não poderiam ser contestadas. O apóstolo pode confirmar e garantir isso com uma solene afirmação: "Ora, acerca do que vos escrevo, eis que diante de Deus testifico que não minto!" (versículo 20). Concluindo, retornamos à afirmação que estes detalhes autobiográficos procuraram estabelecer. Os versículos 11 e 12 dizem: Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem; porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo. Tendo considerado a falta de contato de Paulo com os apóstolos de Jerusalém durante os primeiros quatorze anos do seu apostolado, podemos aceitar a origem divina de sua mensagem? Muitos não aceitam. Há pessoas que, embora admirem o intelecto sólido de Paulo, acham que seus ensinamentos são severos, áridos e complicados; por isso os rejeitam. Outros dizem que Paulo foi responsável pela corrupção do Cristianismo simples de Jesus Cristo. Estava na moda, cerca de um século atrás, estabelecer uma brecha entre Jesus e Paulo. Contudo, de um modo geral reconhece-se atualmente que não se pode fazer isto, pois

todas as sementes da teologia de Paulo se encontram nos ensinamentos de Jesus. Não obstante, a "teoria da brecha" ainda tem os seus advogados. Por exemplo, Lord Beaverbrook escreveu uma pequena vida de Cristo que ele intitulou The Divine Propagandist (O Propagandista Divino). Ele nos informa que a escreveu "como um homem de negócios", e que estava "tentando entender Jesus à luz trêmula de uma inteligência limitada e uma pesquisa certamente restrita". "Eu vasculhei os evangelhos e ignorei a teologia", ele diz. Seu tema é que a igreja tem entendido mal e representado mal a Jesus Cristo. Quanto ao após-tolo Paulo, a opinião de Lord Beaverbrook é que ele foi "incapaz, por natureza, de entender o espírito do Mestre". Ele "prejudicou o Cristianismo e deixou suas marcas, eliminando muitos dos traços das pegadas do seu Mestre". Mas Paulo não pode ter representado mal a Cristo se estava transmitindo uma revelação especial de Cristo, que é o que ele declara em Gálatas 1. Outras pessoas acham que Paulo era um homem comum, que participava de nossas paixões e nossa falibilidade, de modo que a sua opinião não é melhor do que a de qualquer outra pessoa. Mas Paulo diz que a sua mensagem não é segundo os homens, mas vem de Jesus Cristo. Outros, ainda, dizem que Paulo simplesmente refletiu a opinião da comunidade cristã do primeiro século. Nesta passagem, porém, Paulo se esforça para mostrar que a sua autoridade não era eclesiástica. Ele foi totalmente independente dos líderes da igreja, e recebeu seus pontos de vista de Cristo, e não da igreja. Este, portanto, é o nosso dilema. Vamos aceitar as palavras de Paulo quanto à origem de sua mensagem, apoiadas como estão por sólidas evidências históricas? Ou será que vamos preferir nossa própria teoria, embora não tenha o apoio de qualquer evidência histórica? Se Paulo está certo ao dizer que o seu evangelho não veio de homens, mas de Deus (cf. Rm 1:1), então rejeitar Paulo é rejeitar a Deus. Fonte http://www.ebdareiabranca.com/EpistolaGalatas/EGalatasLicao04Ajuda1.htm

A Conversão de Paulo At 9.1-25 Saulo em Jerusalém, antes da conversão (9:1-2). Saulo, porém, respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor, dirigiu-se ao sumo sacerdote, e pediu-lhe cartas para Damasco, para as sinagogas, a fim de que, caso encontrasse alguns do Caminho, quer homens quer mulheres, os conduzisse presos a Jerusalém. (At 9:1-2) Se perguntarmos o que causou a conversão de Saulo, só existe uma resposta possível. O que sobressai na narrativa é a graça soberana de Deus através de Jesus Cristo. Saulo não se “decide por Cristo”, como poderíamos dizer. Pelo contrário, ele estava perseguindo Cristo. É melhor dizer que Cristo se decidiu por ele e interveio em sua vida. A evidência disso é inquestionável. Consideremos primeiro o estado mental de Saulo na época. Lucas já o mencionou três vezes, sempre como feroz adversário de Cristo e sua igreja. Ele nos conta que, no martírio de Estevão, “as testemunhas deixaram suas vestes ao pés de um jovem chamado Saulo” (7:58), que “Saulo consentia na sua morte” (8:1), e que, em seguida, “Saulo assolava a igreja” (8:3),

procurando cristãos casa por casa, arrastando homens e mulheres para a prisão. Agora, Lucas resume a história dizendo que ele estava respirando ainda ameaças de morte contra os discípulos do Senhor (9:1). Ele não tinha mudado desde a morte de Estevão; ele ainda estava na mesma condição mental de ódio e hostilidade. E pior do que isso. É evidente que Saulo esperava segurar os seguidores de Jesus em Jerusalém, a fim de destruí-los ali (8:3). Mas alguns tinham escapado da sua rede, fugindo para Damasco, onde várias sinagogas serviam uma grande colônia judaica. Determinado a perseguir esses discípulos fugitivos em cidades estranhas, Saulo elaborou uma trama para liquidá-los e persuadiu o sumo sacerdote a sancioná-la (9:1b-2). Então, esse inquisidor autonomeado deixou Jerusalém armado com a autorização escrita às sinagogas de Damasco para que, caso achasse alguns que eram do Caminho (uma descrição muito interessante dos seguidores de Jesus), assim homens como mulheres os levassem presos para Jerusalém (v. 2). Em linguagem moderna, o sumo-sacerdote lhe concedeu uma ordem de extradição. Alguns dos termos que Lucas usa para descrever Saulo antes da sua conversão parecem ser deliberadamente escolhido para retratá-lo como “um animal selvagem e feroz”. O verbo lymainomai, cuja única ocorrência no Novo Testamento se encontra em 8:3, em referência à “destruição” que Saulo causou a Igreja, é empregada no Salmo 8:13 (LXX), em relação a animais selvagens destruindo uma vinha; o seu sentido específico é “destruição de um corpo por um animal selvagem”. Um pouco mais tarde, os cristãos de Damasco o descreveram como aquele que tinha causado um “extermínio” em Jerusalém (v. 21), onde o verbo empregado é portheo (como em Gl 1:13.23), que C.S.C. Williams, traduz “espancar”. Continuando a mesma imagem, J. A. Alexander sugere que a menção de Saulo “respirando ameaças e morte” (v. 1) era uma “alusão ao arfar e ao bufar dos animais selvagens”, enquanto que mais tarde, de acordo com Calvino a graça de Deus é vista “não apenas em um lobo tão cruel sendo transformado numa ovelha, mas também em ele assumir o caráter de um pastor”. Esse, portanto, era o homem (mais animal selvagem do que ser humano) que em poucos dias seria um cristão convertido e batizado. Mas ele não estava propenso a considerar as reivindicações de Cristo. Seu coração estava cheio de ódio e sua mente estava envenenada por preconceitos. Em suas próprias palavras, estava “demasiadamente enfurecido” (26:11). Se o tivéssemos encontrado quando saia de Jerusalém e (podendo prever o futuro) lhe disséssemos que antes de chegar a Damasco ele se tornaria cristão, ele teria considerado ridícula a ideia. Mas foi o que aconteceu. Ele tinha deixado a graça soberana de Deus fora de seus cálculos. Saulo e Jesus: sua conversão na estrada de Damasco (9:3-9). Mas, seguindo ele viagem e aproximando-se de Damasco, subitamente o cercou um resplendor de luz do céu; e, caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Ele perguntou: Quem és tu, Senhor? Respondeu o Senhor: Eu sou Jesus, a quem tu persegues; mas levanta-te e entra na cidade, e lá te será dito o que te cumpre fazer. Os homens que viajavam com ele quedaram-se emudecidos, ouvindo, na verdade, a voz, mas não vendo ninguém. Saulo levantou-se da terra e, abrindo os olhos, não via coisa alguma; e, guiando-o pela mão, conduziram-no a Damasco. E esteve três dias sem ver, e não comeu nem bebeu. (At 9:3-9) A segunda evidência de que a conversão se devia apenas a graça de Deus é a narrativa de Lucas sobre o que aconteceu. Vamos coletar dados de todos os três relatos em Atos. Saulo e

sua escolta (não sabemos quem eram) tinham quase completado sua viagem de cerca de 240 quilômetros, que deve ter levado por volta de uma semana. Quando se aproximaram de Damasco, um lindo oásis cercado pelo deserto, perto do meio-dia, de repente, uma luz do céu brilhou ao seu redor (v. 3), mais clara do que o sol (26:13). Foi uma experiência tão gloriosa que ele ficou cegado (v. 8,9) e caiu por terra (v. 4), “prostrado aos pés de seu conquistador”. Então uma voz dirigiu-se a ele (em aramaico, 26:14), de forma pessoal e direta: Saulo, Saulo [Lucas mantêm o original aramaico, Saoul ], porque me persegues? E, respondendo a pergunta de Saulo sobre a identidade daquele que falava, a voz continuou: Eu sou Jesus, a quem tu persegues (v. 5). Imediatamente, Saulo deve ter entendido, pela forma extraordinário como Jesus se identificou com os seus seguidores, que persegui-los era perseguir a Ele, que Jesus estava vivo e que suas afirmações eram verdadeiras. Assim obedeceu prontamente a ordem de levantar-se e entrar na cidade (v. 6), onde lhe seriam dadas outras instruções. Enquanto isso, os seus companheiros de viagem, pararam emudecidos, ouvindo a voz, não vendo, contudo, ninguém (v. 7). Eles também não entenderam as palavras do orador invisível (22:9). Mesmo assim, guiando-o pela mão, levaram-no para Damasco (v. 8). Ele, que esperava entrar em Damasco na plenitude do seu orgulho e bravura, como um autoconfiante adversário de Cristo, estava sendo guiado por outros, humilhado e cego, capturado pelo Cristo a quem se opunha. Não podia haver dúvidas sobre o que acontecera. O Senhor ressurreto aparecera a Saulo. Não era um sonho ou uma visão subjetiva; era uma aparição objetiva de Jesus Cristo ressurreto exaltado. A luz que viu era a glória de Cristo, e a voz que ouviu era a voz de Cristo. Cristo interrompeu a sua impetuosa carreira de perseguidor e fez com que se voltasse em direção contrária. A terceira evidência que atribui a conversão à graça de Deus são as próprias referências de Paulo. Ele nunca mencionou sua conversão sem deixar isso bem claro. “Aprouve” a Deus, escreveu, “revelar Seu Filho a mim”. Deus tomou a iniciativa de acordo com a Sua própria vontade. E Paulo ilustrou essa verdade com pelo menos três imagens dramáticas. Em primeiro lugar, Cristo o conquistou, o verbo katalambano talvez até seja uma sugestão de que Cristo o “capturou” antes que tivesse a oportunidade de capturar algum cristão em Damasco. Em segundo lugar, ele comparou sua iluminação interior com a ordem criadora “Haja luz” ou “De trevas resplandecerá a luz”. E em terceiro lugar, ele escreveu que a misericórdia de Deus “transbordou” sobre ele, como um rio em época de cheia, inundando seu coração com fé e amor. Assim, a graça de Deus o capturou, iluminou seu coração e o inundou como uma enchente. Essa variedade de imagens lembra-se outra série de metáforas usada por C.S. Lewis nos últimos capítulos de sua autobiografia. Sentindo que Deus o buscava implacavelmente, ele O compara com o “grande Pescador” fisgando seu peixe, a um gato caçando um rato, a um bando de cães de caça encurralando uma raposa e, finalmente, a um enxadrista divino colocando-o na posição mais desvantajosa até que, enfim, reconhece o “xeque-mate”. Entretanto, creditar a conversão de Saulo a iniciativa de Deus pode, facilmente, causar mal entendidos, e precisa receber dois esclarecimentos: a graça soberana que conquistou Saulo não foi repentina (no sentido de que não teria havido preparação anterior) nem compulsiva (no sentido de que ele não tinha opção). Em primeiro lugar, a conversão de Saulo não foi, de maneira alguma, uma “conversão repentina”, como se diz muitas vezes. É certo que a intervenção final de Deus foi repentina: “Subitamente uma luz do céu brilhou ao seu redor” (v. 3), e uma voz se dirigiu a ele. Mas essa não foi a primeira vez que Jesus Cristo falou com ele. De acordo com a própria narrativa de Paulo, Jesus lhe disse: “Dura coisa é recalcitrares contra os aguilhões” (26:14). Com esse provérbio (que parece ter sido bastante popular na literatura grega e latina) Jesus

comparou Saulo a um touro jovem, forte e obstinado, e ele mesmo a um fazendeiro que usa aguilhões para domá-lo. A implicação disso é que Jesus estava perseguindo Saulo, usando esporas e chicotes, e era “duro” (doloroso, até mesmo fútil) resistir. Quais eram esses aguilhões, contra os quais Saulo estava lutando? Não sabemos exatamente, mas o Novo Testamento dá uma série de indicações. Com certeza, um aguilhão eram as suas dúvidas. Seu consciente rejeitou Jesus como impostor, aquele que fora rejeitado por seu próprio povo e que tinha morrido sob a maldição de Deus. Mas, no inconsciente, ele não conseguia deixar de pensar em Jesus. Será que já o tinha visto ou se havia encontrado com ele? “Existem aqueles que categoricamente....negam essa possibilidade”, escreve Donald Coggan, “mas eu não posso pertencer a este grupo”. Por que não? Porque é “mais provável que eles fossem contemporâneos, com idades muitos próximas um do outro”. Portanto, é provável que ambos tenham visitado Jerusalém e o templo ao mesmo tempo, nesse caso sendo “não só possível, como bem provável, que o jovem professor da Galiléia e o jovem fariseu de Tarso tenham olhado nos olhos um do outro, e que Saulo tenha ouvido os ensinos de Jesus. Outro aguilhão deve ter sido Estevão. Não era de ouvir falar, pois Saulo estava presente no seu julgamento e execução. Ele havia visto com os seus próprios olhos o rosto resplandecente de Estevão, como o de um anjo (6:15), e sua corajosa não-resistência enquanto era apedrejado até a morte (7:58-60). Ele havia ouvido, com seus próprios ouvidos, a defesa eloquente de Estevão diante do Sinédrio, talvez a sua sabedoria na sinagoga (6:9-10), sua oração pedindo o perdão para os seus executores, e sua afirmação extraordinária de Jesus como Filho do Homem, em pé a destra de Deus (7:56). É desse modo “Estêvão e não Gamaliel foi o verdadeiro mestre de Paulo”. Pois Saulo não podia esquecer o testemunho de Estevão. Havia algo inexplicável naqueles cristãos – algo sobrenatural, algo que falava do poder divino de Jesus. O próprio fanatismo da perseguição de Saulo traía a sua crescente perturbação interior, “pois o fanatismo só é encontrado”, escreve Jung, “em indivíduos que estão compensando dúvidas secretas”. Mas os aguilhões de Jesus eram morais e intelectuais. A má consciência de Saulo provavelmente lhe causou mais confusão interna do que as suas dúvidas, pois apesar de poder afirmar ter sido “impecável” em retidão interior, ele sabia que seus pensamentos, suas motivações e seus desejos não eram puros aos olhos de Deus. O décimo mandamento, contra a cobiça, condenava-o especialmente. Aos outros mandamentos, ele podia obedecer em palavra ou ação, mas a cobiça não era palavra nem ação, mas uma atitude de coração que não podia controlar. Assim, ele não tinha poder nem paz. Mas ele não admitiria isso. Ele estava brigando violentamente contra os aguilhões de Jesus e isso o machucava. Sua conversão na estrada de Damasco era, portanto, o clímax repentino de um longo processo em que o “Caçador dos céus” tinha estado em seu encalço. Curvou-se a dura cerviz autossuficiente. O touro estava domado. Se a graça de Deus não era repentina, ela também não era compulsiva. Ou seja, o Cristo que lhe apareceu e falou com ele não o esmagou. Ele o humilhou, fazendo-o cair ao chão, mas Ele não violentou sua personalidade. Ele não o reduziu a um robô nem o forçou a realizar algumas coisas por meio de um tipo de transe hipnótico. Pelo contrário, Jesus lhe fez uma pergunta penetrante: “Por que me persegues?”, apelando, assim, à sua razão e consciência, a fim de conscientizá-lo da tolice do mal que estava fazendo. Jesus então lhe ordenou que levantasse e que fosse à cidade, onde receberia instruções. E Saulo não estava dominado pela visão e pela voz a ponto de perder a fala, ficando incapaz de responder. Não, ele respondeu a pergunta de Cristo com duas perguntas: primeira, “Quem és tu, Senhor?”

(v. 5) e segunda, “Que devo fazer, Senhor?” (22:10). Sua resposta foi racional, consciente e livre. A palavra Kyrios (“Senhor”) pode ter significado não mais do que “senhor”. Mas, uma vez que estava consciente de que estava falando com Jesus, e que Ele tinha ressurgido dentre os mortos, a palavra já deveria ter começado a adquirir o sentido teológico que teria mais tarde nas cartas de Paulo. Resumindo, a causa da conversão de Saulo foi graça, a graça soberana de Deus. Mas a graça soberana é uma graça gradual e suave. Gradualmente, e sem violência. Jesus picou a mente e a consciência de Saulo com os Seus aguilhões. Então Ele se revelou através da luz e da voz, não para esmagá-lo, mas de um modo que Saulo pudesse responder livremente. A graça divina não atropela a personalidade humana. Pelo contrário, faz com que os seres humanos sejam verdadeiramente humanos. É o pecado que encarcera; a graça liberta. Portanto, a graça de Deus nos liberta da escravidão do nosso orgulho, preconceito e egocentrismo, fazendo-nos capaz de nos arrepender e crer. Não podemos fazer outra coisa, senão engrandecer a graça de Deus que teve misericórdia de um fanático enfurecido como Saulo de Tarso, e de criaturas tão orgulhosas, rebeldes e obstinadas como nós. C. S. Lewis, cuja consciência de ser perseguidor por Deus já foi mencionada, também expressou seu sentimento de liberdade em sua resposta a Deus. Conscientizei-me de que estava em apuros, segurando ou barrando alguma coisa. Ou, se você quiser, que eu estava vestindo alguma roupa rígida, como um espartilho, ou talvez uma armadura, como se fosse uma lagosta. Eu senti, naquele exato momento, que eu tinha ganhado uma liberdade de escolha. Eu poderia abrir a porta ou mantê-la fechada; poderia tirar aquela armadura ou permanecer com ela. Nenhuma escolha era obrigatória; nenhuma ameaça ou promessa estava ligada a ela; apesar disso, sabia que abrir a porta ou sair da armadura significaria o incalculável. A escolha parecia solene mas ela também parecia estranhamente não-emocional. Eu não era movido por desejos nem medos. Em certo sentido, não era movido por coisa alguma. Decidi abrir, tirar, soltar as rédeas. Disse “eu escolho”, mas ao mesmo tempo que não parecia ser, mesmo, possível fazer o contrário. Por outro lado, eu não via nenhum estímulo. Você poderia argumentar que não era um agente livre, mas estou mais inclinado a pensar que foi um dos atos mais livres que realizei. Necessidade não precisa ser o contrário de liberdade, e talvez o homem seja mais livre quando, em vez de procurar motivos, ele pode dizer, “eu sou o que faço”. Paulo e Ananias: Sua recepção na igreja de Damasco (9:10-25). Ora, havia em Damasco certo discípulo chamado Ananias; e disse-lhe o Senhor em visão: Ananias! Respondeu ele: Eis-me aqui, Senhor. Ordenou-lhe o Senhor: Levanta-te, vai à rua chamada Direita e procura em casa de Judas um homem de Tarso chamado Saulo; pois eis que ele está orando; e viu um homem chamado Ananias entrar e impor-lhe as mãos, para que recuperasse a vista. Respondeu Ananias: Senhor, a muitos ouvi acerca desse homem, quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém; e aqui tem poder dos principais sacerdotes para prender a todos os que invocam o teu nome. Disse-lhe, porém, o Senhor: Vai, porque este é para mim um vaso escolhido, para levar o meu nome perante os gentios, e os reis, e os filhos de Israel; pois eu lhe mostrarei quanto lhe cumpre padecer pelo meu nome. Partiu Ananias e entrou na casa e, impondo-lhe as mãos, disse: Irmão Saulo, o Senhor Jesus, que te apareceu no caminho por onde vinhas, enviou-me para que tornes a ver e sejas cheio do Espírito Santo. Logo lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e recuperou a vista: então, levantando-se, foi batizado. E, tendo tomado alimento, ficou fortalecido. Depois demorou- se alguns dias com os discípulos que estavam em Damasco; e logo nas sinagogas pregava a Jesus, que este era o filho de Deus. Todos os seus ouvintes

pasmavam e diziam: Não é este o que em Jerusalém perseguia os que invocavam esse nome, e para isso veio aqui, para os levar presos aos principais sacerdotes? Saulo, porém, se fortalecia cada vez mais e confundia os judeus que habitavam em Damasco, provando que Jesus era o Cristo. Decorridos muitos dias, os judeus deliberaram entre si matá-lo. Mas as suas ciladas vieram ao conhecimento de Saulo. E como eles guardavam as portas de dia e de noite para tirar-lhe a vida, os discípulos, tomando-o de noite, desceram-no pelo muro, dentro de um cesto. (At 9:10-25) Segundo a história como Lucas a conta, passamos às consequências da conversão de Saulo. É maravilho ver a transformação que começou a aparecer imediatamente em suas atitudes, em seu caráter e, de modo especial, em seu relacionamento com Deus, com a igreja cristã e com o mundo incrédulo. Em primeiro lugar, Saulo tinha uma nova referência para com Deus. Ananias, instruído a ir e ministrar ao novo convertido, foi informado de que ele estava orando (v. 11). Três dias haviam passado desde o seu encontro com o Senhor ressurreto, durante os quais nada comeu nem bebeu (v. 9). Supõe-se, então, que passou aqueles dias em jejum e oração, ou seja, abstendo-se de alimentos a fim de dedicar-se à oração. Não que ele não tivesse jejuado ou orado antes. Como o fariseu da parábola de Jesus, ele deve ter subido ao tempo para orar e, como ele, pode ter clamado “jejuo duas vezes por semana”. Mas agora, através de Jesus e de Sua cruz, Saulo fora reconciliado com Deus e, consequentemente, gozava de um novo acesso direto ao Pai, desde que o Espírito havia testificado com o seu espírito de que ele era filho de Deus. Qual era o conteúdo de suas orações? Podemos supor que ele orou pelo perdão de todos os seus pecados, especialmente o de ser autossuficiente e o de perseguir cruelmente Jesus e seus seguidores; pediu sabedoria para discernir o que Deus queria que ele fizesse agora; e poder para exercer o ministério que recebesse, qualquer que fosse. Sem dúvida alguma, suas orações também incluíam adoração, ao derramar sua alma em louvor, por Deus ter sido misericordioso com ele. A mesma boca, que havia respirado ameaças de morte contra os discípulos do Senhor (v. 1), agora respirava louvores e preces a Deus. “O rugido do leão foi transformado no balido de um cordeiro”. Ainda hoje, o primeiro fruto da conversão é sempre uma nova consciência da paternidade de Deus. Quando o Espírito nos capacita a clamar “Aba, Pai”, juntamente com a gratidão pela sua misericórdia e o desejo de conhecê-lo, agradá-lo e servi-lo melhor. Isso é piedade, e nenhuma conversão é genuína se não resultar em uma vida que agrade a Deus. Em segundo lugar Saulo passou a ter um novo relacionamento com a igreja, a qual foi apresentado por Ananias. Não nos surpreende que William Barclay chame Ananias de “um dos heróis esquecidos da igreja cristã”. À princípio, porém, quando ordenado ir até Saulo, Ananias vacilou. Ele estava muito relutante em fazer o trabalho de “follow-up” (dar prosseguimento, para usar um jargão atual), e sua hesitação era compreensível. Ir até Saulo seria o mesmo que se entrega à polícia. Seria suicídio. Pois já tinha ouvido falar a respeito dele e dos males que havia feito ao povo de Jesus em Jerusalém (v. 13). Ananias também sabia que Saulo viera a Damasco com autorização dos principais sacerdotes para prender todos os crentes (v. 14). Mas Jesus repetiu Sua ordem, dizendo “Vai!”; e acrescentou que Saulo era um instrumento escolhido para levar o Seu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel (v.15) – um ministério que lhe traria muito sofrimento por amor a esse mesmo nome (v. 16). Assim, Ananias foi até a rua Direita (v. 11), que ainda é a principal rua que vai de leste a oeste de Damasco, e entrou na casa de Judas, no quarto em que estava Saulo. Lá ele lhe

impôs as mãos (v. 17), talvez para identificar-se com Saulo enquanto orava pela cura de sua vista e pela plenitude do Espírito Santo para dar-lhe poder para exercer seu ministério. E mais, desconfio que essa imposição de mãos foi um gesto de amor por um homem cego, que não podia ver o sorriso do rosto de Ananias, mas podia sentir a pressão de suas mãos. Ao mesmo tempo, Ananias chamou-o de “Saulo, irmão”, ou “Saulo, meu irmão”. Sempre sou tocado por essas palavras. Podem muito bem ter sido as primeiras palavras que Saulo ouviu de lábios cristãos após a sua conversão, e eram palavras de boas-vindas fraternais. Devem ter sido música para os seus ouvidos. O quê? Será que o arqui-inimigo estava sendo recebido como irmão? Será que o terrível fanático estava sendo recebido como membro da família? É isso mesmo. Ananias explicou como o mesmo Jesus que lhe apareceu na estrada, o tinha enviado a ele para que pudesse recuperar sua vista e ficar cheio do Espírito Santo (v. 17). Imediatamente lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e tornou a ver (aqui o Doutor Lucas emprega uma terminologia médica). Depois disso, ele foi batizado (v. 18), provavelmente por Ananias, que assim o recebeu de forma visível e pública na comunidade de Jesus. Só depois, Saulo se alimentou, então, após três dias de jejum, sentiu-se fortalecido (v. 19a). Será que Ananias lhe preparou e serviu uma refeição, da mesma forma como batizou? Nesse caso, ele reconheceu que o recém-convertido tinha necessidades físicas, além das espirituais. A próxima coisa que ficamos sabendo é que Saulo permaneceu em Damasco alguns dias com os discípulos (v. 19b). Ele sabia que agora pertencia àquele grupo que havia tentado destruir anteriormente, e mostrou isso claramente, ao pregar nas sinagogas a Jesus, afirmando que era o Filho de Deus (v. 20). É incrível o fato de ele ter sido aceito. Tanto que o povo o ouviu e ficou atônito, perguntando se ele não era o que exterminava em Jerusalém aos que invocavam o nome de Jesus e que viera a Damasco com o fim de os levar amarrados aos principais sacerdotes (v. 21). Lucas não nos conta como essas perguntas cheias de preocupação foram respondidas, mas talvez Ananias tenha ajudado a tranquilizá-los. Enquanto isso, Saulo mais e mais se fortalecia como testemunha e apologista, a ponto de confundir os judeus... em Damasco demonstrando que Jesus era o Cristo (v. 22). Entretanto, Saulo não ficou entre os cristãos de Damasco. Lucas descreve como ele deixou a cidade decorridos muitos dias (v. 23a). Essa referência ao tempo é intencionalmente vaga, mas sabemos por Gálatas 1:17-18 que “esses últimos dias” somaram três anos e que durante esse período Paulo esteve na Arábia. Ele não precisou viajar muito, pois, naquela época, o extremo noroeste da Arábia ficava perto de Damasco. Mas porque ele foi para a Arábia? Alguns acham que ele foi pregar, mas outros são convincentes que ele precisava de um tempo para meditar, e que Jesus teria revelado a ele aquelas verdades características da solidariedade judaico-gentia no corpo de Cristo que ele depois chamaria de “o mistério” dado a conhecer através de “revelação”, “meu evangelho” e “o evangelho...(que) recebi...mediante revelação de Jesus Cristo”. Alguns chegam a conjecturar que aqueles três anos na Arábia foram uma compensação pelos três anos que os outros apóstolos haviam passado com Jesus, mas ele não. Em todo o caso, depois desse período, ele voltou para Damasco; porém, não por muito tempo: pois os judeus deliberaram entre si a tirar-lhe a vida (v. 23b) e dia e noite guardavam...as portas, para o matarem (v. 24). De alguma forma o plano deles chegou ao conhecimento de Saulo, e então seus seguidores “uma interessante indicação que sua liderança já era reconhecida e que tinha atraído seguidores”, colocando-o num cesto, desceram-no pela muralha (v. 25), e ele fugiu para Jerusalém. Bibliografia J. R. W. Stott

Saulo, um vaso escolhido A conversão de Saulo foi o maior acontecimento da historia da Igreja, depois do Pentecoste. Na ultima aula vimos que a perseguição atua enquanto Deus permite, sempre com o

sublime propósito de atrair os cristãos à santidade. No momento em que o Todo-poderoso acha conveniente suspendê-la, ela cessa e vem o tempo de refrigério para a Igreja. Na atualidade, nós, brasileiros, gozamos da total liberdade de se pregar o Evangelho. Saulo, antes de ser transformado pelo poder de Deus, por causa de seu zelo religioso, pois

pertencia ao farisaísmo, a principal seita dentro do Judaísmo, tornou-se um dos principais perseguidores dos cristãos. Mas, naquele encontro que teve com o Filho de Deus, converteu-se ao Evangelho e tornou-se o grande apóstolo dos gentios.

O apóstolo Paulo já havia sido escolhido por Deus desde o ventre de sua mãe. No entanto,

Jesus esperou o tempo certo, depois que ele perseguiu tanto os cristãos, para mostra-lhe o seu poder e o quanto era necessário padecer pelo seu nome. Transformado, tornou-se missionário entre os gentios.

Cerca de um ano após a morte de Estêvão, acontece a conversão de Saulo de Tarso. Chama-

nos a atenção o grande poder de Jesus e a sua imensa graça. O nosso general precisava de um capitão em seu exército, e foi buscá-lo nas fileiras do Inimigo, transformando-o pelo poder sobrenatural do Espírito Santo, lapidando-o e preparando-o para ser o apóstolo dos

gentios. QUEM ERA SAULO DE TARSO?

1. Antes de sua conversão. Tudo que sabemos dele encontramos em Atos, nas suas

epístolas e em 2 Pedro 3.15. No entanto, possuímos mais dados sobre a vida de Paulo do que acerca de qualquer um dos outros apóstolos. Seu nome hebraico é Shaul, o mesmo

nome do primeiro rei de Israel, que significa "pedido". Seu nome romano é Paulus, que sig-

nifica "pequeno". Nasceu em Tarso, grande centro cultural da Cilícia, mas foi criado em Jerusalém, aos pés de Gamaliel (At 22.3; 26.4) e herdou de seu pai a cidadania romana (At

16.37; 21.39; 22.25). 2. Sua aparência física. Muito se tem discutido sobre a sua aparência física, mas a Bíblia

nada fala a respeito. O que se costuma dizer em nosso meio é proveniente da tradição que, seguindo a obra apócrifa Atos de Paulo, escrita na segunda metade do segundo século, diz:

"E viu Paulo se aproximando, um homem pequeno de estatura, com cabelos ralos na cabeça, torto de pernas, o corpo em bom estado, com sobrancelhas ligadas, e nariz um tanto

convexo, cheio de graça, pois algumas vezes ele se assemelha a um homem e algumas vezes tem o rosto de um anjo".

3. O inimigo implacável do Cristianismo (v. 1). Como membro do Sinédrio, tinha direito a voto (At 26.10). Por isso, votou a favor da morte de Estêvão. Antes de sua conversão, é mencionado três vezes (At 7.58; 8.1,3) como inimigo implacável da Igreja. A sua perseguição

era tão feroz que procurava os discípulos até em suas casas, arrastando impiedosamente até as mulheres, encerrando-os no cárcere. Diz o versículo 1: "E Saulo, respirando ainda

ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor". Isso o revela como um animal devastador, feroz e indomável. Ele mesmo declarou: "encerrei muitos dos santos nas prisões, e quando os matavam, eu dava meu voto contra eles" (At 26.10).

A CONVERSÃO DE SAULO DE TARSO

1. "Cartas para Damasco" (v. 2). Roma havia concedido aos judeus o direito de extradição

dos criminosos fugitivos de Jerusalém. Até onde podemos ver em Atos, ser cristão naqueles

dias era não só um crime religioso, mas também civil. Saulo considerava os seguidores de Cristo subversivos. Por isso, conseguiu cartas dos "principais dos sacerdotes" (26.10) e do

"sumo sacerdote" (22.5), as quais o investiu de autoridade para prender os discípulos do Senhor Jesus. 2. Na Estrada de Damasco (v. 3). Damasco, a 240 km de Jerusalém, levava cerca de uma

semana de viagem. Paulo ia com uma comitiva, na tentativa de esmagar o Cristianismo,

que, até então, já havia ultrapassado os limites da Judéia, Samaria e Galiléia. Perto de Damasco, ele foi subitamente envolvido por uma luz que o derrubou por terra, e a

voz de Jesus o chamou nominalmente. Ele reconheceu, imediatamente, que se tratava de algo divino, pois disse: "Quem és Senhor?" (v. 5).

3. Suposta contradição. A aparente discrepância entre Atos 9.7: "ouvindo a voz, mas não

vendo ninguém" e Atos 22.9: "mas não ouviram a voz daquele que falava comigo" é

meramente uma questão de tradução. O verbo grego usado para "ouvir", empregado nestas duas passagens, é akouo e significa também "entender, prestar atenção".

4. Experiência com o Cristo vivo. Esta mudança súbita de Saulo de Tarso tem deixado os

judeus estarrecidos, até a atualidade. Muitos ficam sem entender como um homem, o qual

agia ferozmente contra os cristãos, de repente passa a ser um deles, defendendo e anunciando com fervor o Cristianismo. Isso é a graça de Deus. Jesus disse: "O vento

assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito" (Jo 3.8). O APOSTOLADO DE PAULO

1. A visão de Ananias (vv. 10, 11). Vencido e alvejado pela graça de Deus, Saulo foi

conduzido cego para Damasco, para a rua chamada Direita, que existe ainda hoje nesta cidade. Deus, em sua infinita sabedoria, não permitiu que a prova dessa conversão ficasse

limitada apenas aos companheiros de Paulo. Por isso, revelou esse acontecimento a Ana-nias. 2. Temor de Ananias (13,14). Era uma reação perfeitamente normal a qualquer ser

humano. Tendo conhecimento da devastação que Saulo fizera em Jerusalém, após o

martírio de Estêvão, e sabedor que ele estava investido da autoridade, concedida. Pelo Sinédrio, para açoitar e aprisionar os discípulos, era mesmo para ficar temeroso. Ananias, porém, ainda não sabia que a graça de Deus havia alvejado o indomável perseguidor, e o tal

seria uma vaso escolhido para os propósitos divinos. 3. Requisito para o apostolado (v. 15). À luz de Atos 1.21,22, era necessário que Paulo

tivesse uma chamada específica para o apostolado, a fim de que pudesse ser testemunha da ressurreição de Cristo.

Essa exigência foi satisfeita na conversão de Saulo de Tarso, em sua experiência com o

nosso Redentor. Quatro vezes Paulo declara ter visto a Jesus. Isso torna legítimo o seu apostolado (1 Co 9.1; 15.8; 2 Co 4.6; Gl 1.15,16). 4. Questões da crítica textual (vv. 5 e 6). O texto: "duro é para ti recalcitrar contra os

aguilhões. E ele, tremendo e atônito, disse: Senhor, que queres que faça?" não aparece nas versões Atualizada e Revisada de Almeida, na Brasileira e na Nova Versão Internacional, por não se encontrarmos manuscritos gregos. Está na versão Corrigida, via Vulgata Latina.

Erasmo de Roterdã usou, quando preparava a primeira edição de seu Novo Testamento (em grego), lançado em 1516, pois substituiu o grego pelo latim em certas passagens (ele não

dispunha de todo o texto grego). Esse texto de Erasmo serviu de base para a versão espanhola de Reina, a inglesa do rei

Tiago, e a portuguesa de João Ferreira de Almeida. A parte do versículo 6 aparece em Atos 22.10.

Isso em nada desabona a inspiração e autenticidade da Bíblia. Os próprios críticos reconhecem essa autoridade. São variações oriundas de falhas de copistas durante catorze

séculos copiando manualmente essas passagens. São coisas que não comprometem a mensagem do Evangelho, como diz a Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia: "O acúmulo

inteiro de variantes não conseguiu modificar a mensagem, nem mesmo nas minúcias". O QUE PAULO REPRESENTA PARA O CRISTIANISMO?

1. O apostolado entre os gentios. A visão de Paulo, no ministério entre os gentios,

compartilhada com Barnabé, o tornava "progressista" para a sua época, no mundo judaico, e da mesma forma, as suas doutrinas para os padrões sociais do mundo greco-romano. Ele se tornara o principal representante da nova religião revelada. O seu conceito da divindade

contrariava frontalmente as religiões politeístas de seus dias. A nova compreensão sobre o

Messias mudou radicalmente sua vida e contrariava, não o Antigo Testamento, mas o que o Judaísmo pensava a respeito do Libertador.

Paulo considerava os judeus e gentios na mesma situação. Em Romanos, capítulo primeiro, ele descreve a depravação dos gentios. No segundo, a incredulidade e desobediência dos

judeus. No terceiro, põe os dois povos no mesmo bojo: "Todos pecaram" (Rm 3.23). Diante disso, levou avante a ordem de Jesus: "Por que hei de enviar-te aos gentios de longe" (At 22.21).

2. As missões. Com resultado das quatro viagens missionárias de Paulo, surgiram as

igrejas da Ásia e Europa. A ele deve-se a expansão do Cristianismo. Suas estratégias mis-sionárias são ainda hoje o modelo para nós. Nenhum homem fez pelo Evangelho o que ele realizou, exceto o próprio Salvador Jesus Cristo.

3. As epístolas. São o maior tesouro que Paulo deixou para a Igreja. São frutos de suas

experiências e trabalhos, na direção do Espírito Santo. Seus escritos ocupam um terço do Novo Testamento. Sem as suas cartas, o Cristianismo poderia ser uma mera seita do Judaísmo.

CONCLUINDO O ministério de Paulo entre os gentios, suas viagens missionárias e as epístolas escritas, o tornam o maior herói do Cristianismo. Seus exemplos devem ser seguidos pelos obreiros (1

Co 11.1) e seus ensinos obedecidos por todos os cristãos. Suas ideias continuam vivas e atuais, porque foram inspiradas pelo Espírito Santo para a Igreja em todas as épocas.

Os perseguidores dos cristãos sempre agiram movidos pela ignorância, pois julgavam que prestavam um excelente serviço a Deus ou ao regime político de seu país. No entanto,

muitos deles, quando perceberam o erro que cometeram, converteram-se a Cristo e tornaram-se uma bênção ao Evangelho.

Se Saulo tivesse a certeza, antes de iniciar a perseguição aos cristãos, que Jesus havia ressuscitado, jamais teria se levantado contra o povo de Deus. Portanto, agiu por ignorância

e pelo seu sentimento religioso. Por isso, Jesus o perdoou e transformou-o no grande apóstolo dos gentios.

Nenhum cristão, até o momento, submeteu-se ao sofrimento experimentado pelo apóstolo Paulo, após se converter ao Evangelho. Por isso, jamais murmuremos, quando vier a

perseguição, pois, com certeza, o motivo de sua manifestação é o de gerar a paciência, virtude tão necessária aos filhos de Deus.

Bibliografia E. Soares

Rm 5:20 Sobreveio, porém, a lei para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça;

A lei intensifica o pecado, ou fá-lo «abundar», e isso em vários sentidos, conforme mostramos abaixo: 1. Porquanto faz com que a ofensa se torne mais claramente visível, mais perfeitamente compreendida, removendo todos os motivos possíveis de desculpa. 2. A lei intensifica a transgressão porque estimula impulsos pecaminosos dormentes, dando-lhes uma nova atividade. «As regras são feitas para serem desobedecidas», é um refrão popular muito conhecido, porquanto isso expressa algo da perversidade humana, que se deleita em fazer algo que é proibido, conforme também a experiência humana o comprova abundantemente. (Ver Rm 4:15). 3. A lei causou uma espécie de imputação do pecado aos homens, embora essa imputação realmente não se tivesse completado senão já quando do primeiro advento de Cristo, conforme Paulo nos esclarece em Rm 3:25. Não obstante, a lei agravou a questão da imputação do pecado, tornando a transgressão algo mais sério, porque se tornou melhor compreendido quão prejudicial é o mal representado pelo pecado. (Ver Rm 5:13). 4. A lei, que revela tão claramente a natureza do pecado, e que subentende a necessidade de julgamento, leva os homens a entrarem em inimizade contra o Senhor. Os homens podiam odiar a Deus até mesmo por sua aparente severidade e por seus mandamentos «impossíveis de serem guardados». Mas tais indivíduos ignoram propositadamente a salvação que há em Cristo, e passam a amaldiçoar a Deus. 5. Dessa maneira, Paulo demonstra como é impossível alguém obter a vida através da guarda da lei, mediante o princípio legalista; e isso, por sua vez, mostra a necessidade da graça. 6. A abundância do pecado força a abundância da graça, e a lei põe isso em exercício, conferindo ao pecado a sua força. 7. A lei «foi adicionada» ou «sobreveio», isto é, não existia para Adão, nem para Abraão, e nem para a humanidade toda, antes de Moisés. Foi um acréscimo cujo intuito era ajudar, mas falhou em seu propósito. Pelo contrário, a lei aliou-se ao princípio do pecado-morte, e levou esse princípio a dominar o mundo inteiro. 8. A reação divina foi radical; Deus enviou seu Filho em sua missão salvatícia, até à cruz, mas ressuscitou-o com vista à nossa justificação (ver Rm 4:25). A missão do Filho fez a graça abundar, e, através dela, a vida eterna (ver Jo 3:15). A qualidade da salvação mostra-nos quão abundante é a graça. (Ver sobre a «graça» em Ef 2:8, e sobre a «salvação», em Hb 2:3). O ponto de vista de Paulo sobre a «lei», conforme ele expressa aqui, dificilmente poderia agradar aos judeus, embora seja um pensamento muito comum dentro da teologia bíblica e evangélica. Aqui, entretanto, ele não diz tudo quanto se pode dizer acerca da natureza do princípio da graça; e o trecho de Rm 3:31 subentende mais, nessa direção, do que faz o presente versículo. No entanto, ele nos fornece aqui uma ideia, sobre a qual podemos adicionar outras. Mas nenhuma dessas ideias, e nem todas elas em seu conjunto, conforme são entendidas pelo sistema teológico do cristianismo, teria agradado aos judeus, os quais viam a lei como um verdadeiro agente salvador, e a obediência à lei mosaica como algo

possível em grau suficiente para que o homem viesse a obter correta posição espiritual diante de Deus. O apóstolo Paulo, pois, contradiz aqui o que ordinariamente se compreendia acerca da natureza e das funções da lei, e deve ter sido considerado um dos piores hereges, pelos judeus, por causa desses seus ensinamentos. Referindo-se às ideias de Paulo, no tocante à lei, conforme ele as expressa aqui, diz Dwight (in loc.): Foi (a lei) acrescentada no plano ou arranjo divino, tendo-se tornado uma ocasião ou motivo para que a graça superabundasse, abrindo assim o novo caminho para a justificação e para a vida. «O dilúvio da graça ultrapassou em potência ao dilúvio do pecado, por maior que este último tivesse sido e seja». (Robertson, in loc). «...para que avultasse a ofensa... abundou o pecado...» Algumas traduções não observam que dois vocábulos gregos diferentes são empregados para expressar aqui essas ideias, conforme vemos na tradução portuguesa que serve de base textual para este comentário. O primeiro verbo significa «aumentar», «intensificar»; e o segundo significa «abundar além das medidas», «extravasar abundantemente». João Newton, que antes fora um libertino e um incrédulo, conforme ele mesmo confessou, escreveu as palavras imortais de seu poema sobre a «graça de Deus»:

O graça de Deus, quão doce é o som Que salvou um miserável como eu, Antes, eu estava perdido, agora fui achado, Eu era cego, mas agora vejo. Foi a graça que ensinou meu coração a temer, E a graça meus temores alivia; Quão preciosa pareceu-me a graça, Desde o momento em que cri. (John Newton)

«'Mas onde abundou o pecado...' Sem importar se essa abundância é no 'mundo' ou no 'coração' do indivíduo, uma vez desvendado por essa lei puríssima e justa, a 'graça superabundou'. Não somente na forma de 'perdão' para todo o passado é oferecido no evangelho, de tal maneira que todas as transgressões por causa das quais a alma é condenada à morte pela lei, são livre e plenamente perdoadas; mas também na forma da presença do Espírito Santo, na abundância de seus dons e bênçãos, preparando assim o seu recebedor a desfrutar de um peso excessivo e eterno de glória. Portanto, a graça do evangelho não somente nos redime da morte, e, por conseguinte, nos restaura à vida, mas também leva a alma a ter uma nova relação para com Deus, uma nova participação na glória eterna, tal como não temos autoridade de crer que tais bênçãos pudessem ser a porção do próprio Adão, ainda que ele tivesse mantido eternamente a sua inocência. Assim, 'onde o pecado abundou, a graça superabundou'». (Adam Clarke, in loc). «O pecado penetrara abundantemente em todas as capacidades e faculdades da alma, no seu entendimento, na sua vontade e nas suas afeições, como homem não-regenerado que era. Porém, quando da regeneração, a graça de Deus mais do que abundou quanto às mesmas capacidades e faculdades, iluminando o entendimento, subjugando a vontade e influenciando as afeições com o amor pelas realidades divinas. O pecado abundou no mundo gentílico, antes da pregação do evangelho no mesmo; mas depois a graça superabundou na conversão de multidões, que se afastaram dos ídolos, a fim de servirem ao Deus vivo; e onde o pecado abundou em indivíduos particulares, de modo extraordinário, mesmo assim a graça ultrapassou a esse acúmulo, como nos casos do rei Manasses, de Maria Madalena, de Saulo de Tarso, e outros». (John Gill, in loc).

