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1 A CRECHE PRIVADA RELIGIOSA NO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS – S.P.: ORIGEM, PERCURSO E ORGANIZAÇÃO Marisangela de Cássia Zambon Universidade Federal de São Carlos Origem da Instituição Creche A literatura é unânime, em se tratando da origem dessa instituição, quanto ao país, qual seja, França, porém, quanto à localidade, no referido país, idealizador ou fundador, aquela não é unânime, como podemos notar 1 : 1. AUGUSTO 2 : Historicamente, a primeira creche conhecida foi fundada na França, na aldeia de Ban de La Roche , na região dos Vosges, em 1770, e sua motivação resultou da necessidade de se dar assistência aos lactentes de famílias que trabalham no campo durante longa jornada de trabalho. 2. KUHLMANN JR 3 : “A primeira das instituições pré-escolares foi criada em 1769 por Jean-Frederic Oberlin (1740-1826), 1 A título de exemplo, escolhemos três trabalhos: o primeiro por ser citado nos trabalhos antes de 1990 ( ver dentre outros: LEAL, L.L.L. Educação Pré-Escolar: subversão ou recomposição da ordem? São Carlos: Ufscar, 1990. Dissertação (Mestrado).; o segundo por ser um divisor de águas no âmbito da literatura sobre a História das Instituições de Educação Infantil, principalmente, quando esclarece por meio de sua pesquisa de Mestrado [KUHLMANN JR. M. Educação Pré-Escolar no Brasil (1899-1922) – Exposições e Congressos Patrocinando a “Assistência Cientifica”. São Paulo: PUC, 1990. Dissertação (Mestrado)] que a Creche, quanto a sua origem é proposta como uma instituição educacional de atendimento a criança, sendo difundida internacionalmente através das Exposições Internacionais, sendo, essas, eventos ocorridos a partir da metade do século XIX – 1851 em Londres - a quarta década do século XX – 1940 em São Francisco: “O ano é 1867. Realiza-se, em Paris, a Exposição Internacional, glorificando a nova sociedade industrial e seus produtos maravilhosos. Além das máquinas e outros objetos expostos, está aberta à visitação pública a Creche de Santa Maria. A Creche, uma criação francesa, é apresentada como a solução para os cuidados da infância, em função do trabalho feminino, recebendo grande aceitação. O imperador do Japão, um dos ilustres visitantes, sensibilizando-se com a proposta, decide implantar aquelas instituições em seu país”. (Kuhlmann, op. cit., pg. 15), bem como, ser referência em grande parte dos trabalhos acadêmicos.; e o terceiro por apresentar contradições nos dados referente a origem da Creche em território francês, levando-se em consideração que a autora não tinha como objetivo o estudo da instituição em território francês, mas “trataremos de verificar os condicionantes da ação do Estado francês relativamente às crianças de tenra idade identificando as transformações que propiciaram regulações estatais que possibilitaram à sociedade francesa ascender à condição de parâmetro ocidental de construção de políticas públicas para esta faixa etária”.NASCIMENTO, M.E.P. do. Do Adulto em Miniatura à Criança como Sujeito de Direitos: a construção de políticas de educação para a criança de tenra idade na França. Campinas: Unicamp, 2001. Tese (Doutorado). Pág. 3.(grifos da autora). Para localização das cidades mencionadas no texto vide mapas: Mundi-França-Lorraine, pág. 10; França-Paris, pág. 11; Brasil-Rio de Janeiro, pág. 14-15; e São Paulo, pág. 18. 2 AUGUSTO, M. Comunidade Infantil – Creche. Guanabara: Koogan, 1979, pg. 4. 3 KUHLMANN JR. M. Educação Pré-Escolar no Brasil (1899-1922) – Exposições e Congressos Patrocinando a “Assistência Científica”. São Paulo: PUC, 1990. Dissertação (Mestrado).

A CRECHE PRIVADA RELIGIOSA NO MUNICÍPIO DE SÃO … · História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Editora Hucitec, 1998, pg. 53. Ainda em NASCIMENTO, Op. Cit., 2001, Capítulo

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A CRECHE PRIVADA RELIGIOSA NO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS – S.P.: ORIGEM, PERCURSO E ORGANIZAÇÃO

Marisangela de Cássia Zambon

Universidade Federal de São Carlos

Origem da Instituição Creche

A literatura é unânime, em se tratando da origem dessa instituição,

quanto ao país, qual seja, França, porém, quanto à localidade, no referido país,

idealizador ou fundador, aquela não é unânime, como podemos notar1:

1. AUGUSTO2: Historicamente, a primeira creche conhecida

foi fundada na França, na aldeia de Ban de La Roche , na

região dos Vosges, em 1770, e sua motivação resultou da

necessidade de se dar assistência aos lactentes de famílias

que trabalham no campo durante longa jornada de trabalho.

