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Universidade Federal do Rio de Janeiro A crônica contemporânea de autoria feminina: Lya Luft, Marina Colasanti e Martha Medeiros Sílvia Barros da Silva Freire 2009

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

A crônica contemporânea de autoria feminina: Lya Luft, Marina Colasanti e Martha Medeiros

Sílvia Barros da Silva Freire

2009

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A crônica contemporânea de autoria feminina: Lya Luft, Marina Colasanti e Martha Medeiros

por Sílvia Barros da Silva Freire

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira). Orientador: Profª. Doutora Elódia Xavier

Rio de Janeiro Fevereiro de 2009

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A crônica contemporânea de autoria feminina: Lya Luft, Marina Colasanti e Martha Medeiros

Sílvia Barros da Silva Freire Orientadora: Professora Doutora Elódia Xavier

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira). Examinada por: _________________________________________________ Presidente, Profa. Doutora Elódia Xavier - UFRJ _________________________________________________ Profa. Doutora Rosa Maria de Carvalho Gens – UFRJ _________________________________________________ Profa. Doutora Helena Parente Cunha - UFRJ _________________________________________________ Prof. Doutor Antônio Carlos Secchin UFRJ, Suplente _________________________________________________ Profa. Doutora Angélica Soares– UFRJ, Suplente

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BARROS, Sílvia da S. Freire. A crônica contemporânea de autoria feminina: Lya Luft,

Marina Colasanti e Martha Medeiros. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2009. Dissertação de Mestrado em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira).

Resumo O presente trabalho analisa a crônica contemporânea de autoria feminina na perspectiva das

questões de gênero. A crônica é entendida como gênero literário intimamente ligado aos

discursos sociais por estar vinculada à mídia impressa. O estudo da autoria feminina propõe

um olhar sobre os papéis de gênero na Literatura Brasileira. Leva-se em conta que a produção

de crônicas também faz parte da obra literária das autoras. A autoras selecionadas são

cronistas com ampla obra em prosa e poesia. Essa característica é fundamental para

compreender a importância de analisar seus discursos a respeito do papel das mulheres na

sociedade contemporânea. Foram selecionadas três autoras: Lya Luft (1938) cronista da

revista Veja; Martha Medeiros (1961), revista de domingo do jornal O Globo e Marina

Colasanti (1937), Jornal do Brasil. A contribuição de tais escritoras para a literatura brasileira

contemporânea revela a importância de estudá-las também no âmbito da crônica, pois esta faz

parte do cotidiano de muitos leitores.

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BARROS, Sílvia da S. Freire. A crônica contemporânea de autoria feminina: Lya Luft, Marina Colasanti e Martha Medeiros. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2009. Dissertação de Mestrado em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira).

Abstract

The aim of this thesis is to analize contemporary “crônicas” written by female authors

focusing on gender issues. “Crônica” is understood here as a literary genre deeply related with

the social discourses since it is tied to press media. The studies of female writing casts a view

on the gender relations in Brazilian literature. We consider that the making of the “crônicas” is

also part of the female authors’ literary work. The selected female authors are writers with a

vast body of work in prose and poetry. This factor is central for the comprehension of the

importance in analizing their discourses about the role of women on contemporary society. We

selected three authors: Lya Luft (1938), who writes for the weekly magazine Veja; Martha

Medeiros (1961), responsible for a weekly column in the newspaper O Globo; and Marina

Colasanti (1937), writing for the newspaper Jornal do Brasil. The contribution of these female

authors for the Brazilian contemporary literature reveals the importance of studying their work

as chronicle writers since their chronicles are part of the daily routine of several readers.

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Sumário

1- Introdução........................................................................................................................8

1.1- Questões de gênero.............................................................................................12

1.2- As cronistas........................................................................................................15

2- Laços da família contemporânea...................................................................................16

3- Relações amorosas na “Modernidade Líquida”.............................................................36

4- Estereótipos no discurso da crônica...............................................................................58

5- Conclusão.......................................................................................................................84

6- Bibliografia....................................................................................................................87

7- Anexos ..........................................................................................................................91

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Agradecimentos

Às vezes é preciso agradecer e, muitas vezes, não sabemos os motivos ao certo. Pessoas

importantes contribuem para nosso trabalho e crescimento apenas por existirem em nossas

vidas. Sou grata a quem me acompanhou com carinho no desenvolvimento deste trabalho:

Professora Elódia Xavier; e a quem me apresentou às questões de gênero que nortearam minha

pesquisa: Professor Luiz Paulo da Moita Lopes. Sou grata a quem me apresentou ao mundo:

meus pais; a quem me apresentou o mundo: minhas amigas; e a quem mudou meu mundo:

Débora.

Muito obrigada.

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1. Introdução

Na contemporaneidade, noções como hibridismo, intertexto e pluralismo fazem parte

do campo de estudo de diversas áreas, principalmente das Ciências Humanas. Na literatura, é

hoje visão corrente que os gêneros textuais não são entidades estanques, facilmente

reconhecíveis e rotuláveis.

Contudo, se observarmos a crônica, desde suas produções mais remotas até hoje,

poderemos dizer que esse é um gênero por natureza híbrido: costuma ser apresentado como

algo no limiar entre o jornalismo e a literatura. Isso porque tradicionalmente povoa as páginas

dos jornais e revistas e trata de assuntos do cotidiano, muitas vezes se aproximando da matéria

jornalística.

Além disso, o/a cronista dificilmente tem esse gênero como sua única forma de

produzir. Assim, o/a cronista não é contista, tampouco repórter, embora muitas vezes também

exerça a função de ficcionista ou jornalista.

Enquanto o contista mergulha de ponta-cabeça na construção do personagem, do tempo, do espaço e da atmosfera que darão força ao fato exemplar, o cronista age de maneira mais solta, dando a impressão de que pretende apenas ficar na superfície de seus próprios comentários, sem ter sequer a preocupação de colocar-se na pele de um narrador, que é, principalmente, personagem ficcional (como acontece nos contos, novelas e romances). Assim, quem narra uma crônica é o seu autor mesmo, e tudo o que ele diz parece ter acontecido de fato, como se nós, leitores, estivéssemos diante de uma reportagem. (SÁ, 2002, p. 9)

A crônica pode incluir uma narrativa, pode ser extremamente poética ou humorística.

Pode apresentar análises cinematográficas ou literárias, enfim, comportar uma série de

possibilidades que tanto se apresentam sozinhas como associadas. Muitas vezes, o/a cronista

se apropria de fatos ocorridos no curto espaço de tempo entre uma publicação e outra como

assunto para sua reflexão. Tais fatos podem ser de domínio público, ou episódios de seu

cotidiano: Por meio dos assuntos, da composição aparentemente solta, do ar de coisa

sem necessidade que costuma assumir, ela se ajusta à sensibilidade de todo o dia. Principalmente porque elabora uma linguagem que fala de perto ao nosso modo de ser mais natural. (CANDIDO, 1992, p. 13)

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Para Antonio Candido (1992), o fato de a crônica ser um gênero menor é positivo, pois

a torna mais próxima dos/as leitores/as. Isso se mostra também nos locais do jornal em que

esses textos começaram a ser publicados: no rodapé, na coluna de variedades. Ou seja, um

espaço já, de certa forma, separado do texto exclusivamente jornalístico.

Rastrear as Variedades pela imprensa brasileira da primeira metade do

século XIX significa tanto ir ao encalço das primeiras manifestações de ficção, como de um espaço livre à criação e à transformação do jornal. (MEYER, 1992, p. 105)

Em seu artigo “Voláteis e versáteis. De variedades e folhetins se fez a chronica”,

Marlyse Meyer apresenta a inserção do rodapé – rez-de-chaussée, rés-do-chão –, moda

importada da França, como importante espaço para uma nova e brasileira forma de escrever,

de fazer literatura e jornalismo. Nesse espaço havia receitas, notícias de crimes floreadas com

charadas e mistérios, críticas e comentários sobre a vida na corte.

Esses diferentes assuntos terminaram por se consolidar numa forma peculiar de escrita

jornalístico-literária: a crônica como a conhecemos hoje.

(...) sua motivação principal é o conjunto que o jornal acolhe em suas

páginas e colunas. Só que ela não os reconstitui, sua função é de apreender-lhes o significado, ironizá-los ou vislumbrar a dimensão poética não explicitada pela teia jornalística convencional. (MELO, 2002. p. 139)

Mais do que resignificar as notícias do jornal, acredito que a crônica tem como

temática o cotidiano de modo geral. Assim o autor ou a autora faz um papel de leitor/a

crítico/a, com o privilégio de além de comentar as matérias do jornal, introduzir temas e

situações vividas somente por ele/a, mas que podem ser abertas para uma reflexão que atinja a

todos/as.

Faz-se, então, muitas vezes, a exposição de opiniões por meio das linhas e entrelinhas

da literatura. Cito como exemplo a crônica “A mosca azul” de Humberto de Campos, retirada

da compilação As cem melhores crônicas brasileiras (SANTOS, 2007, p. 80-82). O texto tem

como tema a descrença na instituição do casamento. Com humor, o narrador aconselha um frei

a não abandonar a Ordem dos Franciscanos para se casar com uma freira. Humberto de

Campos expõe sua visão sobre o assunto num tom jocoso, cheio de graça e lirismo:

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Quanto é diferente, porém, a vida aqui fora, meu irmão e meu santo, mesmo

quando o amor e a amizade são padrinhos civis ou católicos do casamento! Substituído a seu pesado hábito de franciscano por uma roupa de leigo, debalde procurará você o chalezinho branco e azul, enfeitado de glicínias e pombos. Ao vir do dia, na casa escura em que se forem vocês esconder, verá você irmã Eleonora discutir com o homem da carne, com o homem do pão, com o homem da banana-ouro ou com o homem da laranja-pedra.

É papel da crônica contribuir para as discussões em pauta na sociedade – e atualmente

essa característica tem se acentuado ainda mais – , ou, como diz Antonio Candido “estabelecer

e restabelecer a dimensão das coisas e das pessoas” (p. 14).

Entendo, inclusive, a crônica como um espaço de legitimação de determinadas

ideologias. Os autores e autoras que as escrevem, se inserem de forma diferente dos/as demais

jornalistas, a opinião do/a escritor/a agrega valor ao veículo jornalístico.

A crônica, por força de seu discurso híbrido – objetividade do jornalismo e

subjetividade da criação literária –, une com eficácia código e mensagem, o ético e o estético, calcando com nitidez as linhas mestras da ideologia do autor. (LOPEZ, 1992, p. 167)

Por isso, me parece importante o estudo de tal gênero ainda longe da atenção que

merece. Talvez, essa menor atenção se deva ao fato de se acreditar que a crônica, por ser

datada, é um texto que perderá a significação rapidamente. Pode-se pensar, também, que a

temática seja muito rasteira, sem importância para a análise literária.

Entretanto, a aparente superficialidade da crônica encerra um aspecto importante que

diz respeito tanto à literatura quanto à mídia: a repercussão de discursos socialmente correntes.

Isto quer dizer que nos romances e contos, através do narrador e personagens, o autor

ou autora faz a representação da vida social, reproduzindo discursos seja para criticá-los, seja

para reforçá-los, assim como nas crônicas, em que ela expõe suas idéias e opiniões sobre

diversos assuntos. A diferença é que nos textos ficcionais a voz do autor ou autora é expressa

através de personagens e narradores, já na crônica não há essa mediação.

Também não devemos nos esquecer de que importantes nomes da literatura foram e

são cronistas profícuos. Ignorar a produção “jornalística” desses autores é negar-lhes parte da

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obra. Hoje se tornou comum que de tempos em tempos os/as autores/as publiquem livros com

a reunião das crônicas, dando mais visibilidade ao gênero e levando o texto para a posteridade.

Ao estudarmos a história da crônica, vemos que seu espaço foi herdado dos folhetins.

O folhetim já se introduz no jornal como um texto próximo da crônica atual, comentando a

vida social, política e cultural. Com o tempo, abriu-se espaço para a ficção. O folhetim passou

a ser sinônimo dos romances publicados em capítulos que tratavam da vida e dos hábitos

burgueses da cidade (Resende, 2001).

Contudo, com o passar do tempo e a consolidação do gênero, houve uma “espécie de

progressão ao despojamento, o texto crônica, cada vez mais, vai se coloquializando e

absorvendo a leveza da oralidade” (DIAS, 2002 p. 59) abrindo espaço maior para a voz do/a

cronista, retomando suas caractarísticas originais.

O estudo da crônica contemporânea permite atualizar as características desse gênero

que, por ser subjetivo e contextualizado, se transforma ao longo do tempo. Podemos perceber

que quanto mais atual a crônica, menos componentes do conto ela apresentará e mais do

ensaio, do comentário e mesmo da crítica.

Além disso, nos deparamos com temáticas muito ligadas aos fenômenos midiáticos,

fato que se explica pelo hibridismo dos meios de comunicação (internet repercutindo a

televisão, jornais cobrindo crimes do ciberespaço etc) e rapidez das informações. A/o cronista

escreve ao sabor do cotidiano incluindo impressões das mais pessoais e comentários sobre

acontecimentos públicos.

Ressalto também que meu interesse pelo estudo da crônica é tão híbrido quanto o

próprio gênero literário. Em primeiro lugar porque não procuro ler os textos isoladamente,

mas sim como parte da obra das autoras que selecionei. Como já foi exposto, a crônica permite

a exposição do ponto de vista da autora ou autor, ponto de vista esse, que pode ter sido já

apresentado em sua obra ficcional; podendo, ainda, ocorrer paradoxo entre diferentes visões na

mesma/o autora ou autor.

Soma-se a isso, meu interesse pelos estudos de gênero. Emprego a palavra gênero

agora, para me referir aos gêneros masculino e feminino. Ou seja, meu foco está na forma pela

qual as cronistas assumem suas posições ideológicas em relação aos papéis sociais de homens

e mulheres.

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1.1 Questões de gênero

No presente trabalho focalizo a autoria feminina, buscando encontrar e interpretar as

marcas de gênero que as autoras imprimem em sua escrita. Entendo o gênero como um

produto social e culturalmente construído sobre as formas pelas quais percebemos as

diferenças entre os sexos (LOURO, 1997).

Percebo, também, a importância de marcar a autoria feminina como ponto de partida,

uma vez que a participação das mulheres tanto na imprensa quanto na literatura é fruto de

intenso enfrentamento social do qual ainda sentimos as conseqüências. Por exemplo, na

coletânea das cem melhores crônicas feita por Joaquim Ferreira do Santos, cinco mulheres são

contempladas em um universo de sessenta e três escritores.

É cada vez mais constante a presença da mulher (escritora ou não) em todos os setores,

inclusive na imprensa. A princípio podemos dizer que a participação das mulheres tinha um

cunho extremamente “gendrado”, ou seja, marcadamente uma escrita de mulheres, para

mulheres, tanto em revistas femininas de comportamento e moda como em publicações de

cunho feminista: Em meados do século XIX surgiram no Brasil diversos jornais editados por

mulheres, que, certamente, tiveram grande papel para estimular e disseminar as novas idéias a respeito das potencialidades femininas. Vários brasileiros recorriam à imprensa para informação e troca de idéias sobre crenças e atividades. As feministas brasileiras também lançaram mão desse recurso. (TELES, 1999, p. 33)

No século XIX a imprensa passa a ter papel fundamental na cultura do país. Mais

pessoas têm acesso a jornais e revistas que se proliferam principalmente nas capitais. Alguns

grupos mais intelectualizados ou politizados, conseguiram atuar diretamente nesses veículos.

Porém, nem todas as publicações destinadas ao público feminino eram feitas por mulheres.

Marlyse Meyer (1992) apresenta o trecho do prospecto de um periódico que pretendia se

adequar à nova mulher brasileira, leitora de romances, mais integrada aos costumes burgueses,

de acordo com a moda européia

A influência das mulheres sobre as vontades, as ações e a felicidade dos

homens abrange todos o momentos da existência e quanto mais adiantada a civilização, mais influente se mostra esse inato poder (...) (p. 120)

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Essa publicação, como muitas outras, era feita por homens e destinada às mulheres.

Entretanto, nessa mesma época (meados do século XIX), já contamos com a presença dos

escritos de Nísia Floresta. Primeiro como colaboradora de O Brasil ilustrado, depois com seus

textos intitulados “Passeio ao Aqueduto Carioca” (MENDONÇA, 2002, p. 24).

Vemos com isso, que a entrada da mulher na literatura e no jornalismo, seja como

público, seja como produtora, não foi de todo tardia. Porém, o que se pode constatar

facilmente é que essas escritoras não gozaram do mesmo prestígio dos homens, tampouco da

visibilidade que eles tinham.

Atualmente, diversas mulheres assinam colunas em jornais e revistas. Escritoras ou

intelectuais de outras áreas têm seus textos disponíveis de forma cada vez mais ampla. Para

citar apenas algumas: Fernanda Young (Revista Cláudia), Patrícia Travassos, (Revista Marie

Claire), Fernanda Torres (Revista Veja Rio), Maitê Proença (Revista Época), Cora Ronai (O

Globo).

Nem sempre um texto escrito por mulheres é feito sob uma perspectiva feminista (entre

as diversas teorias feministas), na verdade, parte das vezes, seus textos agem em favor da

manutenção de idéias conservadoras a respeito dos papéis da mulher na sociedade.

Embora importantes transformações no papel de mulheres e homens em

nossa sociedade tenham ocorrido nos últimos anos, é preciso não superestimar a profundidade dessas mudanças, nem tampouco acreditar que as desigualdades entre homens e mulheres nos espaços público e privado tenha sido erradicadas. (ROCHA COUTINHO, 2001, p. 67)

Com base nessa noção, apresentada por Maria Lúcia Rocha Coutinho, me baseio para

questionar se as cronistas contemporâneas brasileiras representam em sua literatura as

transformações a que a sociedade assiste.

Sendo a literatura espaço privilegiado para representar o mundo, em que autores e

autoras apresentam seu olhar sobre diversos aspectos da vida, compartilhando com leitoras e

leitores seus posicionamentos a respeito desses aspectos, considero o espaço da mídia ainda

mais especial pela abrangência de que goza.

O processo de escrita e leitura possibilita a construção de conhecimento em co-

produção autor/leitor, isto é, nem o/a autor/a consegue “transmitir” claramente seu

pensamento, nem o/a leitor/a “apreende” seu significado por completo. Há uma negociação,

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quem lê precisa “fazer sua parte”, preencher lacunas, lidar com polissemias e ambigüidades;

enquanto cabe a quem escreve apresentar sua visão como uma das formas de ver as diversas

realidades que o cercam.

Na crônica de autoria feminina, a visão de mundo parte de um lugar diferente, o não

canônico, numa perspectiva que muito pouco foi contemplada na história da literatura. “A

partir de Clarice Lispector, a ‘condição feminina’ passa a ser problematizada, pondo em

questão a ideologia dominante.” (XAVIER, 1991, p. 15). Desde Clarice Lispector, apresenta-

se essa nova forma de pensar a situação da mulher: a conformidade dá lugar à perplexidade, a

identidade, à alteridade.

Mas, como já havia dito, muitas vezes um discurso produzido por mulher não

apresenta alternativas ao sistema dominante. Ainda podemos nos deparar com falas baseadas

na idéia de que mulheres são regidas por instintos ou por seus corpos biológicos, cujos

hormônios, neurotransmissores, ciclos, etc definem quem são e qual seu destino. Com a

pesquisa científica, esse discurso biologizante tem ficando ainda mais disponível, e

conseqüentemente, reproduzível.

No século XXI, com as fronteiras cada vez mais abertas às diversas vozes, me interessa

percorrer os textos de autoria feminina de jornais e revistas – mais acessíveis a uma grande

quantidade de leitores/as – em busca de quais discursos essas mulheres estão produzindo ou

reproduzindo.

Para minha pesquisa selecionei apenas três autoras, pois, minha intenção não é fazer

um panorama da crônica contemporânea de autora feminina, mas sim fazer uma leitura mais

próximas de alguns textos atualmente veiculados.

As autoras selecionadas são: Lya Luft (Revista Veja), Marina Colasanti (Jornal do

Brasil) e Martha Medeiros (O Globo). Três critérios embasaram minha escolha: o primeiro é o

fato de as cronistas serem também escritoras de outros gêneros literários, as três são

ficcionistas e poetisas; o segundo, a contemporaneidade da publicação, sendo selecionados

textos a partir de 2007, ano em que comecei a pesquisa. O último critério é a visibilidade dos

meios em que publicam. Não optei por crônicas publicadas, por exemplo, em revistas

direcionadas ao chamado “público feminino”.

Essa opção foi feita pelo fato de que tais publicações apresentam temas absolutamente

gendrados e, conseqüentemente, as autoras, seguindo a linha editorial, escrevem textos “para

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mulheres”. Acredito que essa escolha restringiria minha análise, pois pretendo investigar as

formas pelas quais as autoras constroem suas noções de gênero em relação a diversos temas.

Aliás, é importante salientar aqui que até mesmo pela natureza da minha pesquisa –

diversificada, plural –, trabalho com a impossibilidade de uma representação única dos

gêneros, busco as diferentes visões sobre as formas ser mulher.

1.2 As autoras

Marina Colasanti (1937), Lya Luft (1938) e Martha Medeiros (1961), são cronistas

atuantes há bastante tempo, tendo publicado volumes com seus textos retirados dos jornais.

Apesar da facilidade de trabalhar com crônicas já reunidas, optei por textos contemporâneos a

minha pesquisa.

Isso porque é comum que as autoras utilizem notícias recém divulgadas como tema de

suas crônicas. Tal característica é importante, pois atualiza as noções que possuem sobre os

gêneros. Com a escrita de textos novos, os significados são repensados, muitas vezes levando

a autora a se posicionar de maneira nova ou até inédita sobre o assunto em voga.

Lya Luft, cronista da Revista Veja, comumente, escreve sobre política brasileira,

aproximando sua página da temática principal do veículo no qual publica. Porém sua obra

possui forte ligação com os temas relacionados à questão de gênero. Os romances da autora

têm como característica a narradora-personagem em conflito, assim “escava a problemática

feminina do ponto de vista da mulher e que, ultrapassando os limites do ‘feminino’

convencional, dá-lhe uma dimensão abrangente: a da condição humana” (COELHO, 1993, p.

231).

Martha Medeiros, por sua vez, possui uma boa quantidade de textos refletindo sobre

episódios pessoais, além de discutir fenômenos de mídia (televisão, Internet, por exemplo). O

que não contrasta com a natureza da revista de domingo do jornal O Globo – de variedades,

moda, entrevista – da qual seus textos fazem parte. Seu livro mais famoso Divã (2002),

transformado em peça de teatro, é uma reflexão da personagem feminina sobre sua vida,

condição de mulher e de indivíduo inserido na contemporaneidade. As crônicas da autora já

foram reunidas em livro, um deles, Trem Bala (1999) também já foi adaptado para teatro, o

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que mostra como a crônica atual é comprometida com a pertinência e perenidade de seus

temas.

