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A DIVERSIDADE SEXUAL NA AULA DE LÍNGUA INGLESA: LIDANDO
COM ALUNOS DE DIFERENTES IDENTIDADES SEXUAIS
Ludimilia Souza da Silva
Resumo
Palavras-chave: Diversidade; Sexual; Aula; Língua; Inglesa;
A partir de algumas reflexões, fruto de observações e de conversas com outros
professores, no que diz respeito ao tratamento dado a alunos LGBT em momentos de
prática da língua, principalmente naquelas situações que têm como foco a oralidade, a
proposta de deste trabalho é problematizar a atuação do professor diante de situações
corriqueiras de discriminação e invisibilização de alunos gays, lésbicas, bissexuais,
transexuais e transgêneros no contexto de aula da língua inglesa, assim como discutir o
papel do oferecido didático, que pelo o que se observa, exclui este público das atividades
destinadas à prática da língua.
1 Introdução
Abordar temas relacionados à sexualidade e tolerar diferenças quanto à orientação
sexual dos alunos, até onde se sabe, não tem sido uma tarefa fácil para aqueles que lidam
com educação. Boa parte dos professores não parece demonstrar destreza e naturalidade
ao terem de atuar frente a alunos compreendidos como ‘diferentes’, ou seja, alunos cuja
identidade sexual não corresponde aos preceitos da heteronormatividade. Em se tratando
de ambientes de aprendizagem de línguas estrangeiras, onde se espera dos professores um
perfil intercultural que assegure a inclusão de todos os alunos, muitas vezes estes
profissionais têm que executar manobras ou camuflagens quando se deparam com grupos
de alunos gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e transgêneros. Por outro lado, o silêncio
predominante nesses ambientes se pauta muito provavelmente na inabilidade e na falta
de disposição de determinados educadores para conhecer o universo particular desses
Doutoranda em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia - UFBA e professora Assistente do
curso de Letras-Língua Inglesa e Respectivas Literaturas da Universidade do Estado da Bahia. E-mail-
alunos, ou seja, suas necessidades, motivações e experiências, características essas que
são fundamentais para o sucesso na aprendizagem de uma língua estrangeira.
No que se refere às instituições destinadas para esse fim, é importante destacar
que boa parte das escolas de línguas e de escolas públicas e particulares do ensino
fundamental e médio não se mostra muito simpática a ideia de acolher publicamente a
diversidade sexual porque não deseja criar problemas com os pais que defendem a
heterossexualidade. Outras, não querem a estigmatização de serem conceituadas como
gay friendly (amiga dos gays) por acreditar que o tratamento dessas questões pela escola
ou pelos professores em sala de aula pode suscitar polêmica entre os alunos. No entanto,
tais posturas se mostram inadequadas e ao mesmo tempo desatualizadas, pois os alunos
LGBT estão presentes nesses ambientes como os tantos outros alunos que são
heterossexuais. Além disso, eles possuem os mesmos objetivos para aprender a língua e
portanto, eles devem ser integrados às atividades e interações desenvolvidas pelo
professor, de forma que lhes seja possível tirar proveito das aulas.
Há um crescente movimento em nossa sociedade atual pelo respeito à diversidade,
pelo combate à homofobia e pela legitimação de direitos para o público LGBT. Essas
conquistas, dentre outras coisas, têm sensibilizado um número significativo de pessoas
para adotar uma postura de respeito e tolerância para com aqueles que não correspondem
à norma estabelecida pela sociedade heterossexista que ainda vivemos. Para quem lida
com educação, o olhar e a sensibilização se tornam indispensáveis, pois a escola é um
espaço onde a diversidade se manifesta e, sendo assim, ela assume um papel relevante no
que se refere ao fomento de uma reflexão sobre valores, crenças e preconceitos, de forma
que todas as diferenças culturais, raciais, religiosas e sexuais possam ser respeitadas.
