Upload
ngothuan
View
215
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
SUZANA DE FÁTIMA RUSSI
Itajaí [SC], outubro/2007;
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
SUZANA DE FÁTIMA RUSSI
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor MSc. Alexandre Macedo Tavares
Itajaí [SC], outubro/2007;
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus, por me iluminar com os Dons
do Espírito Santo: Sabedoria, Entendimento,
Conselho, Fortaleza, Ciência, Piedade e Temor.
Aos meus pais, pela oportunidade e incentivo aos
estudos. A minha irmã Joana, pela força. Ao meu
noivo Leandro, pelo amor e compreensão. E as
amigas 4X4, eternas companheiras, em especial
a Katleen, pelo exemplo de dedicação e
perseverança frente às dificuldades. A equipe do
escritório, que me ajudaram e supriram as minhas
faltas. E ao Professor e Mestre Alexandre Macedo
Tavares, pela orientação e disposição em sanar
minhas dúvidas.
DEDICATÓRIA
Dedico aos meus pais, Rose e João Amadeu, que
conquistaram tudo o que têm com trabalho e
amor, e que apesar de não terem a oportunidade
de completar seus estudos, deram valor a este
momento e me estimularam. Este trabalho dedico
àqueles que me incentivaram sempre e foram
compreensivos com a minha ausência ao longo
desta jornada.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí[SC], setembro/2007.
Suzana de Fátima Russi Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Suzana de Fátima Russi, sob o
título A eficácia do princípio da capacidade contributiva no ordenamento jurídico
brasileiro, foi submetida em [Data] à banca examinadora composta pelos
seguintes professores: [Nome dos Professores] ([Função]), e aprovada com a
nota [Nota] ([nota Extenso]).
Itajaí[SC], setembro/2007.
Professor Mestre Alexandre Macedo Tavares
Orientador e Presidente da Banca
[Professor Título Nome] Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CRFB/88
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
CTN
Código Tributário Nacional.
ART.
Artigo.
IPVA
Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores.
ICMS
Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços.
IPI
Imposto sobre produtos industrializados.
II
Imposto sobre a importação de produtos estrangeiros.
IE
Imposto sobre a exportação de produtos nacionais ou nacionalizados.
IOF
Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro.
IPTU
Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana.
vii
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Princípio
“É o mandamento nuclear de um sistema, ou se preferir, o verdadeiro alicerce
dele. Trata-se de disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência. O princípio, ao definir a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, acaba por lhe conferir a tônica e lhe dar sentido harmônico”. 1
Princípio do Não- consfisco
“Princípio básico em relação ao tributo e que é aquele pelo qual nunca se deve
expandir ou crescer até afetar a atividade ou a produção da pessoa ou entidade
tributada... assim o tributo não deve ser antieconômico ou antisocial”. 2
Princípio da Isonomia
“É a proibição do tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em
situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação
profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação
jurídica dos rendimentos, títulos e direitos”. 3
Competência Tributária
“É a possibilidade de criar, in abstrato, tributos, descrevendo, legislativamente,
suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas
bases de cálculo e suas alíquotas”. 4
1 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p. 80.
2 PACHECO, Cláudio. Tratado das Constituições Brasileiras, v. III, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965, p. 397.
3 Artigo 150, II, da Constituição de 1988.
4 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 467.
viii
Limitações ao Poder de Tributar
“Pode-se dizer que as limitações constitucionais ao poder de tributar colaboram
para a fixação do campo competencial das pessoas de direito público com
capacidade política, no que diz respeito à criação de tributos”. 5
Princípio da Capacidade contributiva
“Soma de riqueza disponível depois de satisfeitas as necessidades elementares
de existência, riqueza essa que pode ser absorvida pelo Estado sem reduzir o
padrão de vida do contribuinte e sem prejudicar as suas atividades econômicas”. 6
Mínimo Vital
“Os recursos econômicos indispensáveis à satisfação das necessidades básicas
das pessoas, garantidas pela Constituição, especialmente em seus arts. 6º e 7º
(alimentação, vestuário, lazer, cultura, saúde, educação, transporte etc.), não
podem ser alcançados pelos impostos. Tais recursos devem ser salvaguardados
pela cuidadosa criação de situações de não incidência ou mediante oportunas
deduções, legislativamente autorizadas”. 7
Tributo Extrafiscal
“Consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de
finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de
comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores
constitucionalmente consagrados”. 8
Tributo não-vinculado
“Um tributo é não vinculado quando não está atrelado a uma atividade especifica
do Estado. O pagamento de um imposto por parte do contribuinte não condiciona o
ente tributante (seja ele a União, o Estado, o Distrito Federal ou os Municípios) a
5 BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 700.
6 SOUSA, Rúbens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Ed. Póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1981, p. 95.
7 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 12ª ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 74.
8 ATALIBA, Geraldo. IPTU – Progressividade, Revista de Direito Público, nº. 93, p.233.
ix
especificar qual a finalidade desta contribuição. Não é necessário que o ente
tributante dê uma destinação específica. Independe de uma atividade específica”. 9
Vigência
“É atributo de norma válida (norma jurídica), consistente na prontidão de produzir
os efeitos para os quais está preordenada, tão logo aconteçam os fatos nela
descritos, podendo ser plena ou parcial (só para fatos passados ou só para fatos
futuros, no caso de regra nova)”. 10
Eficácia
“Eficácia técnica‟ é a qualidade que a norma ostenta, no sentido de descrever
fatos que, uma vez ocorridos, tenham aptidão de irradiar efeitos jurídicos, já
removidos os obstáculos materiais ou as impossibilidades sintáticas (na
terminologia da Tércio). „Eficácia jurídica‟ é o predicado dos fatos jurídicos de
desencadearem as conseqüências que o ordenamento prevê. E, por fim, a
„eficácia social‟, como a produção concreta de resultados na ordem dos fatos
sociais”. 11
9 GÓES , Hugo Eduardo Mansur . Uma análise dos principais aspectos do Direito Constitucional Tributário. Disponível em: < http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/18784/>, acesso em: 09/10/2007.
10 CARVALHO, Paulo de Barros citado por COUTO FILHO, Reinaldo de Souza. Considerações sobre a validade, a vigência e a eficácia das normas jurídicas. Disponível < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=21> , acesso em: 09/10/2007.
11 CARVALHO, Paulo de Barros citado por COUTO FILHO, Reinaldo de Souza. Considerações sobre a validade, a vigência e a eficácia das normas jurídicas. Disponível < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=21> , acesso em: 09/10/2007.
x
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................ XIII
INTRODUÇÃO ....................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 .......................................................................................... 4
A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO ................................................ 4
1.1 CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO; .................................................................... 4
1.2 CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO .......................................................... 7
1.2.1 Quanto ao conteúdo: materiais (substanciais) e formais; ....................... 7
1.2.2 Quanto à forma: escritas e não escritas (costumeiras); .......................... 9
1.2.3 Quanto ao modo de elaboração: dogmáticas e históricas .................... 11
1.2.4 Quanto à origem: promulgadas (democráticas, populares) e outorgadas
....................................................................................................................... 12
1.2.5 Quanto à estabilidade: imutáveis, rígidas, flexíveis e semi-rígidas ....... 14
1.2.6 Quanto à sua extensão e finalidade: analíticas (dirigentes) e sintéticas
(negativas, garantias) .................................................................................... 16
1.3 OBJETO E CONTEÚDO DAS CONSTITUIÇÕES .......................................... 17
1.4 ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO ............................................................... 18
1.5 A CONSTITUIÇÃO COMO ORDEM NORMATIVA VEICULADORA DE
REGRAS E PRINCÍPIOS ...................................................................................... 19
1.5.1 Noção de princípio ................................................................................ 19
1.5.2 Função dos princípios ........................................................................... 21
1.5.3 Colisão entre princípios ......................................................................... 22
1.5.4 Distinção entre princípios e regras ........................................................ 23
1.6 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO .......................................................... 25
1.6.1 A supremacia como princípio constitucional ......................................... 25
1.6.2 A supremacia da CRFB/88 ................................................................... 26
xi
CAPÍTULO 2 ........................................................................................ 28
LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO EXERCÍCIO DA
COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA ........................................................... 28
2.1 A CRFB/88 COMO CARTA DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS ............... 28
2.2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: CONCEITO, EXERCÍCIO, TITULARIDADE 29
2.3 CARACTERÍSTICAS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA .............................. 30
2.4 BITRIBUTAÇÃO X BIS IN IDEM .................................................................... 34
2.5 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR ..................................................... 36
2.5.1 Imunidades tributárias ........................................................................... 37
2.5.2 Princípios constitucionais tributários ..................................................... 41
2.5.2.1 Princípio da estrita legalidade ............................................................ 41
2.5.2.2 Princípio da anterioridade .................................................................. 43
2.5.2.3 Princípio da irretroatividade ............................................................... 45
2.5.2.4 Princípio da isonomia ......................................................................... 46
2.5.2.5 Princípio do não-confisco ................................................................... 48
2.5.2.6 Princípio da liberdade de tráfego de pessoas e bens ........................ 49
2.5.2.7 Princípio da uniformidade geográfica ................................................. 50
2.5.2.8 Princípio da não-cumulatividade e seletividade ................................. 51
2.5.2.9 Princípio da proporcionalidade e progressividade.............................. 52
2.5.2.10 Princípio da não-discriminação em razão da procedência ou destino
....................................................................................................................... 53
2.5.2.11 Princípio da capacidade contributiva................................................ 53
CAPÍTULO 3 ........................................................................................ 55
O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ........................... 55
3.1 ORIGEM DA NOÇÃO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA .......................... 55
3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCÍPIO NO DIREITO BRASILEIRO ......... 58
3.3 CONCEITO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA .......................................... 59
3.4 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ABSOLUTA E CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA RELATIVA ................................................................................ 60
3.5 FUNDAMENTO ECONÔMICO DO CONCEITO DE CAPACIDADE
xii
CONTRIBUTIVA ................................................................................................... 62
3.6 DISCRIMINAÇÃO TRIBUTÁRIA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ... 63
3.7 NATUREZA DA NORMA ACOLHEDORA DO PRINCÍPIO ............................ 66
3.7.1 Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais ............................ 66
3.7.2 Eficácia e aplicabilidade da norma hospedeira do princípio da
capacidade contributiva ................................................................................. 68
3.8 A EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA .......... 70
3.8.1 Aplicabilidade aos tributos não-vinculados a uma atuação estatal ....... 70
3.8.2 O alcance da expressão "sempre que possível" ................................... 73
3.8.3 Preservação do mínimo vital ou existencial .......................................... 75
3.8.4 Identificação do caráter extrafiscal de certos tributos ........................... 76
3.8.5 Elemento orientador da fixação da alíquota e base de cálculo e
indicador da natureza confiscatória do imposto ............................................. 78
3.8.6 Apuração da inconstitucionalidade da hipótese de incidência e da
imposição fiscal no caso concreto ................................................................. 80
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 83
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ............................................ 86
xiii
RESUMO
Atrelado ao contexto das garantias constitucionais, cresce a
importância do princípio da capacidade contributiva, capitulado no art. 145, §1º da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo por finalidade
graduar os impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte,
respeitando o caráter pessoal. Mediante a utilização do método indutivo objetivou-
se analisar a origem, o fundamento e a eficácia do princípio da capacidade
contributiva no ordenamento jurídico brasileiro. Através da pesquisa, obtiveram-se
os seguintes entendimentos: a) a Constituição é uma ferramenta ou técnica de
organização do poder governamental, que expressa a vontade do constituinte e
ideologicamente visa a proteção dos interesses concretos do povo de forma
generalizada. De tal modo, emana a norma (gênero) que é dividida em regras e
princípios (espécies); b) os princípios jurídicos são enunciados lógicos,
generalizados, que vinculam o entendimento e a aplicação das normas jurídicas
que com eles se conectam, determinando suas diretrizes fundamentais;c) a noção
de capacidade contributiva tem origem no próprio surgimento do tributo, ou seja, é
preceito milenar; d) capacidade contributiva é potencial econômico, ou seja, a
soma de riqueza disponível para arcar com o ônus fiscal sem que se prejudique o
mínimo elementar do contribuinte, e sempre está relacionada ao princípio da
igualdade e do valor justiça; e) o grande efeito do princípio da capacidade
contributiva é limitar o poder de tributar e assegurar os direitos subjetivos do
cidadão-contribuinte.
1
INTRODUÇÃO
O núcleo da presente monografia é a investigação dos
aspectos fundamentais do princípio da capacidade contributiva no ordenamento
jurídico brasileiro, assim como seu alcance e eficácia à luz da Constituição, da
jurisprudência e da doutrina nacional.
O estudo desse tema é de extrema significância na ordem
tributária atual, justificando uma pesquisa aprofundada, não somente pele sua
importância prática, mas pela falta de consenso entre os doutrinadores, no que se
refere à eficácia e aplicabilidade.
Esta pesquisa tem como objetivos: institucional, produzir
monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do Vale
do Itajaí – Univali; geral, investigar as notas peculiares do princípio da capacidade
contributiva, nos moldes como retratada pelo art. 145, § 1º da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988; específicos, 1) Identificar a origem e evolução
da noção de capacidade contributiva, seu conceito e fundamento; 2) analisar a
natureza da norma constitucional acolhedora do princípio, discorrendo sobre sua
eficácia e aplicabilidade, e, 3) Investigar o alcance da expressão “sempre que
possível”, expresso no dispositivo referente ao princípio, bem como a existência da
proteção do mínimo vital.
Para a investigação do objeto e alcance dos objetivos
propostos, adotou-se o método indutivo12, operacionalizado com as técnicas13 do
referente14, da categoria15, dos conceitos operacionais16 e da pesquisa bibliográfica,
12
O método indutivo consiste em „pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-
las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral‟. PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador de direito. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2001, p. 87.
13“Técnica é um conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma instrumental para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas investigatórias”. PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, p. 88.
14Referente “é a explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o seu alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especial-mente para uma pesquisa”. PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, p. 63.
2
em conjunto com as técnicas propostas por Colzani17, dividindo-se o presente trabalho
em três capítulos.
A pesquisa foi desenvolvida tendo como base os seguintes
problemas:
1ª È o princípio da capacidade contributiva uma mandamento
constitucional implícito ou explícito?
2ª Qual a natureza da norma acolhedora do princípio da
capacidade contributiva?
3ª Qual o efeito do princípio da capacidade contributiva no
ordenamento jurídico brasileiro?
Diretamente relacionadas a cada problema formulado, foram
levantadas as seguintes hipóteses:
a) A Constituição abriga o princípio da capacidade contributiva
em seu corpo, expresso no artigo 145, §1º.
b) A norma acolhedora do princípio da capacidade contributiva é
de natureza preceptiva, eficácia plena e aplicação imediata.
c) O efeito do princípio da capacidade contributiva é limitar o
poder de tributar objetivando assegurar os direitos subjetivos do
cidadão-contribuinte.
Para uma melhor abordagem das questões que norteiam o
princípio da capacidade contributiva, o trabalho foi dividido em três capítulos.
15Categoria “é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia”.
PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, p. 37.
16Conceito Operacional é a “definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, p. 51.
17COLZANI, Valdir Francisco. Guia para elaboração do trabalho científico.
3
No primeiro capítulo tratar-se-á da supremacia da Constituição,
com ênfase na classificação, no objeto, no conteúdo, nos elementos e no seu
desempenho como ordem normativa veiculadora de regras e princípios.
No segundo capítulo, discorrer-se-á acerca das limitações
constitucionais ao poder de tributar, abordando-se a característica, o conceito, a
titularidade e o exercício da competência tributária, as imunidades, a diferença entre a
bitributação e o Bis in idem, bem como a conceituação dos princípios constitucionais
tributários.
No terceiro e último capítulo, investigar-se-á os aspectos
estruturantes do princípio da capacidade contributiva no ordenamento jurídico
brasileiro, notadamente a questão de sua origem, evolução, fundamento, natureza da
norma acolhedora, aplicabilidade e eficácia.
O presente relatório da pesquisa se encerra com as
considerações finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,
estabelecendo-se breve síntese de cada capítulo e demonstração sobre as hipóteses
básicas da pesquisa, verificando se as mesmas restaram ou não confirmadas.