Marina Colasanti, por sua experiência em revistas para o público feminino – Marina foi

editora da revista Nova nos anos 70 e mais tarde colaborou com a revista Cláudia – publicou

livros a respeito da condição da mulher contemporânea: A nova mulher (1980) e Mulher daqui

pra frente (1981). No Jornal do Brasil publicou em diversas épocas, se desligando do veículo

em 2007. Diferentemente de Lya Luft que escreve sobre questões sociais e política na Veja,

Marina produz para o JB muitos textos comentando filmes, publicações e exposições,

refletindo a temática central do caderno “Caderno B”.

Antes de fazer a escolha do tema de pesquisa, havia lido poucos textos das autoras aqui

citadas. Contudo, ao definir que trabalharia com crônicas e começar a recolhê-las, percebi

também que seria necessário ter contato com romances e contos das autoras. A partir disso,

diversas associações entre o que lia nas crônicas e nos contos ou romances foram surgindo,

mostrando como essas autoras já haviam exposto, por meio da ficção, idéias presentes nas

crônicas.

Essa percepção configurou importante ferramenta de análise que perpassará todo meu

texto. Alguns livros serão citados ao longo do presente trabalho, são eles: O silêncio dos

amantes (2008), A sentinela (2003), Reunião de família (1982), A asa esquerda do anjo (2003)

e As parceiras (2005) de Lya Luft. Da autoria de Marina Colasanti selecionei Contos de amor

rasgado (1986), Um espinho de marfim (1999); Divã (2002) e Tudo o que eu queria te dizer

(2008), são as obras de Martha Medeiros aqui citadas.

A organização dos capítulos será feita por temas. Essa organização permite articular as

vozes das autoras sobre um mesmo assunto. A divisão temática, algumas vezes, privilegiará

mais uma cronista do que as outras, já que cada uma apresenta certos direcionamentos

temáticos de forma mais marcante. O trabalho se constitui das seguintes partes: capítulo 2:

“Laços da família contemporânea”, em que analiso os novos padrões de família expostos pelas

autoras, mostrando, principalmente, como as relações de gênero foram trabalhadas no núcleo

familiar. Capítulo 3: “Relações amorosas na ‘Modernidade Líquida’”, a respeito do amor, dos

encontros amorosos e sexuais e das várias formas de relacionamento muito ligadas às novas

formas de ser mulher na nossa sociedade. No capítulo 4, “Os estereótipos no discurso da

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crônica”, abordo as diferentes maneiras como as autoras tratam os clichês relacionados aos

gêneros. O capítulo 5 é dedicado à conclusão do trabalho.

Para empreender a análise dos textos, portanto, utilizo as teorias de gênero em suas

diversas vertentes, uma vez que esse é o fio condutor da minha pesquisa. Tenho o apoio de

textos teóricos sobre os temas apresentados em cada capítulo e sobre a crônica, me remetendo

ao gênero literário e a suas características durante todo o texto. Contudo, o mais importante é

enfatizar que a intenção da minha pesquisa é o trabalho da linguagem na crônica, pois, é por

meio dela que as autoras significam e resignificam os conceitos presentes na cultura.

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2- Laços da Família Contemporânea

A família é a primeira instância pela qual passamos no processo de socialização e,

conseqüentemente, no processo de construção identitária. “Sendo a família o espaço por

excelência de socialização da mulher – é aí onde ela começa a se tornar mulher – isto é, é o

espaço onde as relações de gênero são apreendidas e transmitidas”. (XAVIER, 1998, p. 65)

Nas narrativas de autoria feminina, a reflexão sobre as relações em que se envolvem os

membros da família – a nuclear, principalmente – estão sempre presentes, por ser

tradicionalmente o espaço de pertencimento da mulher.

O título deste capítulo faz referência a uma obra essencial para compreender a situação

da mulher em relação à família na nossa literatura: Laços de Família, de Clarice Lispector.

Foi refletindo sobre os questionamentos pioneiros de Clarice Lispector que selecionei o

tema. Por meio da crônica – até mesmo pelas características do gênero já apresentadas –,

acredito que seja possível observar como essas questões são atualizadas, principalmente no

que diz respeito às formas contemporâneas de família.

O texto de Lya Luft publicado no dia 20 de junho de 2007 intitulado “Jogos da Vida”,

se propõe explicitamente a discutir as questões de gênero. A autora escreve: “O que escrevo

hoje nasce do muito refletir sobre a questão dos gêneros masculino e feminino, num eterno

enfrentamento, que pode ser dança de sedução ou feroz batalha.”.

Ela reconhece que há um enfrentamento entre homens e mulheres; porém, o qualifica

como eterno, o que pode ser interpretado como a idéia de que essa luta é natural e perene, e

que é normal que as diferenças de gênero promovam conflitos. Percebemos que o que se

discute hoje é justamente a desconstrução dessa “guerra dos sexos” como algo natural; busca-

se o questionamento de um dualismo cujos elementos sempre lutaram em desigualdade de

forças. Aliás, aquela citação esclarece o título “Jogos da Vida”, conflitos de gênero

comparados à vida, pois, são parte fundamental dela.

A temática que sustenta a discussão sobre os gêneros é a gravidez não consentida pelo

homem. A autora pretende mostrar que as mulheres têm muitos poderes e que um deles é o de

controlar a concepção. Para isso ela lança mão de uma lista de mulheres poderosas: “bruxas

queimadas”, “curandeiras temidas”, “poderosas empresárias”, “endeusadas modelos”, “jovens

atrizes”, “saltitantes socialites”. Os adjetivos qualificam as mulheres poderosas, revelando

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arquétipos e dando força ao sentido de poder que ela quer representar. Completando esse

elenco de poderosas está a mulher que tem “um filho que o homem não queria.”.

Na verdade, todas elas podem cometer o ato de engravidar sem consultar o parceiro;

pois essa é uma possibilidade aberta desde a difusão dos métodos contraceptivos e com o fim

das tradições patriarcais de casamento:

Dali em diante, não é mais o homem que decide, utilizando a retirada, mas a mulher que escolhe ter ou não ter filho com esse homem. A relação inverteu-se completamente em detrimento do pai, despojado de um poder essencial. (BADINTER, 1986, p. 200)

A inversão de que fala Elisabeth Badinter não é apenas um dado histórico, é, como diz

Lya Luft, um poder dos mais negativos quando utilizado para chantagem ou promoção social.

O assunto de extremo valor para a mídia extrapola os meios privados e mostra como artistas,

atletas e políticos caem na mesma armadilha, pois, segundo a autora, algumas mulheres

“manejam com perfídia” esse poder.

No texto, são reproduzidas frases que a autora acredita serem freqüentemente usadas

pelas mulheres que critica: “Claro que estou me cuidando. Claro que boto o DIU, claro que

tomo a pílula”. E depois: “A pílula deve ter falhado, amorzinho, olhaí, surpresa, você vai ser

papai.”. Esse recurso irônico mostra que ela não adere a um protecionismo feminista que

coloca as mulheres sempre no papel de vítimas. Admite, assim, que as mulheres não carregam

uma personalidade única marcada pelo gênero, mas que agem conforme as tramas sociais em

que se envolvem, assim como suas personagens, sempre assumindo formas diferentes de

serem mulheres.

Vemos que na composição de seus romances e contos Lya Luft apresenta essa

diversidade identitária, como na tríade Alice, Aretusa e Evelyn de Reunião de Família (1982).

A primeira é “uma mulher comum; dessas que lidam na cozinha, tiram poeira dos móveis,

andam na rua com uma sacola de verduras, sofrem de varizes e às vezes de insônia” (p. 13). A

segunda uma “mulher emancipada; trabalha fora e não precisa de consentimento do meu irmão

para nada” (p. 11); e a última: “sempre foi uma dona-de-casa eficiente, controlando tudo,

exigindo perfeição em cada detalhe” (p. 14).

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Cada uma está empenhada em sua rotina, desejos e dores. Assim, a autora transfere

para a crônica, agora com sua própria voz, não mais a da narradora, que existem mulheres que

se direcionam para o lar, outras que se dedicam ao trabalho, mas que qualquer uma delas pode

praticar o condenável ato – em sua opinião – de engravidar por interesse.

Essa opinião é compartilhada pela narradora do conto “Bebês no sótão” de O Silêncio

dos Amantes, (2008) que reflete sobre a gravidez de sua irmã:

Repetia a mesma história mais uma vez. Pensei, vagamente irritada, que coisa, com toda a modernidade, a liberdade, o feminismo e o escambau, mulheres e meninotas engravidam sem querer. Seria sem querer? (p. 48)

Considerar que as mulheres se envolvem em práticas reprováveis alinha Lya Luft

àqueles que acreditam que as diferenças existem entre todos e que não estão divididas entre

dois grupos: o dos homens e o das mulheres.

Não me digam que o prazer emburrece totalmente, que todos os homens são responsáveis e todas as mulheres leais. Não me digam que os homens não conseguem usar camisinha, que as mulheres ignoram contraceptivos ou desconhecem seu período fértil.

A autora desvitimiza homens e mulheres, ou, ao contrário, responsabiliza ambos.

Porém, nessa crônica o foco é nas mulheres, pois os homens sofrem (principalmente no bolso)

as conseqüências, enquanto as mulheres ganham com o filho “um cofre (grande ou pequeno),

um seguro e uma arma.”

Essa crítica também revela que a maternidade ainda é tida como um fato biológico,

facilmente manipulável que em muito difere da maternagem que, segundo Marília Pinto de

Carvalho (2008), “busca enfatizar os aspectos sociais do cuidado com crianças em oposição à

dimensão biológica da maternidade” (p. 41).

Para Lya Luft a atitude de “prender o homem tendo um filho” é tão recorrente que ela

inclui todos/as os/as leitores/as como observadores/as de tais casos:

Todos conhecemos mais de uma mulher que, vendo ameaçada sua posição de “esposa” ou de amante bem tratada (ou jovenzinha que quer casar com um moço hesitante, pensando que todos os seus problemas serão resolvidos), se faz mãe, o que pode ser uma assustadora imagem para muitos varões nossos.

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Novamente ela usa de ironia para se referir aos “tipos” de mulheres que recorrem a tais

práticas: as amantes, as esposas ameaçadas e as jovens casadoiras. Ou seja, aquelas que estão

em situação instável. A primeira está ameaçada em seu “posto”; a segunda, embora bem

tratada, não é a oficial; a última aspira ao papel de esposa. Todas elas ameaçam os “varões

nossos”, também ironizados, com o uso da palavra varão que faz parte de um vocabulário

pouco usado e a inversão do pronome, que também resgata um certo arcaísmo, ou uma

formalidade descontextualizada.

Mais adiante, Lya Luft se coloca de modo ainda mais incisivo:

Se nem todas as mães solteiras ou mães de fim de casamento são espertas, nem todas são coitadas. Aliás, acho pouco coitadas as mulheres em sua maioria: submissas muitas são, nem sempre por fragilidade, no jogo que também existe em qualquer relação, nem sempre um jogo positivo.

A cronista comenta que a submissão feminina é muitas vezes forjada pelas mulheres,

seja para garantir a proteção do “mais forte”, seja para conseguir regalias nesse jogo. Aderir à

ideologia da dominação como forma de manter a comodidade do status quo.

No penúltimo parágrafo, são levantados os dois arquétipos que confundem o

imaginário do homem: o da mãe e o da mulher sedutora. Poderíamos dizer que essa confusão

não está somente no imaginário masculino, pois as mulheres, como foi exposto na crônica,

têm dificuldades de articular esses dois papéis.

É atribuída à “fenda fascinante”, ou seja, aquela que dá prazer e dá à luz, as

perturbações por que passam os homens. Ao dizer que essa fenda perturba “ingênuas e

brilhantes cabeças”, a cronista mostra que o ludíbrio causado pelas mulheres afeta o raciocínio,

tirando a responsabilidade da “incontinência sexual” culturalmente atribuída aos homens. Em

compensação ela não livra nenhum deles de cair nessa trama: “ingênuos”, “brilhantes”,

“ilustres” e “simplórios” são passíveis ao golpe.

Ao finalizar a crônica, Lya Luft invoca a natureza como responsável por todos os

enganos cometidos entre nós.

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Nunca achei que a natureza fosse sábia o tempo todo. Às vezes nos prega peças, às vezes é cruel, às vezes parece obtusa e às vezes há de estar dando risadinhas, balançando a cabeça como uma velhíssima avó diante das trapalhadas juvenis da estranha espécie – que somos nós.

No trecho acima ela usa a palavra “natureza” e “espécie” nos reunindo em um grupo

cujas ações estão, acima de tudo, determinadas por forças poderosas contra as quais não

podemos lutar. Esse traço também é observável no trecho referente ao período fértil: “E como

exatamente nesse período, por sabedoria da mãe natureza, a mulher é ainda mais desejável”.

Há aqui um eco dos discursos médico-científicos que associam o desejo físico pelo “sexo

oposto” a estímulos biológicos e não sociais.

Parece que, embora a autora reconheça que as relações sociais possam promover ao

poder um e o outro gênero e que entre mulheres e homens há diversas maneiras de agir no

mundo, ela acredite que haja um componente natural predominante que controla “de cima”

nossas ações.

Para as mulheres, foram selecionados itens como “sabedora”, “conhecedora” e “poder

feminino”; já para os homens ela utiliza expressões como “cegueira masculina”, “varões

nossos”, “incauto dom-juan”. Os semas relacionados às mulheres, isoladamente, são positivos,

entretanto, no contexto da crônica revelam uma carga negativa, visto que se referem a pessoas

de atitudes condenáveis.

As expressões referentes aos homens possuem maior carga irônica, pois os coloca

como tolos, facilmente enganáveis. Podemos dizer com isso que nesse “jogo da vida” não há

vencedores, porque se os homens perdem ao serem enganados, as mulheres não garantem

sucesso com a “jogada”.

Além disso, pode-se dizer que a autora articula uma noção que desconstrói um estatuto

de “feminilidade”, abordando um tema que apresenta a mulher como ser manipulador em

relação à maternidade. Entretanto, por se tratar de um assunto diretamente ligado ao corpo, ela

acaba por recorrer a alguns discursos mais ligados a verdades biológicas. O que nem sempre é

interessante para os estudos de gênero, pois naturalizam dados que são construtos sociais e não

naturais.

A crônica “Chamem a mãe” de Marina Colasanti, publicada em 10 de junho de 2007,

apresenta idéias sobre a família contemporânea não exploradas por Lya Luft em “Jogos da

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Vida”. A autora fala da relação entre a mãe e o filho adulto. Em O segundo sexo (1980),

Simone de Beauvoir, apresenta vicissitudes dessa mãe:

A mãe estima que adquiriu direitos sagrados pelo simples fato de conceber;

não espera que o filho se reconheça nela para encará-lo como sua criatura, seu bem; é menos exigente do que a amante porque é de uma má-fé mais tranqüila: tendo fabricado a carne, faz sua uma existência de cujos atos, obras e méritos se apropria. E exaltando seu fruto, é sua própria pessoa que ergue às nuvens. (p. 353)

O filho quando já vive e age autonomamente passa a ser visto pela mãe por meio de

seus atos e sucessos, dos quais ela se apropria, principalmente se sua existência tiver sido

desprovida de independência e liberdade.

É exatamente em torno dessa relação entre os atos do filho adulto e o reflexo destes

sobre a vida da mãe, que a crônica gira. O que leva Marina Colasanti a abordar tal assunto é a

prisão do traficante Marcelo PQD, que, assim como outros criminosos acuados, exigiu a

presença da mãe para garantir sua integridade.

O título da crônica já apresenta uma atitude típica do filho: chamar a mãe. Posso

adiantar que a figura do pai não é apresentada no texto, o que reforça a noção do senso comum

de que os filhos precisam mais da mãe que do pai.

O tema atual – levantado pelo caso PQD – proporciona uma revisão do “papel de mãe”,

ao mesmo tempo em que critica nossa cultura e nosso sistema carcerário que possibilita a

saída de presos em datas comemorativas como o Dia das Mães.

O amor filial é uma característica muito nossa, eu diria, se fosse autoridade

antropológica. Somos todos filhos dedicados, e o país reconhece o valor de nosso amor. A cada ano, no Dia das Mães, abrem-se legalmente os portões das prisões e uma revoada de filhos saudosos, carentes, necessitados de colo bate as asas rumo ao ninho. E se a maioria não volta, não há de ser por ter retomado aqueles mesmo negócios que os haviam levado para trás das grades, mas por não suportar afastar-se novamente do seio materno.

Cito o segundo parágrafo na íntegra, porque nele a cronista explora a associação de

clichês do campo semântico maternal e expressões do mundo do crime. Temos “filhos

dedicados”, “ninho”, “carentes”, “saudosos”, “colo”, “seio materno” em contraposição a

“portões das prisões”, “negócios”, “atrás das grades”. Está bem claro que Marina Colasanti

duvida que o real motivo da saída dos presos seja amor filial. Também é evidente a crítica à

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cadeia brasileira que dá indultos aos presos que, ano após ano, se tornam foragidos depois de

um feriado “em casa”.

Há um jogo com idéias que podem ser lidas como referentes aos gêneros. O ninho, o

colo, o seio, idéias de aconchego, são ligadas à vida em família e, principalmente, às mulheres.

Entretanto, o que se pensa sobre criminalidade, prisão, está mais ligado ao homem. Isso

porque ao homem é ensinada a violência como forma de proteção e adesão ao “mundo

masculino”.

Certas formas de “coragem”, as que são exigidas ou reconhecidas pelas

forças armadas, ou pelas polícias (e, especialmente, nas “corporações de elite”), e pelos bandos de delinqüentes, ou também, mais banalmente, certos coletivos de trabalho (...) encontram seu princípio, paradoxalmente, no medo de perder a estima e consideração do grupo (...) (BOURDIEU, 2007, p. 66)

Assim, em nossas categorias de gênero, a criminalidade e a violência, de modo geral,

são características atribuídas aos homens. Por exemplo, se pensarmos numa cadeia,

lembraremos uma prisão masculina. Isso se confirma na marcação de gênero ao falar em

“presídio feminino” como forma especial diferenciada de “presídio”, dado socialmente

compartilhado que não necessita a especificação.

Mesmo que muitas mulheres sejam presas diariamente por diversos crimes e até

mesmo por serem cúmplices de seus companheiros, ou assumirem um crime em seu lugar,

ainda se pensa no criminoso no masculino. Evidentemente, não quero reforçar a idéia de que

as mulheres são mais justas e passivas por “essência”, até porque refuto esse conceito. Mas

vemos que a dicotomia de gênero resiste no texto de Marina Colasanti, pois não se fala sobre

uma filha criminosa, nem há um pai participante dessa trama.

A presença do pai em nossa sociedade, principalmente nas grandes cidades em meios

de menor renda, não é algo garantido. Pelo contrário, as mulheres muitas vezes precisam lutar

na justiça para que seu filho seja reconhecido, ou, o que ocorre freqüentemente com a inserção

das mulheres no mercado de trabalho, abrem mão do reconhecimento de paternidade. A autora

se mostra conhecedora dessa realidade ao excluir a figura paterna de seu texto.

No parágrafo seguinte, a cronista, também por meio de associações de idéias opostas,

mostra como a mãe do criminoso está ausente de seu mundo:

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Nenhuma mão de mãe limpou e azeitou aquele arsenal com o capricho antigo com que mães lavam e passam as camisas dos filhos. Nenhuma mãe tricotou as toucas ninjas como se tricotam sapatinhos.

A mãe não se inclui no processo que levou seu filho à cadeia. Não foi consultada, nem

participa dessa vida; a cronista afirma que ela “pode beneficiar-se dela, receber as benesses,

ter conhecimento, mas seu cotidiano transcorre em outro canal.”.

A expressão “capricho antigo”, nos remete à tradição do dever “feminino” de cuidar

dos filhos, do marido e da casa como uma “profissão de fé”. Leio a expressão também como

uma remissão aos cuidados que a mãe teve com esse filho quando ele era uma criança e sua

vida ainda estava atrelada diretamente à dela.

“As mães se chamam quando a coisa não deu certo, quando o grito é ‘perdi’”. A partir

desse período, a cronista explicita sua visão a respeito da postura dos filhos em relação às

mães. É importante perceber que Marina Colasanti, nessa crônica, apresenta uma visão

generalizada das mães.

O tipo de mãe representado é aquela que sempre está presente, aquela que se preocupa

com o filho mesmo que este seja um criminoso procurado. Essa talvez seja a visão corrente: a

mãe quer apoiar e proteger o filho em qualquer situação. Mas não podemos esquecer que há

outras estruturas familiares e que esse papel pode ser exercido por outro parente.

A visão de maternidade biológica se torna mais visível quando a autora insere a

questão do corpo: “Mas para uma mãe, ver seu filho sendo levado seminu entre pessoas

vestidas, o corpo exposto como um troféu, aquele corpo que ela sentirá sempre fruto do seu, é

puro sofrimento.”.

O sentimento expressado pela mãe provém de uma noção de corpo, o que é

interessante, pois estabelece um conceito de que sentimos não apenas com a mente ou o

“coração”, mas também com o corpo, pois ele é parte imprescindível de nossa construção

como seres sociais.

No conto “No aconchego da grande mãe” (Contos de amor rasgados, 1986), Marina

Colasanti constrói a metáfora da mãe protetora: “Durante 40 anos gerou filhos que, ampla e

generosa, continuava a abrigar no ventre passado o tempo de gestação. Por que atirá-los no

mundo se, mãe, a todos podia conter e alimentar?” (p. 139).

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Esse trecho é o primeiro parágrafo do conto e pode ser visto como uma síntese desse

estereótipo da mãe. Ela resgata a imagem da matrona, ampla, grande, gorda e “generosa”, pois

abriga a todos os filhos. A proteção que quer dar aos filhos é física, assim como também é

físico o sentimento da mãe representada na crônica que sente a humilhação do filho em sua

própria carne. Pela relação altamente corporificada entre filhos e mães, a autora constrói sua

figura protetora como o próprio ninho.

No final desse conto, a mãe resolve finalmente expelir os filhos, mas “por amor e

segurança seus filhos se recusam a deixá-la”. Com isso se abate, entristece, e termina vagando

pela casa imensa e triste. O texto se mostra uma espécie de fábula cuja “moral” é de que a

maternidade também é um aprisionamento e que a dedicação exclusiva aos filhos pode se

converter em sofrimento.

As reflexões de Simone de Beauvoir a respeito da relação da mãe com o filho adulto

mostra ainda pertinente ao texto que estamos analisando: “Viver por procuração é sempre um

expediente precário. As coisas podem não ocorrer como se desejam. Ocorre muitas vezes que

o filho não passe de um vagabundo, de um moleque, de um falhado, de um ingrato”

(BEAUVOIR, 1980, p. 353).

Na parte final do texto, Marina Colasanti faz uma oposição entre o momento em que a

mãe não faz parte da vida do filho, e quando ele passa a necessitá-la:

Um bandido não pede autorização à mãe para entrar na bandidagem, não

pede benção antes de cheirar a primeira carreira de cocaína, não vem lhe contar triunfante quando mata o primeiro homem ou estupra a primeira mulher (...)