2 Algumas situações de invisibilidade de alunos LGBT em aulas da língua inglesa
Alunos com orientação não heterossexual muitas vezes têm que esconder suas
posições, desejos e sua real identidade em sala de aula para corresponder aos ideais de
uma educação que infelizmente é castradora, desatualizada e muito aquém de ser
intercultural. No caso de ambientes de ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira,
para ser aceito pelo grupo e usufruir dos momentos de prática da língua, não muito raro,
o aluno LGBT se vê na condição de dar respostas curtas e objetivas para evitar
questionamentos maliciosos ou irônicos, ou de optar pelo silêncio quando ele não é
assumido diante da turma e do professor. As cenas apresentadas a seguir são provenientes
de reflexões e inquietações pessoais enquanto professora da língua inglesa em diferentes
ambientes de aprendizagem (cursos livres, escolas do ensino médio e fundamental,
faculdades e universidades), bem como de observações de aulas e conversas com
professores que lecionam a referida língua. Elas se propõem a problematizar algumas
questões relacionadas à interação, exposição e produção oral de alunos LGBT em
ambientes de aprendizagem heteronormativos e com práticas homofóbicas.
2.1 Cena A
Um aluno do Ensino Fundamental I, que por afeto considera possuir dois pais,
pois ele foi adotado por um casal de gays e não conhece a sua mãe biológica, é solicitado
pelo professor para descrever para um colega a sua família (mãe, pai, irmãos, parentes
mais próximos, etc.). Nesse caso específico, talvez ele não se sinta à vontade para se
referir a sua parentalidade dizendo:-I have two fathers (-Eu tenho dois pais) porque daí
poderiam advir perguntas um tanto capciosas do colega como: -Why do you have two
fathers? (-Por que você tem dois pais?) ou -Who is your mother? (-Quem é a sua mãe?)
que possivelmente poderiam lhe criar algum desconforto ou constrangimento e, por
conseguinte, impedir o fluxo da comunicação a ser desenvolvida com este colega. Nessa
situação específica, vale ressaltar que o monitoramento e a condução do professor podem
deixar o aluno ora mais constrangido, ora um tanto mais confortável para falar da
composição de sua família. Um professor que é sensível e atento aos seus alunos saberá
atuar diante do próprio aluno e do grupo em tais situações, contornando eventuais
conflitos, ou até mesmo subsidiando-lhes para falar abertamente sobre suas vidas
pessoais, caso assim eles desejem.
2.2 Cena B
Um aluno do Ensino Médio, que por sua vez é bissexual, tem de falar para a turma
sobre os seus planos para o ano seguinte, em relação aos seguintes temas: filhos, carreira,
viagens, parceiro afetivo, etc. Como se sentirá esse aluno ao ter de incluir em sua fala, os
planos que ele possui com um namorado e uma namorada ao mesmo tempo? Muito
provavelmente ele fará a escolha por um dos parceiros e, neste caso, ele se passará por
alguém que representará apenas a metade do seu ser, já que sua identidade sexual
contempla tanto o gosto por homens como por mulheres. Isso nos leva a compreender que
para cumprir a tarefa que lhe foi designada, ele terá que se passar por alguém que
expressará uma identidade não condizente com a sua verdadeira orientação. Aqui cabem,
portanto, algumas reflexões: Os programas de ensino de línguas estrangeiras e os
professores estão atualizados e preparados para lidar com a diversidade dos alunos? Como
um aluno LGBT pode tirar proveito das atividades de uma aula, se ele não puder atuar
em consonância com a sua verdadeira identidade? Como motivar intrínseca e
extrinsecamente um aluno LGBT para aprender uma língua estrangeira se ele não está
adaptado ao ambiente de aprendizagem de que faz parte? Esses são questionamentos que
muitos professores de línguas estrangeiras ainda se debatem e tais conflitos fazem com
que boa parte deles passem a atuar como ‘malabaristas’ ou a depender de suas crenças
pessoais e profissionais, ‘fazer pouco’ caso desses alunos.