«A graça ainda não atingiu suas mais exaltadas alturas e soberania; mas dá início a essa soberania quando propicia aos homens o dom da justiça de Deus... O seu alvo, o seu limite, que contudo não é limite, é a vida eterna». (James Denny, in loc, o qual corretamente percebe aqui a obra contínua e eterna da graça, na «vida», isto é, na outorga da vida de Cristo, de sua pessoa e imagem, de sua essência, para os crentes, os quais finalmente, haverão de atingir a sua perfeição, participando da divindade, que é a grande esperança do evangelho e da obra da graça, conforme se vê em Rm 8:29 e II Pe 1:4). Bibliografia R. N. Champlin

A Conversão de Saulo At 9:1 -19ª

No que concerne a Lucas, a conversão de Paulo foi a consequência singular mais importante do "caso Estevão". A importância desse evento se comprova pela tríplice repetição dessa história, primeiro aqui, depois em 22:5-16, e finalmente em 26:12-18. A autoridade de Lucas deve ter sido a do próprio Paulo. Os três relatos diferem nos pormenores, e não é fácil determinar até que ponto isso se deve a Paulo — ou a Lucas — embora possamos ter razoável grau de certeza de que pelo menos alguns pontos de variação se devem a Paulo, que adaptava os relatos aos diferentes auditórios a quem falava e o site ebdareiabranca continuara assim. Seja como for, o fato central de uma experiência culminante se estabelece acima de qualquer sombra de dúvida nos escritos do próprio Paulo (1 Coríntios 9:1; 15:8s; 2 Coríntios 4:6; Gálatas 1:12-17; Filipenses 3:4-10; 1 Timóteo 1:12-16). Lucas conta a história como se o que acontecera tivesse uma realidade objetiva. Certos eruditos modernos têm questionado esse ponto. Surgem, então, às vezes, ideias sobre uma razão psicológica. Diz Weiss: foi "o resultado final de uma crise íntima" causada pelo senso de fracasso de Paulo ao querer guardar a lei (J. Weiss, vol. 1, p. 190). Se Romanos 7:14-25 reflete esta experiência anterior à conversão do apóstolo, essa teoria tem algum mérito, embora fique longe de explicar adequadamente o que aconteceu. Outros atribuem a experiência de Paulo a um acesso de epilepsia, ou ao fato de ele cair num transe de êxtase. Outros ainda têm argumentado que essa trama toda foi engendrada a partir de uma lenda. A explicação do próprio Paulo, no entanto, foi que ele havia tido um encontro com o próprio Cristo vivo, o qual de certa maneira diferiu de suas subsequentes "visões e revelações" (2 Coríntios 12:1), de modo que o apóstolo só conseguia explicá-lo como a última aparição de Cristo, após sua ressurreição (1 Coríntios 15:8). A experiência de Cristo como poder dentro do crente não era estranha a Paulo (Romanos 8:10; Gálatas 2:20), "mas na estrada de Damasco ele não só experimentou o poder internamente, mas acima de tudo, percebeu uma pessoa externamente — não recebeu apenas a dádiva da graça, mas também a vinda do Senhor ressurreto. Portanto, Paulo declara ter visto a Jesus, o que é algo singular e marcante, não podendo ser menosprezado, nem deixado de lado como insignificante" (Dunn, Jesus, p. 109). Somente sua inabalável convicção da realidade do que havia acontecido explica suficientemente o resultado atingido: "a mudança radical de uma vida centralizada em si mesmo, para uma vida centralizada em Cristo, uma completa submissão a Jesus Cristo, pela qual ele se torna discípulo do Mestre e servo do Senhor, sua admissão no reino de Deus na terra, e no ministério apostólico, que era a tarefa da comunidade cristã (T. W. Manson, pp. 13s.). 9:1-2 Prosseguiu a perseguição à igreja de Jerusalém, com Paulo respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor (v. 1) — ameaças que talvez não fossem de todo vazias. Não contente com isso, Paulo desejava estender seus esforços além da cidade. De

26:10 fica evidente que Paulo já estava agindo sob uma comissão nomeada pelo sumo sacerdote, mas agora dirigiu-se ao sumo sacerdote (talvez Caifás) e pediu-lhe que seu mandato se estendesse de modo que lhe permitisse procurar alguns daquela seita, quer homens quer mulheres... de Damasco para que os conduzisse presos a Jerusalém. A expressão "o Caminho" (que ECA traduz aqui diferentemente, por "seita") é peculiar a Atos (cp. 19:9, 23; 22:4; 24:14, 22) e talvez se originasse entre os judeus que viam os cristãos como os que haviam adotado um "Caminho" (ou modo de vida) distintivo. Todavia, logo a palavra "Caminho" seria usada pelos cristãos como meio adequado de descrevê-los como seguidores daquele que é "o Caminho" (João 14:6s.; os sectários de Qumran também se referiam a si mesmos como "o caminho", p.e., 1 QS 9.17s.; CD 1.13). Havia seguidores do "Caminho" em Damasco, de cuja presença não tomamos conhecimento senão mediante Lucas, o que nos lembra de como Lucas é seletivo ao narrar sua história. A expressão se encontrasse (v. 2) não significa que haveria dúvida quanto à presença deles ali; a dúvida estaria na legalidade da ação de Paulo em prendê-los, visto não se tratar de meros refugiados recentes (8:1), mas de cristãos que residiam em Damasco e evidentemente haviam sido capazes de combinar a fé cristã com a prática judaica, de maneira aceitável perante seus correligionários judeus. A questão, portanto, era se as numerosas sinagogas existentes em Damasco cooperariam com Paulo na ação contra seus próprios companheiros que haviam optado por reconhecer que Jesus era o Cristo. As cartas para as sinagogas (v. 2) seriam uma ajuda, visto que embora o Sinédrio não tivesse autoridade legal fora da Judéia, sua reputação representaria autoridade moral sobre os judeus da diáspora (veja Sherwin-White, p. 100). Paulo também procuraria a ajuda dos magistrados locais, mas o nome do Sinédrio judaico teria tido peso suficiente até mesmo sobre tais magistrados, de modo que Paulo se sentiria confiante quanto à aquiescência deles, senão quanto à sua total cooperação. Fosse como fosse, parece que Paulo lançou-se com ímpeto, cheio de esperanças de grande sucesso. Estava acompanhado por inúmeros capangas, talvez designados dentre os guardas do templo, a fim de ajudá-lo a efetuar as prisões. 9:3-5 Damasco, se não for a cidade mais antiga do mundo, pelo menos merece o título de a cidade que mais persiste. Fica a noroeste da planície de Ghuta, a oeste do deserto sírio-árabe e a leste dos montes Anti-Líbano. A região era um oásis, banhado por um sistema de rios e canais, famosa pelos seus pomares e jardins. Desde tempos imemoriais, Damasco tem desempenhado papel importante como centro religioso e comercial. Era também centro natural de comunicações, ligando os países do Mediterrâneo ao leste. Partindo de Damasco, as estradas seguiam pelo deserto rumo à Assíria e Babilônia; pelo sul à Arábia, e pelo norte a Alepo. Partindo de Jerusalém, havia duas estradas que conduziriam Paulo a Damasco. Uma delas era a estrada que saía do Egito e se projetava sempre perto do litoral, avançando depois pelo interior, ao longo do Jordão, até o norte do mar da Galiléia. Para apanhar essa estrada, Paulo teria primeiro que viajar para o oeste, na direção do mar. A outra estrada atravessa Neápolis e Siquém, do outro lado do Jordão, ao sul do mar da Galiléia, e a noroeste até Damasco. Sendo de ambos os caminhos o mais curto, teria sido a rota mais provável de Paulo. Quando Paulo se aproximava de Damasco, subitamente o cercou um resplendor de luz do céu (v. 3). A palavra grega é muito empregada com o sentido de relâmpago, de modo que é assim que Lucas pretende dar-nos uma ideia da intensidade da luz, embora as circunstâncias sejam de tal ordem que obviamente a descrição não pretendia referir-se a um fenômeno natural. Em 22:6 a hora é determinada como sendo "quase ao meio-dia", e em 26:13 se diz que a luz "excedia o resplendor do sol", e envolveu o grupo todo, inclusive Paulo. A luz se associa com muita frequência, nas Escrituras, à revelação de Deus (cp. 12:7), sendo esse o caso aqui, com toda a clareza. Era a glória de que Estevão havia falado (7:2) que aparecia a Paulo, de acordo com o tema de Estevão, em terra que não era a sua, mas estranha. Mais precisamente, era a

glória de Deus que brilhava "na face de Jesus Cristo" (2 Coríntios 4:6), visto que embora a narrativa não o diga nestas exatas palavras, noutras passagens somos informados de que Paulo viu a Jesus (cp. vv. 17, 27; 22:14; 26:16): não o viu como os outros o viram, mas viu o Filho que ascendera aos céus, resplendente na glória do Pai, cegando o olho humano, pois ninguém pode ver a face de Deus (cp. Êxodo 33:20). Paulo e quantos o acompanhavam caíram ao chão. Veio a Paulo um som, como a voz de Cristo: Saulo, Saulo, por que me persegues? (v. 4). A forma semítica de seu nome (Shaul) é usada em todos os três relatos — certamente como reminiscência deste acontecimento notável. Quanto à solene repetição do nome, compare com Gênesis 22:11, Mateus 23:37, e Lucas 10:41; 22:31. De início, é possível que Paulo tivesse ficado todo confuso, sentindo apenas que estava na presença de Deus. É por isso que ele usa o nome do Senhor ao fazer-lhe uma pergunta. E recebe a resposta: Eu sou Jesus, a quem tu persegues (v. 5; cp. 22:8, "Eu sou Jesus de Nazaré"), e com essas palavras vem também a primeira lição que Paulo precisava aprender, a saber, que Cristo tinha "um corpo", uma presença tangível na terra, a igreja (cp. Romanos 12:4, 5; 1 Coríntios 6:15; 8:12; 10:16s.; 12:12ss.; Efésios 1:23; 4:4, 12, 16; 5:23; Colossenses 1:18, 24; 2:19), de modo que era a ele, ao próprio Cristo, que Paulo vinha ferindo ao perseguir seu povo (cp. Mateus 25:40, 45; Lucas 10:16). E Paulo fez mais duas descobertas. Primeira, que os cristãos estavam certos ao proclamar a ressurreição de Jesus. O emprego do nome do Senhor aqui expressa a percepção de Paulo de que o Jesus histórico era o Cristo que lhe aparecera. Segunda descoberta: Gamaliel tinha razão, visto que Paulo fora na verdade apanhado lutando contra Deus (cp. 5:39). 9:6-8 No devido tempo, Paulo receberia instruções sobre o que deveria fazer, mas nesse momento ele já era um novo homem (cp. 2 Coríntios 5:17; Filipenses 3:4ss.). Paulo não poderia jamais esquecer de modo completo seu passado, mas tudo lhe fora perdoado, e Deus lhe havia preparado uma nova tarefa. Deve-se notar que em 26:16-18 há um breve resumo, como se o Senhor, por ocasião dessa experiência de Damasco, tivesse explicado a respeito de qual viria a ser sua nova tarefa. Entretanto, a narrativa naquele capítulo foi bastante condensada, com omissão de todas as referências a Ananias, com quem Paulo aprenderia mais tarde qual seria o propósito para o qual Cristo o tinha convocado. Note-se que os companheiros de Paulo foram muito menos influenciados do que ele mesmo pelo que acontecera. Haviam visto a luz, haviam ouvido o som (v. 7; cp. 22:9; 26:14), e à semelhança de Paulo haviam sido atirados ao chão (26:14 liga de modo explícito sua cegueira à luz). Certa vez Jesus havia-se referido a esse tipo de cego, ao falar de "um cego guiar outro cego" (Mateus 15:14; 23:16); estando cego agora, Paulo foi conduzido por outros a Damasco (v. 8), onde se hospedou na casa de um Judas, na rua Direita (cp. v. 11). Tais pormenores, como o nome do anfitrião e da rua onde este morava indicam a existência de uma fonte bem perto do local dos acontecimentos (cp. 16:15; 17:6s.; 18:2s.; 21:8, 16; também 10:6). 9:9-12 Paulo permaneceu nesta casa durante três dias, sem comer nem beber — sinal, talvez, de profunda contrição, ou quem sabe em antecipação de outras revelações (cp. v. 6), ou talvez como consequência de seu estado de choque. Paulo orava e jejuava. Sendo um fariseu devoto, deveria orar com muita frequência. Entretanto, quem sabe pela primeira vez Paulo estava aprendendo a diferença entre "rezar, ou pronunciar palavras perante Deus" e orar (a reação do verdadeiro crente perante a graça de Deus que lhe foi dada por Cristo). O orgulhoso fariseu da parábola de Jesus havia tomado o lugar do outro homem (Lucas 18:9-14). Esta passagem ensina a importância da oração tanto para Paulo como para a igreja no desempenho de sua missão. Em todas as situações críticas desta história encontramos o povo orando (10:2, 9; 13:2, 3; 14:23; 16:13, 16, 25; 20:36; 21:5; 22:17-21; 27:35; 28:8. É também a primeira de várias passagens em que as visões estão ligadas à oração (cp. 10:2-6; 9:17;

22:17-21; 23:11; cp. também 16:9, 10; 18:9, 10; 26:13-19). Seja o que for que entendermos em relação a esses fenômenos, devemos concordar em que expressam a convicção de que em todos os casos as orações foram respondidas. Neste caso particular, uma visão enquadra-se noutra (cp. 10:1-23). Numa, Paulo viu um homem vindo a ele; na outra, o tal homem, o próprio Ananias, recebe orientação no sentido de ir a Paulo e impor-lhe as mãos para que ficasse curado (cp. 1 Samuel 3:4ss). O v. 11 é a primeira referência, numa série de cinco, em Atos, à cidade em que Paulo nasceu. Sendo talvez tão antiga quanto Damasco, Tarso foi a principal cidade de Cilícia Pedeias. A julgar pela extensão de suas ruínas, a população de Tarso na época dos romanos deve ter chegado perto de meio milhão de pessoas. Era uma cidade que possuía todos os elementos necessários para torná-la o grande centro comercial que de fato veio a ser: excelente porto, uma região interiorana rica, e uma posição de comando na extremidade sul da rota comercial através dos montes do Touro, dos portões Cilicianos, até à Capadócia, Licaônia e interior da Ásia Menor em geral. Tarso passou para as mãos romanas ao sair do império desmoronado dos Selêucidas, antes de 100 a.C, embora o domínio integral não fosse conseguido senão depois de 60 a.C. Sob os selêucidas, Tarso se tornara uma das três grandes cidades universitárias do mundo mediterrâneo. Strabo refere-se à universidade de Tarso como sendo superior, em alguns aspectos, às de Atenas e de Alexandria (Geografia 14.5.13). Era especialmente importante como centro da filosofia estoica. Portanto, Paulo deve ter ficado em débito para com aquela escola de pensamento em Tarso, pela sua familiaridade com seus princípios filosóficos, não todavia pelos anos de sua mocidade ali passados, mas pelo período que ali viveu mais tarde. O ofício de Paulo de fazer tendas constituía importante ramo comercial ciliciano (cp. 18:3). 9:13-14 Surge Ananias nesta narrativa apenas como um "discípulo". Era um judeu cristão muito ligado à lei, um homem bastante respeitado entre os judeus de Damasco. É possível que fosse um líder entre os cristãos. Haviam chegado a ele notícias acerca de quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém esse homem, Paulo, que Ananias não tinha desejo de encontrar agora, em Damasco (v. 26). Lucas apresenta o tormento de Ananias de forma dramática, mediante um diálogo com o Senhor (Jesus), e aqui encontramos outros dois nomes para os cristãos (cp. "o Caminho", [ECA traz "seita"] v. 2). São chamados de santos (v. 13, lit., "sagrados ou separados", cp. vv. 32, 41; 26:10, e quanto ao verbo, 20:32; 26:18). O Antigo Testamento empregava esse termo tanto para indivíduos como para Israel como um povo, mas Ananias não hesitou em aplicá-lo agora aos cristãos, o novo "Israel de Deus" (Gálatas 6:16). Note-se que em 26:10 o próprio Paulo usa esse termo, talvez numa repetição consciente de Ananias, a menos que, é claro, a linguagem fosse inteiramente de Paulo. Pelo menos seis de suas cartas são dirigidas "aos santos", ou "chamados para ser santos". Em segundo lugar, os cristãos são também os que "invocam o teu nome [de Jesus]". Esta expressão é um eco de 2:21 (citação de Joel 2:32) sendo usada novamente no v. 21 e em 22:16. Esta descrição significa que eles creem em Cristo e, muito significativamente, relaciona-se de modo íntimo em 1 Coríntios 1:2 com o título de "santos" dado aos crentes. Outra característica distintiva desta passagem é o uso frequente do título Senhor para Jesus. Era termo comum na época em que Paulo estava escrevendo suas cartas e pode refletir, repitamos, sua própria expressão verbal ao recontar a história a Lucas. 9:15-16 Repete-se a ordem do Senhor a Ananias para que vá ao encontro de Paulo, e declara-se ao mesmo tempo qual haveria de ser o destino de Paulo. Paulo era um "vaso escolhido [de Deus]", metáfora tirada do trabalho do oleiro. Assim como o oleiro fazia vasos para diversos fins, Deus também fez os seres humanos para seus próprios e variados propósitos (cp. Jeremias 18:1-11; 22:28; Oséias 8:8; 2 Coríntios 4:7; 2 Timóteo 2:20, 21). No caso de Paulo, ele haveria de tomar sobre si o manto do Servo sofredor (cp. Colossenses 1:24), porquanto ele haveria de ser "uma luz para as nações", para que Paulo pudesse "levar

o nome de Deus" (continuando a metáfora do vaso) perante os gentios, os reis e os filhos de Israel (v. 15; cp. 26:22; Isaías 49:6). Observe que esta missão incluía os judeus, mas a ordem das palavras enfatiza os gentios. Eis uma extraordinária reviravolta na vida de Paulo, o fariseu. O desempenho fiel dessa missão traria muito sofrimento a Paulo, como trouxera ao próprio Servo (não, todavia, como punição pelo seu passado, mas simplesmente "por amor do Senhor"). Quanto Paulo deveria sofrer lhe seria revelado de tempos em tempos (p.e., 20:23), e podemos ver um pouco disso nas cartas do apóstolo (p.e., 1 Coríntios 4:9ss.; 2 Coríntios 6:4, 5; 11:23-28; Filipenses 3:4ss.; Colossenses 1:24; 2 Timóteo 4:6). Tudo isto Ananias comunicou a Paulo quando ambos se encontraram (22:14s.). 9:17-19a /Ananias finalmente venceu sua relutância, senão seu medo, e acabou indo à casa da rua Direita. Ali, impôs as mãos sobre Paulo, anunciando-lhe que havia sido enviado por Jesus, a fim de que tornes a ver, e sejas cheio do Espírito Santo (v. 17). Nenhuma palavra de recriminação, mas uma recepção calorosa à comunhão da igreja (cp. v. 27). A imposição de mãos deve ser vista como um sinal da cura dos olhos, não do enchimento de Paulo com o Espírito Santo—e menos ainda como método mediante o qual esse dom é concedido. O enchimento de Paulo com o Espírito Santo relaciona-se melhor com seu batismo, mas repitamos, não como o método ou meio, mas simplesmente como um sinal externo de uma graça espiritual interna. A vista de Paulo foi restaurada (Lucas descreve a cura empregando termos de medicina); Paulo foi batizado (teria sido pelas mãos de Ananias?), alimentou-se e "sentiu-se fortalecido". É possível que este seja outro termo médico, e assim Paulo estava pronto para o que o aguardava. Notas Adicionais 9:4 Por que me persegues?: A resposta a esta pergunta tem sido encontrada em Gálatas 3:13. Antes de sua conversão, Paulo considerava Jesus como maldito, de acordo com Deuteronômio 21:22s. Por esta razão, Paulo havia blasfemado contra o nome do Senhor (1 Timóteo 1:13) e tentou levar outros a blasfemar também (Atos 26:11), isto é, dizer: "Jesus é anátema" (1 Coríntios 12:3). Após sua conversão, Paulo prosseguiu afirmando, "Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição", mas agora acrescenta duas palavras, "por nós", ou "por mim" (cp. também Gálatas 2:20). Veja J. Jeremias, The Central Message of the New Testament (Londres: SCM Press, 1965), p.35s. 9:17 O Senhor Jesus... me enviou, para que... sejas cheio do Espírito Santo (cp. 22:12ss.): à vista da insistência posterior de Paulo, em Gálatas 1:1, 11s., em que havia recebido comissão apostólica não de mãos humanas, mas diretamente de Cristo, é importante que notemos, como Bruce, que em primeiro lugar Paulo se defende, em Gálatas, da acusação de que havia recebido comissão dos apóstolos originais. O papel desempenhado por Ananias não teria prejudicado sua argumentação, ainda que esse discípulo fosse um líder em Damasco. Em segundo lugar, seja como for, Ananias desempenhou a função de um profeta, de modo que suas palavras foram as do Cristo ressurreto (Book [Livro], pp. 200s.). Bibliografia D. J. Williams

A conversão e a chamada de Paulo At 9:1-19a

Filipe desaparece abruptamente da história e, de modo igualmente abrupto, reaparece o jovem chamado Saulo, em feroz perseguição aos cristãos. No caminho de Damasco, viu uma luz ofuscante, e ouviu a voz de Jesus que o ordenou a cessar de prossegui-lo e a dispor-se a

fazer coisa nova. Entrementes, um discípulo em Damasco estava sendo preparado para ir encontrar-se com ele e transmitir a ele a cura da sua cegueira e o batismo como cristão. A Ananias foi revelado que Saulo seria uma testemunha de Jesus diante de gentios e judeus, e que sofreria por amor a Jesus. A substância da história é narrada duas vezes mais, no discurso de Paulo diante da multidão em Jerusalém em 22:3-16, e no seu testemunho diante de Agripa e Festo em 26:4-18. Estas duas narrativas são feitas na primeira pessoa, e mostram certa quantidade de variação, por aquilo que omitem e acrescentam em comparação com a presente versão da história. Embora críticos do passado tenham debatido se Lucas tinha até três versões separadas da história, a tendência atual (associada com a suposição de que Lucas não dava transcrições literais dos vários discursos de Paulo) é alegar que Lucas possuía uma só versão da história, e que a apresentou de três modos diferentes. Se for correto este ponto de vista, seguir-se-á que não temos o problema de harmonizar duas ou mais versões da história, que talvez tenham diferenças significantes entre si; pelo contrário, as diferenças são meramente literárias - o próprio Lucas não via nelas problema algum. O fato de Paulo ter sido convertido e ter recebido a chamada para ser um missionário está fora de dúvida. Ele mesmo se refere ao fato em 1 Co 15:8-9; Gl 1:12-17; Fp 3:3-7; e 1 Tm 1:12-16. Estas passagens descrevem como Paulo tinha sido um perseguidor da igreja que, tendo uma visão de Jesus, veio a ser chamado para o apostolado (cf. 1 Co 9:1) e convocado para pregar aos gentios. A partir de Gl 1:16-17, pode-se deduzir que, imediatamente depois da sua chamada, foi para Damasco e, depois de uma visita à Arábia, voltou para Damasco. A narrativa em Atos dá mais detalhes deste evento, e deve ficar claro que as versões dele, dadas por Lucas e Paulo, estão de acordo essencial quanto aos aspectos básicos. Os problemas que surgem dizem respeito ao modo de a história ser contada em Atos. Qualquer narrativa daquilo que aconteceu deve ter vindo, em última análise, de Paulo e Ananias. A história em Atos pode ser compreendida como narrativa baseada nas palavras de Paulo, embora ele mesmo não cite tantos detalhes nas suas Epístolas? Não vemos qualquer dificuldade real em responder afirmativamente a esta pergunta. A história, no entanto, mostra certo número de aspectos em comum com as lendas judaicas: (1) de Heliodoro, cuja tentativa de furtar dinheiro da tesouraria do templo foi impedida pela visão de um cavaleiro celestial que o fez cair por terra (2 Macabeus cap. 3), bem como (2) da conversão de Asenate, a esposa egípcia de José (no romance José e Asenate). É provável que o máximo que se pode deduzir destas semelhanças é que o modo de a história ser contada tenha sido influenciado pelas formas das lendas judaicas, mas a historicidade básica da narrativa permanece inalterada. Deve-se observar, no entanto, que as diferenças entre as três narrativas em Atos, especialmente no modo em que Jesus dá a Paulo a comissão divina, na estrada no cap. 26, mas somente numa etapa posterior, por Ananias em Damasco, nos caps. 9 e 22, demonstram que, em cada ocasião, Lucas não procura nos dar uma narrativa dos detalhes precisos daquilo que aconteceu mas, sim, a natureza e significância gerais do evento. 1-2. A história começa lembrando-nos a atividade perseguidora movida por Paulo que foi descrita em 8:3. A implicação é que não estava satisfeito com os resultados da campanha em Jerusalém, ainda estava ansioso por fazer mais. Andava dizendo o que faria aos cristãos se não cessassem as suas atividades: a saber, que os mandaria assassinar. É problemático se tinha a autoridade para executá-los legalmente (ver 22:4; 26:10), e talvez a referência diga respeito àquilo que gostaria de fazer aos cristãos. Visto que muitos deles tinham fugido de Jerusalém, resolveu persegui-los e trazê-los de volta como prisioneiros para Jerusalém. Para tanto, procurou autoridade da parte do sumo sacerdote (seria Caifás, 18-37 d.C, neste

caso) para ir às comunidades judaicas em Damasco. Damasco era uma cidade importante, cerca de 242 km de Jerusalém, com uma população judaica de consideráveis proporções. Estava dentro da jurisdição da província romana da Síria, e formava parte de Decápolis, uma liga de cidades autogovernadas. Em 2 Co 11:32, Paulo fala de um etnarca de Aretas, rei dos árabes nabateus, que guardava a cidade para impedir que Paulo dela escapasse. Não fica claro se este oficial era preposto do rei, residindo em Damasco para cuidar dos interesses dos árabes ali, ou se Damasco naqueles tempos estava sob o controle da Nabatéia.

De qualquer maneira, as comunidades judaicas devem ter tido certos direitos de manter a lei e a ordem entre si mesmas. O problema que surge é se o sumo sacerdote tinha autoridade para intervir nos assuntos delas. Haenchen (pág. 320 n. 2) argumenta com razão que estudiosos anteriores tinham tirado deduções indevidas de passagens tais como 1 Macabeus 15:15-21, que trata de uma situação diferente e muito anterior; quando, porém, argumenta que Lucas fazia parte do número daqueles que interpretavam erroneamente a 1 Macabeus, não precisamos concordar com ele. Provavelmente Hanson, pág. 112, esteja mais perto da verdade quando sugere que Paulo tinha "autorização do Sinédrio para ferir e até mesmo sequestrar os cristãos de destaque, se conseguisse fazê-lo impunemente". A descrição dos cristãos como sendo "os que eram do Caminho" é uma peculiaridade de Atos. Pressupõe o emprego do termo "o Caminho" para significar, na realidade, o "Cristianismo" (19:9, 23; 22:4; 24:14, 22). Por detrás deste termo, há, outrossim, a ideia do "caminho do Senhor de Deus" (18:25-26), como o "caminho da salvação" (16:17). Deus indicou o caminho ou modo de vida que os homens devem seguir se desejam ser salvos (cf. Mc 12:14); a declaração dos cristãos de que o caminho deles era aquele indicado por Deus levou ao uso absoluto do termo, como aqui. É interessante que a palavra se empregava de modo muito semelhante na seita de Cunrã (1QS 9:17-18; 10:21; 11:13), bem como por outros grupos religiosos.

3-4. Paulo estava bem adiantado no caminho para Damasco quando foi parado de repente. Cerca do meio-dia (22:6), sem qualquer aviso prévio, viu-se cercado por uma luz que brilhava intensamente, e ouviu uma voz que lhe falava. Estes são dois aspectos que se pode esperar numa revelação divina. A luz brilhante deve ser entendida como expressão da glória divina, e, visto que se sustenta geralmente que nenhum homem pode ver a Deus, não é surpreendente que o efeito da luz fosse a cegueira. De modo semelhante, quando Pedro estava na prisão, seu visitante angelical veio acompanhado por uma luz brilhante (12:7; cf. Mt 17:5). A voz também é característica da revelação divina (e.g. Êx 3:1-6; Is 6:8; Lc 3:22; 9:35), mas aqui é especificamente a voz de Jesus. Pode-se dizer, portanto, que Paulo teve um encontro com o Jesus ressurreto, no qual ouviu Sua voz. Noutros trechos, Paulo diz que Deus lhe revelou Seu Filho (Gl 1:16), mas também vai além, e fala em ver a Jesus (1 Co 9:1; cf. 15:8). Tendo em vista 9:27; 22:14-15 e 26:16, não pode haver dúvida alguma de que a presente passagem deva ser interpretada deste modo. Lucas, no entanto, não nos informa em que forma Jesus foi visto por Paulo, e pode ser relevante o fato que Paulo precisou perguntar pela identidade de quem falava. A narrativa diz respeito a uma revelação de Jesus vindo do céu, mais do que uma aparência de Jesus antes da Sua ascensão, e, portanto, não devemos imaginar que Jesus surgisse numa forma que (por exemplo) pudesse ser confundida com a de um viajante comum (Lc 24:15). Toda a ênfase na presente narrativa recai sobre aquilo que foi falado a Paulo. "Porque me persegues?" é uma pergunta que diz respeito ao propósito imediato de Paulo e indica que, embora este pensas-se que estava meramente atacando um grupo de homens por seu modo herético de adorar a Deus, estava na realidade atacando um grupo que tinha um porta-voz e representante celestial; atacar aos cristãos era atacar esta figura celestial

5-6. A reação de Paulo foi de surpresa: "Quem és tu, Senhor?" não indica, necessariamente, o reconhecimento da identidade de quem fala; "Senhor" seria o trato de reverência que normalmente seria usado para responder a qualquer ser celeste (10:4). A resposta que Paulo recebeu mostrou que era Jesus quem falava, e a quem perseguia. Logo, o efeito da visão foi indicar a Saulo, que ao perseguir os cristãos, estava perseguindo a Jesus (Lc 10:16), mas, acima de tudo, ao perseguir a Jesus, estava perseguindo Aquele que tinha posição divina, vindicado e sustentado por Deus. O zelo de Paulo em prol da causa de Deus tornou-se em ataque contra Deus, que ressuscitara Jesus dentre os mortos. Semelhante modo de vida não poderia continuar; devia levantar-se e ir à cidade, onde receberia novas instruções acerca da sua tarefa futura. É um mandamento soberano, e supõe-se que Paulo obedeceria se realmente se preocupasse em servir a Deus. A conversação é relatada em termos algo diferentes nas narrativas paralelas, mas não há discrepância básica no contexto geral daquilo que é dito em cada cena no seu todo; o que Ananias disse a Paulo, mais tarde, nesta narrativa, é o equivalente daquilo que lhe foi dito na estrada de Damasco em 26:16-27. 7. A revelação foi dada somente a Paulo, e seus companheiros não participaram dela; mesmo assim, eram testemunhas de que acontecera algo de incomum (Conzelman, pág. 58). Pararam emudecidos, quando ouviram o som de uma voz, mas não viram a ninguém. Conforme 26:14, viram a luz e caíram por terra, e, segundo 22:9, viram a luz, mas não ou-viram a voz. Bruce, (Livro, pág. 197) sugere que nesta passagem, a voz significa a voz de Paulo, e que seus companheiros ficaram surpresos ao ouvi-lo conversar com um interlocutor invisível; mas isto não parece muito provável pois o comentário segue imediatamente após a declaração de Jesus, e se assemelha, na linguagem, a 22:9. Ver mais sobre 22:9. 8-9. Para Paulo, fechar os olhos ao ser ferido pela luz brilhante, seria uma ação reflexa instintiva. Ao abri-los depois, ainda continuou sem ver; isto, por si só, não seria desnatural, mas o modo de a cura mais tarde ser dada sugere que era provavelmente sobrenatural. Na sua fraqueza, Paulo precisou ser guiado pelos seus companheiros, e assim chegou a Damasco. Ali, jejuou durante três dias, sem dúvida ainda vencido pelo choque, e provavel-mente como penitência à medida em que percebia ainda mais a enormidade das suas ações. 10-12. Entrementes, o Senhor estava fazendo os preparativos para a etapa seguinte na vocação de Paulo. Um cristão chamado Ananias (cf. 22: 12 para seu bom caráter) teve um sonho no qual ouviu o Senhor que Se dirigia a ele; a cena relembra a de 1 Sm cap. 3, onde Samuel ouviu ao Senhor que a ele chamava; no presente contexto, porém, o Senhor deve sig-nificar Jesus. Ananias devia ir para uma casa na "Rua Direita", onde acharia um homem chamado Saulo, de Tarso. A visita seria esperada, pois o próprio Saulo estava orando, e também recebeu uma visão em sonho de um homem chamado Ananias que vinha para impor-lhe as mãos e curá-lo. O plano, portanto, foi confirmado por um sonho duplo (cf. a história de Cornélio e Pedro, 10:1-23 nossa próxima lição). 13-14. O nome de Saulo, no entanto, não era desconhecido a Ananias, que protestou que tudo quanto sabia acerca deste homem era que se tratava de um inimigo da igreja. De muitas fontes chegaram notícias dos danos que já fizera em Jerusalém, e rapidamente tinha ficado conhecido por que viajara para Damasco. O efeito do comentário é lançar em alto relevo a maravilha da conversão de Saulo, ressaltar a maravilha da sua conversão e indicar o contraste entre seu modo de vida anterior e a nova vocação na qual estava para entrar. Podemos notar, incidentalmente, duas novas descrições dos crentes aqui empregadas. Os santos (9:32, 41; 26:10; cf. 20:32; 26:18) é um termo comum nos escritos de Paulo e descreve os cristãos como pessoas que foram separadas para o serviço de Deus e que devem

ter um caráter à altura. Os que invocam o teu nome ecoa 2:2 (Jl 2:32) e ocorre outra vez em 22:16, numa ordem dirigida ao próprio Paulo no sentido de ser ele mesmo batizado (ver mais 1 Co 1:2). 15-16. O comentário talvez fosse entendido como expressão de desobediência a Deus; Ananias devia ter reconhecido que o Senhor sabia mais do que ele! Mas suas palavras eram perfeitamente naturais, e, neste contexto, servem para introduzir uma declaração adicional pelo Senhor a respeito da sua escolha de Paulo para ser Seu servo. Em 22:14-16, que é, em efeito, uma declaração paralela à presente declaração, aparece na forma de uma instrução divina que Ananias entregou a Paulo a respeito do seu papel futuro. O Senhor já resolvera chamar Paulo ao Seu serviço; escolheu-o como Seu instrumento para a tarefa de levar o Seu nome perante os gentios e reis, e perante o povo de Israel. O pensamento da escolha divina corresponde aqui àquele que se expressa em 22:14 e 26:16, bem como com a convicção do próprio Paulo em Gl 1:15. Levar o meu nome é uma expressão incomum que significa dar testemunho de Jesus (cf. 9:27). Os gentios, os reis e o povo de Israel representam os três grupos principais diante dos quais Paulo, na realidade, dará testemunho mais tarde na his-tória, e a ordem incomum das palavras visa ressaltar a vocação de Paulo para ir aos gentios. "Levar o nome" desta forma não será coisa fácil; acarretará o sofrer por causa de Cristo — contraste marcante com o causar sofrimento aos cristãos (9:13). O Livro de Atos não esconde o fato de que o fiel testemunho a Jesus é uma tarefa custosa em termos do sofrimento que pode acarretar para quem leva as boas novas. 17-19a. Assim, Ananias foi obedecer à ordem recebida. Deixou de lado as suas dúvidas, calorosamente chamou Paulo de irmão, e impôs sobre ele as mãos. Este ato certamente deve ser entendido como símbolo da cura (Lc 4:40) ao transmitir a bênção divina. Não fica claro se no presente contexto também é considerado como sendo a transmissão do Espírito Santo a Paulo e, realmente parece improvável, pois aqui precede o batismo, com o qual normalmente se associaria o recebimento do Espírito. Ao mesmo tempo, Ananias indicou sua comissão da parte do mesmo Senhor que já aparecera a Paulo, para trazer-lhe a cura e o dom do Espírito. A volta da vista de Paulo foi indicada pela queda de um tipo de película dos seus olhos (assim como na história de Tobias - Tobias 3:17; 11:13). Foi batizado por Ananias — não era necessário um apóstolo para cumprir a tarefa — e terminou seu jejum. Bibliografia I. H. Marshall

História dos mártires cristãos até a primeira perseguição geral sob Nero

Cristo, nosso Salvador, no Evangelho de são Mateus, ouvindo a confissão de Simão Pedro, o qual, antes que todos os outros, reconheceu abertamente que Ele era o Filho de Deus, e percebendo a mão providencial de seu Pai nisso, o chamou (aludindo a seu nome) de "rocha", rocha sobre a qual edificaria Sua Igreja com tal força que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela. E com estas palavras se devem observar três coisas: primeiro, que Cristo teria uma igreja neste mundo. segundo, que a mesma Igreja sofreria uma intensa oposição, não só por parte do mundo, senão também com todas as forças e poder do inferno inteiro. E em terceiro lugar que esta mesma Igreja, apesar de todo o poder e maldade do diabo, se manteria. Vemos esta profecia de Cristo verificada de modo maravilhoso, por quanto todo o curso da Igreja até o dia de hoje não parece mais que um cumprimento desta profecia. Primeiro, o fato de que Cristo tenha estabelecido uma Igreja, não necessita demonstração. Segundo, com que força se opuseram contra a Igreja príncipes, reis, monarcas, governadores e autoridades deste mundo! E, em terceiro lugar, como a Igreja, apesar de tudo, tem suportado e retido o que lhe pertencia! É maravilhoso observar que tormentas e tempestades ela tem vencido. E para uma mais evidente exposição disto tenho preparado esta história, com o fim, primeiro de que as maravilhosas obras de Deus em sua Igreja redundem para Sua Glória; e também para que ao expor-se a continuação e história da Igreja, possa redundar em maior conhecimento e experiência para proveito do leitor e para a edificação da fé cristã. Como não é nosso propósito entrar na história de nosso Salvador, nem antes nem depois de Sua crucifixão, só será necessário lembrar aos nossos leitores o desconcerto dos judeus pela Sua posterior ressurreição. Ainda que um apóstolo o havia traído; embora outro o tinha negado, sob a solene sanção de um juramento, e ainda que o resto tinha-o abandonado, a exceção daquele "discípulo que era conhecido do sumo sacerdote", a história de sua ressurreição deu uma nova direção a todos seus corações e, depois da missão do Espírito Santo, transmitiu uma nova confiança em suas mentes. Os poderes de que foram investidos lhes deram confiança para proclamar Seu nome, para confusão dos governantes judeus, e por assombro dos prosélitos gentios. 1. ESTEVÃO Santo Estevão foi o seguinte a padecer. Sua morte foi ocasionada pela fidelidade com a que predicou o Evangelho aos entregadores e matadores de Cristo. Foram excitados eles a tal grau de fúria, que o expulsaram fora da cidade, apedrejando-o até matá-lo. A época em que sofreu supõe-se geralmente como a Páscoa posterior à da crucifixão de nosso Senhor, e na época de Sua ascensão, na seguinte primavera. A continuação suscitou-se uma grande perseguição contra todos os que professavam a crença em Cristo como Messias, ou como profeta. São Lucas nos diz de imediato que "fez-se naquele dia uma grande perseguição contra a igreja que estava em Jerusalém", e que "todos foram dispersos pelas terras da Judéia e de Samaria, exceto os apóstolos" (At 8:1, ACF). Em volta de dois mil cristãos, incluindo Nicanor, um dos sete diáconos, padeceram o martírio durante a "tribulação suscitada por causa de Estevão" (Atos 11:9, PJFA).

2. TIAGO O MAIOR O seguinte mártir que encontramos no relato segundo Lucas, na História dos Atos dos Apóstolos, é Tiago, filho de Zebedeu, irmão mais velho de João e parente de nosso Senhor, porque sua mãe Salome era prima irmã da Virgem Maria. Não foi até dez anos depois da morte de Estevão que teve lugar este segundo martírio. Aconteceu que tão pronto como Herodes Agripa foi designado governador da Judéia que, com o propósito de congraçar-se com os judeus, suscitou uma intensa perseguição contra os cristãos, decidindo dar um golpe eficaz, e lançando-se contra seus dirigentes. Não se deveria passar por alto o relato que dá um eminente escritor primitivo, Clemente de Alexandria. Nos diz que quando Tiago estava sendo conduzido ao lugar de seu martírio, seu acusador foi levado ao arrependimento, caindo a seus pés para pedi-lhe perdão, professando-se cristão e decidindo que Tiago não receberia sozinho a coroa do martírio. Por isso, ambos foram decapitados juntos. Assim recebeu, resoluto e bem disposto, o primeiro mártir apostólico aquele cálice que ele tinha dito ao Salvador que estava disposto a beber. Timão e Parmenas sofreram o martírio por volta daquela época; o primeiro em Filipos, e o segundo na Macedônia. Estes acontecimentos tiveram lugar no 44 d.C. 3. FELIPE Nasceu em Betsaida da Galiléia, e foi chamado primeiro pelo nome de "discípulo". Trabalhou diligentemente na Ásia Superior, e sofreu o martírio em Heliópolis, na Frigia. Foi acoitado, encarcerado e depois crucificado, no 54 d.C. 4. MATEUS Sua profissão era arrecadador de impostos, e tinha nascido em Nazaré. Escreveu seu evangelho em hebraico, que foi depois traduzido ao grego por Tiago o Menor. Os cenários de seus trabalhos foram Partia e a Etiópia, país no que sofreu o martírio, sendo morto com uma lança na cidade de Nadaba no ano 60 d.C. 5. TIAGO O MENOR Alguns supõem que se tratava do irmão de nosso Senhor por parte de uma anterior mulher de José. Isto resulta muito duvidoso, e concorda demasiado com a superstição católica de que Maria jamais teve outros filhos além de nosso Salvador. Foi escolhido para supervisar as igrejas de Jerusalém, e foi o autor da Epístola ligada a Tiago. A idade de noventa e nove anos foi espancado e apedrejado pelos judeus, e finalmente abriram-lhe o crânio com um cassetete. 6. MATIAS Dele se sabe menos que da maioria dos discípulos; foi escolhido para encher a vaga deixada por Judas. Foi apedrejado em Jerusalém e depois decapitado. 7. ANDRÉ Irmão de Pedro, predicou o evangelho a muitas nações da Ásia; mas ao chegar a Edessa foi apreendido e crucificado numa cruz cujos extremos foram fixados transversalmente no chão [Cruz em forma de X. (N. da T.)] Daí a origem do termo de Cruz de Santo André.

8. MARCOS Nasceu de pais judeus da tribo de Levi. Supõe-se que foi convertido ao cristianismo por Pedro, a quem serviu como amanuense, e sob cujo cuidado escreveu seu Evangelho em grego. Marcos foi arrastado e despedaçado pelo populacho de Alexandria, em grande solenidade de seu ídolo Serapis, acabando sua vida em suas implacáveis mãos. 9. PEDRO Entre muitos outros santos, o bem-aventurado apóstolo Pedro foi condenado a morte e crucificado, como alguns escrevem, em Roma; embora outros, e não sem boas razões, tenham dúvidas a esse respeito. Hegéssipo diz que Nero buscou razões contra Pedro para dá-lhe morte; e que quando o povo percebeu, rogaram-lhe insistentemente que fugisse da cidade. Pedro, ante a insistência deles, foi finalmente persuadido e se dispus a fugir. Porém, chegando até a porta viu o Senhor Cristo acudindo a ele e, adorando-o, lhe disse: "Senhor, aonde vãs?" ao que ele respondeu: "A ser de novo crucificado". Com isto, Pedro, percebendo que se referia a seu próprio sofrimento, voltou à cidade. Jerônimo diz que foi crucificado cabeça para abaixo, com os pés para cima, a petição dele, porque era, disse, indigno de ser crucificado da mesma forma que seu Senhor. 10. PAULO Também o apóstolo Paulo, que antes se chamava Saulo, após seu enorme trabalho e obra indescritível para promover o Evangelho de Cristo, sofreu também sob esta primeira perseguição sob Nero. Diz Obadias que quando se dispus sua execução, Nero enviou dois de seus cavaleiros, Ferega e Partémio, para que lhe dessem a notícia de que ia ser morto. Ao chegarem a Paulo, que estava instruindo o povo, pediram-lhe que orasse por eles, para que eles acreditassem. Ele disse-lhe que em breve acreditariam e seriam batizados diante de seu sepulcro. Feito isso, os soldados chegaram e o tiraram da cidade para o lugar das execuções, onde, depois de ter orado, deu seu pescoço à espada. 11. JUDAS Irmão de Tiago, era comumente chamado Tadeu. Foi crucificado em Edessa o 72 d.C. 12. BARTOLOMEU Predicou em vários países, e tendo traduzido o Evangelho de Mateus na linguagem da Índia, o propagou naquele país. Finalmente foi cruelmente açoitado e logo crucificado pelos agitados idólatras. 13. TOMÉ Chamado Dídimo, predicou o Evangelho em Partia e na Índia, onde por ter provocado a fúria dos sacerdotes pagãos, foi martirizado, sendo atravessado com uma lança. 14. LUCAS O evangelista foi autor do Evangelho que leva seu nome. Viajou com Paulo por vários países, e se supõe que foi pendurado de uma oliveira pelos idólatras sacerdotes da Grécia.