4
CAPÍTULO 1
A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
1.1 CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO;
O vocábulo Constituição tem raiz no latim. Em sentido
próprio, constitűtiõ-õnis expressa natureza, estado, condição; em sentido
abrangente, assume a possibilidade de ser uma disposição legal, instituição. O
termo, com o passar do tempo, ganhou sentido jurídico-político após muitos
debates entre juristas a partir da idade média, assumindo definitivamente o
conteúdo como conhecido hoje por influência do idioma francês.
Silva apresenta um conceito de Constituição múltiplo e
abrangente:
A palavra constituição é empregada com vários significados, tais
como: (a) „Conjunto de elementos essenciais de alguma coisa: a
constituição do universo, a constituição dos corpos sólidos‟; (b)
„Temperamento, compleição do corpo humano: uma constituição
psicológica explosiva, uma constituição robusta‟; (c) „Organização,
formação: a constituição de uma assembléia, a constituição de
uma comissão‟; (d) „O ato de estabelecer juridicamente: a
constituição de dote, de renda, de uma sociedade anônima‟; (e)
„Conjunto de normas que regem uma corporação, uma instituição:
a constituição da propriedade‟; (f) „A lei fundamental de um
Estado‟. 18
Quanto ao conceito técnico jurídico de Constituição, cita-se
novamente o entendimento de Silva:
A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria,
então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema
de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma
18 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26 ed., São Paulo:
Malheiros, 2006, p. 37.
5
do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o
exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites
de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as suas
respectivas garantias. 19
Isto é, o emaranhado de normas, princípios e preceitos que
disciplinam intrinsecamente os elementos constitutivos de um Estado titular-se-á
de Constituição.
No momento é propício se ater ao conceito ligado ao sentido
jurídico, ou seja, o de que Constituição é a lei fundamental de um Estado. Neste
sentido alega Carvalho:
que melhor se definirá a Constituição como o estatuto jurídico
fundamental da comunidade, isto é abrangendo, mas não se
restringindo estritamente ao político e porque suposto este, não
obstante a sua hoje reconhecida aptidão potencial para uma
tendencial totalização, como tendo, apesar de tudo, uma
especificidade e conteúdo material próprios, o que não autoriza a
que por ele (ou exclusivamente por ele) se defina toda a vida de
relação e todas as áreas de convivência humana em sociedade e
levará à autonomização do normativo-jurídico específico (neste
sentido, total – e não apenas tendencialmente – é o Direito), bem
como a distinção, no seio da própria Constituição, entre a sua
intenção ideológica-política e a intenção jurídica stricto sensu.
Com este sentido também poderemos, então, definir a
Constituição como a lei fundamental da sociedade. 20
Guetzévitch apud Moraes21 expressa que “a Constituição de
cada país é sempre um compromisso entre as tradições políticas existentes”, ou
seja, o país tem sua Constituição como fruto da história política vivida.
Quanto ao ponto de vista material, Bonavides doutrina que a
Constituição é “o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à
19
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 37-38.
20 CARVALHO, Virgílio de Jesus Miranda. Os valores constitucionais fundamentais: esboço de uma analise axiológico-normativa. Coimbra: Coimbra Editora, 1982, p. 13.
21 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 03.
6
distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos
direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais”. 22
A Constituição representa um momento de redefinição das
relações políticas e sociais desenvolvidas no seio de
determinada formação social. Ela não apenas regula o
exercício do poder, transformando a potestas em auctoritas,
mas também impõe diretrizes específicas para o Estado,
apontando o vetor (sentido) de sua ação, bem como de sua
intenção com a sociedade. A Constituição opera força
normativa, vinculando, sempre, positiva ou negativamente,
os poderes públicos. 23
Conforme Canotilho, o conceito ideal de Constituição foi
imposto a partir do triunfo do movimento constitucional no início do século XIX:
este conceito ideal identifica-se fundamentalmente com os
postulados políticos-liberais, considerando-os como elementos
materiais caracterizadores e distintivos os seguintes: (a) a
constituição deve consagrar um sistema de garantias da liberdade
(esta essencialmente concebida no sentido do reconhecimento de
direitos individuais e da participação dos cidadãos nos actos do
poder legislativo através do parlamento); (b) a constituição contém o
princípio da divisão de poderes, no sentido de garantia orgânica
contra os abusos dos poderes estaduais; (c) a constituição deve ser
escrita (documento escrito). 24
Aristóteles já associava Constituição a governo, como se
este fosse de fato condição daquela: “Visto que as palavras constituição e
governo significam a mesma coisa, visto que o governo é autoridade suprema nos
Estados (...) O governo é a ordem estabelecida, na distribuição das
magistraturas”. 25
22
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 80.
23CLÉVE.Clemerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 41.
24CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p.62.
25ARISTÓTELES. A Política, São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 115-230.
7
Neste mesmo sentido, Bonavides também associa Estado e
Constituição alegando que, “não há Estado sem Constituição, Estado que não
seja constitucional, visto que toda sociedade politicamente organizada contém
uma estrutura mínima, por rudimentar que seja”. 26
Em suma, a Constituição nada mais é que uma ferramenta
ou técnica de organização do poder governamental, expressando a vontade do
constituinte e ideologicamente visando a proteção dos interesses concretos do
povo de forma generalizada.
1.2 CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
Uma Constituição pode ser classificada: quanto ao
conteúdo, forma, modo de elaboração, origem, estabilidade, extensão e
finalidade.
1.2.1 Quanto ao conteúdo: materiais (substanciais) e formais;
Quanto ao conteúdo, com apoio em Kelsen, tem-se a
Constituição em sentido material e formal:
Da Constituição em sentido material deve distinguir-se a
Constituição em sentido formal, isto é, a legislação, e também
normas que se referem à outros assuntos politicamente
importantes e, além disso, preceitos por força dos quais normas
contidas neste documento, a lei constitucional, não podem ser
revogadas ou alteradas pela mesma forma que as leis simples,
mas somente através de processo especial submetido a requisitos
mais severos. Estas determinações representam a forma da
Constituição, que, como forma, pode assumir qualquer conteúdo e
que, em primeira linha, serve para a estabilização das normas que
aqui são designadas como Constituição material e que são o
26
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 80.
8
fundamento do direito positivo de qualquer ordem jurídica do
estado. 27
A Constituição material assinala o conjunto de normas
constitucionais escritas ou costumeiras, fixadas ou não em um texto singular, que
regulam a composição do Estado, a disposição de seus órgãos e os direitos
fundamentais.
Neste norte, Moraes elucida de forma objetiva acerca da
Constituição material: “consiste no conjunto de regras materialmente
constitucionais, estejam ou não codificadas em um único documento”. 28
De acordo com Bonavides, o aspecto material das
Constituições é o conteúdo básico e fundamental referente à composição e ao
funcionamento da ordem política:
Do ponto de vista material, a Constituição é o conjunto de normas
pertinentes à organização do poder, à distribuição da
competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos
direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais. Tudo
quanto for, enfim, conteúdo básico referente à composição e ao
funcionamento da ordem política exprime o aspecto material da
Constituição. 29
Bastos igualmente conceitua a Constituição material como “o
conjunto de forças políticas, econômicas, ideológicas etc., que conforma a
realidade social de um determinado Estado, configurando a sua particular maneira
de ser”. 30
Quanto a Constituição em sentido formal, é aquela abarcada
em um documento solene estabelecido pelo poder constituinte e somente mutável
por processos e formalidades especiais previstos no próprio texto constitucional.
27
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 3ª Ed., Coimbra: Armênio Amado Editor, p. 310-311.
28MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 03.
29BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 80.
30BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002, p. 60.
9
Neste caminho Canotilho revela que:
As constituições quando emanadas de um poder constituinte
democraticamente legitimado (1) que intencionalmente manifesta
a vontade de emanar um acto compreendido na esfera desse
poder; (2) de acordo com um procedimento específico; (3) são
consideradas como a fonte formal do direito constitucional. 31
Seguindo a mesma linha de raciocínio Silva discorre:
Constituição Formal é o peculiar modo de existir do Estado,
reduzido, sob forma escrita, a um documento solenemente
estabelecido pelo poder constituinte e somente modificável
por processos e formalidades especiais nela própria
estabelecidos. 32
Igualmente leciona Moraes: “Constituição formal é aquela
consubstanciada de forma escrita, por meio de um documento solene
estabelecido pelo poder constituinte originário”. 33
1.2.2 Quanto à forma: escritas e não escritas (costumeiras);
A Constituição escrita é aquela disposta num texto escrito,
elaborado por um órgão constituinte ou imposta pelo governante, contendo, em
regra, todas as normas tidas como fundamentais sobre a estrutura do Estado, a
organização dos poderes constituídos, seu modo de exercício e limites de
atuação e os direitos fundamentais.
Silva conceitua como escrita a Constituição:
quando codificada e sistematizada num texto único, elaborado
reflexivamente e de um jato por um órgão constituinte, encerrando
todas as normas tidas como fundamentais sobre a estrutura do
Estado, a organização dos poderes constituídos, seu modo de
31
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional, p. 66.
32SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.41.
33MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 03.
10
exercício e limites de atuação, os direitos fundamentais (políticos,
individuais, coletivos, econômicos e sociais). 34
Para Moraes a Constituição escrita:
é o mais alto estatuto jurídico de determinada comunidade,
caracterizando-se por ser lei fundamental de uma sociedade. A
isso corresponde o conceito de constituição legal, como resultado
da elaboração de uma Carta escrita Fundamental, colocada no
ápice da pirâmide normativa e dotada de coercibilidade. 35
Bastos alega que a Constituição em sentido formal só se
viabiliza se expressa num texto escrito. 36 A Constituição não escrita é a aquela
cujas normas não constam de um documento único e solene, baseando-se,
principalmente, nos costumes, na jurisprudência, em convenções e em textos
escritos esparsos.
Igualmente Moraes explica que: “Não escrita é o conjunto de
regras não aglutinado em um texto solene, mas baseado em leis esparsas,
costumes, jurisprudência e convenções (exemplo: Constituição inglesa)”. 37
Destaca Miranda:
Diz-se muitas vezes que a Constituição inglesa é uma
Constituição não escrita (unwritten Constitution). Só em certo
sentido este acerto se afigura verdadeiro: no sentido de que uma
grande parte das regras sobre organização do poder político é
consuetudinária; e, sobretudo, no sentido de que a unidade
fundamental da Constituição não repousa em nenhum texto ou
documento, mas em princípios não escritos assentes na
organização social e política dos Britânicos. 38
A doutrina aplica como sinônimo de Constituição não escrita
as expressões Constituição Costumeira e Constituição Consuetudinária.
34
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.41.
35MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p.4.
36BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 70.
37MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p.4.
38MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 1990. t. 1, p.126
11
Bastos também faz sua conceituação:
As constituições costumeiras, que vêm a ser aquelas que resultam
da prática reiterada do povo de um costume constitucional, com a
consciência de ser juridicamente obrigatório, não se
compatibilizam com a rigidez constitucional. 39
Revela ainda que as normas costumeiras “têm nascimento
informal, produzidas que são por toda a coletividade e não por um órgão
especialmente designado para tal”. 40
De forma objetiva, conceitua-se Constituição escrita como
aquela disposta num texto singular, enquanto a não escrita ou costumeira como
aquela que não se assenta num texto formal, pois é composta por leis esparsas,
costumes, jurisprudência e convenções.
1.2.3 Quanto ao modo de elaboração: dogmáticas e históricas
Bastos explica que a Constituição dogmática “se
apresenta como produto escrito e sistematizado por um órgão constituinte, a
partir de princípios e idéias fundamentais da teoria política e do direito
dominante”. 41
Para Silva a Constituição dogmática apresenta-se “sempre
escrita, e é a elaborada por um órgão constituinte, e sistematiza os dogmas ou
idéias fundamentais da teoria política e do Direito dominantes no momento”. 42
A Constituição dogmática, portanto, é a preparada por um
órgão constituinte, em que sistematiza os princípios (dogmas) fundamentais da
teoria política e do direito predominante em certo momento, sendo sempre
escrita.
39
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 70.
40BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 70.
41MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 04.
42SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.41.
12
Já a Constituição histórica, como afirma Silva, apresenta-se
de forma:
não escrita, é, ao contrário, a resultante de lenta formação
histórica, do lento evoluir das tradições, dos fatos sócio-políticos,
que se cristalizam como normas fundamentais da organização de
determinado Estado, e o exemplo ainda vivo é o da Constituição
inglesa. 43
Sinteticamente declara Moraes que a Constituição histórica “é
fruto da lenta e contínua síntese da História e tradições de um determinado povo”. 44
Concluindo, a Constituição histórica é decorrente de
vagarosa formação histórica, do pausado evoluir das tradições, dos fatos sócio-
políticos, que se perpetuam como normas fundamentais da organização de
determinado Estado, sendo sempre costumeira (não escrita).
1.2.4 Quanto à origem: promulgadas (democráticas, populares) e
outorgadas
Moraes esclarece que as Constituições promulgadas são “as
Constituições que derivam do trabalho de uma Assembléia Nacional Constituinte
composta de representantes do povo, eleitos com a finalidade de sua elaboração
(exemplo: Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946, e 1988)”. 45
Na mesma acepção Silva ilustra: ”São populares as
constituições que se originam de um órgão constituinte composto por
representantes do povo, eleitos para o fim de elaborar e estabelecer”. 46
Bonavides doutrina que “as constituições populares ou
democráticas são aquelas que exprimem em toda a extensão o princípio político
43
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.41.
44MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 04.
45MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 05.
46SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.41.
13
jurídico de que todo governo deve apoiar-se no consentimento dos governados e
traduzir a vontade soberana do povo.” 47
Por serem fruto de responsáveis eleitos pelo povo e
expressarem o interesse deste mesmo povo, as Constituições promulgadas
também são conhecidas como constituições populares ou democráticas.
As Constituições outorgadas, por outro lado, são as
impostas pelo governante, sem a participação popular. Moraes expõe que as
Constituições outorgadas são “as elaboradas e estabelecidas sem a participação
popular, através de imposição do poder da época (exemplo: Constituições
brasileiras de 1824, 1937, 1967 e EC n° 01/1969)”. 48
Silva informa quem são os personagens competentes para
elaborar a constituição outorgada: ”o governante - Rei, Imperador, Presidente,
Junta Governativa, Ditador – por si ou por interposta pessoa ou instituição,
outorga, impõe, concede ao povo”. 49
Bonavides revela que “a constituição outorgada é ato
unilateral de uma vontade política soberana”. 50
Moraes51 alega que “existem, ainda, as chamadas
constituições cesaristas, que são aquelas que, não obstante outorgadas,
dependem da ratificação popular por meio de referendo”. Silva considera esta
constituição como um modo de outorga por interposta pessoa.
Bonavides acrescenta nesta classificação a “Constituição
Pactuada, como sendo aquela que exprime um compromisso instável de duas
forças políticas rivais: a realeza absoluta debilitada e a burguesia, em franco
progresso. É uma forma de equilíbrio, surgindo a denominada monarquia limitada.
47
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 90.
48MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 05.
49SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 41.
50BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 89.
51MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 05.
14
Como exemplo, há a Constituição francesa de 1791, as Constituições espanholas
de 1845 e 1876, a Constituição grega de 1844 e a búlgara de 1879.
1.2.5 Quanto à estabilidade: imutáveis, rígidas, flexíveis e semi-rígidas
Acerca das Constituições imutáveis, Moraes divulga que são:
as constituições onde se veda qualquer alteração, constituindo-se
relíquias históricas. Em algumas constituições, a imutabilidade
poderá ser relativa, quando se prevêem as chamadas limitações
temporais, ou seja, um prazo em que não se admitirá a atuação
do legislador constituinte reformador.52
Bastos revela que atualmente é inviável que um texto
Constitucional se apresente perpétuo, quando se sabe que é destinado a regular
a vida de uma sociedade em contínua mutação. 53
Para Silva, “não há constituição imutável diante da realidade
social cambiante, pois é ela apenas um instrumento de ordem, mas deverá sê-lo,
também, de progresso social”. 54
Sendo assim, a Constituição imutável é aquela onde se
proíbe qualquer alteração, porém não é admissível no momento hodierno.