E por falar em autenticidade, respeito às individualidades e identidades, é
importante lembrar aqui, que apesar de serem corriqueiras atividades como role plays
(encenações), onde os alunos simulam se passar por outro alguém, ou seja, assumir outras
identidades para cumprir uma determinada tarefa, o que de fato é esperado do aluno é que
ele atue da forma mais autêntica possível nas atividades propostas, pois só assim ele
alcançará os objetivos da aprendizagem. Além disso, o aprendiz de uma língua estrangeira
que se sente à vontade, motivado e com liberdade para utilizar a língua, seja dentro ou
fora de sala de aula, estará sobretudo respeitando e preservando a sua identidade.
3 Identidade, gênero e sexualidade
Pouco provavelmente um professor de língua estrangeira encontrará nos livros
didáticos a discussão de temas que abordem questões relacionadas à diversidade sexual,
ou a apresentação de personagens gays, lésbicos, transexuais e bissexuais nas atividades
das lições, pois os materiais didáticos voltados para aprendizagem de língua estrangeira
‘dão as costas’, em outras palavras, não mostram boa vontade para tratar questões
relacionadas às identidades sexuais e de gênero de forma mais problematizadora. Os
livros produzidos pela maior parte das editoras de ensino de línguas, até então, têm se
mostrado empobrecidos ou nulos para apresentar personagens com diferentes orientações
sexuais, diferentes composições familiares e temas que digam respeito à diversidade
sexual. Os personagens apresentados nas lições são, na sua maioria, brancos,
heterossexuais e pertencentes à classe média ou média alta. A realidade tratada em boa
parte desses materiais centra-se no mundo europeu e norte-americano e busca descrever
os estereótipos e curiosidades quanto ao aspecto exótico dessas culturas.
Antes de discutirmos a forma como esses materiais abordam tal questão, uma
introdução sobre os conceitos de identidade, gênero e sexualidade identidade se fazem
necessários. Sob a perspectiva da condição de sujeitos, podemos compreender que a nossa
identidade como parte integrante de um contexto social complexo, englobaria vários tipos
de identidades, ou diferentes modos de identificação, entre elas a identidade cultural, a
identidade linguística, a identidade religiosa, identidade profissional, etc. No entanto,
essas mesmas identidades não funcionam sempre da mesma forma ou possuem a mesma
posição de destaque. (MENDES, 2004, p.84). Esta percepção revela o caráter fluido,
multifacetado das identidades que possuímos e das quais muitas vezes não podemos nos
destituir, pois muitas delas apresentam-se arraigadas às nossas crenças e vivências.
Enquanto sujeitos possuímos identidades plurais, múltiplas; identidades que se
transformam, que não são fixas ou permanentes, que podem, até mesmo, ser
contraditórias. A constituição desse sujeito por sua vez está atrelada ao sentido de
pertencimento a diferentes grupos étnicos, sexuais, de classe, de gênero etc. (LOURO,
1997, p. 24)
Ao compreendermos o gênero como não dado, ele passa a ser socialmente
construído. Isso nos leva a pensar que não há uma essência do que seja masculino ou
feminino. Segundo Butler (1990) “o gênero é a estilização repetida do corpo, um conjunto
de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, a qual se
cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural de
ser”. Ainda segundo essa autora, “a ‘unidade’ do gênero é o efeito de uma prática
reguladora que busca uniformizar a identidade do gênero por via da heterossexualidade
compulsória”. Além disso, o gênero, como as demais identidades sociais, é processual,
ou seja, está em constante reformulação; “o gênero é sempre um fazer” (BUTLER, 2003,
p. 33).
Quanto ao tema que estamos discutindo neste trabalho, vale ressaltar que em boa
parte dos livros didáticos para aprendizagem da língua inglesa, é possível perceber
claramente a imposição da heterossexualidade compulsória na caracterização dos
personagens e na apresentação dos temas das lições.