15. SIMÃO Apelidado de zelote, predicou o Evangelho na Mauritânia, África, inclusive na Grã Bretanha, país no qual foi crucificado em 74 d.C. Fonte http://www.ebdareiabranca.com/2011/1trimestre/licao07ajuda07.htm

Saulo em Damasco e em Jerusalém At 9:19b-31

Vemos aqui como Paulo assumiu com toda seriedade sua nova vocação de um homem "salvo para servir". Mas o padrão para os Doze havia sido primeiro ficar com o Senhor Jesus e, depois, ser enviado (Marcos 3:14), de modo que logo Paulo sentiu a necessidade de estar a sós com o Senhor durante algum tempo (cp. Marcos 6:31). Quanto a este ponto, seus próprios escritos acrescentam vários pormenores à narrativa de Lucas. 9:19b-22 Sendo portador de uma comissão da parte do Sinédrio, Paulo deveria pregar nas sinagogas de Damasco, e foi isso mesmo que ele fez, utilizando as sinagogas como as haveria de utilizar em suas viagens posteriores, como ponto de pregação evangelística (cp. 13:5; 14ss.; 14:1; 16:13; 17:ls., 10; 18:4, 19; 19:8; 28:17). A mensagem desse fariseu pegou seus ouvintes de surpresa (v. 21), visto que ele pregava a respeito de Jesus, não contra Jesus, declarando ser este o Filho de Deus (v. 20). Para os ouvidos judaicos, esta frase podia significar várias coisas, mas o mais importante nesse aspecto é que era o título do rei (p.e., 2 Samuel 7:14; Salmo 2:2 e 89:27, 29) e, por extensão, o título do rei escatológico, o Messias (Enoque 105:2; 4 Esdras 7:28, 29; 13:32, 37, 52; 14:9). Era pelo menos nesse sentido que Paulo chamava a Jesus de Filho de Deus (veja o v. 22), mas à vista de sua recente experiência, é possível que Paulo não estivesse longe do uso cristão distintivo que revela a natureza divina de Jesus. Só Paulo emprega esse título em Atos (13:33), não sendo mero acidente que tal título tenha tão grande importância nas suas cartas (p.e., Romanos 8:3; Gálatas 4:4; Colossenses 1:15-20) e apareça em seu próprio relato de seu chamado para ser apóstolo (Romanos 1:1-4; Gálatas 1:16). Com respeito a isto é também digno de nota que o verbo perseguia (v. 21, gr. porthein) não se encontra em nenhuma outra passagem no Novo Testamento, exceto em Gálatas 1:13 e 23, com referência à mesma questão mencionada neste versículo. Observe-se de novo a descrição dos cristãos como "os que invocavam este nome". A referência no v. 22 não diz respeito à pregação de Paulo (como afirma GNB), mas ao próprio Paulo que se esforçava muito mais. Ele se interessava cada vez mais pela sua nova vida (note-se o tempo imperfeito; cp. Salmo 84:7). Sua pregação e o efeito que exercia sobre os ouvintes estão descritos na última metade do versículo. O verbo grego (lit., "colocar juntos", "comparar") que ECA traduz por "provar", sugere que a pregação de Paulo consistia principalmente de comparações que ele fazia entre o Antigo Testamento e os eventos da vida de Jesus, a fim de comprovar ser ele o Messias. Isto sugere que Paulo estava familiarizado com a vida de Jesus. De modo algum é este fato algo que nos surpreende. Até mesmo quando era um perseguidor da igreja, Paulo teria sabido muita coisa a respeito do Senhor mediante controvérsias e inquéritos judiciais, se é que já não tivesse agora informações de primeiríssima mão. E a partir de sua conversão, talvez Paulo tivesse estado sob a instrução de Ananias e outros. 9:23-25 Em Gálatas 1:17 Paulo diz que logo após sua conversão passou algum tempo na Arábia, e em 2 Coríntios 11:32s, ele nos dá mais alguns pormenores de sua estada em Damasco. Juntando tudo isso, parece que após sua estada inicial em Damasco, Paulo foi para

a Arábia, o que talvez signifique Nabatéia. É possível que ele tenha estado ali durante dois ou três anos (os judeus contavam o tempo de modo inclusivo, de modo que esses "três anos" de Gálatas podem referir-se a um período ligeiramente superior a um ano completo), talvez pregando, mas meditando em profundidade nas coisas em que acreditava, à luz de sua experiência de conversão. Por fim, retornou a Damasco, sendo esse evento marcado talvez na narrativa de Lucas pelas palavras tendo passado muitos dias (v. 23). Por esta altura, os judeus da cidade ter-se-iam recuperado da surpresa gerada por sua conversão, e de maneira alguma tolerariam suas pregações a respeito de Jesus. Assim foi que planejaram matá-lo (cp. v. 29; 20:3, 19; 23:21; 25:3; 2 Coríntios 11:26), e, de acordo com 2 Coríntios, conseguiram recrutar o "que governava sob o rei Aretas" (NIV, governador) para que os ajudasse nessa tentativa. Parece que por essa época Damasco caíra sob o poder dos nabateus. Seu rei, Aretas IV, tinha estado em guerra contra seu genro, Herodes Antipas. Morrendo Tibério em 37 a.C, com a consequente retirada de Vitélio, governador romano da Síria, cujo auxílio havia sido prometido a Herodes, Aretas poderia ter avançado para o norte até Damasco. Esta suposição baseia-se em parte na referência feita por Paulo, e comprova-se pelo fato de não haver moedas imperiais de Damasco a partir dos últimos anos da década de 30 até 62 d.C. Em 62-63 d.C. começa a aparecer a imagem de Nero, o que nos sugere que a cidade passara de novo ao domínio romano. Enquanto isso, por instigação dos judeus, o governador colocou guardas às portas da cidade, mantendo vigilância contínua, dia e noite, para prender Paulo. Só nos resta imaginar as razões por que os nabateus se envolveram. É possível que a pregação de Paulo na Nabatéia houvesse suscitado tumultos nas comunidades judaicas. Ou talvez os nabateus julgassem que lhes seria vantajoso cooperar com os judeus. Quem sabe Aretas queria ter no Sinédrio um aliado? Seja como for, eles se envolveram, e a vida de Paulo passou a correr risco. Mas Paulo não se viu desamparado. Certa noite "seus discípulos" (de Jesus) o desceram através de uma abertura no muro, e Paulo pôde escapar (v. 30; cp. Josué 2:15; 1 Samuel 19:12). Parece que Paulo considerava esse incidente um ponto sombrio de sua carreira marcada pelo sofrimento (2 Coríntios 11:30ss.). 9:26 Quando, por fim, Paulo retornou a Jerusalém (de acordo com Gálatas 1:18, três anos depois de sua conversão), achou difícil ser aceito pela igreja. De modo particular ele desejava ver Pedro (Gálatas 1:18), mas nem Pedro nem ninguém queria vê-lo (cp. v. 13). Teriam ouvido a respeito de sua conversão, mas a partir de então talvez houvessem ouvido muito pouco, ou nada, a seu respeito. Não estavam muito seguros a respeito de Paulo. Na verdade, não acreditavam que fosse discípulo, e é natural que tivessem medo dele. Paulo não portava cartas de recomendação (cp. 18:27). 9:27 Finalmente foi Barnabé que, trazendo-o consigo, levou-o aos apóstolos. De que forma Paulo e Barnabé entraram em contato um com o outro, ou por que Barnabé agora se dispôs a ajudá-lo, nós não o sabemos. Nenhuma base existe para supormos, como alguns comenta-ristas fazem, que ambos foram colegas de estudo em Tarso. É possível que a explicação esteja simplesmente no tipo de pessoa que Barnabé era. Observe-se a explicação que ele apresenta da conversão de Paulo. Suas palavras explicitam algo que só estava implícito na narrativa anterior, isto é, que Paulo vira o Senhor [Jesus] (v. também o v. 17). Observe-se também a ênfase sobre como em Damasco pregara ousadamente em nome de Jesus, salientando, talvez, que ele havia sido cheio do Espírito Santo, da mesma forma que os demais discípulos. Este relato do encontro de Paulo com os apóstolos pode apresentar divergências com a própria narrativa de Paulo em Gálatas l:18s., mas as diferenças são mais aparentes do que reais, e explicam-se pelo fato de os objetivos dos dois escritores serem diferentes. Era importante para Lucas demonstrar que Paulo fora aceito pelos apóstolos, enquanto que para Paulo, em

Gálatas, era importante evidenciar sua independência deles. Portanto, Paulo esforça-se para salientar que dos Doze, ele só se encontrou com Pedro. Tiago, irmão do Senhor, também estava presente. Gálatas informa-nos que sua visita foi muito curta, de duas semanas no máximo. 9:28-30 Ganha a confiança de Pedro e de Tiago, Paulo passou a maior parte dessas duas semanas "entrando e saindo com eles" (assim diz o grego), o que talvez signifique que mantiveram várias reuniões em particular, nada tendo que ver com o ministério implícito em NIV. Paulo pregou em público, mas não ao ponto de tornar-se conhecido pessoalmente das "igrejas da Judéia" (Gálatas 1:22). As aparições públicas de Paulo limitaram-se a "disputas" com os (judeus) helenistas. Lucas emprega o mesmo termo para os debates dos "libertos" com Estevão (6:9), com a diferença que os papéis agora se invertem. Na passagem anterior, os homens da sinagoga é que disputavam com Estevão; aqui, é Paulo que disputa com eles. Mas seria a mesma sinagoga? É claro que não há modo de descobrirmos; porém, pelo menos é provável que Paulo os tenha selecionado pelo fato de terem participado da morte de Estevão. O caso é que Paulo falou com ousadia, a quem quer que ali estivesse, em nome do Senhor (v. 29); noutras palavras, a mensagem paulina centralizava-se no Jesus a quem Deus havia feito "Senhor e Cristo" (veja 2:36). O resultado foi que os helenistas atentaram contra a vida de Paulo. Quando os irmãos souberam disso, tomaram Paulo e acompanharam-no até Cesaréia, e o enviaram a Tarso (v. 30). Que os demais sejam chamados de irmãos sublinha a unidade da igreja de que Paulo agora era membro. A Cesaréia desta narrativa é a cidade portuária, o que explica a expressão "levaram-no para baixo" (para a praia; não explícito em ECA). O relato do próprio Paulo a respeito deste incidente, em 22:17-21, inclui uma visão que ele tivera no templo, na qual o Senhor lhe ordenou que fugisse de Jerusalém, pois ele o enviaria a outro lugar. A seguir, desce um véu sobre a vida de Paulo, que só reaparece no cenário dez anos depois (11:25ss.). A única coisa que sabemos é que durante esses anos ele pregou na "Síria e na Cilícia" (Gálatas 1:21). Também teriam sido anos de estudos (veja W. C. van Unnik, pp. 56ss., que sugere que seus estudos centralizaram-se na língua e na cultura gregas). 9:31 Lucas encerra esta seção (e, num sentido mais amplo, encerra toda a narrativa iniciada com a história de Estevão), com uma declaração breve a respeito do estado da igreja. Agora elas tinham paz. Isto estava diretamente relacionado com a conversão de Paulo, mas havia outros fatores não mencionados por Lucas. Agora o Sinédrio tinha de enfrentar questões bem mais sérias. Primeiro, havia ocorrido mudança de sumo sacerdote. Caifás havia sido deposto em 37 d.C, e em seu lugar Vitélio tinha instalado de início a Jônatas, e depois o próprio irmão deste, Teófilo (37-41 d.C). Segundo, havia ocorrido mudança de imperador naquele mesmo ano; Calígula era agora o sucessor de Tibério. O novo imperador era muito menos simpático aos judeus do que Tibério havia sido (veja B. Reicke, p. 193), fato que logo se tornou evidente. No verão de 38 d.C, Herodes Agripa I, a caminho do reino que lhe fora concedido por Calígula, promoveu uma parada em Alexandria que incitou tumultos entre os judeus e os gregos dessa cidade. Tais rebeliões de fundo racial espalharam-se por outras cidades. Os gregos de Jâmnia levantaram um altar ao imperador, mas os judeus o derrubaram. Calígula interveio, ordenando que sua imagem fosse introduzida no templo (39 d.C; veja Josefo, Antiguidades 18.261-268). Tal profanação só não ocorreu graças aos rogos de Herodes Agripa, mas enquanto Calígula reinou a ameaça ficou pairando sobre a cabeça dos judeus. Calígula foi assassinado em 41 d.C. Enquanto isso, as igrejas "cresciam" (as igrejas... eram... edificadas, v. 31). Este verbo em geral refere-se ao crescimento espiritual, mas pode incluir o desenvolvimento de uma estrutura

organizacional na igreja. Ao mesmo tempo, elas cresciam em número (se multiplicavam) por causa de dois fatores: o temor do Senhor [Jesus] e o fortalecimento pelo Espírito Santo. A palavra "edificadas" em ECA é, no grego, o substantivo paraklesis, que pode significar várias coisas: "invocação", "consolação", ou "exortação". É provável que aqui ela tenha este último significado, no sentido que a pregação da igreja (a exortação) tornava-se eficaz mediante o Espírito Santo. Deve-se notar que a palavra igreja está no singular (ECA preferiu o plural), embora se refira a várias igrejas, ou várias comunidades cristãs. Há apenas um "corpo" de Cristo, não importando quão longe estejam as igrejas locais, ou quão diferentes sejam. Aqui, pela primeira vez em Atos, temos uma referência à presença de cristãos na Galiléia. Eles não foram mencionados antes, em parte por causa do esquema de Lucas. Seja como for, "a Galiléia não exerceu um papel importante no desenvolvimento posterior do cristianismo primitivo" (Hengel, Acts, p. 76). Bibliografia D. J. Williams

A Conversão de Paulo As autoridades religiosas de Jerusalém outorgaram a Saulo cartas que lhe garantiam o direito de prender os cristãos. Todavia, no caminho de Damasco, Saulo teve um encontro memorável com Jesus. Este encontro mudou radicalmente sua vida. Diante do Rei dos reis, Saulo, o perseguidor de cristão, se prostra. Um dia, todos terão que se curvar diante de Jesus. As convicções religiosas de Saulo também são lançadas ao chão naquele momento. Embora cego, Saulo sai daquele encontro transformado e "enxergando" a realidade! Esse novo homem ficou três dias sem comer ou beber nada, certamente pensando em tudo que lhe aconteceu. Mais tarde Paulo aprendeu o que é padecer pelo Senhor. Por intermédio desse "vaso escolhido" a igreja tornou-se basicamente gentia. Paulo é considerado, depois de Jesus, o personagem mais importante da história da Igreja Cristã (At 24.5). Ele escreveu quase a metade dos livros do Novo Testamento e foi responsável direto pela evangelização dos gentios. Dezessete dos vinte e oito capítulos de Atos dos Apóstolos são dedicados à conversão e ao ministério do apóstolo dos gentios (At 9; 1 3 - 28). Sabemos mais a respeito de Paulo do que dos demais apóstolos. Aprendamos, pois, com a vida e a obra de Paulo! I. SAULO DE TARSO Na comunidade judaica, Paulo era conhecido por um nome bem hebreu: Saulo (At 9.1,4,11). Ele provinha de uma família benjamita que, apesar de viver na Diáspora, era mui fiel à tradição (Fp 3.5). Tendo em vista sua formação cultural e religiosa, mostrou-se mais do que hábil para atuar como o apóstolo dos gentios. 1. A formação cultural de Paulo. Instruído aos pés de Gamaliel (At 22.3), Saulo pertencia ao partido religioso mais conceituado do Judaísmo - os fariseus (At 26.5; Fp 3.5). Ele conhecia profunda e intimamente o Antigo Testamento (Rm 1.17; 3.4,5,10-18; 9.6-33), as tradições de seu povo (At 26.24; 28.17,18; Gl 1.13-14) e a língua hebraica (At 22.1,2). Era tão bem versado no meio religioso de Israel que, dos principais sacerdotes, recebera autorização para perseguir os discípulos de Cristo (At 26.10).

As evidências indicam que Paulo cursou a universidade de Tarso. Haja vista o seu domínio do idioma grego e dos autores clássicos, dos quais cita pelo menos dois: Aratos e Epimênides (At 17.28; Tt 1.12). Cidadão romano, falava também mui provavelmente o latim. 2. Paulo, cidadão romano. Natural de Tarso, na Cilícia (At 9.11; 21.39; Gl 1.21), Paulo tornara-se, por nascimento, cidadão de Roma, pois a cidade era província romana (At 22.25-29). Naquele tempo, a nacionalidade romana era adquirida de três maneiras: por direito de nascença, por concessão imperial e por aquisição pecuniária (At 22.28; 23.27; 24.7,22). Embora conhecesse muito bem os seus direitos como romano (At 22.25-29; 25.10-12,21,27), era-lhe a cidadania celeste (Ef 2.19; Fp 3.20) mais importante do que os privilégios concedidos pelos homens. Esta é a razão pela qual renunciou a todas as regalias terrenas para assumir a cruz de Cristo (Fp 3.7-9). Como tem agido você como cidadão do céu? II. A CONVERSÃO DE PAULO A conversão de Paulo está narrada em três capítulos de Atos dos Apóstolos (9.3-18; 22.6-21 e 26.12-18). Vejamos os relatos segundo o desenvolvimento cronológico dos fatos. 1. O Encontro com Jesus. Saulo solicita autorização aos principais sacerdotes, a fim de perseguir os discípulos de Cristo que se achavam em Damasco (At 9.1-2; 22.5; 26.10-11). Já próximo da cidade, ele e seus companheiros são envolvidos subitamente por uma luz do céu, muito mais forte que o sol (At 9.3; 22.6; 26.1 3). E todos caem por terra (At 9.4; 22.7; 26.14). Em língua hebraica, Jesus deu-se lhe a conhecer (At 26.14,1 5). Os que o acompanhavam não viram a ninguém. Aturdidos, ouviram, sim, a voz, mas não entenderam a mensagem (At 9.7; 22.9; cf. Jo 12.28-30). Paulo, então, é confrontado por Jesus Cristo (At 9.5; 22.7; 26.14,15) e por este é comissionado a levar o evangelho tanto aos filhos de Israel como aos gentios (At 26.16-18). Em seguida, o Senhor orienta-o a seguir viagem até Damasco, onde receberia novas instruções (At 9.6; 22.10). Erguendo-se, Saulo nada enxerga. Conduzido por seus auxiliares até Damasco, na cidade permanece durante três dias sem nada ver, sem nada comer e sem nada beber (At 9.8,9; 22.11). 2. Ananias visita a Paulo. Enquanto isso, o Senhor em visão aparece a Ananias, homem piedoso e justo que morava em Damasco, e ordena-lhe que vá à casa de Judas, que ficava na rua Direita, e pergunte "por um homem de Tarso chamado Saulo". Naquele instante, este orava e via numa visão a Ananias que, entrando em seus aposentos, impunha-lhe as mãos para que voltasse a enxergar (At 9.10-12; 22.12). Ananias, então, retruca. Sabe ele qual o propósito de Paulo na cidade (At 9.13-14). O Senhor, porém, afiança-lhe que o perseguidor será doravante um vaso escolhido para tornar o evangelho conhecido em todo o mundo (At 9.15-16; 26.16-18). Imediatamente Ananias vai ao encontro de Saulo e, impondo-lhe as mãos, confirma a comissão que ele recebera do Se-nhor, recobra-lhe a visão e batiza-o (At 9.17-18; 22.13-16). 3. Saulo, de perseguidor a perseguido. Já refeito, Saulo busca congregar-se com os irmãos em Damasco (At 9.19). Apesar dos temores iniciais, os discípulos acabam por estender-lhe a destra de comunhão. Em ato contínuo, põe-se ele a testemunhar de Cristo a todos nas

sinagogas da cidade (At 9.20). Os judeus perturbam-se com a sua conversão (At 9.21-22). E intentam tirar-lhe a vida (At 9.23). Tal plano chega ao conhecimento de Saulo (At 9.23-24). Para o livrarem da cilada, os irmãos descem-no de noite num cesto pelo muro (At 9.25). E ele segue em direção a Jerusalém (At 9.26; 22.17). III. PROPÓSITOS DA VOCAÇÃO DE PAULO Os objetivos de Cristo ao confrontar Saulo na estrada de Damasco são desenvolvidos nas três narrativas de sua conversão de Atos dos Apóstolos (9.3-18; 22.6-21; 26.12-18). 1. Conhecer a vontade de Deus. Saulo teria de conhecer realmente a vontade de Deus concernente a Israel, a Igreja e ao mundo (At 22.14,15). Mais tarde, em sua Epístola aos Efésios, revela a sua compreensão concernente à Igreja de Deus, formada não por uma nação, mas constituída igualmente por judeus e gentios. Tudo isso revelou-lhe o próprio Senhor. Tem você procurado saber a vontade divina para a sua vida? 2. Tornar-se ministro e testemunha de Jesus. Consciente de sua vocação, põe-se Paulo a testemunhar de Cristo não somente diante dos gentios, mas também perante Israel. Faz ele apologia do evangelho ante os reis e filósofos. É um verdadeiro campeão de Deus (At 9.15; 22.15,21; 26.16-18). Como está o seu testemunho cristão? Acha-se preparado para defender a sua fé? 3. Sofrer a favor de Cristo e do evangelho. Em virtude de sua audácia, muito sofre por amor a Cristo (Cl 6.17). O que dantes perseguira a Igreja de Cristo, vê-se de repente perseguido por causa deste mesmo nome. No capítulo 11 de sua Segunda Epístola aos Coríntios, discorre ele acerca das muitas perseguições por ele sofridas, quer por parte de seus patrícios, quer por parte dos gentios. Mesmo perseguido, o evangelho foi poderosamente anunciado através de suas cadeias e sofrimentos. CONCLUSÂO A conversão e vocação de Paulo ensinam-nos que Deus chama e capacita a quem ele quer para ministérios específicos. Ele transforma o mais terrível dos homens num "vaso escolhido", a fim de que proclame o seu Evangelho até aos confins da terra. Você foi chamado para anunciar a mensagem da cruz? Obedeça, já. É o tempo de segar. Bibliografia C. Andrade

PAULO (APÓSTOLO) A Importância de Paulo Esboço:

I. Vida

1. Fontes de Informação 2. Passado 3. Primeira Viagem Missionária 4. O Concilio Apostólico 5. Segunda Viagem Missionária 6. Terceira Viagem Missionária 7. Aprisionamento e Encarceramento em Roma 8. Paulo, de Novo Livre, Vai à Espanha 9. Segundo Encarceramento e Morte 10. Cronologia da Vida de Paulo

II. Significação de Paulo 1. As Escolas Críticas e Paulo 2. As Epístolas Paulinas 3. O Servo de Cristo 4. O Apóstolo dos Gentios 5. A Doutrina de Paulo 6. Paulo e Jesus 7. Como Paulo Comprovou seu Apostolado I. Vida 1. Fontes de Informação Sabe-se muito mais acerca de Paulo do que acerca de qualquer outro personagem apostólico. Nosso conhecimento sobre esse apóstolo e a sua carreira é praticamente tudo quanto se sabe acerca do desenvolvimento do cristianismo, durante aqueles dias. Fora de suas próprias epístolas e do livro de Atos dos Apóstolos, no N.T., temos apenas uma referência adicional a ele, a saber, em II Pe 3:15, onde se lê: «...o nosso amado irmão Paulo...» A fonte primária de informação, portanto, é o livro de Atos; a fonte secundária de informação são as suas epístolas e as alusões incidentais que ele faz a si mesmo e às suas viagens. Entretanto, alguns têm ensinado que apesar de fornecerem menos informações sobre ele, as epístolas são mais valiosas para o estabelecimento da cronologia — pelo menos uma cronologia que é mais extensa e que inclui os últimos poucos anos de sua vida, acerca dos quais o livro de Atos nada nos diz. Isso incluiria o seu período de liberdade entre os dois encarceramentos a que foi sujeito em Roma, e seu martírio final. Fora do N.T. há algum material informativo, mas normalmente esse não é reputado como digno de muita confiança. Por exemplo, temos o livro apócrifo «Atos de Paulo», que só foi escrito na segunda metade do século II D.C. Essa obra contém alguns incidentes e viagens de Paulo que não se encontram nas páginas do N.T., mas parecem ser quase totalmente lendários. A arqueologia em nada tem podido contribuir para comprovar esse material e atualmente não há modo como afirmarmos a validade de qualquer informação adicional, sobre a vida de Paulo, contida nesse livro apócrifo. Há muitas declarações sobre Paulo nos escritos dos pais da igreja, mas quase todos esses se derivam, de algum modo, do livro de Atos ou das epístolas de Paulo, e outra parte se deve, provavelmente, ao material legendário que foi se avolumando em torno da pessoa de Paulo. A comunidade cristã, em sua maior parte, compunha-se de pessoas vindas das classes humildes, pelo que também os historia-dores antigos ignoraram-na quase completamente; e é por esse motivo que temos tão escassa informação acerca do desenvolvimento inicial do cristianismo, nos escritos desses

autores seculares. A arqueologia nos fornece alguma informação sobre os muitos lugares que foram visitados por Paulo, bem como acerca de sua cidade natal, Tarso; porém, excetuando-se as influências culturais que tais localidades devem ter exercido sobre Paulo, não se pode extrair, dessas informações, qualquer elemento adicional sobre a pessoa do próprio Paulo. Por conseguinte, resta-nos analisar o livro de Atos dos Apóstolos e as epístolas paulinas; e toda outra informação deve ser aceita apenas experimentalmente. 2. Passado Neste ponto, estamos mais limitados do que acerca dos anos posteriores de Paulo. Do nascimento de Paulo até o seu aparecimento em Jerusalém, como perseguidor dos crentes, temos apenas informações muito esparsas. Sabemos que ele nasceu em Tarso, «cidade não insignificante» (ver At 21:39), descrição essa que tem sido confirmada pelas escavações arqueológicas de Sir William Ramsay. Naquele tempo Tarso (na Cilícia) foi incorporada à província da Síria. Tarso, por essa época, já tinha história antiga, e fora cidade importante por muitos séculos antes da era cristã. Tarso chegou a ser a cidade mais importante da Cilícia. Essa cidade se tornou uma região de síntese entre o Oriente e o Ocidente, entre a cultura grega, a cultura oriental e, finalmente, a cultura romana. Também se sabe que era um centro cultural, e que ali era muito forte a variedade do estoicismo romano. Paulo nasceu como cidadão romano, provavelmente porque o seu pai também já era cidadão romano. Ao nascer, o menino recebeu o nome de Saulo, provavelmente devido ao rei Saul, mas é provável que também fosse chamado Paulo como cognome latino. Paulo significa pequeno e isso pode ter-se dado devido ao fato de que seus pais o chamavam de «pequerrucho»; mas também é possível que ele tenha recebido o nome de Paulo, simplesmente por ter som semelhante ao nome de «Saulo». Também é possível que o apóstolo tivesse um nome romano; mas, nesse caso, não deve tê-lo usado com frequência, porquanto não temos nenhuma informação sobre qual seria esse nome. A alteração posterior de seu nome, de Saulo para Paulo, mui provavelmente foi apenas a adoção de seu apelido como nome próprio. Não se sabe qual o ano de seu nascimento; porém, quando do apedrejamento de Estêvão (que ocorreu em cerca de 32 D.C), lemos que Saulo era um jovem. É razoável supor, por conseguinte, que ele tenha nascido na primeira década do século I D.C., sendo, assim, um contemporâneo mais jovem de Jesus, embora não haja qualquer evidência de que ele tenha visto alguma vez ao Senhor. E não é mesmo provável que o tenha visto, pois Paulo jamais se refere ao fato. As passagens de I Co 2:3 e II Co 10:10 indicam que a aparência física de Paulo não era impressionante, e a descrição que há sobre ele, no livro apócrifo Atos de Paulo e Tecla, concorda com esse ponto de vista: «E ele viu Paulo que se aproximava, um homem de baixa estatura, quase calvo, pernas tortas, de corpo volumoso, sobrancelhas unidas, um nariz um tanto adunco, cheio de graça: pois algumas vezes parecia um homem, e outras vezes tinha a fisionomia de um anjo». Os genitores de Paulo eram judeus muito religiosos, pertencentes à seita dos fariseus, ou, pelo menos, fortemente influenciados por esse grupo; e pertenciam à tribo de Benjamim. Nada se sabe acerca da ocupação do pai de Paulo, e nem mesmo sabemos —qual era o seu nome. Jerônimo cita uma tradição que assevera que a família de Paulo viera originalmente da Galiléia, e que dali migrara para Tarso. Se essa tradição expressa a verdade, então o fato de que eram cidadãos romanos mostra que essa imigração tivera lugar em tempo considerável antes do nascimento de Paulo. De conformidade com o livro de Atos, Paulo tinha uma irmã que vivia em Jerusalém (ver At 23:16), mas não há menção de qualquer

irmão. O próprio Paulo aprendera uma profissão, provavelmente em Tarso, a de fabricante de tendas (ver At 18:3), posto que era costume entre os judeus ensinar aos filhos alguma profissão. Não é improvável, pois, que o seu pai também tivesse sido fabricante de tendas, o qual teria ensinado essa arte ao seu filho. Paulo foi instruído no judaísmo estrito, e os seus principais interesses se centralizaram nas questões religiosas, éticas e metafísicas. Alguns acreditam que ele era bem instruído na cultura, na estética e na filosofia grega e romana (à base de textos como At 17). Mas outros, alicerçando-se em At 22:3 e 26:4, procuram mostrar que a permanência de Paulo em Tarso, quando menino, deve ter sido muito breve, porquanto ele mesmo diz que se criara em Jerusalém. Quanto a esses detalhes não podemos ter certeza, mas o exame detido das epístolas de Paulo mostra que ele deve ter estudado a filosofia estóica (por causa da grande similaridade aos escritos de Sêneca, o estóico romano); e o seu grego é uma excelente variedade do grego helenista, não dando evidências de ter sido uma linguagem «adquirida». Em Jerusalém, Paulo estudou sob orientação do grande Rabban Gamaliel, o Velho, que era altamente respeitado como mestre. As Palavras de Paulo, em Gl 1:14, mostram-nos que ele era indivíduo intensamente religioso desde a juventude, tendo-se destacado nessas questões acima dos outros jovens de sua idade. Frequentava regularmente a sinagoga, e é muito provável que geralmente tomasse parte na adoração. Mais tarde seguiu sua tradição farisaica, tornando-se membro dessa seita. Sendo indivíduo religioso tão intenso, tinha alta consideração pelas Escrituras, e a sua conversão não alterou a sua atitude, embora talvez ele tenha compreendido que algumas passagens eram alegóricas e outras literais, conforme se vê em I Co 10:1-11 e Gl 4:22-31. Apesar dele reconhecer esse fato, as suas epístolas demonstram a influência de outros treinamentos. Os filósofos estóicos e cínicos de Tarso eram, geralmente, evangélicos em suas abordagens, porquanto, — pregavam nas esquinas das ruas, nos mercados e em outros lugares públicos. Por essa causa, Paulo deve tê-los conhecido; e mui provavelmente também estudou em suas escolas. Sabemos mais acerca do apóstolo Paulo do que sobre qualquer outra das personagens apostólicas. No N.T., as nossas fontes informativas a seu respeito são o livro de Atos e as suas próprias epístolas. Fora disso só há mais uma alusão a ele, em II Pe 3:15, onde ele é chamado de nosso amado irmão. A arqueologia nos fornece muitas informações quanto aos locais visitados por Paulo, embora não sobre a sua pessoa. Nossos conhecimentos sobre os primeiros anos de sua vida são escassos. Desde o seu nascimento até o seu aparecimento, em Jerusalém, como perseguidor dos cristãos, possuímos informações meramente esparsas, parte das quais não passa de conjectura. Sabemos, contudo, que ele nasceu em Tarso, «...cidade não insignificante da Cilícia...» (At 21:39), descrição essa que as escavações arqueológicas de Sir William Ramsay confirmaram amplamente. Tarso da Cilícia foi incorporada à província da Síria e tivera história importante durante um período de muitos séculos. Era a principal cidade da Cilícia e como que sua região sintetizava o Oriente e o Ocidente, isto é, as culturas grega e oriental, incluindo, por igual modo, por fim, a cultura romana que representava o verdadeiro helenismo. Era centro da filosofia estóica da variedade romana, onde os filósofos pregavam as suas doutrinas nos mercados e nas praças públicas, mais ou menos como os missionários de Cristo têm feito tradicionalmente. As epístolas de Paulo, em suas ilustrações e em algumas de suas ideias básicas, por isso mesmo, refletem o que há de melhor no estoicismo. É ponto muito bem conhecido e amplamente discutido que Paulo deixa transparecer muito da mesma erudição refletida por Sêneca, o importante filósofo estóico romano, que foi igualmente martirizado por Nero, à semelhança de Paulo.

O Treinamento de Saulo, quanto à sabedoria profana, mui provavelmente incluiu a educação filosófica normal, a retórica e a matemática, sem falarmos em seus estudos sobre a religião judaica (ver At 22:3; 26:4 e diversas referências, em suas epístolas, a questões como coroas, jogos atléticos, lutas, etc, o que também servia de principais ilustrações entre os filósofos estóicos para ilustrar os princípios éticos). O fato é que o grego utilizado por Paulo, em suas epístolas, é uma excelente variedade do grego literário «koiné», o que nos mostra quão bem alicerçada fora a sua educação na linguagem, além de ficar demonstrado o fato de que ele falava o grego como seu idioma nativo, provavelmente do mesmo modo que o hebraico (isto é, o aramaico). Não se há de duvidar que esse apóstolo também conhecia o latim, e, antes do fim de suas viagens missionárias, já teria aprendido mais um idioma ou dois. O Testemunho Pessoal de Paulo, em Gl 1:14, mostra que ele era indivíduo intensamente religioso, desde a juventude. Costumava frequentar regularmente as sinagogas judaicas, antes de sua conversão e quando já atingira idade suficiente, tornou-se seguidor fiel do farisaísmo. Esse versículo também indica que, mui provavelmente, ele era o jovem que mais se destacava em Jerusalém, sendo grande a sua fama como homem de grande zelo religioso. Sabemos também que ele estudou com o famosíssimo rabino fariseu, Gamaliel (ver At 5:34 e 22:3). A erudição maior de Paulo fora adquirida em Jerusalém, naquela escola de fariseus, o que também contribui com algo para explicar o caráter geral de sua vida e de suas crenças, alicerçadas firmemente no judaísmo tradicional. Conversão de Saulo. Intensa discussão se tem centralizado em redor das razões psicológicas por detrás de sua conversão a Cristo. Saulo se tornara um intenso perseguidor de cristãos, tendo chegado ao assassínio, não poupando nem as mulheres. — E, no entanto, repentinamente, tornou-se igualmente zeloso defensor e propagador do evangelho de Cristo. Que ocorrência teria sido suficientemente drástica e decisiva para produzir tão notável modificação em suas atitudes? As respostas dadas por certos indivíduos são repugnantes para a fé e a sensibilidade cristãs. Porquanto alguns querem fazer-nos crer que Paulo era um esquizofrênico, ou que de outra maneira sofrerá um desequilíbrio mental qualquer, e que teriam sido essas aberrações mentais que criaram as condições necessárias para suas experiências místicas. No entanto, não nos devemos admirar ante essa opinião adversa sobre Paulo, porque até mesmo pessoas moderadamente dotadas de dons psíquicos são consideradas um tanto estranhas. Quanto mais poderosos são esses dons e quanto mais elas reivindicam possuir experiências místicas, mais são consideradas fracas da cabeça. Todavia, a verdade é que tais pessoas geralmente não são subnormais, e sim, supranormais. Por isso mesmo é que santos e homens piedosos, bem como os operadores de milagres, geralmente servem de escândalo para o mundo. Isso continuará nesse pé, até que o mundo seja suficientemente espiritualizado para compreender (se é que isso algum dia se tornará realidade) que assim deve ser a «normalidade» para a humanidade, embora, normalmente, os homens não passem de feras um pouco mais inteligentes do que os animais irracionais. Outros críticos supõem que o senso de culpa, reprimido durante anos, em face de suas perseguições e assassínios contra os cristãos, teria subitamente explodido em experiências pseudomísticas, o que resultou em vir a ser ele justamente o contrário do que vinha sendo, ou seja, a sua conversão. Assim sendo, ainda segundo esse ponto de vista, a experiência de Saulo poderia ter sido meramente «psicológica», e não verdadeiramente mística. Ora, nesse caso, Lucas, o autor do livro de Atos, teria exagerado em suas narrativas, adornando com um colorido mais vivo a realidade da vida de Paulo.

É perfeitamente possível, entretanto, que o próprio Paulo soubesse muito bem que aquilo que lhe ocorrera era uma experiência mística da mais elevada ordem, ou seja, um encontro pessoal com o próprio Senhor Jesus. Nada existe no campo do bom senso ou da experiência religiosa sã que contradiga tal coisa. De fato, a maioria das doutrinas e das práticas religiosas, originalmente, se alicerçam em alguma forma de experiência mística. Os modernos estudos da parapsicologia tendem a confirmar a realidade das experiências místicas válidas, embora algumas dessas experiências, como é normal, não passem de ilusões psicológicas. O fato de que a personalidade de Paulo foi transformada tão radical e permanentemente é um ponto positivo em favor da validade de sua experiência e em prol da realidade de sua origem, porquanto o Senhor Jesus está vivo, e não se há de duvidar que teve contatos pessoais, após a sua morte, ressurreição e ascensão aos céus, com Paulo, desde o momento de sua conversão, na estrada de Damasco. A história da conversão de Saulo de Tarso é narrada em três lugares do livro de Atos (ver At 9:3-19; 22:6-21 e 26:12-18), havendo algumas variações quanto às minúcias, o que nenhuma pessoa sensata pode negar, ante a simples leitura dessas passagens. É possível que o próprio Paulo, ao narrar a história, inconscientemente tenha variado um tanto o seu conteúdo. No entanto, muitos eruditos, até mesmo da escola liberal, concordam que há uma harmonia essencial entre essas várias narrativas bíblicas, além de certas coincidências verbais que confirmam o fato de que há uma fonte informativa única para todas elas. Dessa maneira, essas narrativas são interdependentes entre si, e não narrativas independentes umas das outras. As histórias narradas por Lucas, mui provavelmente, — se basearam em narrativas pessoais, apresentadas pelo próprio Paulo. A história nos mostra que Lucas foi quase constante companheiro de viagens daquele apóstolo, em suas jornadas missionárias. Os sentimentos de temor, a luz brilhante, a purificação psicológica, a sua renovação, a sua conversão, são todos sinais de uma experiência mística genuína; e são exatamente esses os elementos que reaparecem em todas as narrativas sobre o evento da conversão de Saulo. Em sua vida posterior, Paulo recebeu outras grandes e importantes visões, e a sua doutrina repousa essencialmente sobre essas diversas revelações. Por que pensarmos ser estranho que Deus se revele a, alguém? De fato, o cristianismo, como revelação distintiva de Deus, se alicerça em tais revelações, sobretudo sobre as revelações outorgadas ao apóstolo Paulo, porquanto nelas é que encontramos as grandes distinções que separam o cristianismo do judaísmo. A condição original para alguém entrar no apostolado, entre outras, era que o candidato tivesse visto ao Senhor (ver At 1:21). Ora, essa exigência teve cumprimento na experiência de Saulo. Quando já apóstolo, refere-se Paulo por quatro vezes, em suas epístolas, à sua experiência de conversão; essas passagens mostram que ele estava convicto da realidade objetiva da mesma, considerando-a como equivalente a «ver» a Cristo, o que o qualificava ao ofício apostólico (ver Gl 1:15,16; I Co 9:1; 15:8 e II Co 4:6). Paulo não estabeleceu distinção alguma entre essa forma de ver e aquelas que os demais apóstolos experimentaram, antes da ascensão de Cristo, porquanto todas essas aparições foram do «Senhor ressurrecto». As duas grandes pedras fundamentais, que servem de características distintivas do cristianismo, são a ressurreição do Senhor Jesus e a conversão de Saulo, bem como as proposições que se seguem, coerentemente, desses dois fatos históricos. Naturalmente, essa não foi a única experiência mística de Paulo, pois ele também menciona algumas outras (tal como a visita ao terceiro céu, em II Co 12). Parece que ele recebeu nada menos que sete grandes visões e a sua doutrina repousa sobre a informação transmitida por meio delas. O cristianismo repousa sobre o aparecimento do Cristo ressurrecto aos vários

apóstolos e sobre a mensagem que ele lhes trouxe quando voltou dentre os mortos. Se esse fundamento for removido, restar-nos-á um judaísmo reformado (que também repousa em experiências místicas, como as de Moisés). Removendo-se essas formas de experiência, quando muito, nos restará uma forma de filosofia religiosa, e não a religião revelada que certamente o cristianismo é. Mas, por que se pensaria ser impossível que Deus se revelasse aos homens? E por que se pensaria ser impossível, neste mundo admirável, que Jesus, o Cristo, um personagem metafísico altamente exaltado não pudesse revelar-se aos homens? A conversão de Paulo talvez tenha ocorrido por volta de 35 D.C. Após sua conversão, Paulo passou alguns poucos dias com os discípulos de Damasco. Pregou ali, por algumas vezes, ensinando, particularmente, que Jesus era o Messias. Depois disso, retirou-se para a Arábia, possivelmente para a região de Haurã, uma bacia fértil, que fica cerca de oitenta quilômetros ao sul da cidade de Damasco, diretamente a leste do extremo sul do mar da Galiléia. Outros creem que a área aludida era o país dos nabateus e a península do Sinai. Aquele era mais acessível para quem partisse de Damasco, mas este último lugar revestia-se de grande significação religiosa, por causa de sua conexão com a transmissão da lei, sendo possível que Paulo tivesse preferido essa atmosfera. Passou algum tempo em seu retiro, e dali, como é provável, esteve por diversas vezes em Damasco e voltou. A sua mensagem era essencialmente a mesma — desde o princípio — mas por essa altura, Paulo «...mais e mais se fortalecia e confundia os judeus que moravam em Damasco, demonstrando que Jesus é o Cristo» (At 9:22). Pouco depois disso, Paulo visitou Jerusalém pela primeira vez, após a sua conversão, tendo ficado com Pedro por quinze dias, para consulta e consolo mútuo (ver Gl 1:18). Dali partiu para as regiões da Síria e da Cilícia (ver Gl 1:21). É provável que teria visitado sua cidade natal — Tarso, tendo permanecido naquela região por algum tempo, embora não tenhamos qualquer informação acerca disso. Enquanto Paulo pregava em Tarso, Barnabé e outros líderes cristãos se encontravam em Antioquia, onde se ia desenvolvendo uma poderosa comunidade cristã. A passagem de At 11:25 nos diz que Barnabé foi a Tarso, à procura de Paulo, sem dúvida para obter a sua ajuda na igreja em Antioquia, que precisava de uma liderança maior e mais forte. Isso foi um movimento provocado pela providência divina, pois armou o palco para a longa carreira de Paulo como apóstolo-missionário. 3. Primeira Viagem Missionária Em cerca de 46 D.C., Paulo e Barnabé foram comissionados pela igreja em Antioquia a se atirarem numa excursão evangelística. Essa viagem fê-los atravessar a ilha de Chipre (onde Barnabé nascera), tendo passado pelo «sul da Galácia» (ver At 13 e 14). Na companhia de Paulo e Barnabé ia também João Marcos, autor do chamado evangelho de Marcos. Este era primo de Barnabé. Ao chegarem a Perge, capital da Panfília, por razões para nós desconhecidas, Marcos preferiu interromper a expedição e regressou a Jerusalém, sua terra. Talvez Marcos não estivesse disposto a dar prosseguimento a uma viagem tão difícil. — Paulo ressentiu a sua partida, julgando-a como ato de deserção, e mais tarde não consentiu que ele o acompanhasse em outra excursão missionária (ver At 15:38). Isso tornou-se motivo de acirrado debate entre Paulo e Barnabé, pois também eram humanos e também estavam sujeitos a errar. De Perge viajaram a Pisídia, um distrito em uma ilha, onde realmente teve começo a evangelização da Ásia Menor. Em Antioquia da Pisídia, em um dia de sábado, os dois missionários expuseram a sua importante mensagem messiânica, e foram bem acolhidos. No sábado seguinte, entretanto, já fora criada uma amarga oposição por parte de alguns judeus radicais. E os missionários cristãos foram obrigados a abandonar a cidade.

Dali partiram para Icônio, importante cidade Comercial da Licaônia. Seguindo seu costume original, pregaram na sinagoga dos judeus, e obviamente tiveram êxito, pois ficaram ali por tempo considerável. Mas eis que os radicais novamente provocaram um levante, que forçou Paulo e Barnabé a fugirem, finalmente. Dali foram para Listra e Derbe, nenhuma das quais era considerada cidade de grande importância. Essas cidades ficavam localizadas na parte oriental da Licaônia. As superstições locais levaram as multidões a identificarem os missionários com Zeus (Barnabé) e com Hermes (Paulo). Um culto improvisado na hora, por alguns sacerdotes locais, em honra aos dois «deuses», teve de ser interrompido pelos missionários, porque sabiam que tal título não era merecido. Mas não demorou que os judeus radicais atacassem novamente, e em Listra (At 14) Paulo foi apedrejado. Alguns intérpretes acreditam que foi nessa ocasião que Paulo teve a sua visão do terceiro céu (II Co 12), e que ele realmente esteve morto, mas reviveu. É possível que sua alma tenha sido momentaneamente liberta de seu corpo dormente e à beira da morte, o que algumas vezes ocorre, conforme também se tem aprendido em estudos parapsicológicos. O certo é que os enviados, tendo partido de Listra, foram pregar em Derbe. Começaram a voltar desse ponto, a fim de confirmarem na fé os novos convertidos, e assim passaram sucessivamente por Listra, Icônio e Antioquia da Pisídia. Oficiais foram eleitos para as congregações. — Dali, eles partiram para Perge, e, finalmente, para Atalia, — importante porto marítimo da Panfília. Ali chegando, embarcaram em um navio a fim de irem para Antioquia da Síria, de onde tinham partido dois anos antes. Essa primeira viagem os levara às áreas de Chipre, Panfília, Pisídia e Licaônia e nesses lugares novas igrejas cristãs foram estabelecidas. 4. O Concilio Apostólico O grande influxo de gentios na Igreja cristã que se ia formando, criava grandes problemas entre os elementos judaicos, especialmente no tocante às experiências da lei mosaica, e particularmente no que dizia respeito à lei cerimonial e à questão da circuncisão. A fim de dar solução a esses problemas e com o fito de fornecer uma resposta universal e autoritária às mesmas, Paulo e Barnabé subiram a Jerusalém, a fim de conferenciarem ali com os apóstolos (ver At 15). Corria o ano de 49 D.C., calculadamente. O concilio determinou que os gentios não eram obrigados a cumprir as exigências da lei, e que não deveria haver maior «carga» do que se absterem de alimentos oferecidos a ídolos, do sangue, da carne de animais sufocados e da falta de castidade, isto é, de todas as formas de pecados sexuais. As restrições visavam uma aplicação essencialmente local, e não como padrão universal para todos os gentios, embora talvez tenham servido de precedentes para a solução de problemas que surgissem posteriormente. Tudo foi feito (isto é, as decisões de proibir certas coisas, esboçadas na lei cerimonial) a fim de ajudar os membros judeus e gentios da igreja a se darem bem uns com os outros com mais facilidade. 5. Segunda Viagem Missionária Paulo, então já dono de maior experiência em viagens missionárias, ansiava por partir novamente. Mas, devido às divergências com Barnabé, por causa de João Marcos, dessa vez Paulo preferiu levar a Silas (ver At 15:40 — 18:22). Partindo de Antioquia, seguiram por terra para as igrejas do «sul da Galácia», e em Listra o grupo foi engrossado com a adesão do jovem Timóteo. Ali chegando, o Espírito Santo desviou-os da direção ocidental, e passaram a viajar na direção norte, atravessando o norte da Galácia. Em Trôade, uma visão indicou que a Macedônia (no continente europeu) era um dos alvos dessa viagem. Assim sendo, começou a evangelização da Grécia. Foram visitadas as cidades de Filipos, Tessalônica e Beréia. Na

Acaia (sul da Grécia), foram visitadas as cidades de Atenas e Corinto. Paulo demorou-se em Corinto por quase dois anos. Em Trôade, Lucas se reunira ao grupo missionário, e parece certo que nesse tempo começou ele a escrever a sua importantíssima narrativa da igreja primitiva, chamada de Atos dos Apóstolos, obra da qual se obtém quase todo o conhecimento de que dispomos acerca de Paulo e suas viagens, bem como do desenvolvimento da igreja primitiva em geral. Durante as suas viagens, Paulo se mantinha em contato com as congregações cristãs anteriormente organizadas por meio de epístolas, certo número das quais têm chegado até nós, tendo-se tornado parte de nosso N.T. As epístolas de I e II Tessalonicenses devem ter sido escritas nesse tempo. De Corinto, Paulo partiu para Éfeso, onde ficou durante pouco tempo. Dali, em viagem apressada, passou por Jerusalém e chegou a Antioquia da Síria. Dessa maneira se encerrou a sua segunda viagem missionária. Essa segunda viagem missionária evidentemente ocupou de ano e meio a dois anos, e provavelmente terminou em cerca de 51 D.C. Depois disso Paulo passou mais algum tempo (quanto, exatamente, não sabemos), em Antioquia da Síria. 6. Terceira Viagem Missionária Foi a época do ministério em volta do mar Egeu (ver At 18:23 — 20:38). Sob diversos aspectos, esse foi o período mais importante da vida de Paulo. A província da Ásia foi evangelizada, e postos avançados do cristianismo foram lançados na Grécia. Durante esses anos, Paulo escreveu I e II Coríntios, Romanos, e talvez (ainda que não todas) algumas das chamadas epístolas da prisão — I e II Timóteo e Tito. De Antioquia, Paulo partiu para Éfeso. Ali passou cerca de três anos, tendo estabelecido um dos centros mais importantes do cristianismo, a despeito da feroz oposição, movida tanto pelos judeus como pelos aderentes da adoração à deusa Ártemisa (Diana). Desse ponto, provavelmente, Paulo visitou diversas outras áreas ao redor, mas seu trabalho principal se concentrou em Éfeso. Também tornou a visitar as congregações cristãs ao redor do mar Egeu, que haviam sido anteriormente fundadas. Atravessando Trôade, Paulo chegou à Macedônia, onde escreveu a epístola chamada II Coríntios, e dali partiu para Corinto. Nessa cidade ele passou o inverno e escreveu a epístola aos Romanos, antes de continuar viagem até Mileto, um porto próximo de Éfeso. Por essa altura, Paulo desejou subir a Jerusalém, a fim de levar auxílios aos crentes pobres dali (empobrecidos pela perseguição e pela fome), enviados pelos crentes gentílicos. A princípio ele queria ir à Síria por via marítima, mas, devido a uma armadilha que lhe fizeram para tirar-lhe a vida, preferiu viajar por terra, tendo atravessado a Macedônia. Dali, ele e seus companheiros de viagem tomaram um navio e velejaram ao longo das costas ocidentais da Ásia Menor. Breves paradas foram efetuadas em diversos lugares, incluindo Mileto, cidade portuária de Éfeso, o que forneceu a Paulo a oportunidade de se despedir finalmente, dos crentes que ali habitavam. Finalmente, desembarcaram em Tiro, na costa da Síria. A despeito das várias advertências sobre os perigos que ele teria de enfrentar em Jerusalém, Paulo prosseguiu viagem. Paulo chegou em Jerusalém no Pentecoste, provavel-mente em cerca de 56 D.C. Sua terceira viagem missionária, por conseguinte, terminou após um pouco mais de três anos de atividades. 7. Aprisionamento e Encarceramento em Roma Paulo se movimentara com admirável liberdade, embora nunca o tivesse feito sem teste, tribulação e perseguição. Jerusalém rejeitara muitos homens piedosos, muitos profetas, e o

próprio Jesus; e Paulo não estava destinado a conseguir maior êxito ali. O trecho de At 21:17 — 28:16 conta a história. Os judeus radicais, nessa ocasião, não tiveram de perseguir a Paulo, mas ele caiu direto na armadilha que lhe armaram. — O mais estranho é que a confusão foi provocada por alguns judeus que vinham da província da Ásia, que por acaso estavam no templo e reconheceram Paulo; foram eles que agitaram as multidões e fizeram-nas atacar o apóstolo. As autoridades romanas aprisionaram Paulo por estar perturbando a ordem. A essa altura, Paulo fez um discurso na escadaria do templo, contando com pormenores como ele fora perseguidor dos crentes, como ele se convertera, e como pregara a Jesus como Messias de Israel. Paulo foi ameaçado de açoites pelas autoridades romanas, mas, informando-as de que era cidadão romano, o tribuno militar o soltou. Mas essa ação causou tal protesto, por parte dos judeus que, para sua própria proteção, Paulo foi levado de volta às barracas militares. Os judeus, ato contínuo, conspiraram em matá-lo, e por isso Paulo foi removido para Cesaréia, com um grupo armado. Ali Paulo foi conduzido à residência de Félix, procurador romano. Paulo foi guardado sob sentinela, no palácio de Herodes. Aparentemente, esteve em Cesaréia pelo espaço de dois anos, e alguns creem que ali ele escreveu a sua epístola aos Colossenses, aos Efésios e a Filemom; mas uma data posterior para essas epístolas é mais provável. Após dois anos de administração malsucedida, Félix foi chamado de volta a Roma, e Pórcio Festo tomou o seu lugar. Este era homem de caráter amargo. (Isso aconteceu em cerca de 58 D.C.). Quando o novo procurador se recusou a ouvir o caso de Paulo, em Jerusalém, os judeus desceram a Cesaréia, a fim de acusarem a Paulo ali. Assacaram graves acusações contra ele, mas que Paulo negou categoricamente. Foi então que Paulo apelou para César, que era direito de todos os cidadãos romanos, e dessa maneira se criou o motivo de sua viagem a Roma. Antes de partir para Roma, Paulo falou perante o rei Agripa II e sua irmã, Berenice. Esse Herodes era o bisneto de Herodes, o Grande. Nessa oportunidade, Paulo repetiu a história de sua conversão, e é óbvio que impressionou favoravelmente os que o ouviram. Dali, viajando pelo mar, Paulo partiu para Roma, juntamente com muitos outros prisioneiros. Fez diversas paradas ao longo do caminho, incluindo uma permanência de três meses em Malta. Paulo chegou a Roma em 59 D.C, não como homem livre, mas, não obstante, como poderosa testemunha do cristianismo. Chegando a Roma, Paulo não foi tratado como prisioneiro no sentido ordinário, e nem como criminoso. Ali ele desfrutou do que se denominava «libera custodia», isto é, podia viver em sua própria casa, desfrutando de muitos privilégios de liberdade de ação, mas sempre acompanhado de um guarda. Paulo pregava àqueles que o visitavam, explicando-lhes as razões de seu aprisionamento; e também enviava epístolas a lugares distantes. Foi nesse período que, provavelmente, foram escritas as epístolas aos Colossenses, a Filemom, aos Filipenses (e, provavelmente, aos Efésios). O livro de Atos dos Apóstolos encerra-se bruscamente, não como um livro inacabado, e, sim, dando a ideia de que o autor tencionava escrever outra seção ou livro a fim de suplementá-lo. Lucas escrevera um evangelho, e então essa história, e não é de modo algum impossível que ele tivesse planejado ainda um outro volume. De conformidade com a tradição cristã primitiva, Lucas continuou sendo fiel auxiliar de Paulo até o martírio deste, e então deu continuação ao seu ministério, no evangelho, por mais vinte anos (até 84 D.C), até que, finalmente, faleceu em Beócia, na Grécia, com a idade de oitenta e quatro anos. Se podemos confiar nessa tradição, ficamos completamente atônitos, por não sabermos por que não foi completada a história de Paulo, em um escrito subsequente, juntamente com outros importantes acontecimentos que estariam ocorrendo na igreja, após o falecimento de Paulo.