2. KUHLMANN JR3: “A primeira das instituições pré-escolares

foi criada em 1769 por Jean-Frederic Oberlin (1740-1826),

1 A título de exemplo, escolhemos três trabalhos: o primeiro por ser citado nos trabalhos antes de 1990 ( ver dentre outros: LEAL, L.L.L. Educação Pré-Escolar: subversão ou recomposição da ordem? São Carlos: Ufscar, 1990. Dissertação (Mestrado).; o segundo por ser um divisor de águas no âmbito da literatura sobre a História das Instituições de Educação Infantil, principalmente, quando esclarece por meio de sua pesquisa de Mestrado [KUHLMANN JR. M. Educação Pré-Escolar no Brasil (1899-1922) – Exposições e Congressos Patrocinando a “Assistência Cientifica”. São Paulo: PUC, 1990. Dissertação (Mestrado)] que a Creche, quanto a sua origem é proposta como uma instituição educacional de atendimento a criança, sendo difundida internacionalmente através das Exposições Internacionais, sendo, essas, eventos ocorridos a partir da metade do século XIX – 1851 em Londres - a quarta década do século XX – 1940 em São Francisco: “O ano é 1867. Realiza-se, em Paris, a Exposição Internacional, glorificando a nova sociedade industrial e seus produtos maravilhosos. Além das máquinas e outros objetos expostos, está aberta à visitação pública a Creche de Santa Maria. A Creche, uma criação francesa, é apresentada como a solução para os cuidados da infância, em função do trabalho feminino, recebendo grande aceitação. O imperador do Japão, um dos ilustres visitantes, sensibilizando-se com a proposta, decide implantar aquelas instituições em seu país”. (Kuhlmann, op. cit., pg. 15), bem como, ser referência em grande parte dos trabalhos acadêmicos.; e o terceiro por apresentar contradições nos dados referente a origem da Creche em território francês, levando-se em consideração que a autora não tinha como objetivo o estudo da instituição em território francês, mas “trataremos de verificar os condicionantes da ação do Estado francês relativamente às crianças de tenra idade identificando as transformações que propiciaram regulações estatais que possibilitaram à sociedade francesa ascender à condição de parâmetro ocidental de construção de políticas públicas para esta faixa etária”.NASCIMENTO, M.E.P. do. Do Adulto em Miniatura à Criança como Sujeito de Direitos: a construção de políticas de educação para a criança de tenra idade na França. Campinas: Unicamp, 2001. Tese (Doutorado). Pág. 3.(grifos da autora). Para localização das cidades mencionadas no texto vide mapas: Mundi-França-Lorraine, pág. 10; França-Paris, pág. 11; Brasil-Rio de Janeiro, pág. 14-15; e São Paulo, pág. 18. 2 AUGUSTO, M. Comunidade Infantil – Creche. Guanabara: Koogan, 1979, pg. 4. 3 KUHLMANN JR. M. Educação Pré-Escolar no Brasil (1899-1922) – Exposições e Congressos Patrocinando a “Assistência Científica”. São Paulo: PUC, 1990. Dissertação (Mestrado).

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pastor na paróquia de Ban de La Roche, que compreendia cinco

vilas e três vilarejos, em um local alto e frio na região dos

Vosges, França. São as escolas de principiantes, ou escolas de

tricotar”4. (...). “A primeira creche foi fundada em 1844, por

Pierre-Firmim-Eugène-Marbeau, então adjunto do administrador

do primeiro distrito em Paris. Marbeau constatou que havia uma

lacuna entre a sociedade de caridade maternal, que atendia a

mãe no parto, e a sala de asilo, para crianças de até três anos”5.

4 KUHLMANN JR, Op. Cit., 1990, pg. 16 (Nota 3) utilizou como referência: Fallet, verbete “Oberlin” in Buisson, F. e colabs. Dictionarie de Pédagogie et d’Instruccuion Primarie. Paris, Hachette, 1877. “Jean-Frederic Oberlin (1740-1826) doutor em teologia e professor, em 1767 tornou-se pastor em Ban de la Roche, região devassada por guerras, pela peste e pela fome. Nessa pequena comunidade entre Alsace e Lorraine, se dedicará por 59 anos a várias atividades, dentre elas, destaca-se a criação de uma escola de tricotar (1770) para crianças de quatro a sete anos. (...). Desde a sua criação, a escola não é obra de caridade. O trabalho das condutoras é remunerado (pelos pais) e elas são vistas como substitutas de pais deficientes para a educação de seus filhos. A educação da criança desde muito pequena é fundamental quando a ‘pequena idade é acompanhada de um reconhecido valor, é sinônimo da maior educabilidade cognitiva, de espírito de empreendimento e de entusiasmo militante’”. Este caráter contratual das condutoras possibilita um estatuto social diferenciado da mulher na sociedade segregacionista e patriarcal do século XVIII. O conceito base da ação educativa da tenra idade em Oberlin é o de que as mães devem ser mantidas ocupadas e, se possível, com alguma atividade útil; assim,, o trabalho manual e o exercício físico tornam-se indispensáveis. Da mesma forma, ainda que as atividades sejam comuns para todas as crianças, é preferível que elas se deixem convencer pela sua importância; isso significa que a condutora deverá agir com doçura através de um universo lingüístico apropriado a cada uma delas. Enfim, o aspecto lúdico não pode ser por elas esquecidos”. NASCIMENTO, M.E.P. do. Op. Cit., 2001, pág. 285-286. (Grifos – sublinhado- nosso indicando uma citação da autora retirada da obra: CHALMEL, Loïc. Le Pasteur Oberlin. Paris: PUF, 1999, pág. 22). “Quando o pastor Oberlin vislumbrou sua “Escola de Tricotar”, suas jardineiras ( o termo é usado pela primeira vez na Bélgica e por muito tempo será utilizado para referir-se ao responsável direto pelas acompanhamento das crianças. Não utilizamos aqui o termo profissional pois, como se verá ao longo deste item, a necessidade de habilitação e a profissionalização para o desempenho da função será à proposta do Pastor) não precisavam mais do que ‘boa vontade, devotamento e algumas habilidades manuais’”. NASCIMENTO, M.E.P. do. Op. Cit., 2001, pág. 358 (Grifos nossos: O primeiro trecho sublinhado refere-se a nota 201 da autora página 358 e o segundo refere-se a uma citação da obra: VIAL, J. Lês agents de l’éducation préscolaire in L’Ecole Maternalle. Paris: PUF, 2ª edição, 1983, pág. 83 apud NASCIMENTO, M.E.P. do. Op. Cit., 2001, pág. 358 ).

“Pietismo em Ban de la Roche e a educação da primeira infância. A primeira presença reconhecida de um pastor pietista em Ban de la Roche é a de Léopold-Georges Pelletier. Pastor em Waldersbach de 1707 a 1712, exerceu influência determinante em seus paroquianos, o que conduz Oberlin a reconhece-lo como o verdadeiro fundador da comunidade de Ban de la Roche. Pelletier se esforçará por fazer com seus fièis saiam do torpor intelectual, organizando-se em ‘reuniões de avivamento’ baseada nos collegia pietatis imaginadas por Spener”. CHAMEL, Loïc. Le Pasteur Oberlin. Paris: PUF, 1999, pág. 7-11 apud NASCIMENTO, M.E.P. do. Op. Cit., pág. 283. 5 KUHLMANN JR, Op. Cit., pg 16 (Nota 3) utilizou como referência: Marbeau, E., “Creches”, in Buisson, F. e colabs., .op, cit., 1877, pg. 609-613.