Os termos sexualidade e gênero, apesar de terem definições próprias no campo das
Ciências Humanas, costumam ser muito frequentes nos estudos que dizem respeito à
identidade de gênero e identidade sexual. Para muitos de nós, a sexualidade é
compreendida como algo herdado e que de alguma forma faz parte da nossa natureza.
Para Louro (2000), a sexualidade envolve rituais, linguagens, fantasias, representações,
símbolos, convenções...Processos profundamente culturais e plurais. Nessa perspectiva,
Nada há de exclusivamente "natural" nesse terreno, a começar pela própria
concepção de corpo, ou mesmo de natureza”. “Através de processos culturais,
definimos o que é — ou não — natural; produzimos e transformamos a
natureza e a biologia e, consequentemente, as tornamos históricas. Os corpos
ganham sentido socialmente. A inscrição dos gêneros — feminino ou
masculino — nos corpos é feita, sempre, no contexto de uma determinada
cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura”. “As possibilidades da
sexualidade — das formas de expressar os desejos e prazeres — também são
sempre socialmente estabelecidas e codificadas. As identidades de gênero e
sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são
moldadas pelas redes de poder de uma sociedade”. (LOURO, 2000, p.6)
Quando trazermos a questão da sexualidade para o ambiente educativo, o que se
observa é uma arena de inúmeras e contundentes tensões ente professores e alunos,
professores e direção da escola e de alunos entre si. A parte mais prejudicada sem sombra
de dúvida é o aluno por ter de lidar com a discriminação, o rechaçamento e a homofobia
vinda de colegas, caso ele decida assumir uma sexualidade diferente da norma. Quanto a
isso, a mesma autora acima diz:
A escola é, sem dúvida, um dos espaços mais difíceis para que alguém
"assuma" sua condição de homossexual ou bissexual. Com a suposição de que
só pode haver um tipo de desejo sexual e que esse tipo — inato a todos —deve
ter como alvo um indivíduo do sexo oposto, a escola nega e ignora a
homossexualidade (provavelmente nega porque ignora) e, desta forma, oferece
muito poucas oportunidades para que adolescentes ou adultos assumam, sem
culpa ou vergonha, seus desejos. O lugar do conhecimento, mantém-se, com
relação à sexualidade, como o lugar do desconhecimento e da ignorância. (Ibid,
p.20-21)
Assim como na escola, num curso de línguas a situação não é diferente. É muito
comum ouvir de alunos de orientação não heterossexual que eles se sentem excluídos,
invisíveis e ignorados em momentos de prática da língua, seja dentro ou fora da sala de
aula. Quando são evidenciados em algum momento da aula, a produção oral desses alunos
é motivo de ‘piadinhas’ e ‘chacotas’ ou eles são vistos por alguns alunos menos
preconceituosos como ‘engraçadinhos’, o que confere à aula de língua inglesa, em muitos
momentos, um ‘clima circense’.
Os alunos LGBT vivenciam muitas vezes, quando não são assumidos, uma
atmosfera de ‘faz de conta’ e passam a dissimular, camuflar ou omitir suas experiências
e o que de fato faz sentido para suas vidas pessoais.
4 Analisando algumas atividades de livros didáticos
Pouco provavelmente um professor de língua estrangeira encontrará nos livros
didáticos a discussão de temas que abordem questões relacionadas à diversidade sexual,
ou a apresentação de personagens gays, lésbicos, transexuais e bissexuais nas atividades
das lições, pois os materiais didáticos voltados para aprendizagem de língua estrangeira
‘dão as costas’, em outras palavras, não mostram boa vontade para tratar questões
relacionadas às identidades sexuais e de gênero de forma mais problematizadora. Os
livros produzidos pela maior parte das editoras de ensino de línguas, até então, têm se
mostrado empobrecidos ou nulos para apresentar personagens com diferentes orientações
sexuais, diferentes composições familiares e temas que digam respeito à diversidade
sexual. Os personagens apresentados nas lições são, na sua maioria, brancos,
heterossexuais e pertencentes à classe média ou média alta. A realidade tratada em boa
parte desses materiais centra-se no mundo europeu e norte-americano e busca descrever
os estereótipos e curiosidades quanto ao aspecto exótico dessas culturas.
