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A Crítica da Razão na Apologia de Raymond Sebond, de Montaigne Vitor Vieira Vasconcelos Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Belo Horizonte, Minas Gerais, 2004 A segunda crítica que Montaigne irá responder na Apologia de Raymond Sebond é a daqueles que acham falhas as razões utilizadas por Sebond. Montaigne opta nesse momento por mostrar como a razão é incapaz de validar qualquer coisa, concluindo que, se as razões de Sebond não fracas, também são as de seus opositores. A partir daí, será demonstrado como o homem não é superior aos animais por ter razão, e como as Ciências (principais produtos da razão) são contraditórias, além de serem nocivas à felicidade e à honestidade humana. Prosseguindo, Montaigne vai radicalizando cada vez mais a questão, estendendo sua crítica do conhecimento para as áreas da filosofia da linguagem, das coisas religiosas e da própria natureza humana. É então que Montaigne escreve um alerta ao leitor, reconhecendo que esse esvaziamento da razão seria, na verdade, uma faca de dois gumes; porque desarma tanto os argumentos dos críticos de Raymond Sebond quanto o fundamento dos argumentos de quem o defende. É como um golpe secreto de espadas que desarma tanto o oponente quanto o próprio espadachim. Montaigne aconselha o leitor a se valer disso apenas em casos extremos, sendo mais seguro continuar debatendo pela maneira padrão. Porém, o que vemos é que, após essa pausa reflexiva, Montaigne volta a defender a inconsistência da razão e do conhecimento humano, que prosseguirá ao longo da Apologia. Isso leva a pensar se esse momento reflexivo (em que alerta dos perigos de atacar a razão) é apenas um instante em seu fluxo de pensamento, ou se essa crítica perdura por todo o restante do capítulo. De qualquer maneira, não se invalida o restante da argumentação do ensaio, pois o objetivo de Montaigne é mesmo mostrar as diversas opiniões sobre os assuntos, mesmo que uma delas seja a ‘’crítica da crítica da razão’’.

A Crítica da Razão na Apologia de Raymond Sebond de Montaigne

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A segunda crítica que Montaigne irá responder na Apologia de Raymond Sebond é a daqueles que acham falhas as razões utilizadas por Sebond. Montaigne opta nesse momento por mostrar como a razão é incapaz de validar qualquer coisa, concluindo que, se as razões de Sebond não fracas, também são as de seus opositores. A partir daí, será demonstrado como o homem não é superior aos animais por ter razão, e como as Ciências (principais produtos da razão) são contraditórias, além de serem nocivas à felicidade e à honestidade humana. Prosseguindo, Montaigne vai radicalizando cada vez mais a questão, estendendo sua crítica do conhecimento para as áreas da filosofia da linguagem, das coisas religiosas e da própria natureza humana.

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Page 1: A Crítica da Razão na Apologia de Raymond Sebond de Montaigne

A Crítica da Razão na Apologia de Raymond

Sebond, de Montaigne

Vitor Vieira Vasconcelos Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

Belo Horizonte, Minas Gerais, 2004

A segunda crítica que Montaigne irá responder na Apologia de Raymond

Sebond é a daqueles que acham falhas as razões utilizadas por Sebond.

Montaigne opta nesse momento por mostrar como a razão é incapaz de validar

qualquer coisa, concluindo que, se as razões de Sebond não fracas, também

são as de seus opositores. A partir daí, será demonstrado como o homem não

é superior aos animais por ter razão, e como as Ciências (principais produtos

da razão) são contraditórias, além de serem nocivas à felicidade e à

honestidade humana. Prosseguindo, Montaigne vai radicalizando cada vez

mais a questão, estendendo sua crítica do conhecimento para as áreas da

filosofia da linguagem, das coisas religiosas e da própria natureza humana.

É então que Montaigne escreve um alerta ao leitor, reconhecendo que

esse esvaziamento da razão seria, na verdade, uma faca de dois gumes;

porque desarma tanto os argumentos dos críticos de Raymond Sebond quanto

o fundamento dos argumentos de quem o defende. É como um golpe secreto

de espadas que desarma tanto o oponente quanto o próprio espadachim.

Montaigne aconselha o leitor a se valer disso apenas em casos extremos,

sendo mais seguro continuar debatendo pela maneira padrão.

Porém, o que vemos é que, após essa pausa reflexiva, Montaigne volta

a defender a inconsistência da razão e do conhecimento humano, que

prosseguirá ao longo da Apologia. Isso leva a pensar se esse momento

reflexivo (em que alerta dos perigos de atacar a razão) é apenas um instante

em seu fluxo de pensamento, ou se essa crítica perdura por todo o restante do

capítulo. De qualquer maneira, não se invalida o restante da argumentação do

ensaio, pois o objetivo de Montaigne é mesmo mostrar as diversas opiniões

sobre os assuntos, mesmo que uma delas seja a ‘’crítica da crítica da razão’’.