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3. NASCIMENTO6: “(...) Marbeau, adjunto do prefeito de

Paris, apontado como o criador da primeira creche em território

francês”7, entretanto no próximo tópico encontramos8: “Na Paris

do século XII, já se podia ser encontrada uma instituição que

cuidava de crianças. Ela era especialmente dedicada às órfãs e

abandonadas no Pórtico da Catedral de Notre-Dame e na Igreja

de Saint Jean Lê Rond, bem como, no umbral do Hôtel Dieu. A

casa, chamada La Couche ou La Crèche, estabeleceu-se na

praça da Catedral, sendo mantida por senhoras caridosas e, em

parte, pela ordem religiosa Notre Dame; ali residia uma pessoa

que era responsável por receber as crianças e mantê-las até

encontrar uma ama-de-leite que pudesse cuidar delas9. (...).

Próximo da segunda metade do século XIX, um francês a cada

dois vive da agricultura. É uma época em que quase 600.000

mulheres trabalham na manufatura, quando seus bebês ficam

em casa privados frequentemente de leite, às vezes por quinze

até dezessete horas. Não é de se surpreender que a

mortalidade seja alarmante10. Mas ainda será preciso esperar

6 NASCIMENTO, M.E.P. do. Do Adulto em Miniatura à Criança como Sujeito de Direitos: a construção de políticas de educação para a criança de tenra idade na França. Campinas: Unicamp, 2001. Tese (Doutorado). 7 NASCIMENTO, Op. Cit., 2001, Capítulo III – Instituições para tenra idade: da origem aos nossos dias, Tópico 3.2. As salas de asilo e a caridade, pág. 292, a autora utilizou como referência para a citação: MARBEAU, Jean-Baptiste. Dês Crèches citado em Histoire dês Mères, pág. 237. 8 NASCIMENTO, Op. Cit., 2001, Capítulo III – Instituições para tenra idade: da origem aos nossos dias, Tópico 3.3. A Creche – ou “guarda caritativa”, pág. 306-307 9 Referência encontrada por NASCIMENTO, Op. Cit., 2001, pg 306 em MARCÍLIO, M. L. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Editora Hucitec, 1998, pg. 53. Ainda em NASCIMENTO, Op. Cit., 2001, Capítulo II – Das Ações de Caridade ao Estado – Providência: o advento da criança como sujeito de direitos sociais. Tópico 2.1. A caridade como solução misericordiosa da pobreza, encontraremos na página 167 uma nota inserida pela autora intitulada “La Crèche” em que após citar a referência presente em MARCÍLIO, Op. Cit.., 1998, pg. 53, comenta: “Chama atenção a denominação dada ao estabelecimento. Em termos cronológicos esta foi a referência mais remota que encontrei no que diz respeito a terminologia ‘crèche’. Quanto ao significado, tanto o Larousse de Poche como o Dictionnaire Hachette, apontam o sentido cristão do termo: ‘manjedoura onde Jesus foi colocado no momento do nascimento’ ou ‘pequeno estábulo de Belém e as cenas da Natividade’. Um outro significado popular apontado por Hachette e utilizado a partir de 1921 é o de ‘habitação’. Dictionnaire em Couleurs de la Langue Française, p. 319. O termo ‘la couche’ refere-se ao ‘período de aleitamento que sucede o nascimento’. Dictionnaire em Couleurs de la Langue Française, p. 309. Assim, baseando-se nestes dados pode-se dizer que a creche seria lugar de aleitamento da criança, imagem do Jesus menino”. 10 Referência encontrada por NASCIMENTO, Op. Cit., 2001, pág 306 em COHEN, S. De la Crèche à L’École. Paris: Éditions Nathan, 1995, pág. 16

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até 1844 para que seja criada uma garderie que oferece a

criança (mediante uma módica contribuição) um local saudável,

arejado11, pois, ainda que tivessem um programa ambicioso (...)

as salas de asilo, em geral, abrigavam crianças pobres sendo

elas próprios pobres e tristes; carentes de profissionais

qualificados e de materiais apropriados assemelhando-se mais

a um asilo do que a instituição educativa. Em contraposição,

dirigida por duas ou três damas de caridade, a creche oferece

um abrigo seguro, saudável e bem arejado sob os cuidados de

pajens contratada por 1,25F por dia. A mãe paga vinte centavos

de franco por dia se possuir um filho na creche e trinta por dois.

É necessário não habituar o pobre a pensar que a sociedade

deve fazer tudo gratuitamente por suas crianças.”12 Continua a

autora: “essa iniciativa da Prefeitura de Paris nos chama a

atenção pelos seguintes aspectos:

1° É a primeira vez que se tem notícia de uma creche pública na

França;

2° O patronato apóia a medida por representar a liberação da

mulher para o trabalho;

3° O utilização da coisa pública não é necessariamente gratuita.

O Estado presta um serviço e é legítimo que o cidadão pague,

segundo suas possibilidades, pelo serviço que lhe é prestado.

Essa noção permeará a prestação de serviço à população ainda

hoje, embora vários deles sejam subsidiados;

4° A preocupação com as condições físicas e materiais dos

equipamentos está presente na proposta, embora isto ainda não

se generalize no momento histórico ao qual nos referimos;

5° É a noção de caridade, ou seja, de bondade e generosidade

frente ao outro que determina (ao menos neste primeiro

momento) a ação do Estado. Muito anterior ao reconhecimento

11 Referência encontrada por NASCIMENTO, Op. Cit., 2001, pág 307 em VIAL, J. L’École Maternalle. 2.ed., Paris: PUF, 1989, pág.21. 12 Referência encontrada por NASCIMENTO, Op. Cit., 2001, pág. 307 em KNIBIELHER, Y. e FOUQUET, C. Histoire dês Mères , pág. 237. (Grifos, sublinhado e itálico, da autora).

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do direito infantil, a caridade era incentivada como forma de

retirar as crianças do perigo da rua;

6° Representa uma mudança na concepção então vigente, na

medida em que o modelo incorporava uma nova visão dos

cuidados relativamente a infância à infância. Ao invés de

abandonar os filhos, em função da miséria a que estavam

submetidos, as mães pobres poderiam ter local adequado para

deixá-los enquanto trabalhavam;

7° O projeto social e educativo que a iniciativa comporta, está

afinado com a visão burguesa de trato das questões da família

e da criança. A criança é o futuro, a riqueza do país e não pode

parecer; a família, ao invés de abandoná-la, é responsável

primeira pela sua manutenção e cuidado.

