A defesa europeia depois do Tratado de Lisboa - · PDF fileTornada possível pelo acordo franco-britânico de Saint-Malo, em 1998, ... No quadro do Tratado de Lisboa6, a Política

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  • o Tratado de Lisboa constitui, indiscutivelmente, um momento fundamental na histria da construo europeia. Com a sua entrada em vigor, a 1 de Dezembro de 2009, a Unio Europeia (ue) passou a dispor de um conjunto de instrumentos ins-titucionais para melhor responder aos desafios que enfrenta, quer no plano interno com as mudanas da estrutura institucional para adapt-la e garantir a sua eficcia numa Europa alargada a 27 , quer no plano internacional com o reforo dos meca-nismos de aco externa que lhe permitem maior consistncia e maior coerncia na resposta aos desafios de um mundo globalizado.Com o Tratado de Lisboa, os instrumentos institucionais existem. Resta, agora, saber se a ue ser, politicamente, capaz de os traduzir num aprofundamento do processo de construo europeia. De um ponto de vista geral, espera-se que possam concretizar-se num avano em trs domnios fundamentais. Primeiro, na racionalizao da estrutura institucional com maior rapidez e maior eficcia no processo de deciso. Segundo, no aumento da transparncia e da legitimidade democrtica, atravs do reforo do papel dos cidados e dos seus representantes. Terceiro, no fortalecimento dos mecanismos de aco externa da Unio e, em particular, em matria de segurana e defesa.

    UmADcADADEPOLTIcAEUROPEIADESEGURANAEDEFESA

    Tornada possvel pelo acordo franco-britnico de Saint-Malo, em 1998, e lanada nas cimeiras europeias de Colnia e Helsnquia, em 1999, a Poltica Europeia de Segurana e Defesa (pesd) foi consagrada no Tratado de Nice, em 2000. E desde ento, indepen-dentemente das vicissitudes polticas dos diversos tratados, a pesd tem sido uma das reas mais dinmicas do processo de integrao europeia. Historicamente, a construo europeia tem sido concretizada segundo dois grandes mtodos. Por um lado, o mtodo dos primeiros federalistas que, em certa medida, regressa nos ltimos anos, nomeadamente, na preparao do Tratado Constitucional da ue. Desenvolve-se no sentido de cima para baixo, concentra-se na tentativa de defi-nio de uma grande viso poltica e uma arquitectura institucional correspondente

    O T R A T A D O D E L I S B O A E A N O V A E U R O P A

    A defesa europeia depois do Tratado de LisboaNuno Severiano Teixeira

    relaes internacionais maro : 2010 25 [ pp. 021-029 ] 021

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    para a ue e procura atingir um estado final. Por outro, o mtodo que prevaleceu desde a apresentao do projecto comunitrio por Robert Schuman, em 1950. Desenvolve-se no sentido inverso e procura aliar o ideal europeu demonstrao da capacidade de resoluo dos problemas comuns aos cidados da Europa, num processo de construo constante, que parece, sempre, inacabado. Ficou conhecido na histria da construo europeia como o mtodo dos pequenos passos.Resultado das vrias experincias histricas, no podemos deixar de admitir que as tenta-tivas de queimar etapas como ficou demonstrado, quer no caso da Comunidade Europeia de Defesa, no incio do processo de integrao, quer no caso do Tratado Constitucional, mais recentemente tendem a provocar recuos srios e nem sempre fceis de reverter. Ao contrrio, o mtodo dos pequenos passos, sem dvida mais paciente e trabalhoso, tem dado provas de sucesso. E a pesd um bom exemplo deste segundo mtodo.Sustentada nos princpios e valores comuns em que assenta a Unio, designadamente, a liberdade, a democracia e o respeito pelos Direitos do Homem e pelas liberdades funda-mentais, a pesd tem sido construda, desde 1999, atravs de passos concretos e prudentes, mas slidos, nos diversos planos institucional, das capacidades, operacional e doutri-nrio tendo, mesmo, ido alm do que estava definido pela letra do tratado1.No plano institucional, a ue dispe, hoje, de uma estrutura capaz de responder a deci-ses polticas com implicaes de natureza militar. O quadro institucional traado em Helsnquia e consagrado em Nice integra um Comit Poltico e de Segurana, um Comit

    Militar e um Estado-Maior da ue, reunindo os necessrios mecanismos de deciso e direco em matria militar e em pleno funcionamento. No plano das capacidades, e seguindo uma metodologia semelhante definida em

    Helsnquia, embora com um nvel de ambio renovado, foi aprovado em 2004 um documento orientador, designado Objectivo Global 20102, que prev a criao de uma capacidade de resposta rpida europeia capaz de intervir em misses militares de manu-teno de paz, de imposio da paz e de gesto de crises. Nesta capacidade inclui-se a formao dos Agrupamentos Tcticos (Battle Groups), cuja capacidade operacional plena foi declarada em Janeiro de 2007. Na sequncia deste documento estratgico, foi apro-vado durante a presidncia portuguesa do Conselho da ue, no segundo semestre de 2007, o Catlogo de Progressos em que se descreve o actual momento em matria de capacidades militares e se identificam as principais lacunas e prioridades estratgi-cas at 2010. Desta identificao, destacam-se trs reas fundamentais: a proteco de foras; a capacidade de projeco, em particular no que concerne ao transporte estra-tgico; e a superioridade na recolha de informao (intelligence).No plano operacional, a ue est h uma dcada, permanentemente, no terreno a rea-lizar misses. Primeiro, ao abrigo dos Acordos de Berlin Plus, em coordenao com

    No PLaNo INSTITUcIoNaL, a UE DISPE,

    hojE, DE Uma ESTrUTUra caPaz DE rESPoNDEr

    a DEcISES PoLTIcaS com ImPLIcaES

    DE NaTUrEza mILITar.