Ela passa a fazer parte dessa vida quando a polícia ou o bando rival irrompe de armas em punho na sua casa, quando alguém avisa que o filho está caído num beco, quando acrescenta à sua rotina as visitas à prisão.

Na primeira parte da citação, o “bandido” é o sujeito das ações das quais a mãe não

participa. Todos as ações são ligadas ao crime. No segundo trecho, é a mãe quem passa a

assumir as ações, contudo ela também é objeto, pois não decide conscientemente fazer parte

desse mundo; ela apenas segue o paradigma do “papel de mãe”.

“Só com a presença da minha mãe” não é o apelo de um filho desvalido, é o

jogo de um filho que conhece o valor de cada peão do seu tabuleiro. Mais tarde, esgotado o efeito-mãe, entrarão os advogados.

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A conclusão da crônica é de que, conhecedor das construções culturais compartilhadas

por nós (bandidos/as, policiais, advogados/as, espectadores/as), o bandido faz uso da mãe

como “peão do seu tabuleiro”. Assim como o advogado tem o poder de expor argumentos que

inocentem esse homem, a mãe tem o poder de protegê-lo contra qualquer atentado físico.

Quer dizer, sabemos que há diversas maneiras de exercer o papel de mãe, inclusive

abrindo mão de exercê-lo, contudo, em nossa cultura, ter mãe é um privilégio, pois é a ela que

se pode recorrer em qualquer circunstância. É também quando a mulher pode se sentir

detentora de algum poder, como expôs Lya Luft. Entretanto, o que vemos com a crônica é que

esse poder nem sempre é para proveito próprio.

As diversas formas de exercer um papel social dentro do núcleo familiar também

podem ser revisadas por meio da crônica de Martha Medeiros intitulada “Os novos pais”

(11/08/2008). A autora usa largamente o recurso da intertextualidade com apoio nas notícias

veiculadas, nos livros e filmes lançados à época da publicação da crônica. Outra característica

importante é o despojamento de seu texto, que o torna de fácil leitura e compreensão.

Nesse texto, a autora comenta a nova atitude – mais presente e participativa – dos pais

de hoje, se referindo ao caso do professor Randy Pausch, morto em 25 de julho de 2008 em

decorrência de um câncer no pâncreas.

Ao saber o diagnóstico e que teria de três a seis meses de vida, Randy realizou uma

palestra (cujo vídeo está disponível na Internet), uma espécie de aula de despedida que se

tornou um livro. O que Martha enfatiza no texto é o fato de ele ter aproveitado seus últimos

dias para ter experiências marcantes com os três filho, todos com menos de seis anos.

Parece tudo muito óbvio, e é. Qualquer um de nós, nessa situação, trataria

de deixar cartas, gravar vídeos caseiros, tirar fotos e promover aventuras que se tornassem inesquecíveis para nossos filhos. Por exemplo, em seus últimos meses de vida, Randy levou-os para mergulhar com golfinhos.

A história de Randy faz com que a cronista reflita sobre o que se deve fazer em casos

como esse, mas principalmente, ela busca aproximá-lo de nossa realidade cotidiana:

O que me faz pensar: e os pais que estão vendendo saúde, têm se dedicado

também? Pois salve! Hoje em dia, a relação pai e filho mudou demais, e para melhor. Os homens até parecem estar com os dias contados, tamanha é a consciência que possuem da sua importância para a formação saudável dos filhos. Há uma quantidade

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enorme de pais quarentões que não precisam de estímulo extra (ou mórbido) para manifestar amor. Chegam a ser quase exagerados.

Martha Medeiros usa uma estratégia diferente de Lya Luft e Marina Colasanti. Ela não

critica nem as mães como faz a primeira, nem os filhos, como faz a segunda. Nesse texto é

feito um elogio ao pai contemporâneo.

O que faz a autora afirmar que a relação “pai e filho mudou demais” é a aproximação

feita entre a configuração conservadora e patriarcal de família em que o pai tinha um papel de

provedor da casa e a função de vigiar e punir os filhos. Ficando, assim, a afetividade e o

companheirismo mais relacionados à mãe.

Mudou, também, a idéia de educação e formação de indivíduos. O que antes era de

cunho muito mais prescritivo e punitivo, hoje é trabalhado com bases no diálogo, na

negociação e, como mostra a autora, na experiência compartilhada.

Os personagens relacionados por Marina Colasanti (“o filho bandido”) e por Lya Luft

(“a mulher que engravida para acuar o homem”), não fazem parte dessa família em que todos

cooperam para um lar saudável. Essa diferença na perspectiva das autoras se dá não só porque

elas observam diferentes grupos sociais, mas também, porque há diversos modos de

configuração familiar. A família apresentada por Lya Luft se forma pela coerção; a de Marina

Colasanti está marginalizada. Martha Medeiros, por outro sua vez, apresenta um modelo

desejável e em processo de afirmação na cultura.

Além disso, essas análises nos mostram como não existe uma ruptura completa ou

repentina dos padrões, nas palavras de Marlise Mattos (2000): (...) a tradição não está sendo

simplesmente substituída por outros modelos, mas vivendo intensamente conflitos

provenientes da coexistência difícil entre tradição e modernidade” (p. 34).

Martha Medeiros talvez esteja se baseando na família de classe média que constitui a

massa das leitoras e leitores do jornal O Globo e em que a autora parece se inserir. Esse grupo

social é, de forma geral, escolarizado, estruturado numa realidade de múltiplos casamentos,

pais separados, guarda compartilhada, enfim, diversas reconfigurações que a

contemporaneidade proporcionou.

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Essa nova geração de crianças que têm pais extremamente carinhosos e participativos será poupada de muitas neuras. Sentir-se amado na infância não é uma questão meramente circunstancial: é o que vai nortear nossas escolhas e atitudes, é o que vai estimular nossa segurança ou dar vazão às nossas carências.

A citação acima reforça o que já disse: são formas de se relacionar muito recentes que

estão se consolidando e mostrando novas maneiras de ser pai. Essa figura parece se distanciar

daqueles estereótipos já expostos que ligam a mulher à afetividade e o homem à violência.

Sendo a família o primeiro contato com as estruturas que constroem as diferenças entre os

gêneros, é interessante que filhos/as aprendam com esses novos pais que sentimentos e

atitudes, bem como escolhas, direitos e deveres, não se restringem a um gênero ou ao outro.

Podemos ver que assim como Marina Colasanti não insere a imagem do pai, Martha

não aborda a questão da mãe. Já Lya Luft, ao contrário das duas, relaciona os gêneros por

meio da contraposição das figuras paterna e materna.

Ainda assim, Martha Medeiros divide papéis de pais e mães, ao marcar seu foco sobre

aqueles e omitir estas: “eles lidariam com a orfandade paterna sem tanto trauma”, “a relação

pai e filho”, “paternidade”.

A crônica “Os novos pais” não chega a falar de pais cuidadores dos filhos, aqueles que

exercem as funções tradicionalmente atribuídas à mãe. Talvez esse conceito seja ainda o

desdobramento do que Martha aborda, pois na sua crônica os pais ainda são “participativos”.

O verbo participar dá idéia de algo opcional, circunstancial, que se faz voluntariamente. O pai

ainda toma parte, enquanto a mãe estrutura o todo.

Esta passagem remete à crônica de 1998, “Mamãe Noel”, em que a autora reivindica

para a mãe os créditos pelo sucesso do Natal, atribuídos ao Papai Noel:

Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu

trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?

O lugar do pai, nas duas crônicas, é do divertimento, dos momentos inesquecíveis,

enquanto o da mãe é o da rotina cansativa da qual poucos se lembram.

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Ainda assim, há uma tentativa de reconstrução do papel de pai, resultado da

desconstrução das noções tradicionais de gênero. Em um conto/carta do livro Tudo que eu

queria te dizer (2008), um homem escreve à sua mulher insultando-a por ter abortado um filho

seu.

Não tivesse eu encontrado a tua amiguinha no mercado, tu ia continuar

dizendo que tinha perdido por azar, e o trouxa aqui ia continuar te cobrindo de carinho, achando que tu tava sofrendo mais que eu, afinal, é mulher, e mulher é mais chorosa. Mas tu é uma mulherzinha de araque, não vai ser mãe nunca, teu útero vai apodrecer aí nesse corpo, tu vai ficar vazia pra sempre, oca, seca, pra aprender a não fazer mais sacanagem. (p. 27-28)

Nesse texto há uma mão dupla em relação aos gêneros: de um lado ela constrói um

personagem masculino de postura mais inovadora em relação à paternidade: desejando-a,

reivindicando-a, não mais relegando a gravidez a um “problema” da mulher. Em contrapartida,

põe na voz desse personagem idéias que vão ao encontro dos estereótipos sobre a mulher:

“mulher é mais chorosa”, “mulherzinha de araque, não vai ser mãe nunca” (em oposição a

mulher que é ou será mãe).

O personagem, remetente da carta, apesar de magoado, afirma que a mulher estaria

sofrendo mais. Ou seja, a dor da mãe é incomparável à dor do pai, ela sempre sofrerá porque

ter filhos faz parte de seu “destino”. Contudo, o que se vê no texto é que a mulher optou pela

interrupção da gravidez, apesar do apoio e do desejo do marido, contrariando a déia de que

todas as mulheres têm “naturalmente” necessidade de serem mães.

Dessa forma os discursos são quebrados e as identidades reorganizadas. Assim, aos

poucos, as diferentes formas de ser pai e de ser homem, bem como de ser mãe e mulher, vão

surgindo na literatura, da mesma forma como surgem nos discursos socialmente correntes.

Entretanto, embora fique claro que a cronista está falando dos e para os pais, a marca

de gênero se suaviza no instante em que ela não se coloca como mãe, nem opõe criticamente o

papel de pai e ao de mãe (como faz Lya Luft). Isso se mostra ainda mais quando, no último

parágrafo, a autora usa a primeira pessoa do plural:

De qualquer maneira, a contragosto, todos iremos. Então fica essa lição que

é óbvia, sim, mas nem por isso desimportante: enquanto estivermos por aqui, é bom não perdermos nenhuma oportunidade de dar nosso recado. Ao vivo, de preferência.

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A participação em todos os âmbitos na vida dos filhos é tarefa para homens e mulheres.

Talvez a autora tenha enfatizado os homens movida pelo exemplo do professor norte-

americano e por saber que essa nova forma de ser pai ainda está em negociação, sendo vivida

pelas novas gerações.

O texto de Martha Medeiros foi escrito pela comemoração do dia dos pais. Um ano

antes, em dia 15 de agosto de 2007, Lya Luft também havia aproveitado a data para falar sobre

o mesmo assunto, intitulando sua crônica de “Sobre o papel do pai”.

A autora admite que sua escolha não é muito criativa, pois, seguindo a linha da crônica

como discussão do cotidiano, ela falará sobre uma data comemorativa exaustivamente

anunciada pelo comércio.

Diferentemente de “Os novos pais”, cujo foco está nos homens, o texto de Lya Luft

introduz diversas reflexões sobre as mulheres que atuam na construção da figura do pai.

Ao introduzir o tema, a autora afirma que há diferentes formas de abordá-lo:

Falarei do assunto mais óbvio, nesta véspera de Dia dos Pais: este não

precisa ser um tema sentimentalóide ou artificial. Pode ser provocador, mexer com nossos sentimentos, com nossa culpa e desculpas... e por isso escrevo.

Ao definir o tema como “provocador” a autora procura causar expectativa no leitor

sobre como o assunto será abordado. Saberemos, logo adiante, por meio do pequeno relato,

que essa forma diferente envolverá, principalmente, as atitudes da mulher/mãe em relação ao

marido/pai e aos filhos/as:

Estive recentemente num aeroporto esperando uma pessoa. Junto a mim, uma jovem mãe com sua filhinha de uns 4 ou 5 anos. De repente, desembarcou um grupo, vindo pela sala da esteira, e a menina correu para o vidro que a separava de onde devia estar seu pai. Ficou atenta, olho arregalado. Então a mãe disse alto e claro apontando para alguém: "Olha ali, o boca-aberta do seu pai!". Meu coração bateu em falso. Que representação da figura paterna aquela moça passava para a criança, talvez sem se dar conta, por ignorante, ou de propósito, por magoada? Doeu-me ainda mais quando vi um rapaz de cara iluminada vir ao encontro delas, pegando nos braços, cheio de ternura, a filhinha que esperneava de alegria.

A autora mostra preocupação com a figura do pai que a mãe desenha para os filhos.

Para ela a atitude não se justifica: “por ignorante”, “de propósito”, “por magoada”. Todas as

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formas de explicar a atitude são negativas. Por outro lado, os itens relacionados ao pai são

positivos: “cara iluminada”, “cheio de ternura”.

No parágrafo seguinte, a autora afirma que “É duro o papel do homem na família” e

sabe que será altamente criticada por isso. Sua afirmação vai de encontro ao que se discute

sobre as relações de gênero no núcleo familiar tradicional, em que a mulher sofre com as

exigências sociais de comportamento que a submetem à dominação masculina. Ao mesmo

tempo, ela retoma uma discussão mais atual que coloca o homem numa situação

desconfortável após os ganhos obtidos pelas mulheres. Nessa perspectiva, os homens ficariam

desfavorecidos, pois, se elas ascenderam a uma melhor condição de direitos, eles começaram a

perder espaço.

Tirando das crianças machos os pontos de referências sociais de sua

virilidade, amplificamos uma dificuldade natural que, em muitos, torna-se fonte de verdadeiro mal-estar. E temos de reconhecer que, quando um sofre, o outro sofre também. As dificuldades masculinas referentes à sua identidade e sua bissexualidade ressoam nas relações que certos homens entretêm com as mulheres. Se elas se queixam mais abertamente deles do que eles ousam fazê-lo a respeito delas, são entretanto os homens vítimas de uma evolução que não impulsionaram. Ao mesmo tempo em que, de bom grado, reconhecem a legitimidade das reivindicações igualitária das mulheres, muitos a sentem como uma ameaça insuportável para sua virilidade. (BADINTER, 1986, p. 249)

Lya Luft parece se solidarizar com o sentimento de perda de um suposto lugar de

direito do homem. Porém, ela vê as mulheres como maiores causadoras desse sentimento.

Como a mãe da cena que presenciou no aeroporto, supõe que muitas outras mulheres ajam

assim. São as “mães metidas a mártires”, as mesmas por ela mencionadas nas crônicas “Jogos

da vida” e “Minha esposa é uma santa”.

É duro o papel do homem na família. E não me critiquem – ou me critiquem

à vontade – as mães metidas a mártires, que por interesse ou covardia ficam ao lado de um homem a quem desprezam, que querem cooptar os filhos por frustradas e alijar emocionalmente o pai, mostrando-o como mero provedor. Afinal, a gente precisa dele. Sempre me impressionou a solidão dos homens, medida também da solidão de suas mulheres, que têm uma poderosa ponte afetiva para filhos, famílias, amigas ou vizinhas, algo que o marido raramente tem.

O parágrafo acima é vasto de significados em negociação entre os gêneros. A irônica

expressão “metidas a mártires” mostra que a cronista considera a vitimização feminina falsa. É

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interessante ver que situações anteriormente aceitáveis, hoje são reconhecidamente

reprováveis, tais como coabitar com o marido por motivos financeiros ou para poupar os filhos.

“Alijar emocionalmente o pai” e considerá-lo “mero provedor” também apontam para um

caminho oposto ao da família patriarcal, em que o pai era de fato e de direito o provedor e que

esse era o valor socialmente prestigiado.

No mesmo parágrafo, a autora aborda a solidão vivida dentro do casamento, sobre isso

nos fala Badinter (1986):

Com ou sem filho, a separação significa também a esperança de reatar laços

mais felizes com outra pessoa. Vale mais uma solidão momentânea (e relativa), do que a divisão de sua vida com um ser que não se reconhece mais como seu. A nova moral conjugal reprova severamente a união mantida pela “força do hábito”. Quando o coração não está mais presente, considera-se que permanecer juntos seria ceder à hipocrisia. A relação forçada é, ao mesmo tempo, uma covardia moral e um desconforto afetivo grave. (p. 277)

Podemos dizer que Lya Luft se alinha a essa “nova moral conjugal” e é dessa

“covardia moral” que fala ao condenar as “mães metidas a mártires”. O que não se pode

esquecer é que muitos outros aspectos da vida social atravessam as questões de gênero e

também as relações familiares. Pessoas provindas de classes sociais desfavorecidas, por

exemplo, muitas vezes necessitam viver com um companheiro a quem não amam mais.

Além disso, há uma tendência muito ligada aos padrões midiáticos de vida e beleza que

comercializam relações entre moças (muitas vezes jovens e bonitas) e homens que trarão

segurança econômica a elas. Comumente esses modelos são seguidos por jovens que ainda

vêem no casamento fonte de estabilidade financeira. Vimos as críticas feitas a esse tipo de

mulher na crônica “Jogos da vida”.

Ainda no quarto parágrafo, podemos destacar a seguinte afirmação: “[as mulheres] têm

uma poderosa ponte afetiva para filhos, família, amigas ou vizinhas, algo que o marido não

têm”. Retomando a idéia difundida por autores como Pierre Bourdieu (2007) de que

culturalmente as mulheres tiveram de se adaptar a vida privada enquanto os homens gozavam

da vida pública, a relação íntima com parentes e amigos é mais cultivada entre as mulheres:

“(...) Em certos casos particularmente solenes o marido acompanha-a em suas ‘visitas’, porém

mais freqüentemente, é enquanto o marido trabalha que ela cumpre seus ‘deveres mundanos’”

(BEAUVOIR, 1980, p. 306).

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Enquanto o marido cumpre seus deveres fora de casa, a esposa estreita as relações com

os filhos, com a própria mãe, com amigas etc. É claro que isso não faz do marido “mero

provedor” sem direito a partilhar da intimidade da família, mas nos grupos em que a maior

parte das mulheres não trabalha fora, são elas a curta ponte entre o marido e a sociabilidade

doméstica, enquanto o homem é a ponte longa entre a casa e o mundo do trabalho, econômico,

político etc.

Nos parágrafos seguintes, a autora relata a própria experiência com o pai enfatizando

suas características. No trecho abaixo podemos observar as adjetivações positivas atribuídas

ao homem e as negativas à mulher.

O personagem positivo, amoroso, do pai que cuidava sem podar, atendia

sem cobrar, acompanhava sem aprisionar, e me fazia sentir uma princesa mesmo que estivesse atrapalhada, é fundamental para minha relação com o mundo, sobretudo com o masculino. Não conheci o homem arrogante e bruto, egoísta, tirano, infantilóide ou metido a garotão, de que tantas mulheres se queixam, como pai ou companheiro, e por isso lhe agradeço ainda hoje. Conheci o masculino confiável – não perfeito, porque apenas humano, mas presente e bom. Por isso, possivelmente, não cresci desconfiada dos homens, nem agressiva, nem irônica. Não por virtude minha, mas pela beleza e bondade daquela presença primeira. 1

No primeiro período do parágrafo, Lya Luft exalta o bom relacionamento com seu pai.

Contudo, no segundo período ao construir uma figura masculina negativa “homem arrogante,

bruto, egoísta, tirano, infantilóide ou metido a garotão” atribui esse discurso às mulheres

queixosas. Elas são construídas como indivíduos pouco confiáveis, pois, não se pode saber se

a acusação é verdadeira, ou fruto de uma atitude “desconfiada”, “agressiva” e “irônica” em

relação aos homens.

Embora a autora revele sua ótima relação com o pai, podemos notar que em sua ficção,

a relação pai-filha está sempre em cena, algumas vezes de forma conflituosa, como entre Alice

e o Professor: “Na verdade, por mais que fizéssemos, não conseguíamos agradar àquele

homem, estava sempre aborrecido conosco” (Reunião de Família, p. 20).

Apesar de sua experiência positiva, a autora representa diversas formas de se relacionar

com a figura paterna em seus contos e romances. A idéia de que as pessoas, de forma geral,

são diferentes e as relações nem sempre são boas é exposta no último parágrafo da crônica:

1 Grifos meus

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Com defeitos e dificuldades, como todo mundo, sendo apenas um pobre ser

humano como todos nós, o pai tem de ser glorificado, procurado, amado, aplaudido, pelo menos no dia a ele dedicado. E, se puder ser, de um jeito ou de outro, todos os dias, é o que a gente – mulheres, homens, filhos e filhas – merece e devia tentar.

Como é comum em seus textos, Lya Luft fecha a crônica evidenciando que sua posição

é de não analisar comportamentos e sentimentos de homens e mulheres apenas pelo aspecto do

gênero, mas sim pela perspectiva do ser humano.

As crônicas analisadas foram escolhidas pela percepção de que apresentam focos

diferentes umas das outras, tornando explícitos os olhares das autoras sobre os laços familiares.

Precárias ou estáveis, tais interações estão sempre atravessadas pelas questões de gênero.

Mesmo com perspectivas diferentes, foi possível ver que as autoras exploraram, por meio das

relações pai-mãe, mãe-filho, e pai-filho/a, os discursos a respeito dos gêneros.

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3- Relações amorosas na “Modernidade Líquida”

Após discutirmos a questão de gênero na família contemporânea, proponho um olhar

sobre o casal. É claro que muitas vezes ele fará parte do núcleo familiar. Contudo, estamos

falando de tempos em que não há mais ligação direta entre relacionamento amoroso e

casamento. Pelo contrário, o que veremos aqui são configurações híbridas do vínculo amoroso,

além de discussões sobre (in) fidelidade e divórcio, que fazem parte da temática.

Nas palavras de Marlise Matos (2000):

(...) quando “escolhemos” nossos (as) parceiros (as) e estabelecemos um

vínculo amoroso, definimos, concomitantemente, uma posição de gênero e outra posição moral, que trazem tanto a marca cultural/social quanto a indentificatória/subjetiva. Pela escolha amorosa, pela manutenção e fortalecimento do vínculo amoroso definimos o que julgamos particularmente valioso do ponto de vista da nossa cultura e da ética de gênero (...) (p. 18)

Por entender que as escolhas de parceria amorosa/sexual fazem parte das construções

de identidade de gênero, acredito ser importante observar quais aspectos da vida amorosa são

considerados relevantes para as cronistas. Antes mesmo de lermos os textos, já é possível dizer

que as questões mais polêmicas se fazem presentes, pois estas estão em pleno processo de

renegociação e, por isso, rendem uma boa crônica.

Isso porque as noções de gênero não são categorias estanques, mas sim construções

passíveis de modificações relacionadas ao contexto histórico e social.

Trata-se de historicizar os próprios conceitos com que se tem de trabalhar

não somente as categorias das relações de gênero, como também os conceitos de reprodução, família, público, particular, cidadania, sociabilidades, a fim de transcender definições estáticas e valores culturais herdados como inerentes numa natureza feminina. (DIAS, 1992, p. 41)

O capítulo sobre a relação amorosa perpassa noções voltadas para um pensamento

conservador e outras criadas mais recentemente. Assim, é possível relacionar os gêneros com

essas transformações que também colaboram para a reformulação de discursos sobre mulheres

e homens.