Bonavides explica que as Constituições rígidas são aquelas
que não podem ser alteradas da mesma maneira que as leis ordinárias, pois
demandam um processo de reforma mais complicado e solene55.
Moraes relata que rígidas “são as constituições que poderão
ser alteradas por um processo legislativo mais solene e dificultoso do que o
52
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 05.
53BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 71.
54SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.42
55BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 83.
15
existente para a edição das demais espécies normativas (por exemplo: CF/88 –
art. 60)”; 56
Igualmente Bastos profere:
é circunstância de certas Constituições escritas só podem ser
alteradas por um procedimento mais complexo e solene que
aquele previsto para a elaboração de leis ordinárias (ou
seja,mediante leis constitucionais formais). 57
A Constituição rígida é aquela apenas alterável mediante
processos, solenidades e exigências formais especiais, diferentes e mais difíceis
que os de formação das leis infraconstitucionais. Esta rigidez deriva de um
procedimento previsto no texto constitucional, assim, só as Constituições escritas
podem ser classificadas como rígidas.
Moraes descreve que as Constituições flexíveis “em regra
não escritas, excepcionalmente escritas, poderão ser alteradas pelo processo
legislativo ordinário.” 58
Bonavides articula que a flexibilidade constitucional ocorre
tanto nas constituições costumeiras quanto nas constituições escritas. E que se
deve ficar atento para não errar ao classificar que toda Constituição costumeira é
flexível e toda a Constituição escrita é rígida. 59
Bastos propõe que as Constituições flexíveis “admitem a sua
modificação por um processo idêntico ao adotado para a produção legislativa (isto
é, por leis ordinárias)”. 60
Logo, a Constituição flexível é aquela que pode ser
livremente modificada pelo legislador ordinário segundo o mesmo processo de
elaboração das leis ordinárias. Tanto as Constituições escritas, como as
56
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 05.
57BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 71.
58MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 05.
59BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 83.
60BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 71.
16
costumeiras, podem ser classificadas como flexíveis. Entretanto, a maioria da
doutrina entende não ser possível a existência de uma Constituição costumeira e
rígida, ou seja, todas as constituições costumeiras são flexíveis.
A Constituição semi-rígida é a aquela que contém uma parte
rígida e outra flexível. Como exemplo temos a Constituição de 1824 (a
Constituição do Império). Pelo fato de uma parte ser rígida, só as Constituições
escritas serão classificadas como semi-rígidas.
Moraes ressalta “que a Constituição Federal de 1988 pode
ser considerada como super-rígida, uma vez que em regra poderá ser alterada
por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns
pontos é imutável (CF, art. 60, § 4° - cláusulas pétreas)”. 61
1.2.6 Quanto à sua extensão e finalidade: analíticas (dirigentes) e sintéticas
(negativas, garantias)
As Constituições analíticas “examinam e regulamentam
todos os assuntos que entendam relevantes à formação, destinação e
funcionamento do Estado.” 62
Bonavides arrazoa que as Constituições prolixas (analíticas)
são cada vez mais numerosas e que :
trata-se ora de minúcias de regulamentação, que melhor caberiam em
leis complementares, ora de regras ou preceitos até então reputados
pertencentes ao campo da legislação ordinária e não do Direito
Constitucional, em cuja esfera entram apenas formalmente, por
arbítrio do legislador constituinte, para auferir garantias que só a
constituição proporciona em toda a amplitude. 63
61
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 05.
62MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 06.
63BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 91.
17
As Constituições analíticas (prolixas) trazem matéria alheia ao
Direito Constitucional propriamente dito, e, ainda, preocupa-se em regulamentar os
assuntos que tratam, deixando à legislação ordinária apenas um pouco deste papel.
Como exemplo encontra-se a atual Constituição brasileira.
Moraes pondera que as Constituições sintéticas “prevêem
somente os princípios e as normas gerais de regência do Estado, organizando-o e
limitando seu poder, por meio da estipulação de direitos e garantias fundamentais
(por exemplo: Constituição Norte americana)”. 64
Para Bonavides:
as constituições concisas ou breves (estas são as terminologias que o
autor utiliza para substituir sintética) resultam numa maior flexibilidade
que permite adaptar a Constituição a situações novas e imprevistas do
desenvolvimento institucional de um povo, a suas variações mais
sentidas de ordem política, econômica e financeira, a necessidades,
sobretudo, de improvisar soluções que poderiam, contudo, esbarrar na
rigidez dos obstáculos constitucionais.65
1.3 OBJETO E CONTEÚDO DAS CONSTITUIÇÕES
Silva articula que as Constituições:
têm por objeto estabelecer a estrutura do Estado, a organização
de seus órgãos, o modo de aquisição do poder e a forma de seu
exercício, limites de sua atuação, assegurar os direitos e garantias
dos indivíduos, fixar o regime político e disciplinar os fins sócio-
econômicos do Estado, bem como os fundamentos dos direitos
econômicos, sociais e culturais. 66
Neste mesmo norte, Bastos ensina que as Constituições têm
por conteúdo um conjunto de regras e princípios de maior força hierárquica dentro
64
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 06.
65BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 91.
66SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.43.
18
do ordenamento jurídico e que tem por objeto organizar e estruturar o poder
político, além de definir os seus limites inclusive pela concessão de direitos
fundamentais ao cidadão. 67
1.4 ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO
As Constituições estão preenchidas de normas que incidem
sobre matérias diversas, mas que estão sistematizadas num todo organizado
coerentemente. Essas normas são agrupadas em títulos, capítulos e seções de
acordo com sua vinculação, originando assim os elementos das constituições.
A doutrina diverge quanto à caracterização e ao número de
elementos da Constituição. Adota-se a idéia de Silva68 com cinco categorias de
elementos:
(1) elementos orgânicos, que se contêm nas normas que regulam
a estrutura do Estado e do poder, e, na atual Constituição,
concentram-se, predominantemente, nos Títulos III (Da
Organização do Estado), IV (Da organização dos Poderes e do
Sistema de Governo), Capítulos II, III do Título V (Das Armadas e
da segurança Pública) e VI (Da Tributação e do Orçamento, que
constituem aspectos da organização e funcionamento do Estado);
(2) elementos limitativos, que se manifestam nas normas que
consubstanciam o elenco dos direitos e garantias fundamentais:
direitos individuais e suas garantias, direitos de nacionalidade e
direitos políticos e democráticos; são denominados limitativos
porque limitam a ação dos poderes estatais e dão a tônica do
Estado de Direito; acham-se eles inscritos no Titulo II de nossa
Constituição, sob rubrica Dos Direitos e Garantias Fundamentais,
excetuando-se os Direitos Sociais (Capítulo II), que entram na
categoria seguinte;
(3) elementos sócio-ideológicos, consubstanciados nas normas
sócio-ideológicas, que revelam o caráter de compromisso das
67
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 72.
68SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 44.
19
constituições modernas entre o Estado individualista e o Estado
Social, intervencionista, como as do Capítulo II do Título II, sobre
os Direitos Sociais, e as dos Títulos VII (Da Ordem Econômica e
Financeira) e VIII (Da ordem Social);
(4) elementos de estabilização constitucional, consagrados nas
normas destinadas a assegurar a solução de conflitos
constitucionais, a defesa da constituição, do Estado e das
instituições democráticas, premunindo os meios e técnicas contra
sua alteração e infringência, e são encontrados no art. 102, I, a
(ação de inconstitucionalidade), nos arts. 34 a 36 (Da Intervenção
nos Estados e Municípios), 59, I, e 60 (Processo de emendas à
Constituição), 102 e 103 (Jurisdição constitucional) e Título V (Da
defesa do Estado e das Instituições Democráticas, especialmente
o Capítulo I, porque os capítulos II e III, como vimos, integram os
elementos orgânicos);
(5) elementos formais de aplicabilidade, são os que se acham
consubstanciados nas normas que estatuem regras de aplicação
das constituições, assim, o preâmbulo, o dispositivo que contém
as cláusulas de promulgação e as disposições constitucionais
transitórias, assim também a do § 1° do art. 5°, segundo o qual as
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata.
1.5 A CONSTITUIÇÃO COMO ORDEM NORMATIVA VEICULADORA DE
REGRAS E PRINCÍPIOS
A Constituição veicula regras e princípios, pois as normas da
Constituição tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a forma
de regras.
1.5.1 Noção de princípio
O vocábulo princípio descende do latim principium e
significa, em sua acepção tradicional, raiz, origem, início.
20
Na esfera jurídica, o termo princípio tem a mesma acepção,
sendo seguidamente aplicada para definir as proposições estruturantes de um
sistema jurídico.
Bastos leciona que:
princípio é o mandamento nuclear de um sistema, ou se preferir, o
verdadeiro alicerce dele. Trata-se de disposição fundamental que
se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e
servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência. O
princípio, ao definir a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, acaba por lhe conferir a tônica e lhe dar sentido
harmônico. 69
Para Carraza:
o princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito,
que, por sua grande generalidade, ocupa posição de
preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo,
vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das
normas jurídicas que com ele se conectam. 70
De acordo com Bandeira de Mello, citado por Tavares:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma
norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a
um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema
de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido,
porque representam insurgência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia
irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura
mestra.71
69
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 80.
70CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 38.
71TAVARES, Alexandre Macedo, Fundamentos de Direito Tributário.3ª ed. Florianópolis: Momento Atual, 2006, p. 11.
21
Bonavides publica que:
Outro conceito de princípio é aquele formulado pela Corte
Constitucional italiana, numa de suas primeiras sentenças, de
1956, vazada nos seguintes termos: „Faz-se mister assinalar que
se devem considerar como princípios do ordenamento jurídico
aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e
fundamental que se possam deduzir da conexão sistemática, da
coordenação e da íntima racionalidade das normas que
concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o
tecido do ordenamento jurídico. 72
Neste sentido, os princípios constitucionais servem
justamente para orientar o hermeneuta, nessa difícil atividade de adaptação do
direito, posto às novas situações jurídicas que vão surgindo com a evolução da
sociedade.
1.5.2 Função dos princípios
Canotilho explica que:
os princípios são multifuncionais. Podem desempenhar uma
função argumentativa, permitindo, por exemplo denotar a ratio
legis de uma disposição ou revelar normas que são expressas por
qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas,
sobretudo aos juízes, o desenvolvimento, integração e
complementação do direito.73
Bastos apostila acerca de uma das funções dos princípios:
Embora não se possa dizer dos princípios que eles possam gerar
direitos subjetivos, desempenham eles, no entanto, uma função
transcendental dentro da Constituição. São eles que lhe dão
72
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 256.
73CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, p.167.
22
feição de unidade ao Texto Constitucional, determinando suas
diretrizes fundamentais.74
Desta forma, os princípios ganham mais força, podendo
influenciar na interpretação, no conteúdo e podendo até tornar inconstitucionais
as regras que com eles conflitem.
Bastos revela que a função que sobressai às demais é a de
funcionar como critério de interpretação das demais normas não-
principiológicas.75
Logo, as leis são a base, mas para compreendê-las, e
identificar a sua essência, deve-se utilizar das diretrizes ofertadas pelos
princípios.
Canotilho, citado por Bastos, mostra que:
há princípios que se traduzem em normas da Constituição,
enquanto que outros pairam abstratamente sobre o ideal
constitucional conferindo-lhe tonalidade mas que não
propriamente um caráter normativo. Estes princípios exercem tão
somente função ordenadora sobre a vida jurídico-política do país e
se inferem da Constituição. 76
Concluindo, os princípios são vigas mestras do direito
constitucional, possuindo funções tanto de interpretação quanto de normatização.
1.5.3 Colisão entre princípios
A colisão é caracterizada pela possibilidade de aplicação de
mais de um princípio num único caso.
74
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 79.
75BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 79.
76BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 80.
23
Canotilho doutrina que “O fato de a constituição constituir um
sistema aberto de princípios insinua já que podem existir fenômenos de tensão
entre os vários princípios estruturantes ou entre os restantes princípios
constitucionais gerais e especiais”. 77
O mesmo doutrinador segue explicando como proceder em
caso de colisão de princípios:
o reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismo entre
vários princípios e a necessidade, atrás exposta de aceitar que os
princípios não obedecem em caso de conflito, a uma „lógica do
tudo ou nada‟, antes podem ser objeto de ponderação e
concordância prática, consoante o seu „peso‟ e as circunstâncias
do caso. 78
Adverte Bonavides, citando o jurista Alexy:
“A colisão ocorre, por exemplo, se algo é vedado por um princípio,
mas permitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve
recuar. Isto, porém, não significa que o princípio do qual se abdica
seja declarado nulo, nem que uma cláusula de exceção nele se
introduza”. 79
Portanto, quando ocorrer o confronto entre dois princípios,
deverá ser procedido o necessário balanceamento de valores, para que se possa
harmonizar a aplicação dos princípios ao caso concreto e regular sua convivência
no sistema.
1.5.4 Distinção entre princípios e regras
Tanto as regras quanto os princípios são duas modalidades
de normas jurídicas. Como sugere Canotilho, a distinção entre regras e princípios
é uma distinção entre duas espécies de normas.80
77
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, p.190.
78CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, p.190.
79BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 279-280.
80CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, p.166.
24
Ao doutrinar sobre estas duas espécies de normas, o
mesmo autor discorre sobre diversas fórmulas que têm sido elaboradas como
critério de distinção:
Saber como distinguir, no âmbito do superconceito norma, entre
regras e princípios, é uma tarefa particularmente complexa.
Vários são os critérios sugeridos.
a) Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de
abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras
possuem uma abstração relativamente reduzida.
b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os
princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de
mediações concretizadoras (do legislador?do juiz?), enquanto as
regras são suscetíveis de aplicação direta.
c) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito:
os princípios são normas de natureza ou com um papel
fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição
hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais)
ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex:
princípio do Estado de Direito).
d) Proximidade da idéia de direito: os princípios são <standards>
juridicamente vinculantes radicados nas exigências de <justiça>
(Dworkin) ou na idéia de direito (Larenz); as regras podem ser
normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional.
e) Natureza normogenética: os princípios são regras
fundamentais, isto é, são normas que estão na base ou
constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso,
uma função normogenética fundamentante."
Por conseguinte, em face dos posicionamentos doutrinários
apresentados, cabe afirmar que os princípios são pautas de valores,
mandamentos de natureza nuclear do sistema jurídico, que direcionam e
concretizam a aplicação das normas jurídicas; podem ser os princípios tanto
expressos como implícitos, enquanto as regras só podem ser expressas. As
25
regras , quando confrontadas entre si, podem expressar antinomias e se excluem,
enquanto os princípios não.
Por último, resta imperiosa a afirmativa de que, se as regras
para serem aplicadas devem observar os princípios que as instruem, estes são
hierarquicamente superiores às mesmas.
1.6 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
A Constituição, como Lei Fundamental, habita o topo da
pirâmide hierárquica das normas.
Ferreira Filho ilustra a procedência da supremacia da
Constituição :
A supremacia da Constituição decorre de sua origem. Provém ela
de um poder que institui a todos os outros e não é instituído por
qualquer outro, de um poder que constitui os demais e é por isso
denominado Poder Constituinte. 81
E segue o mesmo autor explicando o que é necessário para
garantir a superioridade da Constituição: “é preciso efetivar um crivo, um controle
sobre os atos jurídicos, a fim de identificar os que, por colidirem com a
Constituição, não são válidos.” 82
1.6.1 A supremacia como princípio constitucional
Canotilho explana que a supremacia como princípio
constitucional surge da idéia de que nenhuma norma poderá ser valorada se não
estiver em conformidade com a Constituição:
A superioridade normativa do direito constitucional implica, o
princípio da conformidade de todos os actos do poder político com
81
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 20.
82FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional, p. 21.