Ainda em 14 de novembro de 1844 abre-se em Paris a “Creche

de Chaillot”. Dois anos depois a “Sociète dês Creches” agrupa

14 creches que tinham como lema ‘dar segurança, a baixo

custo, à criança, sua mãe e família pelo trabalho, sem

humilhação e moralizando-as’. (...) A partir de 1862, o Estado,

através dos ministérios da Saúde e do interior, encorajará a

criação de creches nas fábricas e nos municípios; Napoleão III

promulga o primeiro decreto sobre as creches determinando

medidas de higiene e pela primeira vez os ‘seguros estatais’ são

instituídos. Paralelamente a este ato do poder estatal, as irmãs

de São Vicente de Paula participam da criação da ‘Obra Nova

Creches Parisienses’, abrindo algumas creches em Paris e na

província”.13

Dessa forma, acreditamos ser possível, sugerir uma hipótese quanto à

ausência de unanimidade. Hipótese, essa, umbilicalmente relacionado às

questões de conceito ou categorias de análise, ou seja, a palavra francesa

Crèche14 deixa de ser a razão social ou nome fantasia de uma instituição

13 NASCIMENTO, Op. Cit., 2001, pág. 307-308. 14 Quanto ao significado dessa palavra em dicionários de Língua Portuguesa, encontramos em FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1ªdição (14ª impressão). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1975, pág. 398, dois verbetes com significados muito próximos, porém referindo-se a dois tipos de modalidade de atendimento, à criança: Creche.

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tornando-se uma categoria de análise a fim de proporcionar inteligibilidade

quanto a uma realidade. Dessa maneira, qualquer tipo de instituição que

atende crianças, principalmente, do zero aos seis anos, filhas de mães

trabalhadoras pobres será uma creche, independentemente, de sua razão

social ou nome fantasia. Por isso, supomos que, no caso, do primeiro exemplo,

a autora15, pelo fato daquela instituição assistir lactentes, filhos de mães

trabalhadoras, pudesse segunda sua concepção, ser uma creche16.

Quanto ao terceiro exemplo, os dados fornecidos pela autora17, além de

nos instigar, também nos parece confuso, bem como, contraditório, pois no

tópico referente as salas de asilo encontramos que o fundador da primeira

Creche, em território francês foi Jean-Baptiste Marbeau, porém no tópico sobre

Creche, não encontramos referência sobre aquele18 e não nos parece claro se

em 1844 foi fundada uma Garderie ou uma Crèche, mas de certa maneira, o

trabalho, fornece dados relativos a prestação de serviço ser cobrado daqueles

[do fr. Crèche] S. f. 1. Instituição de assistência social que abriga, durante o dia, criancinhas cujas mães são necessitadas ou trabalham fora do lar. 2. Estabelecimento que se destina a dar assistência diurna a crianças de tenra idade; e ainda no Grande Dicionário Larousse da Língua Portuguesa – São Paulo: Nova Cultural, 1999. pág. 276, três definições para a palavra Creche: “sf (Do fr crèche) 1. Estabelecimento ou instituição pública ou privada que abriga, durante o dia, crianças de pouca idade – 2. Berçário – 3. Manjedoura para animais, particularmente para carneiros. (Grifos meus!) Instigante, esse último verbete, não?! 15 AUGUSTO, Op. Cit., 1979. 16 Importa esclarecer, que a idéia de nossa hipótese, embora, apresentada de maneira simplificada refere-se ao fato da palavra Creche tornar-se semanticamente negativa, pois a mesma deixou de ser apenas uma palavra ou no máximo um nome, passando a constituir-se como um conceito ou termo que indica uma forma específica de atendimento, a uma, também, específica demanda, por isso, mesmo que uma instituição tivesse como razão social ou nome fantasia de “Maria Joaninha”, mas se atendesse uma demanda de crianças dos zero ao seis anos, em período integral, filhas de mães trabalhadoras pobres seria (é) vista como sendo uma Creche. Haja visto, que se voltarmos para sua concepção original comparando com a concepção difundida pela Brasil não teríamos muitas Creche, pois em algumas localidades a essa deixa de ser uma modalidade de atendimento à mães trabalhadoras pobres, atendendo crianças que vivem abaixo da linha de pobreza, filhas de mães que não estão inseridas no mercado de trabalho formal ou informal, como exemplo, temos a origem das Creches Municipais de São Carlos – S.P. que foram construídas em bairros “pobres” e não onde havia demanda que necessitasse desse atendimento. 17 NASCIMENTO, Op. Cit., 2001. 18 É interessante notar que PALMEM, S. H. C. A implementação de creches nas universidades públicas estaduais paulista: USP, UNICAMP, UNESP. Campinas: Unicamp, 2005. Dissertação (Mestrado) cita como criador da Creche Jean-Baptiste Marbeau, tendo como referência NASCIMENTO, Op. Cit., 2001, pág 292, porém o texto segue utilizando citação referente a KUHLMANN JR, M. Infância e Educação Infantil – uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação, 1998; 2ª edição – 2001, sobre o posicionamento do filho de Marbeau, qual seja, Eugène Marbeau, bem como, encontraremos em sua lista de bibliografia: KUHLMANN JR. M. Educação Pré-Escolar no Brasil (1899-1922) – Exposições e Congressos Patrocinando a “Assistência Científica”. São Paulo: PUC, 1990. Dissertação (Mestrado).

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que o utilizam19. Porém em leitura, minuciosa, recente desse trabalho, alguns

pontos nebulosos, de nossas colocações, foram esclarecidos, assim20:

- as salas de asilo são uma criação anterior à Creche, sendo a primeira

de asilo “salle de’hospitalité” criada em 1800 em Paris; com atendimento

gratuito e capacidade para doze bebês de quinze dias a três anos de idade

filhos de mães que trabalhavam (operárias); a responsável pelo

estabelecimento Adelaïde Piscatory21, Marquesa de Patoret, vice-presidente da

Sociedade de Caridade Maternal, mas o empreendimento durou pouco por falta

de recursos.