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A entrada das mulheres na literatura jornalística está diretamente ligada a essa

mudança de costumes e às transformações sociais por que passam os gêneros. O jornal foi o

primeiro veículo que deu visibilidade às reivindicações sociais feministas. Deu voz às próprias

mulheres para que atuassem na literatura e na crítica. Heloísa Buarque de Hollanda (1992)

apresenta um exemplo de periódico que contribuiu para a inserção das mulheres tanto na

literatura como no jornalismo:

O jornal em formato de tablóide [Jornal das Senhoras, 1852], mantinha

seções fixas como a “Crônica dos Teatros”, uma espécie de crônica social, “Poesias”, e o “Correio dos Salões”, com discussão dos assuntos em pauta nos salões literários; e abrigava a publicação de cartas, contos e crônicas das leitoras. Nestas seções, na maioria das vezes publicada “debaixo do anônimo”, começa a se configurar uma crítica literária insipiente e “amadora”, muitas vezes aparentemente ingênua mas que, ainda que de forma indireta, era sintonizada com o contexto das lutas das mulheres registradas pelos editoriais. (p. 68)

Se antes as leitoras e escritoras se protegiam no anonimato, hoje elas podem expor suas

idéias, nomes e rostos em favor de discussões pertinentes à sociedade, como o amor, em suas

diferentes formas de ser vivido.

As crônicas selecionadas para este capítulo tratam de casais heterossexuais, o que

marca fortemente uma oposição entre os gêneros. Porém, acredito que uma abordagem a

respeito de relacionamentos homoeróticos também seria interessante para nosso estudo. Tal

abordagem não foi possível pela falta de textos que levantassem a questão.

No texto “Absolvendo o amor” (13/01/2008), Martha Medeiros apresenta duas formas

de viver a relação amorosa, por meio do que chama de “Duas historinhas que envolvem o

amor”:

Uma mulher namora um príncipe encantado por dois meses e então

descobre que ele não é príncipe porcaria nenhuma, e sim um bobalhão que não soube equalizar as diferenças e sumiu no mundo sem se despedir. Mais um, segundo ela. São todos assim, os homens. Ela resmunga que não dá mesmo para acreditar no amor

Na primeira “historinha”, Martha Medeiros usa algumas expressões do campo

semântico das relações amorosas que têm alto grau de identificação com o gênero. “Príncipe

encantado” é um termo retirado dos contos de fadas e que remete ao amor idealizado, muito

associado à fantasia das mulheres. “São todos assim”, expressão usada para generalizar a

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conduta dos homens em relação ao amor, é também muito comum e preconceituosa, pois faz

uma dicotomia entre homens e mulheres, sendo os primeiros insensíveis em relação ao amor e

as últimas eternas carentes.

A autora quer mostrar com esse texto que o amor não é o responsável pelo bom ou mau

desenvolvimento das relações. Para isso ela personifica o sentimento:

Se o relacionamento não dá certo, ou dá certo por um determinado tempo e

depois acaba, o amor merece um aperto de mãos, um muito obrigada e até a próxima. Fique com o cartão dele, com os contatos todos, você vai chamá-lo de novo. Vai precisar de seus serviços, esteja certa. Dispense namorados, mas não dispense o amor, porque este estará sempre a postos.

Ela coloca o sentimento amoroso como um prestador de serviços: “um aperto de mãos”,

“fique com o cartão dele”, “os contatos”, “chamá-lo’,“seus serviços” são expressões que

representam a “atividade” do amor. Em seguida, afirma que o amor de que está falando não é

o sentimento de modo geral, sentido em relação a amigos e familiares:

Não me venha falar de amigos e filhos e cachorros e essas compensações

amorosas sofisticadas, mas diferentes. Estamos falando de homens e mulheres que não se conhecem até que um dia, uau. Acontece.

Com essa afirmação ela confirma o construto de que toda mulher busca um amor ideal

e instantâneo. Vê-se com o uso da interjeição “uau”, do advérbio “um dia” e do verbo

“acontece” que a noção de amor da autora está relacionada a algo surpreendente. Além disso,

o texto como um todo aponta para o modelo dominante do que é ser mulher: amorosa, mãe,

heterossexual:

O dispositivo amoroso, assim, cria mulheres e, além disto, dobra seus

corpos às injunções da beleza e da sedução, guia seus pensamentos, seus comportamentos na busca de um amor ideal, feito de trocas e emoções, de partilha e cumplicidade. A sexualidade às vezes é até acessória. As tecnologias sociais de gênero invertem os corpos-sexuados-em-mulher em práticas discursivas que propõe como axioma a “natureza” feminina, um pré-conceito ancorado no senso comum, propagado e instituído por um conjunto de discursos sociais. (NAVARO-SWAIN, 2008, p. 298)

A segunda “historia” apresentada na crônica continua a propor um modelo idealizado

de relação amorosa:

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Segunda história. Uma mulher ama profundamente, é amada profundamente

os dois dormem embolados e se gostam de uma forma indecente, de tão certo que dá a relação, e de tão gostosas que são inclusive as brigas. Tudo funciona como um relógio que ora atrasa, ora adianta, mas não pára, um tiquetaque excitante que ela não divulga para as amigas, não espalha adivinhe por quê: culpa.

A oposição em relação à primeira história está no motivo da infelicidade: a sensação de

perfeição que o relacionamento sugere. Na primeira narrativa, a mulher culpa o amor ou o

homem pelo fracasso da relação; na segunda, ela sente culpa por viver algo tão incomum.

Morre de culpa desse amor que funciona, desse amor que é desacreditado

em matérias de jornal e em pesquisa, desse amor que deram como morto e enterrado, mas que na casa dela vive cheio de gás e ameaça ser eterno. Culpa, a pobre moça sente, e mais: sente medo.

Nos dois trechos acima, a autora levanta uma série de sentidos ligados ao gênero e às

noções contemporâneas de amor. Ao dizer que a mulher com ótimo relacionamento “não

divulga para as amigas, não espalha”, ela se volta para a idéia de que não há cimplicidade

entre as mulheres. Quer dizer, se há julgamento e inveja entre as amigas, é mais constrangedor

confessar uma relação boa (mais rara), do que se queixar de um relacionamento desastroso

(mais comum, que dá origem a expressões como “são todos iguais”).

A presença de assuntos ligados aos relacionamentos na mídia, “esse amor

desacreditado em matérias de jornal e pesquisa”, mostra como esses temas estão presentes não

só na crônica, como em reportagens de comportamento e até mesmo cientificas. A mídia

também faz parte da chamada “tecnologia de gênero” (LAURETIS, 1994) que constrói os

gêneros e se autoconstrói por meio deles.

O ponto mais importante da abordagem de Martha são os sentimentos de culpa e medo

sentidos pela mulher cujo relacionamento é atipicamente bom. As novas negociações de

parceria vêm excluindo a união duradoura e comprometida. Assim, não corresponder aos

padrões de instabilidade emocional e dificuldade de parceria fixa, causa culpa em relação às

outras mulheres e medo de um dia terminar por se adequar aos padrões, perdendo esse “amor

que funciona”

“Uma mulher infeliz por amor de menos, outra infeliz por amor demais, e o amor

injustamente crucificado por ambas”. A cronista termina, novamente, na defesa do amor.

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Nessa crônica, fica nítido como a experiência amorosa é muito mais relacionada às mulheres,

como se fosse algo típico do comportamento feminino.

A crônica do dia 10 de junho de 2007, é marcante no que diz respeito às novas formas

de relacionamento. Já no título, nos deparamos com duas denominações para os parceiros

contemporâneos: “Dos ficantes aos namoridos”.

“Se você é deste século, já sabe que há duas tribos que definem o que é um

relacionamento moderno. Uma é a tribo dos ficantes”. A autora começa o texto convocando

um certo tipo de interlocutor, o “deste século”. A expressão insere a discussão na

contemporaneidade. Outras expressões que corroboram com isso são “relacionamento

moderno” e “tribos”, palavra usada para delimitar um grupo social de determinado

comportamento.

Nessa crônica, ela descreve duas tribos, contudo, não se trata apenas de uma descrição,

mas uma crítica negativa a essas formas de relacionamento:

O ficante é o cara que te namora por duas horas numa festa, se não tiver

inscrito no campeonato “Quem pega mais numa única noite”, quando então ele será seu ficante por bem menos tempo – dois minutos – e irá à procura de outra para bater o próprio recorde. É natural que garotos e garotas queiram conhecer pessoas, ter uma história, um romance, uma ficada, duas ficadas, três ficadas, quatro ficadas... Esquece, não acho natural coisa nenhuma. Considero um desperdício de energia. Pegar sete caras. Pegar nove “mina”. A gente está falando de quê, de catadores de lixo?

No segundo parágrafo, Martha Medeiros apresenta a tribo dos ficantes já estabelecendo

duas categorias: “o cara que te namora por duas horas numa festa” e o “ficante por bem menos

tempo”. Todo parágrafo é construído de forma negativa. Na primeira parte, em que ela

descreve o ficante, apesar de sutil, acredito que o fato de contextualizar a “ficada” em uma

“festa” já mostra certa conotação negativa, ou, no mínimo, diminui a credibilidade da relação.

Além disso, o uso de palavras do campo semântico da competição – “campeonato”, “recorde”

– mostram como o que se configura é um jogo com objetivos que nada têm a ver com amor,

afeto etc.

Nota-se, também, que apesar de falar em “garotos e garotas”, “caras” e “mina” a partir

do segundo período, o uso do masculino predomina. O ficante é “o cara que te namora”, “ele

será seu ficante”. Ou seja, há uma relação de atividade-passividade entre os gêneros; o sujeito

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é masculino, pois é ele quem toma iniciativa mesmo em se tratando de formas tão inovadoras

de se relacionar.

É perceptível que a autora não está falando somente dos homens, mas na linguagem os

conceitos culturais sobre as performances de homens e mulheres acabam surgindo: “É a

ordem dos gêneros que fundamenta a eficácia performativa das palavras” (BOURDIEU, 2002,

p. 123). Apesar das mudanças nos relacionamentos, as categorias de gênero ainda são a base

das interações sociais, isto se torna visível na linguagem.

Além disso, os homens reivindicam mais sua “masculinidade” do que as mulheres sua

“feminilidade”. Gênero e sexualidade se misturam aqui; os homens se envolvem nesses jogos

para garantir tanto a identidade masculina quanto a identidade heterossexual:

(...) são entretanto os homens as vítimas de uma evolução que não

impulsionaram. Ao mesmo tempo em que, de bom grado, reconhecem a legitimidade das reivindicações igualitárias das mulheres, muitos a sentem como uma ameaça insuportável para sua virilidade. (BADINTER, 1986, p. 249)

A seguir, a autora faz duas críticas: uma ao que ela chama de “desperdício de energia”

das pessoas que se envolvem em práticas como essa; outra ao uso do verbo “pegar”. “Pegar, cá

pra nós, é um verbo meio cafajeste”, o verbo carrega uma noção referente a objetos e não a

pessoas, por isso considera-o cafajeste, por reificar seres humanos.

Contudo, ele está diretamente ligado ao mundo de hoje, em que a tentativa de não se

vincular se expressa por meio do discurso. Se o verbo “namorar” deve ser evitado, “ficar”

ainda não corresponde às expectativas de quem não deseja se ligar a alguém. “Pegar” pode ter

sido a solução (provisória) para significar os jogos amorosos/sexuais contemporâneos.

Uma das analogias que faz o sociólogo Zygmunt Bauman ao analisar as relações

amorosas é entre consumo e amor/sexo: “O que caracteriza o consumo não é acumular bens,

mas usá-los e descartá-los em seguida a fim de abrir espaços para outros bens” (2004, p. 67).

As pessoas, nesse caso, são comparadas a mercadorias. Há uma grande oferta e muitas opções

disponíveis que dificultam a escolha de uma única pessoa para passar um período da vida ou

para ficar até o final da festa, usando o contexto que a autora concebe como típico para “ficar”.

Ainda falando sobre a “tribo dos ficantes”, a cronista afirma que “Vão todos para a

balada fingindo que deixaram o coração em casa, mas deixaram nada. Deixaram a

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personalidade, isso sim”. Essa noção de “personalidade” como algo individual é um conceito

não tão claro hoje quanto parecia tempos atrás.

Buscamos, construímos e mantemos as referências comunais de nossas

identidades em movimento – lutando para nos juntarmos aos grupos igualmente móveis e velozes que procuramos, construímos e tentamos manter vivos por um momento, mas não por muito tempo. (BAUMAN, 2005, p. 32)

Quer dizer, se personalidade significa identidade, estamos cada vez mais distantes

disso, pois a tentativa de agrupamento em “tribos” faz com que moldemos nossas identidades

(líquidas) de acordo com esse grupo. Assim torna-se ainda mais difícil fazer uma crítica do

ponto de vista dos gêneros, já que as negociações não partem apenas das diferenças entre

homens e mulheres, mas também da disponibilidade para participar dos jogos em que todos

estão cientes das regras.

O romance de Martha Medeiros, Divã (2002), apresenta formas inovadoras de

relacionamento amoroso. A protagonista Mercedes se envolve com um homem mais jovem, o

que culmina com o fim de seu casamento. Porém, esse relacionamento não ocorre sem

conflitos. Embora no princípio Mercedes tente não se preocupar (“Não estou com a menor

vontade de antecipar os fatos. Não me cobre juízo nessa hora.”, p. 56), ao refletir um pouco

mais, ela se dá conta de que homens e mulheres se envolvem amorosamente de maneiras

diferentes e, muitas vezes, com objetivos diferentes: Um homem diz que você é linda, espetacular, a pessoa mais interessante que

ele já conheceu e você, se tiver miolo mole e vários anos de casada, acredita. E se ele morou em Amsterdã, é especialista em medicina ortomolecular e pratica esportes que exijam o uso de capacete, você vai pra cama com ele. (p. 72)

Há a consciência de que toda a sedução trocada teve como objetivo apenas torná-la um

número em sua contabilidade de amantes. Esse sentimento também é típico de nossa época em

que há possibilidade de reflexão e questionamento. O próprio fato de assuntos como esse

serem discutidos nas crônicas, na mídia televisiva, em seções de análise e no romance, mostra

que questionar os vínculos ou a falta deles faz parte dessa realidade em que nada mais é

estável, as verdades são facilmente substituídas.

Ainda no romance de Martha Medeiros, temos na protagonista esse traço de reflexão e

até mesmo da desconstrução de estereótipos a respeito dos gêneros:

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Lopes, cheguei aqui dizendo que eu era masculina no pensar e feminina no

sentir, que dentro de mim havia uma tribo nômade, que eu me sentia multipovoada e que isso me confundia. Lopes, ainda assento essa turma em mim e isso não me confunde mais. Continuo preferindo o verde (...). São preferência que mantenho, não referências. Não preciso morrer com minhas escolhas, meu caixão há de ser do tamanho do meu corpo, não haverá lugar para minha teimosia ou devaneios. (p. 153)

A personagem afirma que ao princípio sua multiplicidade a confundia, pois, no senso

comum, acredita-se que haja uma forma correta de pensar e sentir como mulher, o que não era

vivido por ela. Mercedes percebe que é impossível definir uma “identidade” fixa que se

adeqüe conforme o gênero.

Voltando à crônica, Martha apresenta a segunda tribo de que fala na introdução do

texto: No entanto, quem pode contra o avanço (???) dos costumes e contra a

vulgarização do vocabulário? Falando nisso, a segunda tribo a que me referia é a dos namoridos, a palavra mais medonha que já inventaram. Trata-se de um homem híbrido, transgênico. Em tese, ele vale mais do que um namorado e menos que um marido.

A primeira frase é um questionamento, nela Martha Medeiros usa a palavra “avanço”

para definir a modificação dos costumes. Fica explícito pelas interrogações entre parênteses

que ela não concorda que isso seja propriamente um avanço, contudo, talvez falte uma palavra

negativa para definir a questão.

Nesse parágrafo, é apresentada a segunda tribo: os “namoridos”. Para explicá-los, a

autora recorre novamente a uma expressão do jogo “ele vale mais do que um namorado e

menos que um marido”. Na competição amorosa, quem tem um “namorido” conta mais pontos.

Além disso, ao descrever esse personagem social, ela usa um termo atual vindo das ciências

do ramo alimentício: “transgênico”.

O produto transgênico é aquele manipulado para assumir propriedades que beneficiam

sua produção (fortalecimento contra pragas, aumento do tempo de conservação etc), enquanto

as características negativas são eliminadas. O problema é que não se sabe quais as

conseqüências de sua ingestão para nosso organismo futuramente.

Da mesma forma parece haver no “namorido” o lado positivo da companhia constante

sem o peso do compromisso a longo prazo. Porém, como diz a autora, “o índice de príncipes e

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princesas virando sapo é alta, não se evita o tédio conjugal”, ou seja, o que parece bom

inicialmente não se mostra tão positivo numa etapa futura.

É interessante notar que assim como o “ficante” é sempre um “cara”, não há versão

feminina para “namorido”. A companhia amorosa parece sempre necessidade da mulher. Isso

demonstra idéias estereotipadas tanto sobre uma “essência” mais afetiva da mulher, como

retoma a questão da passividade. Ou, nas palavras de Elisabeth Badinter (2005): “Talvez

esteja escrito na natureza que o homem “conquista” e a mulher “cede” a uma doce violência.

Obviamente, essas são colocações inaceitáveis, do ponto de vista feminista, porque abrem as

portas para todos os abusos” (p. 121).

Ainda assim, permanece a questão de que com as novas formas de se viver amor e

sexualidade, talvez não seja mais necessário aderir a esses jogos, pois, uma vez conquistada a

independência, as mulheres têm a possibilidade de não constituir parceria fixa. Gilles

Lipovetsky (2000), em busca de resposta para tal questionamento, faz uma reflexão que se

relaciona diretamente com o individualismo e narcisismo da sociedade contemporânea:

Quanto mais as mulheres são independentes, menos aceitam um casamento

desmoronado, em desacordo com suas expectativas de ternura, de compreensão, de proximidade. Longe de encerrar as mulheres em si mesmas, a dinâmica individualista gera mais exigência em relação ao outro, menos resignação para suportar a vida de casal insatisfatória, já que não realiza as promessas do amor e da comunicação personalizada. (p. 35)

A crônica culmina com uma exaltação ao namoro como “uma etapa quentíssima” que é

desperdiçada quando se transforma o namorado em “namorido”. Martha Medeiros compara o

namoro ao disco “Sgt. Pepers” do Beatles: “parece antigo, no entanto, não há nada mais novo

e revolucionário”. Com essa conclusão, a autora parece considerar o namoro uma ruptura com

o que se vive contemporaneamente.

No texto “Batalha entre duas generosidades” (26/10/1008), Martha Medeiros apresenta

uma visão mais livre das dicotomias de gênero. No entanto, começa o texto com uma idéia

socialmente ligada às mulheres:

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Quando vejo reportagens femininas que buscam desvendar o que as mulheres levam na bolsa, sempre me surpreende a falta de um objeto de uso fundamental. Estão lá o batom, o celular, o iPod, mas e um livro? Nem pensar? O mercado editorial já assimilou o potencial dos pocket books, e, até onde sei, eles vendem bem. (...) Eu sempre carrego um dentro da bolsa, porque nunca se sabe quando terei que encarar uma fila ou uma sala de espera.

A cronista inicia o texto comentando uma pauta recorrente na mídia televisiva: “O que

as mulheres levam na bolsa?”. Ela caracteriza tais matérias como “reportagens femininas”. E

realmente só se aplicam a mulheres, pois não é comum em nossa cultura que homens usem

bolsas. Porém, entre os itens citados, apenas o “batom” é diretamente ligado ao “universo

feminino”.

Na verdade, a autora quer enfatizar a falta do livro. É interessante o itinerário que

Martha Medeiros percorre para chegar ao assunto central da crônica. Ela comenta a falta de

livros para afirmar que em sua bolsa sempre há um. Em seguida aponta qual foi o último título

que habitou sua bolsa:

O último livro que andou partilhando a intimidade da minha bolsa foi “A

felicidade conjugal”, de Tolstoi. Com essa obra, o russo, além de exterminar de vez a discussão sobre as diferenças entre literatura feminina e masculina (a gente jura que é uma mulher escrevendo), consegue revelar de forma brilhante (e, ao mesmo tempo, perturbadora) o segredo que mantém tantos casais unidos: homens se sacrificam, mulheres se sacrificam, e fica mais tempo junto o casal que tiver o maior potencial de generosidade.

Agora, então, sabemos que a autora abordou a questão do livro que levamos em nossas

bolsas para expor o tema da crônica, inspirado pela obra de Tolstoi. Aqui ela expõe que o tema

amoroso é central em sua discussão, mais precisamente “o segredo que mantém tantos casais

unidos”. Segundo Tolstoi, a união duradoura tem a ver com o “sacrifício” e a “generosidade”.

Já percebemos que para o autor não há diferença de atitudes para homens e mulheres, já que

ambos se “sacrificam”. Retirando da mulher o peso de manter o casamento e atribuindo igual

papel a ambos, o que é muito bom.

Porém, a autora não concorda com os termos usados por Tolstoi:

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Parece, mas não é uma notícia alentadora. É literariamente bonito, daria uma boa novela das seis, mas, de minha parte, meu sonho não é um homem que sacrifique seus desejos em detrimento dos meus e vice-versa. O que Tolstoi define elegantemente como “uma batalha entre duas generosidades”, nós, os mundanos, chamamos de “concessões”.

A autora se posiciona (“de minha parte”, “meu sonho”) contra os sacrifícios feitos

pelos/as parceiros/as. Para ela há uma diferença entre o literário e a realidade; o primeiro

representado por “literariamente bonito” e “novela das seis”; e o segundo por “mundanos” e

essa diferença transforma o que Tolstoi chamou e “generosidade” em “concessões”.

A felicidade conjugal só sobrevive quando os dois dão sua cota de sacrifício

da forma menos dolorida possível. Ninguém morre se tiver que dançar um pouquinho ou se tiver que passar um fim de semana no sítio, isso é cláusula previamente acertada nem comporta a rigidez da palavra sacrifício.

Diferente das outras crônicas da autora, temos nessa, uma abordagem da vida amorosa

mais tradicional, pois trata do laço duradouro que pressupõe a convivência. Além disso, como

já disse, o interessante dessa crônica é a não atribuição de diferentes papéis a homens e

mulheres. Ao usar o indefinido “ninguém”, ela mostra que indifere a pessoa que deve ceder,

reforçando a idéia de que “os dois dão sua cota de sacrifício”.

Generosidade, mesmo, é você permitir e incentivar que o amor da sua vida

seja exatamente como ele é, e ele retribuir na mesma moeda, sem querer mudar você nem um naquinho assim.

Mas esse romance ainda está para ser escrito.

No fim da crônica, com a expressão “o amor da sua vida” a autora segue a linha de

indefinição de gênero e em “retribuir na mesma moeda” ela reforça a idéia de reciprocidade

fundamental para a manutenção do relacionamento. O último parágrafo traz uma informação,

de certa forma, nova no texto, mas de grande importância.

Sua afirmação vai a favor da idéia de construção de um relacionamento duradouro. Ela

mostra que a concessão necessária para o sucesso da relação ainda não é uma atitude

comumente adotada. Ela compara a vida amorosa à escrita de um romance, ou seja, um

processo de construção de significado.