26
as normas e princípios constitucionais (cfr. CRP, art. 3°/3). Em
termos aproximados e tendenciais, o referido princípio pode
formular-se da seguinte maneira: nenhuma norma de hierarquia
inferior pode estar em contradição com outra de dignidade
superior (princípio da hierarquia), e nenhuma norma
infraconstitucional pode estar em desconformidade com as
normas e princípios constitucionais, sob pena de inexistência,
nulidade, anulabilidade ou ineficácia (princípio da
constitucionaliade). 83
Silva revela que o princípio da supremacia da Constituição
decorre da sua rigidez:
Da rigidez emana, como primordial conseqüência, o princípio da
supremacia da constituição que, no dizer de Pinto Ferreira, „é
reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifício do
moderno direito politico‟[...] É, enfim, a lei suprema do Estado, pois
é nela que se encontram a própria estruturação deste e a
organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas
fundamentais do Estado, e só nisso se notará sua superioridade
em relação às demais normas jurídicas. 84
Desta forma, a Constituição como Lei Suprema ou
Fundamental, que inspira toda a estrutura do Estado, tem seu poder de
autoridade destacado pelo princípio da conformidade, onde todas as normas de
hierarquia inferior só terão validade se estiverem coerentes com os preceitos da
Constituição.
1.6.2 A supremacia da CRFB/88
Silva esclarece o motivo de nossa atual Constituição ter
força suprema:
Nossa Constituição é rígida. Em conseqüência, é a lei fundamental e
suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra
fundamento e só ele confere poderes e competências
83
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, p.137-138.
84SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 45.
27
governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos
Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos,
porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas
positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos
termos nela estabelecidos. 85
Sendo assim, a Constituição de 1988 é considerada lei
suprema, pois adjudica competências governamentais e possui toda autoridade
acerca dos mais diversos assuntos incorporados em seu texto.
No próximo capítulo será abordado as limitações
constitucionais acerca da competência tributária, os princípios, as imunidades e a
diferença de bi tributação e bis in idem.
85SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 46.
28
CAPÍTULO 2
LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
2.1 A CRFB/88 COMO CARTA DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS
A Constituição de 1988 é uma carta que emana princípios
basilares de competência tributária, como ensina Melo:
A Constituição Federal estabelece um sistema escalonado de
normas, representado por uma autêntica pirâmide jurídica que,
visualizada de baixo para cima, compreende num patamar inicial o
seu próprio alicerce, denominado “princípios”...86
Machado revela que o ”instrumento de atribuição de
competência é a Constituição Federal, pois, a atribuição de competência tributária
faz parte da própria organização jurídica do Estado.” 87
A Constituição de 1988 é, portanto a carta jurídica que
atribui aos Entes políticos a competencia tributária, que é a prerrogativa de
instituir tributos. Neste sentido pondera Moraes:
A Constituição Federal, em regra, não institui tributos, mas sim
estabelece a repartição de competência entre os diversos entes
federativos e permite que os instituam com observância ao
princípio da reserva legal.88
Carrazza informa que a Constituição de 1988 possui normas
que disciplinam outras normas, dentre elas as que tratam de competências
tributárias:
86
MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 6. ed. Rev. Atual. São Paulo: Dialética, 2005, p. 15.
87MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 27.
88MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 766.
29
Tais normas autorizam os legislativos da União, dos Estados, dos
Municípios e do Distrito Federal a criarem, in abstrato, tributos,
bem como a estabelecerem o modo de lança-los e arrecadá-los,
impondo a observância de vários postulados que garantem os
direitosdos contribuintes.89
Os Entes políticos possuem legislativo autônomo e
representativo, aptos a criar, tributos, ou seja, descrever todos os seus elementos
essenciais:
Portanto, a Constituição de 1988 não cria tributos, apenas
outorga competência aos Entes Políticos que deverão utilizá-las nos exatos
limites em que lhe fora confiada.
2.2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: CONCEITO, EXERCÍCIO, TITULARIDADE
Carrazza conceitua competência tributária como: “a
possibilidade de criar, in abstrato, tributos, descrevendo, legislativamente, suas
hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases
de cálculo e suas alíquotas.” 90
Tavares explica que: “É por intermédio do exercício da
competência tributária que as Pessoas Políticas dão azo ao nascimento dos
tributos originalmente previstos na Constituição.” 91
O mesmo autor pondera quanto ao encerramento da
competência:
O exercício da competência encerra-se juntamente com a edição
da lei, isto é, após regularmente editada, a competência tributária
cede lugar à denominada capacidade tributária ativa, relacionada
89
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 466.
90CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 467.
91TAVARES, Alexandre Macedo, Fundamentos de direito tributário, p. 44.
30
com as atividades da administração, arrecadação e fiscalização
do tributo originariamente instituído. 92
Neste mesmo norte discorre Carrazza:
A competência tributária esgota-se na lei. Depois que esta for
editada, não há o que falar mais em competência tributária
(direito de criar o tributo), mas, somente, em capacidade
tributária ativa (direito de arrecadá-lo, após a ocorrência do
fato imponível). 93
Melo esclarece que a “titularidade dos tributos é outorgada
às pessoas políticas de Direito Público Interno (União, Estados, Distrito Federal e
Municípios) de conformidade com as diretrizes estabelecidas na Constituição
Federal.”. 94
2.3 CARACTERÍSTICAS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
A competência tributária é caracterizada pela privatividade,
indelegabilidade, incaducabilidade, inalterabilidade, irrenunciabilidade e
facultatividade do exercício.
Quanto à característica da privatividade da pessoa política
para a qual foi outorgada a competência, Melo arrazoa:
As pessoas políticas são dotadas de privatividade para criar os
tributos que lhes foram reservados pela Constituição, o que, por
via oblíqua, implica a exclusividade e conseqüente proibição de
seu exercício por quem não tenha sido consagrado com esse
direito. 95
Carrazza explica a característica da privatividade:
92
TAVARES, Alexandre Macedo, Fundamentos de direito tributário, p. 44.
93CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 471.
94MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 139.
95MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 139.
31
As normas constitucionais que discriminam as competências
tributárias encerram duplo comando: 1) habilitam a pessoa política
contemplada – e somente ela – a criar, querendo, um dado tributo;
e 2) proíbem as demais de virem a instituí-lo. 96
O artigo 7º do Código Tributário Nacional disciplina que a
competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou
fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas
em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra.
Melo discorre quanto à impossibilidade de transferir o direito
de instituir o tributo a outro ente:
O requisito da indelegabilidade proíbe que uma pessoa política
transfira o direito à instituição do tributo a outra pessoa,
simplesmente pela circunstância de que estaria sendo violado o
princípio federativo, que conferiu a cada esfera de governo
tributos e receitas distintas. 97
A Pessoa Política pode até se privar de exercitar a
competência, mas como explica Carrazza, não poderá delegá-la a terceiros:
As competências tributárias são indelegáveis. Cada pessoa
política recebeu da Constituição a sua, mas não a pode renunciar,
nem delegar a terceiros. É livre, até, para deixar de exercitá-la;
não lhe é dado, porém, permitir, mesmo que por meio de lei, que
terceira pessoa a encampe. 98
Carrazza elucida o provável motivo da indelegabilidade da
competência tributária:
Se União, Estado, Municípios e Distrito Federal pudessem
comutar livremente, seja por meio de leis, seja por meio de
convênios, suas competências tributárias, que tornamos a repetir-
lhes foram outorgadas pela Constituição, a decisão constituinte
96
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 483.
97MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 140.
98CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 615.
32
seria, neste particular, absurdamente despida de força e prestígio,
por modificável de acordo com as conveniências episódicas das
pessoas políticas. 99
O mesmo autor explica que apesar de ser privativa, a
competência não é delegável, ou seja, o Ente não pode dispor sobre ela:
A indelegabilidade reforça a noção de que a competência
tributária não é patrimônio absoluto da pessoa política que a
titulariza. Esta pode exercitá-la, ou seja, criar o tributo, mas não
tem a total disponibilidade sobre ela. 100
Para Machado:
Tem-se (a) a competência tributária é indelegável; (b) as funções
de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços,
atos ou decisões administrativas em matéria tributária, podem ser
atribuídas a pessoas jurídicas de direito público; (c) a simples
função de arrecadar, função de simples caixa, pode ser atribuída a
pessoas de direito privado.101
Acerca da característica da incaducabilidade, Melo associa a
característica da facultatividade para destacar a possibilidade da Pessoa Política
privar-se de exercitar a competência:
A incaducabilidade e a facultatividade constituem pressupostos da
competência, em razão do que a falta de seu exercício não lhes
afasta o direito assegurado pela Constituição, que não
estabeleceu qualquer espécie de perda em razão de mera inércia
legislativa. 102
Nas palavras de Tavares:
A competência tributária é incaducável, ou seja, o seu exercício
não se encontra submetido à observância de um prazo fatal,
99
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 463-464.
100CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 464.
101MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 190.
102MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 140.
33
Perdura no tempo o exercício da competência tributária
constitucionalmente confiada à Pessoa Política. 103
Neste sentido Carrazza expressa a impossibilidade jurídica
de decair o direito de criar os tributos que lhes foram confiados, pelo fato de não
ter praticado o exercício:
A competência tributária é, também, incaducável, já que seu não
exercício, ainda que prolongado no tempo, não tem o condão de
impedir que a pessoa política, querendo, venha a criar, por meio
de lei, os tributos que lhe forem constitucionalmente deferidos.
Perdura, pois, no tempo, sendo juridicamente impossível dizermos
que decaiu, por falta de aplicação ou exercício. 104
Melo leciona que a “inalterabilidade é contemplada como
elemento substancial da competência tributária, porque acode ao irrestrito
prestígio do princípio federativo, não podendo ser modificada a matéria
tributável.” 105
Da mesma forma doutrina Carrazza: “De fato, se é a própria
Constituição que define as dimensões da competência tributária das várias
pessoas políticas, estas não podem praticar atos que as ultrapassem.” 106
Conceitua Melo que a irrenunciabilidade significa que as
pessoas políticas “não detêm o direito de dispor das receitas tributárias, que lhes
são cometidas pela Constituição, o que não se confunde com o desinteresse no
efetivo exercício de sua competência.” 107
Carrazza dispõe sobre a impossibilidade de renúncia, seja
total ou parcial, do exercício das competências tributárias:
Da mesma maneira pela qual as pessoas políticas não podem
delegar suas competências tributárias, também não as podem
103
TAVARES, Alexandre Macedo, Fundamentos de direito tributário, p. 45.
104CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 624-625.
105MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 140.
106CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 628.
107MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 141.
34
renunciar, quer no todo, quer em parte. Esta é matéria de direito
público constitucional, e, portanto, indisponível. União, Estado,
Municípios e Distrito Federal carecem do direito de renúncia ao
exercício das competências tributárias que receberam da Carta
Magna e que são essenciais à sua subsistência. 108
Para Carrazza, as pessoas políticas, conquanto não possam
delegar suas competências tributárias, “por força da própria rigidez de nosso
sistema constitucional, são livres para delas se utilizarem ou não.” 109
Tavares destaca a possibilidade de a Pessoa Política criar
tributo quando lhe for conveniente:
Muito embora indelegável e irrenunciável, o exercício da
competência tributária por parte da Pessoa Política não é
obrigatório, de modo que a exerce se quiser. A facultatividade é
uma decorrência natural de sua incaducabilidade. Explicamos: se
a competência tributária não se encontra submetida a prazo
decadencial qualquer, obviamente que a Pessoa Política pode
criar o tributo que lhe foi confiado quando lhe aprouver. 110
Sendo assim, a característica da facultatividade é uma
decorrência direta da incaducabilidade, apesar da existência da indelegabilidade e
da irrenunciabilidade do exercício da competência tributária.
2.4 BITRIBUTAÇÃO X BIS IN IDEM
Um tributo pode revelar-se inconstitucional quando adota
uma hipótese de incidência ou base de calculo já aplicada em outro, fato
classificado como bitributação ou bis in idem.
Melo esclarece:
108
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 629.
109CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 630.
110TAVARES, Alexandre Macedo, Fundamentos de direito tributário, p. 45.
35
A bitributação (em termos científicos) consiste na dupla existência
de tributos, de modo ilegítimo, por parte de duas (ou mais)
pessoas de Direito Público, sendo caracterizada pela
compreensão dos elementos seguintes:
Competência tributária concorrente – há dois ou mais sujeitos
ativos exigindo tributos sobre a mesma situação (fato hábil a dar
nascimento à obrigação tributária);
Identidade de situação tributada – a mesma situação gera a
pretensão tributária de dois ou mais sujeitos ativos, que a
consideram atingida pela respectiva lei;
Incidência sobre a economia do sujeito passivo, gravando-o sob o
mesmo aspecto – o mesmo fato tributável, que criará o vínculo
obrigacional entre o Fisco e o contribuinte, é perseguido por mais
de uma pretensão tributária. 111
Quanto ao bis in idem, o já referido autor segue afirmando
que:
No bis in idem o fato jurídico é tributado por uma mesma pessoa
política (única titularidade ativa), mais de uma vez; podendo tratar-
se de simples adicional (uniformidade da espécie de tributo); além
de cogitar-se de uma mesma base imponível. É o que acontece
com o Imposto de Renda (art. 153, III, CRFB/88) e a Contribuição
Social sobre o Lucro (art. 195, I, c), em que ocorre um fato básico
(lucro), compreendido como resultado positivo (acréscimo
patrimonial), obtido pela pessoa jurídica ao final de um
determinado período de tempo. 112
Tavares conclui de forma objetiva e eficaz:
Eis o diferencial entre uma e outra. No bis in idem o encargo
adicional é criado pela mesma pessoa jurídica de direito público
interno, o que incorre na bitributação, que pressupõe a instituição
de um mesmo tributo por pessoas distintas. 113
111
MELO José Eduardo Soares de, Curso de direito tributário, p. 143.
112MELO José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 145.
113TAVARES, Alexandre Macedo, Fundamentos de direito tributário, p. 47.
36
Portanto, se a mesma Pessoa Política cria um tributo com a
mesma base de cálculo ou hipótese de incidência que previamente já havia
aplicado a outro, é considerado bis in idem. Já na bitributação, Pessoas Políticas
distintas instituem exigências fiscais sob uma mesma base de cálculo ou fato
gerador.
2.5 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR
Visando o interesse geral, o exercício da competência
tributária não é considerado irrestrito, como revela Machado:
Cada uma das pessoas jurídicas de direito público, vale dizer, a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tem sua
competência tributária, que é, como já foi dito, uma parcela do
poder tributário. O exercício dessa competência, porém, não é
absoluto. O Direito impõe limitações à competência tributária, ora
no interesse do cidadão, ou da comunidade, ora no interesse do
relacionamento entre as próprias pessoas jurídicas titulares de
competência tributária. 114
Quanto às limitações do poder de tributar, Machado
fundamenta:
Em sentido restrito, entendem-se como Limitações do poder de
tributar o conjunto de regras estabelecidas pela Constituição
Federal, em seus artigos 150 a 152, nas quais residem princípios
fundamentais do Direito Tributário... 115
As limitações estabelecem o alcance do exercício da
competência, como explana Bastos: “Pode-se dizer que as limitações
constitucionais ao poder de tributar colaboram para a fixação do campo
114
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 190.
115MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 191.
37
competencial das pessoas de direito público com capacidade política, no que diz
respeito à criação de tributos”. 116
Silva informa que os princípios estabelecem as limitações:
“Embora a constituição diga que cabe à lei complementar regular as limitações
constitucionais do poder de tributar (art. 146, II), ela própria já as estabelece
mediante a enunciação de princípios constitucionais da tributação”. 117
Segundo o posicionamento de Celso de Mello:
O exercício do poder tributário, pelo Estado, submete-se, por
inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto constitucional
que, de modo explícito ou implícito, institui em favor dos
contribuintes decisivas limitações à competência estatal para
impor e exigir, coativamente, as diversas espécies tributárias
existentes. Os princípios constitucionais tributários, assim, sobre
representarem importante conquista político-jurídica dos
contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos
individuais outorgados aos particulares pelo ordenamento estatal.
Desde que existem para impor limitações ao poder de tributar do
estado, esses postulados tem por destinatário exclusivo o poder
estatal, que se submete a imperatividade de suas restrições. (ADI
712-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-10-92, DJ
de 19-2-93)
2.5.1 Imunidades tributárias
Entre os limites ao poder de tributar estão proibições como
as imunidades. Acerca do vocábulo “imunidade”, Tavares revela:
Etimologicamente deriva do latim immunitas, immunitate, o qual
indica negação de múnus (ofício, cargo, função). Ainda sobre o
aspecto etimológico, temos que a sílaba latina in que antecede a
116
BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 700.
117SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 712.