- a primeira sala de asilo criada tendo como modelo a iniciativa inglesa

de Robert Owen22 foi instalada em Paris em 1826, por iniciativa privada

caridosa de Madame Mallet23 e um comitê de senhoras da elite, ainda em 1828

outra sala e criada por elas;

- Denys Cochin24, prefeito do distrito administrativo da cidade, ao mesmo

tempo, aluga uma casa com dois quartos para crianças desfavorecidas sob o

cuidado de duas religiosas e duas senhoras da sociedade.

- São de iniciativa privada (senhoras da sociedade, catolicismo liberal e

protestante), inicialmente, e posteriormente, criadas pela iniciativa pública.

- “As salas de asilo são destinadas a receber crianças de dois a sete

anos ou mais (art. 2)”25.

19 O novo (antigo) debate entre Direito e Filantropia. 20 Informações baseadas em NASCIMENTO, Op. Cit., 2001, pág. 288 21 Adelaïde Piscatory, Marquesa de Pastoret, (1766-1843), é considerada a inventora da sala de asilo, em 1801. Mais tarde, será Presidente Honorária da Comissão Superiora as Salas de Asilo criada pelo ministro Salvandy. NIQUE, C. e LELIÈVRE, C. Histoire Biographique de L’ Enseignement em France, pág. 103 apud NASCIMENTO, Op. Cit., 2001, pág. 289 22 Para maiores informações sobre o modelo inglês e seu criador, ver nota 26, deste texto. 23 “Émilie Mallet (1794-1856) era filha de um industrial e mulher de um banqueiro Jules Mallet. Ela dedicou-se a obras de caridade, cuidou dos doentes de cólera da epidemia de 1832 e visitouprisioneiros. Dentre suas obras privilegiou a atuação nas salas de asilo, o que ocorreu durante quase trinta anos. Sua influência foi significativa, especialmente para a criação da “Casa de Estudos”, futura escola normal para as salas de asilo que será confiada a Marie-Carpantier em 1847”. NIQUE, C. e LELIÈVRE, C. Histoire Biographique de L’ Enseignement em France, pág. 188 apud NASCIMENTO, Op. Cit.., 2001, pág. 290 24 “Nascido em Paris, em 14 de julho de 1789, Jean Marie Denys Cochin tornou-se um advogado renomado. Em 1826 foi nomeado prefeito de um distrito parisiense onde, além de sala de asilo construiu com recursos próprios uma escola elementar. Quinze anos depois, fez doação dos estabelecimentos à cidade de Paris , mas continuou a assegurar recursos para o funcionamento das instituições. Sua intensa luta pelo reconhecimento das salas de asilo resulta no reconhecimento oficial em 1837 da instituição. NIQUE, C. e LELIÈVRE, C. Histoire Biographique de L’ Enseignement em France, pág. 7 apud NASCIMENTO, Op. Cit.., 2001, pág. 290.

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O segundo exemplo consideramos como sendo aquele que se aproxima

da instituição de atendimento a criança que considera sua razão social ou

nome fantasia, além de fornecer dados sobre seu fundador e como, o mesmo,

a concebeu: “Firmim Marbeau cria a Crèche em 1844, para atender os bebês

até os três anos, pensada como instituição educacional, com preocupações

muito próximas às desenvolvidas pelos especialistas da escola maternal26. A

idéia defendida era de que a Creche (como escola maternal) poderia fornecer à

criança as reais condições de um bom desenvolvimento, que para numerosas

crianças ela se constituiria em um lugar melhor do que a casa, como as

escolas maternais e no jardim-de-infância, valorizavam-se os brinquedos e as

brincadeiras. De um lado, eliminava-se aqueles que apresentavam perigos

para a segurança e a saúde dos bebês, do outro toma-se mais consciência do

papel do jogo e do brinquedo na formação da personalidade da criança, no seu

desenvolvimento. Na Crèche escreve Eugène Marbeau em meados dos anos 25 SAINT-HILAIRE, B. Proposition de loi de 05 de dezembro de 1848. Texto integral em LUC, J-N. La Petite Enfance a L’Ecole, p. 95-96 apud NASCIMENTO, Op. Cit., 2001, pág. 304, nota 80. 26 “A Infant School (Londres, Samuel Widerspin, fundou a Infant School Society, em 1824, sistematizou a proposta de uma instituição educacional para crianças dos dois anos aos onze anos, chamada Infant School, Escola Infantil, que se propagou por todo o Reino Unido) influencia a criação, em 1828 das Salles d’Asile, as Salas de Asilo francesas, que depois mudam seu nome para Escola Maternal”. KUHMANN JR, M. Trajetórias das Concepções de Educação Infantil. 14ª Congresso/ Palestra OMEP. s/d. Arquivo eletrônico disponível em: http://www.omep.org.br/artigos/palestras/05.pdf. “Robert Owen (1771-1858), socialista e industrial de algodão em Manchester, convenceu seus sócios a comprar um cotonifício na Escócia onde trabalhavam e viviam cerca de 200 pessoas na mais dura pobreza. Owen fundou lá a primeira escola para a infância na Grã-Bretanha, em 1816. melhorou a moradia, as condições de higiene e criou um armazém, também controlava o uso de bebida alcoólicas. Essa medidas reduziram a criminalidade e o vício. Apesar de prosperar nos negócios, a despesa com estas benfeitorias parecia, aos olhos de seus parceiros, extravagância difícil de compreender. Desligou-se deles fundando sua própria firma (1813). No campo educacional empenhou-se também pela constituição de cursos noturnos para operários e por uma metodologia que se pautasse pela participação ativa do aprendiz. Empenhou-se ainda na defesa junto ao poder público da melhoria das condições de trabalho, da redução da jornada de trabalho, da regulamentação do trabalho das crianças. Verbete: OWEN, Robert, Enciclopédia Barsa, São Paulo: Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1988, v. 11, pág. 188 apud NASCIMENTO, Op. Cit., 2001, pág. 289 . “A expressão école maternalle é oficialmente utilizada pela primeira vez em 24/04/1848, pouco depois um projeto de lei propõe que toda a comuna com mais de 2000 habitantes deverá se responsabilizar pela criação de uma sala de asilo e que as salas de asilo deveriam se embriões das futuras escolas maternais. (...). Termo criado pelos republicanos, a escola maternal passará a ser gratuita para todos. Contrariamente à concepção de abrigo ou guarda até então dominante (...) A mudança do termo sala de asilo para a escola maternal está consignada no decreto de 2 de agosto de 1882. Antes, a reforma Julis Ferry (1881) estabeleceu que as escolas maternais recebam as crianças de 2 a 7 anos e fixa regras para o seu funcionamento administratico; através dessa reforma as escolas maternais substituem as salas de asilo, tornando-se instituições explicitamente voltadas à educação de tenra idade”. NASCIMENTO, Op. Cit.., 2001, pg 313-315.