8. Paulo, de Novo Livre, Vai à Espanha Nenhum relato bíblico nos diz que Paulo foi libertado novamente a fim de ministrar outra vez; mas existem algumas evidências que dão essa indicação. É possível que Paulo tenha sido libertado em cerca de 63 D.C, e que tenha visitado tanto a Espanha como a área do mar Egeu, uma vez mais. A epístola de Clemente (em vss. 5-7, 95 D.C), — o cânon muratoriano (170 D.C) e o livro apócrifo Atos de Pedro (1:3 — 200 D.C.) falam de uma visita de Paulo à Espanha. As epístolas pastorais, ou pelo menos II Timóteo, parecem envolver um ministério posterior à história narrada no livro de Atos, desenvolvido no Oriente, pelo que também parece que Paulo pôde cumprir o seu desejo de visitar a Espanha, conforme expressou em Rm 15:24. 9. Segundo Encarceramento e Morte Não se sabe quais as circunstâncias do segundo encarceramento de Paulo, embora a tradição indique que ele foi aprisionado pela segunda vez, levado de volta a Roma e lançado na prisão. Sabe-se que Nero odiava os cristãos e que chegou mesmo a usar os seus jardins pessoais como local de torturas cruéis, nos quais os cristãos eram obrigados a enfrentar animais ferozes. Essa perseguição rebentou em cerca de 64 D.C. Provavelmente, Paulo foi aprisionado, com muitos outros cristãos, em cerca de 64 D.C. Na qualidade de cidadão romano, é provável que tenha sido julgado por um tribunal, mas, quais tenham sido as acusações contra ele ou quais as condições do julgamento, não temos meios de saber. Paulo sofreu o martírio em Roma, provavelmente no ano de 65 D.C. De acordo com certa tradição, foi decapitado. É possível que nesse período final de sua vida tenha sido escritas as chamadas epístolas pastorais — I e II Timóteo, e Tito — e, igualmente, a epístola aos Efésios. Assim terminou a carreira do maior e mais influente exponente do cristianismo em toda a sua história, após ter combatido o bom combate, ter terminado a carreira e ter conservado a fé. Não há que duvidar que o esperam as coroas prometidas (ver II Tm 4:7). 10. Cronologia da Vida de Paulo I. Vida de Paulo antes do contato com os seguidores de Jesus

1. Provável nascimento e infância em Tarso (judeu da dispersão) (At 22:3; Gl 1:21) 5 D.C. 2. Vida como judeu zeloso, da seita dos fariseus (Gl 1:13,14; Fp 3:3-6; At 26:4,5) 20-26 D.C.

II. Vida como perseguidor dos seguidores de Jesus (Gl 1:13; I Co 15:9; At 8:3; 9:1) 32 D.C. III. Conversão de Paulo (Gl 1:15; I Co 9:1; talvez II Co 12:1-4; At 9:1-19; 22:4-16; 26:9-18). Cerca de 35 D.C? IV. Carreira de Paulo como apóstolo 1. Três anos na Arábia e em Damasco (e outras áreas) (Gl 1:17) 32-39 D.C. Problema: Sobre o que ele meditava, ou quais suas atividades? 2. Quinze dias de visita a Jerusalém — Paulo viu a Pedro e a Tiago, irmão de Jesus (Gl 1:27).

3. Sua obra na Síria, Cilícia e Galácia, e talvez nas regiões ocidentais — Macedônia e Grécia (14 anos) (Gl 1:21) 35—93 D.C.

A. Escreveu a maioria de suas epístolas: I e II Tessalonicenses (II Co 6:14 — 7:1) B. Possível aprisionamento em Éfeso Colossenses, Filipenses e Filemom C. Visita a Jerusalém — Visita de conferência (Gl 2:1; At 15) 49 D.C. D. Volta à Ásia (província romana) I e II Co 10 – 13 Período de crise com os cristãos judaizantes — (Gálatas inteiro; II Co 10—13; Fp 3:2 - 4:7)

4. Solução da Crise A. Termina a coleta para os pobres de Jerusalém 55 D.C. (II Co 1—9 exceto 6:14-7:1 - I Co 16:1-4; II Co 9:1-15; Rm 15:14-32) B. Planos de visitar a Espanha e Roma (Rm 15:24,28) 56 D.C. II Co 1-9; Romanos 16 (Pedro e Febe)

5. Viagem a Jerusalém, levando a oferta — Não há referências diretas, exceto as que anteci-pam o evento. 57 D.C. 6. Aprisionamento em Roma — Conforme a tradição cristã (At 20). 59 D.C. 7. Novamente livre, talvez com um ministério na Espanha — cerca de um ano. (Só tradição cristã, sem qualquer alusão bíblica). 8. Segundo aprisionamento e morte. (Só tradição cristã, sem qualquer alusão bíblica). 65 D.C. II. Significação de Paulo 1. As Escolas Criticas e Paulo Albert Schweitzer (Paul and His Interpretefs, 1912) salientou o fato de que com frequência as Escrituras têm sido usadas por pessoas comuns e por intérpretes tão somente como uma mina de textos de prova, sem qualquer consideração histórica ou exegética. Esses dizem que qualquer argumento pode ser solucionado simplesmente abrindo-se a Bíblia em certa passagem que, alegadamente, traz a resposta. Os opositores, em qualquer debate, pareciam igualmente habilidosos em apelar para «textos de prova», empregando esse método. O século XVIII testemunhou uma revolta contra tais princípios, pelos pietistas e racionalistas, os quais, por razões diferentes entre si, procuravam distinguir a exegese das conclusões providas pelas considerações dos credos e pelo simples exame de «textos de prova»: a. O trabalho de J.S. Semler (1725-91) e J.D. Michaelis. Esses homens tentaram aplicar métodos de critica histórica-literária às Escrituras, tendo esboçado normas hermenêuticas, na esperança de mostrarem que o N.T. não se desenvolveu em um vácuo, mas que se devem aplicar indagações históricas e literárias, se quisermos entender apropriadamente a sua mensagem. A filologia foi introduzida como parte da abordagem histórica na interpretação e na solução dos problemas. À base desses estudos, mostrou-se que em I e II Coríntios temos uma correspondência do apóstolo com os crentes em Corinto, e não meramente duas epístolas, incluindo, talvez, um grupo de quatro epístolas, que, finalmente, foram reunidas em duas divisões principais. E outras sugestões semelhantes foram feitas, no tocante às epístolas de Paulo.

b. A escola de Tubingen. No século XIX, na Alemanha, surgiram formas mais radicais de escolas críticas da Bíbia. Obras de autores tais como G.W. Bramiley (Biblical Criticism) e J.E. Schmidt, Schleiermacher e F.C. Baur (de Tubingen), levantaram dúvidas sobre a autenticidade de I e II Timóteo e de II Tessalonicenses, à base de considerações literárias, linguísticas e de vocabulário. Baur só deixou intactos cinco dos vinte e sete livros do N.T., como testemunhos incontestáveis do período apostólico e escritos pelos próprios apóstolos. — Ele tentou distinguir a verdadeira literatura apostólica mediante o princípio interpretativo da «tendência». As duas grandes tendências que teriam dado colorido à literatura apostólica eram o conflito entre Paulo (e o cristianismo gentílico), de um lado, e o cristianismo judaico estrito e a ameaça do gnosticismo, do outro; tendência, sob a qual teriam sido escritas as chamadas epístolas gerais. De conformidade com essa teoria da «tendência», toda literatura que tentasse reconciliar a controvérsia judaico-paulina, ou tentasse reconciliar em parte o gnosticismo, foi classificada como não-apostólica, e isso extirpava a maior parte dos livros existentes do N.T., tornando-os não apostólicos. Baur também ensinava que Paulo foi o helenizador do cristianismo. Em resultado disso, essa escola convenceu a bem poucos, além de a si mesma. Não é lógico supormos que um homem só, e em tão pouco tempo, pudesse ter helenizado o cristianismo (e assim tivesse alterado seu caráter original). Também é verdade que esse elemento helenístico, apesar de presente, tem sido altamente exagerado; e Paulo, sendo judeu criado em Jerusalém e ali criado como fariseu, certamente não foi quem helenizara a si mesmo. A citação de Paulo, feita em I Clemente (95 D.C.) e nos escritos de Inácio (110 D.C), onde não se vê qualquer reflexo de um suposto conflito entre Paulo e uma tendência judaizante, nesse período, são argumentos fatais às teorias da Escola de Tubingen. Baur ficou na mira de vários conservadores, principalmente J.C.K. Hofman e os seguidores de Schleiermacher. Mas o golpe mais devastador foi dado por um ex-discípulo de Baur, A. Ritschl, o qual abandonou a ideia da alegada hostilidade entre Paulo e os discípulos originais de Cristo. Ele salientou a unidade dos discípulos e a unidade essencial da mensagem cristã. Os discípulos posteriores dessa escola de Tubingen começaram a aceitar como paulinas quase todas as epístolas atribuídas a Paulo (exceto II Tessalonicenses, as epístolas pastorais e Efésios, cuja aceitação, em muitos lugares, não era mais considerada essencial à ortodoxia). As controvérsias sobre a autoria revolvem em torno de Efésios, Colossenses e as epístolas pastorais, sobretudo essas últimas; e as discussões podem ser vistas in loc. Os «clássicos paulinos» (que poucos duvidam ser de autoria paulina) são Romanos, Gálatas, I e II Coríntios. A essas quatro, outras cinco são adicionadas pela maioria dos estudiosos, com pouca hesitação, a saber, I e II Tessalonicenses, Filipenses, Colossenses e Filemom. Somos forçados a reconhecer, entretanto, que algum bem surgiu dessa controvérsia, pois os intérpretes foram alertados para a necessidade de levar-se em conta as considerações históricas e literárias, para que se faça bom juízo do N.T. Baur trouxe à luz uma abordagem indutiva histórica ao cristianismo primitivo, e libertou as pesquisas da ideia de que nada havia a ser aprendido, posto que todas as conclusões já haviam sido formadas. c. Os eruditos britânicos e norte-americanos examinaram a reconstrução apresentada por Baur, mas, na maioria dos casos, não se deixaram persuadir. O conjunto de escritos paulinos (com exceção de Hebreus, que poucos eruditos têm atribuído a Paulo, porquanto o próprio livro não reivindica tal autoria) permaneceu de pé. Sólida exegese histórica saiu da pena de Lightfoot e de Ramsay. Este último só escreveu após intensa pesquisa arqueológica.

Tais autores confirmaram a autoria lucana do livro de Atos; e isso aumentou a credibilidade e esclareceu a cronologia desse livro, no que se relaciona a Paulo. d. Outros eruditos têm produzido teorias sobre o conjunto paulino de escritos. E. J. Goodspeed conjecturou que em cerca de 90 D.C, algum admirador de Paulo (talvez Onésimo, conforme J. Knox sugeriu mais tarde) tenha publicado as epístolas de Paulo, tendo escrito pessoalmente a epístola aos Efésios como epístola generalizadora ou como tratado introdutório. De conformidade com a tradição, Onésimo, ex-escravo, finalmente, veio a tornar-se superintendente da igreja de Éfeso, pelo que estaria em posição de fazer isso. Toda essa ideia, todavia, se esvai em fumaça, quando consideramos que nada há, na própria epístola aos Efésios, que indique que ela tenha encabeçado ou terminado um conjunto de epístolas paulinas; e nem se pode provar que essa epístola contenha um sumário não escrito por Paulo acerca do pensamento desse apóstolo. e. A crítica literária do século atual tem procurado discutir e desenvolver os seguintes temas: a. Esforço contínuo para obter uma construção histórica geral das epístolas de Paulo e de seu pensamento, b. Determinação exata de quais epístolas Paulo teria escrito ou não. c. Determinação da origem e das datas das epístolas pastorais, que alguns supõem terem sido escritas por algum discípulo de Paulo, que procurava expressar as atitudes desse apóstolo, d. Determinação das epístolas paulinas e não-paulinas. e. Solução para várias questões relativas a unidade, a autoria e a interpretação das epístolas paulinas individuais. Outras implicações dessas pesquisas se encontram no parágrafo abaixo acerca das epístolas paulinas. 2. As Epístolas Paulinas Embora, ao longo dos séculos, toda correspondência que tem chegado até nós com o epíteto de paulina, isto é, escrita por Paulo, tenha sido posta em dúvida, por alguns, como autêntica. Existem quatro escritos paulinos clássicos que nem mesmo os eruditos modernos põem em dúvida, mesmo entre os mais liberais. Trata-se das epístolas aos Romanos, aos Gálatas e I e II Coríntios. Lutero dizia que se pudéssemos ao menos preservar o evangelho de João e a epístola aos Romanos, o cristianismo não poderia ser extinto. Entretanto, mais geralmente aceitam-se os nove livros seguintes como saídos realmente da pena de Paulo: Romanos, I e II Coríntios, Gálatas, Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses e Filemom. Para muitos, as epístolas de I e II Timóteo e Tito (as epístolas pastorais), além de Efésios, são consideradas obras dos discípulos de Paulo (escritas em seu nome). E a epístola aos Hebreus (apesar de não ter sido rejeitada do cânon do N.T.) é quase universalmente rejeitada como epístola escrita por Paulo. De modo geral, nas pesquisas mais recentes, a atenção se tem desviado da autoria das epístolas para outras questões. Por exemplo, costuma-se discutir sobre a forma original das epístolas ou a sua unidade essencial. Teria sido escrita realmente aos crentes de Roma a chamada epístola aos Romanos? Nesse caso, por que alguns manuscritos omitem as palavras «A todos... que estais em Roma», em 1:7, e «...em Roma», em 1:15? Qual teria sido a forma original dessa epístola, porque alguns mss contêm mais de uma doxologia finalizadora. Por exemplo, a doxologia em Rm 16:25-27 se encontra em L, 1175 e no Sy(n), em 14:23, ao passo que os mss A, P, 5 e 33, além de

algumas traduções armênias, têm-na em ambos os lugares. O antigo ms P(46) tem-na somente após o cap. 15. Teriam sido escritas duas epístolas — uma mais longa e outra mais breve, que finalmente foram combinadas para formar uma só, deixando incerto o local exato da doxologia?. Nas epístolas aos Coríntios, alguns eruditos distinguem nada menos de quatro epístolas diversas, que finalmente foram combinadas para formar somente duas. Os melhores mss de Efésios não trazem as palavras «em Éfeso», em 1:1 dessa epístola. Foi essa epístola realmente escrita aos crentes de Éfeso, ou teria ela sido, originalmente uma circular enviada às igrejas da Ásia Menor, sem qualquer designação específica quanto ao destino? Como as palavras em Éfeso vieram a fazer parte do texto?. Essas questões são expostas aqui a fim de dar exemplos, ao leitor, sobre os tipos de problemas que são discutidos nos artigos sobre as epístolas, bem como na exposição geral. 3. O Servo de Cristo As epístolas de Paulo frequentemente apresentam-no como servo «escravo» de Cristo. No original o termo usado é doulos, e geralmente, tem sido mal traduzido por «servo», e não pela sua tradução mais exata, «escravo». Paulo usou um termo forte a fim de indicar que ele fora comprado por bom preço, porquanto, tendo sido antes um homem indigno, por ter perseguido e morto aos cristãos, a sua dívida era imensa e insolúvel. Sua vida toda, da conversão por diante, foi um esforço por contrabalançar suas más ações, e disso se originou uma dedicação que tem inspirado o mundo inteiro durante séculos, e que tem sido eternamente usada, em sermões, como ilustração do discipulado cristão. Todo aquele que é chamado para perto do Senhor, o Mestre, torna-se um — escravo — como Paulo (conforme é indicado em I Co 3:23 e 7:22,23), e isso forma a ideia básica do discipulado totalmente dedicado que Paulo requer dos seguidores de Cristo. O Senhor (tal como os senhores de escravos) exerce direitos absolutos sobre todo pensamento, ambição, palavra, ação e alvo das vidas de seus escravos. Outro tanto se aplica à liberdade de ação dos escravos; mas, segundo a concepção paulina, estar verdadeiramente livre é ser escravo completo de Jesus, pois é então que o crente encontra a verdadeira liberdade de alma, além de completo livramento do pecado e de seus efeitos, sem falar na completa transformação segundo a imagem de Cristo. Paulo descreve o pecado como uma carência da glória de Deus (Rm 3:23), e com isso ele revela a sua correta atitude para com o pecado. O pecado é a degradação da personalidade humana. Os homens foram criados para coisas exaltadas, para serem exaltados acima dos próprios anjos, porque, ao serem transformados segundo a imagem de Cristo (ver Ef 1 e Rm 8), tornam-se, realmente, superiores aos anjos. O pecado é a marca da humanidade envilecida, não transformada segundo o modelo divino. O verdadeiro escravo de Jesus progride muito mais rapidamente no caminho da absoluta transformação segundo a imagem de Cristo, e isso contribui para a verdadeira glória de Deus. Aqueles que persistem no pecado, portanto, «carecem» dessa glória. O verdadeiro escravo do Senhor, por conseguinte, é, realmente, um homem liberto, pois somente no cumprimento de seu destino é que o homem é libertado de seu estado inferiorizado pelo pecado. Aos seus escravos é que Cristo ensina o seu amor, e é então que aprendemos a mansidão, a graça e a gentileza de Cristo (ver II Co 10:1; Rm 12:1 e I Co 1:10). Aos seus escravos é que Cristo transmite os pensamentos de sua mente (Fp 2:1-18), e isso fala de certa comunhão mística com o Senhor ressurreto e assento ao céu. Para Paulo, esse companheirismo era muito real, e ele procurou transmitir o sentido dessa experiência aos discípulos de Jesus. Com grande frequência, expressões tais como «em Cristo» e «mente de Cristo», são termos vazios para a igreja moderna, porque temos perdido de vista o sentido dessas coisas. E temo-lo perdido não nos nossos estudos de teologia, ou nos livros impressos, ou nos sermões falados, e, sim, na experiência e na realidade diárias.

Paulo ensinava a obediência da fé, porquanto a fé em Cristo era vista pelo apóstolo como uma realidade vital, como uma transmissão da própria vida de Deus, através da pessoa real, viva, ativa e comunicadora chamada Espírito Santo. O apóstolo Paulo comparava-se a uma ama que cuidava ternamente de infantes, ajustando a dieta dos mesmos às suas necessidades e capacidades (ver I Co 3:1-3 e I Ts 2:7). Também comparou-se àquele que apresenta uma noiva ao seu noivo (ver II Co 11:2,3). Paulo, igualmente — comparou a igreja — ao campo de Deus, onde ele trabalhava a fim de produzir frutos. Dessas e de outras maneiras, Paulo demonstrou quanta dedicação se exige desse serviço absoluto a Cristo. Acima de tudo, o apóstolo esclareceu que o amor de Deus exige tais sacrifícios (ver Rm 5:5; II Co 5:14). Mostrou, ainda, que antes de sua conversão traçara uma trilha de violência, ódio e homicídio, e justamente contra aqueles que menos mereciam tal tratamento, isto é, os cristãos. Mas eis que o amor de Deus, através de Cristo, modificara tudo isso, e foi justamente esse amor que o tornara escravo de Cristo, posição na qual Paulo se sentia verdadeiramente livre. Desde que fora conquistado por esse amor, ele é que passara a receber os golpes violentos da parte de homens ímpios e desarrazoados. Por conseguinte, quando contemplamos ainda que superficialmente a vida desse homem, compreendemos por que motivo os tradutores não têm sido capazes de traduzir o termo doulos por «escravo», preferindo um vocábulo mais suave, como «servo». Infelizmente, nossas vidas também refletem essa substituição. Nesse exemplo de total consagração à causa do Senhor, encontramos uma das significações da vida de Paulo. 4. O Apóstolo aos Gentios Outra das grandes significações da vida de Paulo é o fato de que ele representava aquele princípio dá nova religião revelada que não somente aceitava os pecadores, os publicanos e os desprezados, mas que também lhes prometia um destino mais elevado do que qualquer coisa exposta pelo judaísmo. Em seu caráter essencial (pelo menos até os tempos helenistas) o judaísmo tem sido uma religião terrena, com alvos e promessas terrenos. O cristianismo, porém, volta-se para as coisas da outra vida, e é essa atitude, em seu ensino acerca da total transformação do crente segundo a imagem de Jesus, o Messias, o Senhor eterno, que, aos olhos dos judeus, inspirava aos gentios «pretensões» e «ambições» jamais ouvidas. Paulo tornou-se o porta-voz mais proeminente dessa nova mensagem, sendo bem reconhecido o fato de que somente Paulo expõe, com clareza e pormenores, a mensagem central da posição e do destino da «igreja», que declaradamente, e na realidade, viria a ser essencialmente uma igreja gentílica. Paulo se opusera amargamente a essa mensagem, até mesmo quando ela ainda estava em sua forma primitiva, nas mãos dos outros apóstolos, antes das grandes revelações que encontramos em Romanos, em Efésios e em Colossenses, as quais, verdadeiramente, deram à igreja cristã a sua definição final. Paulo não podia aceitar antes da sua conversão, e até mesmo abominava, uma mensagem que falava de um Messias que fora crucificado e que ressuscitara. Aquele filho de Benjamim, o fariseu, era por demais astuto para não ser capaz de discriminar o possível impacto que esse Messias crucificado e ressurreto haveria de impor à comunidade judaica. Outrossim, certos porta-vozes da nova religião tinham anunciado publicamente, que Deus ab-rogara as exigências da lei antiga, tais como a circuncisão, a justiça mediante a observância da lei, e os sacrifícios no templo, porque tudo isso eram símbolos que haviam sido cumpridos pelo Messias, o antítipo de todos esses tipos simbólicos. Além disso, também haviam anunciado que esse mesmo Messias era Senhor de todos, e que em breve estabeleceria o longamente esperado Reino de Deus, e que a nação judaica, como um todo, corria o perigo de perder a participação nesse reino. Sendo fariseu,

Paulo sentia repugnância por tais ensinos, e, em seu zelo pela justiça que lhe parecia autêntica, que ele reputava estar exclusivamente na lei e nos ritos que saturavam o judaísmo, tornou-se o mais temível opositor do cristianismo. Não haveria de descansar enquanto não desaparecesse da face da terra o último vestígio dessa nova heresia. Sabia ao que fazia oposição, e por quais motivos. Mas eis que, repentinamente, o próprio Jesus resolveu interferir na loucura do jovem, apanhando-o no ato de intensificar os seus violentos esforços de derrubar a igreja. A experiência mística de Paulo, pois, «purificou-o» e «modificou-o», mas deixou perfeitamente intacta a sua natureza ardente e zelosa. A princípio, Paulo podia pregar apenas a mensagem messiânica, pois até aquele ponto ainda não recebera maiores luzes sobre o sentido da morte de Cristo, as vastas implicações de sua ressurreição e ascensão. Por isso é que, em Damasco, ele pregou que Jesus era o Messias. É provável que em sua retirada para a «Arábia» tenha recebido as visões preliminares e as revelações que o equiparam para a tarefa de quarenta anos que tinha a sua frente. O trecho de Gl 1:14,15 indica que um dos ingredientes essenciais das revelações recebidas por Paulo é que o seu ministério seria entre os «gentios». Posteriormente, no concilio efetuado em Jerusalém (sobre o qual lemos no segundo capítulo da epístola aos Gálatas), vemos que a sua missão especial foi reconhecida e aprovada pelos demais apóstolos. Dessa forma, Paulo lançou-se ao cumprimento do grandioso desígnio de Deus, como nem mesmo os profetas da antiguidade haviam imaginado. Alguns deles tinham previsto a salvação dos gentios, mas as indicações acerca da igreja — a noiva de Cristo — são escassas no V.T., e mesmo assim foram expostas de forma velada, em tipos e sombras. O grande propósito do oitavo capítulo de Romanos e do primeiro capítulo de Efésios jamais havia sido exposto por lábios judeus antes de Paulo. Paulo aprendeu qual o propósito da cruz, conforme ele explica no décimo quinto capitulo de I Coríntios, onde se vê que a expiação ali efetuada faz parte integral do plano geral do evangelho. Ele percebeu que o esforço humano jamais poderia realizar o que foi realizado na cruz do Calvário. E assim também os seus esforços anteriores, como fariseu, assumiram um novo significado, pois em seus frenéticos esforços para obter a justiça própria, mediante a observância da lei, Paulo recebeu uma lição perfeitamente objetiva da total necessidade da justiça que vem por meio de Cristo. Posteriormente, ele usou sua própria experiência como lição objetiva (Fp cap. 3), pois ninguém podia vangloriar-se de mais obras na carne do que o jovem Paulo. «Mas foi exatamente esse jovem» que chegou a compreender que o destino do homem está nas mãos de Cristo. Viver corretamente não é o alvo principal do destino humano. Isso deve ser feito e será feito por todos os verdadeiros discípulos de Cristo, mas essa vida resulta da transformação do crente à imagem mesma de Jesus Cristo. Paulo passou da noção de que a vida é aquilo que um homem faz para a ideia muito mais elevada de que a vida é aquilo em que tornamos metafísica e moralmente transformados segundo a imagem do Caminho, que é ao mesmo tempo o pioneiro do caminho, e o próprio caminho que devemos palmilhar. Paulo começou a perceber que o destino humano é uma longa e grande busca, que finalmente conduz à própria presença de Deus, e aqueles que ali chegam são transformados em seres que serão a própria imagem de Deus impressa neles, e que, de fato, não serão menos santos do que o próprio Deus. Essa grandiosa e elevada mensagem tornou-se o grande poder impulsionador por detrás do zelo de Paulo, e ele foi por toda parte do mundo gentílico com o intuito de proclamá-la. Os capítulos 9 a 11 da epístola aos Romanos consistem de revelações concernentes ao destino de Israel e à base dessas revelações Paulo sabia que a nação de Israel seria posta de lado por algum tempo, que a época dos gentios deveria chegar ao término de seu curso, até que toda a igreja tivesse sido chamada. Por essa razão, passou a buscar ainda com maior determinação a salvação dos

gentios, a fim de estabelecer a igreja, permitindo, assim, que Deus tornasse a chamar a nação de Israel, a qual, no fim, teria um destino um tanto diferente do da igreja. A cruz também se revestia de significação simbólica na missão de Paulo como apóstolo aos gentios. Significava sacrifício, conformidade com a morte de Cristo (ver Rm 6), o que, por outro lado, significa não-conformação com o mundo. A cruz fala de dor, de sofrimento e de angústia em sua forma mais intensa, e Paulo aceitava essas coisas como sinais de seu ministério. Por toda parte era assediado pelos radicais, e sua longa lista de sofrimentos, em II Co 11:23-28, menciona espancamentos, muitos aprisionamentos (dos quais temos o registro de apenas alguns, talvez em número de três), apedrejamentos, açoites com flagelos e com varas, naufrágios, perigos de assaltantes e inundações, fome, exaustão física devido a trabalhos contínuos e árduos, frio e falta de vestes apropriadas. Acima de tudo, pesava-lhe nas costas o fardo psicológico do cuidado por todas as igrejas locais. Trazia em seu próprio corpo as marcas do Senhor Jesus, tal como Jesus levava, em suas mãos e em seus pés, os sinais dos cravos da cruz. Isso fazia parte da significação de Paulo como apóstolo dos gentios. Era um autêntico soldado da cruz, e exibia um discipulado de consagração sem-par, que o mundo jamais pôde esquecer, e que ficou para sempre gravado nas páginas das Santas Escrituras, para escrutínio de todos. Paulo anunciou uma mensagem distintiva, que falava do exaltado destino da humanidade, e foi um mensageiro distinto dessa mensagem, e é desses dois fatores que aprendemos um outro significado da vida de Paulo. 5. A Doutrina de Paulo A descrição mais completa da doutrina de Paulo pode ser encontrada nas diversas centenas de páginas sobre suas epístolas nesta enciclopédia. Aqui temos apenas uma tentativa de salientar o caráter central dessa mensagem, em torno da qual tudo o mais é subserviente. A Reforma protestante salientava a justiça ou justificação mediante a fé e nos séculos seguintes, esse continuou sendo o fator controlador de toda interpretação dos escritos de Paulo. Mui infelizmente, os intérpretes não sondaram ainda com mais profundidade o pensamento do apóstolo, pois apesar dele ter salientado a justiça e a justificação, essas ideias tão-somente são parte de uma mensagem maior, porções necessárias, para dizer a verdade, mas apenas partes componentes de um grande plano. É possível que se os reformadores e aqueles que os seguiram tivessem tido mais compreensão, a igreja atual talvez compreendesse melhor a descrição do grande evangelho de Paulo. Desafortunadamente, porém, a igreja tem estacado mais ou menos onde a reforma a deixou, e mui raramente o evangelho completo de Paulo é pregado na igreja comum. Não será isso um dos motivos para a intranquilidade? Muitos não se sentem desassossegados e, algumas vezes, até mesmo famintos de informações pertinentes à inquirição espiritual? Sim, parece que o povo evangélico anela por uma mensagem mais profunda, por uma tentativa mais profunda de compreender por que estamos aqui e para onde nos dirigimos. Paulo, nos dá essa informação, mas esta dificilmente é pregada. Certamente a salvação é mais do que o perdão dos pecados e a mudança de endereço para o «céu». Porém, com que frequência ouvimos prédicas que vão além disso? Seria declaração por demais ousada dizer que o evangelho de Paulo, na sua forma completa, raramente é pregado na igreja moderna? Homens como L. Usteri (1824) e A.F. Daehne (1835) explicaram Paulo em termos da justiça imputada, segundo é ensinado na epístola aos Romanos. Em contraste com isso, H.E.G. Paulus salientou a «nova criação» e a «santificação» (conforme se vê em passagens como II Co 5:17 e Rm 6). Grande discernimento foi exposto por Paulus, o qual declarou que a fé em Jesus, significa, na análise final, a fé de Jesus. E que coisa admirável seria se pudéssemos

aprender esse conceito, pois nos conduziria a uma compreensão mais profunda do apóstolo Paulo. Imaginemo-nos, por um momento, a exercer realmente a fé de Jesus, a mesma fé que ele exercia. Porém, isso é impossível, a menos que sejamos pessoas «como Jesus», moralmente transformadas para sermos como ele era. Não obstante, avançar da fé em Jesus para a fé de Jesus, foi um discernimento que a reforma não doou à igreja, e que a igreja atual só pode explicar e compreender da maneira mais nebulosa. F. C. Baur, que interpretava à base do arcabouço do idealismo de Hegel (1845), procurou primeiramente compreender a Paulo em termos do Espírito, dado mediante a união com Cristo, através da fé — e talvez, um tanto inconscientemente, ele conseguiu notável avanço na interpretação, pois não resta a menor dúvida de que o Espírito é a grande chave para o cumprimento do tema central de Paulo. Por semelhante modo, a ideia da união com Cristo é importante, embora esse conceito místico tenha geralmente desaparecido dos sermões da igreja e da literatura da Escola Dominical. A despeito de Paulo ter sido um místico, parece que o misticismo tem caído no esquecimento, ou mesmo tenha sido geralmente rejeitado. Entretanto, Baur mais tarde retrocedeu e voltou ao padrão estabelecido pela reforma, dividindo as diversas doutrinas paulinas em compartimentos, sem qualquer tentativa de vê-las como um conceito unificado. Muitos outros escritores seguiram esse padrão, e ingenuamente pensaram que, ao descreverem individualmente as diversas doutrinas, ao mesmo tempo, expunham o pensamento de Paulo. R.A. Lipsius (1853) deu um grande passo à frente quando reconheceu a «redenção» como o grande princípio unificador na doutrina de Paulo, e definiu também dois pontos de vista: o jurídico (a justificação) e o ético (a nova criação). Seguindo essa orientação, Hermann Luedemann, em seu livro «The Anthropology of the Apostole Paul» (1872), concluiu que os dois lados da redenção realmente repousam sobre esses dois aspectos da natureza humana. Do ponto de vista «judaico» anterior de Paulo (Gálatas e Romanos 1—4), a redenção aparece como um veredicto judicial de inocência; mas, para o Paulo mais maduro (Rm 5—8 e Ef 1), a redenção surge como uma transformação ético-física da «carne» para o «espírito», mediante a comunhão com o Espírito Santo. A fonte da primeira ideia é a morte de Cristo e a nossa participação nessa morte. A fonte da segunda ideia é a ressurreição de Cristo e a nossa participação nessa ressurreição, com sua implicação de um tipo de vida nova e transformada. Richard Kabisch recuou ao supor que essa redenção visa unicamente a livrar a alma do julgamento vindouro. Pois o destino humano envolve muito mais do que isso, embora, ouvindo alguém os sermões que geralmente se pregam nas igrejas, talvez não chegue a conclusão mais elevada do que essa. Albert Schweitzer, seguindo as indicações de Luedemann e Kabisch, desenvolveu uma síntese com a qual ensinava que Paulo tencionava que sua «redenção» fosse principalmente escatológica, isto é, um fim dos acontecimentos mundiais. Mas o fato é que o segundo capítulo da epístola aos Filipenses contradiz essa posição, como também o quinto capítulo da segunda epístola aos Coríntios. E também errou ao pensar que posto que o mundo não terminou imediatamente, conforme Paulo pensava, passou o apóstolo a expor um «misticismo físico», no qual os sacramentos, através da mediação do Espírito Santo, servem de mediador da ressurreição de Cristo e de seus efeitos sobre o crente. «Misticismo», sim; mas misticismo físico, através dos elementos físicos dos sacramentos, jamais. Nada poderia estar mais distante do pensamento de Paulo, porque ele sempre destacou o puramente espiritual em detrimento do físico. Tinha razão, todavia, ao supor que Paulo ensinou que a união com Cristo, nesta vida, através do Espírito, assegura ao crente a participação na ressurreição espiritual de Cristo, quando de sua «parousia». O grande tema central de Paulo — qual é ele? É a salvação. Mas um ponto de vista muito especial da salvação. O grande tema de Paulo é soteriológico, e, se o quisermos, bem

podemos usar o termo «redenção», pois isso diz exatamente a mesma coisa. Que espécie de salvação Paulo ensinava? Permitamos que os versículos seguintes falem por si mesmos: «Assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade... e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia do seu poder; o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio e de todo nome que se possa referir, não só no presente século, mas também no vindouro. E pôs todas as cousas debaixo dos seus pés, e, para ser o cabeça sobre todas as cousas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as cousas» (Ef 1:4,5, 19-23). «Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus... o próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo: se com ele sofrermos, para que também com ele sejamos glorificados... a ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus... gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo... Sabemos que todas as cousas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conforme a imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou... nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor» (Rm 8:14,16,19,28,30,39). A participação na Imagem metafísica de Cristo indica a participação na natureza divina, segundo Cl 2:9,10 mostra claramente (ver também Ef 3:19). Participamos da «natureza divina» quando participamos da «imagem de Cristo». Naturalmente, disso participamos de modo finito, pois Deus é «infinito». Todavia, trata-se do mesmo «tipo» de «forma de vida», da mesma «essência de ser» que o próprio Cristo tem, o que é infinitamente exemplificado em Deus Pai. Diferimos da natureza de Deus Pai na «extensão» da participação na essência divina, mas não quanto ao «tipo», ver Jo 5:25,26 e 6:57 sobre a vida «necessária» e «independente» de Deus, e como os homens, mediante a participação na ressurreição de Cristo, chegam a participar desse tipo de vida. Já que Deus é infinito, e será sempre o alvo da existência humana, terrena ou celestial, mortal ou imortal, sempre haverá um progresso infinito na direção desse alvo. Não pode haver estagnação na inquirição espiritual, pois seus horizontes são infinitos. Já que há uma infinitude com a qual seremos cheios, também haverá um preenchimento infinito. (Ver II Pe 1:4. O plano é imenso e sua realização é além das capacidades humanas. Portanto, a salvação se realiza pela graça de Deus. Abaixo estão os pontos mais destacados desse evangelho: a. Plano divino da redenção e transformação dos homens segundo a própria imagem de Cristo, a imagem absolutamente moral e metafísica de Cristo, que é um plano eterno, e que, em realidade, é a razão mesma da existência da criação. (Essa é, igualmente, a mensagem do primeiro capítulo do evangelho de João, porquanto a vida — a criação física — existe para prover material para a «luz» ou criação espiritual. — O primeiro capítulo da epístola aos Colossenses ensina a mesma verdade). b. O alvo de Deus é a adoção de muitos filhos, que ainda serão iguais (sempre em potencial) e totalmente semelhantes (em essência de ser) a seu Filho, Jesus Cristo.

c. Deus enviou Jesus, não só para ser o Caminho, mas também para mostrá-lo. Em sua vida humana, Jesus viveu o tipo de experiência que devemos ter. Sua vida não foi somente um espetáculo para ser admirado, mas é um padrão que precisa ser duplicado em nós. Jesus, em sua vida humana, «...aprendeu a obediência pelas cousas que sofreu...», e, como homem, em sua existência humana, «...tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem» (Hb 5:8,9). Os que lhe obedecem são aqueles que agem como ele agiu e são o que ele foi, mediante uma obediência verdadeiramente completa e perfeita. Não obstante, esse é o alvo, e a transformação moral provoca a transformação metafísica, exatamente como ocorreu no caso de Jesus, o qual, devido à sua comunhão íntima com o Pai, mediante o Espírito (que é o agente transformador. II Co 3:18), foi capaz de multiplicar pães, andar sobre a água e até mesmo ressuscitar a mortos, incluindo a si mesmo, após a sua morte. Ele vivificou o seu próprio corpo, tão grande foi o seu poder espiritual. Lembremo-nos da lição da encarnação: Jesus, manifestação do Verbo Eterno, veio participar literalmente da natureza humana. Ele não era um anjo que fazia um papel teatral. E assim como ele participou literalmente da natureza humana, fundindo a natureza humana com a divina, assim também abriu tal caminho para todos os homens. Pois todos os remidos haverão de participar de sua «natureza glorificada», de sua divindade de modo real, tal como sua participação da natureza humana foi real. Essa é a grande lição mística da encarnação. Ele é divino a fim de ser «admirado»; mas também é divino a fim de ser «duplicado» em «outros filhos», pois os remidos são filhos do mesmo Pai. Naturalmente, o Filho participou infinitamente da divindade, mas nossa participação será sempre finita. Contudo, a essência dessa participação é real; não é uma imitação. A eternidade inteira será passada enchendo o finito com o infinito, enchendo o que é secundário com o que é primário, havendo uma gradual e prodigiosa transformação da alma humana segundo a imagem e a natureza de Cristo (ver II Pe 1:4 e Cl 2:9-10). Lembremo-nos das outras lições: a lição de sua vida, a lição de sua morte, a lição de sua ressurreição e ascensão, a lição de sua infinita e interminável glorificação. Em tudo isso temos símbolos místicos do progresso e da redenção humanos. Pois em todos os pontos seremos assemelhados a ele, tal como em todos os pontos ele se fez como nós. «E todos nós com o rosto desvendado, contemplando como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito» (II Co 3:18). d. Jesus cumpriu a sua missão, tendo vivido a admirável vida que teve, tendo morrido como expiação pelo pecado, tendo sido ressuscitado dentre os mortos, e, nesse processo, foi transformado de homem mortal em homem imortal, assento ao céu e glorificado — e tudo isso como homem — pois ele foi o primeiro homem imortal de Deus, o padrão para o resto da humanidade. Nessa glorificação ele foi ainda mais profundamente transformado, e continua esperando sua glorificação maior, quando receber a sua Noiva, a igreja. A última porção do primeiro capítulo de Efésios demonstra que foi o infinito poder de Deus que realizou tudo isso, o poder de Deus através do Espírito. Eis que esse mesmo Espírito está em nós, e tenciona realizar em nós a mesma obra. Morremos a morte de Cristo, compartilhamos, de sua ressurreição e de sua ascensão e participamos de sua glorificação. Ele é quem preenche tudo em todos, e que está acima de todos; a despeito do que, o completamos, pois somos a sua plenitude, e nada tão elevado tem sido jamais dito acerca dos anjos. (Ef 1:23).

O próprio espírito sussurra aos nossos ouvidos qual é nosso elevadíssimo destino, pois o destino de Cristo é o nosso e sabemos quão grande ele é, e quão vasto é o seu destino, como cabeça do universo inteiro. A criação física inteira se impacienta, esperando essa poderosíssima manifestação dos filhos de Deus, como homens imortais, transformados e espantosamente glorificados — pois eles serão — verdadeiramente filhos e irmãos de Cristo, e não menos perfeitos (potencialmente sempre) e exaltados, embora cabeça e corpo tenham ofícios distintos. Outro tanto se dá com Cristo e a igreja. E assim como a cabeça de um corpo tem certa ascendência sobre esse corpo, assim também Cristo tem proeminência sobre a igreja. Não seremos sub-herdeiros dele, e, sim, co-herdeiros. Não estamos seguindo uma estrada diferente da dele, nem um alvo diferente do seu — seguimos exatamente a mesma estrada que Cristo, e visamos ao mesmo alvo. A predestinação de Deus assegura a obtenção desse alvo, e é nas provisões dessa predestinação que seremos totalmente «transformados», e não apenas perdoados de nossos pecados, nem apenas nos aproximando do «céu», conforme há muito tempo, o «evangelho» vem sendo pregado por partes da igreja. e. Por conseguinte, no que consiste a justificação? Consiste em um passo na direção do alvo, e que envolve o pecado que precisa ser eliminado, porque os filhos devem ser tão santos quanto o próprio Deus. E o que será a santificação? É apenas a estrada pela qual estamos caminhando, enquanto vamos sendo transformados moralmente à imagem de Cristo, o que também produz uma transformação metafísica, isto é, a transformação literal da natureza de nossos próprios seres. O nosso alvo, portanto, é a absoluta perfeição moral, não menos santa do que a santidade de Deus, que nos torna não (potencialmente) menos amorosos, não menos compassivos, não menos eficazes (em nossas respectivas esferas) na realização de sua obra e na expressão de sua natureza. Obteremos a imagem moral de Deus que os anjos não possuem e talvez jamais possuirão. O próprio Jesus ordenou que fôssemos perfeitos, tal como o Pai, nos céus, é perfeito (ver Mt 5:48). Esse é o nosso alvo eterno e a nossa transformação total tornar-se-á uma realidade. Possuiremos a natureza moral de Deus. Mais do que isso, possuiremos a imagem metafísica de Cristo, que está acima de todos, de todos os nomes, de todos os poderes, até mesmo dos poderes angelicais. Nossa participação nisso será total. Os termos «filhos de Deus» e «irmãos de Cristo» indicam algo tremendamente elevado e ainda que tivéssemos a perfeita descrição dessas verdades, do ponto de vista metafísico, não poderíamos compreender suas implicações. O nosso atual desenvolvimento não permitiria a completa apreensão dessas verdades profundíssimas. Portanto, que significa estar alguém em Cristo? Isso fala da atual comunhão mística com ele, por meio do Espírito. Já conhecemos algo da transformação à sua imagem, porque já estamos começando a viver a sua vida. A energia de sua vida, em sentido bem real, já transparece em nós, e o céu já desceu à terra, e ele nos circunda através de seu Espírito. De maneiras ainda desconhecidas, ele está conosco, mas esse estar conosco, com toda a probabilidade, consiste de uma real transferência de alguma espécie de energia espiritualizada que o Espírito de Deus transmite, e essa energia, mui provavelmente, é a substância da própria vida. Essa é a «salvação» presente, e a participação nessa salvação é que produz os atuais padrões de «santificação». E a santificação presente provoca as transformações metafísicas de nossas naturezas. E tudo isso está prenhe de autêntica imortalidade. Daí o crente parte para a ressurreição, então para a ascensão e, finalmente, para a glorificação, que não se trata de um ato isolado, mas de um processo, o que continua acontecendo até mesmo com Cristo, nosso irmão mais velho. E o alvo final é a perfeição e a transformação absolutas. É a tudo isso que se denomina de salvação, e esse é o evangelho anunciado por Paulo. O leitor poderá julgar, por si mesmo, quanto dessa verdade é pregada atualmente nas igrejas evangélicas. A simplificação do evangelho como — se resumisse ao perdão dos pecados e a uma viagem ao céu — tem prejudicado — a todos nós. E tem deixado os crentes desassossegados, porque,

interna ou externamente, perguntam se não há mais nada além disso? Os crentes, pois, ficam descontentes, pois o cristianismo tem perdido o seu fio cortante e desafiador. Precisamos pregar o evangelho de Paulo. Precisamos aprender o que isso significa na experiência diária. Precisamos conhecer, na realidade diária, o que significa estar alguém «em Cristo». 6. Paulo e Jesus Os estudos sobre o pensamento paulino, neste século XX, se têm devotado, especialmente, a três perguntas: 1. Qual a relação entre Paulo e Jesus? 2. Quais as fontes do pensamento de Paulo? e 3. Qual o papel da escatologia na doutrina de Paulo? Dessas três, a primeira — Qual a relação entre Paulo e Jesus? é mais vexatória e problemática. A distinção entre os dois pensamentos básicos de Paulo — justiça jurídica (Rm 1—4) e justiça /ética/ (Rm 5—8), tem-se desenvolvido em um estudo muito importante, e a maioria dos escritores sobre o assunto se tem pronunciado a favor da ideia «ética» como mais básica ao pensamento paulino posterior, como mais representativa de Paulo em seus anos maduros. Pelo menos pode-se dizer que isso certamente se parece mais com o pensamento expresso nas epístolas de Efésios e Colossenses e com a mensagem geral da redenção ou «salvação» (conforme se explicou na seção anterior), e que certamente essa é a mensagem central do apóstolo Paulo. Por conseguinte, temos um certo tipo de «misticismo de Cristo», a saber, Cristo, o Deus-homem que do céu desce a este mundo rodeado pelo mal, incluindo uma espessa nuvem de poder demoníaco. A união com Cristo (isto é, a comunhão mística com ele) tornou-se o principal conceito acerca do sentido e da direção da atual experiência humana. E essa união assegura a «ressurreição» juntamente com ele, que é o passo inicial da glorificação da alma. Esses pensamentos lançaram os fundamentos para uma série de estudos, e muitos intérpretes, ao lerem os evangelhos e as palavras de Jesus, segundo elas estão ali escritas, para em seguida lerem a Paulo, especialmente seus «escritos posteriores», como as epístolas aos Efésios e aos Colossenses, começaram a indagar se as duas mensagens ou «evangelhos» seriam realmente uma só. Alguns negaram isso em termos inequívocos. W. Wrede, em sua obra Paulus (1905), expôs a questão nos termos mais francos. Ali Paulo é visto não como verdadeiro discípulo do rabino Jesus, mas realmente um segundo fundador do cristianismo. A piedade individual e a salvação futura ensinadas por Jesus (ideias comuns ao judaísmo dos dias de Jesus) haviam sido transformadas, pelo teólogo Paulo, em uma redenção presente através da morte e da ressurreição do Cristo-Deus. Quem aceitar esse ponto de vista terá de escolher entre Jesus, e assim permanecer bem perto do judaísmo, ou terá de preferir a Paulo, entrando em uma esfera religiosa diferente. A tendência parecia permanecer com Jesus, e não levar muito a sério as ideias de Paulo. A controvérsia acerca da suposta diferença entre Paulo e Jesus conduziu a uma investigação ainda mais detalhada sobre as origens do pensamento paulino. F. C. Baur explicava o pensamento de Paulo à base dá controvérsia eclesiástica, isto é, Paulo era contrário ao judaísmo antigo, e, sendo o «helenizador» do cristianismo, fez declarações diversas que visam a afastar o cristianismo o mais possível do judaísmo. Schweitzer explicava que a origem do pensamento de Paulo era o seu problema escatológico peculiar, que era uma adaptação quase exclusiva das ideias do judaísmo posterior. Mas as pesquisas na história judaica não têm contribuído para consubstanciar essa ideia. Outros, como R. Reitzenstein e W. Bousset, pensavam que tinham encontrado o manancial do pensamento paulino, em uma espécie de mistura das religiões misteriosas orientais helenistas e de elementos doutrinários do judaísmo. É verdade que os mistérios falavam de