38
raiz assume o significado de “negação”, dando a idéia genérica de
desobrigação de encargo. 118
Acerca da imunidade tributária, Carrazza conceitua:
A imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional.
As normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do
assunto fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades
tributantes para onerar, com exações, certas pessoas, seja em
função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a
determinados fatos, bens ou situações. 119
Machado explica que a imunidade limita o que pode ser
tributado:
Imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à
incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode
ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese
de incidência tributária aquilo que é imune. 120
Bastos fundamenta que dentre as limitações de tributar
dispostas nos artigos 150 a 152 da Constituição de 1988, há normas
propriamente ditas e princípios:
As imunidades tributárias estão previstas nos artigos 150, 151 e
152 da Constituição Federal. Acontece, entretanto, que, dentre
esses preceitos, uns são considerados princípios constitucionais
tributários, enquanto outros atuam como limitações propriamente
ditas121.
Tavares acrescenta informando que:
... o art. 150, inciso VI, não é o único preceito constitucional
patrocinador de regra imunizante, ex vi de outras hipóteses de
118
TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 34.
119CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 676.
120MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 199.
121BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 701.
39
imunidade consagradas pelos artigos 153, § 2º, II; 153, § 3º, III,
153, § 4º; 155, X, “a” e “b”, da Carta Magna. 122
Machado informa que as “entidades políticas integrantes da
Federação não podem fazer incidir impostos sobre as outras. Estão protegidos
pela imunidade o patrimônio, a renda e os serviços dessas entidades, e de suas
autarquias.”. 123
Vale consignar o disposto no § 2º do artigo 150 da CRFB/88:
§ 2º - O disposto na alínea a do inciso IV aplica-se,
exclusivamente, aos serviços próprios das pessoas jurídicas de
direito público a que se refere este artigo, e inerentes aos seus
objetivos.
Neste norte completa Machado:
A imunidade não se aplica (a) ao patrimônio, à renda e aos
serviços relacionamentos com a exploração de atividades
econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos
privados; (b) ou em que haja contraprestação ou pagamento de
preços ou tarifas pelo usuário. 124
Machado explica que nenhum imposto incidirá sobre bens e
atos relacionados a religião:
Nenhum imposto incide sobre os templos de qualquer custo.
Templo não significa apenas a edificação, mas tudo seja ligado ao
exercício da atividade religiosa. Não pode haver imposto sobre
missas, batizados ou qualquer outro ato religioso. Nem sobre
qualquer bem que esteja a serviço do culto. Mas pode incidir
imposto sobre bens pertencentes à Igreja, desde que sejam
instrumentos desta. Prédios alugados, por exemplo, assim como
os respectivos rendimentos, podem ser tributados. Não a casa
122
TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 35.
123MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 200.
124MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 200.
40
paroquial, ou o convento, ou qualquer outro edifício utilizado para
atividades religiosas, ou para residência dos religiosos. 125
Nos termos da Constituição de 1988, igualmente imunes à
incidência de impostos é o patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos,
inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das
instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os
requisitos da lei;
Machado leciona que esta imunidade tem por objetivo atrair
particulares para colaborar com o Estado no desempenho de alguma de suas
funções sociais:
São também imunes as instituições de educação ou de
assistência social, sem fins lucrativos. ... Sendo a atividade
educacional, como inegavelmente é socialmente tão importante,
sua prática deveria ser estimulada, até porque isto certamente
atrairia um maior número de pessoas para o seu desempenho,
aliviando a pressão decorrente da grande demanda e da
insuficiente oferta de vagas nas escolas.126
Quanto a imunidade dos livros, jornais, periódicos e de papel
destinado a sua impressão, Tavares explica o duplo objetivo:
Qual seja garantir a liberdade de manifestação do pensamento,
bem como estimular a facilitar o acesso à cultura, com vistas na
desoneração da incidência de impostos sobre livros, jornais e
periódicos, isto é, sobre veículos difusores de informações, idéias,
conhecimentos, literatura, etc. 127
Ou seja, esta imunidade visa a estimular a produção de
informativos, para proporcionar a acessibilidade de informação a um maior
numero de pessoas.
125
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 203.
126MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 204.
127TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 36.
41
2.5.2 Princípios constitucionais tributários
Como revela Tavares, quanto às limitações, “o que
verdadeiramente nos interessa, encontra-se estruturalmente encartadas na Lei
Maior sob a forma de princípios.”. 128
2.5.2.1 Princípio da estrita legalidade
Princípio que revela que os tributos não poderão ser
instituídos ou majorados senão através de lei, de acordo com os art. 5º II e art.
150 I da CRFB/88.
Art. 5º - (...)
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei;
Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
Para Machado, o princípio da legalidade possui duas
vertentes:
a) o de que o tributo deve ser cobrado mediante o consentimento
daqueles que o pagam, e;
b) o de que o tributo deve ser cobrado segundo normas
objetivamente postas, de sorte a garantir plena segurança nas
relações entre o Fisco e os contribuintes. 129
128
TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 13.
129MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. 5 ed. São Paulo: Dialética, 2004, p.21.
42
O mesmo autor segue informando que o “tributo deve ser
consentido, vale dizer, aprovado pelo povo, por seus representantes nos
parlamentos.” 130
Bastos destaca a importância deste princípio por produzir
segurança ao contribuinte: “O princípio da legalidade é uma regra básica do
Sistema Tributário, historicamente das primeiras garantias a surgir em favor do
contribuinte e hoje ainda figuras como instrumento importante”. 131
Exceções ao princípio da legalidade
Alguns tributos podem ser majorados através de Decreto do
Poder Executivo. Acerca dessas exceções, disserta Machado:
As exceções ao princípio da legalidade, assim, dizem respeito
apenas a majoração de tributos, e mesmo esta só é admitida
dentro de certos limites fixados pela lei. Nestes termos, as
exceções ao princípio da legalidade são as mencionadas no §1º,
do art. 153, que faculta ao Poder Executivo, atendidas as
condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas
dos impostos sobre: a) importação de produtos estrangeiros; b)
exportação para o exterior, de produtos nacionais ou
nacionalizados; c) produtos industrializados, e d) operações de
crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores
mobiliários. 132
Sendo assim, todo tributo deverá ser previsto por lei e deve
estar em consonância com a lei, e a exceção diz respeito apenas a faculdade
concedida ao poder executivo de majorar as alíquotas dos impostos enumerados
nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição de 1988.
130
MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988, p.21.
131BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 697.
132MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988, p.53.
43
2.5.2.2 Princípio da anterioridade
Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
III - cobrar tributos:
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei
que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido
publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto
na alínea b;
Assunção destaca que o princípio da anterioridade e o
princípio da legalidade constituem as “principais salvaguardas dos contribuintes
contra a instituição ou majoração de tributo retroativo ou simultâneo à ocorrência
do fato gerador e sem prévia aprovação dos seus representantes na câmara
baixa.” 133
Bastos faz uma observação:
esse princípio vem-se enfraquecendo através do tempo. Em
Constituições anteriores exigia-se que o tributo já estivesse criado
por ocasião da aprovação da lei orçamentária, que é algo que se
dá em torno de setembro ou outubro, enquanto hoje não há mais
essa necessidade.134
Portanto, atualmente, mesmo depois de aprovada a lei
orçamentária o tributo poderá ser criado.
Exceções ao princípio da anterioridade
Tavares explica que a própria Constituição prevê exceções
ao princípio da anterioridade:
133
ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Princípios de direito na jurisprudência tributária. São Paulo: Atlas, 2000, p. 36.
134BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 698.
44
O impostos sobre a importação de produtos estrangeiros (II);
O Imposto sobre a exportação, para o exterior, de produtos
nacionais ou nacionalizados (IE);
O Imposto sobre produtos industrializados (IPI);
O Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou
relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF);
Os impostos extraordinários, instituídos por motivo de guerra
externa ou sua iminência, de supressão gradativa tão logo
cessadas as suas causas motivadoras (previsto no art. 154, II, da
CRFB);
Os empréstimos compulsórios instituídos para atender a despesas
extraordinárias, decorrentes de calamidade, de guerra externa ou
sua iminência (art. 148 I, da CRFB);
Cumpre lembrar que esse rol não é exaustivo, tendo em vista que
muito embora não elencado no art. 150, §1º, da Lei Maior,
escapam também da anterioridade a Contribuição de Intervenção
no Domínio Econômico (CIDE) relativas às atividades de
importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás
natural e seus derivados e álcool combustível (CRFB, art. 177,
§4º, I, b), assim como a vedação do art. 150, inciso III, alínea “c”,
não se aplica aos tributos previstos nos artigos 148, I, 153, I, II, III
e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo do IPVA (art.
155,III) e IPTU (art. 156,I). 135
Por conseguinte, estas são as hipóteses de não observância
ao princípio da anterioridade, que estão enumeradas em diversos dispositivos
legais.
135TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 23-24.
45
2.5.2.3 Princípio da irretroatividade
A lei tributária não pode retroagir, isto é, não pode ser
aplicada em relação a fatos geradores ocorridos antes do início de sua vigência
(art. 150 III, “a” da CRFB/88).
Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da
vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
Para Bastos: “significa dizer que a lei nova, embora
produtora de efeitos imediatos, pode, em determinadas hipóteses, retroagir, sem
quebra de segurança para o indivíduo, que é a razão principal de ser da
irretroatividade”. 136
Segundo Machado:
O princípio da irretroatividade é instrumento da segurança jurídica.
Ele garante que os fatos anteriores à lei não serão por ela
alcançados e, assim, não produzirão as conseqüências por ela
estabelecidas. Ele nos permite impedir a incidência da lei evitando
a ocorrência do fato nela previsto. O fato já consumado terá
apenas os efeitos previstos na lei vigente na data de sua
ocorrência. Não efeitos a ele atribuídos por lei posterior. 137
Bastos se manifesta acerca da possibilidade de retroação
em benefício do contribuinte:
Com relação à retroação benéfica, não há controvérsia; parece
responder mesmo a um princípio de justiça ou ao menos a uma
necessidade de atualizar a lei ante as novas realidades socais.
Aliás, o próprio Texto Constitucional consagra esse princípio no
136
BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 698.
137MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988, p.95-96.
46
art. 5.º, inc. XL, ao dizer “a lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu”. 138
Assim sendo, o princípio da irretroatividade não será
aplicado se acarretar benefício ao contribuinte, observando-se o disposto no art.
106 do CTN.
Exceções ao princípio da irretroatividade
O Código Tributário Nacional expõe as exceções ao
princípio da irretroatividade:
Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa,
excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos
interpretados;
II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência
de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não
tenha implicado em falta de pagamento de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na
lei vigente ao tempo da sua prática.
Portanto, a lei poderá ser aplicada em relação a fatos
geradores ocorridos antes de sua vigência, se, em relação as penalidades, for
mais favorável ao contribuinte e não tiver ocorrido a coisa julgada, ou, ainda, em
qualquer caso, quando a Lei for expressamente interpretativa.
2.5.2.4 Princípio da isonomia
Em caráter geral, o princípio da isonomia é expresso no
caput do art. 5º da CRFB/88:
138
BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 699.
47
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes;
Assunção explica que:
Ao dizer que todos são iguais perante a lei, a Constituição não
está determinando iguais direitos para todos,
indiscriminadamente; mas estabelecendo igualdade jurídica que
respeita as diferenças e garantindo que aos iguais nas diferenças
sejam assegurados iguais direitos. Essa peculiaridade do princípio
da igualdade é pedra angular do sistema tributário, explicando as
distorções das leis dos tributos que estabelecem tratamentos
diferentes na tributação, de um contribuinte para outro. 139
O princípio da isonomia ou da igualdade em matéria fiscal
expressa que a lei não poderá instituir tratamento desigual entre contribuintes que
se encontrem em situação análoga, proibida qualquer distinção em razão de
ocupação profissional ou função exercida:
Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se
encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção
em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos,
títulos ou direitos;
Para Silva:
Aqui se cuida da igualdade “em sentido jurídico, como paridade de
posição, com exclusão de qualquer privilégio de classe, religião e
raça, de modo que os contribuintes, que se encontrem em idêntica
situação, sejam submetidos a idêntico regime fiscal”, que coincide
com a generalidade da imposição 140e que, para realizar a justiça
139
ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Princípios de direito na jurisprudência tributária, p. 231.
140Apud Victor Uckmar, Princípios comuns de direito constitucional tributário, São Paulo:
EDUC/RT, trad. de Marco Aurélio Greco, 1976;
48
fiscal, depende de ser complementado com a igualdade em
sentido econômico, fundada no princípio da capacidade
contributiva. 141
Logo, poderá tratar diferentemente aos desiguais na exata
proporção das desigualdades.
2.5.2.5 Princípio do não-confisco
No âmbito do Direito Tributário esse princípio encontra
fundamento no art. 150, IV, da Constituição de 1988:
Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
IV - utilizar tributo com efeito de confisco;
Segundo Melo, o princípio que veda o confisco:
Está atrelado ao princípio da capacidade contributiva, positivando-
se sempre que o tributo absorva parcela expressiva da renda, ou
da propriedade dos contribuintes, sendo constatado,
principalmente, pelo exame da alíquota, da base de cálculo, e
mesmo da singularidade dos negócios e atividades realizadas. 142
Para Machado:
O princípio do não-confisco, segundo o qual é vedado ao Poder
Público utilizar tributo com efeito de confisco, consubstanciado no
art. 150, inciso IV, da vigente Constituição Federal, é necessário
para tornar o tributo compatível com a garantia de livre exercício
de atividades econômicas. Se fosse possível tributo confiscatório,
estaria negada aquela garantia. Como a atividade econômica
141
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 713.
142MELO José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 34.
49
constitui o suporte mais geral da tributação, bastaria a instituição
do tributo confiscatório para impedir o seu exercício. 143
2.5.2.6 Princípio da liberdade de tráfego de pessoas e bens
Este princípio encontra-se disposto na CRFB/88, em seu
artigo 150, V:
Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por
meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a
cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo
Poder Público;
Moraes ensina que:
A Constituição Federal pretende evitar que o Poder Público utilize-
se da criação de tributos para atingir, reflexamente, a liberdade de
deslocamento pessoal e patrimônio do indivíduo, prevendo a
vedação de cobrança de tributos interestaduais ou intermunicipais
como forma de estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou
bens, como corolária à garantia constitucional de liberdade de
locomoção prevista no art. 5º, XV. 144
Silva arrazoa acerca do pedágio e do princípio da liberdade
de trafégo de pessoas e bens:
Essa é uma regra complementar do direito à livre circulação de
pessoas e de bens. O pedágio não era considerado tributo, mas
uma forma de preço público. Agora, ao fazer a ressalva dele em
relação aos tributos, fica ainda maior dúvida quanto à sua
natureza. Enfim, ele está efetivamente no limiar do conceito de
tributo, tudo dependendo de se dar, ou não, razoável opção aos
143
MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. p.118.
144MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 789.
50
usuários quanto a outra via não sujeita ao pedágio; mas, na
medida em que se expande a todas as rodovias, sua
caracterização tributaria se acentua. 145
Desta forma, os tributos não poderão ser utilizados como
limitadores do livre trânsito de pessoas ou bens dentro do território nacional,
ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias públicas. Veda-se, pois,
a criação de autênticas barreiras fiscais entre Estados ou Municípios.
2.5.2.7 Princípio da uniformidade geográfica
Este princípio está disposto no artigo 151, I, da Constituição
de 1988:
Art. 151 - É vedado à União:
I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território
nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a
Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de
outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a
promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre
as diferentes regiões do País;
Segundo Bastos: “os tributos têm que ser uniformes quando
instituídos pela União. Entendemos ser esta uma decorrência do princípio
federativo, que repele o tratamento desigual das unidades federadas”. 146
Silva explica que é “admitida a concessão de incentivos
fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico
entre as diferentes régios do País (art. 151, I)”. 147
O mesmo autor segue informando que o princípio da
uniformidade geográfica recebeu críticas:
145
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 715-716.
146BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 700.
147SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 716.