As atividades de dois livros didáticos para aprendizagem da língua inglesa a seguir
demonstram como gênero, identidade e sexualidade são tratadas nesses materiais. Na
Fig.1, destinada a alunos de nível iniciante, apesar de os autores demonstrarem uma
atenção à questão da pluralidade cultural, ao apresentar famílias de diferentes culturas,
ele não problematiza determinados aspectos como números de filhos, formas de
casamento, famílias homoafetivas, etc. A informação no texto de que aquelas imagens
eram de famílias provenientes de culturas diferentes ao redor do mundo, mais uma vez
reitera a ideia de composição familiar ‘regular’, ou seja, o aluno é convidado a
compreender que uma família em qualquer lugar do mundo apresenta a mesma formação
(pai, mãe e filhos). É importante ressaltar aqui, que não somente as famílias homoafetivas
estão excluídas do rol dos tipos de família regulares, mas também os casais separados, as
mães e pais solteiros, etc. Um dado curioso em relação a essa atividade é que o livro de
onde ela foi extraída (Global Beginner Coursebook), segundo a proposta dos autores, é
um livro que se mostra adequado à realidade dos aprendizes nos dias de hoje e que se
propõe a ensinar o Inglês como uma língua internacional num mundo globalizado.
FIGURA 1: PICKERING, Kate; McAVOY, Jackie. Global Beginner coursebook Oxford: Macmillan,
2010, p.18.
Na Fig.2 observa-se uma atividade com foco nas habilidades de fala, leitura e
escrita sobre uma das obras mais importantes do escritor Oscar Wilde: The Picture of
Dorian Gray (O Retrato de Dorian Gray). O texto apresenta a obra de Wilde de forma
insuficiente e pouco realista, pois não descreve o cenário político, as características da
sociedade daquela época, além de omitir aspectos pessoais da vida do escritor, como por
exemplo, a sua homossexualidade. A obra é descrita apenas como um dos romances mais
famosos de Wilde, cujos temas principais são o propósito da arte e a obsessão com a
juventude e beleza.
Numa atividade como esta, um professor de língua inglesa deveria busca se
informar tanto sobre a vida profissional quanto a vida pessoal do autor e, principalmente,
na repercussão de sua obra para as sociedades futuras. Nesse aspecto, Wilde teve muito a
contribuir, pois apesar de The Picture of Dorian Gray ter sido considerada na época como
uma obra ‘pervertida’, a figura de Wilde exerceu em todo o mundo um importante papel
na construção de um processo identitário homossexual. Devido a sua condenação em
1895, pelo fato de ser homossexual, sua identidade e homossexualidade se imbricaram
num único todo, pois até então ninguém havia sido tão amplamente identificado enquanto
homossexual. Assim, deflagrou-se o início do que mais tarde seria definido como
“consciência homossexual”. Tal fato, por sua vez, nos leva a compreender que Oscar
Wilde talvez tenha sido o primeiro moderno homossexual do planeta, característica esta
que justifica o fato de ele ser tão atual. (TREVISAN, 2010, p.2).
FIGURA 5: CLANDFIELD, Lindsay; JEFFRIES, Amanda. Global Pre-Intermediate coursebook,
Oxford: Macmillan, p. 33.
As análises empreendidas até aqui demonstram que há uma nítida inadequação e
desatualização dos livros didáticos de língua inglesa em relação aos temas e conteúdos
que tratam de questões culturais, identidades, sexualidade, gênero, etc. Boa parte desses
materiais ainda compreende determinados assuntos como temas controversos que devem
ser trabalhados pelo professor apenas em lições específicas e com finalidades também
específicas. Outros, nem sequer abordam tais questões e invisibilizam principalmente a
questão da identidade sexual por se tratar de uma questão que suscita polêmica. Essa
constatação nos leva a compreender que tanto professores como instituições de ensino de
línguas estrangeiras devem estar vigilantes e pró ativos quanto à forma como tais temas
serão abordados. Os professores, na parte que lhes cabe, devem buscar meios alternativos
para incrementar suas aulas ao perceberem que o livro enquanto recurso didático não está
adequado e atualizado para tratar determinadas questões que fazem parte das vivências e
necessidades de seus alunos.