  • A defesa europeia depois do Tratado de Lisboa Nuno Severiano Teixeira 023

    a nato, depois, de forma autnoma. Procurando responder aos desafios de segurana e estabilidade regional, a ue promoveu, j, mais de duas dezenas de misses pesd, civis e militares, por todo o mundo e tem hoje no terreno cerca de sete mil homens e mulheres, distribudos pelas 13 misses em curso3.Finalmente, no plano doutrinrio, foi apresentada, em 2003, a Estratgia de Segurana Europeia (ese)4 que identifica as principais ameaas segurana comum. Este foi um documento indito na construo europeia, j que definiu uma doutrina estratgica e uma viso conjunta para a aco externa. Cinco anos depois da sua aprovao, e luz do novo contexto internacional e dos novos desafios que se colocam Unio o, ento, secretrio--geral do Conselho e alto-representante para a Poltica Externa, Javier Solana, apresentou, no Conselho Europeu de Dezembro de 2008, um documento de avaliao da implemen-tao da estratgia com uma proposta de actualizao dos objectivos e ambies da ue para a prxima dcada em matria de aco externa, e que constitui a nova ese5. Resultado deste percurso, e analisadas as etapas j percorridas, as avaliaes sobre o balano da pesd dividem-se. Uma diviso que tem por base a clivagem histrica entre as duas concepes estratgicas para a segurana europeia: a concepo continental e a concepo atlantista. Por um lado, aqueles que defendendo o modelo do exrcito europeu consideram que se est muito aqum do objectivo a alcanar. Por outro, os que entendem que a segurana europeia , basicamente, a defesa atlntica e que consideram, portanto, que j se foi muito alm do que seria necessrio. Contudo, esta uma clivagem que, hoje, no faz mais sentido. Perante as ameaas e riscos do presente, necessrio ultrapassar as concepes do passado. E, sobretudo, encarar, sem preconceitos, os desafios do futuro.

    OSDESAFIOSDAPOLTIcAcOmUmDESEGURANAEDEFESA

    DEPOISDOTRATADODELISBOA

    Preparar a defesa europeia para os desafios estratgicos e de segurana da prxima dcada significa duas coisas. Significa, em primeiro lugar, definir o nvel de ambio da ue para a sua poltica de segurana e defesa. E significa, em segundo lugar, identi-ficar e promover as adaptaes necessrias concretizao dessa poltica, nos planos institucional, das capacidades, operacional e conceptual. Tanto na primeira como na segunda o Tratado de Lisboa constitui um instrumento fundamental.No quadro do Tratado de Lisboa6, a Poltica Comum de Segurana e Defesa (pcsd) como j antes a pesd, no Tratado de Nice, desenvolve-se no quadro da Poltica Externa e de Segurana Comum (pesc) e beneficia, por isso, dos avanos gerais registados na rea da aco externa da Unio, em particular, no plano jurdico, institucional e do processo decisrio. Todos eles tm traduo no campo da segurana e defesa. Primeiro, no reconhecimento de personalidade jurdica internacional da Unio; segundo, na representao externa com a criao dos cargos de presidente do Conselho e, sobre-tudo, de alto-representante para os Negcios Estrangeiros e a Poltica de Segurana.

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    Assumindo o duplo chapu de secretrio-geral do Conselho e de vice-presidente da Comisso, poder contribuir para uma melhor articulao Conselho/Comisso e uma melhor coordenao dos instrumentos de aco externa divididos entre o primeiro e o segundo pilares, nomeadamente, a ajuda ao desenvolvimento e o instrumento militar. E terceiro, com a adopo de mecanismos facilitadores do processo de deciso, nomea-damente, a extenso das matrias objecto de votao por maioria qualificada, com excepo das que tenham implicaes militares.Mas, mais do que estas alteraes de carcter geral, o Tratado de Lisboa regista um no menos importante conjunto de alteraes especficas em matria de segurana e defesa, das quais importante salientar quatro inovaes essenciais. Em primeiro lugar, uma inovao de carcter semntico, mas com um profundo sig-nificado poltico: a mudana de designao de Poltica Europeia de Segurana e Defesa para Poltica Comum de Segurana e Defesa. a assuno formal na letra do tratado

    de que os estados-membros tm interesses comuns de segurana e defesa e que que-rem desenvolv-los em conjunto.Em segundo lugar, a introduo de duas importantes clusulas de solidariedade em matria de segurana e defesa. Uma clu-sula de defesa mtua (artigo 42., n. 7),

    de acordo com a qual se um estado-membro vier a ser alvo de agresso armada no seu territrio, os outros estados-membros devem prestar-lhe