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Enquanto Martha Medeiros “joga” com discursos contemporâneos, que ainda estão em

negociação, Lya Luft lida com uma situação ligada à tradição, que atualmente tem sido cada

vez mais encarada como inaceitável: a infidelidade conjugal.

A crônica “Minha mulher é uma santa” (02/04/2008), aborda o escândalo sexual em

que se envolveu Eliot Spitzer, prefeito de Nova Iorque, o qual foi apontado como assíduo

cliente de uma rede de prostituição.

Lya Luft usou esse caso para discutir a questão da infidelidade e das atitudes da esposa

traída. Utilizando como ponto de partida uma notícia amplamente divulgada, ela reflete sobre

os papéis sociais e questões de gênero no casamento.

Dois pontos chamam atenção no caso Spitzer, e parecem ter suscitado a reflexão da

autora: primeiro o fato de Spitzer ser conhecido por zelar pela moral, recebendo, inclusive, o

apelido de “Mr. Clean” (Senhor Limpo). O segundo, foi o pronunciamento público do

governador, ao lado de sua esposa, desculpando-se pelo deslize. (Folha Online, 26/02/2008).

No texto analisado, o primeiro traço da opinião da autora é introduzido nas linhas

iniciais: “Aqui, figurões se esbaldam contratando bailarinas com cartões pagos por nós, os

trouxas”. Os “trouxas” são os cidadãos que pagam impostos revertidos em fundos para a

manutenção dos parlamentares, os “figurões”. Assim são contextualizados os jogos da política

no Brasil, mostrando que sua reflexão, embora inspirada em um caso específico, diz respeito a

todos nós.

O que chama atenção é a exposição pública da mulher. Parece ter provocado a reflexão

da autora o fato de a esposa de Spitzer tê-lo perdoado, pois a cronista não concorda com a

idéia de que faz parte do papel de esposa o “dom de perdoar”.

Sabemos que no casamento, os papéis de homens e mulheres são bem definidos pela

tradição. No assunto fidelidade conjugal, podemos perceber que ainda há diferença na atitude

que marido e esposa devem assumir. Sobre isso nos fala Mary Del Priore (2006):

A fidelidade conjugal era sempre tarefa feminina; a falta de fidelidade masculina vista como um mal inevitável que se havia de suportar. É sobre a honra e a fidelidade da esposa que repousava a perenidade do casal. (p. 187)

Isto é, da esposa espera-se fidelidade e perdão, o que a torna a “santa” da qual Lya Luft

fala. Entretanto, hoje, a infidelidade masculina já não parece tão inocente, e vendo casos como

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o de Spitzer, podemos dizer que para alguns grupos configura verdadeira imoralidade. O que é

marcado na colocação: “flagrados em algo imoral (para eles)”, evidenciando que a noção de

moral é fluida e diferente em épocas e culturas. Entre os/as norte-americanos/as, os escândalos

sexuais podem abalar decisivamente a carreira de um político.

Lya Luft acredita que nesse momento de exposição, as esposas sintam “dor” e

“vergonha”, sentimentos ligados à tristeza e humilhação. Esses sentimentos, segundo analisa,

são reprimidos, enquanto o marido “bate no peito em público”. A atitude da mulher é

introjetar o sentimento, enquanto a do homem é externá-lo. Isso nos faz retomar a idéia

difundida nas teorias de gênero, que apontam como dicotomia fundamental o público e o

privado; este reservado à mulher, aquele ao homem.

A autora questiona sobre os motivos por que uma mulher apóia o marido “malandro”:

Pressões políticas das quais não sabem se esquivar? Medo da solidão? Melhor infeliz, mas casada? Aí a gente fecha o olho e fica desgraçada para sempre? Casamento pode ser uma doença a dois.

Cada uma das possibilidades que a autora abre está contida nas noções mais

conservadoras sobre o casamento e o papel da mulher nele. Uma citação de Simone de

Beauvoir (1980), que em 1949 anunciava o fim dessas tradições, resume o que o casamento

parece significar para as “esposas santas”:

O casamento não é apenas uma carreira honrosa e menos cansativa do que muitas outras: só ele permite à mulher atingir a sua dignidade social integral e realizar-se sexualmente como amante e mãe. (p. 67)

Segundo Lya Luft, parece que tudo isso ainda está em primeiro lugar para

determinadas esposas. O fato de estar casada se mostra fundamental, visto que a esposa de

Spitzer não optou pelo divórcio. Contudo, a posição de primeira-dama da maior cidade do

mundo, talvez seja a grande motivação para que a senhora Spitzer assuma o papel de “esposa

perfeita”. Aqui, além do vínculo amoroso, há outros interesses em jogo, o que extrapola a

questão do gênero.

“’Minha mulher é uma santa’, dizem os puladores de cerca desde o tempo das

cavernas.”, com essa frase a autora nos lembra de que esse discurso é tão antigo quanto as

relações humanas. E continua: “Essa figura da ‘santa’ em casa é um mito a ser removido do

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nosso imaginário”. Por meio dessa afirmação, a cronista assume que estereótipos podem ser

desconstruídos.

A expressão “santa em casa”, usada pela autora, é quase uma redundância, uma vez

que é a casa o ambiente da esposa tradicional, é lá que, longe da vida mundana, ela se dedica à

família.

Com o ninho, sobretudo com a concha, encontramos toda uma série de imagens que procuramos caracterizar como imagens primeiras, como imagens que suscitam em nós uma primitividade. Mostraremos em seguida como, mesmo numa felicidade física, o ser sente prazer em “encolher-se no seu canto”. (BACHELARD, s/d, p. 79)

O lar, simbolizado pelo ninho e pela concha, é o lugar em que a felicidade deve estar

presente, pois se está protegido, aconchegado. Para Simone de Beauvoir (1980), esse lar é

construído para a mulher a fim de que ela viva seu destino:

(...) trata-se para ela de transformar essa prisão em reino. Sua atitude em relação ao lar é comandada por essa mesma dialética que define geralmente sua condição: ela possui tornando-se uma presa, liberta-se abdicando; renunciando ao mundo ela quer conquistar o mundo. (p. 196)

Lya Luft constrói uma dialética do lar do marido e do lar do pai em Reunião de

Família, mostrando a contraposição entre o lar conjugal e o lar paterno de Alice.

Estou aliviada: logo pegarei o táxi, entrarei no ônibus, chegarei em casa a tempo de preparar o almoço e fazer os serviços normais de segunda-feira. (p. 123) É só uma velha casa, digo a mim mesma, aborrecida por me sentir tão inquieta e triste aqui. Uma velha casa, um velho pai, uma velha empregada: que tem isso de mais? (p. 45)

Nenhum dos dois se configura um lar verdadeiro. O primeiro é seu “canto”, o lugar

onde se protege e vive seu “destino de mulher”, mas não há aconchego; já o segundo é apenas

animosidade, lá descobre as mazelas de cada um dos parentes, desejando cada vez mais voltar

ao lar do marido.

Algumas expressões do campo semântico da casa aparecem na crônica: “por baixo do

tapete”, “na cama”, “santa em casa”, até mesmo “pular a cerca”, que significa fugir da

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propriedade conjugal. A mulher que perdoa vai viver “infeliz” e “desgraçada” dentro desse

falso lar. Essa figura da “santa” em casa é um mito a ser removido do nosso

imaginário: quase sempre são acumuladoras de ressentimento e mágoa, que um dia, ou no dia-a-dia, se vingam até sem perceber. Com cobranças, com acusações, ridicularizando o maridão diante dos outros, jogando os filhos contra ele. E, se um dia houver separação, pobre do moço: sobre ele serão lançadas todas as fúrias possíveis. (...) essa figura constrange tanto quanto a ‘santa’ mulher exposta à violação do privado pelo público.

Em contrapartida às que perdoam, Lya Luft coloca as vingativas, também como figuras

constrangedoras. Segundo ela, se as primeiras acumulam “ressentimento” e “mágoa”, as

últimas “cobram”, “acusam”, “ridicularizam”, “jogam os filhos contra o marido”, “lançam

fúrias”. Essas também vivem em um falso lar, uma vez que sua vingança é doméstica, se faz

no “dia-a-dia”, diante de filhos e amigos.

São muitos os itens negativos escolhidos para enumerar as ações das mulheres. Já o

marido é chamado ironicamente de “maridão” e “pobre moço”. A ironia é usada justamente

porque a autora não pretende inocentar os homens, porém, a atitude da esposa vingativa acaba

colocando-o no papel de vítima diante de outras pessoas.

A autora mostra, também, que essa questão não envolve apenas pessoas de visibilidade:

“expostas à violação do público pelo privado”; “Diante das câmeras sôfregas ou no segredo da

casa”. Aqui, todo tipo de mulher é colocado no mesmo dilema. Além disso, nesses casos,

vemos como as fronteiras entre o público e o privado vêm ficando mais tênues. Aquilo que

não ultrapassava a alcova é hoje matéria de reportagem e discussões populares.

Esses traços nos mostram que quando o assunto envolve questões de gênero, tradição e

modernidade se entrecruzam. O discurso atual da mídia é usado para discutir questões há

muito em processo de reconstrução, como as relações conjugais, fidelidade, família, etc.

A cronista invoca estereótipos de uma suposta identidade feminina que não precisa se

realizar no sexo; é consumista e só se assume como mulher pela maternidade.

Há quem, sabendo-se traída, argumente curto e grosso: “Agora tenho sossego na cama”. “Eu me vingo gastando aos tubos”, ou ainda: “É pelo bem dos filhos” (eles exigem o martírio materno).

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Cada uma das falas atribuídas à mulher traída carrega significados correntes no senso

comum. A idéia de que apenas o homem busca realização sexual ainda circula. Bem como a

imagem da “mãe mártir” que deve suportar tudo pelos filhos. Essas duas possibilidades fazem

parte da tradição de que fala Sylvia Leser de Mello (1998):

A tradição nos oferece duas respostas: o mundo do amor e o mundo da família. Mais do que condição, o feminino é só natureza que melhor se manifesta no cuidar: do homem, dos filhos, da casa. A dedicação aos outros é a grande felicidade que espera a mulher na vida. Aí se realiza, aí dá expressão a seu ser verdadeiro. (p. 09)

Já a terceira possibilidade, “gastar aos tubos”, faz parte de um padrão mais recente que

se estabeleceu na contemporaneidade com todos os produtos disponibilizados pelos shoppings

centers.

Lya Luft usa a palavra “impunidade” para caracterizar a situação em que fica o homem

perdoado. Ou seja, nessa relação, as mulheres julgam os homens, porém, o substantivo

escolhido (“impunidade”) mostra que o perdão não corresponde ao que se considera justo.

Ainda assim, a autora acredita na possibilidade de perdão verdadeiro: “(...) a não ser se há

recíproco e real desejo de refazer a relação”.

A seguir, diz: “o parceiro, confiante na impunidade, já ocupado em novas aventuras

(...)”. Entendemos o porquê da necessidade de um desejo recíproco; para ela, esse perdão

forçado nada mais é do que a possibilidade do reinício dos casos extraconjugais, o que

colaboraria para manter os estereótipos.

Além disso, a postura de mãe também é avaliada, uma vez que, as atitudes de esposa

comprometem a educação dos filhos: “(...) passando sabe-se lá que valores aos filhos, e que

modelo às filhas. A mãe vítima é um peso do qual dificilmente hão de se livrar”. Isto quer

dizer que a autora entende essa questão como um problema de família que repercutirá dentro e

fora dela.

Nos dois últimos parágrafos, a crônica sai da generalização e aborda especificamente o

caso Spitzer:

E quando esse drama vem a público, com mulheres firmes ao lado de quem enxovalhou amor, confiança e família, mas por apego ao cargo ou poder bate no peito, assistimos talvez ao último degrau na descida ao inferno pessoal feminino.

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Nesse trecho, a autora coloca “amor, confiança e família” como o que há de principal

para a mulher, em contraposição ao “apego a cargo ou poder” que estaria em jogo para o

marido. Nesse caso ela não leva em consideração que a esposa também detém um “cargo” e

que provavelmente ela não queira perdê-lo; não cogita a hipótese de haver um acordo entre o

casal e que a “descida ao inferno pessoal feminino” seja menos importante do que uma

descida ao inferno político e econômico de um indivíduo seja ele mulher ou homem.

Todo esforço para que em nossa cultura a mulher se valorize anulava-se em seu rosto devastado junto ao atrapalhado dom-juan americano, campeão de hipocrisia, que ganhou a imprensa semanas atrás: ele fazia do combate à prostituição sua bandeira, mas era freguês de caderno de um caríssimo clube de alegres moças. Nem o nome dele precisava dar: era o Cliente Número Nove.

A autora reconhece a trajetória da luta por valorização que as mulheres vêm

empreendendo, mas se esquece de que nesse embate dominantes e dominados, muitas vezes,

assumem a mesma posição ideológica. Ou seja, apesar das conquistas, muitos valores ainda

estão arraigados nas mentes e inscritos nos corpos de homens e mulheres (BOURDIEU, 2007).

Podemos vê-lo em sua própria fala quando ela analisa a expressão resignada da esposa durante

o pronunciamento do marido. A atitude resignada da mulher é ideológica e fisicamente

compatível com valores conservadores.

Lya Luft constrói Spitzer como “atrapalhado dom-juan americano” e “campeão de

hipocrisia”. Realmente o que nos chama atenção no caso é a contradição entre os atos do

governador e sua postura política. Ele é comparado ao “moleque que roubou maçãs no quintal

da vizinha”. Em nossa cultura, dizer que um homem se comporta como criança, chamá-lo de

moleque, constitui uma ofensa, principalmente se ele é pai e marido.

Entretanto, a autora se preocupa mais com a condição da mulher. Enquanto ela usa

ironia para falar do homem, faz uma crítica à mulher e aos discursos que a constroem como

fadada ao ressentimento de uma relação falida. A autora dá à mulher a responsabilidade de

mudar essa situação, repensando as dependências (emocional, financeira) que as prende ao

casamento. No fim do texto ela devolve o status de ser humano – “Mais um ser humano ferido

de morte” – a quem antes era “a mãe”, “a esposa”, “a santa”, “a traída”.

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O tema da traição também é abordado por Marina Colasanti em “Fidelidade, um barato

brasileiro” (04/11/2007). A autora menciona uma notícia divulgada pela mídia que foi

aproveitada pela novela das oito exibida na ocasião:

Célia Mara, a dona-de-casa casada com um marido cujo nome não sei, foi

ao circo com João Pedro, seu amante há 20 anos, casado com Branca, e porque ele em vez de comer pipoca comeu bala, tudo acabou na primeira página do jornal. É capítulo de novela, mas, muito antes disso e com outros nomes, foi fato real noticiadíssimo. As balas perdidas, felizmente, e por enquanto, são menos freqüentes que a infidelidade.

Esse caso, antes da novela, havia sido narrado pela própria escritora em seu conto

“Amor e morte na página dezessete” (Um espinho de marfim, 1999):

A foto havia sido tirada ao lado do picadeiro. Viam-se atrás dela um pedaço

de lona, o alto das grades. Rodeada de gente, Selena não percebera que estava sendo fotografada, havia tantas luzes ali. Nem pensara que sairia no dia seguinte na página 17 e que o marido a veria. Ou pensara, mas como um problema a resolver em outra hora (...) (p. 65)

No conto de Marina Colasanti, há um aspecto ficcional que o diferencia da narrativa

factual. Nele, em vez de bala perdida, o amante morre em decorrência de um ataque de leões

depois de aceitar o desafio de Selena:

(...) ela tinha dito para ele, olhando o domador e vendo como as feras o

obedeciam a contragosto, ferozes, ela tinha dito, em tom faceiro e desafiador tinha sim, tinha perguntado se por amor a ela ele seria capaz também de enfrentar as feras. (p. 77)

O texto explora a possibilidade de viver um casamento e um caso extraconjugal

simultaneamente durante muitos anos. No conto, Selena manteve os dois relacionamentos,

apenas a morte do amante interrompeu a harmonia das relações, uma vez que através da

noticia no jornal seu marido descobre a infidelidade ao mesmo tempo em que perde o amante.

Já na crônica, Marina não parece acreditar realmente nessa possibilidade. Para abordar

o assunto, cita o caso de Sartre e Simone de Beauvoir que mantiveram um “casamento aberto”:

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Sou de uma geração que, confrontada com o casal Sartre/Simone de Beauvoir, acreditou estar presenciando um milagre da alquimia conjugal. Casamento mais que aberto, escancarado, (...) ele cheio de amantes triangulando às vezes com o casal, ela com seus casos um pouco mais discretos sobretudo os femininos, sem que nenhum desses “amores contingentes” afastasse seu “amor necessário”. Muitos tentaram imitar, muitos quebraram a cara, porque o casal paradigmático era uma farsa. Sartre e Simone foram casal somente durante os sete primeiros anos. Depois, tornaram-se cúmplices intelectuais que, em vez de fazerem sexo juntos, compartilhavam os relatos do sexo que faziam com terceiros. Mas isso, é claro, ninguém sabia.

Simone de Beauvoir afirma que “Não são os indivíduos os responsáveis pelo malogro

do casamento: é a própria instituição, desde a origem, pervertida” (1980, p. 144). Com a

citação do caso Simone/Sarte, a autora parece mostrar a incoerência entre a tentativa de

preservação do casamento e a necessidade de variar a parceria.

Após citar o casal famoso, Marina Colasanti apresenta sua surpresa diante de dados

estatísticos a respeito do casamento em que “A maioria dos entrevistados cravou fidelidade em

primeiro lugar, acima do amor e mais importante, muito mais importante que a vida sexual

satisfatória e que o dinheiro (...)”.

O estranhamento da cronista parte do fato de ela ter uma imagem do brasileiro como

“brasileiros fogosos que tanto gostam de alardear suas aventuras além da cerca.” Há, segundo

o que é dito por ela, uma visão de que o brasileiro além de ter o hábito de trair, ainda se

vangloria disso. Porém, tais noções são desmentidas pela pesquisa:

Nenhum deles [brasileiros fogosos] deve ter participado da pesquisa, porque

à pergunta “o que é mais prejudicial ao casamento?” , um coro maciço elegeu a traição vilã do pedaço, pulverizando em mixarias todos os outros possíveis fatores (vida sexual insatisfatória foi considerada ainda mais inócua que no quesito anterior).

Percebe-se com o comentário sobre a pesquisa, que o mais surpreendente para autora é

o fato de a satisfação sexual ser tão pouco votada. Se antes, para caracterizar os brasileiros em

relação aos casos extraconjugais ela usara palavras como “fogosos”, “alardear” e “aventuras”,

agora, para se referir ao resultado da segunda pesquisa ela usa os termos: “vilã do pedaço”,

pulverizando”, “mixarias”.

Pelos termos utilizados, pode-se dizer que ela não parece usar dados estatísticos como

verdades que se sobrepõe a sua observação, vivência ou opinião. A idéia se consolida no

próximo parágrafo pela forma irônica com que se refere a mais uma pesquisa:

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Há de ser por isso que os brasileiros são ciumentíssimos, conforme

comprovou, há algum tempo, um estudo do psicólogo Gary Brase, da Universidade de Sunderlan, na Inglaterra. Segundo ele, 53% dos brasileiros não suportam a traição sexual, enquanto apenas 13% das brasileiras não aceitam que seu companheiro tenha sexo com outras.

Nesse trecho há a estrutura típica dos argumentos em que se usa juízo de autoridade: o

nome da autoridade, sua formação, a instituição, um país estrangeiro. Porém, essa formalidade

contrasta com o tom jocoso da expressão “os brasileiros são ciumentíssimos”.

Ainda no mesmo parágrafo, a autora faz referência a uma lembrança pessoal da

entrevista com Maria Callas, em que a cantora afirmava que “os homens têm suas aventuras

(...), é assim, mas a mulher... a mulher não”. Ou seja, a ironia da cronista diante da pesquisa

está no fato de que ela apenas repete com dados numéricos o senso comum: é aceitável que os

homens sejam infiéis (e as mulheres não).

Qualquer que seja a força da “liberação” sexual, as mulheres permanecem

ligadas a um erotismo sexual e se mostram menos “colecionadoras” que os homens. Embora seja menos clara do que antigamente, a divisão sexual dos papéis afetivos, não desapareceu: se as mulheres estão sempre inclinadas a associar sexo e sentimento, os homens encaram com extrema facilidade essa disjunção. (Lipovetsky, 2000, p. 37)

Entretanto, reafirmando que seu texto não está utilizando as estatísticas como apoio a

uma tese, a autora inclui dados brasileiros fornecidos por uma advogada especialista em

separação, Priscila Corrêa Fonseca, conhecida como “rainha do divórcio”:

Entre seus clientes, as mulheres andam com a navalha na liga, enquanto os

homens preferem não botar óculos quando são passados para trás. A traição é, de fato, o motivo mais freqüente para a separação, mas quem tem o pavio curto são elas, que se sentem ofendidas e tomam a iniciativa do desmanche. Os maridos, na mesma situação, preferem fazer vista grossa, e deixar as coisas como estão.

A experiência apresenta o contrário das estatísticas. Marina usa duas expressões para

opor a atitude das mulheres e dos homens: elas “andam com navalha na liga”; eles “preferem

não botar óculos”. Quer dizer, as mulheres estão armadas contra a infidelidade, quando os

homens não fazem questão de enxergá-la.

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Podemos entender as pesquisas referidas pela autora como a chamada “polícia do

sexo” proposta por Michel Foucault (1998): “necessidade de regular o sexo por meio de

discursos úteis e públicos e não pelo rigor de uma proibição” (p. 31). As estatísticas,

pesquisas, debates funcionam como essa “polícia do sexo”, porém tudo que elas demonstram

pode ser apenas teoria, já que a prática da advogada citada na crônica mostra o contrário.

Mais dados “científicos” são apresentados pela autora. Cientistas australianos

descobriram que os cisnes, “símbolo romântico”, não são monogâmicos como se pensava. O

outro dado vem de mais uma pesquisa em que “só 34% dos homens e 8% das mulheres

afirmam ter traído seu cônjuge” enquanto nos Estados Unidos, essa estatística sobe para “45%

a 55% das mulheres, e para 55% a 65% dos homens”.

Em relação ao percentual norte-americano, em que a diferença entre mulheres e

homens é pequena, a autora afirma: “Uma diferença percentual reduzida, mostrando que em

matéria de traição as mulheres aprenderam a lição recebida dos homens”. Marina Colasanti

evoca a noção de que a traição faz parte do “universo masculino”, mas que em algumas

culturas, como a norte-americana, os padrões estão sendo modificados.

No último parágrafo, a autora assume o que já era perceptível ao longo do texto:

São apenas dados, e não surpreende que não coincidam. A traição existe

desde que existe desejo. Tentamos rastreá-la, como se fez com os cisnes, mas tudo o que obtemos é volátil, as respostas não são sinceras, os resultados não batem com a realidade. Como as mulheres do Iêmen, que quando saem para trair seus maridos trocam os sapatos ao virar a esquina para não serem reconhecidas debaixo das longas burcas, assim, também o adultério disfarça seus passos.