5 A Teoria Queer no ensino da língua inglesa
Segundo Colling (2011) a teoria queer começou a ser desenvolvida a partir do
final dos anos 80 por uma série de pesquisadores e ativistas bastante diversificados,
especialmente nos Estados Unidos. O termo queer, até hoje, é passível de inúmeras
interpretações. Para Louro (2004) queer “pode ser traduzido por estranho, talvez ridículo,
excêntrico, raro, extraordinário”. A ideia de estranhar no sentido de desconfiar de
conceitos apresentados como naturais, estendendo esse estranhamento a quaisquer
questões e não apenas à sexualidade, pode ser considerada o norte de um projeto queer
(ROCHA, 2010, p.59).
O pensamento queer pode ser compreendido como um modo de pensar e ser que
tem por objetivo “queerizar, tornar estranho (a), frustrar, posicionar-se contra,
deslegitimar, parodiar conhecimentos e instituições heteronormativas e as subjetividades
e socializações que as (in)formam” (Sullivan, 2003). Tal perspectiva nos convida a
perceber o pensamento queer como uma forma de analisar a sexualidade sem cair nas
armadilhas construídas pelas relações de poder que produzem uma visão binária e
identitária sobre a sexualidade. (SOUZA, 2010, p.12).
A abordagem queer se trata de uma abordagem essencialmente desconstrutivista
e pós-estruturalista que tenta ouvir “silêncios profundos”, vasculhar não-ditos, explorar
lacunas e ausências propositais até transforma-los em discursos eloquentes. O queer
disseca estruturas tidas como “naturais” para denunciá-las como “social e culturalmente
construídas”. (LANZ, 2015, p.1).
As possibilidades acima citadas numa sala de aula são sinônimo de
empoderamento para aqueles que se percebem à margem e invisibilizados do processo
educativo. Lopes (2008) acredita que a Teoria Queer se torna uma aliada na educação
para tratar dos problemas causados por visões normalizadoras da sexualidade, pois ela
oferece uma alternativa de compreensão dos desafios desestabilizadores das práticas
sociais que vivemos, dos discursos sobre sexualidade que os alunos fazem circular em
sala de aula e dos discursos dos professores que não legitimam tópicos sobre sexualidade.
Ao constituir uma possibilidade de compreender as sexualidades que estão além
das políticas de diferença que preconizam a tolerância e deixam implícita a norma, a
Teoria Queer ajuda a diminuir a ignorância existente entre alunos e professores, tanto
sobre a homossexualidade, como sobre a heterossexualidade. A posição Queer não se
qualifica por uma atitude defensiva em relação a sexualidade x ou y. (LOPES, 2008,
p.143).
Segundo Lopes (2008) trazer para sala de aula as próprias práticas sociais que
tematizam a sexualidade das quais os alunos participam como espectadores da mídia e
como participante da vida escolar, pode ser um modo de facilitar a compreensão da
natureza fluida e fabricada das sexualidades. A escola, ao contrário do papel que tem
desempenhado, deve ser um lugar de recriar a vida social, de compreender a necessidade
de não separar cognição e corpo, de se livrar de discursos binários aprisionadores, de se
questionar incansavelmente e de se preocupar com a justiça social e ética.
Uma aula de língua inglesa engajada num projeto queer requer que professores
vislumbrem ir muito além do desenvolvimento de estratégias para aprendizagem da
língua seja o foco a comunicação ou não. Propõe que esses profissionais empreendam
uma postura diretiva, problematizadora e por vezes combativa frente aos preconceitos,
discriminações e invisibilizações que envolvem alunos cujas identidades são
compreendidas como ‘não normais’.