51
Por ser insustentável tal regra num país em que as desigualdades
geoeconômicas são tão marcantes, 148 situação que, ao contrário
requer tratamento diferenciado, a fim de que se possa executar
uma política fiscal niveladora da economia nacional; sente-se,
dissemos em outro trabalho, que o tratamento uniforme de
situações disformes contribui ainda mais para a deformação
existente e para agravar as desigualdades regionais. 149
Para Silva, deve-se proporcionar uma uniformidade
geográfica tratando as diversas regiões de forma niveladora, ou seja, tratando os
desiguais de forma desigual para poder igualar.
2.5.2.8 Princípio da não-cumulatividade e seletividade
Trata-se de princípio com base constitucional, aplicável ao
ICMS e ao IPI, nos seguintes termos:
Art. 153 - Compete à União instituir impostos sobre:
§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:
I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;
II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em
cada operação com o montante cobrado nas anteriores;
Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir
impostos sobre
§ 2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em
cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação
de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo
ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
148
DÓRIA, Antônio Sampaio. Discriminação de competência impositiva, São Paulo, 1975, p. 185.
149SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 717.
52
Quanto à não-cumulatividade, Assunção discorre:
O cálculo dos impostos indiretos da União (IPI) e dos Estados
(ICMS) é efetuado pelo expurgo do imposto pago na operação
anterior, de modo que seu valor seja deduzido do valor a pagar na
operação subseqüente, mediante mecanismo escritural de crédito
pela entrada da mercadoria ou produto, e débito pela saída
(CF/88, arts. 153, §3º, II e 155, §2º, I). Essa operação tolhe o
chamado efeito cascata, pelo qual os valores pagos nas
operações anteriores são acrescidos à base de cálculo das
operações posteriores. 150
Para Silva: “Na prática, isso se faz mediante um sistema de
crédito, pelo qual o contribuinte se credita de todo o imposto que pagou ao
adquirir os produtos (ou matéria-prima, no caso do IPI)...”. 151
Já quanto à seletividade, Tavares leciona que se trata de
“princípio afeto ao ICMS e IPI, sinalizando para a necessidade do ônus tributário
ser gravado com parcimônia pelo legislador, levando-se em consideração a
essencialidade do produto.” 152
É por este motivo que produtos supérfluos ou tidos como
danosos à saúde, como bebidas e cigarros, sujeitam-se a alíquotas mais
onerosas, por exemplo.
2.5.2.9 Princípio da proporcionalidade e progressividade
Tanto a progressividade, quanto a proporcionalidade, são
mecanismos jurídicos de graduação do tributo.
Para Tavares:
A proporcionalidade é materializada pelo emprego de alíquota fixa
e base de cálculo variável pela norma jurídico-tributária, enquanto
a progressividade implica na variação de alíquotas em função da
base de cálculo, isto é, quanto mais intenso o estereótipo objetivo
150
ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Princípios de direito na jurisprudência tributária, p. 310.
151SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 718.
152TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 32.
53
da riqueza apresentado por uma pessoa, mais elevada será a
alíquota incidente sobre a base de cálculo legalmente eleita. 153
Logo, na progressividade as alíquotas variam de acordo com
a base de cálculo, enquanto na proporcionalidade a alíquota é fixa e a base de
cálculo é variável.
2.5.2.10 Princípio da não-discriminação em razão da procedência ou destino
Por força desse princípio, é vedado aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços,
de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino (art. 152 CRFB).
Para Tavares significa dizer:
A procedência ou destino dos bens e serviços, de qualquer
natureza, não tem condão de servir de racional critério de
manipulação das alíquotas e da base de cálculo pelos legisladores
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, razão
pela qual, exemplificativamente, a alíquota do IPVA incidente
sobre um veículo zero quilometro deve ser a mesma, quer se trate
de um automóvel importado ou nacional.154
Desta forma, a tributação não pode ser diferenciada em
razão da procedência ou destino de bens e serviços, de qualquer natureza.
2.5.2.11 Princípio da capacidade contributiva
Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e
serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, como
prescrito no art.145 §1º, da CRFB/88:
153
TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 32.
154 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 33.
54
Art. 145 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
poderão instituir os seguintes tributos:
§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e
serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte,
facultado à administração tributária, especialmente para conferir
efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos
individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as
atividades econômicas do contribuinte.
O próximo capítulo tratará especificamente deste princípio,
dedicando-se ao estudo de sua origem, evolução, natureza, fundamento
econômico e eficácia.
55
CAPÍTULO 3
O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
3.1 ORIGEM DA NOÇÃO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Acerca da origem da noção de capacidade contributiva,
Costa155 explica que esta tem estirpe no próprio surgimento do tributo, pois, no
Egito já existia a idéia que se deveria preservar de alguma forma a riqueza
daqueles que deveriam pagar tributos. E o ideal de justiça distributiva era pregado
pelos filósofos gregos.
Neste norte discorre Assunção:
O princípio da capacidade contributiva, freqüentemente referido
como política de Estado democrático é, na verdade, preceito
milenar. Foustel de Coulanges associa-o à religião antiga e aos
direitos de cidadania, sem referir-se a ele pelo nome, ao relatar
que em Roma o censo era realizado a cada catorze anos (em
Atenas, anual), ao duplo propósito de descobrir aqueles que
poderiam ser conscritos ao serviço militar, e dimensionar a
potencialidade tributável global, o que hoje poderíamos denominar
“capacidade contributiva coletiva”. 156
Costa157 segue desenvolvendo uma evolução cronológica da
origem da noção de capacidade contributiva, informando que a Constituição
Britânica de 1215, em seu art. 12, informava que as prestações coercitivas
deveriam ser “moderadamente fixadas”. Na Idade Média, São Tomás de Aquino,
emanava a idéia de que cada um devia pagar tributos secundum facultem ou
secundum equalitatem proportionis.
155
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 15.
156ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Princípios de direito na jurisprudência tributária. São Paulo: Atlas, 2000, p. 69.
157COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 15.
56
Na obra “A Riqueza das Nações”, de 1776, Adam Smith
sustentava que todos deveriam contribuir para as despesas públicas “na razão de
seus haveres”. Nesse período ocorreram vários episódios políticos de relevo que
podem ser atribuídos a inobservância da idéia de capacidade contributiva já
assentada na consciência do povo.
Alguns documentos surgiram como conseqüência destes
eventos políticos e refletiram em Constituições editadas posteriormente, como a
Brasileira de 1824 e o Estatuto Albertino de 1848.
Costa revela que o nascimento da noção de capacidade
contributiva como teoria precisa e coerente vem a surgir depois desses fatos, na
Ciência das Finanças clássica do século XIX. 158
Neste sentido pondera Santos:
O princípio da capacidade contributiva, universalmente consagrado
pela Ciência das Finanças, facilmente impressiona o nosso espírito,
como regra comum de justiça: o Estado deve repartir a carga tributária
de acordo com as possibilidades econômicas de seus habitantes, de
modo geral, e, de modo específico, conforme a capacidade econômica
de cada indivíduo, poupando, tanto quanto possível, o necessário
físico de cada um.159
De acordo com Costa160:
A introdução de tema como objeto de preocupação da Ciência
Jurídica deveu-se ao trabalho do professor Benvenuto Griziotti,
em 1929, e da escola de Pávia, uma vez que o assunto
continuava restrito à apreciação dos estudiosos da Ciência das
Finanças. Para Griziotti a capacidade era a própria causa da
obrigação tributária.
Ensina Taboada, citado por Costa161, que primeiro a
capacidade contributiva foi entendida como uma idéia deduzida do princípio de
158
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 17.
159SANTOS, Manoel Lourenço dos, Direito tributário, 3ª ed., Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1970, p. 96.
160COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 17.
57
justiça, posteriormente concebida como noção necessária para dotar de conteúdo
material o princípio da igualdade, então compreendido no aspecto puramente formal.
Já em livro publicado em 1955, escreveu Baleeiro: “Na
consciência contemporânea de todos os povos civilizados, a justiça do imposto
confunde-se com a adequação deste ao princípio da capacidade contributiva.” 162
Costa163 revela que a teoria de Griziotti ganhou fôlego com a
monografia intitulada Le Basi Teoriche del Principio della Capacità Contributiva, de
Emilio Giardina, publicada em 1961, que dava destaque ao artigo 53 da Constituição
Italiana de 1947, atualmente em vigor, que preceitua: “Tutti sono tenuti a concorrere
alle spese pubbliche in ragione della loro capacita contributiva...” Assim, o principio da
capacidade contributiva ganhou forma expressa constitucionalmente.
Conclui Machado que o princípio da capacidade contributiva:
Não deve ser interpretado como simples forma de manifestação do
princípio geral da isonomia. Tem-se de considerar que o princípio da
isonomia já está expresso em outros dispositivos da Constituição, um
dos quais no próprio capítulo do Sistema Tributário. Assim, a
existência de um dispositivo constitucional consubstanciado, expressa
e especificamente, o princípio da capacidade contributiva, tem,
indiscutivelmente, grande relevância na interpretação desse princípio. 164
Constata Sains de Bujanda citado por Oliveira165:
Raro o texto constitucional que, com uma ou outra formulação,
não exige no mundo moderno que os cidadãos contribuam para o
custeio das cargas públicas segundo sua capacidade contributiva,
normalmente equiparada à capacidade econômica, e
161
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 18.
162BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças, Vol.I. Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 383.
163COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 18.
164MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 91.
165OLIVEIRA, José Marcos Domingues de, Capacidade Contributiva : Conteúdo e Eficácia do princípio, Rio de Janeiro: Renovar, 1988, p. 12.
58
exteriorizada, para tanto, em sinais indicativos da riqueza e da
renda dos sujeitos”.
Desta forma, pode-se observar que o sentimento de justiça
fiscal nasceu junto com a idéia de tributo, e ao longo dos séculos evoluiu até
configurar-se dentre outros princípios, naquele que compreende a observação da
capacidade econômica do contribuinte.
3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCÍPIO NO DIREITO BRASILEIRO
Quanto a evolução histórica do princípio da capacidade
contributiva no Brasil, Costa relata:
No Brasil, após a Constituição Imperial, as Cartas de 1891, 1934 e
1937 mostraram-se tímidas ou omissas a respeito de algum
dispositivo que prestigiasse o postulado da capacidade
contributiva. Foi somente com a democrática Constituição de 1946
que o princípio ganhou merecido realce, em face da dicção de seu
art. 202, assim vazado: Art. 202. “Os tributos terão caráter pessoal
sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a
capacidade econômica do contribuinte”.
Em flagrante retrocesso, a Emenda Constitucional 18, de
1.12.1965, ao veicular a reforma tributária, veio a expulsar aquele
dispositivo do texto constitucional. Silentes permaneceram, a
respeito, a Carta de 1967 e a Emenda Constitucional 1/1969. 166
Domingues de Oliveira revela que ”ao retirar do texto da
Carta Magna a referência à capacidade contributiva, a Emenda 18/65 dificultou o
acesso do contribuinte ao Supremo Tribunal Federal para discussão de questões
envolvendo o princípio, ensejando ao legislador grande relaxamento em face
dele”. 167
166
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 19.
167OLIVEIRA, José Marcos Domingues de, Capacidade Contributiva,p. 31.
59
Costa168 conclui que, felizmente, a Constituição de 1988,
devolveu-nos ainda que com modificação de redação, em seu art. 145, §1º169, o
preceito contido no art. 202 do Texto Fundamental de 1946, além de consagrar, em
outros dispositivos, desdobramentos do princípio da capacidade contributiva.
Assim, hodiernamente, o princípio da capacidade contributiva
encontra-se disposto expressamente na Constituição de 1988 (art. 145, § 1º).
3.3 CONCEITO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Costa170 expressa que capacidade contributiva é
conceituada por Griziotti como princípio que indica a “potencialidade que possuem
os submetidos à soberania fiscal para contribuir para os gastos públicos”. Emílio
Giardina entende-a como a “possibilidade econômica de pagar o tributo” e para
Moschetti “força econômica do contribuinte”.
Sousa, por sua vez, define capacidade contributiva como:
soma de riqueza disponível depois de satisfeitas as necessidades
elementares de existência, riqueza essa que pode ser absorvida
pelo Estado sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem
prejudicar as suas atividades econômicas. 171
De acordo com Tipke e Yamashita, o princípio da
capacidade contributiva significa que:
Todos devem pagar impostos segundo o montante da renda
disponível para o pagamento de impostos. Quanto mais alta a renda
disponível, tanto mais alto deve ser o imposto. Para contribuintes com
rendas disponíveis igualmente altas o imposto deve ser igualmente
168
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 20.
169§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte...
170COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 22.
171SOUSA, Rúbens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Ed. Póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1981, p. 95.
60
alto. Para contribuintes com rendas disponíveis desigualmente altas o
imposto deve ser desigualmente alto. 172
Melo informa:
Convém traçar os lineamentos da capacidade econômica, como
sendo a aptidão que determinada pessoa tem para arcar com parcela
do custo das atividades públicas, ou o fenômeno revelador da riqueza;
o que constitui tarefa difícil pois o vocábulo “econômica” foge aos
quadrantes do Direito, além de não possuir a mesma natureza de
capacidade contributiva financeira, entendida como existência de
dinheiro suficiente para arcar com o ônus fiscal, e que não guarda
nenhuma adequação com a mensuração do tributo.
A capacidade econômica – que pode ser compreendida
conceitualmente como a existência de um patrimônio abrangendo
bens e direitos de qualquer natureza – é também estranha à justa
participação na carga tributária, uma vez que a distribuição eqüitativa
desta, como medida de necessidade (para o Estado) e justiça (para os
contribuintes), não pode tomar em conta a riqueza e a pobreza das
pessoas. 173
Logo, pode-se concluir que capacidade contributiva é
potencialidade econômica, é a soma de riqueza disponível para arcar com o ônus
fiscal sem que se prejudique o mínimo elementar do contribuinte, e sempre está
relacionada ao princípio da igualdade e do valor justiça.
3.4 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ABSOLUTA E CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA RELATIVA
A capacidade contributiva é dividida em absoluta (objetiva) e
relativa (subjetiva), segundo Costa:
Fala-se em capacidade contributiva absoluta ou objetiva
quando se está diante de um fato que se conceitua numa
172
TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 31.
173MELO, José Eduardo Soares de, Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 2005, p. 32.
61
manifestação de riqueza; refere-se o termo, nessa acepção, à
atividade de eleição, pelo legislador, de eventos que
demonstrem aptidão para concorrer às despesas públicas.
Tais eventos, assim escolhidos, apontam para a existência de
um sujeito passivo em potencial.
Diversamente, a capacidade contributiva relativa ou subjetiva-
como a própria designação indica – reporta-se a um sujeito
individualmente considerado. Expressa aquela aptidão de
contribuir na medida das possibilidades econômicas de
determinada pessoa. Nesse plano, presente a capacidade
contributiva in concreto, aquele potencial sujeito passivo torna-
se efetivo – apto, pois, a absorver o impacto tributário. 174
A capacidade absoluta observa-se naqueles casos em
que o legislador mira as manifestações objetivas de riqueza.
A capacidade relativa é reconhecida quando é praticada
uma autêntica individualização do tributo, valorando-se as distintas
circunstâncias pessoais e familiares de cada contribuinte.
Costa175 explica que no entendimento de Cortês
Domingues e Martín Delgado capacidade absoluta é a “aptidão abstrata para
concorrer aos gastos públicos”, enquanto a capacidade contributiva relativa,
que pressupõe a primeira, “se dirige a delimitar o grau de capacidade”,
incidindo na disposição particular de dado contribuinte ante um fato jurídico
tributário.
Por conseguinte, compreende-se como capacidade
absoluta, a aptidão genérica para pagar tributos, já a capacidade relativa,
efetiva e concreta, refere-se à capacidade de pagar tributos de cada
contribuinte.
174
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 27.
175COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 27.