deuses que morriam e tornavam a viver, de «senhores» e de redenção por meio de sacramentos. Qualquer um que leia os clássicos, e suas adaptações religiosas posteriores, naturalmente verá os paralelos. Estudos posteriormente feitos abrandaram o impacto dessa ideia, mostrando, acima de tudo, que tais ideias não eram totalmente estranhas ao pensamento judaico, especialmente ao pensamento judaico posterior. Finalmente, observamos que a ideia da «religião misteriosa» não conquistou muita aprovação, embora tenha continuado a exercer grande influência sobre os estudos acerca de Paulo. Alguns também tentaram ligar o pensamento de Paulo com as ideias gnósticas, especialmente as ideias gnósticas acerca da natureza do mundo, seus muitos níveis de espíritos, autoridades, etc. (conforme alguns creem estar refletido em Efésios e no primeiro capítulo de Colossenses). Sabemos, todavia, que essas duas epístolas de fato são livros escritos contra as formas iniciais da heresia gnóstica, e não é provável que Paulo tivesse apoiado um acordo justamente com a heresia que atacava. Essas ideias sobre muitos níveis de espíritos, autoridades, etc, eram comuns ao judaísmo posterior, e Paulo não teria que tomar de empréstimo dos primitivos gnósticos essas ideias. Alguns têm argumentado que a menção de Paulo sobre «principados», «poderes», «potestades», e «domínios» não significa que ele tivesse aceito como verídicos os muitos níveis de poderes espirituais nos lugares celestiais, mas que meramente ao usar esses termos, dizia que, sem importar quais poderes existam, Cristo é o cabeça desses poderes, sendo Deus sobre todos. Mas isso equivale a subestimar o pensamento de Paulo, pois parece perfeitamente claro, na análise dessas passagens, que Paulo aceitava tais níveis de poder, embora não os tivesse descrito. Bultmann aproximou-se mais da verdade ao mostrar que Paulo estava alicerçado no judaísmo helenista e no cristianismo helenista, que tem seus conceitos básicos de dualismo ético em uma redenção sacramental; porém, dizer, como Bultmann asseverou, que essas ideias foram tingidas pelo gnosticismo, é um erro; porque, segundo elas aparecem nas epístolas de Paulo, dificilmente precisamos atribuí-las a quaisquer ideias gnósticas. Paulo concordava essencialmente com a declaração gnóstica de que existem vários níveis de seres espirituais, que existem princípios bons e maus neste mundo, cada qual investido de sua própria autoridade, tanto no céu como na terra. Porém, contrariamente aos gnósticos, o apóstolo ensinava que à testa de todos esses poderes avulta a pessoa de Cristo, que é o Deus e criador de tudo (ver Cl 2:8-16). Cristo não pode ser classificado em qualquer das categorias de espíritos. Os manuscritos do Mar Morto foram um embaraço para a identificação do gnosticismo com o pensamento paulino, segundo dizia Bultmann, posto que ali já se encontra expresso o dualismo ético que Paulo teria encontrado, supostamente, no gnosticismo, e que, subsequentemente, teria influenciado a sua doutrina. Portanto, essas ideias são anteriores ao gnosticismo. Contudo, não havia necessidade de esperar pelo descobrimento dos manuscritos do Mar Morto para sabermos isso, pois, a simples leitura da literatura antiga nos fornece essas ideias básicas. Para começar, o estudioso deve ler Platão, onde se encontram todas as ideias dualistas que alguém poderia desejar. Outrossim, no gnosticismo primitivo, não há a doutrina da «descida de um redentor» (esse foi um desenvolvimento posterior, no gnosticismo, sobre o qual o apóstolo não teve conhecimento), o que mostra que é impossível que a ideia paulina tivesse sido tomada de empréstimo do gnosticismo. E assim tem continuado a controvérsia, em que vários autores assumem diversas posições em torno da questão, como é o caso de Grant, que vê Paulo como homem cujo mundo espiritual se situa entre as ideias apocalípticas judaicas e o gnosticismo plenamente desenvolvido do segundo século da era cristã. Ele acha que a tendência de Paulo, ao interpretar a ressurreição, era, entre outras coisas, torná-la um triunfo sobre os poderes cósmicos. (De fato, Cl 2:15 diz exatamente isso). Mas Paulo não tinha de apelar para o gnosticismo para encontrar essa ideia, porque a necessidade de tal triunfo era

comum ao judaísmo posterior e o próprio Jesus expressou a mesma ideia, ao declarar: «Eu via a Satanás caindo do céu como um relâmpago», ver Lc 10:18 que contém detalhes sobre este assunto que concorda com a tese de Paulo que a obra redentora de Cristo, finalmente, triunfará sobre todos os poderes cósmicos malignos. Naturalmente, o próprio gnosticismo era sistema altamente misturado, pois tomava elementos emprestados da mitologia grega, da filosofia, das religiões misteriosas, de várias formas de misticismo oriental, e, diretamente, do próprio judaísmo, como também do cristianismo, depois que este entrou em cena. Portanto, é quase impossível dizer-se, «Isto Paulo tomou por empréstimo do gnosticismo», até mesmo nos casos que parecem «empréstimos» feitos daquele sistema. O mais provável é que ideias que Paulo e os gnósticos tinham em comum, eram simplesmente pontos de concordância, sem que houvesse qualquer empréstimo direto. A tendência, mais recentemente, tem sido negar, ignorar ou suavizar a suposta «Influência gnóstica sobre Paulo», à proporção que se vai entendendo melhor qual era o «meio ambiente de conceitos» do primeiro século. Não se pode negar, é claro, que muitas das ideias e expressões desse apóstolo refletem sua própria cultura, pelo que são «empréstimos» tirados das ideias correntes. Contudo, cremos que as grandes pedras fundamentais de sua doutrina se derivam de uma fonte superior, repousando sobre alicerce mais firme que a mera repetição de ideias comuns a todos. Levamos a sério sua reivindicação de haver recebido «muitas» revelações (ver II Co 12:1). Ele recebeu «visões e revelações», e fala de sua experiência no «terceiro céu», como ilustração desse fato. Ver Gl 1 e Ef 3:3 ss. Paulo era um místico de primeira ordem, e grande parte dos pontos distintivos do cristianismo repousa sobre suas visões, que se concretizaram nas Escrituras, preservadas para nós no Novo Testamento. A discussão acima, sobre as origens do pensamento paulino, leva-nos à conclusão de que apesar de grande parte da doutrina de Paulo não ser geralmente ouvida dos lábios de Jesus, isto é, na exposição que os evangelhos fazem dos ensinos de Jesus, em coisa alguma estava em desacordo com os ensinos essenciais dele. Paulo não teve, por outro lado, de pedir emprestado as ideias do gnosticismo. Outrossim, pode-se observar que a discussão inteira sobre as «origens» conforme ela é apresentada pelos autores mencionados, ignora por completo a questão da inspiração, dando a entender que Paulo não era inspirado pelo Espírito Santo, segundo ele declarava que era, ou que ele não aprendeu o seu evangelho por revelação, conforme ele mesmo declarou (Gl 1:12). A leitura das epístolas de Paulo não nos pode deixar de convencer que, quer isso expresse a verdade, quer não, o apóstolo pensava que aquilo que ensinava chegara ao seu conhecimento por meio de visões e revelações e que ele alicerçava o seu evangelho sobre esses fundamentos. Mais especificamente, acerca de Jesus e Paulo, podem-se fazer as seguintes observações. Os seus ensinamentos, descobre-se que Jesus era bom representante do judaísmo, em sua forma mais excelente; mas é um erro vê-lo apenas como tal. Pois ele se reputava divino, igual ao Pai, em uma posição metafísica altamente exaltada. Por exemplo, consideremos a sua declaração: «Eu o sou; entretanto, eu vos declaro que desde agora vereis o Filho do homem assentado à direita do Todo-poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu» (Mt 26:64). O sumo sacerdote ficou extremamente perturbado ante essa declaração, e rasgou as próprias vestes, pois para ele tal declaração parecia uma grande blasfêmia. Outrossim, o capítulo vigésimo quarto de Mateus (o «pequeno apocalipse» como é chamado), ensina de maneira bem definida um Jesus metafísico altamente exaltado, e não meramente um rabino judeu que não tinha as credenciais fornecidas pelas escolas judaicas. Parece claro, pela narrativa dos dias finais de Jesus e sua crucificação, que a principal acusação contra ele foi de que blasfemava, ao declarar-se mais do que um mero homem. O ponto de vista de Jesus sobre

sua missão messiânica não se limitava à de um mero homem que cumpria uma incumbência. Para ele, o Messias era um homem de origem celestial, dotado de um ministério celestial e terreno. Foi justamente esse o conceito que o levou à cruz, mas de fato ele não foi apenas um reformador. Sua declaração, em Mt 20:28, que diz: «...tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos», indica o conceito de Jesus acerca de sua vida e morte, cuja finalidade era oferecer expiação e vida espiritual, e não meramente servir de exemplo. A mesma verdade é destacada nos trechos de Mt 26:26-29; Mc 14:22-26 e Lc 22:14-20, onde Jesus instituiu a ceia memorial, á qual indica que Jesus contemplava sua missão como realizadora da expiação e de uma redenção sacramental. Não se pode dizer, por conseguinte, que Paulo tenha criado essa ideia, porquanto a sua passagem central sobre a questão — I Co 11:23-26 — é apenas uma compilação ou sumário do mesmo material de ensino que se reflete nos evangelhos. Portanto, a doutrina que alguns querem fazer-nos crer que foi tomada de empréstimo de alguma forma de gnosticismo ou de judaísmo helenizado, em realidade já estava presente nas palavras mesmas de Jesus. A expiação subentende a ideia básica da justificação pela fé. Essa doutrina não é claramente ensinada nos evangelhos; e poucos afirmam tal coisa. Mas a expiação é o alicerce dessa doutrina, e de fato, todo o sistema sacrificial dos judeus aponta para esse ensino. A expiação só se torna necessária quando o indivíduo não é capaz de fazer tudo por si mesmo, ou seja, quando a salvação, o «livramento» está fora de seus próprios recursos. O judaísmo inteiro, pois, salientava essa verdade. É verdade que a doutrina formal da justificação pela fé não é esboçada nos evangelhos, embora existam ali as condições básicas que requeiram a sua delineação final. É verdade que Paulo foi além do que se lê nas palavras de Jesus, nos evangelhos, mas isso não significa, necessariamente, que ele tenha contradito o Senhor. Ninguém procura ocultar o fato de que o cristianismo é um desenvolvimento dos pontos de vista preliminares dos evangelhos, e, realmente, esse fato é confiantemente proclamado, pois o próprio Paulo, ao mencionar as revelações que recebeu, declara que as doutrinas da igreja lhe tinham sido dadas para serem expostas por ele. Também ninguém afirma que os evangelhos fornecem uma clara apresentação da igreja. A Paulo foi dado o privilégio de fazê-lo. Mas Jesus antecipou e mesmo predisse que a sua igreja seria uma comunidade religiosa separada do judaísmo. Por conseguinte, dificilmente alguém pode pensar em Jesus tão-somente como um reformador do judaísmo. Há evidências de que Jesus se alienou da corrente principal do judaísmo desde quase o princípio de seu ministério. De fato, já no décimo sexto capítulo do evangelho de Mateus vê-se que uma nova comunidade estava se formando. No décimo oitavo capítulo do mesmo livro veem-se as regras básicas que os discípulos deveriam seguir em suas relações mútuas no seio da igreja. A partir do décimo sexto capítulo do evangelho de Mateus temos o arcabouço básico da «nova comunidade religiosa». Portanto, o que Paulo fez foi adicionar estatura a esse arcabouço, e, através das revelações que recebeu, indicou o destino da igreja, o qual, para sermos verazes, se encontra só nos escritos paulinos. Paulo nos fornece dimensões vastamente ampliadas acerca do destino do homem (que é descrito de modo breve sobre a seção «e» deste mesmo artigo). Ninguém afirma que Jesus, nos evangelhos, expôs qualquer coisa assim; mas as ideias não são contraditórias, e, sim, suplementares. Devemos dar atenção à declaração de Paulo, em Gl 2:2,6-8, onde ele mostra que propositalmente visou aos demais apóstolos, a fim de verificar se o seu evangelho não estava de acordo em alguma coisa com o que pregavam. Assim, descobriu que não havia desacordo algum, e, além disso, que nada podiam acrescentar ao que ele ensinava. Verificou que o evangelho de Pedro era igual ao seu, embora as suas esferas de atividade fossem diferentes,

pois Pedro fora enviado aos judeus, ao passo que Paulo fora enviado aos gentios. Pedro confirma o fato com suas próprias palavras, no segundo capítulo de Atos, ao falar sobre a expiação. E em At 15:10, lemos que Pedro disse: «E não estabeleceu distinção alguma entre nós e eles, purificando-lhes pela fé os corações. Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais puderam suportar, nem nós? Nessa oportunidade, como é claro, Pedro declarou a necessidade da «justificação mediante a fé». O ponto disso é que Paulo, quanto aos pontos básicos — sem pensarmos por enquanto sobre os grandes suplementos com que ele contribuiu para a mensagem cristã total, ou seja, as revelações especiais que recebeu — em coisa alguma estava em desacordo com os outros apóstolos quanto a essa doutrina. Certamente os outros apóstolos, que andaram com Jesus durante três anos, conheciam perfeitamente a sua doutrina e as suas intenções, e não se teriam deixado enganar por Paulo, se seus ensinos estivessem equivocados. É verdade que os ensinamentos de Jesus, conforme os encontramos registrados, eram principalmente éticos, mas essa ética não é contrária ao cristianismo paulino. Também é verdade que muitas das ideias de Paulo não se encontram nos registros sobre as palavras de Jesus, isto é, o silêncio reina nesses particulares; mas o próprio Paulo foi o primeiro a admitir tal fenômeno, ao dizer que as revelações lhe confiaram explicações novas quanto ao destino da humanidade. Nada mais se pode fazer, no sentido de pesquisar o Jesus histórico, do que aceitar o testemunho daqueles que foram seus íntimos, que o viram e que o imitaram. Os outros apóstolos também declaram-no Senhor da glória, personagem de elevadíssima estatura metafísica. O evangelho de João é uma declaração expandida dessa verdade. E um pequeno fragmento desse evangelho intitulado P(52), definidamente escrito em cerca de 100 D.C., mostra que esse evangelho provavelmente foi escrito antes do ano 100 D.C. Assim sendo, temos no evangelho de João uma das primeiras interpretações apostólicas da pessoa de Jesus. Pedro declarou, no primeiro capítulo de sua primeira epístola, que aguardamos do céu o SENHOR, o aparecimento de Jesus Cristo (ver I Pe 1:7), e que, através de sua morte e ressurreição, chega até nós a redenção e a expiação dos pecados (I Pe 1:18-20). A passagem de II Pe 1:17,18 menciona a glória da transfiguração que foi contemplada pelos apóstolos originais (conforme é descrita no décimo sétimo capítulo de Mateus), e isso faz parte da descrição de Jesus como personagem metafísico altamente exaltado, o Senhor da glória, conforme Paulo o denomina em I Co 2:8. No trecho de I Pe 4:11 nos é ensinado o domínio eterno de Jesus. Portanto, concluímos que o «Jesus teológico» se destaca com grande evidência nos escritos dos apóstolos primitivos de Jesus, como Pedro. Se Pedro não era capaz de interpretar corretamente a pessoa de Jesus, após tão longa e intensa associação que teve com ele (e o livro de Atos reflete o alto conceito que os apóstolos tinham de Jesus como personagem metafísico), então resta-nos conjecturar para descobrir quem era realmente Jesus. É importante notar que também nessa particularidade, Pedro e Paulo estavam de pleno acordo. Pode-se dizer, pois, que não pode ser comprovada qualquer contradição entre Jesus e Paulo. O que permanece de pé, e ninguém se aventuraria a negá-lo, é que estava reservado a Paulo revelar, através do Espírito Santo, as doutrinas mais profundas sobre a natureza do mundo dos espíritos, e o chamamento e o alto destino da igreja, conforme o judaísmo jamais pudera imaginar, e que Jesus meramente indicou de passagem. 7. Como Paulo comprovou seu apostolado. Uma multiplicidade de maneiras:

a. Ele foi diretamente comissionado por Cristo, o Senhor ressurreto, para esse elevado ofício, o que fica implícito na sua pergunta, «...não vi a Jesus, nosso Senhor?...» Essa mesma ideia é expandida em Gl 1:11 e ss. b. Seu poderoso ministério é salientado como uma prova do caráter genuíno de seu ministério, prova de sua comissão divina. E isso é declarado através da seguinte pergunta: «...acaso não sois fruto do meu trabalho no Senhor?...» Essa ideia é desenvolvida em várias outras passagens, como no segundo capítulo da epístola aos Gálatas, embora o seja mais particularmente ainda nos capítulos décimo a décimo segundo da segunda epístola aos Coríntios. Por essa razão é que Paulo pode asseverar: «...trabalhei muito mais do que todos eles...» (I Co 15:10). E isso não constitui uma reivindicação de pouca monta, proveniente como foi do contexto do cristianismo do primeiro século, quando foram realizados labores realmente extraordinários. c. O trecho dos capítulos décimo a décimo segundo da segunda epístola aos Coríntios nos fornece outras provas do apostolado de Paulo, incluindo suas experiências místicas e visões, que foram dadas a Cristo para confirmar o seu ministério e autoridade, bem como para aumentar a sua eficácia. (Ver especialmente o décimo segundo capítulo da citada epístola). d. Os sofrimentos especiais pelos quais Paulo passou também são apresentados como provas de seu ofício apostólico. (Ver II Cor. 11:23 e ss). e. Operações miraculosas, levadas a efeito por meio de dons especiais do Espírito Santo, também tiveram por propósito servir de prova dos verdadeiros apóstolos de Cristo. Os trechos de II Co 12:12 e o nono capítulo do livro de Atos em diante fornecem provas tanto das grandes realizações como dos extraordinários sinais operados por Paulo, tudo o que fazia parte integrante de seu ministério apostólico. Grande porção do livro de Atos serve de demonstração desses fatos, embora esse livro do N.T. não tenha sido escrito diretamente com essa finalidade, visto que, para Lucas, não havia necessidade alguma de apresentar defesa do apostolado de Paulo, já que o próprio Espírito de Deus lhe autenticava o ministério. f. O elevadíssimo conhecimento espiritual de Paulo, bem como o fato de que ele atuava como instrumento para revelar à igreja cristã o seu exaltado destino, no que Paulo se destacou acima de qualquer outro homem da história, também serve de prova de seu apostolado. Todas as suas epístolas, bem como os sublimes ensinamentos ali contidos, ilustram esse ponto (ver II Co 11:6 e Gl 2:2 e ss). g. Paulo foi um instrumento especial no avanço do evangelho de Cristo, tendo sido escolhido para essa tarefa desde o berço, tendo sido preservado para a mesma, até mesmo durante seus anos de rebeldia (ver Gl 1:13-24). A leitura dos trechos dos capítulos primeiro e segundo da epístola aos Gálatas e dos capítulos décimo segundo da segunda epístola aos Coríntios, fornece-nos várias outras provas menos decisivas, como aquelas aqui mencionadas, em defesa do apostolado de Paulo. Bibliografia AM DEIS (1926) EN IB ID ND NTI POR RID TI W WIK WR Z

Valentia de um submisso O Apóstolo Paulo, homem colérico, assim o chamam alguns exegetas. Colérico ־ como qualidade ־ muito trabalhador, resistente, serviçal e social, expansivo e generoso. Esquece com muita facilidade as ofensas. Alegre em geral, cordial e entusiasta. Sabe ser simpático,

objetivo naquilo que faz, hábil em persuadir, decidido convicto naquilo que faz. Esta era a personalidade de Paulo. Dentre os defeitos de Paulo antes de ter um encontro com Cristo, era a sua impulsividade, e às vezes a violência, era facilmente excitável, superficial, impaciente, contentando-se com resultados imediatos. Pensava estar sempre certo em seus julgamentos. Gostava de viver intensamente. Saulo ־ era de nascimento e criação. Saulo de Tarso era filho de pais hebreus e pertencia à tribo de Benjamim, sua cidade Tarso a principal cidade da Sicília, cidade "não insignificante". At 21: 39. Como jovem judeu ele recebeu educação ministrada apenas aos jovens judeus de futuro e foi educado aos pés do grande mestre judeu Gamaliel. Poucos podiam ser orgulhar em ter mais instrução do que Paulo no que se referia à educação que recebeu. Fp 3: 4-6. Era também cidadão romano livre. At 22: 28; 16: 37; 25: 11. O judaísmo foi seu ambiente religioso anterior a sua conversão. Tarso foi sua grande universidade e sua atmosfera intelectual, o palco dos principais anos de sua vida e o império romano foi o espaço político em que viveu e agiu. Este ambiente não parecia provável para alguém proclamar o evangelho, César Augusto provocou a decadência da república, exceto para a política, quando estabeleceu em 27 a. C. uma diarquia em que dividiu nominalmente o controle do Estado com o Senado. Infelizmente seus sucessores não levaram a habilidade nem o moral de Augusto e governaram mal. Calígula (37-41) d.C. esteve louco durante parte de seu governo; Nero (54-68) d.C., sob quem Paulo foi martirizado, e a Igreja enfrentou sua primeira perseguição, era um homem cruel e sanguinário que não titubeou em matar membros de sua própria família. Entretanto, Cláudio (41-54) d.C. foi um excelente administrador e o império conseguiu se estabilizar em seu governo. Foi em sua administração que Paulo fez a maioria de suas viagens missionárias. Voltando a falar da volta sobre a sua cidade natal, Tarso, a qual prezava muito, cujo cenário era muito belo e atraente, diz Paulo. "As imoralidades pagãs, ali praticadas, sem dúvida concorreram para impressionar a Paulo sobre a depravação humana". Rm 1: 26-27. Aqui Paulo considera a abominação do homossexualismo e da mulher a respeita do lesbianismo, degenerando a imagem de Deus e da humanidade. Em sua cidade ele foi criado segundo os costumes estritamente judeu e obtendo possivelmente noção da literatura pagã mas ocupando-se principalmente com o Cânon hebraico. Com a idade de treze anos, quando ele deveria torna-se filho da lei, transferiu-se para Jerusalém, onde residia sua irmã, e ali ficou entregue aos cuidados de Gamaliel, filho de Simeão e neto do célebre Hilel. Em Atos 5: 34, Gamaliel era grande tolerante. Ele apoiava em padrão de educação mais liberal do que se obtinha em outras escolas rabínicas. É bem possível que, não obstante seu espírito tolerante, teria influenciado às comissões dos fariseus que entrevistavam a Jesus com intuito de maranhá-lo nos seus discursos".

Embora Saulo fosse alguns anos mais moço que Jesus e estivesse ainda aos pés de Gamaliel durante o ministério público do Senhor, é razoável supor que ele viesse e ouvisse Jesus, ainda que tal conhecimento de Cristo segundo a carne II Co 5:16; I Co 9: 1. Não lhe inspirasse quaisquer interesse quanto à salvação, pelo contrário, Saulo aparentemente era antagônico a Cristo e sua causa. Verdadeiramente Saulo como fariseu dos fariseus chegou a ter Cristo como inimigo do farisaísmo, aquele que seguia um caminho antipatriótico o qual não daria a raça hebraica a emancipação que ele almejava; apesar de aluno de Gamaliel, Saulo não seguia o exemplo de mestre tolerante; porém com ardor impetuoso da juventude, prontificou-se a empreender uma cruzada para sufocar o cristianismo. No caminho para Damasco, consequentemente, quando Estevão recebeu a coroa de Mártir o jovem Saulo não hesitou em ficar com as vestes das testemunhas que conseguiram a condenação do nobre cristão e que o apedrejaram. At 7:58. Depois disso, Saulo obteve dos principais sacerdotes, autoridade para perseguir os cristãos e, principalmente em Jerusalém e depois em outras cidades ele continuava seu trabalho de exterminá-los", At 8: 1. Era um homem de ação: Rm 7:7. Parece que o décimo mandamento particularmente infundiu na sua consciência a convicção do pecado, que sistema ritual algum poderia tirar, apagar, exterminar. A conversão: foi também histórica objetiva. Ele falou dela como tal em I Co 9: 1; em 15:8 e também em Gl 1: 11-18 e At 9: 22, 26. A sua conversão vista também espiritualmente. Ao aproximar-se de damasco, quando perseguia os crentes em Cristo, uma resplandecente luz, que excedia o brilho do sol da Síria, lhe surpreendeu e ele ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, porque me persegues? Provavelmente o perseguidor, abatido, derrotado pelo próprio Deus, reconhecesse a voz, mas para ter certeza que era o próprio Jesus, ele grita! Quem és tu Senhor? E ouve a resposta. Eu sou Jesus, a quem tu persegues, então Saulo compenetra-se do fato de que Jesus fora morto pelo ódio farisaico, agora vive e se identifica de tal maneira com seu povo perseguido, que a perseguição do seu povo é sentida como a dele mesmo. A Saulo nada resta fazer senão render-se e entregar-se ao Salvador ressuscitado. Daí por diante Cristo é o Senhor da sua consciência e a sua única preocupação é conhecer o que seu Salvador quer que ele faça. Esta vontade de Jesus não é revelada imediatamente a ele é avisado que vá a Damasco, onde recebera mais esclarecimentos. Ali ele recupera a vista, é batizado por Ananias e recebe o dom do Espírito Santo, At 9:10-18. Semelhantemente a Cristo, Saulo foi Depois conduzido pelo Espírito para o deserto. Na Arábia ele passou bastante tempo em meditação. Havia um costume de troca de nomes Saulo foi diferente, o encontro com Cristo foi tão marcante em sua vida que ele trocou de Saulo para Paulo, que também o ajudou na pregação do evangelho e ser também cidadão romano. Antes de procurar qualquer dos apóstolo ele esteve três anos em comunhão com seu recém-encontrado Senhor e Mestre; alguns historiadores não precisam o tempo em que Paulo ficou no deserto, como já me referi, três anos, consequentemente, há dúvidas quanto a este tempo, outros vão mais longe citando em seus livros até quatorze anos ou quinze anos aproximadamente, mas não se sabe ao certo. Importante é que ele ficou algum tempo na dispensação do Espírito Santo para aprender mais sobre Jesus. Para lhe habilitar no

elaborar aquele conceito e norma do cristianismo que, de modo imorredouro, se dissocia a seu nome e que atualmente é chamado Paulinismo. O jovem que tornara-se mestre aos pés de Gamaliel, transformara-se aos pés de Cristo, no grande mestre da igreja, vertendo o cristianismo em religião universal, ou católica que é a mesma coisa. Em Jerusalém - meditação da Arábia - Saulo voltou "dirigido pelo Espírito Santo" a Damasco e logo foi para Jerusalém, a fim de passar quinze dias com Pedro nessa ocasião, sem sombra de dúvidas ele confirmou as sua pesquisas a respeito de Cristo e do seu evangelho, e partiu para Síria e a Sicília gozando deleitoso amor dos irmãos em Cristo Jesus, Gl 1:18-24. OBSERVAÇÃO: Eles consideravam apóstolos os que foram chamados por Jesus, mas Paulo ele se autoconsagrou apóstolo por ter Jesus se apresentado para ele, no caminho para Damasco. Tarso então tornou-se sua residência, provavelmente antes desta ocasião sua família mudara-se para Jerusalém e o julgava um desertor da religião e por isso indigno de atenção, simpatia e carinho. Ao se decidir a Cristo não consultara a carne e o sangue, Gl 1:16. Embora Paulo se referisse principalmente ao seu ministério apostólico, todo cristão em certo sentido foi separado pela graça a fim de que Deus revelasse nele seu Filho. Fomos separado do pecado e do presente mundo mau e cruel, a fim de vivermos em comunhão com Deus e testemunhar de Jesus Cristo diante do mundo, ser uma pessoa separada significa ser uma pessoa de Deus e parte de Deus e para Deus, vivendo na fé e na obediência que há em Cristo Jesus e para sua Glória e manifestação do seu Espírito. Agora regressando à sua cidade antiga não era seu desejo se encostar e ser pesado à família, pelo contrário, como testemunha de Cristo ele descobriria onde seus serviços seriam mais úteis. Para seu próprio sustento faria tendas, ofício que aprendera na sua juventude; e quando tivesse oportunidade daria testemunha da presença e do poder de Cristo. O Apóstolo aos Gentios - no princípio ele acreditava que a sinagoga e os seus concidadãos Judeus constituíssem o campo para o qual ele era especialmente preparado, At 22:19-21. Seu Senhor tinha opinião diferente. Os gentios seriam sua principal preocupação. Para esse trabalho especial, ele fora divinamente chamado à Ásia menor ao Arquipélago Egeu, a Grécia e Roma tornaram-se a paróquia, o maior de todos os missionários Cristão. Para o mundo hodierno as viagens deste cidadão romano têm maior significado do que as viagens de qualquer imperador. Abaixo de Jesus Cristo, seu Senhor e mestre, ele é o mais influente e convicto de todos os filhos dos homens. Aqui termino com a biografia de Saulo (Paulo) espero que tenha entendido também o seu chamado, foste comprado com o precioso sangue de Cristo convertido na cruz, não ficou uma só gota, porque o soldado que o espetou com a sua lança do lado, saiu água e colostro de sangue que purifica de todo o pecado, também o chama caro leitor a esta obra missionária em sua vida, para que se coloques também à disposição do Espírito Santo para fazer o mesmo. IDE! Extraído do livro “Valentia de um submisso” de Ronaldo Martins Marques

O Primeiro Relato da Conversão de Paulo (9:1-31) Depois de apresentar a aventura missionária de Filipe, Pedro e João, o autor de Atos resume a história de um de seus personagens, que apresentara, em 8:3, como perseguidor dos cristãos em Jerusalém. Este homem se torna a figura central na missão ao mundo gentílico. O seu nome judaico é Saul (Sha'ul); e, sendo da tribo de Benjamim, é evidente que o seu nome era uma homenagem ao primeiro rei de Israel, que proveio da mesma tribo. Mais tarde, passamos a conhecê-lo pelo seu nome romano Paulo. Lucas apresenta três vezes a experiência da conversão de Paulo. Talvez ele o faça para enfatizar a significação do acontecimento. A primeira narrativa, que é apresentada em forma de relato, no capítulo 9, é um interlúdio, antes da continuação com a ulterior obra missio-nária de Pedro em 9:32-11:18. As duas outras descrições são apresentadas como discursos de Paulo, que Lucas registra. Um dos discursos Paulo fez aos judeus em Jerusalém, enquanto estava nas escadas que levavam à fortaleza Antônia (22: 21). O outro, ele pronunciou diante de Herodes Agripa II (26:2-23). Em essência, temos a mesma história nas três apresentações, embora haja algumas pequenas variações a respeito de alguns dos detalhes. Através dos anos, tentativas têm sido feitas, por escribas, para harmonizar os três relatos, e fazer comentários a respeito das diferenças que realmente ocorrem. Nas narrativas acerca da conversão de Paulo no caminho de Damasco, aprendemos algo a respeito de sua vida pregressa. Ele nascera em Tarso, capital da província da Cilícia. Tarso era um grande centro cultural (ver 22:1-16). A universidade de Tarso se rivalizava com duas outras, em Atenas e Alexandria, quanto à supremacia na área de aprendizado. Em vez de receber a sua educação em Tarso, ou talvez em adição ao aprendizado recebido em Tarso, Paulo dirigiu-se a Jerusalém e estudou na academia rabínica dirigida por Gamaliel, que era o erudito judeu mais competente da época. Sendo descendente de Hillel, o mestre de Paulo naturalmente seguia a tradição mais liberal do judaísmo. Paulo abraçou os ensinamentos dos fariseus, e se tornou membro desse partido religioso do judaísmo. Ele via, nos ensinamentos de Estêvão, uma grande ameaça a toda a sua estrutura de pensamento no farisaísmo, e tomou a iniciativa de tentar dar fim a todo o movimento cristão. Do que verificamos em Atos, Paulo aparentemente era o único fariseu, ou, se não, era o único que certamente com mais zelo do que os outros empreendera qualquer ação contra os cristãos. Isto nos leva a questionar se o ímpeto persecutório de Paulo podia ser, de alguma forma, atribuído aos fariseus como grupo. Além de estar inteiramente saturado com a cultura hebraica, e ser um ardoroso paladino do modo de vida religiosa dos fariseus, conforme ficamos sabendo, Paulo era cidadão romano. Ele nascera com esse privilégio. Observaremos, mais adiante, que, em certas ocasiões, ele apelou para a sua cidadania romana, em momentos de crise. 1) No Caminho de Damasco (9:1-9) O movimento persecutório de Saulo cresceu em intensidade a partir dos seus estágios iniciais em prender os cristãos, ao ponto de ameaçar os discípulos de morte. Saulo também decidiu alargar o seu âmbito de operações, movendo-se, além da cidade de Jerusalém, para certas regiões onde os cristãos haviam encontrado refúgio, ao fugir da perseguição. Ele se

dirigiu ao sumo sacerdote, para conseguir papéis de extradição, com o intuito de deter qualquer pessoa que pudesse ter-se infiltrado nas sinagogas de Damasco. Não contamos com evidências de que, no primeiro século d.C, o sumo sacerdote pudesse promover a extradição de judeus que tivessem cometido alguma infração contra a lei religiosa. Depois de sua derrota diante de Pompeu, no Egito, Júlio César deu, a Hircano II, sumo sacerdote, o título de etnarca, porque ele o havia apoiado na campanha do Egito, através de Antípater (Josefo, Antig., XIV. 10.2,3). Com o título de etnarca, Hircano II tinha autoridade sobre todos os judeus, através do mundo, em assuntos religiosos. Visto que essa autoridade do sumo sacerdote não foi cancelada, presumimos que ele ainda a possuía, mas usava-a de maneira cautelosa. Por que teria Paulo escolhido especificamente a cidade de Damasco? Seria porque um número maior de cristãos havia fugido para essa região? Em Damasco, eles deviam ter entrado em contato com um grupo de judeus, conhecido como Pactuadores de Damasco, que compartilhava das suas opiniões em relação ao Templo. Sabemos, através de Josefo, que um grande número de judeus vivia nessa cidade (Guerras, II. 20.2; VII, viii, 7). No começo da revolta judaica de 66 d.C, dezoito mil judeus foram massacrados pelos damascenos (Josefo menciona esse número em VII.8.7, acima, porém dez mil em II,xx,2). Que autoridade estava no governo da cidade de Damasco naquela época? Eram os romanos, ou os nabateanos? Os debates ainda continuam a este respeito. Desde o tempo de Pompeu, que tomou posse da cidade em 63 a.C, Damasco passara a fazer parte da província romana da Síria. A ausência de moedas romanas em Damasco, de 34 a 62 d.C, é aceita, por algumas pessoas, como prova suficiente de que os nabateanos, sob o governo de Aretas IV, governavam a cidade quando Paulo para ali se dirigiu. Paulo, em sua correspondência com os coríntios, nos revela que o governador sob o domínio de Aretas tentou prendê-lo; mas ele escapou, sendo baixado do muro da cidade em um cesto (II Co 11:32,33). Isto parece indicar que Aretas tinha jurisdição apenas fora da cidade, e estava pronto para prender Paulo logo que ele deixasse as portas da cidade. Com os papéis de extradição da parte do sumo sacerdote, Paulo viajou para Damasco com uma caravana, a fim de prender alguns do Caminho. Esta é a primeira vez que encontramos o uso de "Caminho" para descrever os seguidores de Cristo. Seis vezes, em Atos, os cristãos são mencionados como os do Caminho (v. 2; 19:9,23; 22:4; 24:14,22). Essa expressão ocorre apenas nas passagens que estão relacionadas diretamente com Paulo. A expressão "o caminho do Senhor" era uma das proclamações de esperança aos exilados babilônicos, usada em Dêutero-Isaías (40:3). Esta também era a palavra de ordem da comunidade de Qumran. Na literatura rabínica, derek (caminho) era usado frequentemente, para se referir aos costumes do judaísmo. Essa palavra podia ser sinônima de caminhar ou modo de vida (halachah), que havia-se tornado um termo técnico dos fariseus, para indicar uma regra de comportamento. Seja qual for a origem da expressão, é claro que a descrição era feita pelos adversários da comunidade cristã, e foi usada para definir o movimento como uma nova seita do judaísmo. Quando Paulo e a caravana chegaram perto de Damasco, uma luz brilhou do céu e ele ouviu uma voz. Lucas enfatiza, aqui, bem como em outras partes, o testemunho de dois sentidos, de forma que a experiência não podia ser menoscabada como uma ilusão. Nos relatos dos capítulos 22 e 26, Lucas diz que a experiência ocorreu por volta do meio-dia. A voz disse a Paulo: Saulo, Saulo, por que me persegues? No capítulo 26, a narrativa declara que Paulo ouviu a voz em língua hebraica. Como resposta, Paulo perguntou: Quem és tu, Senhor? Não

devemos supor que o uso da palavra Senhor sugerisse um reconhecimento imediato de Je-sus como igual ao Deus do judaísmo. A palavra Senhor, em grego, pode significar inúmeras coisas. O que Paulo quis dizer, ao usar o título que usou, era simplesmente o que dizemos quando encontramos um desconhecido: era simplesmente um termo de cortesia. Em res-posta à pergunta de Paulo, é revelada a identidade da voz. Era o histórico Jesus de Nazaré, que ressuscitara dentre os mortos. Em suas epístolas, Paulo considera esta experiência com o Cristo ressuscitado como igual às aparições de Jesus aos apóstolos e a outros. É interessante notar-se que, na visão que Paulo teve, Jesus se identifica com a comunidade cristã. Perseguir os cristãos é equivalente a persegui-lo. Jesus instruiu Paulo a continuar rumo a Damasco, e ali ele receberia instruções sobre o que deveria fazer.

Os homens que acompanhavam Paulo na caravana, de acordo com o capítulo 9, ouviram a

voz, mas não viram ninguém. Na descrição da mesma experiência, no capítulo 22, eles viram a luz, mas não ouviram a voz. No capítulo 26, Paulo ouviu a voz e viu a luz — nada é dito a respeito dos outros. Parece, de fato, estranho que Lucas não percebesse essas

discrepâncias, ao relatar essa experiência.

Quando Paulo se levantou do chão, não podia ver. Os homens que o acompanhavam levaram-no a Damasco. Lucas diz que, durante três dias, Paulo não comeu nem bebeu. A sua abstinência não foi uma forma de exercício espiritual, mas devido a um estado de

choque, consequente à experiência recente.

A confrontação de Paulo com Cristo ressuscitado, na estrada de Damasco, transformou-o de um dedicado perseguidor da Igreja, em um fervoroso seguidor de Cristo. Podemos imaginar numerosos acontecimentos que ocasionaram essa mudança. Talvez, desde o dia em que

Estêvão fora apedrejado, ele ficara grandemente impressionado com o testemunho dos cristãos. Para encobrir qualquer tendência de aceitar o testemunho dos seguidores de

Cristo, ele se lançou em um caminho de rebeldia, e perseguiu o movimento ainda mais. Essa tensão interna finalmente explodiu, e ele teve a visão celestial. Alguns psiquiatras explicam que a experiência foi um acesso psicogenético. Paulo está demasiadamente

distante de nós no tempo, para que tentemos uma psicanálise de sua personalidade. 2) A Visita de Ananias (9:10-19a)

Ananias, discípulo morador em Damasco, recebeu uma visão do Senhor para servir de

intermediário a Paulo. Em 22:12, ficamos sabendo que ele era "varão piedoso conforme à lei" e que era grandemente respeitado pelos judeus que viviam em Damasco. Não é provável que

ele fosse um dos cristãos que fugira de Jerusalém, mas, pelo contrário, era um damasceno que crera antes da perseguição, porque Ananias disse que havia ouvido falar acerca do mal que Paulo havia causado aos santos em Jerusalém. Se ele apenas havia ouvido falar disso,

dificilmente teria sido envolvido pessoalmente, ao ponto de fugir, para sua segurança.

Lucas apresenta os detalhes todos da visão que comissionou Ananias para a tarefa de dirigir-se a Paulo. Ananias fica sabendo o lugar em que Paulo está hospedado. Ele estava na casa de um homem chamado Judas, que vivia na rua chamada Direita. Esta rua corre de

leste para oeste, através da cidade, e é conhecida hoje como Darb el-Mostakim. Para abrandar quaisquer temores que porventura se levantassem na mente de Ananias, o Senhor lhe disse que Paulo estava orando, e estava sabendo da futura visita de Ananias.

Ananias fez o que muitas vezes fazem as pessoas que se esquecem de que Deus conhece

todos os assuntos. Ele tentou informar o Senhor acerca da atividade perseguidora pregressa de Paulo. O Senhor revela a Ananias que Paulo é um vaso escolhido para testificar ao mundo gentílico. Não sugere isto que Ananias comissionou Paulo como apóstolo aos

gentios? O próprio Paulo nega que recebeu o seu apostolado de homens ou através de homens (Gl 1:1). Além do mais, o relato de sua experiência, feito no capítulo 2, mostra que o

seu chamado aos gentios ocorreu enquanto ele estava em um transe no Templo (v. 17-21) — indubitavelmente uma renovação da vocação que havia acontecido anteriormente em sua experiência.

Ananias dirigiu-se à casa onde Paulo estava hospedado, ainda com medo de desincumbir-se

de sua missão. Colocou as mãos sobre ele e chamou-o de irmão, para identificar Paulo como participante da comunidade. Ananias informou Paulo que o Senhor Jesus, a quem ele encontrara na estrada, o havia enviado para que pudesse recuperar a vista e ser cheio do

Espírito Santo. Paulo recuperou a vista, recebeu o batismo e comeu algum alimento. Lucas deixa de mencionar que Paulo recebeu o Espírito Santo. Isto é simplesmente pressuposto.

3) Paulo Prega em Damasco (9:19b-25)

Lucas diz que Paulo permaneceu em Damasco alguns dias. Paulo diz, em Gálatas, que foi para a Arábia, após sua experiência, e depois voltou a Damasco. O tempo que se passou foi

de três anos (Gl 1:17,18). Durante o seu tempo de residência em Damasco, Paulo pregou nas sinagogas. Os dois ensinamento básicos, na sua pregação, foram que Jesus era o Cristo e que era o Filho de Deus. Esta é a única vez em que o título de Filho de Deus é dado a

Jesus em Atos, mas Paulo frequentemente usa-o em suas epistolas. Esta pode ser outra indicação da familiaridade do autor com a terminologia de Paulo.

Paulo criou uma grande agitação entre os judeus de Damasco. A sua capacidade de usar textos de prova, para demonstrar que o Jesus histórico era o Messias de Deus, confundia os

judeus. Não se passou muito tempo sem que os judeus tramassem matá-lo. Um informante, do acampamento inimigo, informou Paulo a respeito do complô. Os judeus colocaram

guardas diante das portas da cidade, para impedir Paulo de fugir. De noite alguns dos discípulos ajudaram Paulo em sua fuga de Damasco. Baixaram-no em um cesto, por sobre o muro. O texto de algumas versões diz os seus discípulos (Versão Atualizada da SBB e

outras), o que parece indicar que Paulo permaneceu em Damasco o tempo suficiente para reunir, ao seu redor, um grupo de discípulos.

4) Paulo Vai a Jerusalém (9:26-30)

Como foi notado anteriormente, Paulo, em sua Epístola aos Gálatas, disse que fora para a Arábia, e depois retornara a Damasco. Foi depois de um intervalo de três anos que ele decidiu ir a Jerusalém. Quando foi, visitou Pedro por quinze dias, mas não viu nenhum dos

outros apóstolos. No entanto, ele encontrou Tiago, o irmão de Jesus (1:17-19).

Lucas faz com que o retorno de Paulo a Jerusalém seja subsequente a uma permanência, em Damasco, de alguns (v. 19) ou muitos (v. 23) dias. De acordo com o autor de Atos, Paulo não achou, a esperá-lo, o tapete vermelho de boas-vindas, quando chegou a Jerusalém. Os discípulos não se confiavam a ele. A história de sua conversão era incrível. Eles ainda o olhavam com suspeita. Barnabé foi o único que creu em Paulo o suficiente para responsabilizar-se por ele. Baseando-se, provavelmente, na fé que Barnabé tinha, na sinceridade de Paulo, os outros discípulos aceitaram o ex-perseguidor como parte da comunidade. Os apóstolos, Barnabé e os cristãos judeus, em Jerusalém, ao que parece, não haviam suportado o ímpeto de purificação, que Paulo havia experimentado, do elemento helenista dentro da igreja. Eles não tinham a mesma atitude liberal a respeito da Lei e do Templo que Estêvão e os outros possuíam. Não obstante, eles devem ter temido que os judeus os associassem com ideias semelhantes, visto que eles pertenciam ao movimento. Isto certamente os tornaria suspeitosos a respeito de Paulo. Eles primeiramente pensaram que ele estava fingindo ser um deles, para conseguir algumas provas, e então prendê-los. Paulo continuou a obra de Estêvão, em Jerusalém, disputando com os helenistas. Ele dirigiu-se a eles, porque estava mais familiarizado com os seus costumes. Não se passou muito tempo sem que a vida de Paulo corresse perigo. Quando os discípulos de Jerusalém descobriram que os judeus helenistas estavam planejando mata-lo, levaram-no para Cesaréia, e o enviaram a Tarso. Bibliografia T. C. Smith

Graça Ef 2:8: Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; Observações Preliminares A palavra portuguesa graça vem do latim gratus, «agradável», «amável». As três graças clássicas da sorte, da fortuna e da providência expressavam o conceito dos antigos sobre as graciosas operações do poder divino. Dentro da teologia cristã, a «graça» veio a indicar o favor divino, gratuitamente oferecido, com base na missão de Cristo, recebida através da confiança humana na Palavra de Cristo. Os termos hebraicos e gregos traduzidos por «graça» envolvem um certo número de significações na Bíblia, a saber: 1. Beleza física, com formas graciosas (Pv 1:9; 3:22). 2. O favor e a bondade divinos, para com os homens, ou então de um ser humano para com outro (Gn 6:8; II Sm 10:2; II Tm 1:9). 3. A glória futura, a vida eterna em todo o seu potencial (I Pe 1.13).

4. O evangelho, que anuncia a graça divina, em contraste com a lei mosaica (Jo 1:17; Rm 6:14; I Ped. 5:12). 5. Os dons espirituais (no grego, charísmata) (Rm 15:15; I Co 15:10; Ef 3:8). 6. As virtudes cristãs, como o amor, a liberalidade e a santidade, que também podem ser chamadas de «graças» (II Co 8:7; II Pe 4:12). 7. A edificação espiritual, conferida pelo Espírito Santo, é uma graça (Ef 4:29). 8. A nossa linguagem torna-se temperada com sal, quando serve para comunicar ideias que servem para edificar e para fomentar a santidade (Cl 4:6). 9. Ser alguém chamado para a graça é ouvir o anúncio do evangelho, possibilitando-o de receber os seus benefícios (Gl 1:15). 10. O principio da graça divina, em contraste com a lei e os méritos humanos, através de cujo princípio a salvação é oferecida aos homens. A misericórdia e a graça divinas são dadas aos homens sobre o fundamento da missão de Cristo, recebidas pela fé (Ef 2:5,8; Cl 1:6). Esse aspecto da graça é que é discutido no artigo que se segue. Esboço a. O Vocábulo. No Grego, Charis b. Palavras que Indicam Graça c. Graça como Meio de Salvação d. A Graça no Antigo Testamento e. A Graça no Novo Testamento f. Graça como Atitude Divina para com o Homem g. A Graça, Conforme é Vista na Igreja h. Sumário do Uso do Termo Graça no Novo Testamento i. Descrições Teológicas das Operações da Graça j. Interpretações Históricas e Teológicas Sobre as Funções da Graça de Deus a. O vocábulo: No grego é charis. A palavra traduzida por «graça» envolve muitos sentidos. Significa graciosidade, atrativos (ver Josefo, Antiq. 2,231), favor, cuidados ou ajuda graciosa, boa vontade (ver At 11:2; Rm 3:24 e Gl 1:15), saudação nas cartas, bênção expressa no fim das mesmas ou o desejo de bem-estar acerca dos leitores dessas cartas. Isso ocorre em todas as epístolas de Paulo, aparecendo ali os significados de aplicação prática da boa vontade, favor, dom gracioso, bênção graciosa (ver II Co 8:4,6 e ss, 19); favor divino e gratuito. Deus é o Deus de toda a graça (ver I Pe 5:10; I Co 1:4 e II Co 4:15); pelo que esse vocábulo também indica os efeitos produzidos pelo modo gracioso como Deus trata com os homens (ver II Co 8:1; Rm 1:5; 12:3; 15:15; I Co 3:10; Gl 2:9 e Ef 3:2) e também o sentimento de gratidão (ver Hb 12:28 e Rm 7:25). b. Palavras que indicam graça: além do próprio termo grego, «charis», diversas outras palavras são aliadas ao mesmo, quanto ao seu sentido, e, com frequência, essas palavras são usadas em conexão com as ações graciosas de Deus para com os homens. A graça envolve temas como o «perdão», a «salvação», em seus aspectos inicial, progressivo e final, a «regeneração», o «arrependimento», o «amor», a «longanimidade» e a «misericórdia» de Deus. c. A graça como meio de salvação. O sistema soteriológico de graça-fé. 1. Esse é o conceito teológico da graça, mostrando como o mesmo opera na redenção do homem, usualmente em contraste com o sistema da «lei».