Atuar por intermédio de uma “lente queer” significa olhar e estar disposto a
desembaçar, querer ver além do que parece ser. Significa buscar conhecer melhor a
realidade de cada aprendiz, se inquietar com os silêncios e romper as barreiras do
preconceito na sala de aula. Se trata ainda de sairmos do lugar de professor e ‘de fato’ nos
colocarmos ‘na pele’ dos alunos estranhos e diferentes, dando-lhes a oportunidade de
ecoar suas vozes de forma que suas vivências, desejos e aflições possam ser
compartilhadas e reconhecidas como legítimas.
Um ensino de língua inglesa sintonizado com a perspectiva queer, muito mais do
que qualquer outra coisa, é um ensino que ao oportunizar momentos para prática da língua
envolve e oferece suporte aos diferentes e às diferenças.
6 Considerações finais
As análises aqui realizadas visaram demonstrar o despreparo, a falta de
sensibilidade e atualização de alguns professores da língua inglesa para lidar com temas
e situações que dizem respeito às questões de identidade, gênero e diversidade sexual. No
que se refere às editoras de livros para fins de aprendizagem desta língua, percebe-se que
elas andam a passos lentos para trazer à tona essas questões de forma mais
problematizadora, e, sendo assim, os professores devem buscar ser bastante seletivos e
críticos para adotar materiais que estejam mais ‘sintonizados’ e ‘plurais’ quanto à
apresentação de temas que muito provavelmente colocarão a identidade dos alunos ‘em
xeque’, como por exemplo: composição familiar, parentesco, planos para o futuro,
apresentação de costumes, hábitos e atividades peculiares a homens e mulheres, etc.
Quanto a este último tema, o que se espera do material didático é que ele não reforce o
binarismo de gênero e que, ao discutir a questão da diversidade sexual, não apresente a
heterossexualidade como a única maneira de se vivenciar a sexualidade.
Os alunos LGBT, assim como os alunos de orientação heterossexual, estão
presentes nos mais variados ambientes de aprendizagem de língua estrangeira e eles
devem ser respeitados, visibilizados e valorados enquanto aprendizes. A esses alunos
deve ser assegurado o direito de falar de si e de expressar desejos, necessidades e aflições,
em pé de igualdade com todos os outros alunos da turma. Os professores de línguas, na
condição de motivadores, facilitadores, instrutores, ou o que quer seja, devem buscar estar
atentos, pró ativos e intervencionistas nas situações que evidenciem prática
discriminatória, pois, como já vimos, aprender uma língua é um ato que pressupõe
interação, socialização, intercâmbio de ideias e sobretudo alteridade. Não há como um
aprendiz usufruir genuinamente dos momentos de prática de uma língua estrangeira se
ele se sentir constrangido, intimidado, discriminado ou ignorado. Em se tratando de
alunos iniciantes na aprendizagem de uma língua estrangeira, o cuidado deve ser
redobrado, pois a evasão e o abandono nos estágios iniciais são fatos muito corriqueiros
e se devem principalmente à inadaptação do aluno com a metodologia proposta ou à falta
de empatia com o professor e com os colegas.
Um ensino orientado por uma perspectiva queer busca desconstruir, problematizar
e estranhar o currículo e a prática docente do professor de língua inglesa e, ao mesmo
tempo, oportuniza a expressão das vozes subalternas que muitas vezes não se percebem
envolvidas no processo de aprendizagem. Além disso, se trata de um ensino que inibe a
possibilidade de instalação de determinados conflitos em sala de aula, pois acredita-se
que tanto alunos como professores são receptivos para lidar com a alteridade e o respeito
às diferenças. Ao ter essa característica, o ambiente de aprendizagem de uma aula de
língua estrangeira passa a ser um local de acolhimento, pluralidade e de incentivo à
manifestação das mais variadas identidades e singularidades.
7 Referências
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