Aqui se revela que a autora realmente usou os dados para obter a contradição. As

pesquisas, segundo ela, não correspondem à “verdade” porque não há compromisso em

respondê-las com sinceridade. Além disso, a autora reconhece a fluidez da realidade ao dizer

que “o que obtemos é volátil”. O uso do adjetivo volátil é pertinente à discussão

contemporânea sobre o mundo em que vivemos.

Por fim, ao usar as mulheres do Iêmen como exemplo de que o adultério pode ser

disfarçado, ela escolhe justamente um grupo social em que as mulheres são altamente

reprimidas, invisibilizadas até mesmo por seus trajes. Mostra assim, que a possibilidade de

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burlar as normas de comportamento arbitrariamente estabelecidas, pode se dar até nas

sociedades mais ligadas ao patriarcado.

O autor da crônica termina geralmente com uma conclusão. A ironia, o

humor ou a dureza são formas geralmente escolhidas para rematar uma crônica. Aliás, o cronista num jornal procura observar a realidade (...), julga-a e procura extrair um comportamento. (MELO, 2002, p. 150)

O conto “Pálido e nu” de Marina Colasanti também apresenta o tema do adultério. Ele

se mostra interessante no que diz respeito à relação de atividade-passividade entre os gêneros.

Antes, é importante ressaltar que esse conto foi publicado no dia 04/03/2007 em sua coluna no

Jornal do Brasil juntamente com outros três pequenos contos. Isso mostra como o espaço da

crônica abre possibilidades para uma variedade textual, especialmente quando o/a cronista é

também ficcionista.

Não era um homem valente. Diante dos outros homens considerava-se

sempre o mais fraco, e nunca havia encontrado nenhum que se sentisse capaz de vencer.

Já, com as mulheres, sentia-se capaz de vencer todas. E muitas havia vencido, jamais com a força.

Assim como Martha Medeiros em “Dos ficantes aos namoridos”, Marina Colasanti

estabelece uma analogia com a competição para descrever seu personagem. Contudo, essa

competição se relaciona tanto com os homens quanto com as mulheres.

Com os homens, essa relação está ligada às formas de violência e agressividade que

aprendem a usar em sua vida social. Já com as mulheres, o jogo está ligado ao erotismo:

Estava justamente ganhando mais uma batalha no branco campo dos lençóis,

quando uma chave girou na fechadura, a porta da casa foi aberta e fechada. Era o marido que chegava.

Rápida, a mulher mandou que o homem se escondesse no armário.

A expressão “batalha no branco campo dos lençóis” mistura palavras com campo

semântico da guerra (“batalha”, “campo”) com termo ligado ao erotismo (“lençóis”). A forma

de o personagem se tornar um “homem valente”, qualificação típica do chamado “universo

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masculino”, é seduzindo mulheres, vencendo-as na cama. Além disso, o objetivo da “guerra” é

a conquista, a posse, o que marca a posição de dominação masculina.

Essa interpretação pode ser relacionada ao texto de Martha Medeiros em que a

competição “quem pega mais em uma única noite”, talvez seja uma batalha de homens que,

em vez de usar a violência física, usam a violência simbólica por meio da dominação sobre as

mulheres.

Relacionando esse texto com a crônica “Fidelidade, um barato brasileiro”, podemos

pensar que a atitude dos homens em assumir e aceitar a infidelidade masculina esteja ligada à

idéia de campeonato. Aqueles que confessam a “pulada de cerca” anunciam seus “pontos no

campeonato” ou suas “vitórias na guerra”.

Porém, no conto “Pálido e nu”, o personagem retorna a sua condição de “mais fraco”

ao evitar o enfrentamento com o marido da amante:

Ouviu os passos do outro, as alterações. Afundou a cabeça sobre o peito,

meteu a testa entre os joelhos retendo a respiração, abraçando-se, esforçando-se para murchar, sumir. Os passos se aproximaram. A porta foi aberta como represa que rebenta, a luz irrompeu no armário.

A posição que assume dentro do armário, para que o marido não o encontre, demonstra

seu medo: “afundou a cabeça”, “retendo a respiração”, “abraçando-se”, “esforçando-se para

murchar”. Um esforço sobre-humano para evitar o confronto com o marido.

Vasculhando entre as roupas penduradas pendentes da mulher, o marido

sequer reparou naquele estranho bibelô ao fundo, homenzinho encolhido sobre si mesmo, pálido e nu como um Buda de marfim.

No fim do conto o personagem consegue desaparecer diante dos olhos do homem,

anulando-se. Se antes, na relação homem-mulher, ele as fazia de objeto, agora ele torna-se

menos que objeto diante de outro homem.

As discussões exploradas neste capítulo estão em consonância com as questões

contemporâneas sobre relacionamento amoroso, rapidez dos encontros, implosão das

convenções. Ao mesmo tempo em que a cronista Martha Medeiros se mostra conhecedora de

formas tão novas de relacionamento, temos a crítica das mesmas. Enquanto Lya Luft expressa

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sua indignação a respeito da passividade da Sra. Spitzer, Marina Colasanti mostra como a

infidelidade faz parte da vida conjugal em várias culturas.

Quer dizer, não há verdades nem normas que não se desintegrem rapidamente. Nas

palavras de Zygmunt Bauman, autor que inspirou o título do capítulo e cujas reflexões são

extremamente importantes para discussões como esta:

O futuro sempre foi incerto, mas seu caráter inconstante e volátil nunca

pareceu tão inextricável como no líquido mundo moderno da força de trabalho “flexível”, dos frágeis vínculos entre os seres humanos, dos humores fluidos, das ameaças flutuantes e do incontrolável cortejo dos perigos camaleônicos. (2005, p. 74)

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4- Os estereótipos no discurso da crônica

Os estereótipos são rótulos criados socialmente para diferenciar e até mesmo segregar

os indivíduos. Essas construções estão arraigadas na cultura de tal forma que as pessoas

convivem com elas, muitas vezes, sem conflitos, aceitado-as como verdades.

Cada adjetivo, apelido, brinquedo, roupa está impregnado com esses sentidos que

constroem nossas identidades, principalmente as de gênero, pois apesar de construirmos

nossas identidades sociais a partir de uma ampla trama, somos freqüentemente posicionados e

classificados com mais visibilidade em termos de nossa identidade de gênero (MOITA LOPES,

2002).

Os estereótipos existem para que a posição de gênero fique marcada, definindo o que é

ser mulher, como ela deve se comportar, que discursos deve reproduzir ou rejeitar. Não é

difícil perceber que essa separação ocorre em benefício da dominação masculina que se

mantém por meio de estereótipos que tornam as mulheres submetidas e aprisionadas em seu

gênero.

Percebo que a discussão que agora inicio se relaciona de forma direta com o que foi

sugerido no capítulo anterior. A diferença entre os gêneros é tão fortemente marcada que,

apesar de vivermos uma realidade “líquida”, há sempre uma força de manutenção das

dicotomias.

É importante que notemos esse aspecto nas crônicas analisadas, pois, a força dessas

construções se mostra mesmo quando há a tentativa de um discurso voltado para a

desconstrução. Muitas vezes o que parece uma luta em favor das mulheres acaba por reforçar

preconceitos que aparecem principalmente pela linguagem, que é nosso objeto de estudo.

Abordo a descontrução no sentido derridiano: “Desconstruir a polaridade dos gêneros,

então significaria problematizar tanto a oposição entre eles quanto a unidade interna de cada

um” (LOURO, p. 31-32, 1997). Quer dizer, o que deve ser percebido nos textos deste capítulo

é como as autoras articulam as diferenças entre homens e mulheres e entre as próprias

mulheres.

A crônica como espaço de reflexão da autora, possibilita a desconstrução de

estereótipos. Clarice Lispector na crônica “Mulher demais” (A descoberta do mundo, 1999)

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nos dá um exemplo de como a escritora usa o espaço do jornal para questionar o papel social

do gênero: Uma vez me ofereceram fazer uma crônica de comentários sobre

acontecimentos, só que essa crônica seria feita para mulheres e a estas dirigida. Terminou dando em nada, a proposta, felizmente. Digo felizmente porque desconfio de que a coluna ia era descambar para assuntos estritamente femininos, na extensão em que feminino é geralmente tomado pelos homens e mesmo pelas próprias humildes mulheres: como se mulher fizesse parte de uma comunidade fechada, à parte, e de certo modo segregada. (p. 108)

Esse feminino em itálico é justamente o feminino estereotipado de que falo aqui.

Aquele para o qual determinados assuntos são exclusivos e outros proibidos, aquele que se

adeqüa a um molde pré-concebido pela sociedade.

Optei por iniciar o capítulo com uma crônica de Marina Colasanti, porque o estereótipo

que a autora discute se relaciona com muitos outros. Em “As mulheres não inventaram a

culpa” (03/06/2007), a autora mostra como o sentimento de culpa faz parte do paradigma da

identidade feminina. Ela começa a crônica enumerando diferentes contextos em que se depara

com o sentimento de culpa das mulheres, mostrando como esse é um conceito gendrado:

Leio jornais, revistas, livros, vou ao teatro, ao cinema, e em toda parte

esbarro com mulheres lamentosas, queixando-se do sentimento de culpa, culpadas por ter cão e por não tê-lo, culpadas por desejá-lo. Essa conversa parece não ter fim. É como se a culpa fosse, não digo um fardo, mas um privilégio exclusivo da feminilidade.

Ao trocar o substantivo “fardo” por “privilégio”, pode-se dizer que há uma passagem

da noção de castigo para a de direito. Com a falta de privilégios que tradicionalmente

constituiu a vida da mulher em sociedade, mais do que a culpa, sua verbalização, – de acordo

com a autora todas se queixam – tornou-se uma forma de expressão.

A autora atribui o sentimento de culpa a um conceito cultural muito antigo. Primeiro

diz que “a culpa, sabe-se, é nossa herança judaico cristã”, mas depois afirma que ela nasceu

muito antes do mito cristão de Adão e Eva:

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A culpa era o bicho da maçã, aquela que não devíamos ter comido mas comemos, e que desde então nos é cobrada com juros. A culpa, sabe-se, é nossa herança judaico cristã.

Eu me arrisco a dizer que brotou muito antes, que sempre existiu. (...) os humanos primitivos, confrontados com relâmpagos, trovões, inundações e morte, com uma fúria e um poder que não sabiam explicar. O dono daquilo tudo estava com raiva, e só podia ser porque eles tinham feito alguma coisa de errado.

Marina Colasanti mostra que o ser humano (mulheres e homens) aprendeu a sentir

culpa por meio de suas experiências. Por isso, após mostrar que a culpa não está

“naturalmente” ligada ao gênero, dirige-se a suas leitoras: “Por isso, senhoras e senhoritas,

tranqüilizai vossos corações. Culpados somos todos. A diferença está na maneira de lidar com

essa companheira. E, sobretudo, no uso social que dela é feito, na manipulação”.

Vemos nesse parágrafo como o texto é gendrado. Ele traz a voz de uma mulher que se

coloca como tal e se dirige a outras de maneira solidária. A culpa de que Marina fala é a

mesma apresentada por Martha Medeiros no capítulo anterior em “Absolvendo o amor”.

Porém, Marina Colasanti busca tirar essa exclusividade das mulheres, inserindo-as ao conjunto

de seres humanos que carregam o sentimento de culpa.

Esse trecho também está relacionado ao discurso religioso, representado pelo uso do

imperativo na segunda pessoa do plural (“tranqüilizai vossos corações”), totalmente fora dos

nossos padrões de uso, mas corrente no texto bíblico, principalmente nos mandamentos e

outras prescrições.

Podemos notar também, que as expressões “uso social” e “manipulação” mostram

como a autora está consciente de que os discursos são socialmente forjados para que as

mulheres se apropriem desse sentimento.

A seguir, a cronista apresenta as diferentes formas como homens e mulheres lidam com

a culpa:

O homem sente culpa em relação à família quando, correndo por fora,

transforma uma moça em gestante? Em geral, não. Sente aborrecimento se a coisa vier à tona. E uma mulher, sente culpa quando corre por fora e eventualmente se transforma em gestante, apesar de ter marido? Em geral, não. Mas como aprendi em longos anos respondendo cartas da seção de uma revista, sente culpa em relação ao seu amor – não ao seu amado – quando, apaixonada pelo amante, não encontra forças para se separar do marido.

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O primeiro sente culpa se seu ato gerar aborrecimento; a última sente-se culpada por

ter que tomar decisões relacionadas ao amor. Aqui se percebem as dicotomias elaboradas para

separar os gêneros. O aborrecimento é ligado à vida prática, relacionada ao homem, enquanto

o amor se liga à emoção, instância tradicionalmente destinada à mulher.

O homem sente culpa quando por excesso de trabalho não dá atenção à

família. Mas a sociedade lhe diz que está cumprindo seu dever, a esposa foi treinada para garantir a retaguarda, e os filhos não têm porque se queixar já que o esforço paterno se reverte em seu benefício. A mulher se rói de culpa quando, por excesso de trabalho, não dá devida atenção à família. Mas a sociedade lhe diz o tempo todo que, sim, é culpada, e o crime é grave.

Nesse parágrafo fica explícito o julgamento social. A autora mostra a contradição nos

ambientes de trabalho e família. Na idéia de justiça associada ao comportamento, o homem é

absolvido pela sociedade, mas a mulher é “culpada”. O trabalho para o homem é seu “esforço”,

palavra de conotação positiva, enquanto para mulher é um “excesso”, vocábulo de valor mais

negativo. Além disso, a conseqüência do esforço masculino é o “benefício” dos filhos, já que o

pai é o provedor. Ao mesmo tempo, o excesso de trabalho da mulher resulta numa falta de

atenção à família, representada pela frase “o crime é grave”.

As capacidades das mulheres para maternar e suas habilidades para retirar

disto gratificação são fortemente internalizadas e psicologicamente reforçadas, e são construídas, ao longo do processo de desenvolvimento, no interior da estrutura psíquica feminina. (CHODOROW 1978, apud, SAFFIOTI, 1992, p. 191)

O trabalho relacionado à mulher é aquele exercido na família e pelos filhos. Essa

construção, segundo Chodorow, se estabelece na estrutura psíquica feminina, provocando o

sentimento de culpa explicitado por Marina Colasanti quando esse trabalho não é

adequadamente executado.

É interessante o uso da palavra “treinada” para se referir à mulher. Esse treinamento

tão tradicional que as mulheres recebem para o papel de esposa e mãe não foi abolido com as

conquistas feministas, ele foi apenas adaptado às novas formas de viver. A própria palavra está

ligada a uma perspectiva feminista de analisar a situação da mulher.

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O conto “Nunca descuidando do dever” (Contos de amor rasgado, 1986) faz uma

crítica a esse treinamento que além de aprisionar a mulher, ainda a faz se sentir culpada ao não

dar conta das tarefas que deve cumprir:

Jamais permitiria que seu marido fosse para o trabalho com a roupa mal

passada, não dissessem os colegas que era esposa descuidada. Debruçada sobre a tábua com olho vigilante, dava caça às dobras, desfazia pregas, aplainando punhos e peitos, afiando o vinco das calças. E a poder de ferro e goma, envolta em vapores, alcançava o ponto máximo de sua arte ao arrancar dos colarinhos liso brilho de celulóide. (p. 31)

A mulher do conto sente medo da cobrança social, assim como as mulheres que se

queixam a Marina. Tanto a personagem do conto, em sua domesticidade, como as mulheres de

que fala a crônica, mesmo tendo acesso à vida pública, sentem a pressão de cumprir todos os

deveres que a cultura lhes atribuiu. Podemos observar a importância do trabalho da

personagem pelos verbos escolhidos para narrar o ato de passar roupa: “dava caça às dobras”,

“desfazia”, “aplainava”, “afiando”, “alcançava o ponto máximo”, “arrancar”. Sua tarefa é

braçal, se relaciona a uma luta e a uma “arte” que não admitem falhas.

Durante toda a crônica é falado apenas em “o homem” e “a mulher”. A diferença

percebida pela autora é baseada apenas no gênero, não importando as características dos

indivíduos e das famílias a que pertencem. Não há exemplos de pessoas reais. A generalização

retoma a idéia do primeiro parágrafo em que Marina Colasanti expressa a abrangência do

fenômeno em diversas instâncias sociais. Isso ocorre até mesmo porque as diferenças

estereotipadas têm base no biológico, e nesse discurso só existem dois sexos bem definidos:

A visão dominante desde o século XVIII, embora de forma alguma

universal, era que há dois sexos estáveis, incomensuráveis e opostos, e que a vida política, econômica e cultural dos homens e das mulheres, seus papéis de gênero, são de certa forma baseados nesses “fatos” [biológicos]. (LAQUEUR, p. 18)

No último parágrafo vemos mais claramente como o sentimento de culpa é

estereotipado:

Os homens compensam tendo mais culpa nas áreas competitivas, e sendo

mais cobrados por elas. As mulheres rebatem tendo superávit de culpa no vasto campo da beleza. Os homens vêm chegando a galope com as novas culpas pela

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forma física. As mulheres se sentem culpadas quando não arranjam homem. Os homens sofrem tremenda culpa quando falham, quando não exercem, quando perdem a potência.

Os homens estão relacionados ao mundo da competição (“áreas competitivas”, “sendo

mais cobrados”), à produtividade (“falham”, “não exercem”), à “potência” sexual e mais

contemporaneamente à aparência (“novas culpas pela forma física”). Já as culpas das mulheres

estão associadas à beleza física (“vasto campo da beleza”) e à carência afetiva (“não arranjam

homem”). Ou seja, as imposições sociais culpam igualmente os dois gêneros que são

soterrados por diversos rótulos a que devem se adequar.

Uma das grandes diferenças é que a culpa feminina está ligada ao assujeitamento

imposto à mulher. Os padrões de consumo, beleza e comportamento de forma geral, são,

muitas vezes, manipulados pelo mercado, que lucra com a busca pelo “perdão” diante da

sociedade. Naomi Wolf apresenta em O mito da beleza (1992) um dado que denuncia essa

manipulação:

Os relatórios dos especialistas em marketing descreviam formas de

manipular as donas-de-casa para que se tornassem consumidoras inseguras de produtos para o lar. “É preciso realizar uma transferência de culpa. Capitalizar na culpa pela sujeira escondida”. (p. 84)

Porém, o mais importante, segundo Marina Colasanti, é a maneira como a sociedade

espera que homens e mulheres reajam à culpa:

Mas os homens não falam da sua culpa, porque entregar a culpa geraria uma

culpa a mais, a culpa de não ser suficientemente macho para não errar, nem macho o suficiente para encarar o erro sem queixas. E as mulheres alardeiam a sua culpa, porque alardear a culpa é uma maneira de reconhecer publicamente o erro, e reconhecer o erro já é uma forma de pagar por ele. Os homens querem o reconhecimento da sociedade, não seu perdão. As mulheres, que não têm o devido reconhecimento, ainda buscam o perdão.

Nesse trecho a cronista apresenta as estratégias de homens e mulheres para ter

visibilidade social. Para os homens, o importante é evitar o erro e, como se queixar é também

um erro, eles o escondem. A autora usa uma forma muito comum socialmente para se referir

às atitudes dos homens: “não ser suficientemente macho para não errar”. A palavra “macho”,

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além de ser um termo ligada à biologia (animal), retoma a idéia do machismo, forma de

pensamento que liga o homem à dominação, força e liderança.

Marina Colasanti termina a crônica mostrando que os homens, por sua atuação na vida

pública, não têm interesse em expor o erro. Já as mulheres, como disse anteriormente,

mostram sua culpa como forma de expressar sua participação menor (ou não reconhecida,

como diz a autora) na sociedade. Além disso, nesse trecho ela retoma as palavras do campo

semântico da justiça como “pagar” e “perdão”.

O texto “Cor de menininha” (08/07/2007) de Martha Medeiros trabalha com

distribuição de cores de acordo com os gêneros. Essa construção social associa o cor-de-rosa

ao universo feminino.

“Não simpatizo muito com o cor-de-rosa. Já com o rosinha-bebê não se trata de

antipatia, e sim de aversão”. A princípio a autora rejeita a cor mais por uma questão de gosto

pessoal de que por uma posição contra os estereótipos. O que seria bom, porque o simples fato

de não ligar a cor ao gênero é uma forma de desconstrução.

Porém, logo em seguida ela afirma que prefere o rosa nos homens, admitindo que a cor

não é comumente usada por eles:

Acredito que o rosa veste melhor os homens: neles fica charmoso, pelo

contraste com a virilidade, mas em mulher fica óbvio justamente por ser a “nossa cor”. Até pode funcionar num caso ou noutro: uma peça exclusiva, diferente, levada por uma mulher com personalidade. Mas em geral não me agrada.

Se a intenção da crônica é criticar o estereótipo que liga a cor ao gênero, creio que com

essa afirmação a autora se trai. Afirmando que há um contraste entre a cor e a “virilidade”, ela

confirma o estereótipo. Isso se mostra também por meio dos adjetivos “charmoso” e “óbvio”,

sendo o primeiro ligado ao homem e o segundo à mulher.

Quer dizer, o simples fato de ser homem e vestir rosa já o torna charmoso.

Paradoxalmente, a autora afirma que em “uma mulher com personalidade” a cor pode ficar

bem. Mas como saber se a pessoa que veste a roupa tem ou não personalidade? Sua afirmação

nos leva a acreditar que a princípio nenhuma mulher que veste rosa tem personalidade, já que

pela aparência não se pode julgar tal quesito.

No segundo parágrafo, a autora apresenta a motivação para o tema da crônica:

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Pois bem. Estive na Itália recentemente para lançar meu livro “Divã”, que

aqui no Brasil tem uma capa cuja cor predominante é pink, meio fúcsia, a qual não me oponho, porque tem caráter. Porém, a capa do “Divã” italiano (lá se chama “Lettino”) é de um rosinha aguado, um rosinha que avisa que é “livro pra mulherzinha”.

É interessante como ela diferencia a tonalidade do rosa caracterizando o da capa

brasileira como algo com “caráter” e o da italiana como “aguado”. O fato de ter caráter é posto

em oposição a algo “pra mulherzinha”. O uso do diminutivo com idéia de inferioridade

demonstra o desprezo da autora pelos clichês que caracterizam as mulheres como seres

menores, mais frágeis etc. Além disso, a expressão está ligada às próprias mulheres que

gostam da cor rosa, se integrando aos padrões que ela, Martha Madeiros, rejeita.

Considero a posição da autora interessante, pois ela opõe diferentes formas de ser

mulher e de se colocar no mundo como tal. Até mesmo sua personagem no livro Divã (2002)

questiona a existência de um comportamento tipicamente feminino.

De repente virei a única mulher da família, com oito anos. Meu mundo

passou a ser totalmente masculino, éramos eu, meu pai e meus dois irmãos, e mais tarde namorados, marido e três filhos homens. Eu praticamente não tive referências femininas, eu sempre fui minha própria referência. E, como já lhe disse, sou mezzo mulherzinha, mezzo cabra da peste, o que nunca me fez sentir entre iguais no salão de beleza. (p. 22)

A personagem Mercedes percebe que sua maneira de ser está diretamente ligada às

interações que manteve ao longo da vida. Ela usa, inclusive, a expressão “mulherzinha” como

na crônica, sinônimo da mulher construída como algo que se pode chamar de feminilidade

hegemônica.