2. Isso incorpora as ideias dos vocábulos alistados nos pontos a e b, acima, a saber, o livre-favor de Deus, os seus «dons» aos homens, a sua bondade incomensurável, etc, e tudo com base no próprio desígnio divino, e não no valor do próprio indivíduo. 3. Esse «livre-favor divino» é recebido (mas nunca merecido) mediante a fé, conforme nos ensina o presente versículo; e essa é a teologia padrão de Paulo. 4. A graça opera por causa do «amor» de Deus e através do mesmo, mas sempre com o tempero de sua «misericórdia». A graça é divina, e não tem sua origem no homem, ainda que a perversidade humana possa rejeitá-la ou anulá-la. 5. A graça é «mediada» pela eleição divina, isto é, o decreto de Deus, embora isso não elimine o livre-arbítrio humano. Porém, de que modo a eleição e o livre-arbítrio podem ser verdadeiros ao mesmo tempo, não sabemos dizê-lo. (Ver Rm 8:29 e 9:15,16 quanto a uma discussão acerca do problema das relações entre o livre-arbítrio e o determinismo). 6. A graça, embora mediada pela eleição, opera universalmente, visando à salvação de todos os homens (ver Rm 11:32; I Pe 3:18-20 e 4:6); e isso também mediante decreto e favor divinos. Também não sabemos como ambas as coisas podem ser uma verdade, mas aceitamos tal fato. Há um certo modo pelo qual Deus usa o livre-arbítrio humano sem destruí-lo, ainda que não saibamos explicar como isso sucede. As limitações do conhecimento humano, entretanto, não eliminam o valor da veracidade de certas proposições bíblicas. A fé pode ver e aceitar verdades mais elevadas do que pode fazê-lo a razão. 7. Dentro do sistema da graça-fé, Deus redime o homem de modo totalmente à parte de seus méritos pessoais, e não em cooperação com os mesmos, porquanto a salvação vem exclusivamente pela fé, independentemente de obras. (Ver Rm 3:24,28). 8. Contudo, segundo certo ângulo, a graça e as obras são sinônimas. A salvação deve incluir, necessariamente, a «santificação»; e esta última, como é claro, tem de incluir obras santas. Outrossim, os galardões determinam a extensão da glorificação, e os mesmos estarão alicerçados sobre as nossas obras. Mas essas obras não são as obras da lei e nem têm qualquer alicerce sobre os méritos humanos. Antes, são aspectos do fruto do Espírito (ver Gl 5:22,23), sendo produzidos no homem pelo Espírito, à medida que este se transforma segundo a imagem de Cristo. Sem isso, ninguém jamais verá a Deus (ver Hb 12:14). Todavia, visto que essas «obras» resultam das operações do Espírito, nada tendo a ver com o poder e o mérito humanos, na realidade são exteriorizações da graça divina. Portanto, essas duas realidades espirituais são sinônimas, meras perspectivas diversas pelas quais contemplamos o mesmo processo. A «graça» assinala o fato de que o dom da salvação é algo totalmente «divino». As «obras», de acordo com a exposição acima, indicam aquilo que realmente é feito no homem e através do homem, pelo Espírito Santo. Não há qualquer contradição, pois, entre a graça e as obras, se ambas forem entendidas «espiritualmente». Essas «obras» não redundam em mérito humano, não se baseando na obediência à lei, considerada esta como um sistema. Pelo contrário, resultam da lei divina, escrita nas tábuas do coração. Operam segundo a «lei do Espírito», a força santificadora que atua sobre o crente (ver Rm 8:2). 9. Cada passo progressivo da vida cristã se deve à graça. (Ver II Co 3:18, acerca do poder transformador do Espírito). A «chamada» vem pela graça (ver Gl 1:5); o «arrependimento»

também se deve à graça (ver II Tm 3:5); e a própria «fé» tem origem na graça, pois também vem do Espírito (ver Ef 2:8 e Gl 5:22). 10. A graça não elimina a obediência, mas antes, torna-a imperiosa (ver Rm 1:5 e 6:17). A graça requer a «santificação», sendo a produtora desta última, porque é mediadora do poder do Espírito Santo, o qual é o agente dessas operações. A obediência e a santidade são meramente termos que apontam para a mesma realidade, a «santificação», mediante o que a imagem de Cristo vai sendo formada em nós. 11. Portanto, aquilo que realmente torna santos os homens não é a lei, e sim a graça, e a santidade de que o homem necessita é a própria santidade divina, a única que Deus pode aceitar nos seus remidos. (Ver Rm 3:21 acerca da «santidade» ou «justiça» de Deus, dada aos homens dentro do sistema da graça-fé). 12. Portanto, ninguém pode começar pela graça e então passar a seguir a lei, como guia da conduta diária. A lei não pode guiar o crente, da mesma maneira como não poderia tê-lo salvo, a principio. A graça transcende ao poder da lei, e somente esse poder transcendental pode redimir, realmente, uma alma eterna. Dentro do sistema da graça-fé, o indivíduo se reveste de «Cristo», mediante a comunhão mística; e isso exige a sua santidade, e então a assegura, pois, do contrário, não terá ele sido salvo pela graça, sob hipótese alguma (ver Gl 3:27). Mas o Espírito que nos apresenta a Deus Pai, e nos torna filhos de Deus, garante a santidade e a salvação plena. 13. A salvação, portanto, é um processo místico, produzido pelo Espírito que vem habitar nos homens e ter comunhão com eles. Esse é um produto da graça, já que a lei jamais poderia proporcionar tal coisa. 14. O Espírito Santo leva os homens a viverem segundo a lei do amor, espiritualizando-os e levando-os a cumprirem a lei inteira (ver Gl 5:13,14). A fé opera mediante o princípio do amor (ver Gl 5:6). 15. A graça não elimina a lei da colheita segundo a semeadura, porquanto reforça a responsabilidade humana, em vez de eliminá-la. Na graça o indivíduo pode e deve ser santificado, pois, de outra maneira, nunca poderá ver a Deus (ver Hb 12:14 e Gl 6:7,8). A graça torna tudo isso possível, pois serve de mediadora do Espírito divino para com os homens. A lei nunca poderia mediar o contato místico, porque somente mostrava o pecado, exigindo uma retidão que os homens não podem mesmo produzir. 16. A graça assegura que a salvação será finalmente completada nos remidos, no caso daqueles que tiverem confiado em Cristo, levando-os da conversão à glorificação final (ver Rm 8:14-39). Se alguém desviar-se (o que as Escrituras ensinam ser possível), será trazido de volta, ou nesta vida física, ou além do sepulcro, em alguma dimensão espiritual, de tal modo que a promessa de Cristo se cumpra, tendo ele garantido que «nenhuma ovelha» se perderá. A graça é aquela medida constante e poderosa que jamais permitirá que se perca aquele que confiou em Cristo. A queda é algo relativo à vida anterior às fronteiras eternas. Mas á «segurança» deve, finalmente, caracterizar o crente, porquanto «pertence» ele a Cristo, mesmo que do Senhor se tenha desviado e perdido contato com o Espírito. Na graça, a «segurança» é absoluta, pois essa. é a promessa de Deus. Nada poderá separar-nos, finalmente, do amor de Deus, que há em Jesus Cristo, ainda que, temporariamente, nossa própria perversidade possa fazer tal coisa. Deus tem suas maneiras graciosas e convincentes de eliminar, por fim, essa perversidade humana.

17. Apesar de que a graça, naturalmente, como uma proposição teológica, se alinhe juntamente com a predestinação e a eleição, pois nelas todo o crédito da salvação humana é atribuído a Deus, o que a graça também declara, não é ela contraditória ao livre-arbítrio e à responsabilidade humana. Isso é confirmado tanto pela doutrina neotestamentária como pela experiência diária. A própria graça possibilita uma salvação universal (ver Rm 11:32); e o seu produto, a cruz de Cristo, atrai todos os homens a Cristo (ver Jo 12:32). Os decretos divinos são estabelecidos na graça; e de alguma maneira eles cooperam com o livre-arbítrio humano e se utilizam deste, sem destruí-lo. Porém, como isso ocorre, não sabemos dizê-lo. Existe uma graça «geral» e também uma graça da «eleição». Mas como reconciliar esses dois aspectos entre si, não sabemos. Sem dúvida serão dois lados de uma verdade maior, que algum dia haveremos de compreender. d. A graça no A.T. Paulo dá a entender que o caminho de salvação é o mesmo, tanto no Antigo quanto no Novo Testamentos. Os capítulos quatro e nono a décimo primeiro da epístola aos Romanos, com suas muitas citações do A.T., comprovam o ponto. Os oponentes do apóstolo dos gentios, porém, nunca aceitaram essa tese, porque, na realidade, a ideia mais difundida no A.T. é a da «lei» e da salvação mediante a obediência a essa lei. Nada existe de mais susceptível à prova do que assim é que toda a cultura judaica, antiga e moderna, tem compreendido a questão. A ideia paulina era revolucionária, produto de uma revelação superior, não tendo sido aceita pela maioria dos religiosos antigos, principalmente pela igreja cristã judaica, conforme vemos no décimo quinto capítulo do livro de Atos. Ver sobre Legalismo. No entanto, muitos dos «irmãos legalistas», continuando a confiar na circuncisão e nas obras da lei, eram crentes autênticos, pois haviam recebido o toque do Espírito Santo e se tinham convertido ao Senhor, tendo a Cristo como seu «Cabeça» (ver Cl 2:19). Deus tem tempo para corrigir as nossas «crenças». O essencial não é a fé em algum credo, e, sim, se um homem foi ou não tocado pelo Espírito transformador. E condições idênticas prevalecem na igreja cristã de nossos dias. Muitos crêem que, de algum modo, estão fazendo acréscimos à sua salvação mediante atos de devoção, ritos, sacramentos, etc. Porém, estão equivocados. Todavia, muitos deles aparentemente conhecem experimentalmente a Cristo e o têm como seu Cabeça. E isso faz com que pertençam ao Senhor. Apesar de que não se pode demonstrar claramente no A.T. o sistema da graça-fé, em contraste com o sistema da «lei», aqui e acolá aparecem pontos de «discernimento» quanto ao princípio mais elevado da graça, antecipando os ensinamentos neotestamentários. A ilustração de Paulo acerca de Abraão, no quarto capítulo da epístola aos Romanos, com base na narrativa do A.T., é exemplo disso—Abraão foi justificado pela fé. Com isso, como é claro, os legalistas não concordavam. (Ver Dt 7:7,8, onde se aprende que a eleição do povo de Israel se baseou exclusivamente sobre a vontade de Deus; e isso antecipa o ensino da «graça», ainda que talvez não declare diretamente tal princípio). Por igual modo, várias indicações atinentes ao «arrependimento», que reconhecem ser este o recebimento de um novo coração, algo que depende de uma operação no íntimo, e não de mera obediência externa ao princípio legalista, comprovam o que acabamos de declarar. (Ver Jl 2:13; Ez 18:31). O novo coração é dom da graça divina (ver Jr 31:31-34); pelo que a graça é antecipada em certos trechos do A.T., quando estes falam sobre o arrependimento. e. A graça, nos escritos neotestamentários, não-paulinos. O termo «charis» nunca aparece nos lábios de Jesus, nos evangelhos Sinópticos. Porém, diversas das suas parábolas ensinam o «princípio da graça», como um ato divino. (Ver Lc 14:16-24 e 15:20-24. Ver

também Mc 1:15; 6:12 e Lc 24:27). O livro de Atos, igualmente escrito por Lucas, indica, com grande frequência, que a salvação vem pela fé, a parte das obras (ver o décimo quinto capítulo de Atos, na decisão do concilio de Jerusalém, que se manifestou sobre a questão). Por semelhante modo, nos capítulos um e dois da primeira epístola de Pedro e também em I Pe 3:7 e 5:10, aprende-se estar em operação o princípio da graça, com prístina clareza, embora o assunto não seja ali tão bem desenvolvido como nos escritos de Paulo. A epístola aos Hebreus emprega muitas palavras que indicam a «graça». (Ver Hb 2:9; 12:14,15,28. Ver também acerca da expressão «trono da graça», em Hb 4:16; e da expressão «Espírito da graça», em Hb 10:29). O evangelho de João não desenvolve o conceito da graça, mas apenas salienta a necessidade de «fé» para haver a salvação, o que é um elemento básico do sistema da graça. (Ver Jo 3:3—5,16). A «graça e a verdade» vieram por meio de Jesus Cristo, em contraste com a «lei», que viera por intermédio de Moisés (ver Jo 1:17). Dessa forma, apesar de que somente o apóstolo Paulo desenvolve as descrições teológicas do sistema da «graça-fé», o N.T. inteiro é um documento que ilustra essa verdade. Moffatt, por conseguinte, estava com razão, quando escreveu: «A religião do N.T. é a religião da graça; em caso contrário, nada é, nem é graça e nem é evangelho». (Grace in the New Testament, pág. xv). f. A graça como atitude divina para com os homens. «A essência da doutrina da graça é que Deus é por nós. E, o que é mais, ele é por nós, embora nós mesmos sejamos contra ele. Mais ainda, ele não é por nós meramente como uma atitude geral, mas tem agido eficazmente em nosso favor. A graça é sumariada no nome Jesus Cristo... Jesus Cristo é Deus por nós... tudo isso é verdade porque Cristo veio, morreu, ressuscitou e 'a graça veio por meio de Cristo Jesus' (Jo 1:17). A encarnação do Filho de Deus, o seu sofrimento obediente, a sua morte como sacrifício e a sua ressurreição triunfal, não nos mostram apenas que Deus é gracioso, mas o próprio ato gracioso de Deus, porquanto ele se volta para nós e efetua esse relacionamento... outrossim, é da essência da graça que ela é livre... E visto que a graça é a decisão livre de Deus a nosso respeito, em Cristo, que procede de sua graciosidade, segue-se que não temos habilidade de conquistar sua graça ou favor. É por essa razão que a graça se opõe às obras da lei, tacitamente por todo o N.T., e, de modo expresso, em passagens como Rm 3:19 e ss ; Jo 1:16; Gl 2:11-21 e Ef 2:8. (T.H.L. Parker, pág. 258 do Baker's Theological Dictionary). g. A graça, segundo é vista na igreja cristã. Era popular, entre os escolásticos (Tomás de Aquino e outros), salientar a ideia da salvação cooperativa, em que o puro favor de Deus cooperaria com as obras humanas, juntamente com as observância dos ritos e demais provisões da igreja. Já que essas «obras» eram interpretadas de modo «legalista», e não de modo «espiritual», a ideia do «mérito humano», mui necessariamente, participava da soteriologia da cristandade. Isso significava que «a graça de Deus» não poderia mais ser logicamente considerada o único meio de salvação do homem. Sem perceber, a igreja retornara à sinagoga judaica. A continua e exagerada ênfase sobre os méritos humanos transformou a «graça», virtualmente, em algo que qualquer um poderia escolher ou não, à sua vontade; e mesmo nos casos em que ela fosse plenamente escolhida, não era reputada força suficientemente poderosa para realizar tudo aquilo que é requerido para a salvação. Martinho Lutero pôs em dúvida toda essa maneira de pensar, devolvendo a graça a seu trono teológico. Todavia, alguns elementos protestantes continuaram pensando que os sacramentos são os «meios» de transmissão da graça de Deus, embora interpretassem os mesmos como instrumentos do Espírito de Deus, insistindo que nenhum «mérito humano» está envolvido no seu uso e eficácia. Outrossim, os sacramentos não teriam o mínimo valor a menos que os beneficiários usassem da «fé»; ou então, como alguns supõem até hoje, o pacto da graça continua operante até que os beneficiários (como se dá no caso dos infantes batizados) sejam pessoalmente capazes de exercer fé. Outros protestantes, entretanto,

vieram a rejeitar os sacramentos como «meios» da graça, aceitando os mesmos como meros símbolos da graça e das provisões de Deus, ao passo que os benefícios derivados dela operam mediante o — contato místico - com o Espírito Santo, inteiramente à parte de elementos físicos. Dentro da «graça», até a própria fé do indivíduo é considerada «inspirada» por Deus; contudo, a maior parte dos cristãos crê que a cruz prove uma graça geral, propiciando a todos os homens a possibilidade de exercer fé, se assim quiserem fazê-lo. Outrossim, a perversidade da vontade humana pode resistir à graça divina. h. Sumário do uso do vocábulo «graça», nas paginas do N.T.: 1. Em termos gerais, significa favor, benevolência, da parte de Deus ou dos homens. (Ver Lc 1:30, onde Maria recebe o favor divino; Lc 2:40, onde se lê que Jesus crescia na graça de Deus, sujeito a sua benevolência e favor). Os apóstolos, a princípio, obtiveram o «favor» ou «aprovação» do povo (ver At 4:33). 2. É palavra usada para indicar as «bênçãos» dispensadas por Deus, os atos de bondade «beneficente». Jesus era «cheio de graça» e dispensa a mesma (ver Jo 1:14). Isso porque ele estava «favoravelmente disposto» para com outros; e a graça divina opera por igual modo. (Ver I Co 1:4 e II Co 9:8, onde se aprende que Deus é favoravelmente disposto para com a igreja, acompanhando tal favor com atos de bondade). 3. O vocábulo também indica a fé cristã, em sua inteireza. Nessa categoria, talvez caiba o trecho de Jo 1:17 que diz que a lei veio por meio de Moisés, mas «graça e verdade» vieram por meio de Jesus Cristo. Nesse sentido, a «graça» é posta em contradistinção à lei; e de fato, os pontos essenciais da fé religiosa, dentro do sistema da «graça», estão contidos na revelação cristã. Em At 13:43, a exortação é que os novos convertidos continuassem na fé cristã. Em Rm 6:14 é afirmado que não estamos debaixo da lei, e, sim, da graça. Ver também II Co 1:12; Gl 1:6; Cl 1:6; II Tm 2:1; Tt 2:11; Hb 12:15; I Pe 5:12. Apesar da própria fé cristã nem sempre estar em foco nessas referências, essa fé é que contém e dispensa a graça de Deus, a qual opera mediante a fé e seu sistema religioso. 4. A graça pode indicar as bênçãos e os benefícios especificamente adquiridos por Jesus Cristo. O trecho de Rm 5:15,17, tem a «graça» em oposição à «morte». Ela é a medida que transmite vida, resultado da missão, da expiação e da ressurreição de Cristo. (Ver também as bênçãos das epístolas paulinas em geral. «A graça do Senhor Jesus Cristo seja convosco»). 5. A graça faz parte das saudações e bênçãos, pelo que, na fórmula epistolar, é expressão de «um desejo de bem-estar espiritual», em favor dos leitores. Isso ocorre em todas as epístolas paulinas, no começo e no fim das mesmas. 6. A graça indica também o ofício ou autoridade dos apóstolos (ver Rm 13:3). 7. Pode significar um «dom», «salário» ou «dinheiro recolhido» para os pobres, ou seja, esmolas (ver Lc 7:32-34; I Co 16:3; II Co 13:4; Eclesiástico 17:22). 8. Pode significar «agradecimento» ou «ação de graças» (ver Lc 17:9; Rm 6:17; I Co 10:30). 9. Pode indicar galardão ou «recompensa» (ver Mc 6:32-34 e Mt 5:46). Esse é um sentido comum no grego antigo.

10. Indica também o «meio de buscar o favor ou a bondade de outrem» (ver I Pe 2:19,20). 11. Indica ainda «alegria», «prazer», «gratificação», pois o termo grego «charis» é usado em lugar de «chara», e isso com frequência, no N.T. (ver Fp 7:11; II Co 1:5). 12. Aponta para um ato «agradável» a outrem (ver At 24:27). 13. Mostra aquilo que tem o poder de buscar e obter favor, uma conduta gentil (ver Lc 4:22; Ef 4:29 e Cl 4:6). Normalmente, o vocábulo charis tem a ideia de «benção» ou «beneficio», que promove o bem-estar dos homens; e, em sua definição neotestamentária, no que diz respeito ao sistema da «graça-fé» (em contraste com a lei), isso indica, ordinariamente, que tal benefício espiritual é dado como um dom da parte de Deus, embora não merecido pelos homens. Portanto, o termo grego «charlo», isto é, «regozijo-me», parece ter a mesma raiz; pois, de fato, a «graça», em suas muitas formas de manifestação, é motivo de grande regozijo. Graça Considerada Como Oportunidade 1. É verdade que a «oportunidade» de obter a salvação, através de meios determinados por Deus (mesmo que incluíssem obras humanas), seria uma forma de graça. Mas, não é a graça aludida no presente texto. 2. As próprias obras são predeterminadas por Deus e ordenadas aos homens para as praticarem (conforme nos mostra o décimo versículo). De certa maneira, pois, as próprias obras são produtos da graça divina. Naturalmente, devemos pensar em obras espirituais, inspiradas pelo Espírito, e não em obras humanas meritórias. 3. Deus nos proporciona a oportunidade de cumprir a sua vontade. Nesse sentido, tal oportunidade é graça. i. Descrições Teológicas das Operações da Graça 1. Graça Atual. De acordo com a teologia católica romana, esse tipo ou função da graça é uma ajuda sobrenatural dada por Deus, capacitando a pessoa a evitar o pecado ou a realizar algum ato (ou atos), que tende à sua salvação. — Esse dom é interno, embora também tenha natureza transitória. 2. Graça Habitual. Essa graça opera a fim de santificar a pessoa, visto que, sem esse tipo de ato e intervenção divinos, ninguém poderia tornar-se santo. Naturalmente, essa graça requer a cooperação da vontade humana, embora transcenda ao poder da vontade do homem. 3. Graça Irresistível. Essa ideia está ligada a Agostinho e a Calvino, como um dos temas favoritos da teologia da predestinação. De acordo com ela, a graça de Deus atua incondicional e irresistivelmente nos eleitos, garantindo a salvação deles, produzindo a reação favorável dos homens para com o evangelho, e garantindo que essa reação seja absolutamente completa e eficaz. A graça irresistível, em consequência, garante a eterna segurança dos eleitos. Sem dúvida, os eleitos desviar-se-iam de sua vereda espiritual, não fosse esse poderosíssimo fator da graça divina.

4. Graça Geral. No outro lado da moeda, há aquela doutrina que diz que a graça de Deus é tão poderosa que capacita todos os homens, de todos os lugares, em todos os tempos, a reagirem favoravelmente ao evangelho, contanto que a vontade deles concorde com isso. Assim, um homem alienado de Deus, não poderia voltar-se sozinho para Deus; mas, a graça geral de Deus garante a real possibilidade do retorno de todos os homens a Deus, e não somente de algum grupo eleito. O apelo universal do evangelho repousaria sobre a realidade dessa graça geral, porque, do contrário, o convite do evangelho a todos os homens seria uma impostura. Ademais, sem essa graça geral divina e sem a liberdade humana de escolha, não poderia haver responsabilidade moral nos homens. 5. Graça Preveniente. Esse seria o ato divino que influencia os homens a buscarem a bondade e a espiritualidade, antes de qualquer reação por parte deles. Aqueles que acreditam em batismo de infantes aplicam esse princípio ao caso. Deus faria pelos infantes algo que eles não podem fazer por si mesmos. Esse tipo de graça não é algo que opere de uma vez por todas. Antes, seria uma operação continua, no caso de crentes, tanto quanto no caso de incrédulos. Trata-se da influência do Espírito de Deus, neste mundo, a fim de realizar os seus desígnios benévolos, incluindo o propósito de salvar, mas também a graça necessária para o crescimento espiritual e para o bem-estar geral. A maior parte dos teólogos opina que essa forma de graça não opera de forma irresistível. Certos teólogos limitam a graça preveniente de Deus, supondo que ela só opera no caso dos eleitos, levando-os à fé, ao passo que todos os outros são fixados em sua incredulidade. 6. Graça Santificadora. A graça de Deus atua sobre a alma de um homem a fim de transformá-lo. Essa graça permite a presença permanente de Deus na vida de uma pessoa, operando em harmonia com os desígnios do evangelho. Ela produz a união mística com Cristo e cria no homem novas atitudes e novos hábitos. A santificação faz parte da nossa transformação segundo a imagem de Cristo (Rm 8:29; II Co 3:18), que é o propósito e o alvo da nossa Salvação. É dessa maneira que chegaremos a compartilhar da própria natureza divina(Cl 2:10; II Pe 1:4), e, por consequência, da plenitude de Deus (Ef 3:19). Tal resultado jamais poderia ser alcançado sem o concurso da graça de Deus. A posição do catolicismo é que os vários Sacramentos são agentes da graça de Deus. A maioria dos protestantes prefere o conceito da comunhão mística com o Senhor, sem meios intermediários sacramentais, que são apenas símbolos das operações da graça, e não canais ou instrumentos da mesma. 7. Graça Suficiente. Esse é o poder de Deus, conferido aos homens, mediante o Espírito Santo, o que lhes dá a capacidade de fazer alguma coisa, ou de crescerem espiritualmente, mas que os homens, mediante a negligência, podem deixar de usar. Esse termo pode ser entendido como sinônimo de graça geral. Até mesmo o pior dos pecadores tem o potencial para vir a Cristo, pois a graça de Deus é suficiente para trazê-lo, tendo-lhe sido oferecida especificamente com essa finalidade. Outrossim, essa graça suficiente é aplicada de fato, finalmente, de conformidade com o mistério da vontade de Deus, conduzindo todos os homens à unidade em torno de Cristo (Ef 1:9,10). Quanto a esse aspecto da questão (embora nem todos serão, finalmente, conduzidos à salvação), a graça suficiente torna-se na graça eficaz, explicada no ponto abaixo. Isso se relaciona aos planos a longo prazo que Deus traçou para beneficiar aos homens. 8. Graça Eficaz. Essa é a graça suficiente quando se torna atuante sobre as vidas dos homens, dentro das questões da salvação, da santificação, da transformação segundo a imagem de Cristo, do crescimento espiritual e da restauração. Sobre essa graça repousam

todos os benefícios que a humanidade pode esperar, obter. Dentro do mistério da vontade de Deus, essa graça será, finalmente, eficaz em um sentido universal. Não fora esse fator, — a vida humana poderia ser definida de uma forma pessimista. Em outras palavras, teria sido melhor que a humanidade em geral nunca tivesse vindo à existência. j. Interpretações Históricas e Teológicas sobre as Funções da Graça de Deus 1. No Antigo Testamento encontramos os princípios da graça e da fé. Ver as Observações Preliminares, no começo deste artigo. A grande declaração paulina: «O justo viverá pela fé», é uma citação extraída do Antigo Testamento. Ver Hb 2:4. Paulo também observa que Abraão foi justificado pela fé (Rm 4:3), tendo extraído essa ideia do trecho de Gn 15:6. No entanto, Tiago afirma claramente que Abraão foi justificado pelas obras da fé (Tg 2:21). E, três versículos adiante, faz a justificação depender tanto da fé quanto das obras da fé. Essa posição, sem dúvida, representa a posição do Antigo Testamento. Se não fora assim, a doutrina de Paulo teria sido considerada comum, e não revolucionária. A agitação que a doutrina paulina causou mostra que a mesma contradizia a teologia ortodoxa judaica. E era aquele que praticasse os mandamentos e as ordenanças da lei que obteria a vida (Lv 18:5). Na verdade, é inútil tentar encontrar as ideias de Paulo nos escritos de Moisés. Em caso contrário, a revelação cristã seria uma mera repetição da revelação veterotestamentária, e não um avanço em relação a esta última. Basta falarmos com um rabino sobre a questão. Ele nos dirá o que os judeus realmente criam, antes de certas passagens do Antigo Testamento terem sido cristianizadas. 2. Paulo ensinava a doutrina da graça, acompanhada pela fé salvadora (Ef 2:8 ss). O capítulo quinze de Atos demonstra o conflito que isso provocou no mundo teológico. As epístolas aos Romanos e aos Gálatas são a nossa mais cuidadosa descrição da nova doutrina, a qual, quando proferida no princípio, foi considerada a mais horrenda heresia, pois parecia anular os ensinamentos de Moisés. O segundo capitulo da epístola de Tiago, exibe a reação de alguns cristãos contra a nova doutrina, embora também haja quem interprete que não há qualquer discrepância entre Paulo e Tiago, pois enfocavam diferentes aspectos da doutrina cristã. 3. Agostinho argumentava contra as ideias de Pelágio, empregando a mais pura doutrina paulina. Deus proveria tanto a graça quanto a vontade para recebê-la, o que significa que tanto a graça preveniente quanto a graça eficaz dependem da soberana vontade de Deus, e não da vontade do homem. A única maneira de alguém rejeitar a graça divina é não ser uma pessoa em quem a graça de Deus não esteja operando, ou, em outras palavras, não pertencer ao grupo dos eleitos. Os eleitos, por outro lado, são influenciados pela divina graça irresistível. 4. A Graça Sacramental. Em certos segmentos da Igreja cristã, no Oriente e no Ocidente, os sacramentos foram vinculados indevidamente ao principio da graça divina, e então os teólogos, com base nisso, criaram uma religião sacramentalista. De acordo com a mesma, a graça de Deus é transmitida aos homens através dos sacramentos, não podendo ser transmitida sem os mesmos. Para nós, essa é uma posição distorcida, falsa. Deus nos comunica a sua graça por meios místicos, através da atuação direta do Espírito, e não por meios sacramentais. Entendemos a palavra «misticismo» como um contato real entre o Espírito de Deus e o espírito do homem. É mediante esse contato que é outorgada e opera a graça divina. A graça sacramental é a concepção que diz que a graça divina não é meramente simbolizada pelos sacramentos, porquanto afirma que os sacramentos são o

instrumento da comunicação dessa graça, o sine qua non da distribuição da graça divina entre os homens. 5. John Tauler promovia o ascetismo como um agente que coopera com a graça divina, garantindo a volta do homem a Deus. 6. Lutero assumia uma posição paulina-agostiniana sobre a graça de Deus; e esse foi o maior elemento teológico isolado da Reforma Protestante. Porém, ele foi além do que fora Agostinho, pois negava a eficácia da vontade humana, como também a realidade do livre-arbítrio humano. 7. Calvino tomava uma extremada posição paulina agostiniana, expondo um sistema de rígida predestinação. De acordo com o seu sistema, a graça geral é negada, ao mesmo tempo em que a graça irresistível (ver sobre esses itens no ponto nono, acima) é enfatizada, mas somente no caso dos eleitos. E na minha opinião, esse evangelho peca por deficiência. 8. Melanchton procurou suavizar a posição de Lutero, e ensinou uma doutrina do sinergismo. Três fatores, supostamente, estariam envolvidos nas operações da graça divina: o Espírito Santo, a Palavra de Deus e a vontade humana. Em oposição a essa ideia temos o monergismo, o conceito de que somente o Espírito de Deus está envolvido nas operações da graça, inteiramente à parte da vontade e dos esforços humanos. O monergismo era a posição de Lutero e de Calvino, embora eles não tivessem empregado esse vocábulo. O termo sinergismo vem diretamente do grego: syn, «com» e ergeein, «trabalhar», e, portanto, «trabalhar em cooperação com», com o envolvimento de vários elementos. Até onde podemos ver as coisas o trecho de Filipenses 2:12,13 exprime a ideia do sinergismo: «Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém muito mais agora na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação, com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade». Mas outros trechos do Novo Testamento exprimem um puro monergismo, como o nono capítulo da epístola aos Romanos. 9. Suarez (vide, ponto quarto) criou o termo congruísmo, a fim de descrever o seu conceito de como a livre decisão humana, referente à salvação, cede diante da vontade de Deus, mediante a graça divina. A graça divina, infalivelmente, conduz o pecador a Deus, mas ela não é incongruente com o livre-arbítrio humano. Esse ponto tem sido intensamente debatido, mas as discussões não têm produzido uma resposta clara acerca de como isso funciona 10. Jonathan Edwards limitava a graça preveniente de Deus exclusivamente aos eleitos. Deus faria certos homens (os eleitos) crerem; os demais seriam deixados em sua incredulidade. 11. A.E. Taylor falava sobre a eterna iniciativa divina, mediante a qual Deus busca os homens, devendo isso corresponder à iniciativa do indivíduo, — a cada pessoa em particular. E essa combinação é que leva uma alma à imortalidade. Isso soa como as ideias do sinergismo. Fonte: http://www.ebdareiabranca.com/TSistematica/TSistLicao02Ajuda2.htm

A CONVERSÃO AT 9.1-19

O que aconteceu em Samária evidentemente não interessou a Saulo. Mas outros, que foram espalhados, seguiram rumo norte, provavelmente através da Galiléia e, depois, para Damasco. Damasco era a mais antiga e mais importante cidade da Síria. Parece ter tido uma grande população judaica por esse tempo, porque o versículo 2 menciona sinagogas no plural. Saulo deve ter ao menos ouvido rumores de que os crentes dispersos estavam obtendo sucesso na pregação do evangelho ali. Isto leva a um evento muito importante, tão importante que é registrado três vezes no livro de Atos. A CONVERSÃO DE SAULO (9:1-9) Alguns dos outros que se uniram na perseguição de At 8:1 podem ter perdido seu zelo contra os cristãos, mas não Saulo. Ele ainda estava respirando ameaças (o grego está no singular) e mortes (assassínios) contra os que eram discípulos (aprendizes, estudantes e seguidores) do Senhor Jesus. Posteriormente (At 26:10) ele contou como votou pela morte dessa gente. "Respirando", aqui, é, literalmente, "aspirando". É um particípio grego (empneon) a indicar que isto se havia tornado característico e contínuo. Em outras palavras, Saulo criou ao redor de si uma atmosfera de ameaça e matança de sorte que ele a estava respirando constantemente. Como o oxigênio ajuda o atleta a prosseguir, assim esta atmosfera levava Saulo a prosseguir. Agora, entretanto, a maioria dos crentes tinha deixado Jerusalém. Por isso, por iniciativa própria, dirigiu-se ao sumo sacerdote e pediu cartas oficiais para as sinagogas de Damasco, dando-lhe autoridade para prender quem fosse desse Caminho (o Caminho), homens e mulheres, e trazê-los manietados a Jerusalém (At 26:11, 12). Isto significava um julgamento perante o sinédrio e, provavelmente, a sentença de morte. "O Caminho" era um título interessante para os crentes, um título que eles podiam aceitar. Cristo é o caminho da salvação, o caminho da vida. (Ver At 10:9, 23; 22:4; 24:14, 22.) Damasco ficava a cerca de 225 quilômetros ao nordeste de Jerusalém, mas, naqueles dias, por estrada, o percurso chegaria provavelmente a 320 quilômetros. Próximo ao fim da viagem, de repente, Saulo foi cercado por um resplendor de luz do céu. Como At 26:13 mostra, a luz cercou-o continuando a brilhar com fulgor mais intenso do que o sol ao meio-dia. A luz, na Bíblia, é muitas vezes associada com manifestações da presença do Senhor. Em Jo 17:5, Jesus orou ao Pai, dizendo: ״glorifica-me junto de ti mesmo, com aquela glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse." Quando Jesus ressuscitou dentre os mortos, seu corpo ressurreto estava transformado — era imortal e incorruptível, como o nosso o será (1 Co 15:52, 53). Mas a glória não foi restaurada até depois que ele ascendeu. Provavelmente os discípulos não poderiam ter suportado a glória durante os 40 dias em que ele permaneceu na terra com eles. Mas, agora, ele aparecia a Saulo como o Cristo ressuscitado e glorificado. Posteriormente, Saulo se referiria a isso: ״E por derradeiro de todos [depois das outras aparições após a ressurreição] apareceu também a mim, como a um abortivo" (1 Co 15:8). Saulo que, provavelmente, estava andando, caiu ao chão, abatido. Então ele ouviu uma voz: Saulo, Saulo, por que me persegues?" Lucas, ao referir-se a Saulo, usa sempre a forma״grega de seu nome (como no versículo 1, "Saulos"). Jesus usa a forma hebraica (Saoül), que

o livro de Atos tem o cuidado de preservar aqui. Saulo, depois, confirma que Jesus estava falando em hebraico (At 26:14). Saulo conhecia muito bem a Bíblia hebraica e reconheceu que a manifestação devia ser divina. Mas a pergunta o confundia. Quem estava ele perseguindo além dos cristãos? Por isso perguntou: "Quem és tu, Senhor?" Alguns acham que isso quer dizer: "Quem é o senhor?" usando a palavra senhor meramente como um termo de tratamento respeitoso. Mas, em resposta a esta manifestação obviamente sobrenatural, a palavra não pode significar senão Senhor divino. A resposta veio imediata: "Eu (enfático) sou Jesus, a quem tu (enfático) persegues (continuas perseguindo)." Perseguindo a Igreja, Saulo perseguia o Corpo de Cristo cujos membros individuais estão em Cristo. (Ver Mt 25:40, 45; Ef 1:23; 2:6.) Então Jesus acrescentou: "Dura coisa [escabrosa, perigosa] te é recalcitrar contra os aguilhões [contra as aguilhadas]."

Por essa expressão Jesus reconhecia que o motivo principal da perseguição de Paulo contra os cristãos estava em não ter ele resposta adequada aos seus argumentos. Era uma reação por meio da qual ele tentava resistir à convicção do Espírito Santo. Como um homem tangendo um boi, o Espírito Santo tinha estado levando Saulo para a verdade do evangelho, mas ele estava resistindo violentamente, escoiceando contra os aguilhões. Os argumentos de Estêvão foram como aguilhões; seu discurso final e o modo pelo qual morreu foram aguilhões; a propagação do evangelho e a resposta dos crentes eram aguilhões; os milagres que confirmavam a Palavra eram todos aguilhões. Em tudo isso estava ele ferindo-se perigosamente. Isso não significa que Saulo estivesse consciente de que esses fatos eram aguilhões ou mesmo que ele percebesse não possuir bons argumentos contra os crentes. Ele estava tão dominado pelo furor que não conseguia pensar senão em alguma coisa que pudesse detê-los. Mas agora que se via enfrentado por esse fato e por Cristo, não apenas como o homem Jesus mas como o divino Senhor, ele simplesmente respondeu: "Senhor, que farei?" Isto mostra uma completa mudança na atitude de Saulo, o que constitui evidência de genuíno arrependimento de sua parte. O Senhor então lhe disse que se levantasse e entrasse na cidade de Damasco. Ali lhe seria dito tudo o que deveria fazer. Jesus, na realidade, disse mais coisas a Saulo na ocasião, mas Lucas não registra a fim de deixar o restante para Saulo dizer em sua defesa diante de Agripa (At 26:16-18). Em Gálatas 1:1, 11, 12, 16 Saulo também deixa claro que foi comissionado diretamente por Jesus, não por algum homem. Em outras palavras, ele era um apóstolo genuíno ou "enviado", enviado pelo próprio Jesus. Enquanto isso, os homens que viajavam com Saulo emudeceram, ouvindo a voz (o som) mas não vendo ninguém. Como diz At 26:14, eles todos caíram ao solo mas tiveram condições de levantar-se antes que Saulo o fizesse. Saulo, ao que parece, fechou os olhos por causa do contínuo resplendor, mas ele viu Jesus. Então, quando se levantou do chão, nada podia ver. Seus companheiros de viagem o levaram pela mão até Damasco. Ali ficou três dias sem poder ver, e não comeu nem bebeu coisa alguma.

ANANIAS ENVIADO A SAULO (9:10-19)

No terceiro dia o Senhor (Jesus) apareceu a um discípulo chamado Ananias, judeu piedoso convertido ao Senhor (At 22:12). A aparição estava em uma visão em que Jesus lhe dizia que fosse à rua (rua estreita) chamada Direita. Nos tempos antigos ela ia em linha reta de um extremo da cidade ao outro, e ainda é, hoje, uma rua importante de Damasco. Ali devia procurar na casa de Judas, por Saulo de Tarso: pois eis que, surpreendente e inesperadamente, enquanto Saulo estava orando ele tinha visto (em uma visão) um homem chamado Ananias entrando e impondo as mãos sobre ele, de modo que ele recobrasse a vista. Ananias, a princípio, fez objeção. Ele tinha ouvido de muitos acerca das muitas coisas más que Paulo fizera aos santos do Senhor em Jerusalém. Era evidente que Ananias era um judeu natural de Damasco ou que ali vivera por longo tempo. Obviamente muitos dos crentes que fugiram da perseguição tinham vindo para ali e trazido notícias da ferocidade de Saulo. Já haviam chegado, também, as notícias de que Saulo trazia autorização dos principais dos sacerdotes para prender todos os que invocavam o nome de Jesus. Assim, a igreja em Damasco devia estar-se preparando para enfrentar a mesma espécie de dispersão que ocorreu por causa da perseguição em Jerusalém. O Senhor insistiu com Ananias para que fosse e lhe garantiu que Saulo era seu próprio vaso escolhido para levar seu nome perante os gentios (as nações) e também perante reis e os filhos (descendentes, povo) de Israel. Além disso, Jesus mesmo mostraria a Saulo (adverti-lo-ia, indicar-lhe-ia) quanto seria necessário para ele sofrer por causa do seu nome. Ananias obedeceu, entrou na casa, e impôs as mãos sobre Saulo, chamando-o irmão. Deste modo reconhecia que Saulo era, agora, um crente. Então explicou que o Senhor Jesus o enviara, e identificou o Senhor como Jesus que apareceu a Saulo na estrada quando este viajava rumo a Damasco. Esta explicação provavelmente parecia necessária a Ananias, porque os judeus, normalmente, usavam o termo Senhor para se referir a Jeová (Iavé), o verdadeiro Deus. Mas isto, na realidade, não era necessário, pois Saulo já havia reconhecido Jesus como Senhor. Ananias acrescentou que o Senhor o enviara por duas razões: A primeira era para que Saulo recuperasse a vista; a segunda, que ele pudesse ser cheio do Espírito Santo.

Imediatamente alguma coisa como escamas caiu dos olhos de Saulo; ele podia ver de novo; levantou-se e foi batizado. Então ele deu por encerrado seu jejum, alimentou-se e ficou fortalecido. Depois disso permaneceu alguns dias com os discípulos em Damasco. O versículo 12 não menciona a ordem de Jesus para impor as mãos sobre Saulo para que ele pudesse ser cheio do Espírito Santo. Nem o versículo 18 diz como Saulo recebeu o Espírito. Uma vez mais, vemos que Lucas não repete tudo em toda parte. Assim, ele realmente indica que a experiência de Saulo quanto a ficar cheio do Espírito Santo não foi diferente daquela experimentada no dia de Pentecoste. Podemos ter a certeza de que ele falou em outras línguas como fizeram em At 2:4. Tito 3:5-7 confirma-o mostrando que o Espírito Santo foi derramado, abundantemente, sobre Saulo e sobre Tito. Cada um teve seu pentecoste pessoal. Realmente, não se questiona quanto a ter Paulo falado em línguas ou não. Ele disse aos coríntios, anos depois, que ele falava mais línguas do que ninguém (1 Co 14:18).

Nada mais se diz acerca de Ananias. Sem dúvida continuou a viver em humilde obediência ao Senhor e à sua Palavra. Mas Saulo jamais esqueceu este homem piedoso que foi o primeiro crente a chamá-lo de irmão. Bibliografia S. M. Horton

A Conversão Dramática de Paulo At 9.1-31 Talvez este seja o homem mais conhecido como representante do cristianismo, além de ser de fundamental importância para a história da igreja. Saulo, seu nome aramaico na comunidade judaica em Jerusalém, e Paulo, a forma romana de seu nome, ecoam nos livros de teologia e também de filosofia. Ele também é o homem que mais escreveu sobre doutrina no Novo Testamento: treze cartas são de sua autoria. Paulo foi o primeiro teólogo da igreja e foi chamado por alguns de seu segundo fundador. Era natural de Tarso, uma importante cidade da Cilícia, e era cidadão romano, título que herdou de seu pai ou de algum parente que prestou serviços ao império e como recompensa ganhou a cidadania. Sua educação preliminar foi doméstica tendo seu pai como tutor. Em Fp 3:5, Paulo nos mostra credenciais de quem mantém em dia sua ligação com a família: circuncidado no oitavo dia, israelita da tribo de Benjamim, hebreu nascido de hebreus. Com aproximadamente seis anos, Paulo foi à escola da sinagoga para ser educado na Torá e no hebraico. De acordo com At 22:3, foi educado em Jerusalém aos pés de Gamaliel. Este era um rabino moderado (At 5:34-39). Embora Paulo não o mencione em suas cartas, seu estilo reflete o método rabínico de pensar. Alguns acreditam que At 26:10 tem implícito que Paulo foi membro do Sinédrio. Fariseu, foi perseguidor fanático da Igreja, antes de sua conversão. I - SAULO, O PERSEGUIDOR DOS CRENTES (At 8:1; 9:1-2) Atos 8 traz a história posterior à morte de Estêvão, consentida por Saulo de Tarso. Alguns estudiosos afirmam que a expressão "Saulo consentia em sua morte" significava que dera o seu voto no Sinédrio para a execução de Estêvão. Mas é no versículo 3 desse mesmo capítulo que vemos a ferocidade de Paulo como perseguidor. "Saulo, porém, assolava a igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, encerrava-os no cárcere." Alguns comentaristas nos explicam que o verbo "assolava", em grego, nesse versículo pode ser traduzido como destruição e não tem paralelos no Novo Testamento. No Antigo Testamento, o equivalente usado descreve a destruição que um animal selvagem podia causar a uma planta ou a outro ser. Ele realmente era algoz e tinha um sentimento de ódio no coração em relação aos cristãos. Em suas próprias palavras, em At 26:11, ele diz que estava demasiadamente enfurecido. Depois desse parágrafo, encontramos Saulo em Atos capítulo 9. O versículo registra: "Saulo, respirando ainda ameaças e morte contra os discípulos...". A palavra ainda liga os acontecimentos desse trecho com os descritos anteriormente, ou seja, a morte de Estêvão (At 7) e a expulsão de cristãos de Jerusalém. Não se contentando em atuar na área sob domínio do Sinédrio, Saulo vai até o sumo sacerdote e pede recomendações para conseguir apoio das sinagogas de Damasco, região sob domínio de um outro povo (Nabateus), para perseguir cristãos fora de Jerusalém.