62
3.5 FUNDAMENTO ECONÔMICO DO CONCEITO DE CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA
O conceito de capacidade contributiva possui fundamento
econômico e também jurídico, como ilustra Costa :
No que concerne à capacidade contributiva não se pode negar o
fundamento econômico do conceito, por vezes identificável com
“capacidade econômica”. Por outro lado, também não se pode
refutar seu conteúdo jurídico, na medida em que se encontra
amalgamado com a idéia de justiça tributária.176
Machado elucida o ensejo da existência do fundamento
econômico do princípio:
Certamente o legislador deve atribuir o dever de pagar tributo
a quem tenha capacidade econômica para tanto. A razão é
óbvia. Quem não pode pagar, não paga, e o assunto fica
encerrado. O que se há de questionar, a propósito do princípio
da capacidade contributiva, colocado em nossa Constituição, é
a graduação dos impostos na proporção da capacidade
contributiva do contributiva. Essa questão há de ser vista em
termos globais. É uma questão de divisão proporcional das
despesas públicas.177
Costa178 cita que para Natoli: “um sujeito pode ser capaz
economicamente, no sentido de possuir renda ou patrimônio, mas não ter
capacidade contributiva, se esta renda ou patrimônio permitir somente o
mínimo vital, intributável”. Assim, demonstra, numa primeira conclusão, a
natureza “essencialmente”, mas não “exclusivamente” econômica da
capacidade contributiva.
176
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 34.
177MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988, p. 90.
178COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 34.
63
Costa179 cita Moschetti que acrescenta: “se é verdade
que não existe capacidade contributiva na ausência da capacidade
econômica, também é verdade que pode existir capacidade econômica que
não demonstre aptidão para contribuir.
Sainz de Bujanda, citado por Costa180, acredita que erram
aqueles que consideram que a capacidade contributiva, paira somente no
aspecto financeiro, pois, na realidade possui relevância jurídica e idéia de
justiça.
Logo, entende-se que o conceito de capacidade
contributiva está abalizado no contexto econômico e conteúdo jurídico e
possui raízes na justiça tributária.
3.6 DISCRIMINAÇÃO TRIBUTÁRIA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
De acordo com Bandeira de Mello181 as discriminações
são admissíveis quando se verifica uma correlação lógica entre o fator de
discrímen e a desequiparação procedida e que esta seja conforme aos
interesses prestigiados pela Constituição. Mas deve-se observar quatro
condições, 1) que a discriminação não atinja de modo atual e absoluto um só
indivíduo; 2) que o fator de desigualação consista num traço diferencial
residente nas pessoas ou situações; 3) que exista um nexo lógico entre o
fator discrímen e a discriminação legal estabelecida em razão dele; e 4) que,
no caso concreto, tal vínculo de correlação seja pertinente em função dos
interesses constitucionalmente protegidos, visando ao bem público,
observando a Constituição.
179
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 35.
180COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 35.
181BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª.ed., 10ª. Tir., São Paulo: Malheiros, 2002, p.37-38.
64
Desta forma, torna-se dificultoso constatar se o princípio
da igualdade é acatado pela discriminação tributária postulada pelo princípio
da capacidade contributiva.
Segundo Costa:
O fator de discrímen é, singelamente, a riqueza de cada potencial
contribuinte, revelada pelo fato imponível. A discriminação é feita
consoante diversas manifestações de capacidade econômica, de
modo que venha ela a atingir, de modo atual e absoluto, um único
indivíduo.
Tal fator de desigualação – riqueza – é um traço diferencial
concernente à própria pessoa, a ela referente.
Outrossim, clara é a correlação lógica existente entre o fator de
discriminação – riqueza – e a diferenciação estabelecida em
função dele – maior carga tributária.
Finalmente, in concreto, essa discriminação curva-se aos
interesses constitucionalmente protegidos, com vista ao interesse
coletivo, quais sejam: a distribuição da riqueza e a justiça social.
Portanto, a graduação tributária fixada em função da capacidade
econômica dos sujeitos soa legítima, conformando-se aos ditames
do princípio da isonomia. 182
Logo, emana a questão que busca compreender se o
princípio da capacidade contributiva é um desdobramento do princípio da
isonomia ou um princípio com conteúdo próprio.
Neste sentido discorre Taboada citado por Costa183, que o
princípio da igualdade é um princípio que tem conteúdo próprio, não necessita de
concreções positivas fora dele, podendo a noção de “capacidade contributiva”
perfeitamente desaparecer do texto constitucional sem que se diminuam as garantias
182
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 40.
183COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 41.
65
dos particulares. Desta forma, a capacidade contributiva não seria mais do que um
elemento imediatamente dedutível da idéia de justiça.
Valcárcel, citado por Costa184, adverte que a capacidade
contributiva assim como a noção de generalidade da tributação não são dois
princípios distintos do da igualdade, mas meras especificações e exigências do
mesmo.
Domingues de Oliveira disciplina que o tema da Igualdade no
âmbito do Direito Tributário se estende em diversas facetas:
a) Se todos são iguais perante a lei, todos devem por ela ser
tributados (princípio da generalidade);
b) O critério de igualação ou desigualação há de ser a riqueza de cada
um, pois o tributo visa retirar recursos do contribuinte para manter as
finanças públicas; assim, pagarão todos os que tenham riqueza;
localizados os que tem riqueza (logo, contribuintes) devem todos estes
ser tratados igualmente – ou seja - tributados identicamente na medida
em que possuírem igual riqueza (princípio da igualdade tributária);
c) Essa “riqueza” só poderá referir-se ao que exceder o mínimo
necessário à sobrevivência digna, pois até este nível o contribuinte
age ou atua para manter a si e aos seus dependentes, ou à unidade
produtora daquela riqueza (primeira acepção do princípio da
capacidade contributiva, enquanto pressuposto ou fundamento do
tributo);
d) Essa tributação, ademais, não pode se tornar excessiva, proibitiva
ou confiscatória, ou seja, a tributação, em cotejo com diversos
princípios e garantias constitucionais (direito ao trabalho e à livre
iniciativa, proteção à propriedade), não poderá inviabilizar ou até
mesmo inibir o exercício de atividade profissional ou empresarial lícita
nem retirar do contribuinte parcela substancial de propriedade
(segunda acepção do princípio da capacidade contributiva, enquanto
critério de graduação e limite da tributação). 185
184
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 41.
185OLIVEIRA, José Marcos Domingues de, Capacidade contributiva, p. 13.
66
3.7 NATUREZA DA NORMA ACOLHEDORA DO PRINCÍPIO
Quanto à natureza da norma que abriga o princípio da
capacidade contributiva, a doutrina tem se dividido em posições bastante
distintas: uns acreditam ser regra meramente programática186 e outros uma regra
peremptória187.
3.7.1 Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais
Becker informa que ainda que uma regra trate do “mais
notável exemplo de constitucionalização do equívoco”, tal regra constitucional
goza de “um mínimo de certeza e praticabilidade que revelam sua juridicidade, e
que delimitam o restrito campo de sua eficácia jurídica”, a qual,contudo, não iria
longe a ponto de permitir ao juiz o exame, em cada caso concreto, da incidência
ou não da regra jurídica tributária, ou seja, da análise da efetiva existência de
capacidade contributiva em cada situação singular. 188
Costa resume a lição de Silva explicando que:
Normas constitucionais de eficácia plena são as que receberam
do constituinte normatividade suficiente à sua incidência imediata,
não necessitando de providência normativa ulterior para sua
aplicação. Criam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo,
desde logo exigíveis.
As normas de eficácia contida, por seu turno, também gozam da
mesma normatividade, porém prevêem meios normativos (leis,
conceitos genéricos etc.) não destinados a desenvolver sua
aplicabilidade, mas, ao contrário, permitindo limitações à sua
eficácia e aplicabilidade. Acrescenta o autor que tais normas criam
186
“De aplicação diferida, e não de aplicação ou execução imediata; mais do que comandos-regras, explicitam comandos-valores; conferem elasticidade ao ordenamento constitucional”. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, t.2, p. 216 e s.
187“Oposto de regra programática, ou seja, regra de execução ou aplicação imediata, intangível, de caráter compulsório”. COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 46.
188BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 444-445.
67
situações subjetivas de vantagem, caracterizadas como direitos
subjetivos positivos.
Já as normas de eficácia limitada são aquelas que não receberam do
constituinte normatividade suficiente para sua aplicação, o qual
deixou ao legislador ordinário a tarefa de completar a
regulamentação da matéria nelas traçada em princípio ou esquema.
Tais normas geram situações subjetivas de vínculo. 189
Para Gomes Canotilho:
Marcando uma decidida ruptura em relação à doutrina clássica,
pode e deve dizer-se que hoje não há normas constitucionais
programáticas. É claro que continuam a existir normas-fim,
normas-tarefa, normas-programa que „impõem uma atividade‟ e
„dirigem‟ materialmente a concretização constitucional. Mas o
sentido dessas normas não é o que lhes assinalava
tradicionalmente a doutrina: „simplesmente programas‟,
„exortações morais‟, „declarações‟, „sentenças políticas‟, „aforismos
políticos‟, „promessas‟, „apelos ao legislador‟, „programas futuros‟,
juridicamente desprovidos de qualquer vinculatividade. Às „normas
programáticas‟ é reconhecido hoje como um valor jurídico
constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da
Constituição. Mais do que isso: a eventual mediação de instância
legiferante na concretização das normas programáticas não
significa a dependência deste tipo de normas da interpositio do
legislador; é a positividade das normas-fim e normas-tarefa
(normas programáticas) que justifica a necessidade da
intervenção dos órgãos legiferantes. Concretizando melhor, a
positividade jurídico-constitucional das normas programáticas
significa fundamentalmente:
1) vinculação do legislador, de forma permanente, à sua
realização (imposição constitucional);
2) como directivas materiais permanentes, elas vinculam
positivamente todos os órgãos concretizadores, devendo estes
toma-las em consideração em qualquer dos momentos da
atividade concretizadora (legislação, execução,jurisdição);
189
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.261-262.
68
3) como limites negativos, justificam eventual censura, sob a
forma de inconstitucionalidade, em relação aos atos que as
contrariam. 190
Assim, as normas programáticas possuem análogo apego
jurídico aos dos outros preceitos constitucionais.
3.7.2 Eficácia e aplicabilidade da norma hospedeira do princípio da
capacidade contributiva
Costa explica que “o caráter programático de certas normas
constitucionais não retira destas a preceptividade, já que todas elas possuem
eficácia”. 191 E segue explanando que:
Como expressão, no campo tributário, de princípio de maior
amplitude, que é o da igualdade, o postulado da capacidade
contributiva carrega consigo a plenitude de eficácia atribuída
àquele. Na verdade, se não há discordância quanto a eficácia
plena e aplicabilidade direta, imediata e integral do princípio da
igualdade, parece desarrazoado entender-se diversamente no que
concerne à diretriz da capacidade contributiva. 192
Tipke e Yamashita:
Ao expressamente determinar que “os impostos serão (...)
graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, o art.
145, §1º, da Constituição Federal/1988 reconhece na expressão
“graduados segundo a (...)” que a capacidade econômica é o
principal e mais adequado critério de comparação do princípio da
igualdade aplicado ao Direito Tributário.
Portanto, se o princípio da capacidade contributiva é norma
definidora da própria garantia fundamental à igualdade em matéria
tributária e se, nos termos do art. 5º, §1º, da Constituição
190
GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Direito constitucional. 4ª. Ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1986, p. 132.
191COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 50.
192COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 50.
69
Federal/1988, “as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata”, logo, o princípio igualdade
segundo a capacidade contributiva tem aplicação imediata”. 193
Machado discorre sobre eficácia do princípio em matéria:
A eficácia do princípio da capacidade contributiva, como a eficácia
de qualquer princípio jurídico, depende do grau de
desenvolvimento cultural do povo, que define o grau de disposição
das pessoas para defenderem os seus direitos.
No plano jurídico, todavia, tem-se que o princípio da capacidade
contributiva pode ser apenas um princípio implícito, ou um
desdobramento, ou uma forma de manifestação do princípio da
isonomia jurídica. Pode-se, todavia, ter no sistema jurídico uma
norma expressa que o consubstancia. Tal norma tanto pode
situar-se no plano constitucional, como acontece no Brasil, como
no plano infraconstitucional.
Residindo o princípio no plano constitucional, tem-se que a sua
eficácia dependerá apenas do grau de interesse que tenham as
pessoas na defesa de seus direitos, e especialmente do preparo e
da independência dos que corporificam o poder decisório do
Estado, vale dizer, no Brasil, o Poder Judiciário, e especialmente o
Supremo Tribunal Federal, a quem cabe, em última instância,
fazer valer a Constituição.194
Costa informa que:
A preceptividade da norma constitucional que acolhe o postulado
em exame revela-se, exatamente, quando do exercício da
competência tributária em matéria de impostos, que não poderá
ser exercida em desapreço à capacidade econômica dos
contribuintes. 195
193
TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva, p. 56.
194MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. p. 88.
195COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 51.
70
Assim, quando o Poder Legislativo atuar no âmbito dos
impostos, não poderá deixar de observar a capacidade contributiva dos agentes
passivos, ou seja, dos contribuintes.
3.8 A EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Ajustada a dimensão do princípio da capacidade contributiva
cabe agora argüir, detalhadamente, os principais efeitos decorrentes de sua
aplicação. De forma ampla, pode-se dizer que o grande efeito do princípio é
limitar o poder de tributar e, em compensação, assegurar os direitos subjetivos do
cidadão-contribuinte.
3.8.1 Aplicabilidade aos tributos não-vinculados a uma atuação estatal
Quanto à aplicabilidade do princípio Costa elucida:
Tradicional é o ensinamento segundo o qual o princípio da
capacidade contributiva é aquele orientador dos impostos –
tributos independentes de uma atuação estatal – e que as taxas e
contribuições – tributos vinculados a uma atuação do Poder
Público – informam-se, respectivamente, pelos princípios da
retributividade ou da remuneração e do benefício. 196
Ataliba, citado por Costa197, informa que a capacidade
contributiva é o único critério para a modulação dos impostos: “todos os outros
eventuais critérios que possam ser adotados pelo legislador e que não levem em
conta a capacidade contributiva são arbitrários e, por via de conseqüência,
inconstitucionais”.
Como princípio informador dos impostos, a capacidade
contributiva imprime a tendência de personalização dos mesmos. Assim, portanto,
196
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 52.
197 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 52.
71
faz-se necessário identificar o que é compreendido por “impostos pessoais” e
“impostos reais”.
Ataliba revela que “são reais aqueles cujo aspecto material
da hipótese de incidência limita-se a descrever um fato, acontecimento ou coisa
independente do elemento pessoal, ou seja, indiferente ao eventual sujeito
passivo e suas qualidades”.
Já os impostos pessoais, o mesmo autor informa que são
aqueles “cujo aspecto material da hipótese de incidência leva em consideração
certas qualidades juridicamente qualificadas do sujeito passivo”. 198
Portanto, como confirma Cavalcanti199, a personalização do
imposto há de ser observada sempre que a estrutura do aspecto material da
hipótese de incidência o comporte, mesmo que se esteja diante de impostos
reais.
Para Costa, outro ponto a ser considerado diz respeito à
aplicação do princípio da capacidade contributiva em impostos denominados
“indiretos”, que compreendem aqueles impostos em que o contribuinte de jure não
absorve o impacto da imposição tributária, pois o repassa ao contribuinte de fato.
Mesmo na imposição indireta é viável a atuação do princípio da
capacidade contributiva, que opera, em verdade, de modo
diferenciado (...) A dificuldade da operatividade do princípio em tal
tipo de imposição reside, exatamente, na inviabilidade de se
imprimir feição pessoal.
A seletividade de alíquotas e a não-cumulatividade do IPI e do ICMS,
são expedientes que demonstram que, mesmo não sendo viável
considerar as condições pessoais dos contribuintes, é possível
prestigiar a noção de capacidade contributiva. 200
198
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª. Ed. 3ª. Tir. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 137.
199CAVALCANTI, Themístocles Brandão. A constituição federal comentada. V. IV. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1949, p. 222.
200COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 54-55.
72
Desta forma, se a capacidade contributiva não puder ser
aplicada para a graduação desses tributos, pelo menos poderá figurar como
indicadora das hipóteses em que deverá conceder isenção total ou parcial da
obrigação tributária.
Como exemplifica Costa201, o consumo de certos bens
revela riqueza, enquanto outros se enquadram no chamado mínimo vital. Assim
parece compreensível que o mesmo imposto incida de forma mais intensa em
artigos de luxo e com menor intensidade sobre os de primeira necessidade.
Costa elucida que os juristas estrangeiros expressam a
necessidade de observar a relação do princípio da capacidade contributiva com
as taxas e contribuições sociais. Porém, acrescenta que no ordenamento
constitucional nacional não existe esta possibilidade, visto que a natureza dessas
imposições tributárias é adversa.