Não reclamei com os editores. Posso não ser a Penélope Charmosa, mas sou

educada. Ainda assim, eles se justificaram dizendo que as mulheres são as maiores compradoras de livros naquele país (em quase todos, imagino) e que segmentar e anunciar a obra como um romance “rosa” aumenta o número de vendas, mesmo quando o conteúdo tem outras matizes.

A personagem citada, Penélope Charmosa, é um ícone da cultura “pink” que relaciona

a “feminilidade” à cor. Única mulher do desenho animado “Corrida Maluca”, ela marca sua

presença pelo rosa tanto na vestimenta como no carro e pela atitude vaidosa. Essas categorias

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impostas pele mídia, principalmente pela televisão, também aparecem na justificativa dos

editores italianos. O mercado é uma das instituições que rege as segmentações a que as

mulheres são submetidas.

As mulheres são simultaneamente sujeitas ao capitalismo, à dominação e a

seus corpos. Colocar a questão de forma alternativa é o mesmo que perguntar se são as idéias ou as condições materiais que estruturam a subordinação das mulheres. Elas são inseparáveis. Elas agem juntas. Patriarcado e capitalismo não são sistemas autônomos, nem mesmo interconectados, mas o mesmo sistema. (ARMSTRONG, 1983, apud SAFFIOTI, 1992, p. 195)

O dado de que as mulheres são as maiores compradoras de livros na Itália nos remete a

uma idéia de que elas estão mais próximas da introspecção e do refúgio no lar, local

privilegiado para a leitura. A literatura pode ser interpretada com uma forma de escapismo

para mulheres presas a determinadas funções e locais sociais estabelecidos pela cultura. Além

disso, há uma noção bem tradicional de que a literatura está ligada à sensibilidade, o que seria

característica “típica” das mulheres.

Mais adiante a cronista cita um outro dado italiano:

E agora leio uma notícia dizendo que na Itália, justamente, foi inaugurada

uma praia exclusiva para mulheres chamada de Praia Cor-de-Rosa, onde homem não entra e guarda-sóis, bóias salva-vidas, toalhas e demais acessórios são todos em tons de rosa. Sem entrar no mérito da tediosa monocromia, não entendo a razão dessa praia privê. Segundo os idealizadores, é para que as mulheres possam tomar seu banho de sol sossegadas, sem enfrentar o incômodo olhar masculino e sem serem importunadas por latin lovers. Uma pesquisa revelou que 60% dos freqüentadores de praias são pessoas solteiras. Se a moda pega, solteiras continuarão.

Martha critica a praia privativa para mulheres. Para expressar o tédio que a

monocromia representa, faz uma enumeração das peças em tons de rosa: “guarda-sóis”,

“bóias”, “toalhas”, “acessórios”. A presença da cor, por si só, parece ser um incômodo para a

autora, mas, além disso, ela vê uma contradição entre a justificativa dos idealizadores e a

pesquisa que revela que a maior parte dos banhistas são solteiros.

Apesar de ter razão em criticar a praia que segrega os gêneros e intensifica o

estereótipo da “cor de mulher”, a autora não questiona que a medida, como ela mesma afirma,

é para evitar o “incômodo” que os homens oferecem às mulheres. Essa sensação de incômodo

ocorre porque nossa cultura lhes dá o direito de abordar qualquer mulher a qualquer momento.

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Contudo, a medida não contempla uma nova forma de respeito entre as pessoas, nem mostra

que as mulheres têm condições de se defender de investidas inoportunas (BADINTER, 2005)

A crítica da autora está mais ligada à última frase: “Se a moda pega, solteiras

continuarão”. Porém esse me parece o menor problema, já que ser solteiro pode ser uma opção

individual, enquanto freqüentar uma praia é direito de todos. Pode parecer sutil, mas

afirmativas como essa contribuem não só para a idéia de que toda mulher busca um parceiro

para se realizar como tal, mas também para reforçar a chamada “heterossexualidade

compulsória, que proíbe as mulheres de verem outras como fontes de prazer sexual sob

qualquer circunstância” (WOLF, 1992, p. 205). Acreditar que freqüentando uma praia só de

mulheres elas não encontrarão parceria amorosa é desconsiderar a relação homossexual.

É tão natural associar mulher ao cor-de-rosa quanto à heterossexualidade. Porém,

sabemos que a sexualidade, bem como o gênero, não são naturais, mas sim construídos. Essa

construção se faz também por meio da linguagem e é em frases como a da autora que mesmo

na tentativa de desfazer alguns estereótipos, outros são reproduzidos.

O parágrafo seguinte expressa mais algumas noções estereotipadas sobre os gêneros:

Nada contra um clube da Luluzinha de vez em quando, gosto também de

encontros entre mulheres, mas atente para o “de vez em quando”, pois não abro mão de um homem inteligente e bem-humorado para bater papo, fuçar uma livraria, jogar frescobol, ver um filme, trocar confidências – e estou dizendo isso sem nenhuma malícia, sem sexo envolvido. Homem como amigo é um luxo, dá outra cor à vida.

A expressão “clube da Luluzinha”, que caracteriza uma reunião entre mulheres é outra

referência a um desenho animado. A idéia se articula ao título “cor de menininha”, associando

essa suposta “feminilidade” que a autora associa a algo infantil. Podemos ver nessa crônica,

que a autora faz uma crítica interessante ao tentar desarticular os estereótipos quando se fala

das diferenças entre as mulheres, mas ela age de modo oposto ao contrapor os dois gêneros.

Ao falar sobre a reunião entre mulheres usa a palavra “encontro”. Já ao caracterizar a

interação com um homem, expande a possibilidade de um simples encontro para diversas

outras atividades: “fuçar livraria”, “jogar frescobol”, “ver filme”, “trocar confidências”. O que

acontece nas reuniões entre mulheres que excluem essas atividades?

Há um desequilíbrio entre as qualidades do amigo e as das amigas. Primeiro, porque

todas essas atividades podem ser realizadas com apenas um amigo, enquanto o “encontro” é

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uma reunião de pessoas que deveriam apresentar diferenças entre si. Além disso, os adjetivos e

o substantivo que ela usa para caracterizar o amigo “inteligente e bem-humorado” e “luxo”

marcam suas qualidades.

As amigas, generalizadas como um grupo homogêneo, lembram novamente um texto

de Clarice Lispector, “Crônica social”. Nesse texto, a autora fala sobre o vazio que envolve

uma reunião social entre mulheres que se comportam conforme uma norma de conduta que

engessa e artificializa as relações:

Mas em todas as outras convidadas, uma naturalidade fingida. Quem sabe,

se fingissem menos naturalidade ficassem mais naturais. Ninguém ousaria. Cada uma tinha um pouco de medo de si própria, como se se achasse capaz das maiores grosserias mal se abandonasse um pouco. Não: o compromisso fora de tornar o almoço perfeito. (A descoberta do mundo, 1999, p. 190)

Luxo é tudo aquilo que não faz parte da rotina da média, o mais caro, mais sofisticado.

Caracterizar o homem dessa forma, mostra que no “clube da Luluzinha” só há espaço para

coisas corriqueiras ou do “universo feminino”. Além disso, a dicotomia é afirmada quando ela

não pensa o grupo misto, mas o espaço só das mulheres ou só do amigo homem. Separando

sua própria maneira de se relacionar com os gêneros, a autora recai no erro que critica.

No fim do texto há ainda uma explicação para a implicância com a cor rosa. Ela mostra

como o estereótipo agiu sobre as mulheres, isolando-as em uma imagem de perfeição

associada ao “conto de fadas”:

Abandonamos o conto de fadas e pulamos para a vida real, com direito a

todas as cores, incluindo as contradições do preto e do branco, nosso lado A e nosso lado B, nossa multiplicidade, a vida com impacto, com arte, com apelos visuais mais excitantes. O rosinha dos pés à cabeça é o uniforme feminino clássico, não só metafórico como literal. Muitos estabelecimentos comerciais ainda impõem essa tonalidade às suas funcionárias. Por quê? Dá uma idéia de presídio feminino. De ninguém entra, ninguém sai. De falta de opção. De acesso vetado. E confraria de eternas menininhas.

No trecho acima, a autora mostra que o problema do estereótipo é a imobilidade. Para

isso ela usa a metáfora das cores: “pulamos para a vida real, com direito a todas as cores” o

que estaria em oposição à “monocromia” das histórias infantis. Ela usa também palavras que

vão a favor da noção de diversidade como “contradições” e “multiplicidade”. Se o colorido

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quer dizer multiplicidade, o rosa está associado aos termos que representam imobilidade:

“uniforme”, “presídio”, “ninguém entra, ninguém sai”, “falta de opção”, “acesso vetado”,

“eternas”.

A comparação de mulheres com meninas, que aparece ao longo do texto, é também um

estereótipo que as associa à fragilidade e à necessidade de proteção:

Faz parte dessa profusão de sentidos em formação a construção da mulher

como grupo homogêneo cujos membros compartilham, entre muitas características, a histeria, o descontrole emocional, o comportamento obsessivo, a fragilidade corporal e a infantilidade. (FABRÍCIO, 2003, p. 06)

Martha Medeiros parece entender os limites do estereótipo como algo negativo, mas,

como eu já havia dito, se confirma que sua crítica funciona apenas quando ela foca as

mulheres em relação a elas mesmas. Quando a perspectiva está sobre os homens, vemos que a

autora não considera a diversidade, mas mantém uma polarização masculino-feminino.

Outro estereótipo que condena as mulheres a rituais e muitas vezes à baixa auto-estima

é o “mito da beleza” (WOLF, 1992). Somos bombardeadas dia e noite pela publicidade e

outras mídias que nos ensinam que devemos ser bonitas e jovens. Essa questão muito discutida

atualmente é apresentada por Martha Medeiros em duas crônicas: “Grisalha? Não, obrigada

(18/11/2007) e “Os olhos da cara” (06/04/2008).

No primeiro texto, Martha polemiza sobre a necessidade de pintar o cabelo quando se

começa a ficar grisalha. É claramente um texto de mulher para mulheres e, novamente, a

autora articula as diferenças entre mulheres e entre mulheres e homens:

Certa vez por ocasião do Dia dos Pais, escrevi uma crônica chamada “A

dignidade do grisalho”, defendendo que os homens deveriam pensar dez vezes antes de pintar o cabelo, já que o grisalho lhes dava muito mais credibilidade, charme e juventude – isso mesmo, juventude.

Fazendo referência a uma crônica já publicada, a autora afirma que o cabelo grisalho

agrega qualidades aos homens: “credibilidade”, “charme” e “juventude”. As características

que ela enxerga em homens grisalhos são as mesmas que o senso comum atribui ao homem

mais velho, que, ao contrário da mulher que se torna feia e inútil, fica mais experiente e

interessante. Como afirma Simone de Beauvoir em A velhice (1970):

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(...) nunca se fala numa “bela velha” na melhor das hipóteses, fala-se numa

“encantadora velha”. Ao passo que se admiram alguns “belos velhos”: o macho não representa uma presa; não se exige dele nem viço, nem doçura, nem graça, mas somente a força e a inteligência do conquistador; os cabelos brancos e as rugas não contrariam este ideal viril. (p. 23)

Martha comenta sobre um livro intitulado Meus cabelos estão ficando brancos, mas me

sinto cada vez mais poderosa de Anne Kraemer, em que a autora defende que “ficar grisalha é

um ato político. Uma outra espécie de vaidade, muito mais honesta”. Já vimos pelo título que

a cronista não concorda com tal afirmação:

Ou seja, aquele truque de ficar loura pra não ficar velha estaria com os dias

contados. Nem loura, nem ruiva, nem castanha, nem índia sioux. Grisalha. É essa a verdadeira mulher moderna, de atitude. Conceitualmente, concordo com tudo. Menos com a generalização. Que mulher é essa que só tem a ganhar? Qualquer uma de nós? Tá bom.

Comparando o primeiro parágrafo com o segundo, percebemos a contradição da autora:

ela discorda de Anne Kraemer porque acha sua tese generalizante, ironizando a idéia com a

expressão de descrédito “Tá bom”. Porém, quando afirma que os homens ficam bem de

cabelos grisalhos, não diz que tipo de homem pode adotar a cor, ou seja, generaliza.

Com a expressão “ficar loura para não ficar velha”, a autora admite que a atitude em

relação à beleza está diretamente ligada à necessidade de se permanecer jovem. De fato, os

padrões estéticos atuais apregoam a juventude quase como um sinônimo de beleza. Além disso,

ao dizer que “é essa a verdadeira mulher moderna”, ela também entende que o “mito da

beleza” não nasceu hoje, mas é uma categoria que há algum tempo aprisiona a mulher a

determinados estereótipos, o que está em oposição à atitude “moderna” de romper com os

padrões.

Entretanto, seu questionamento é a respeito do tipo de mulher que pode optar por

assumir os cabelos grisalhos. Veremos no próximo parágrafo que esse padrão não tem a ver

com ser ou não “moderna”, mas com um modelo estético adequado:

Recentemente, eu estava num teatro e vi uma mulher com os cabelos curtos

e grisalhos. O rosto dela era igual ao da Jacqueline Bisset nos áureos tempos. Tinha quase dois metros de altura, magérrima e superestilosa. Ela nem precisava de cabelo

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nenhum, podia ter um balde em cima da cabeça e continuaria um deslumbre. Mas para a mulher comum que não chega a 1m65, que não tem corpo de modelo nem um guarda-roupa estiloso e ainda por cima quer manter os cabelos compridos, assumir a grisalhice é um homicídio qualificado a si mesma.

A cronista apresenta um modelo possível para usar o tom grisalho nos cabelos.

Descreve a mulher com diversas “qualidades” e a compara com uma artista de cinema. Nosso

padrão atual de beleza está muito ligado ao crescimento do cinema e da televisão que atingem

uma enorme quantidade de pessoas, globalizando os conceitos.

Percebemos como os modelos são apropriados pela autora quando ela diz que a mulher

“tinha quase dois metros de altura” e era “magérrima”. Primeiro porque o uso da hipérbole

“dois metros de altura” deveria admirar os leitores em um sentido negativo, pois essa altura é

desproporcional e totalmente fora dos padrões. Além disso, uma pessoa “magérrima” não é

necessariamente bonita, muito menos saudável, a não ser quando nos referimos ao padrão

“modelo de moda”, apresentado como normal.

A reação contemporânea é tão violenta, porque a ideologia da beleza é a

última das antigas ideologias femininas que ainda tem o poder de controlar aquelas mulheres que a segunda onda do feminismo teria tornado incontroláveis. Ela se fortaleceu para assumir a função de coerção social que os mitos da maternidade, domesticidade, castidade e passividade não conseguem mais realizar. (WOLF, 1992, p. 13)

Ainda no trecho em que Martha Medeiros descreve um exemplo de mulher grisalha e

bonita, vemos que a autora escreve para um público específico de mulheres: o grupo médio,

muito próximo a ela. Ao descrever a mulher comum “que não chega a 1m65, que não tem

corpo de modelo nem um guarda-roupa estiloso e ainda por cima quer manter os cabelos

compridos”, ela descreve a si mesma.

Tanto as leitoras como a escritora se inserem em um padrão de beleza que valoriza a

magreza, o estilo de se vestir e os cabelos, item, aliás, muito enfatizado, como mostra a autora

a seguir:

O assunto não é sério, mas totalmente trivial também não. Que mulher, em

pleno gozo de suas faculdades mentais, diria que não dá a mínima para o cabelo? Eu, por enquanto, nem penso em cirurgias, botox ou preenchimentos – não que eu não

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precisasse –, mas me acusar de não ter atitude porque passo um tonalizantezinho de nada já é querer humilhar. Tenho atitude sim, principalmente a atitude de pegar o telefone e marcar hora no cabeleireiro. Quem fala que isso é perder tempo não sabe que boa companhia é um livro enquanto a tintura age.

Martha se coloca como parte desse grupo gendrado (mulheres) que se preocupa com a

aparência do cabelo. Mas se defende da acusação de superficialidade de dois modos: um

afirmando que não pensa em cirurgias plásticas; outro dizendo que aproveita o tempo no

cabeleireiro para ler um livro. Com uma dose de humor a autora afirma ser uma mulher de

atitude ao “pegar o telefone e marca hora no cabeleireiro”. A cronista ainda tenta diminuir a

importância da estética em sua vida com a expressão “tonalezantezinho de nada”, como se

fosse algo quase imperceptível. O que não é, já que dedica uma crônica ao assunto.

Apesar de algumas contradições e de acabar reforçando um ideal de beleza, percebo

que a autora tenta desconstruir o estereótipo de que a mulher bonita é superficial (como a

personagem “loura burra”), ou que a mulher intelectualizada não pode assumir determinados

cuidados com a aparência física.

A crônica “Os olhos da cara” enfatiza a questão da juventude, ou da necessidade de se

manter com aparência jovem. Como na maior parte das crônicas apresentadas aqui, as autoras

iniciam com um acontecimento ou notícia que renderam o tema do texto:

Ano passado participei de um evento comemorativo ao Dia da Mulher. Era

um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades. Principalmente idades. Lá pelas tantas fui questionada sobre a minha e, como não me envergonho dela, respondi. Foi um momento inesquecível. A platéia inteira fez “oooohh” de descrédito. E quando eu disse que, até aqui, ainda não enfiei uma única agulha no rosto ou no corpo, foi mais emocionante ainda: “Ooooooooooooooooohhhhhhh!”.

O primeiro dado da crônica mostra como a autoria feminina está relacionada com as

questões de gênero em seus eventos e discussões. As autoras são mais lidas por mulheres, são

mais procuradas para debates como o citado na crônica, mais requisitadas para seções de

crônicas e carta de leitoras em revistas para o público feminino.

O interessante é como as mulheres se interessam pela idade umas das outras. Porém,

mais que uma curiosidade sobre a vida da escritora, saber sua idade tem a ver com a

correspondência entre aparência e tempo cronológico. No caso de Martha, a platéia considera

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sua aparência jovem, segundo a exclamação (“oooohhhhh”), principalmente após a afirmação

de não ter se submetido à cirurgia plástica. Essa segunda exclamação é ainda mais importante,

pois é tão comum que as pessoas façam plásticas, que o fato de não o fazer se torna

surpreendente.

Aí fiquei pensando: “Pô, estou nesse auditório há quase uma hora exibindo

minha incrível e sensacional inteligência, e a única coisa que provocou reação calorosa na mulherada foi o fato de não aparentar a idade que tenho. Onde é que nós estamos” ?

Percebemos que a motivação para a crônica foi a reflexão da autora a respeito do que

se valoriza hoje. Apesar da ironia mostrada com o uso dos adjetivos “incrível e sensacional”

para descrever sua inteligência, ela se surpreende porque o motivo do encontro não era discutir

aparência ou idade, e sim idéias.

Onde não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado

“juventude eterna”. Estão todos em busca da reversão do tempo, e com sucesso: quanto mais ele passa, mais moços ficamos. O.k., acho ótimo, porque decrepitude não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas.

A cronista joga com a oposição das expressões “caquético” e “juventude eterna”,

mostrando que esse conceito é muito antigo, que sempre se buscou prolongar a juventude. Em

umas das cartas do livro Tudo que eu queria te dizer (2007), Flávia, que passou por cirurgia

plástica, escreve a sua amiga Vera, relatando a experiência após as transformações no rosto:

Vera, eu nunca havia escutado o que meu rosto original falava, nunca tinha

me dado conta da linguagem das minhas expressões. Que inferno! Do que adianta descobrir tarde demais nosso afeto pelas nossas imperfeições? Eu estava tão descontente com as transformações que a idade estava me impondo, e só agora me dou conta do quanto eu estava surtada, eu não podia ter feito a retaliação que fiz, este nariz não é meu, estes olhos também não, eu sigo sendo eu mesma mas meu rosto não reflete mais isso, reflete uma mulher arrogante que achou que poderia deter o tempo e que a agora tem que se contentar em ser dona de uma máscara. (p. 54)

A reflexão e auto-crítica da personagem está relacionada aos resultados inesperados de

cirurgias plásticas, mas está ainda mais ligada à rejeição das marcas físicas que a velhice traz.

As expressões “linguagem das minhas expressões” e “afeto pelas nossas imperfeições” são

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importantes para entender o pensamento da autora, pois ela associa aparência a questões mais

subjetivas. Na ficção, ela apresenta uma reflexão sobre o mito da “juventude eterna”, mas na

crônica ela tem a chance de apresentar soluções:

Minha mãe recentemente mudou do apartamento enorme em que morou a

vida toda para um bem menorzinho. Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras que havia guardado e, mesmo tento feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu. Uma amiga casada há 38 anos, cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos de idade. Rejuvenesceu. Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um baita emprego em Porto Alegre por um não tão bom em Florianópolis, onde ela vai à praia sempre que tem sol. Rejuvenesceu.

A autora não se mostra contra a possibilidade de buscar a juventude, nem contra os

procedimentos cirúrgicos. Mas no trecho acima apresenta exemplos de como rejuvenescer por

meio de outros métodos. A solução encontrada por Martha é a mudança. Ela dá alguns

exemplos da vida doméstica “mudou do apartamento enorme”; da vida amorosa “cansou das

galinhagens do marido”; da vida profissional “trocou um baita emprego”.

É importante notar que a autora se mantém na linha de escrever para as mulheres e usá-

las como exemplo. Essa marca de gênero está presente até mesmo na página em que escreve,

intitulada “Ela disse”. É o local da voz da mulher na revista de domingo d’o Globo, por isso

sua experiência como mulher é assunto recorrente. O direcionamento da página é o chamado

“público feminino” como se pudéssemos ler “Ela disse para elas”. A revista traz a oposição de

gênero ao abrir dois espaços definidos para homens e mulheres: “Ela disse” (Martha Medeiros)

e “Ele disse” (Cláudio Paiva).

Voltando ao texto, a concepção de juventude da autora é mostrada ainda no fim da

crônica, quando ela faz um jogo de palavras com o campo semântico do olhar:

Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal

juventude eterna. Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não há plástica que resgate seu brilho. Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar. Um olhar iluminado, vivo e sagaz impede que a pessoa envelheça.

A crônica termina retomando o título “Os olhos da cara”, que significa algo caro. Essa

expressão se relaciona ao que a autora chama “um alto preço emocional” cobrado pela

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mudança. A expressão também indica a necessidade apontada por Martha de prestar atenção

aos olhos. Ela opõe os olhos físicos “puxado e repuxado por um cirurgião”, ao olhar, em “que

se percebe tal juventude eterna”. As palavras “opaco” e “brilho” se relacionam a olhos e olhar,

respectivamente, ressaltando a importância do último.

Sobre o mesmo assunto: padrões estéticos e busca de juventude, Lya Luft publica no

dia 5 de março de 2008 a crônica “Por que nos mutilamos?”. A crítica já está no título, pois o

verbo mutilar, que denota violência, se refere aos procedimentos cirúrgicos a que as pessoas se

submetem atualmente.