II - SAULO E JESUS - a conversão na estrada (At 9:3-9) Foi a caminho para praticar mais um de seus atos perseguidores que Saulo encontrou Jesus de forma singular e definitiva. Quase no fim de sua viagem de 240 km, ele viu e ouviu o Senhor Jesus ressurreto. Posteriormente, esse fato foi muito importante para conferir autoridade apostólica a Paulo. A pergunta feita ao perseguidor lhe mostrou quanto o Senhor prezava, amava e era unido com a Sua igreja. Ele não perguntou por que Paulo perseguia a igreja, mas sim porque O perseguia. Saulo não sabia quem estava falando com ele. Então, ouviu o Senhor responder: "Eu sou Jesus, a quem tu persegues" (At 9:5). Após a resposta, o novo convertido foi instruído quanto ao que fazer. Todos à sua volta ouviam a voz, mas não viram ninguém. Além disso, ouviram o som, mas não compreenderam o que a voz havia dito. Levantando-se do chão, Paulo estava cego. Ele deveria seguir viagem, levado por outros para a cidade, onde aguardaria a pessoa que lhe diria o que lhe convinha fazer (v.6). 1. A experiência de Saulo foi marcante: um ponto entre dois extremos De perseguidor passou a apóstolo, de odiento à causa de Cristo se tornou um dos mais apaixonados discípulos de Jesus. 2. A experiência de Saulo foi pessoal Somente Saulo entendeu completamente o que estava acontecendo. Ele viu e ouviu o que Jesus lhe pedira e Lhe obedeceu imediatamente, mesmo que ainda não estivesse compreendendo exatamente o que estava acontecendo. Note que a obediência de Saulo foi completa porque, primeiramente, foi sua resposta a alguém que até então ele não cria ser o "Messias"; em segundo lugar, porque aquela ordem mudou o curso de seus planos imediatamente; e em terceiro porque teria de confiar em um desconhecido. Tais atitudes seriam impensadas para um personagem com o currículo de Saulo, mas mostraram sua fé e obediência em ação. 3. A experiência de Saulo foi uma demonstração da graça de Deus Calvino fala que a graça de Deus é vista não apenas em um lobo tão cruel sendo transformado em ovelha, mas também em ele assumir o caráter de um pastor. O próprio Paulo reconhece isso em seus escritos. Basta observar a linguagem que usa para descrever sua conversão. Em Gl 1:15,16, ele diz "aprouve [a Deus] revelar seu Filho a mim", e em I Co 15:10 - "Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã; antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo". Você poderá encontrar um exemplar de versículo como este em quase todas as cartas de Paulo. Essa consciência impulsionava Paulo sempre na dependência Daquele que o salvara e o chamara ao ministério e que deve nos impulsionar na mesma direção. III - PAULO E ANANIAS - a recepção na Igreja (At 9:10-25)

A recepção de Paulo na igreja foi um pouco diferente. Ele jejuou, orou e esperou por três dias antes que obtivesse alguma explicação para tudo aquilo que aconteceu com ele. Essa atitude de Paulo mostra sua rápida transformação. Claro que, como fariseu, orava e jejuava, mas agora era diferente. Esperou calmamente que o Senhor lhe enviasse uma resposta e, enquanto isso, apenas jejuou e orou. Como diz Stott, "o rugido do leão foi transformado em balido de cordeiro". Seu relacionamento com Deus foi transformado. 1. O diálogo com Ananias Enquanto Paulo esperava jejuando e orando, o Senhor tinha um diálogo muito interessante com Ananias, um membro mais velho da Igreja de Jesus naquele lugar. Ao receber a ordem de orar por Saulo, Ananias respondeu ao Senhor que Saulo era um homem muito perigoso e demonstrou certo medo a Deus. Mas a resposta do Soberano foi reveladora. Ananias recebeu a revelação de que Saulo se tornaria apóstolo aos gentios e aos seus reis, como de fato foi. O próprio livro de Atos nos mostra isso. Além de ser o apóstolo dos incircuncisos (Rm 11:13; Gl 2:2, 7-8; Ef 3:8), foi testemunha perante o governador Felix e sua esposa, Drusila (At 24:24), o rei Herodes Agripa II, além de comparecer perante César. Após essa palavra, Ananias se encheu de coragem e foi ao encontro do novo convertido. Em Ananias, Saulo encontrou uma resposta para seu problema de cegueira, recebeu oração, ficou cheio do Espírito Santo, foi batizado e, finalmente, se alimentou. Ananias foi o primeiro a reconhecer o perseguidor como cristão e quando foi orar por ele o chamou de "Saulo, meu irmão". 2. Seu relacionamento com a Igreja Deste ponto em diante, ocorreu a Saulo a maior mudança de toda sua vida - em relação à Igreja. Assim que se sentiu fortalecido com a acolhida de Judas e Ananias, Saulo saiu pregando na cidade, causando espanto e confusão em todos os judeus, e passou a ser perseguido. Alguns deles tramaram a morte de Saulo, que saiu fugido em um cesto pela muralha da cidade. A igreja a qual odiara passou a ser objeto de um amor apaixonado e contagiante. Saulo também mudou seu relacionamento com os judeus. Em vez de concordar com eles sobre o Messias, passou a demonstrar que Jesus era o Cristo que eles ainda esperavam. Ia até as sinagogas para persuadir seus compatriotas da verdade que tinha experimentado a caminho de Damasco. Antes foi aos judeus para pedir autorização para matar os cristãos, depois foi aos judeus para que eles morressem para a sua incredulidade e nascessem como cristãos. Não existe conversão genuína em que não haja mudanças de comportamento e de relacionamento para com Deus, com a igreja e com o mundo. Ensinemos essa verdade tão importante e tão ausente nas pregações evangélicas de hoje. IV - SAULO E BARNABÉ - a apresentação aos apóstolos em Jerusalém (At 9:26-31) A mesma dificuldade enfrentada por Ananias quando teve de encontrar Saulo foi também enfrentada pelos irmãos em Jerusalém quando o novo convertido voltou para lá. Novamente, Deus providenciou um homem que se dispôs a acreditar em sua conversão genuína e o apresentou aos irmãos. Temos de lembrar que entre sua conversão em Damasco e sua chegada em Jerusalém há um período de três anos que Paulo passou na Arábia. Alguns entendem que ele buscou isolar-se para buscar a Deus, entendê-Lo melhor e estudar. Outros comentaristas afirmam que esses três anos compensaram os três anos que ele não

passou com o Senhor Jesus, assim como os outros apóstolos. Enfim, voltou de lá para ser recebido em Jerusalém. O papel de Barnabé foi muito importante nesse processo. Ele foi a carta de apresentação de Paulo aos líderes da igreja que acolheu o novo convertido. Uma vez acomodado na igreja, Paulo mostrou o mesmo espírito corajoso e saiu às ruas para testemunhar. Então, o que aconteceu em Damasco se repetiu em Jerusalém. Ele foi perseguido, e os apóstolos o mandaram secretamente para outro lugar. Precisamos de Ananias e Barnabés na igreja de hoje. Pessoas que ensinam a igreja a receber os novos adeptos que vêm de contextos diferentes. Devemos prestar atenção nisso! Não é somente o novo convertido que vem unir-se à igreja, mas também a igreja deve demonstrar-se receptiva ao novo convertido. CONCLUINDO Em seu comentário, Stott assinala algumas características do testemunho de Paulo que devemos desenvolver em nossa vida e também ensinar àqueles que chegam ao evangelho sob nossos cuidados. 1. Era cristocêntrico Sua mensagem era centrada em mostrar o Cristo e Sua graça salvadora. A ênfase não era ele mesmo ou sua própria experiência. 2. Era no poder do Espírito Santo Sem Ele é impossível cumprir a grande comissão, pois Ele é a grande condição para isso. 3. Era corajoso Lucas menciona que sua pregação era ousada: não tinha medo nem das privações nem das perseguições que poderia sofrer. 4. Custou caro Paulo pagou com sofrimento seu desvelo pela pregação do evangelho. Várias vezes fugiu, foi apedrejado e preso. No entanto, quanto mais oposição, mais testemunho fluía da vida desse nosso irmão. A conversão de Saulo nos ensina muitas lições que podemos resumir aqui: • devemos orar pelos irmãos que são perseguidos; • testemunhar é um dever que mostra nossa temperatura espiritual; • vivenciar a conversão genuína implica necessariamente mudança. Devemos imitar Ananias e Barnabé, e nos empenhar para receber bem os novos convertidos que chegam à igreja. Bibliografia A. S. Lima

A Conversão, Comissão e Recepção de Saulo At 9.1-31 1) A Conversão de Saulo (9:10-19)

Este é o primeiro dos três relatos da conversão de Saulo no Livro dos Atos (caps. 22 e 26). Em suas Epístolas, Paulo reconhece que ''sobremaneira perseguia a igreja de Deus e a assolava" (Gl 1:13; Fp 3:6), que foi extremadamente zeloso pelas tradições de seus pais (Gl 1:14), que seus primeiros dias de cristão passou-os ao redor de Damasco (Gl 1:17), que viu a Jesus, nosso Senhor (I Co 9:1; 15:8), e que teve uma notável visão (II Co 12:1 em diante). Conquanto encontremos pequenas diferenças nesses relatos, não há dúvida de que Saulo se encontrou com o Senhor ressurreto perto de Damasco e que ali seu caráter e vida se transformaram. O velho homem" foi esmigalhado e cedeu lugar ao novo homem em Cristo. Saulo era um judeu de Tarso, cidade de grande cultura, e, em todo o império, sobre passada somente por Atenas e Alexandria. Mui dificilmente ele teria escapado à influência da cultura grega, embora, como fariseu (Fp 3:5), seja improvável tenha ele estudado em escolas gregas. Conquanto judeu helenista, por virtude da cultura grega, a que não pôde escapar, por escolha e por tradição familiar, era "um hebreu nascido de hebreus" (Fp 3:5). Tinha facilidade em usar o hebraico, o aramaico e o grego. Sua família era bastante rica e assaz proeminente, ao ponto de alcançar para ele o privilégio de estudar aos pés de Gamaliel, o grande fariseu de Jerusalém. A irmã de Saulo residia em Jerusalém e parece que tinha acesso às famílias dos sumo sacerdotes (At. 23:16 em diante). Por nascimento era cidadão romano; é provável que o pai dele tivesse sido honrado com esse direito da cidadania em paga de importantes serviços prestados. Seu nome hebreu era Saulo, muito semelhante ao nome latino Paulus, que ele usava como cidadão romano. Como soia acontecer com todos os filhos de judeus bem educados, ele devia ter uma profissão. Provavelmente Saulo era fabricante de tendas.

Certamente várias influências concorreram para a formação do apóstolo Paulo: seu fundo judaico, a influência grega, seu contato antes da conversão com os seguidores de Jesus, bem como outras forças e fatores. Sem duvida, o elemento mais importante, em sua conversão e viver subsequente, foi o seu encontro pessoal com o próprio Jesus. O cerne da teologia de Paulo foi essa relação "em Cristo", ou o "Cristo em vós". Para Paulo, como para João, a união vital de Cristo com o crente era coisa real e de importância total. E essa convicção estava radicada na experiência que tivera de Jesus em Damasco. Muitas vezes se tem levantado dúvidas acerca da possibilidade de se efetuarem prisões em Damasco, por parte dum representante do sinédrio de Jerusalém. Isto parece ter sido permitido, visto que Roma concedera aos judeus o direito de extraditar os judeus malfeitores. Se podemos acreditar em I Macabeus 15:15-21, fora escrita uma carta por Lúcio, cônsul dos romanos, ao rei Ptolomeu, dizendo que "se qualquer perverso fugisse do seu país (o dos judeus) para o vosso, o entregasse ao sumo sacerdote Simão, para que o punisse conforme a lei deles". É verdade que isto diz respeito à época dos Macabeus ; mas é possível que esse mesmo poder de extraditar judeus fugitivos fosse ainda um direito do sinédrio nos dias de Saulo. Josefo (Antiquities xiv, 10, 2) fala duma carta que prova que Júlio César estendera os privilégios do ofício do sumo sacerdote a Hircano. Possivelmente Paulo pretendia prender os seguidores de Jesus que tinham fugido à perseguição desencadeada em Jerusalém. 2) Saulo Comissionado e Batizado (9:10-19) Os seguidores de Jesus que moravam em Damasco ainda não se tinham separado das sinagogas. Ananias, que foi enviado ao encontro de Saulo, era "um varão piedoso conforme à lei, que tinha bom testemunho de todos os judeus que ali moravam" (22:12). Parece que só mais tarde é que surgiu a hostilidade dos judeus para com os discípulos de Jesus.

A comissão de Saulo é coisa mui significativa: deveria levar o evangelho "aos gentios, e aos reis, e aos filhos de Israel" (9:15). O seu ministério deveria ser proeminentemente exercido entre os gentios, embora sem exclusão dos judeus. Paulo jamais deixou de interessar-se pelos judeus e nunca deixou de procurar ganhá-los. Só quando se viu forçado a escolher entre o judeu e o gentio é que resolveu voltar-se para o gentio. O desejo dele era servir aos dois como a um só povo. Seu ministério incluía também levar o evangelho a reis, procônsules, asiarcas, e possivelmente ao imperador. Paulo sentia-se bem tanto junto ao povo humilde da lide diária como junto dos chefes nacionais. A comissão dele também incluía a cruz: teria que sofrer por seu Senhor (9:16). "Logo lhe caíram dos olhos como que umas escamas" (9:18) em Damasco. Saulo viu a Jesus pela primeira vez em sua verdadeira posição. Viu também a humanidade a uma luz inteiramente nova. Aquele cujo teor de vida ele houvera tentado destruir agora se tornava Senhor dele. É também de enorme importância e significado observar que os olhos dele se abriram para enxergar a falácia do dito "muro de separação" que ele buscava sustentar. 3) A Recepção de Saulo em Damasco e em Jerusalém (9:19-30) Depois de alguns dias, certamente de ajustamento e para conhecer seus novos correligionários, Saulo, nas sinagogas, anunciava Jesus como o Filho de Deus (9:20). Todos quantos o ouviam pasmavam ao verem a mudança radical por que Saulo passara. Evidentemente, aqueles que "pasmavam" eram judeus incrédulos. Importa observar que ainda neste ponto, tanto em Damasco como em Jerusalém, os discípulos realizavam seus cultos nas sinagogas e nelas podia-se pregar a Jesus como o Filho de Deus e o Cristo. A situação, porém, mudou, "decorridos muitos dias" (9:23). Aí tramaram uma cilada, para matar a Saulo. Por que tal mudança de atitude da parte dos judeus incrédulos? Evidente-mente, Saulo trouxera um novo elemento às suas prédicas em Damasco. O pregar que Jesus era o Cristo, o Filho de Deus, certo não precipitaria nenhuma perseguição, mas, neste ponto, algo do ensino de Saulo fez boa diferença. Será que Saulo estava incutindo algo das elevadas visões de Estêvão naquele ambiente de Damasco? Não foi o fato de se pregar que Jesus era o Cristo, o Filho de Deus, que afinal iria dividir os judeus dos cristãos, e, sim, o pregar-se ser ele o Filho do Homem, em quem seriam suplantadas as diferenças raciais. O medo que os discípulos de Jerusalém tinham de Saulo nos dá mais uma prova de que as perseguições que estavam sofrendo eram assaz violentas. Barnabé mostrou-se, como sempre, corajoso e sincero, e Saulo lhe ficou devendo muito por isso. O atrito maior que Saulo teve em Jerusalém foi com os helenistas, e ele certamente já esperava isso. Como dantes se percebera, as influências recebidas pelos judeus helenistas poderiam torná-los mais liberais para com os gentios, ou poderiam incutir neles um espírito reacionário, que faria deles os mais fanáticos campeões da separação. Bibliografia F. Stagg

A CONVERSÃO DA TESTEMUNHA 9.1-31

Sem dúvida, o acontecimento mais importante do livro de Atos foi a vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Se isto não tivesse acontecido, o livro nunca teria sido escrito. Alguns sustentam que foi a ressurreição que transformou os discípulos covardes em testemunhas

corajosas. Mas não existe evidência disso no Novo Testamento. O que a narrativa sagrada demonstra claramente é que foi o Pentecostes que fez toda a diferença. Sob alguns aspectos, poderia parecer que o segundo acontecimento mais importante do livro de Atos foi a conversão de Paulo. Mais da metade do livro (cap. 13—28) trata principalmente das suas atividades. Ele escreveu treze dos 27 livros do Novo Testamento. E difícil imaginar como teria sido o cristianismo do século I se Saulo não tivesse se convertido. Ele se tornou a testemunha mais importante da Igreja Primitiva. 1. Saulo é Salvo (9.1-9) Até este ponto, Saulo foi mencionado apenas de passagem. Ele estava presente no apedrejamento de Estêvão (7.58) e deu a sua aprovação àquele ato infame (8.1), e depois liderou a perseguição à igreja em Jerusalém (8.3). Agora, chegamos à história da conversão de Saulo, que ocupa a maior parte do capítulo 9. A importância deste acontecimento é evidenciada pelo fato de que ele é narrado novamente, com alguns detalhes, nos capítulos 22 e 26. É o único acontecimento que é descrito três vezes no livro de Atos. Saulo estava respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor (1). O texto grego diz "inspirando". A frase pode provavelmente ser bem traduzida simplesmente como "respirando". O próprio respirar na vida de Paulo estava quente pela ira que ele sentia contra os crentes. Com a intenção de perseguir os que tinham fugido da perseguição em Jerusalém, Saulo dirigiu-se ao sumo sacerdote — Caifás, que ocupou esse posto entre 18 e 36 d.C. — e pediu-lhe cartas [epístolas] para as sinagogas de Damasco (2), para que, caso encontrasse ali alguns daquela seita — literalmente "o Caminho", um dos nomes sérios para o cristianismo — ele os conduzisse presos a Jerusalém. O governo romano tinha dado ao sumo sacerdote a autoridade para exigir o retorno dos judeus que tivessem desrespeitado a lei, para que eles pudessem ser julgados pelo Sinédrio (1 Macabeus 15.15-17). Damasco é uma das cidades mais antigas do mundo que ainda existe na atualidade. Localizada cerca de 112 quilômetros do Mediterrâneo, sobre os montes Líbano e Anti-Líbano, é um oásis à beira do deserto. A principal rota de caravanas do Egito para a Mesopotâmia passava por ela, de modo que sempre foi um agitado centro comercial. Muitos milhares de judeus viviam ali nessa época. Uma seita judaica muito rígida, chamada "Os do concerto de Damasco", é descrita no fragmento Zadoquita. Muitos estudiosos da atualidade relacionam este grupo com a comunidade de Qumram, que se tornou famosa por meio dos Rolos do Mar Morto. O caminho de Jerusalém a Damasco era longo, aproximadamente 320 quilômetros para o norte, junto ao mar da Galiléia ou para o leste via Filadélfia (a moderna Amã). Percorrer a pé esta distância levaria pelo menos seis dias inteiros entre dois sábados. Saulo tinha tempo suficiente para pensar. Ele pode perfeitamente ter se lembrado do apedrejamento de Estêvão, cujo rosto brilhava como o de um anjo (6.15). Seria possível que Estêvão estivesse certo? Não! Fora com este pensamento! Vamos para Damasco. Esta nova heresia que estava ameaçando a verdadeira religião precisava ser extirpada antes que se espalhasse ainda mais. Aqueles daquela seita (lit., "do caminho") precisavam ser aprisionados.

Mas Deus tinha outros planos para Saulo. Quando ele estava se aproximando de Damasco, algo aconteceu: subitamente o cercou um resplendor de luz do céu (3). Isto simbolizou a revelação espiritual que iria invadir a alma do jovem e orgulhoso fariseu. Como se tivesse sido atingido por um raio, ele caiu em terra (4). Ele provavelmente estava a pé, e não a cavalo. Os judeus mais tradicionais eram avessos a andar a cavalo, um modo de transporte que era popular entre os romanos. Lançado ao chão, Saulo ouviu o seu nome: Saulo, Saulo, por que me persegues? Espantado com a acusação, ele perguntou: Quem és, Senhor? (5) A respeito de Senhor, Bruce diz: "'Senhor', 'meu senhor'; um título de respeito, pois Saulo ainda não sabia quem estava falando com ele". A voz respondeu: Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Quando Paulo castigava a igreja, ele estava perseguindo o Chefe da igreja, o próprio Senhor Jesus Cristo. Este é um aviso solene não apenas aos de fora que podem atacar a Igreja, mas também aos membros da Igreja, se deliberadamente agirem contra algum companheiro. Ao fazerem isso, estão agindo contra Cristo. Saulo recebeu a ordem: Levanta-te e entra na cidade, e lá te será dito o que te convém fazer (6). Uma nova luz viria, quando ele obedecesse à ordem divina. Os seus companheiros pararam espantados (7). Isto não está em conflito com a afirmação de Paulo em 26.14, de que "todos" caíram "por terra". Não tardaria para que os outros homens se levantassem novamente. Gloag opina que a melhor solução é que pararam espantados "não se refere à posição mas simplesmente indica que eles estavam sem ação, atingidos pelo pânico, dominados pelo que tinham ouvido e visto". De qualquer forma, o líder do grupo estava cego e continuava prostrado no chão. O que os seus companheiros não entendiam é que eles estavam ouvindo a voz, mas não vendo ninguém. Existe uma diferença na forma grega para ouvindo a voz (7) e a afirmação anterior de que Saulo "ouviu uma voz" (4). No versículo 4, a palavra "voz" (phone) está no acusativo, e parece indicar uma voz inteligível e enfatizar a audição do conteúdo. Mas aqui voz está no genitivo, e parece claro que isto indica "ouvir um som", sem qualquer compreensão do que está sendo dito. Isto resolve a aparente contradição entre este versículo e a afirmação de Paulo em 22.9 de que seus companheiros "viram, em verdade, a luz... mas não ouviram a voz [acusativo] daquele que falava comigo". Eles ouviram um som, mas somente Saulo pôde identificar as palavras proferidas pela voz. Uma situação semelhante parece estar descrita em Jo 12.28-29. Quando uma voz veio do céu, a multidão dos que não criam "dizia que tinha sido um trovão". Alguns, que tinham maior discernimento espiritual, pensaram que um anjo tinha falado. Mas aparentemente, somente Jesus e os seus discípulos compreenderam as palavras. Quando Saulo finalmente se pôs em pé, descobriu que estava cego. Embora seus olhos estivessem abertos, não via a ninguém (8). O próprio Saulo diz: "eu não via por causa do esplendor daquela luz" (22.11). Os seus companheiros, guiando-o pela mão, o conduziram a Damasco. Gloag observa acertadamente: "Consequentemente, Paulo entrou em Damasco de uma maneira completamente diferente daquela que ele tinha imaginado: ao invés de arrastar homens e mulheres e conduzi-los à prisão, ele mesmo é conduzido, humilhado, afligido e cego, o prisioneiro de Jesus Cristo".

2. Saulo É Cheio do Espírito (9.10-19a) Ananias (10) significa "O Senhor é amoroso" ou "graciosamente dado pelo Senhor" — um nome adequado para este discípulo judeu (cristão) de Damasco, que ministrou a graça ao sentenciado Saulo. O Senhor — Jesus (cf. 17) — falou com ele em visão; uma maneira frequente de comunicação da vontade divina tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Quando Ananias ouviu o seu nome, respondeu: Eis-me aqui, Senhor! (lit., "Eu, Senhor"). Assim ele expressou a sua consagração. Ele estava pronto para receber as ordens. Mas a ordem que veio foi surpreendente. Ele deveria ir à rua chamada Direita, e perguntar em casa de Judas por um homem de Tarso chamado Saulo (11). Ainda existe uma rua Direita em Damasco, que passa de leste a oeste pelo principal mercado daquela agitada cidade. Hoje, assume-se que a casa de Judas estivesse próxima à extremidade oeste. A voz acrescentou: eis que ele está orando. Isto sugere, o que já podíamos supor, que Saulo passou aqueles três dias sem visão tentando deixar o seu coração e a sua mente em conformidade com a sua experiência estarrecedora na estrada. O Senhor prosseguiu dizendo a Ananias que Ele já tinha preparado o caminho para a sua visita, dando a Saulo uma visão. Um certo Ananias viria até ele, poria sobre ele a sua mão e faria com que ele tornasse a ver (12) — lit., "visse novamente". Este aspecto da orientação divina — preparando o coração do mensageiro e também do destinatário — deveria ser um encorajamento constante para despertar a obediência. Compreensivelmente, Ananias protestou. Ele tinha ouvido de muitas pessoas um relato da perseguição de Saulo aos santos em Jerusalém (13). Isto significa que Ananias não tinha fugido de Jerusalém, mas residia há tempos em Damasco. A palavra santos aparece aqui pela primeira vez no livro de Atos como um nome para os cristãos. Ela é encontrada novamente nos versículos 32, 41 e em 26.10. Paulo usa-a quarenta vezes como uma designação para aqueles que pertencem à Igreja de Jesus Cristo. A palavra grega é o plural de hagios (sagrado) e, portanto, significa literalmente "sagrados". Ela enfatiza o fato de que todos os cristãos são separados para Cristo e devem ser purificados da depravação adquirida. A palavra é traduzida como "sagrado" cerca de 165 vezes, e "santos" 61 vezes na versão KJV. Ananias prosseguiu lembrando ao Senhor que, mesmo em Damasco, Saulo tem poder dos principais dos sacerdotes para prender a todos os que invocam o teu nome (14). Orar a Jesus era considerado uma ofensa grave pelos judeus, porque a eles isso parecia negar a sua fé no monoteísmo. Em resposta às objeções de Ananias, o Senhor ainda disse: Vai (15). As coisas tinham mudado para Saulo. Agora este é para mim um vaso escolhido. Como Cristo o tinha escolhido, Ananias não podia rejeitá-lo. Saulo levaria o nome de Cristo diante dos gentios, e dos reis, e dos filhos de Israel. A ordem das palavras aqui pode parecer estranha, mas a missão de pregação de Paulo era basicamente para os gentios e não para os judeus. Os reis a quem Paulo testemunhou foram Herodes Agripa II (cap. 26) e provavelmente Nero (cf. 27.24). Também está indicado que o ministério de Paulo deveria ser um ministério de sofrimento (16).

De forma obediente, Ananias foi (17). Entrando na casa onde Paulo estava orando, impôs-lhe as mãos — para que recebesse a sua visão, ou para que recebesse o Espírito Santo. Bruce sabiamente sugere as duas coisas.

Ananias saudou o humilhado fariseu como irmão Saulo. Estas palavras, saindo dos lábios de alguém a quem Saulo tinha planejado perseguir, devem ter trazido imenso conforto à sua alma. Ele já estava sendo amado por aqueles a quem odiara. O cristão mais antigo informou ao seu novo irmão em Cristo que ele tinha sido enviado por aquele mesmo que tinha aparecido a Saulo na estrada. A vista do fato de que kyrios (Senhor) é a tradução normal de Jehovah (ou Yahweh) na Septuaginta, a expressão o Senhor Jesus fornece uma forte afirmação da divindade de Jesus. Saulo tinha uma necessidade física e, ao mesmo tempo, uma necessidade espiritual ainda mais profunda. Ambas seriam satisfeitas. Ananias vem... para que tornes a ver e sejas cheio do Espírito Santo. E logo — agora Saulo estava pronto — alguma coisa como umas escamas lhe caíram dos olhos (18). Com isto, ele recuperou a vista — a mesma palavra usada quando Jesus curou o cego — e foi batizado. Agora ele era oficialmente um membro da nova comunidade de cristãos. Pela primeira vez, em três dias, tendo comido, ficou confortado (19). Existem notáveis paralelos entre as visões de Ananias e Saulo neste capítulo, e as de Pedro e Cornélio no capítulo seguinte. Assim Howson as descreve: "A preparação simultânea dos corações de Ananias e Saulo, e a preparação simultânea dos corações de Pedro e Cornélio; as perguntas e a hesitação de Pedro, e as perguntas e a hesitação de Ananias; um duvidando se seria possível vir a ter amizade com os gentios, o outro duvidando se seria possível aproximar-se do inimigo da igreja; a obediência sem vacilação deles, quando a vontade divina se fez claramente conhecida; o estado de espírito no qual tanto o fariseu quanto o centurião se encontravam, cada um deles esperando para ver o que o Senhor iria lhes dizer — esta íntima analogia não será esquecida por aqueles que lerem com reverência os dois capítulos consecutivos".

A história da conversão de Paulo (1-19) mostra que "o poder divino precisa da cooperação humana". 1. Sob o poder divino, observamos: a) a luz (3); b) a voz (4-7); c) a cegueira (8-9). 2. Sob a cooperação humana, vemos, a respeito de Ananias: a) suas ordens (10-12); b) suas objeções (13-16); c) sua obediência (17); d) seus objetivos realizados (18). 3. Saulo Pregando a Cristo (9.19b-22)

Depois da sua conversão, Saulo passou alguns dias com os discípulos que estavam em Damasco (19). Evidentemente, Ananias "o afiançou", e assim ele foi completamente aceito na comunidade cristã. E logo (20) — a mesma palavra de 18 — Saulo começou a pregar em Damasco. Como devemos harmonizar isto com a sua própria afirmação de que depois da sua conversão ele foi à Arábia (Gl 1.15-17)? A solução mais simples é supor que ele começou imediatamente a pregar a sua fé recém encontrada. Quando ele descobriu que precisava estudar algumas das implicações teológicas da sua mensagem, foi para a Arábia para um período de meditação e oração. Esta permanência na Arábia parece encaixar-se em algum lugar depois do versículo 21 e antes do 26. Saulo pregava nas sinagogas. Como um rabino educado em Jerusalém aos pés de Gamaliel, ele seria mais que bem-vindo em qualquer sinagoga judaica e é convidado a falar. Mas agora ele não estava simplesmente dando uma interpretação rabínica da Lei: ele pregava a Jesus — pregava que este era o Filho de Deus. Como os seus ouvintes devem ter ficado atônitos! Era sabido que Saulo perseguira os cristãos em Jerusalém e que viera a Damasco com o objetivo expresso de extirpar esta nova heresia. Ele viera para prender aqueles do "Caminho" e levá-los acorrentados a Jerusalém para julgamento perante o Sinédrio (21). Agora, ele mesmo estava pregando esta "heresia"! É difícil imaginar o espanto e a consternação que atingiram essas audiências judaicas quando eles descobriram o que este discípulo de Gamaliel estava lhes pregando. Não é de admirar que se diga: Todos os que o ouviam estavam atônitos (21). Sem dúvida, houve muitas discussões com os escribas nas sinagogas (cf. 6.9). Saulo, porém, esforçava-se muito mais e confundia os judeus que habitavam em Damasco. Provando significa, literalmente, "unindo", e aqui significa "deduzindo" ou "demonstrando", ou seja, ele colocou as profecias do Antigo Testamento ao lado do seu cumprimento no ministério de Jesus, e assim demonstrou que aquele era o Cristo (22). A principal mensagem de Paulo, como a de Pedro (2.26; 3.13-21) era que Jesus era o Messias. Os judeus não podiam refutar a pregação de Paulo, autorizada pelo Espírito. 4. Saulo Foge dos Judeus (9.23-25) Era inevitável que a vida de Paulo em breve estivesse em perigo. Ele não poderia esperar escapar de ser ameaçado com o mesmo destino do seu Senhor e do mártir Estêvão. Assim, não é surpreendente ler que tendo passado muitos dias — incluindo talvez muitos meses passados na Arábia (Gl 1.18) — os judeus tomaram conselho — o mesmo verbo usado em Mt 26.4 — para o matar (23). Felizmente, as suas ciladas ("tramas", a mesma palavra que aparece na Septuaginta em Et 2.22, em relação ao plano para assassinar o rei) vieram ao conhecimento de Saulo. Enquanto isso, os judeus guardavam as portas, tanto de dia como de noite, para poderem tirar-lhe a vida (24). Mas Saulo conseguiu fugir. Este feito difícil só foi realizado porque tomando-o de noite os discípulos, o desceram, dentro de um cesto, pelo muro (25). Pelo muro literalmente quer dizer "através do muro". É o próprio Paulo quem nos diz: "fui descido num cesto por uma janela da muralha; e assim escapei das suas mãos" (2 Co 11.33). Hackett diz que logo à esquerda da porta leste de Damasco, ele viu duas ou três janelas no muro, que se abriam para casas na cidade. Josefo usa a expressão "através do muro" para descrever a fuga dos espias de Jerico. A maneira natural de descer (ou baixar) um homem seria dentro de um cesto atado a uma corda. Este método ainda hoje é usado nas terras bíblicas.

Embora o livro de Atos pareça dizer que os judeus estavam guardando (imperfeito) as portas noite e dia para matar Saulo, ele mesmo escreve: "Em Damasco, o que governava sob o rei Aretas pôs guardas às portas da cidade dos damascenos, para me prenderem" (2 Co 11.32). Até recentemente, os estudiosos afirmavam que Damasco estava sob o domínio romano naquela época. Não se deve interpretar isto como se um etnarca (grego, "governador") como Aretas IV, que tinha sido rei dos árabes nabateus de 9 a.C. até 40 d.C, mantivesse uma guarnição naquela cidade. Mas não foi encontrada em Damasco nenhuma moeda romana do período compreendido entre 34 e 62 d.C. O governo de Damasco pode ter sido entregue aos nabateus neste período. Ou talvez o etnarca fosse "um xeique ou líder da comunidade árabe naquela cidade mista". Provavelmente, os judeus e os nabateus trabalharam juntos na tentativa de evitar a fuga de Saulo. 5. Saulo Prega em Jerusalém (9.26-31) Quando o fugitivo deixou Damasco, ele retornou a Jerusalém (26). Ao chegar ali, procurava (tentava) ajuntar-se aos discípulos. Parece que a sua razão para voltar a Jerusalém era que ele queria promover uma reparação pela sua perseguição anterior à igreja, dando agora testemunho em Cristo naquela incubadora de oposição. O generoso Barnabé, "filho da consolação" (4.36) tomando-o consigo, o trouxe aos apóstolos (27). Ele lhes contou da conversão de Saulo e da sua pregação do Evangelho em Damasco. O resultado do apadrinhamento de Barnabé foi que o novo convertido andava com eles em Jerusalém, entrando e saindo (28). Ele podia mover-se livremente nos círculos cristãos dali. Alguns procuraram encontrar uma contradição entre estes dois versículos e a afirmação do próprio Paulo: "Depois, passados três anos, fui a Jerusalém para ver a Pedro e fiquei com ele quinze dias. E não vi a nenhum outro dos apóstolos, senão a Tiago, irmão do Senhor" (Gl 1.18-19). Mas não há nada no relato do livro de Atos que contradiga a afirmação em Gálatas de que Saulo viu somente dois dos apóstolos. Os outros podem ter estado fora de Jerusalém nesta época. O antigo adversário dos seguidores cristãos agora falava ousadamente no nome de Jesus... e disputava também contra os gregos (29) — "helenistas", ou judeus de origem grega. Estes eram os mesmos que tinham debatido com Estêvão e finalmente o levaram à morte. Agora eles estavam procurando matar Saulo. Quando os crentes de Jerusalém souberam disto, eles o acompanharam até Cesaréia — o principal porto da Palestina naquela época — e o enviaram a Tarso (30), a sua terra natal, a cerca de 480 quilômetros ao norte de Cesaréia. A única coisa que sabemos sobre as atividades de Saulo durante os seis ou mais anos seguintes é a sua própria afirmação: "Depois, fui para as partes da Síria e da Cilícia" (Gl 1.21). Com base nisto, parece que ele passou esses anos evangelizando a sua província natal da Sírio-Cilícia. Ramsay refere-se a esses como sendo "dez anos de obras tranquilas no campo da sinagoga e da sua influência".

Tarso era a capital da Cilícia. Na época de Paulo, era o terceiro maior centro universitário, depois de Atenas e Alexandria. O resultado da partida de Paulo de Jerusalém teve dois aspectos. Em primeiro lugar, a sua própria vida foi poupada, o que foi uma grande dádiva para o seu próprio século e para

todas as gerações futuras. Em segundo lugar, o movimento cristão na Palestina foi aliviado, durante algum tempo, de mais perseguições. Segundo a narrativa, Assim, pois, as igrejas — "igreja" (singular no manuscrito mais antigo) — em toda a Judéia, e Galiléia, e Samaria tinham paz (31) — as três principais divisões da Palestina naquela época, relacionadas aqui na ordem da sua importância judaica. Esta é a única menção à igreja cristã na Galiléia até a época de Eusébio (séc. IV), um fenômeno estranho, em vista do fato de que Jesus dedicou a maior parte do seu ministério público àquela região. O registro a seguir afirma que as igrejas na Palestina estavam sendo edificadas — lit., "construídas" — e se multiplicavam. Como Saulo tinha partido, os problemas com os judeus helenistas cessaram e a igreja desfrutou um período de paz e prosperidade. Bibliografia R. Earle

TEOLOGIA DE PAULO Paulo dá duas explicações diferentes da origem da sua teologia. Em Gl 1.11-12, insiste que não a recebeu de homem algum, mas "mediante revelação de Jesus Cristo", referindo-se à sua experiência na estrada de Damasco. Mas em 1 Co 15.3-8 ele se retrata como pessoa que

apenas transmite a tradição que recebeu a respeito da morte expiadora de Cristo, Seu sepultamento e Sua ressurreição. Alguns estudiosos (e.g., Drane) sustentam que dois

Paulos diferentes estão falando nessas passagens: o primeiro, um individualista entusiasta, cuja teologia era baseada na inspiração imediata do Espírito Santo; o último, um Paulo mais velho e mais sóbrio, cujo individualismo tinha sido refreado pela experiência de conflitos e

pela necessidade de chegar a um acordo com o modo de os outros apóstolos entenderem a fé. Outros (e.g., Bruce) argumentam que o fato de Paulo aceitar a tradição radicalmente

nova a respeito de Jesus, em contraste com "as tradições de meus pais" (Gl 1.14), foi um resultado direto da revelação na estrada de Damasco, de modo que um complementa o outro. De qualquer maneira, é um problema saber por que Paulo apresenta o evangelho em termos

tão diferentes daqueles que o próprio Jesus usava. Por exemplo, por que a "justificação pela fé" - quase totalmente ausente do ensino de Jesus - é tão destacada no de Paulo, e por que Paulo virtualmente desconsidera o grande tema de Jesus que ó o reino de Deus?

Evidentemente, Paulo sentia-se autorizado, como apóstolo de Cristo, a falar em nome dEle (2 Co 13.3) sob a inspiração do Espírito Santo (1 Co 2.12-13,16) de maneiras diferentes

daquelas que o Cristo terrestre já tinha falado. Na realidade, seu pensamento é uma combinação fantasticamente criativa de elementos reunidos de muitas origens diferentes, sob a orquestração do Espírito Santo: os ensinos terrestres de Jesus (e.g., 1 Co 7.10-11;

9.14), os seus próprios antecedentes no farisaísmo (e.g., Rm 10.6-9; Gl 4.22-26), as tradições cristãs mais antigas (e.g., 1 Co 15.3-7; Rm 3.24-25; Fp 2.6-11), o pensamento

grego secular (e.g., Rm 2.15; Cl 3.18-4.1), o seu próprio discernimento (Ef 3.4) e, acima de tudo, o AT (Rm 15.4; 2 Tm 3.15-16). É claro que há divergência de opiniões quanto à possibilidade de Paulo ter ou não distorcido a mensagem de Jesus com isso.

A Natureza de Deus. Morris indica que em Romanos há 153 menções de Deus, enquanto Cristo aparece 65 vezes. As estatísticas podem enganar, mas nesse caso, parece que demonstram onde se acha o fundamento real do pensamento paulino. Duas palavras chaves

iluminam o centro do seu pensamento a respeito de Deus: Criação. A fé no Deus único que criou tudo quanto existe moldou fundamentalmente a

teologia de Paulo. Ele não podia aceitar a ideia de Deus não ter propósito algum para as nações gentias. "É, porventura, Deus somente dos judeus? Não o é também dos gentios? Sim, também dos gentios, visto que Deus é um só" (Rm 3.29-30). Sua crença na igualdade entre os judeus e os gentios diante de Deus (Rm 1.16; 10.12; Gl 3.28) baseia-se nessa unicidade de Deus (cf. Dt 6.4) que, diferente das divindades pagãs, não pode ser limitado a uma determinada área

geográfica ou nação, mas estende Seu amor salvífico limitado a todos os homens (1 Tm 2.3-5). Todo o ministério de Paulo como apóstolo aos gentios (rejeitado por muitos cristãos

judaicos) desenvolveu-se a partir dessa pressuposição. O fundamento para essa nova união entre judeus e gentios achava-se na Pessoa de Cristo,

que, para Paulo, era um segundo Adão (1 Co 15.47), a cabeça de uma humanidade criada de novo, que contrabalançava e remediava a antiga. O pensamento da "nova criação"

frequentemente se expressa em Paulo (veja especialmente Rm 5.12-21; 1 Co 15.42-50): os judeus e os gentios foram unidos no "novo homem", o Cristo crucificado que rompe todas as barreiras antigas (Ef 1.11-16). Esse novo homem foi elevado até à destra de Deus (Ef 1.20),

onde Ele desempenha o papel previsto para o homem no AT: Ele tem todas as coisas debaixo dos Seus pés (Sl 8.6; Ef 1.22; 1 Co 15,25-27). Como a cabeça de uma nova

humanidade, Ele fornece um padrão a ser gravado nos Seus descendentes, assim como a raça de Adão foi marcada por sua queda (l Co 15.49; Rm 5.18-19; Ef 4.22-24; Cl 3.10). Deus é Aquele que "chama à existência as coisas que não existem" (Rm 4.17). A luz do evangelho, brilhando nos corações dos crentes, é comparável à luz original da Criação (2 Co

4.6). Com esse pano de fundo, o pensamento de Paulo avança numa escala cósmica; Deus tem em mente algo mais glorioso do que apenas uma nova humanidade: a transformação da criação é Seu alvo ulterior (Rm 8.18-25; Cl 1.15-20; Ef 1.9-10).

História. Para Paulo, a história tem um propósito: desenvolve-se em direção a um alvo por

um caminho predeterminado por seu único Senhor. Por isso, Paulo continuava a aceitar o AT como a Palavra de Deus e argumentava enfaticamente que o "novo" em Cristo deve ser integrado ao "antigo" previamente dado. Travava batalhas tremendas em relação à natureza

exata dessa integração. Os cristãos judaicos que pensavam que a vinda de Jesus não introduzia nenhuma alteração nos propósitos de Deus com relação a Israel foram

informados que, pelo contrário, Cristo marca o início de uma nova era em que as portas da salvação são abertas a todos igualmente (Rm 10.13). Os cristãos gentios que argumentavam que os propósitos de Deus para Israel tinham sido anulados ou que a nova era fora

plenamente manifestada na vida e na adoração deles foram informados que, pelo contrário,

a palavra de Deus para Israel ainda permanece em pé (Rm 9.6; 11.1, 26), e que ainda haverá uma consumação final: o Espírito Santo dá o penhor de alguma coisa ainda mais gloriosa no porvir (2 Co 1.22; 5.5; Ef 1.14). Por detrás de todas as epístolas de Paulo, há a

sua preocupação de estabelecer esse equilíbrio sutil entre o antigo e o novo nas várias situações de desequilíbrio.

O Filho de Deus. O AT ajudou Paulo a compreender como Cristo é o último Adão nos

propósitos de Deus e levou-o a ver a morte de Cristo como o momento decisivo vital entre as

duas eras. Is 53 mostrou-lhe que a morte de Cristo era substitutiva, pelos nossos pecados, de modo que o povo de Deus pudesse ser justificado pela justiça dEle (Rm 4.25; 5.18; Fp

2.7-8). A reflexão sobre Dt 21.23, que parecia de início falar contra Cristo, produziu o conceito revolucionário de que Cristo Se fez "maldição" por nós (Gl 3.13). O ritual do Dia da Expiação (Lv 16) ajudou-o a perceber que Cristo era a oferenda e o lugar de expiação

determinados por Deus e o meio pelo qual Seu povo é totalmente purificado (Rm 3.24; 8.3; 2 Co 5.21). O ritual da páscoa em Êx 12 mostrou como Cristo era o nosso "cordeiro da

páscoa", sacrificado para redimir da escravidão o povo de Deus e colocá-lo no duro caminho para a glória (1 Co 5.7-8; 11.23-32; Ef 1.7; Cl 1.11-14). Sua reflexão sobre o uso que Jesus fez da visão do "Filho do homem" em Daniel (Dn 7) levou-o a ver que, paradoxalmente, a

morte que parecia uma derrota final foi, na realidade, uma vitória tremenda sobre os poderes deste mundo (Gl 6.14; Cl 2.15; 1 Co 2.6-8; Rm 8.31-39). Paulo aprendeu a ver que

a ressurreição foi a resposta de Deus à morte de Cristo (Rm 1.4; 6.4; 1 Co 15.15; Fp 2.9-11) e, portanto, a resposta de Deus para a nova humanidade como um todo, que da mesma forma será ressuscitada para a glória (1 Ts 4.14; 1 Co 6.14; 15.20-22; Rm 6.5; 8.11; Fp 3.8-

11; Ef 2.4-7; Cl 2.13-14) e que deve começar agora mesmo a expressar aquela nova vida (Rm 6.4,11; Cl 2.20-3.5).

O Povo de Deus. A conversão de Paulo levou-o de um "povo de Deus" para outro. A tensão

inevitável produzida por essas reivindicações rivais forçou-o a estabelecer a sua teologia da

igreja tomando por base os princípios fundamentais. A questão mais importante nesse esforço foi a justificação, por causa da convicção de que Deus julgará o mundo algum dia

(cf. Rm 3.6). Quem, então, será inocentado, "justificado"? Paulo rejeitou o conceito dos seus contemporâneos judaicos (que ele aceitara anteriormente) que a aliança de Deus com Israel era uma garantia de que esse povo receberia o perdão e a absolvição. Se essa fosse a única

coisa necessária, por que Cristo havia morrido (Gl 2.21)? O simples fato de o Filho de Deus ter morrido demonstrou a Paulo que a justificação não poderia vir através das "obras da lei" (Gl 2.16; 3.10; Rm 3.20) - i.e., através da dependência, por mais sincera e zelosa que fosse,

da condição especial outorgada pela lei que foi dádiva de Deus. Mesmo os antecedentes judaicos mais impecáveis, como o próprio Paulo possuía (Gl 1.14; Fp 3.4-7), eram inúteis.

Embora fosse levado a esse ponto de vista por seu encontro repentino com Cristo, Paulo ainda veio a perceber que o AT indica sua própria fraqueza por não oferecer nada mais

seguro do que uma existência precária "debaixo de maldição" (Gl 3.10), onde a fraqueza humana pode, a qualquer momento, disparar as maldições alistadas em Dt 28.15-68. Somente Cristo podia dar a certeza da justificação, porque somente Cristo tinha vencido o

pecado que tornou a lei incapaz de dar a bênção prometida (Rm 7.7-8; 8.3). Mas essa

destronização da lei como o princípio salvífico central demoliu as barreiras de Israel e franqueou a justificação a todos quantos simplesmente aceitassem a Cristo e, mediante o recebimento do Seu Espírito Santo, começassem a evidenciar a fé e o amor a Deus, coisas

que o AT ansiava em vão (Dt 6.4; 9.13-14; 29.4; Ez 18.31; 36.26; Rm 5.5; 6.17; Gl 3.14, 23-26). Paulo, portanto, podia declarar que ele, com seu "evangelho livre da lei" oferecido a

todos igualmente, estava sendo mais fiel à lei (Rm 3.31) do que aqueles que insistiam que a salvação poderia ser desfrutada somente dentro das fronteiras de Israel. Mediante Cristo, que é o "fim da lei" (Rm 10.4), a lei é liberta da sua escravidão ao pecado (Rm 7.10-11) e das

suas limitações nacionalistas (Gl 5.3), sendo restaurada ao seu papel correto de orientadora do povo de Deus. Daí o modo confiante de Paulo lidar com o AT. Alguns estudiosos (e.g., Knox) argumentam que a teologia de Paulo não contém nenhuma ética essencial, porque seu evangelho da justificação diz respeito à condição escatológica da

pessoa diante de Deus, e não afeta a vida diária. Esta opinião só pode ser sustentada se a justificação for tirada do seu contexto essencial na atividade missionária de Paulo — a

saber: o debate sobre quem forma o povo de Deus. Pois o povo de Deus não existe apenas escatologicamente: ele também é uma realidade terrestre. Existirá supremamente no fim, na "revelação dos filhos de Deus" (Rm 8.19), mas sua justificação também é presente (Rm 5.1) e

o constitui numa entidade distintiva. Quando Paulo escreve que os gentios, que não buscavam a justificação, vieram a alcançá-la (Rm 9.30), ele se refere a algo que é óbvio aqui

e agora, quando os gentios se incorporam no novo estilo de vida distintivo da igreja. Deste modo, o "pois" (ou "portanto") de Rm 12.1 (que introduz a seção prática da epístola) é verdadeiramente lógico e continua a exposição da justificação feita em Rm 1-11. O novo estilo de vida do cristão é, portanto, inerente à teologia de Paulo. Suas notas tônicas

são o desenvolvimento do princípio do amor (Rm 12.9-21; 1 Co 13; Cl 3.14; Ef 5.2), através da formação de uma mente cristã (Rm 8.5; 12.2,17; 1 Co 2.15-16; Fp 4.8; Ef 4.17-24), com a presença do Espírito Santo que dá forças para isso (Rm 8.13; 12.11; 1 Ts 1.6; Gl 5.22-25;

Ef 3.14-18; 5.18-20), no contexto de uma vida comunitária interdependente (Rm 12; 1 Co 12; Ef 4.1-16; Cl 3.12-4.1), inspirada por uma consciência constante do alvo escatológico

iminente (1 Co 7.29-31; Rm 8.23-25; 13.11-14; 2 Co 5.9-10; Gl 6.8; Fp 3.12-14; 1 Ts 5.4-11). Bibliografia S. MOTYER

Bibliografia Completa. J. W. Drane, Paul: Libertine or Legalist? F. F. Bruce, Paul and Jesus; L. L. Morris, "The

Theme of Romans," in Apostolic History and the Gospel, ed. W. W. Gasque e R. R Martin; J. Knox, Chapters in a Life of Paul; V. R Furnish, Theology and Ethics in Paul; H. N. Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology; J. A.

Ziesler, The Meaning of Righteousness in Paul; D. E. H. Whiteley, The Theology of St. Paul; G. Bornkamm, Paul.

A Conversão de Saulo 9: 1-31.