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de 1870, as crianças se portam melhor, elas são mais felizes e mais dóceis.

Resultado devido não apenas aos cuidados e conselhos, mas também à vida

em comum que dá prazer às crianças e as torna sociáveis”27.

Cabe ainda, nesse ponto, a inclusão de um comentário, a respeito das

contradições entre as Salas de Asilo e a Creche, na forma de proposta feita

por KUHLMANN JR28: “As instituições de educação para crianças entre zero a

seis anos começam a se esboçar no continente europeu ainda no final do

século XVIII, propagam-se por meio de uma circulação de pessoas e idéias que

precisa ser melhor pesquisada, e o mais importante criadas para atender as

crianças pobres e as mães trabalhadoras, desde o início se apresentam como

primordialmente educacionais”29.

27 KUHMANN JR, M. Op. Cit., s/d. 28 KUHMANN JR, M. Op. Cit., s/d. 29 Acreditamos que seria importante uma Revisão Bibliográfica da literatura francesa a respeito da origem e criador da Instituição Creche, escrevemos isso, pois desconhecemos a existência de tal proposta.

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Fonte: http://www.esg.br/cee/mapa_mundi/world_pol97.jpg

Fonte: http://europa.eu.int/abc/maps/members/france_pt.htm

Fonte: http://europa.eu.int/abc/maps/regions/france/lorraine_pt.htm

11

Fonte: http://europa.eu.int/abc/maps/members/france_pt.htm

Fonte: http://europa.eu.int/abc/maps/regions/france/idfrance_pt.htm

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Origem da Instituição Creche no Brasil

“As instituições de educação infantil propagam-se internacionalmente,

especialmente a partir da década de 1870”30. No Brasil, em 1879, publica-se

um artigo sobre Creche, em seis partes (até o número seis), no jornal A Mãi di

Família31, do Rio de Janeiro, intitulado: “A Creche (Asilo para Primeira

Infância)”. No artigo escrito por Kossuth Vinelli32 “este manifesta o intuito de

chamar a atenção da sociedade brasileira, ‘especialmente das mães de família

para a importante questão da Creche entre nós’, mostrar suas vantagens”33.

30 KUHMANN JR, M. op. cit., s/d. 31 “A Mãi de Familia, publicado de 1879 a 1888. o redator era Carlos Costa, médico especialista em moléstia de crianças”. KUHLMANN JR. M. Educando a Infância Brasileira in LOPES, E.M.T., FARIAS F°, L.M. de e VEIGA, C.G. (orgs). 500 anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte, 2000, 2ª edição, pág. 471 ( Coleção Historial, 6). KUHLMANN JR. M. Op. Cit., 1990, pág. 80, nota 14: “A Mãi de Familia – jornal scientifico, litterario e illustrado – educação da infância, higiene da familia. Rio de Janeiro, Lombaerts & Cia, 1° anno, n° 1, 1879. O Dr. Carlos Costa participou da organização de uma Exposição Médica em 1884, e fundou em 23 de junho de 1892, a Sociedade de Higiene do brasil, que pretendia auxiliar a assistência pública aos indigentes, crianças, inválidos, alienados, etc. , e não exigia que seus menbros fossem médicos, exclusivamente. Esta sociedade durou alguns anos apenas (cf. LIMA, Agostinho José de Souza, ‘As Sciencias Medico-Pharmaceuticas’, parte segunda, 1808-1900, in Associação Centenario de Descobrimento do Brasil. Livro do Centenário (1500-1900). RJ, Imp. Nacional, 1900, v.1, p.86). Carlos Costa, após muitos anos militando pela implantação de uma política assistencial em nosso país, desiludiu-se e fundou a Sociedade Protetora dos Animais. Cf. Educação Pediatria, RJ, Livraria Cruz Coutinha, Jacinto Ribeiro Santos, editor, III (24): 204, mai/1995 (referência á morte de Carlos Costa: artigo da seção ‘Associação e Congressos’ – Sociedade Brasileira, reunião a 20/3/1915)”. (Grifo, sublinhado, nosso) “(...). A falta de iniciativa de uma política governamental consequentemente, já havia desiludido Carlos Costa – falecido em 1915 -, desiste de sua luta pela infância para fundador uma Sociedade Protetora dos Animais”. KUHLMANN JR, M. Educando a Infância Brasileira. In: LOPES, E.M.T., FARIA Fº, L. M. de e VEIGA, C. G. 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. 2ª edição, pág. 481 (Coleção Historial, 6). 32 KUHLMANN JR, M. Educando a Infância Brasileira. In: LOPES, E.M.T., FARIA Fº, L. M. de e VEIGA, C. G. 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. 2ª edição. (Coleção Historial, 6), pg. 471. 33 O médico, da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, na verdade, estava preocupado com as crianças negras “libertadas”, pela Lei nº 2040 de 28 de setembro de 1871: Lei Ventre Livre, convivendo junto das casas da patroa da mãe, oferecia perigo, pois as crianças brancas poderiam adquirir seus “maus costumes”. Enquanto, discurso, a Creche atenderá a uma demanda, negra, filhos de trabalhadoras domésticas: “Quando o jornal A Mãi de Familia trouxe a proposta de creches em nosso país, o fez de forma peculiar, pois ainda não havia uma demanda efetiva do setor industrial. Vinelli estava mais preocupado com a lei do ventre livre que, para as donas de casa, patroas e escravos, trazer o problema da educação das crianças. Aliás, a chamada ‘creche popular’ foi criada – e até hoje ainda mantém dessa característica – mais para atender às mães trabalhadoras domésticas, do que às operárias industriais” KUHLMANN JR., Op. Cit., 1990, pág. 81-82 ( Grifo do Autor). Ainda em nota, número 15, página 82, do trecho citado o autor acrescenta uma trecho do artigo: “No Brasil ainda não existe a creche; entretanto a sua necessidade me parece palpitante, sobretudo nas atuais condições em que se acha o país depois da moralizadora e humanitária lei de 28 de setembro de 1871, em virtude da qual nele não nasce mais um só escravo. Agora que, graças á iniciativa do governo e também dos particulares, em não pequena escala, com a emancipação da escravatura vai desaparecendo o vergonhose estigma impresso na face do Brasil, estigma que

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Entretanto, a Creche permanecerá, enquanto discurso até 1899,

ano que data a fundação da primeira Creche, que se tem notícia no Brasil,

vinculada à Fábrica de tecidos Corcovado no Rio de Janeiro34. Dessa forma, no

período republicano, esta instituição se propagará pelo país35, a princípio de

iniciativa privada (empresas, médica, religiosa e jurídica), sendo algumas

conveniadas (subvencionadas) junto ao poder público, geralmente, municipal.