Martha Medeiros e Lya Luft associam o envelhecimento a procedimentos estéticos,

pois, como afirma Elódia Xavier (2007): “A velhice se manifesta através do corpo, sendo que

a relação com o tempo é vivida de forma diferente, segundo um maior ou menos grau de

deteriorização corporal, e, sobretudo, segundo a cultura dominante” (p. 86).

Ao longo do texto, a autora apresenta exemplos de pessoas que se submeteram a

cirurgias e transformaram seus corpos e rostos:

Numa página de revista, deparo com um espetáculo deprimente: uma

milionária americana de 62 anos entra num restaurante expondo a fotógrafos e freqüentadores um rosto tão desfigurado por plásticas, preenchimentos e outros processos que não era só feio e disforme, mas assustador. Nada mais ali combinava, as sobrancelhas em alturas diferentes, os olhos artificialmente enviesados estavam desemparelhados e o nariz sumia num rosto de lua cheia, fruto de inadequados esticamentos e exageradas invasões.

Nesse trecho, a autora contextualiza a imagem da mulher “desfigurada” em uma revista,

local privilegiado para exibição e fixação dos padrões estéticos. Alguns dados da personagem

descrita por Lya Luft são marcantes. A questão financeira é uma delas. O fato de ser

milionária a insere no público alvo das clínicas estéticas e de cirurgia, já que os procedimentos

oferecidos são caros. Além disso, a nacionalidade americana a coloca na estatística que afirma

serem os americanos campeões em cirurgias.

Mas o que chama atenção é a forma como o rosto da mulher é descrito: “desfigurado”,

“não só feio e disforme como assustador”. A figura é paradoxal, pois, apesar de tantos

“defeitos”, ela chama atenção de fotógrafos e ocupa espaço em páginas de revista. Talvez a

explicação esteja em sua idade: 62 anos. A quantidade de procedimentos está diretamente

ligada ao retardamento da velhice.

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Há poucos dias vi por acaso uma conhecida que não encontrava fazia anos.

Reconheci-a de longe, de costas para mim, e quando ela se virou na cadeira senti um choque. O corpo elegante de uma mulher madura era o mesmo. O rosto era uma coisa redonda e intumescida, lisa, com pouco das verdadeiras e simpáticas feições de que me lembrava tão bem. Os lábios estavam enormes, com algo de genital, os olhos pareciam pequenos demais e seu nariz adunco, em lugar de ter sido corrigido para um pouco menos adunco – embora nunca tivesse sito feio – , era uma pobre batatinha perdida numa paisagem hirta e inexpressiva.

O exemplo é de uma pessoa conhecida da autora. Ela se assusta com a diferença de

imagem entre sua lembrança e o que vê, como se nota na seqüência “reconheci-a”, “ela se

virou” e “senti um choque”. Lya reconhece a pessoa, pois seu corpo não havia mudado “o

corpo elegante de uma mulher madura era o mesmo”, mas se assusta com o rosto, “coisa

redonda intumescida”.

Há uma desproporção entre as partes do rosto. As modificações na face da mulher não

acompanharam suas próprias feições. Por exemplo, o nariz adunco, que, segundo a autora,

poderia ter sido apenas “corrigido”, foi descaracterizado. Até mesmo o uso da palavra “coisa”

para se referir ao rosto mostra como ele foi distanciado do humano.

Ao sugerir que o nariz poderia ser modificado, embora não tanto, a autora admite não

ser totalmente contra a cirurgia. Assume essa posição no trecho seguinte:

Sei que no folclore a meu respeito consta entre outras coisas que sou “contra

cirurgia plástica”. Nada mais incorreto e tolo. Eu mesma, viúva pela primeira vez aos 49 anos, de maneira súbita e brutal, aos 51 tinha o rosto tão devastado pelo abalo que um amigo, excelente cirurgião, fez um lifting discretíssimo e pequeno, que não me rejuvenesceu – nem eu queria –, mas talvez tenha tirado um pouco do ar cansado e triste demais.

Lya Luft usa o próprio exemplo para mostrar que a cirurgia estética pode ser um

recurso em favor das pessoas. Sua justificativa está em afirmar que o lifting foi “discretíssimo

e pequeno”, opondo-se às mulheres descritas anteriormente em que ficavam gritantes os

resultados das plásticas.

Portanto sou a favor de recursos não para enganar o tempo, o que em geral

acaba em resultados desfavoráveis e patéticos, pedindo sempre mais e mais intervenções, mas para abrandar, eventualmente corrigir, a fim de que a pessoa,

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homem ou mulher, se sinta bem na própria pele. Não para que aos 60 a gente pareça ter 30, e aos 80 viva a melancólica ilusão de ter 50.

A cronista segue afirmando que há pontos positivos na intervenção cirúrgica. Esses

pontos positivos se relacionam aos verbos “abrandar” e “corrigir” em oposição a “enganar”. O

que a autora afirma vai de encontro ao que circula na nossa cultura de busca por beleza a todo

custo, ou como diz Tânia Navarro Swain (2008): “as redes de sentido que nos conferem

inteligibilidade – a começar por nossa própria auto-representação – nos desenham assim: seja

sexy ou morra, tenha sexo ou morra” (p. 300). A necessidade de atingir o modelo de beleza

está relacionada à necessidade de se sentir desejada, na nossa sociedade, as mulheres jovens

são consideradas mais desejáveis.

É interessante notar que agora ela inclui os homens, que hoje também são afetados pelo

“mito da beleza”. Se antes ela havia dado exemplos de mulheres, agora ela ameniza a questão

do estereótipo marcado no gênero. Contudo é impossível fingir que não são as mulheres as

mais afetadas pela imposição da beleza e da eterna juventude.

Aliás, é também nesse trecho que a autora aborda a questão da idade. Todos esses

recursos são usados para aparentar menos idade do que se tem, mas como ela afirma, a

tentativa se torna uma “melancólica ilusão”. Melancólica porque nostálgica, tentativa de voltar

a um tempo do passado; ilusão porque é impossível aparentar 30 anos menos apesar de todas

as cirurgias.

Não é a juventude que interessa, mas a felicidade e a alegria. Olhar-se no

espelho e poder dizer: bem, esta sou eu, aqui está a minha história, o que for excessivo vou corrigir, mas não quero ser uma adolescente eterna, a não ser que minha alma permaneça infantilóide.

Aqui a autora, assim como Martha Medeiros em “Os olhos da cara”, propõem um novo

olhar. Na verdade um “olhar-se”, quer dizer, a aceitação do que se é: “aqui está a minha

história”. A autora mostra acreditar que a história de cada um deixa marcas nos corpos e que

elas fazem parte do que somos. Contudo, o que houver de excesso, como ocorreu com ela

mesma que teve o rosto “devastado pelo abalo”, pode ser corrigido.

A personagem Anelise de As parceiras (2005) apresenta esse senso crítico em relação

à irmã, Vânia, sempre preocupada em evitar rugas e ter a aparência perfeita. Anelise prevê

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para a irmã, que na passagem transcrita abaixo, tem menos de trinta anos, um futuro parecido

com o que Lya Luft apresenta na crônica:

Ela olha no espelho, sorri como as capas de revista aprendem a sorrir, sem

fazer ruga. Mas eu sei que, se começar a operar agora não pára mais, porque tem essa

aflição de espírito, esse desespero. Em mais dez anos estará com a cara repuxada e inexpressiva das bonecas de porcelana. (p. 82)

A necessidade do que Lya chama de “ser uma adolescente eterna” domina a cultura,

exigindo das mulheres uma aparência incompatível com qualquer idade, já que a adolescência

é um período muito curto da vida. Percebamos também que embora ela inclua os homens na

sua crônica predomina o feminino, pois ela se coloca como mulher, como na frase: “ não que

ser uma adolescente eterna”. Como disse anteriormente, é impossível dissociar o “mito da

beleza” de uma suposta “feminilidade”.

A angústia por manter-se jovem muito além dessa fase pode levar aos

maiores desatinos. Como os modelos que se nos apresentam em nossa cultura superficial indicam que é bom ter sempre 15 anos, se não tivermos uma bagagem interior (o que inclui a cultural) para remar contra a correnteza, em breve faremos parte da legião de mutiladas, as quais têm pouco delas mesmas, peles fanadas expostas em decotes ousados de precários vestidinhos.

Novamente Lya Luft enfatiza a impossibilidade de manter-se para sempre na

adolescência. Porém, expressa seu conhecimento sobre os modelos culturais que seduzem as

pessoas, em especial as mulheres que mesmo sem serem nomeadas nesse trecho são

representadas pelas palavras “decotes” e “vestidinhos”.

A autora usa e expressão “remar contra a correnteza”, muito comum no coloquial e que

significa ir contra a tendência da maioria, que para ela, é a “legião de mutiladas”. Com a

palavra “legião” que figurativamente significa “multidão de seres” (Miniaurélio, 2004), Lya

dá a proporção de pessoas atingidas pela cultura que ela caracteriza como “superficial”. Em

oposição à “cultura superficial” ela coloca a “bagagem interior” como única forma de não

servir a essa legião.

Nem todo mundo vai gostar do que escrevo aqui e digo em muitas palestras:

dirão que madureza e velhice implicam doença e deterioração. Uma maturidade

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tranqüila e uma velhice elegante são mil vezes preferíveis à caricatura que nos tornamos (...). Então quem sabe a gente – homens e mulheres – procure gostar de si um pouco mais, trocando a fatal tentativa de negar o tempo por saúde, equilíbrio, beleza real e alegria, que fazem um bocado de falta nesse mundo nosso.

Lya Luft se mostra contra o senso comum ao afirmar que “nem todo mundo vai gostar

do que escrevo”, pois sabe que a tendência atual é rejeitar a velhice alegando que ela implica

“doença e deterioração”. A visão da autora não nega as conseqüências do tempo, e caracteriza

sua visão de maturidade como “tranqüila” e “elegante”. A palavra “tranqüila” se opõe ao que

chamou de “desatinos” em prol da beleza. Já “elegante” parece se afastar de “mutilação”, e

“caricatura”.

Ao adjetivar a “tentativa de negar o tempo” com a palavra “fatal”, a autora expressa

sua descrença nessa possibilidade; além de saber que com tantos procedimentos, de certa

forma, algo de importante será perdido (tranqüilidade e elegância, por exemplo).

No fim do texto, a escritora tenta novamente incluir os homens em sua discussão: “a

gente – homens e mulheres”. Diferente de Martha Medeiros que tem um espaço marcado pelo

gênero no título da página, Lya Luft escreve em um espaço denominado “Ponto de Vista” em

que alterna suas crônicas com o economista Cláudio de Moura Castro. A necessidade de

escrever como e para mulher é menor, porém não se pode dissociar a autoria feminina das

questões de gênero, mesmo que o texto tenha uma perspectiva não gendrada.

Outra crônica de Lya Luft, “Setenta anos, por que não?” (17/09/2008) também discute

os padrões de velhice que existem em nossa cultura. É de certa forma um desdobramento da

discussão já apresentada em “Por que nos mutilamos?”. Também se questionando, e se

incluindo no texto, a autora fala sobre sua própria experiência com o envelhecimento.

Acho essa coisa de idade fascinante: tem a ver com o modo como lidamos

com a vida. Se a gente considera uma ladeira que desce a partir da primeira ruga, ou do começo da barriguinha, então viver é de certa forma uma desgraceira que acaba na morte. Desse ponto de vista, a vida passa a ser uma doença crônica de prognóstico sombrio.

Ao contrário dos que temem a idade, a autora se sente fascinada pelo assunto por saber

que não existe apenas uma maneira de envelhecer. Ao dizer que “tem a ver com o modo como

lidamos com a vida”, ela assume não crer que haja uma maneira única de passar pela vida.

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Além disso, critica aqueles que enxergam o envelhecimento só pelo viés do físico: “primeira

ruga”, “começo da barriguinha”.

Lya Luft, então, revela que fará 70 anos, mas que atualmente atingir essa idade é algo

comum: “Aos poucos fui percebendo que hoje em dia fazer 70 anos é uma banalidade”. Assim,

compara sua experiência com as noções que se tinha de velhice no passado:

Pois minhas avós eram damas idosas aos 50, sempre de livro na mão lendo

na poltrona junto à janela, com vestidos discretíssimos, pretos de florzinha branca (...), hoje aos 70 estamos fazendo projetos, viajando (...), indo ao cinema, indo a restaurante (...), eventualmente namorando ou casando de novo. Ou dando risada à toa com os netos, e fazendo uma excursão com os filhos. Tudo isso sem esquecer a universidade ou aprender a ler, ou visitar pela primeira vez uma galeria de arte, ou comer sorvete na calçada batendo papo com alguma nova amiga.

De acordo com a experiência da autora, o padrão de idoso mudou ao longo dos anos.

Entre o comportamento de suas avós aos 50 anos e o seu aos 70 há uma diferença enorme.

Todas as atividades que enumera para mostrar os avanços são ações tradicionalmente

atribuídas a pessoas jovens, pois se relacionam com iniciar coisas (“fazendo projetos”,

“namorando ou casando”, “universidade”, “aprender a ler”, “visitar pela primeira vez”, “nova

amiga”) ou estão ligadas à diversão (“viajando”, “indo ao cinema”, “dando risada”, “fazendo

excursão”, “comer sorvete”, “batendo papo”).

O que autora recusa é o estereótipo de que pessoas velhas não se divertem mais, se

tornam sisudas ou tristes: “Por que a passagem do tempo deveria nos tornar mais rígidas, mais

chatas, mais queixosas, mais intolerantes, espantalhos dos afetos e das alegrias?”. O

questionamento da autora vem repleto de palavras de sentido negativo: “rígidas”, “chatas”,

“queixosas”, “intolerantes”, “espantalhos”. O uso da palavra “espantalho” é interessante, ela

se refere a uma atitude repelente, pois no senso comum, a companhia de idosos é muitas vezes

evitada justamente por esse conceito de velhice.

Se formos eternos acusadores, acabaremos com um gosto amargo na boca: o

amargor das próprias palavras e sentimentos. Se não soubermos rir, se tivermos desaprendido como dar uma boa risada, ficaremos com a cara hirta das máscaras das cirurgias exageradas, dos remendos e intervenções para manter ou recuperar a “beleza”.

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A cronista retoma a questão da cirurgia plástica como forma de recuperar uma suposta

juventude perdida. Vemos pelo uso das aspas na palavra “beleza” que esse não é o conceito de

belo com que a autora concorda. A palavra “remendo” tem o sentido de correção mal feita e

provisória, ou mesmo que não esconde o defeito. Além disso, ela defende a risada, opondo-a à

máscara que se torna o rosto transformado por plásticas. Aliás, a autora usa os mesmos termos

(“hirta”, “máscaras”) do texto anterior, o que confirma sua opinião sobre o tema.

A sugestão proposta por Lya Luft é muito próxima da que Martha Medeiros apresenta

em “Os olhos da cara”. Martha fala sobre mudanças que rejuvenescem como forma de

recuperar o frescor e a alegria, já Lya sugere “projetos e afetos”:

O projeto pode ser comprar um vaso de flor e botar na janela ou na mesa,

para contemplarmos beleza. Pode ser o telefonema para o velho amigo enfermo. Pode ser a reconciliação com o filho que nos magoou, ou com o pai que relegamos, quando não podia mais nos sustentar.

As sugestões da cronista têm a ver com afeto e com o seu próprio conceito de beleza,

palavra agora escrita sem aspas e que está ligada à natureza, a uma flor. Além disso, ela

mostra que não se está velho o suficiente para iniciar novos projetos. Dessa forma parece

concordar com Simone de Beauvoir (1980) que afirma: “Enquanto a mulher permanecer

parasita, não poderá eficientemente participar de um mundo melhor” (p. 361).

Nesse capítulo ficou clara a tendência contemporânea de relacionar beleza e juventude

à mulher como única forma de ser. Martha Medeiros, apesar de algumas críticas, se mantém

nessa tendência, oscila entre manutenção e desconstrução. Já Lya Luft se coloca contra a

ditadura da beleza, mostrando as conseqüências desastrosas de plásticas mal feitas.

Marina Colasanti, autora que iniciou o capítulo, trouxe uma visão mais abrangente

sobre os clichês usados para separar homens e mulheres em dois grupos diferentes e opostos.

Ela desfaz essa oposição ao mostrar que todos somos passíveis dos mesmos sentimentos,

usados de formas distintas pela sociedade para padronizar os comportamentos.

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5- Conclusão

A crônica é um gênero literário que possibilita a diversidade de temas e linguagens.

Fica claro que esses textos não podem ser dissociados da obra de suas autoras, sob a pena de

se perder importantes considerações formuladas pelas cronistas.

Os relatos de interações entre as cronistas e as leitoras inseridos nos textos como em

“Os olhos da cara” de Martha Medeiros, e “As mulheres não inventaram a culpa” de Marina

Colasanti, mostram que as escritoras possuem prestígio social oriundo da visibilidade de seus

textos publicados na imprensa. Além disso, uma grande parte de suas crônicas apresenta

temática gendrada ou atravessada por questões de gênero.

A intertextualidade permite que se discuta não só a questão da mulher na “literatura-

jornalística”, mas as relações de gênero que foram fundamentais para minha pesquisa. Essa é

uma marca da contemporaneidade, em que a reflexão a respeito de como vivemos e

interagimos em sociedade está em pauta diariamente.

As autoras se posicionam a respeito da mulher na sociedade e na cultura por meio dos

temas família, amor e outros que convencionei chamar de estereótipos, pois abordam

conceitos e preconceitos a respeito dos gêneros. Há ainda outros temas que, por falta de tempo

e espaço, não foram abordados aqui, além daqueles que não se prestariam ao tipo de análise

que me propus a empreender.

O agrupamento por temas, e não por autoras, permitiu a comparação de suas

perspectivas. Percebe-se que há pontos em comum e pontos divergentes nas abordagens, o que

enriqueceu o trabalho. Além disso, os diferentes estilos das autoras faz refletir sobre a criação

da crônica. Isso porque cada uma utiliza diferentes estratégias para levantar discussões e

envolver o leitor.

É marcante a colocação das autoras como mulheres escrevendo sobre assuntos que

interessam às mulheres de modo geral. Isso mostra como ainda há muitos temas segmentados,

principalmente na mídia. A esse respeito podemos nos questionar: por que a preocupação com

as relações amorosas estão mais relacionadas às mulheres? Como é possível que em pleno

século XXI ainda se mantenham discursos estereotipados a respeito das mulheres? Por que ao

se falar sobre a família, as mães ainda são responsabilizadas por toda frustração?

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Esses questionamentos perpassam o trabalho por meio das diferentes temáticas

estabelecidas, pois, grande parte dos textos recolhidos entre 2007 e 2008 se prestou à

discussão.

Um dos objetivos da pesquisa foi levantar dados que mostrassem como ainda se

conservam determinados discursos, mesmo que em disputa com idéias mais inovadoras. As

autoras selecionadas estão em pleno exercício, inseridas em um contexto de reflexão, por isso

posso dizer que o trabalho se desenvolveu em uma concomitância de reflexões: a minha, diária,

e a das escritoras que semanal ou quinzenalmente traziam novas formas de interpretar as

experiências socialmente compartilhadas.

Esse aspecto também modificou a organização da minha escrita, uma vez que os textos

vinham ao longo do processo e que os temas foram surgindo fora da ordem estabelecida pelos

capítulos. Quer dizer, as partes dos trabalhos não foram finalizadas separadamente, mas

elaboradas simultaneamente.

À literatura contemporânea coube um papel de ruptura com as tradições e, por isso,

coube às mulheres intelectuais um posicionamento contra o que havia de conservador. Porém,

o que vemos, é que não é possível romper definitivamente com os padrões sociais arraigados

em nossa cultura.

Lutar contra o aprisionamento das mulheres nos estereótipos é tarefa diária em nossa

ação no mundo, em nossa linguagem e escolhas. É comum, e foi mostrado ao longo do

trabalho, que nossa escolha vocabular nos traia, reforçando aquilo que devemos desconstruir.

O que ocorre até mesmo com as escritoras e é possível perceber ao compararmos suas

colocações.

Marina Colasanti se mostra interessada em expor a manipulação social a que as

mulheres são submetidas. Em “Chamem a mãe”, ela mostra como numa situação de extrema

tensão (a prisão de um famoso traficante) o nome da mãe é invocado para preservar a vida do

filho, mesmo que eles não mantenham uma relação de cumplicidade. Em “Fidelidade um

barato brasileiro”, a autora apresenta dados contraditórios a respeito da infidelidade conjugal,

que faz parte, sob uma visão conservadora, do “universo masculino”, mas que para ela é

comum a ambos os gêneros.

Já Lya Luft propõe a desconstrução de conceitos conservadores focando a crítica na

mulher. A autora não age em defesa cega pelas mulheres, pois elas são capazes de viver sem

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reproduzir antigos modelos. Na crônica “Jogos da vida”, há uma critica àquelas que

engravidam para forçar um casamento ou para ganhar pensão, colocando a responsabilidade

da gravidez inesperada sobre o homem. Em “Por que nos mutilamos?”, Lya Luft fala sobre o

excesso de cirurgias plásticas a que muitas mulheres vêm se submetendo em nome de um

padrão ilusório de beleza e juventude.

Martha Medeiros parece ser a cronista de visão mais conservadora a respeito dos

gêneros. Embora busque quebrar alguns estereótipos, a autora não deixa de reproduzir outros.

A crônica que considero mais marcante sob esse aspecto é “Cor de menininha”, texto em que

critica a idéia da separação dos gêneros por cores. Sua crítica é mesmo pertinente, pois essas

dicotomias marcam o local do feminino, imobilizando a mulher nos estereótipos. Contudo, ela

faz uma separação em sua própria forma de se relacionar com homens e com mulheres,

definindo um lugar e um momento para “eles” e outro para “elas, ou seja, recaindo no

estereótipo.

Um ponto interessante e típico da crônica é a presença do discurso da escritora. O

gênero não permite isenções, impede a mistificação da narradora, aproximando leitor/a e

autora. Coloca a literatura como parte da vida de todos os envolvidos no texto. Transporta para

o jornal e a revista de cada dia, as discussões do livro, ainda tão distante do brasileiro.

Por todos os aspectos observados, pode-se dizer que o presente trabalho é o recorte de

um corpus que se projeta para o futuro. Os diversos temas e reflexões continuam disponíveis e

em processo de modificação a cada crônica publicada. Assim, os questionamentos propostos

aqui estão longe de estarem plenamente esgotados.

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ANEXO As crônicas

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20 de junho de 2007

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15 de agosto de 2007 2

2 Texto retirado do site da revista Veja: http://veja.abril.com.br

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2 de abril de 2008

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5 de março de 2008

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17 de setembro de 2008

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10 de junho de 2007

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4 de novembro de 2007

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4 de março de 2007

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3 de junho de 2007

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10 de agosto de 2008

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10 de junho de 2007

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13 de janeiro de 2008

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26 de outubro de 2008

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8 de julho de 2007

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18 de novembro de 2007

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6 de abril de 2008

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