A narrativa da conversão de Saulo foi inserida na história da expansão do Evangelho na Palestina. O registro do ministério de Pedro, que atravessou a Samaria pregando o Evangelho (8: 25), resume-se em 9: 32. Conforme o Evangelho avançava na direção do mundo gentio, Deus preparava um vaso escolhido para ser o principal instrumento nessa missão. Por isso Lucas interrompe a sua narrativa para contar a conversão de Saulo, e também para explicar o fim da perseguição à igreja. 1. A conversão de Saulo também está relatada em 22:4-16 e 26: 12-18. Embora Saulo nascesse e fosse criado na cidade gentia de Tarso, na Cilícia (22: 3), estudou em Jerusalém aos pés de Gamaliei, um dos notáveis rabinos judeus daquele tempo (5: 34 e segs. ). Era considerado um aluno brilhante (Gl 1: 14) e um zeloso fariseu (Fp 3: 5). Agora Saulo execu-tou o papel do mais zeloso representante dos judeus na perseguição à igreja. A violência de sua perseguição está descrita em At 26: 10, 11. Seu alvo era compelir os cristãos a negar a sua fé sob pena de prisão e até mesmo morte. Não sabemos até onde era comum o martírio nessa perseguição. 2. O sumo sacerdote, presidente do Sinédrio, tinha os judeus de toda a Palestina sob a sua jurisdição. Saulo obteve do sacerdote cartas de extradição para as sinagogas de Damasco a fim de trazer de volta a Jerusalém, em cadeias, qualquer cristão que para lá tivesse fugido. Havia uma comunidade judia em Damasco de cerca de dez a dezoito mil pessoas. Caminho. Uma palavra usada para descrever a fé cristã (19:9, 23; 22: 4; 24: 14, 22). 3, 4. O jato de luz apareceu a Saulo perto do meio-dia (22: 6; 26: 13), mas a luz era mais forte do que a luz do sol. A voz que vinha do meio da luz falou a Saulo em hebraico, ou aramaico (26: 14). Embora a maioria dos judeus da Dispersão falasse o grego, os pais de Saulo falavam o aramaico e ensinaram-lhe essa língua (Fp 3: 5). Essa era a língua usada nas escolas rabínicas de Jerusalém. A voz informou Saulo que ao perseguir os cristãos ele perseguia a Cristo. 5. A princípio Saulo não entendeu o significado dessa experiência. Pediu que a voz se identificasse. Senhor no grego significa, muitas vezes, pessoa de respeito (16: 30; 25: 26); mas aqui indica uma resposta reverente e respeitosa. A voz identificou-se como a do Jesus glorificado. As palavras Duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões, conforme está na ERC, não se encontram nesta passagem nos textos gregos mais antigos, mas foram aqui in-troduzidas de 26:14. 7. Saulo estava na companhia de uma caravana. A declaração deste versículo dizendo que os homens ouviram uma voz mas não viram ninguém parece contradizer 22: 9 e 26: 14, onde se diz que eles ouviram a voz. Há duas possíveis soluções para este problema. A construção do grego em 9: 7 é diferente da construção de 22: 9. A primeira declaração pode significar que eles ouviram um som e o outro versículo que eles não entenderam o que dizia. Uma segunda possibilidade é que 9: 7 se refere à voz de Saulo falando à luz; os homens ouviram a voz de Saulo, mas não ouviram a voz que da luz falava a Saulo (22:9). 9. A experiência foi tão fora do comum que durante três dias Saulo não conseguia nem comer nem beber. 10, 11. Nada sabemos sobre Ananias exceto o que nos conta esta passagem. O versículo 13 indica que talvez ele residisse em Damasco e não sendo refugiado de Jerusalém. Não sabemos como o Evangelho chegou a Damasco nem como Ananias se converteu. O livro de Atos não nos dá uma história completa da igreja primitiva, mas relaciona apenas os

acontecimentos mais importantes do seu crescimento. À rua que se chama Direita passava pelo centro de Damasco e ainda existe hoje em dia. 13. Chegou a Damasco notícia da destruição feita por Saulo contra os cristãos em Jerusalém. Santos. Palavra comumente usada no N.T. em relação aos crentes. 15, 16. O sofrimento no serviço de Cristo não deve ser encarado como exceção mas como coisa normal. 17. A obediência de Ananias foi imediata e completa. A recepção do Espírito Santo por meio da imposição das mãos de Ananias foi uma experiência excepcional e não coisa normal (cons. 8: 17). Com a palavra irmão, Ananias deu as boas-vindas a Saulo recebendo-o na comunidade cristã. 18. Uma substância escamosa caiu dos olhos de Saulo, ele recobrou a vista imediatamente e foi batizado. 19, 20. Os alguns dias que Saulo passou em Damasco é um período de tempo muito indefinido. Imediatamente após a visão de Cristo, Saulo foi para à Arábia onde ficou por dois ou três anos (Gl 1: 15 e segs.). O curto ministério em Damasco pode ter acontecido antes ou depois da temporada de Saulo na Arábia. Havia numerosas sinagogas em Damasco, e neles Saulo proclamou a Jesus como o Filho de Deus. Esta é a primeira vez que esta frase ocorre no livro de Atos. Pode designar o rei messiânico como objeto do favor de Deus (II Sm 7: 14; Sl 2: 7). Este uso messiânico da frase Filho de Deus foi ilustrada pela pergunta do sumo sacerdote a Jesus (Mc 14: 61). Provavelmente, aqui, o termo tem o significado messiânico, pois At 9: 22 diz que a pregação de Saulo provava que Jesus era o Messias (que aquele era o Cristo). 21, 22. A transformação de Saulo deixou seus ouvintes muito admirados. Demonstrando. Literalmente, juntando; isto é, juntando as profecias do V.T. com seu cumprimento para mostrar que Jesus era o Messias (o Cristo). Tendo Saulo recebido a instrução de um rabi e consequentemente conhecendo bem o V.T., isto era-lhe agora muito útil. 23, 24. Os muitos dias incluíam de dois a três anos depois da conversão de Saulo (Gl 1: 18). "Três anos" na computação judia podia se referir a um período de mais de dois anos completos. Comparando este versículo com II Co 11: 32 vemos que os judeus fizeram uma conspiração com o representante do Rei Aretas da Arábia. Talvez o reino nabaetano de Aretas se estendesse até Damasco, incluindo esta; mas é mais aceitável que Aretas tivesse um representante na pessoa de um etnarca governando sobre os muitos nabaetanos que moravam em Damasco. Quando o ministério de Saulo em Damasco provocou a animosidade das autoridades tanto nabateanas quanto judias, estas juntaram suas forças para vigiar os portões num esforço de prendê-lo quando deixasse a cidade. 25. Um dos cristãos possuía uma casa construída sobre a muralha de Damasco. Saulo foi baixado num grande cesto trançado que foi passado através de uma janela, e assim ele escapou à conspiração. 26. Quando Saulo retornou a Jerusalém, não pôde reunir-se novamente aos seus antigos companheiros judeus; e os poucos cristãos que permaneceram na cidade (8:1) suspeitavam que a sua profissão de fé não passasse de mera fachada para melhor perseguir a igreja.

27. Barnabé já conhecia Saulo ou então era homem de grande discernimento, pois reconheceu a sinceridade de Saulo e o apresentou aos apóstolos. Os únicos apóstolos em Jerusalém nessa ocasião eram Pedro e Tiago, o irmão do Senhor (Gl 1: 18, 19). Tiago fora incluído no círculo apostólico. 28, 29. Saulo passou a se ocupar agora do ministério do Evangelho em Jerusalém. Seu ministério ainda não se estendia além da capital da Judéia (Gl 1: 22-24). Em primeiro lugar ele se dirigiu aos judeus que falavam o grego ou helenistas ־ o mesmo grupo a quem Estêvão testemunhara antes (At 6: 9). Os helenistas tentaram matar Saulo como antes o fizeram com Estêvão. 30. Saulo escapou com vida apenas por causa da ajuda de seus irmãos cristãos, que o levaram ao porto da Cesaréia, de onde ele navegou para Tarso, sua cidade natal, na Cilícia. Agora perdemos Saulo de vista até 11: 25; mas sem dúvida esteve ocupado em Tarso pregando o Evangelho, embora não haja registro desse ministério. 31. A seguir Lucas descreve o crescimento, tanto numérico quanto espiritual, da igreja... em toda a Judéia, Galiléia e Samaria. O plural (ERC), igrejas, não é correto. A Igreja é uma só, embora haja muitas igrejas locais. Essa é a primeira referência às igrejas da Galiléia. Não sabemos quando ou como foram organizadas. Bibliografia G. E. Ladd

Perfil de Paulo Zeloso e franco, inspirou paixão nos outros Quando mencionamos missionários corajosos, geralmente imaginamos Livingstone cruzando o sombrio continente africano. Mas há um herói cristão que pouca atenção desperta em nós. Seu nome é Ananias. Deus pediu-lhe que fosse encontrar-se com um matador de cristãos. Às vezes tenho inveja dos missionários que trabalham no Havaí ou em Jamaica, mas nunca desejei trocar de lugar com Ananias. O nome do carrasco era Saulo de Tarso — também chamado Paulo. Este fariseu era, provavelmente, a menor perspectiva de conversão no mundo civilizado. O ódio que ele votava à igreja de Cristo só podia medir-se astronomicamente. Paulo era um homem de consagração total. Não importa o lado em que ele se encontra, ele dá tudo o que tem. É difícil retratá-lo como um homem taciturno. De quando em quando ele pode ter-se lançado à autocompaixão, mas raramente. Às vezes Paulo sentia-se solitário, e o dizia. Na maior parte das vezes encontramo-lo como tendo tudo e sendo reservado. O apóstolo é facilmente identificado como uma pessoa de notável inteligência. Qualquer pessoa pode ler suas cartas e ver boa organização e clareza. Muitos dos conceitos cristãos em torno dos quais nos movemos, Paulo foi o primeiro a enunciá-los com precisão. Todos podemos ser gratos por ter sido ele o primeiro grande erudito cristão.

Paulo também era bem-apessoado. Na maioria dos lugares ele atraía as pessoas. Seu modo de expressar-se, sua sinceridade e sua lógica eram irresistíveis. Mais de um adversário aceitou a Cristo depois de ouvir este homem. A despeito de seus grandes talentos e capacidades, este grande homem fazia tudo para permanecer na raça humana. Algumas pessoas lhe tinham ódio total. Trabalhavam com afinco para mantê-lo humilde. Os membros da igreja de Corinto e de outros lugares não escondiam suas hostilidades. Paulo vadeou muitas correntes e subiu centenas de montanhas íngremes. Nem sempre ele estava certo, mas era sempre consagrado. Deus havia escolhido um notável marca-passo. Pouco antes de Ananias encontrar-se com Paulo, o Terror de Tarso acabava de completar uma campanha para eliminar os cristãos (At 9:1). Enquanto ele se achava nesse processo, Jesus Cristo interrompeu lhe a vida. A estrada para Damasco foi o cenário de uma visão maravilhosa que transformou por completo o anticristão. Em humildade, um homem orgulhoso e decidido dobrou o coração diante do Senhor ressuscitado. Já não resistiria a um Deus compassivo. A viagem que Paulo realizava antes de sua conversão é bom indício de seu zelo. Damasco estava a 190 quilômetros ao norte de Jerusalém — provavelmente uma boa caminhada diária durante seis dias. Seus planos eram os de prender cristãos que tivessem buscado refúgio na Síria. Havia uma considerável população de judeus e de cristãos vivendo ali. Ele e suas tropas iam prendê-los e traze-los de volta para uma prisão de Jerusalém. Naquele tempo os cristãos eram chamados o povo do "Caminho" (At 16:17; 18:26; 19:9, 23; 22:4; 24:14, 22). Eles receberam este título porque Cristo se referiu a si mesmo como "o caminho", em Jo 14:6. Posteriormente, em Antioquia, os crentes foram chamados de cristãos. Após sua dramática visão, Paulo foi conduzido cego para Damasco. Ali ele permaneceu três dias e três noites sem comer nem beber. Entra nosso herói — Ananias. Após não pequeno debate, Deus o convenceu de que não havia perigo em visitar o monstro. O Senhor tinha um plano especial e desejava empregar Paulo na conversão dos gentios. Ananias foi (provavelmente sem entusiasmo) ao lar de Judas, na rua Direita. Ali encontrou um Paulo domado, completamente destituído de garras. Ananias pôs as mãos sobre Paulo e sua vista voltou. Paulo levantou-se e imediatamente foi batizado. Os crentes que residiam em Damasco saudaram seu antigo perseguidor como a um tio rico. Este acontecimento deve figurar na mesma categoria em que figuram os mais importantes já verificados na história cristã. Naturalmente, todos os crentes têm igual valor diante de Deus. Não obstante, esta conversão ajudou de modo tremendo a lançar a nova fé a uma posição elevadíssima. Se Pedro fez o Cristianismo correr, Paulo ensinou-lhe a voar. Paulo sentiu-se imediatamente entusiasta e começou a pregar nas sinagogas de Damasco. Havendo-se tornado mais intrépido em sua pregação, os judeus se mostraram hostis. Resolveram que o vira-casacas teria de morrer. Quando seus novos amigos cristãos

souberam disto, ajudaram Paulo a escapar de Damasco baixando-o pelo muro em um cesto (At 9:25). Em realidade me aborrece ver Paulo no muro. Que aconteceu ao homem que podia fazer tudo? Sua fé havia falhado com ele? Paulo, volta e olha de frente aqueles renegados e impressiona-os com tua coragem! Paulo num muro; essa não! Mas, graças a Deus por ele haver subido no muro. Todos nós somos estimulados a saber que há um tempo para desistir. Algumas situações não têm esperança. Não obstante, muitas vezes agimos como se o recuar fosse uma desgraça. Como se fora uma corrosão moral o havermos pronunciado alguma coisa irrecuperável. Algumas pessoas têm desperdiçado anos perseguindo nuvens vazias. Nada havia ali, mas não queriam admiti-lo. Quantas classes teriam florescido se o professor tivesse senso suficiente para ir-se embora. Alegramo-nos porque Paulo não estava brincando de herói num filme de mocinho. Ele sabia quando desistir e se dirigiu para o muro. Estamos em melhores condições porque ele foi escondido num cesto. Então Paulo rumou para Jerusalém. Ele alimentava altas esperanças de unir-se aos outros discípulos cristãos. Antes de sua chegada, os discípulos encerraram a reunião. Não sabiam que tipo de truque era este, mas não queriam ter parte alguma nele. Paulo era um assassino que venderia sua própria mãe para matar os cristãos. Resolveram rejeitar seu convite para um encontro — tudo isto a despeito do lapso de três anos desde sua conversão (Gl 1:18). A cena faz lembrar-nos Charles Colson(veja sua vida) e o caso Watergate. Colson tinha uma horrível reputação como lacaio da Casa Branca. Diversos comentaristas referiram-se a ele como um homem sem consciência. Quando Colson se tornou cristão, muitas pessoas zombaram. Ele era cheio de truques. O trapaceiro tentava obter uma sentença mais leve. O advogado condenado precisava de tempo para provar, por palavras e atos, quem ele era. Alguns cristãos o aceitaram prontamente e arcaram com o risco. Outros se mostraram cautelosos e cheios de suspeitas. Talvez uns poucos nunca tenham crido na sua conversão. Felizmente, um punhado de amigos cristãos íntimos correu para o seu lado como a mariposa corre para a luz. A mesma coisa aconteceu a Paulo. Ananias, Barnabé e um grupo de crentes de Damasco correram o risco de tomá-lo como amigo. Eles devem ser proclamados como os mais nobres dos crentes. De quando em quando um cristão se vê em maus lençóis por fazer amizade com outros. Mas esse é um risco que devemos estar dispostos a correr porque amamos. Depois que Barnabé tomou a defesa de Paulo, os discípulos concordaram em aceitá-lo e com isso ganharam um fantástico irmão. Paulo não havia dado seu testemunho por muito tempo quando os judeus gregos também quiseram matá-lo. O fabricante de tendas deve ter-se encontrado numa posição crítica. Os judeus não confiavam nele. Os judeus gregos queriam assassiná-lo. Os cristãos não tiravam o olho do noviço. Não era fácil tornar-se crente.

Finalmente ele resolveu que a melhor coisa a fazer era voltar para Tarso. Talvez o tempo se encarregasse de eliminar a fumaça e curar as feridas. Com a conversão de Paulo, a perseguição à igreja reduziu-se a nada. Seria difícil exagerar o terror que ele havia provocado nos primitivos crentes. Ele havia massacrado a igreja (At 8:3). Agora ninguém era mais responsável do que ele pela paz e prosperidade da mesma instituição. Seus membros repentinamente se sentiram seguros porque Paulo era um deles (At 9:31). A controvérsia acerca do nome do apóstolo parece interminável. Sua solução, com toda a probabilidade, é simples. Ele sempre usou ambos os nomes, Saulo e Paulo. Seus amigos judeus chamavam-no de Saulo. Ao tornar-se missionário aos gentios, a maioria das pessoas usava o nome mais popular, Paulo. Nada havia de complicado (At 13:9). Se a igreja gozava de relativa paz, ela não estava ociosa. Novos grupos de crentes surgiam aqui e acolá. Um grupo estava em Antioquia. Quando os dirigentes da igreja de Jerusalém souberam do grupo, enviaram Barnabé até lá para verificar. Ele ficou tão impressionado que foi a Tarso buscar seu velho amigo Paulo, e os dois passaram um ano todo trabalhando com os novos cristãos. Paulo estava acelerando a marcha. Uma grande fome assolou o império romano durante o governo de Cláudio. Os cristãos de Antioquia responderam à crise enviando socorro aos necessitados em Jerusalém. Paulo teve o privilégio de ir com Barnabé nesta missão de amor (At 11:28-30). Paulo revelou muitas facetas durante suas aventuras cristãs. Às vezes ele se acomodava e exercia o pastorado por alguns anos. Outras vezes ele era um escritor que se dedicava extensamente à tarefa. Poucas coisas o agradavam mais do que o papel de professor. Durante anos Paulo viajou como consagrado missionário. Sua carreira diversificada e colorida levou-o a uma variedade tremenda. Ele não se sentiria feliz com algumas opiniões que alguns sustentam hoje. Muitas vezes há uma pressão que insiste: "Uma vez pastor, sempre pastor." Se um missionário não retorna ao campo, seria melhor que sofresse da coluna, pois do contrário pensaríamos que ele sofreu uma crise moral. Que teríamos pensado de Paulo? Na melhor das hipóteses, que era um inconstante. Ele era livre e móvel. Se se sentisse levado a abandonar este projeto e perseguir aquele, era o que ele fazia. Ele não podia ficar paralisado, preocupando-se com o que os outros diriam, ou se o compreenderiam. Uma grande parte do tempo de Paulo ele o passou como missionário. Boa parte desses anos ele passou na estrada, visitando cidades. Sua primeira viagem como ave totalmente emplumada começou por sugestão da igreja em Antioquia. Os crentes dessa igreja tinham um conceito fascinante sobre a escolha de missionários. Os presbíteros de uma igreja local aproximaram-se de dois consagrados cristãos e lhes pediram que se tornassem missionários. A igreja, por sua vez, empenhou-se em oração (At 13:1-4). Esta pode ser uma vasta melhoria quanto a algumas de nossas praxes atuais. Em geral colocamos a maior pressão sobre a pessoa que deseja tornar-se missionário. Segundo o

sistema de Antioquia, a igreja tomou a iniciativa. Dirigiram-se ao candidato em potencial e lhe disseram como sentiam que o Espírito estava dirigindo. Fale acerca de um construtor de confiança! Paulo e Barnabé devem ter-se sentido como se estivessem planando no ar. As provações que enfrentariam seriam suficientemente ruins. Pelo menos contavam com o ânimo de saber que a igreja os apoiava. Talvez muitas igreja contemporâneas devessem voltar à mesma prática. A primeira viagem missionária de Paulo foi um giro pela ilha de Chipre e pela parte inferior da Ásia Menor (At 13; 14). Havia alguns no grupo, incluindo Barnabé e João Marcos. Um dos mais dramáticos acontecimentos ocorridos na viagem veio logo no início, em Pafos, na ilha de Chipre. Como aconteceu em todas as suas paradas, o povo dedicava-se ao paganismo. Adoravam a deusa chamada "A Pafiense", uma divindade síria. Enquanto estavam ali, o pro cônsul local, Sérgio Paulo, desejou vê-los porque ele estava curioso com relação ao evangelho. Os apóstolos atenderam, mas encontraram severa oposição. Barjesus, também chamado Elimas, mágico e curandeiro local, bloqueou lhes o caminho, tentando impedi-los de ver o procônsul. Paulo não desperdiçou tempo com o charlatão e pelo poder de Deus feriu a Elimas de cegueira (At 13:11). Enquanto seus amigos o levavam embora, o missionário entregou as boas-novas, e o resultado líquido foi a conversão do procônsul. Era óbvia a presença de Deus no ministério de Paulo. Eles estavam prontos para enfrentar todos os poderes com que se defrontassem. A próxima parada foi Perge, onde João Marcos deixou a comitiva. Depois disso prosseguiram para outra Antioquia — esta localizada na Pisídia. Como sempre acontecia, os missionários visitaram a sinagoga e foram convidados a falar à congregação. A apresentação que Paulo fez do evangelho foi clara e comovente. Uma grande parte das pessoas desejava ouvir mais e no sábado seguinte quase toda a cidade se apresentou para ouvir Paulo. Este tipo de reação fez que algumas pessoas enlouquecessem. Porém, quanto mais furiosas ficavam, tanto mais decididamente Paulo fazia ouvir sua mensagem. Um evangelho de graça e perdão estava sendo pregado tanto a judeus como a gentios, mas no entender de alguns, esse evangelho era pior do que o paganismo. As multidões se reuniam para atormentar os homens e logo se viram obrigados a deixar a cidade. Os apóstolos sacudiram o pó de seus pés e se dirigiram para a cidade seguinte. Este era um velho símbolo de desprezo. Alguns creem que era um gesto literal, e pode ter sido. Nesse caso, uma pessoa e seu grupo paravam com grande aparato e tiravam as sandálias. Com grande drama levantavam cada uma e as sacudiam para eliminar o pó. Qualquer pessoa que presenciasse a cena saberia que eles tinham sido insultados. Cristo ensinou seus discípulos a fazerem isto sempre que o auditório lhes fosse hostil (Mt 10:11-14). Se ele tencionava que o gesto fosse literal ou figurativo é assunto que se pode discutir até o sol raiar.

Os missionários continuaram a ir de uma cidade para outra pela Ásia Menor. Em Icônio muitos creram e os restantes os expulsaram da cidade. Pregaram extensivamente nas regiões de Derbe e Listra. Em Listra Paulo curou um homem que nunca tinha andado. O populacho ficou assombrado diante deste indiscutível milagre (At 14:11). Devido a seus antecedentes pagãos, o povo supôs que Paulo e seus amigos eram deuses. Chamaram a Barnabé de Júpiter, e Paulo de Mercúrio. O único meio de tratar uma divindade era cultuá-la, mas os cristãos declinaram da honra e o fizeram aos brados. A fama é uma loucura passageira. Não passou muito tempo e alguns homens tentaram matar os missionários a pedradas, e quase o conseguiram. Paulo foi assaltado e atirado para fora dos portões, dado como morto. Recuperou-se e no dia seguinte pôde viajar para Derbe. Muitas vezes vemos uma viagem missionária como linhas num mapa. Eles foram da cidade A para a cidade B e daqui para a cidade C. Em realidade, essas viagens tinham menos de rifle e mais de espingarda. Percorriam de volta o mesmo caminho, espalhavam-se pelo interior, passavam semanas aqui, meses ali, e às vezes anos em vários lugares. Não estavam numa viagem de promoção. Iam a toda parte onde pensavam que podiam entrar. Os missio-nários tentavam deixar um ministério duradouro em cada região. Nomeavam presbíteros que cuidassem do trabalho depois que eles se retirassem. Quando Paulo voltou a Antioquia, apresentou um relatório à sua igreja. Deus havia operado milagres e abrira o evangelho aos gentios. Então Paulo e Barnabé tiraram algum tempo para comparecer ao monumental concilio em Jerusalém (At 15). O testemunho deles foi de considerável valor em dar plena estatura aos convertidos gentios. Logo o zelo por anunciar as boas-novas fervia-lhes nas veias. Paulo e Barnabé resolveram fazer nova visita àquelas áreas onde haviam pregado antes. Barnabé e Paulo discutiram o caso de levar consigo João Marcos, uma vez que ele os havia deixado durante a primeira viagem. Paulo recusou; assim, Barnabé separou-se e levou consigo Marcos. Paulo pode ter errado. Então ele escolheu Silas. A segunda viagem missionária de Paulo levou-o a percorrer milhares de quilômetros. Ele e Silas apanharam Timóteo ao longo da rota e também Lucas foi junto. Alguns dos pontos destacados da viagem foram Filipos, Tessalônica, Atenas e Corinto. Em Filipos Paulo e Silas cantavam à noite na prisão (At 16:25). Antes de terminarem o trabalho ali, o carcereiro tornara-se um cristão arrependido. A próxima parada foi Tessalônica. Viram muitos convertidos e deram início a uma excelente igreja. Como aconteceu em diversas cidades, tiveram de fugir à noite. Em Atenas Paulo pregou seu famoso sermão na Colina de Marte. A história da ressurreição teve uma mistura de interpretações. Alguns a receberam avidamente, enquanto outros apenas oscilavam e davam boas risadas (At 17:32). O quarto e principal acontecimento ocorreu em Corinto. As boas-novas foram entregues primeiramente aos judeus da cidade. Rejeitaram-na, de modo que Paulo, Silas e Timóteo se voltaram para os gentios. Tício Justo e Crispo, este governador da sinagoga, aceitaram Jesus como o Messias, e Deus pediu a Paulo que permanecesse em Corinto. Continuou a trabalhar com eles durante um ano e meio.

A caminho de casa Paulo visitou Cencréia, Éfeso e Cesaréia. Em Cencréia Paulo raspou a cabeça e tomou voto (At 18:18). Não sabemos por que fez isto. Com toda a probabilidade foi grandemente movido por alguma coisa. É possível que ele tenha raspado a cabeça duas vezes — uma vez quando tomou voto e de novo quando o voto se completou. Nosso cabelo cresce à razão de 12 a 15 cm por ano, de modo que Paulo deve ter passado meses com pouco mais do que uma camada flocosa de cabelos. A reunião em Antioquia deve ter sido acolhedora quando Paulo voltou. As amizades cristãs muitas vezes são profundas. Os que estiveram estimulando desde o princípio tinham um lugar todo especial. Contudo, Deus não tinha acabado de usar o fariseu convertido. Depois de passar algum tempo em Antioquia, Paulo lançou-se à terceira viagem missionária. Esta viagem novamente levaria o apóstolo a milhares de quilômetros. Nós, os que temos automóvel, talvez achemos difícil avaliar o que essas viagens significavam. Normalmente, o pé era o único meio de transporte. Às vezes passava alguma carroça, mas o viajante logo desejava voltar a andar a pé. O melhor método era viajar de navio, mas naturalmente havia poucos lugares a que os navios podiam ir. Em Éfeso Paulo encontrou crentes que conheciam somente o batismo de João. Ouviram falar do Messias, mas o conhecimento que tinham era limitado. O apóstolo ajudou-os e foram batizados no nome de Cristo. Quando Paulo lhes impôs as mãos, receberam o Espírito Santo e falaram em línguas (At 19:6). A experiência pela qual passaram equivalia àquelas do Pentecoste, dos samaritanos e de Cornélio. Paulo procurou pregar nas sinagogas, mas depois de três meses foi expulso. Então se mudou para o prédio que abrigava a escola de Tirano. Este local veio a ser seu centro de pregação durante dois anos. Por toda a Ásia Menor espalharam-se as notícias do fantástico ministério que ocorria ali. Os milagres que Paulo realizou em Éfeso foram surpreendentes. Ele exorcizou demônios. Esse pareceria um nobre esforço, mas na maioria das comunidades pagãs os cidadãos haviam feito as pazes com os demônios. Eles entendiam-se uns aos outros e aprenderam a transigir. Eram farinha do mesmo saco. Quando os habitantes da localidade se tornavam cristãos, abandonavam os ídolos e deixavam o paganismo. Os que fabricavam os ídolos e os nichos não gostaram nada desse negócio. Os ourives indignaram-se a tal ponto que desejavam matar a Paulo (At 19:29) e seus companheiros. Depois do tumulto Paulo e seu grupo partiram para a Macedônia. Em Trôade um jovem por nome Eutico estava sentado numa janela ouvindo Paulo pregar. O jovem dormiu e caiu do terceiro andar; morreu, mas o apóstolo o trouxe de volta à vida. Os parentes desse jovem podem ser encontrados nos últimos bancos das igrejas atualmente. Paulo foi para Mileto, depois mandou chamar os presbíteros de Éfeso a fim de encontrar-se com eles. Depois de dar-lhes as instruções finais, preparou-se para partir; os amigos abraçaram-no e o beijaram. Sabiam que talvez não o veriam de novo (At 20:37, 38).

Quando Paulo chegou a Tiro, os discípulos tentaram dissuadi-lo de ir para Jerusalém, mas o apóstolo estava decidido a ir e não puderam demovê-lo. Enquanto Paulo se preparava para a viagem a Jerusalém, veio da Judéia um profeta por nome Ágabo. Com dramaticidade, o profeta tomou o cinto de Paulo (uma peça que unia as vestes na cintura) e atou-o ao redor das mãos e dos pés de Paulo. Então advertiu a Paulo de que se ele fosse a Jerusalém, os gentios o prenderiam (At 21:11). Significava esta profecia que Deus não desejava que Paulo fosse a Jerusalém? Não necessariamente. O profeta nunca interpreta a profecia; ele meramente declara os fatos. Se Paulo fosse, seria preso. Isso não significava que não deveria ir; pode bem ser que Deus simplesmente lhe estivesse dando a opção de voltar. Alguns creem que Paulo estava inteiramente errado em ir. Pode ser que sim. Isto estava dentro de sua capacidade. Mas também ele pode ter estado tão certo quanto esteve em qualquer tempo de sua vida. As consequências eram consideráveis: Aguardava-o um longo período de prisão, e a igreja perderia um missionário formidável. Seus amigos achavam que o apóstolo estava errado em ir. Choraram e rogaram-lhe que ficasse. Paulo assegurou-lhes que a prisão significava relativamente pouco. Se necessário, ele estava disposto a morrer pelo nome de Cristo. A esta altura os amigos de Paulo eram como um cobertor numa nevasca. Não concordavam com a decisão de Paulo. Todos tinham algo que dizer. Conversaram, choraram, arrazoaram e argumentaram. Mas Paulo não se demovia. Assim, abandonaram o assunto e ofereceram 100% de apoio. O apóstolo realmente sabia como fazer amigos. Compare este incidente com aqueles em que se lançam ultimatos. Um pai diz a seu filho adulto: "Se você fizer desse modo, nunca mais me peça conselho." Uma mãe diz: "Se você casar-se com ele, não irei ao casamento." Onde está a compaixão? Que acontece com a tolerância? Amigo cristão é alguém que ama as pessoas das quais discorda. Amor condicional é manipulação. Quando seu filho desobedece às suas ordens, ele ainda é seu filho. Cristo tinha compaixão das pessoas que não o aceitavam. Tornar-nos-íamos mais criativos, mais intrépidos se estivéssemos seguros de que nossos amigos cristãos nos apoiariam. Eles não têm de concordar — apenas amar. Prosseguindo sempre, não perdeu de vista a visão de Cristo Sempre que você tentar agradar a todos, o teto está sujeito a desabar. Paulo alimentou os mais elevados ideais — se houvesse qualquer modo de manter toda gente feliz, ele teria encontrado esse caminho. Mas às vezes o tiro saiu pela culatra e o apóstolo feriu-se. Sua situação é semelhante à de qualquer cristão. Há uma tensão suave que nos faz desejar agradar-nos uns aos outros. Sabemos pela Bíblia e pela experiência que não temos nenhum direito de ofender as pessoas. Em realidade, Paulo foi o principal arquiteto deste princípio. Ele escreveu a diretriz à igreja de Corinto: "Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível" (1 Co 9:19).

A despeito de nossas mais nobres intenções não podemos manter todos contentes. Chega um ponto em que devemos traçar a linha divisória e meramente fazer a coisa a nosso modo. A ansiedade de Paulo por evitar ondas resultou em confinamento agonizante. Quando o apóstolo chegou a Jerusalém, contou aos cristãos judeus locais os milagres que estavam acontecendo entre os gentios. Seu relatório recebeu um misto de interpretações. Consequentemente, os presbíteros chegaram a um compromisso tendo em mira agradar a todos. Paulo necessitava de fazer algo para provar que ele não tinha abandonado o Judaísmo. De acordo com o plano, esta providência cativaria os cristãos judeus de ambos os lados. Felizmente, a seu ver, a oportunidade lhes batia à porta. Quatro homens iam ao templo a fim de tomar os votos judaicos de purificação. Se Paulo se juntasse a eles e pagasse parte da despesa, os judeus por toda parte ficariam emocionados. O plano pareceu bom para Paulo. Mas se ele tivesse sabido o que o aguardava, o apóstolo poderia ter tomado a próxima diligência para a Ásia Menor. Houve uma revolta nos pátios. Alguns homens reconheceram Paulo durante as cerimônias e queixaram-se em voz alta. Para eles Paulo era o cristão judeu que ensinava blasfêmia contra o Antigo Testamento. Também o acusaram de levar consigo ao templo um efésio por nome Trófimo, o que constituía uma clara violação da lei do templo. Com toda a probabilidade, esta última acusação não passava de um boato acalorado. Quando as pessoas ficam com raiva, gritam tudo. Os membros da multidão sabiam que o gentio era amigo de Paulo, mas provavelmente não tinham visto Trófimo no templo. Era um ato irresponsável por parte da multidão. Todos deveríamos lembrar-nos da cegueira do ódio. Mesmo as cabeças mais frescas fazem coisas irracionais e cruéis nessas circunstâncias. Vemos o ódio ao máximo de sua cegueira na crucificação de Cristo. Ele foi morto por causa do mais vil dos instintos. Jesus sabia que ele havia sido entregue em virtude de inveja (Mt 27:18). Um importante fator na destruição é, muitas vezes, uma paixão fugitiva. A multidão se avolumou instantaneamente. Os que gritavam coisas absurdas eram convincentes. Não que as multidões saibam discernir com maior acerto; elas são tradicionalmente seguidoras e não pensadoras. O grande grupo pressionou Paulo de imediato. Agarraram-no e brutalmente o arrastaram para fora do templo. Era agora uma multidão incontrolável que começava a bater no apóstolo com força suficiente para matá-lo. A morte de Paulo teria sido certa se alguém não interviesse. Um voluntário anônimo (talvez o modesto Lucas) correu para chamar os guardas romanos. Justo ao noroeste do templo estavam aquarteladas as tropas numa fortaleza chamada Antônia. Estavam localizadas perto do templo para o propósito específico de controlar multidões. Pelo menos 200 soldados vieram da guarnição. Sem vacilar, desceram a toda pressa os degraus que conduzem diretamente ao templo. A vista de soldados correndo amedrontou de tal modo a covarde multidão que quase evaporaram.

Incapaz de calcular imediatamente o que estava errado, o capitão romano acorrentou Paulo. Todos lançavam acusações, o que só aumentava a desordem. O capitão resolveu prender o apóstolo até que pudesse esclarecer o problema. Enquanto Paulo era conduzido escadas acima, perguntou se lhe era permitido dirigir-se à multidão. O comandante consentiu e reinou silêncio entre o ruidoso grupo. Paulo aproveitou a oportunidade para dar seu testemunho. Passo por passo, explicou quem era ele e como se tornara cristão (At 22:1-21). A multidão podia estar um tanto inquieta, mas ouviu até certo ponto. Todavia, quando Paulo lhes lembrou sua missão aos gentios, de novo pegaram fogo. Reagiam agora como crianças frustradas. Rasgavam as vestes, atiravam pó ao ar, em desespero gritavam juramentos e apelos. O discurso de Paulo não havia terminado bem. A fim de protegê-lo e para posterior exame, o capitão levou Paulo para dentro do castelo. Apenas no caso de não poder descobrir-se a verdade, Paulo devia ser espancado. Os romanos usavam um azorrague com tiras de couro, sendo cada tira encastoada de metal, osso e pedras. Não era raro que alguém morresse sob tal tortura. Os guardas pouco se importavam. Segundo a lei romana um cidadão não poderia ser açoitado sem um julgamento justo. Paulo considerou esta uma boa ocasião para trazer à baila o assunto de sua cidadania. Os açoitadores indicados imediatamente se afastaram. Estiveram prestes de açoitar um cidadão romano; as penalidades eram severas demais para quebrar-se esta lei. Em vez de açoitá-lo, o comandante conservou Paulo em prisão até que pudesse ouvir os argumentos contra ele. Ordenou aos principais sacerdotes que se apresentassem para a inquirição. Durante o inquérito Paulo demonstrou muita calma e prudência. Sabia que metade do sinédrio se compunha de fariseus e a outra metade era de saduceus. Tudo o que o apóstolo tinha de fazer era mencionar a ressurreição, (alguma coisa acontece na aula quando é mencionada a

palavra Predestinação?). Num segundo os dois grupos estavam brigando entre si, discutindo a ressurreição. Finalmente os fariseus acharam que Paulo era inocente. Os saduceus se enfureceram. O comandante, temendo que o apóstolo fosse espedaçado, mandou que Paulo fosse levado de volta à fortaleza. Naquela noite o Senhor apareceu a Paulo. Queria assegurar-lhe que tudo estava certo. O tumulto em Jerusalém tinha um propósito. Devido a ele Paulo daria testemunho de Cristo na cidade de Roma (At 23:11). Isto tinha de ser de grande conforto para o atormentado apóstolo, e a ocasião era excelente. Se alguma vez Paulo precisou de um estímulo, este deve ter sido o momento. Se Deus dava paz ao apóstolo, seus inimigos estavam decididos a não dar-lhe. Quarenta daqueles homens somaram sua raiva e resolveram matar Paulo. Juraram não comer nem beber até que o rebelde fosse silenciado para sempre (At 23:12-15). A conspiração deles necessitava da cooperação do sinédrio. O plano era que Paulo fosse apresentado para novo interrogatório. Então lhe dariam fim.

A esta altura entra na história um interessante personagem. É identificado como filho da irmã de Paulo. Não sabemos como ele ouviu a trama. É óbvio da discussão no sinédrio que o apóstolo tinha alguns amigos lá. O sobrinho é apenas uma sombra que se move silenciosamente entrando e saindo. Por certo ele arriscou a vida ao trazer a notícia a Paulo. O bando de assassinos hostis não tinha problema algum em apagar a vida deste jovem também. Quando Paulo tomou conhecimento da trama, imediatamente exigiu a presença de um dos centuriões e pediu que levasse seu sobrinho para falar com o comandante. O militar não teve dificuldade em crer no relato do jovem acerca do conluio para pegar Paulo e matá-lo. Mandou o rapaz para casa e convocou dois centuriões. O comandante literalmente convocou o exército. Pediu uma escolta de 470 homens. Esta incluía 200 homens fortemente armados, 70 soldados de cavalaria e 200 lanceiros (At 23:23). Não haveria riscos desnecessários. Esses números são inteiramente exequíveis visto como o comandante dispunha de, pelo menos, 1000 homens sob seu comando. Paulo deveria ser entregue com urgência no posto de Cesaréia, distante 95 quilômetros. Ali ele devia ser conduzido diretamente ao governador Félix. Não sabemos o que o apóstolo pensava acerca da separação entre a igreja e o estado. Contudo, não nos restam dúvidas quanto a seus sentimentos sobre a separação entre a cabeça e os ombros. Paulo era grato pela assistência militar. Ele sabia o que os soldados não sabiam. Esta jornada não terminaria até que ele finalmente chegasse a Roma. Deus já lhe havia picado a passagem. Félix era o governador que Roma indicara para a Judéia. Ele ajuda a datar nosso capítulo, porque a história nos diz que ele governou de 52 a 60 de nossa era. Josefo, o historiador, retrata Félix como um governador severo, em quem não se podia confiar. Os judeus enviaram uma delegação especial a Roma pedindo a remoção do déspota, mas seu poderoso irmão Palas o protegeu. Félix resolveu conservar Paulo até que seus adversários viessem de Jerusalém. Talvez ele estivesse menos preocupado com fazer justiça a Paulo do que com a segurança de seu próprio pescoço. Suas aventuras anteriores fizeram-no cauteloso em ofender aos judeus desnecessariamente. Enquanto isso, Paulo descansaria da sala de julgamento de Herodes. Cinco dias depois chegou um grupo de Jerusalém para formular as queixas contra o cristão. (Se os lacaios que ficaram para trás estivessem cumprindo seus votos, não teriam comido por quatro dias. Talvez não se sentissem infelizes, mas sem dúvida pareciam bem dispostos.) Ananias juntou-se ao grupo e Tértulo foi trazido como principal porta-voz ou advogado. Tértulo apresentou o caso com grande bajulação. Agradeceu a Félix a paz que existia no território. Era uma sugestão em nada sutil de que se devesse prevalecer a tranquilidade, seria prudente uma sentença condenatória (At 24:2). Então Félix convidou Paulo a replicar às acusações apresentadas. O apóstolo fez um breve histórico do problema e a seguir foi direto ao âmago da questão. O verdadeiro motivo por que estava ali era seu ensino acerca da ressurreição. Paulo não desperdiçou suas palavras com o governador. Félix já sabia do "caminho" cristão. Não sabemos exatamente como lhe veio tal conhecimento, mas havia muitas possibilidades.

Milhares de pessoas estavam agora dando seu testemunho. Talvez a mensagem tivesse mesmo impressionado a Drusila, sua terceira esposa. De qualquer maneira, ele queria ouvir algo mais. Entrementes, ele mandaria chamar Lísias, o comandante de Jerusalém. Enquanto aguardava a vinda de Lísias, Félix resolveu ter uma audiência privada com Paulo. Ele e sua esposa (que era judia) ouviram o apóstolo dar maiores explicações sobre o "Caminho". Félix ficou amedrontado com o que ouviu. O ensino era prático e ético. Esses eram conceitos que não se discutiam com frequência nos círculos pagãos. Félix ficou abalado com algumas das coisas que ouviu. Mas os interesses de Félix estavam por demais divididos. Queria ouvir a verdade, porém seus conflitos eram uma legião. O governador gostaria também de ganhar algum dinheiro nesse caso; queria que Paulo lhe desse propina. Era assim que Félix estava acostumado a funcionar. Gostaria, também, de ver os judeus apaziguados. Félix necessitava de que Roma desconhecesse tais fatos. Era como querer montar quatro cavalos ao mesmo tempo. Não há meio de dirigir bem todos eles. Ainda alimentando esperanças de ter o bolo e comê-lo, Félix despediu Paulo e lhe disse que voltariam a encontrar-se. Ele é o exemplo clássico da procrastinação. O governador estivera face a face com a verdade e resolvera esquivar-se dela. Ele é um parente autêntico de todos nós. Era fácil ir deixando o problema de lado dia após dia. Muitos de nós não gostamos de tomar decisões. Talvez Félix esperasse que irrompesse uma luz especial. Se ele soltasse Paulo, seus inimigos se inflamariam. Se ele mantivesse o apóstolo preso, sua consciência podia continuar a agitá-lo. Além disso, havia a questão do dinheiro que ele esperava receber. E com isso, as semanas viraram meses e os meses viraram anos. Dois anos depois Félix foi aliviado deste cargo. E ele ainda não havia solucionado o problema de Paulo. Valendo-se da última procrastinação, Félix decidiu deixar o apóstolo para seu sucessor julgar. Era a falta de sentido para enlouquecer qualquer pessoa. A segurança que Paulo recebeu de Deus deve ter significado muita coisa no momento. As noites solitárias na prisão teriam sido suficientes para provar a fé, seja lá de quem for. Festo era o novo governador. Nem ainda havia desempacotado sua túnica quando o problema de Paulo veio à baila. Os dirigentes religiosos de Jerusalém pediram que o rebelde fosse enviado para lá — ainda planejando uma emboscada para Paulo. (Esses líderes religiosos devem ter-se cansado de não comer todo este tempo!) O novo governador recusou o pedido e convidou os membros do sinédrio a comparecer para um novo julgamento. Vieram, e o ódio ainda bramava como um dragão com azedume. Depois de ouvir as acusações, Festo surgiu com uma surpresa. Por que não enviar Paulo de volta a Jerusalém e ser julgado ali? Ainda constitui mistério saber como os renegados conseguiram que Festo concordasse nisto. Felizmente, Paulo estava por demais alerta para cair na traição deles. O apóstolo protestou e apelou para César (25:10). Reconheceu plenamente o domínio de Roma sobre ele e estava disposto a aceitá-lo. Inclusive a execução estava dentro da

autoridade de César. Mas Paulo não tinha planos de ser assassinado por uma multidão desenfreada. O apóstolo não teve a mínima hesitação em usar os tribunais civis. Deus os colocara em poder para proteção das pessoas (Rm 13). Paulo ensinou isso, creu no que ensinou e fez uso deles. Festo não parecia nem um pouquinho perturbado. Não sabia como havia entrado nesta confusão, mas estava feliz por sair dela. Se um cidadão romano apelava para César, quem era ele para negá-lo? Paulo poderia tomar o primeiro navio que saísse, no que dissesse respeito a Festo. A esta altura, o rei Herodes Agripa e sua esposa, Berenice, vieram a Cesaréia para cumprimentar o novo governador. A família toda de Herodes compunha-se de cruéis degoladores. Cada membro do trono havia assassinado a fim de manter segura sua posição. Festo contou ao rei judeu acerca do apóstolo e das circunstâncias que cercavam sua prisão. Agripa achou que gostaria de conhecer o homem. No dia seguinte o rei e esposa entraram na sala de reunião com pretensiosa pompa, e após breve apresentação Agripa pediu a Paulo que falasse. Paulo fez uma excelente exposição de sua fé (At 26). Descreveu com orgulho sua herança judaica. Retratou seu papel como perseguidor da igreja. Então, com drama comovente, Paulo delineou o milagre que o trouxe a Cristo na estrada para Damasco, e desafiou diretamente o rei. A defesa de Paulo era compassiva. Não se tratava de uma simples solicitação de amizade. Não estava pedindo ao rei que fosse pescar com os meninos. Era um convite para que se reconciliasse com o Deus Vivo mediante Jesus Cristo. Festo não estava impressionado — ele considerava Paulo um louco e o disse. Evidentemente, Agripa não se comoveu também. Praticamente, disse: "Com este pequeno argumento você espera persuadir-me?,, (26:28, paráfrase). Realmente, é mais uma declaração de escárnio do que de acordo. Agripa tinha muitos interesses que o impediam de mudar de barco. Não se abandonava tudo tão facilmente assim para tornar-se cristão. Talvez homens como Mateus e Pedro pudessem deixar tudo. Mas os reis não fariam isso. Cristo não tinha nada a reivindicar de sua vida. Festo e Agripa retiraram-se para discutir o caso da prisão de Paulo. Qualquer que fosse seu problema religioso, ele nada havia feito que justificasse o encarceramento. Conforme disse Agripa, eles poderiam tê-lo libertado se não houvesse apelado para César. O apóstolo provavelmente não ficou confuso pela decisão. Ele nunca duvidou de que ia para Roma. Se a viagem fosse demorada, ele disporia de todo o tempo para divulgar o evangelho. Paulo foi entregue a um centurião para sua histórica viagem à Itália. O nome do militar era Júlio; ele fazia parte da guarda de Augusto. Diversos presos deviam cruzar o Mediterrâneo. Júlio era um homem atencioso; praticamente, todos os centuriões mencionados no Novo Testamento o eram, como veremos na próxima lição Cornélio em ebdareiabranca. Quando o navio atracou em Sidom após um dia no mar, Paulo teve permissão para desembarcar. Ali

ele encontrou-se com amigos e recarregou as baterias espirituais e emocionais antes de fazer-se de novo ao mar. Se Júlio era um homem bondoso, esta amizade que não tinha probabilidade de acontecer também fala bem de Paulo. O apóstolo atraía outras pessoas. Seu jeito e sua personalidade muitas vezes ganharam o dia para ele. Em Alexandria mudaram de navio, embarcando num que se dirigia para a Itália. Quando se fizeram ao mar, foram saudados por um vento que obrigou o barco a ir para o sul da ilha de Creta. O capitão do navio queria partir antes que os ventos engrossassem. Mas Paulo advertiu-o de que a viagem só resultaria em dano para o navio e perda de vidas. Finalmente, Júlio concordou com o capitão e se lançaram de novo ao mar intranquilo. O inverno seria rigoroso no porto onde se encontravam, por isso resolveram correr o risco de navegar. Navegavam junto à linha costeira. Subitamente veio uma gigantesca tormenta. Marinheiros experimentados chamavam Euro-aquilão a esse vento forte porque ele vinha do nordeste. Havia grande preocupação de que o navio pudesse partir-se. Apressadamente começaram a amarrar cabos em torno do casco para evitar que as tábuas se soltassem com o vento e com a pressão da água. Mas no dia seguinte ainda temiam por suas vidas e começaram a atirar a carga ao mar, aliviando assim o navio. Tinham motivos para crer que contemplavam a morte de frente. Após alguns dias desesperados, Paulo falou à tripulação e aos passageiros. Lembrou-lhes a advertência que ele havia feito para que não deixassem o porto. (Ele não podia deixar de mencionar isso.) Agora eles seriam prudentes para dar-lhe ouvidos. Deus havia garantido a Paulo passagem segura para Roma. Tudo o que tinham de fazer era permanecer no navio. Na décima-quarta noite o navio foi levado para perto de terra. Quando a tripulação achou que estavam prestes a chocar-se nos rochedos, prepararam-se para abandonar o navio. Paulo prontamente insistiu com o centurião que se os homens não permanecessem no navio eles morreriam. Júlio era um homem de decisão; foi imediatamente cortar as cordas, soltando o bote salva-vidas. Agora ninguém poderia sair. O navio tinha 276 pessoas a bordo. Paulo animou-as a comer, e depois que o fizeram, sentiram-se melhores com respeito à situação. Mas ainda havia trabalho para fazer, de sorte que começaram a lançar o trigo ao mar. Então levantaram as âncoras e esperaram que o vento os levasse à praia. Quando o navio tocou a praia, a popa se abriu por causa das ondas violentas. Os soldados queriam imediatamente matar os presos, mas Paulo de novo prevaleceu, falando ao centurião. Todos abandonaram o navio despedaçado e se agarraram a tábuas que flutuavam. Todos puderam chegar à praia em segurança conforme Paulo havia predito. Reconheceram sua ilha de refúgio como Malta (28:1), lição 12. Os habitantes da ilha não tinham a mesma cultura ou língua dos gregos e romanos. Como consequência, os ilhotas

foram considerados bárbaros por parte da tripulação. Era o costumeiro complexo de superioridade. Muitas vezes olhamos para as pessoas diferentes de nós como automaticamente inferiores. Mas o comportamento daquela gente estava longe de ser bárbaro. Acenderam uma fogueira para seus repentinos visitantes, o que foi muito apreciado. O frio, as vestes molhadas e o vento faziam-nos miseráveis. Enquanto Paulo ajuntava lenha, uma cobra o picou no braço. O povo de Malta pensou que ele era assassino ou algum criminoso perverso, pois do contrário a víbora não o teria mordido. Paulo meramente sacudiu a víbora e continuou seu trabalho. Todos esperavam que inchasse e caísse morto, mas ele estava bem. Estando o pai do principal da ilha gravemente enfermo, Paulo impôs as mãos sobre o idoso homem. Imediatamente foi curado. Públio, o principal da ilha, prestou grande honra a todo o grupo por causa do milagre. Permaneceram na ilha de Malta por três meses antes de retomarem a viagem. Em Roma os presos, com exceção de Paulo, foram entregues à prisão. Ele foi mantido em separado, com guarda particular. Provavelmente o apóstolo estava acorrentado ao braço do guarda. Paulo nunca perdeu a compostura a despeito das durezas enfrentadas. Seu trabalho era antes de tudo o de uma testemunha do poder de Jesus Cristo. O apóstolo passou dois anos em Roma. As autoridades permitiram-lhe viver em prisão domiciliar, de modo que ele alugou uma casa. Durante esse tempo ele realizou o trabalho que Deus lhe reservara. Paulo foi um missionário de curto prazo ao povo da Itália. Lucas diz-nos que Paulo pregou com confiança, com toda a intrepidez, e ninguém tentou impedi-lo (At 28:31). Bibliografia W. L. Coleman Fonte: http://www.ebdareiabranca.com/2011/1trimestre/sumario.htm