A iniciativa direta do poder público nacional será a partir de 1940 com a criação

a civilização repele e abomina um grande número de mulheres que quando escravas trabalhavam para seus senhores, que por sua vez eram obrigados a lhe dar alimentação, domicílio e vestuário, a cuidar de sua saúde e a de seus filhos, ganhando a liberdade, vêem-se não puçás vezes abandonadas, mas com filhos pequenos, que ainda mamam, sem ter quem os sustente, na indeclinável e urgente necessidade de procurarem pelo trabalho, ganhar os meios da própria subsistência e da dos filhos e em muitos casos sem poderem consegui-lo por que isso as impedem como obstáculo insuperável os filhos pequenos, que elas não têm a quem confiar e cuja tenra idade não lhes permite manda-los para a escola. Tais casos são freqüentes na prática. (...) A creche representa pois complemento da escola primária, ou melhor ainda de salas de asilo da segunda infância, de que também ainda carecemos. Id. Ibid.,p.4-5.” Maiores informações ver, além dos trabalhos de Kuhlmann Jr., principalmente os históricos, CIVILETTI, M. V. P. Cuidado às crianças pequenas no Brasil escravista. CP 76, p. 31-40, fevereiro 1991, bem como, CIVILETTI, M. V. P. A creche e o nascimento da nova maternidade. Rio de janeiro, 1988. Dissertação (mestrado), Psicologia/FGV. 34 “A primeira creche industrial brasileira que tenho referência, foi fundada no Rio de Janeiro a 13 de novembro de 1889. era a creche Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado. A Fábrica Corcovado já havia criado o Montepio dos Operários em 1896, com o objetivo de prestar assistência médica e dentária, socorros funerários e pecuniários, aos sócios empregados daquele estabelecimento e sua famílias. Cabe ressaltar que – quando ainda hoje o reconhecimento da paternidade é tão discriminado - , o regulamento da creche garantia a matrícula aos filhos de todos os operários efetivos e não apenas às mães operárias (embora oferecesse apenas vinte leitos, sendo que não foi possível obter muitos dados sobre seu funcionamento)”. KUHLMANN JR., Op. Cit., 1990, pág. 93. Maiores informações sobre a creche do Corcovado, ver KUHLMANN JR., Op. Cit., 1990, pág 93, nota 42. 35 O eixo de pesquisa, sobre a propagação de Creche, constitui-se nas localidades de Rio – São Paulo. Embora pesquisas de outras localidades começam a aparecer, o que se faz importante pelo fato de verificação sobre os fatores que motivaram a criação de Creche nesses locais, possibilitando comparar com eixo dominante, principalmente, São Paulo (cidade), esse aparecendo hegemonicamente como categoria de análise para outras realidades. “Há vários motivos para a criação das instituições de educação infantil, que não se restringem simplesmente ao desenvolvimento do emprego industrial e de grandes centros urbanos. É o que ocorre, por exemplo, em a partir do final da década de 1930, Rio do Sul (S.C.), em que os fatores relacionados à organização da comunidade e às confissões religiosas (católicos e luteranos) motivaram as famílias a valorizarem essa experiência educacional” KUHLMANN JR., M. A educação Infantil no século XX, in STEPHANOU, M. e BASTOS, M. H. C. (orgs) Histórias e Memórias da Educação no Brasil, volume III: século XX. Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 2005, pg. 189. O trabalho que KUHLMANN JR. faz referência é o de ISOTTON, A. P. P. Os primeiros jardins de infância e as congregações religiosas em Rio do Sul (1936-1961). Florianópolis: UESC, 2003. Dissertação (Mestrado em Educação e Cultura). Enfim, “ a história regional tem uma aparição significativa, contudo, como a maior parte da produção está concentrada na região sudeste, esta domina expressivamente o cenário das pesquisas, portanto, observa-se uma tendência à falta de representatividade do olhar local e regional para a compreensão das diversidades”. ARCE, A. As pesquisas na área da Educação Infantil e a História da Educação: re-construindo a História do atendimento às crianças pequenas no Brasil. Trabalho apresentado na 27ª Reunião da Anped. GT: História da Educação/ n.02, 2004, pg. 13.

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do DNCr (Departamento Nacional da Criança), da LBA (Legião Brasileira de

Assistência) em 1942, bem como dispositivos legais para a criação de Creche

em empresas: CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) decreto-lei 5.432 de

1º de maio de 194336.

Fonte: http://www.guianet.com.br/brasil/mapapolitico.htm

36 Maiores informações ver: VIEIRA, L. M. F. Mal necessário: creches no Departamento Nacional da Criança (1940-1970). Cadernos de Pesquisa, n. 67, p. 3-16, novembro de 1988. – Este artigo é parte da dissertação de mestrado: Creches no Brasil: de mal necessário a lugar de compensar carências; rumo à construção de um projeto educativo, FAE/UFMG, 1986.

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Fonte: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php

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Em São Paulo, em 1901, Anália Franco37 cria a “Associação Feminina

Beneficiente e Instructiva”, que tinha entre outros objetivos organizar escolas

maternais e creches, que funcionaram agregadas a asilos para órfãos,

atingindo , em 1910, 18 escolas maternais e 17 creches-asilos em todo o

estado. O governo paulista participa desse processo de criação de Creche (...)

em 1920, quando Sampaio Dória, diretor da Instrução Pública, fixa um

arcabouço legal que permite a sua instalação junto a empresas, com a

participação do governo. Interesses ligados à melhoria do parque industrial

mobilizam o governo paulista nesse empreendimento. Para o idealizador desse

convênio, Sampaio Dória, a Creche, concebida como “mal necessário” fruto do

desajuste moral e econômico, oriundo da urbanização e industrialização, não

poderia ser considerada estabelecimento educativo e fica alijada do sistema

público de ensino38.

Fonte: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php

37 “Anália Franco nasceu em Resende – RJ, em 1º de fevereiro de 1853. Mudou-se para São Paulo em 1861 e em 1868, com 15 anos de idade, já ajudava a mãe, que era professora, em colégios de Guaratinguetá, Jacareí e Arraial de Minas. Em 1872, foi aprovada num ‘Concurso da Câmara’, passando a trabalhar como oficialmente como assistente de sua mãe. Retoma os estudos em 1877 e em 1878 forma-se professora na Escola Normal Secundária de São Paulo. Em 1888 e nomeada professora pública, após exame prestado. Mas Anália Franco não se restringiu ao magistério.” AZEVEDO, A. R. de. Educação da Infância e da Mulher e outros temas presentes no pensamento na obra de Anália Franco. Trabalho apresentado na 26ª Reunião da Anped, GT: História da Educação/nº2, 2003, pg. 1. 38 KISHIMOTO, T. M. A Pré-Escola na República. Pró-Posições, Nº3, dezembro de 1990, Pg. 55-66.

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No município de São Carlos (S.P.)39, a Creches de iniciativa privada

começam a ser criadas a partir da década de cinqüenta, expandindo-se na

década de sessenta e de maneira incipiente, na década de oitenta até nossos

dias:

- A primeira foi criada em 11 de junho de 1952, por D. Ruth Bloëm

Souto40, localizada no centro do perímetro urbano: Clube de Mães Creche

Anita Costa41;

- A segunda foi criada em 02 de setembro de 1962, por iniciativa

privada religiosa católica, localizada no Parque Sabará, bairro periférico:

Creche Padre Teixeira42;

- A terceira foi criada em 02 de dezembro, por iniciativa privada

religiosa espírita, localizada na Vila Boa Vista, subdistrito de Ana Prado:

Creche Nosso Lar43;

- A quarta foi criada em 29 de setembro de 1966, por iniciativa

privada religiosa católica, localizada na Vila Izabel, bairro periférico: Creche

Divina Providência44;

39 São Carlos foi fundada em 04 de novembro de 1857, como distrito e vila de Araraquara. Em 1880 foi elevada a cidade. No início sua economia era baseada na produção e exportação de café, sendo afetada pela crise de 1929. A partir dos anos cinqüenta, o desenvolvimento industrial terá reflexo na região, vale ressaltar que mesmo incipiente o setor industrial começou a ser organizado a partir de 1901).Situada no centro geográfico do Estado de São Paulo, dista 240 km da capital, tendo as cidades de Descalvado, Dourado, Ibaté, Porto Ferreira, Ribeirão Bonito e Santa Rita do Passa Quatro como parte de sua região de governo. Segundo o Censo de 2000 sua população era de 192.998, sendo 183.433 urbana e 9.565 rural. Em dados recentes do IBGE a população estimada em 1º de julho de 2005 foi de 214.786. Possuindo uma elevada taxa de desenvolvimento humano (0,841), segundo IDH de 2002. 40 Esposa do professor Theodoreto de Arruda Souto, primeiro diretor da EESC (Escola de Engenharia de São Carlos) criada por Lei Estadual nº 161 de 24 de setembro como Faculdade da Universidade de São Paulo, instalada quatro anos após sua criação, portanto em 1952. Mais informações: NOSELLA, P e BUFFA, E. Universidade de São Paulo; Escola de Engenharia de São Carlos; os primeiros tempos: 1948/1971. São Carlos: EdUFSCar, 2000. 41 Razão social: Clube de Mães Creche Anita Costa. Um fato, importante, que ainda está sendo pesquisado é que esta Creche funciona junto ao prédio onde se lê: “Casa de Puericultura”, em que no âmbito de levantamento de hipótese: acreditamos na presença do poder público federal no município. 42 Razão Social: Centro Promocional de Menores Padre Teixeira. Nossos dados quanto a esta Creche ainda é incipiente. 43 Lei nº 5386 de 10 de junho de 1966 - Declara de Utilidade Pública o Nosso Lar. Nossos dados quanto a esta Creche ainda é incipiente. 44 Administrada no âmbito operacional pelas Irmãs da Congregação Franciscana Estigmatina e no âmbito administrativo pela Associação Amigos da Paróquia de Santa Izabel, a Creche funciona como um departamento dessa Associação.

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- A quinta foi criada em 24 de agosto de 1967, por iniciativa

privada religiosa católica, localizada na Vila Prado, subdistrito de Ana Prado:

Creche Aracy Leite Pereira Lopes45;

- A sexta foi criada em 13 de julho de 1984, por iniciativa privada

religiosa espírita, localizada na Vila Costa do Sol, bairro periférico: Creche

Meimei46.

Quanto a Creche de iniciativa do poder público municipal começa

a ser criada a partir de 198247, a de iniciativa do poder público federal e

estadual estão localizadas no campus da UFSCar e USP e a de iniciativa

privada empresarial ou comercial não existem (não há referências que tenham

existido), bem como, desconhecemos a existência de Creche de iniciativa

privada comunitária ou domiciliar.

45 A Creche é um Departamento do Centro Assistencial Santo Antônio de Vila Prado. Embora, nossos dados ainda sejam incipientes, chama a atenção o fato desse bairro ser considerado operário desde 1920, e somente na década de sessenta é criada a primeira e única Creche que há nas imediações do mesmo. 46 A Creche é um Departamento da Associação Casa do Caminho Instituição Espírita Cristã, administrada operacionalmente por uma Assistente Social. 47 Em 2005, a rede de Creche Municipal é composta por 13 instituições e a Creche de iniciativa privada, no total de 6, possuem convênio junto à Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC), embora esse órgão mantém convênio com outras duas instituições como sendo Creche, mas pesquisa junto as mesmas indica que não é Creche, negativa confirmada pelo administrativo das instituições, que fazem questão de não serem confundidas com aquela.