Ataliba explica que “taxa é tributo vinculado cuja hipótese de
incidência consiste numa atuação estatal direta e imediatamente referida ao
obrigado”. 202
Segundo Costa203 “com a taxa, se pretende remunerar a
atuação estatal, essa remuneração deve reportar-se ao custo da mesma, e não à
capacidade contributiva do sujeito passivo, irrelevante para a hipótese de
incidência ou para a graduação da taxa”. De igual maneira deve-se tratar à
contribuição de melhoria que é tributo decorrente de obras públicas, sendo alheia
a capacidade contributiva do sujeito.
Quanto às demais contribuições e aos empréstimos
compulsórios, “o aspecto material de sua hipótese de incidência poderá conter ou não
uma vinculação a determinada atuação estatal. Portanto, quando se configurarem
201
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 56.
202ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 156.
203COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 58-59.
73
como imposto as contribuições (ou empréstimos compulsórios) deverão também
observar, naturalmente, o princípio da capacidade contributiva”. 204
Portanto, a aplicabilidade do princípio em tela é analisada
caso a caso, observando-se sempre a natureza do tributo.
3.8.2 O alcance da expressão "sempre que possível"
Nos termos do art. 145, §1º, da Constituição de 1988:
Art. 145 (...)
§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e
serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte...
Quanto à expressão “sempre que possível”, utilizada no
início do dispositivo que aborda o princípio em estudo, Machado revela:
Pode levar o intérprete ao entendimento segundo o qual o
princípio da capacidade contributiva será observado quando
possível. Não nos parece, porém, seja essa a melhor
interpretação, porque sempre é possível a observância do referido
princípio. A nosso ver, o sempre que possível, do §1º do art. 145,
diz respeito apenas ao caráter pessoal dos tributos, pois na
verdade nem sempre é tecnicamente possível um tributo com
caráter pessoal.” 205
Para Melo o ajuste sempre que possível não poderia jamais
conjeturar a eventual impossibilidade de tal mensuração, pois:
Casos em que nem sempre é possível avaliar o cunho pessoal e o
envolvimento econômico do devedor do imposto. Como a
estrutura da norma tributária sempre revela a intensidade
econômica do ônus imputado ao contribuinte, forçoso defluir o
entendimento de que sempre é possível apreender o caráter
204
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 58-59.
205MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros. 1998, p. 34.
74
pessoal e a capacidade econômica do contribuinte. O que nem
sempre será possível é obter, com absoluta segurança e certeza,
o caráter eminentemente pessoal e a exata capacidade
econômica. 206
A expressão sempre que possível deve significar o ingente e
exaustivo esforço a ser pautado pelo legislador, para disciplinar o
ônus tributário, com a maior segurança (possível), e com a menor
margem de engano (também possível), a fim de que o contribuinte
participe das necessidades coletivas (interesse público), com
suportável parcela do seu patrimônio. 207
Para Martins:
Melhor redigido estaria tal dispositivo dizendo: os impostos terão
caráter pessoal, sempre que possível, e serão graduados
segundo... desta forma daria melhor interpretação, no sentido de
que a ressalva, sempre que possível, só refere-se ao caráter
pessoal, não se aproveitando no que diz respeito à observância
do princípio da capacidade contributiva. 208
Tipke e Yamashita informam que:
Pelo menos no ponto de vista doutrinário a questão foi pacífica na
aprovação unânime, no XIV Simpósio Nacional de Direito
Tributário, das seguintes conclusões:
1. A Expressão „sempre que possível‟ contida no §1º, art. 145, da
CF significa que os impostos deverão ter, obrigatoriamente,
caráter pessoal e ser graduados segundo a capacidade
econômica do contribuinte, salvo se, por natureza, isso for
impossível (...).
2. O não-atendimento quer por caráter pessoal, quer por
capacidade econômica, salvo quando isso for impossível sempre
206
MELO, José Eduardo Soares de, Curso de direito tributário, p. 32.
207MELO, José Eduardo Soares de, Curso de direito tributário, p. 33.
208MARTINS, Ives Gandra da Silva, Sistema tributário na constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 76/78.
75
enseja as medidas judiciais pertinentes, tendo em vista que a
norma constitucional é auto-aplicável.209
Desta maneira, entende-se que a expressão “sempre que
possível” está relacionada ao caráter pessoal, e não está promulgando que o
princípio só deve ser observado quando possível.
3.8.3 Preservação do mínimo vital ou existencial
Fritz Neumark, citado por Oliveira210, informa que até o
século passado tributavam-se também, as classes completamente pobres, com
lesão evidente ao respectivo mínimo de existência fisiológica, ao passo que hoje,
observa ele, “ao menos nos países considerados adiantados (...) a parte principal
da imposição se limita àquelas pessoas a que se possa imputar alguma
capacidade contributiva”.
Para Tipke e Yamashita:
O princípio da capacidade contributiva protege o mínimo
existencial. Enquanto a renda não ultrapassar o mínimo
existencial não há capacidade contributiva. O mesmo resulta da
dignidade humana e do princípio do Estado Social. O princípio da
capacidade contributiva atende a ambos princípios. Num Estado
Liberal não é permitido que o mínimo existencial seja subtraído
pela tributação, parcial ou totalmente, e uma compensação seja
dada em benefícios previdenciários. O Estado não pode, como
Estado Tributário, subtrair o que, como estado Social, deve
devolver. Não apenas para o imposto de renda, mas para todos os
impostos, o mínimo existencial é um tabu. O princípio da “unidade
do ordenamento jurídico determina que o mínimo existencial fiscal
não fique abaixo do mínimo existencial do direito da seguridade
social. 211
209
TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva, p. 58-59.
210OLIVEIRA, José Marcos Domingues de, Capacidade contributiva, p. 12.
211TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva, p. 34.
76
Melo discorre sobre a intervenção estatal e a observância da
garantia de patrimônio suficiente para o bem do contribuinte:
Considerando- se que a tributação interfere no patrimônio das
pessoas, de forma a subtrair parcelas de seus bens, não há
dúvida de que será ilegítima (e inconstitucional) a imposição de
ônus superiores às forças desse patrimônio, uma vez que os
direitos individuais compreendem o absoluto respeito à garantia
de sobrevivência de quaisquer categorias de contribuintes. 212
A capacidade contributiva só pode considerar-se eficaz
quando disponibilizar a preservação de alguma riqueza acima do mínimo vital.
Por fim, vale destacar o entendimento de Costa ao informar
que:
A fixação do „mínimo vital‟, destarte, variará de acordo com o conceito
que se tiver de necessidades básicas. O problema é tormentoso, pois
concerne a decisão política do legislador. Este deverá basear-se, à
falta de normas constitucionais específicas, no que, numa sociedade
dada, razoavelmente se reputar „necessidades fundamentais do
indivíduo e de sua família‟. 213
Deste modo, compreende-se que o Fisco, ao observar o
princípio da capacidade contributiva, preserva uma riqueza capaz de viabilizar as
necessidades básicas do contribuinte, se assim não fosse, estaria impondo
tributos com caráter confiscatório. A única adversidade neste caso é a imposição
do que consiste este mínimo vital.
3.8.4 Identificação do caráter extrafiscal de certos tributos
No que diz respeito ao caráter extrafiscal, Ataliba citado por
Costa 214conceitua:
212
MELO, José Eduardo Soares de, Curso de direito tributário, p. 31.
213COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 70.
214 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 71.
77
Consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para
obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes,
indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros
fins, a realização de outros valores constitucionalmente
consagrados.
Quanto ao relacionamento da extraficalidade e o princípio da
capacidade contributiva, existe a discussão acerca da compatibilidade dos
institutos.
Para Emílio Giardina, citado por Costa215, a tributação
extrafiscal sempre deverá orientar-se em relação à riqueza do contribuinte e
resguardando o “mínimo indispensável”.
Dória216 explica que o Estado arrecada tributos não apenas
para obter receitas (finalidade fiscal), mas também para perseguir objetivos outros
(finalidade extrafiscais) como a repressão à comercialização de produtos nocivos, a
redistribuição de renda e a diminuição de desigualdades regionais. Desta maneira
não busca a justiça fiscal e sim a justiça social, não podendo assim falar em
aplicação da capacidade contributiva em tributos com finalidade extrafiscal.
Tipke e Yamashita entendem que:
Um tributo ou norma de alguma forma justificável com ponderações
de capacidade contributiva é, assim, uma norma de finalidade fiscal,
ainda que o legislador acreditasse segui finalidades extrafiscais. Por
conseguinte, um tributo ou norma de finalidade extrafiscal é aquele
que de nenhuma forma se deixa justificar com ponderações de
capacidade contributiva. 217
Domingues de Oliveira acredita que “a destinação
extrafiscal do tributo não altera a natureza jurídico-constitucional do instituto e
215
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 71.
216DÓRIA, Ântonio Roberto Sampaio. Direito constitucional tributário e “due processo of law”. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p.175.
217TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva, p. 64.
78
não libera o legislador para, através dele, burlar a Constituição e o senso
comum de justiça”. 218
Costa declara que “parece melhor o entendimento que
prestigia a convivência entre a atuação extrafiscal e a observância do postulado
da capacidade contributiva”, pois “poder-se-á verificar sua incidência ao menos
quanto ao respeito aos limites que o mesmo impõe”. 219
Quanto a relação do princípio da capacidade contributiva e
as isenções e imunidades, Costa220 ensina que, quando estas são de natureza
política, constituem autênticas exceções ao princípio, pois fogem dessa diretriz,
como instrumentos que tem por objeto outros desígnios constitucionais.
Resta, portanto, ante a dicotomia de entendimentos, concluir
que o tributo extrafiscal não precisa ser alheio ao princípio da capacidade
contributiva, quando sua natureza requisitar.
3.8.5 Elemento orientador da fixação da alíquota e base de cálculo e
indicador da natureza confiscatória do imposto
A base de cálculo e a alíquota revelam o aspecto
quantitativo da hipótese de incidência, ou seja, o quantum a ser desembolsado
pelo sujeito passivo.
No entendimento de Aires Barreto, base de cálculo “é a
definição legal da unidade de medida, constitutiva do padrão de referência a ser
observado na quantificação financeira dos tributados” versando “em critério
abstrato para medir os fatos tributários que, conjugado à alíquota, permite obter a
dívida tributária”. 221
218
OLIVEIRA, José Marcos Domingues de, Capacidade contributiva, p. 55.
219COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 72.
220COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 76.
221BARRETO, Aires Fernadino. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. São Paulo: Ed. TR, 1987, p. 40.
79
Para Ataliba alíquota “é a quota (fração), ou parte da
grandeza contida no fato imponível que o Estado se atribui (editando a lei
tributária)”. 222
Costa explica que o legislador deve estar atento à
capacidade econômica para estipular a base de cálculo:
A noção de capacidade contributiva absoluta ou objetiva
relaciona-se com aqueles fatos legislativamente escolhidos por
representarem manifestação de riqueza. Já a capacidade
contributiva relativa ou subjetiva corresponde à aptidão de um
determinado sujeito para suportar o impacto tributário, avaliável
consoante suas possibilidades econômicas. A expressão
econômica do fato protagonizado pelo sujeito em questão é
mensurada, justamente, pela base de cálculo, à qual se deve aliar
a alíquota.
A base de cálculo, portanto, deverá reportar-se àquele fato de
conteúdo econômico inserto na hipótese de incidência tributária; ou
seja, deverá guardar pertinência com a capacidade absoluta ou
objetiva apresentada pelo legislador. 223
Quanto à proporcionalidade e à progressividade dos
impostos, segundo Costa, deve-se ressaltar que
O princípio da capacidade contributiva exige que a tributação seja
feita em proporção à riqueza de cada um. (...) A progressividade
tributária, por seu turno, implica que a tributação seja mais do que
proporcional à riqueza de cada um. Um imposto é progressivo
quando a alíquota se eleva à medida que aumenta a quantidade
gravada. 224
Costa continua acerca do confisco, informando que: “O
tributo será confiscatório quando exceder a capacidade contributiva relativa ou
subjetiva visada”.
222
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 114.
223COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 77.
224COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 77-78.
80
Porém, “nem sempre é fácil, contudo, aquilatar até que
ponto um tributo não é confiscatório... certo é que a resposta variará conforme o
caso concreto e deverá apoiar-se na eqüidade e na razoabilidade”. 225
Portanto, o legislador deve sempre observar a capacidade
contributiva do contribuinte, porque eventual excesso será considerado
confiscatório.
3.8.6 Apuração da inconstitucionalidade da hipótese de incidência e da
imposição fiscal no caso concreto
Quanto à destinação da norma constitucional, Costa
leciona:
O princípio em estudo dirige-se tanto ao legislador
infraconstitucional quanto ao juiz. Quanto ao primeiro
destinatário da norma constitucional, não há indagações de
maior relevo, posto que é incontestável que o legislador a ela
deve atentar quando da escolha de fatos configuradores das
hipóteses de incidência tributária, graduando os tributos em
proporção à riqueza dos contribuintes. Com relação ao
segundo destinatário, porém, sobreleva a polêmica dos limites
do controle jurisdicional a ser exercido numa situação
específica. 226
O problema do controle jurisdicional no entendimento do
princípio da capacidade contributiva apresenta-se expressivamente quando
se trata de sua análise num caso concreto.
Becker, ao trabalhar este tema, pondera que o juiz só
esta vinculado à regra constitucional da observância da capacidade
contributiva quando, em tese, a hipótese de incidência tributária examinada
constituir um signo presuntivo de renda ou capital.
225
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 79.
226COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 82.
81
O autor segue explanando:
Se, no caso concreto individual, o juiz verificar que, com relação a
um determinado contribuinte, a realização da hipótese de
incidência, excepcionalmente, não confirmou a referida
presunção, mesmo assim,o juiz não pode deixar de aplicar a regra
jurídica tributária. Mais precisamente, não pode negar ter ocorrido
a incidência da regra jurídica tributária e a conseqüente existência
do dever de pagar o tributo. O juiz está impedido deste
procedimento porque isto significaria a inversão de toda a
fenomenologia jurídica.227
Costa explica em outras palavras:
Acreditamos ser permitido ao Poder Judiciário examinar in
concreto o excesso de carga fiscal incidente sobre determinado
contribuinte. Admitida a noção de capacidade contributiva relativa
ou subjetiva, trazida na aptidão específica de dado contribuinte em
face de um fato jurídico tributário, lógico reconhecer-se ao juiz a
possibilidade de apreciar se a mesma foi respeitada, à vista do
pedido formulado nesse sentido. 228
Quanto a possibilidade do juiz modular a carga fiscal
incidente sobre determinado sujeito, Costa explica que não seria legítimo ao
Poder Judiciário, pois esta tarefa compete ao Poder Legislativo. “Ao Judiciário
compete, na hipótese, declarar inaplicável a lei em caso concreto, remetendo ao
legislador a solução de adequar o gravame tributário àquela situação”. 229
Até o momento tratou-se da “inconstitucionalidade positiva”,
ou “por ação”, cabendo igualmente tratar da “inconstitucionalidade por omissão”
que, de acordo com Costa, é aquela configurada quando “a inércia do legislador
infraconstitucional ou do administrador impede que a vontade da Lei Maior se
realize, pela não-edição de ato normativo que lhe cumpriria expedir”. 230
227
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, p. 454-455.
228COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 82.
229COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 83-84.
230COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 84.
82
Domingues de Oliveira231 exemplifica: se, no curso do
exercício financeiro, não se proceder à correção monetária das tabelas de
retenção do imposto de renda na fonte em face da inflação, ou se fizer com
índices aviltantes, haverá violação à capacidade contributiva.
Por fim, pode-se concluir que, quer se trate da
“inconstitucionalidade positiva” ou da “inconstitucionalidade por omissão”, o
contribuinte tem ao seu alcance instrumentos necessários à preservação do
princípio em estudo, e resta ao Judiciário defendê-lo sempre que se deparar com
a inobservância do mesmo.
231
OLIVEIRA, José Marcos Domingues de, Capacidade contributiva, p. 166-167.
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz da
legislação, da doutrina e da jurisprudência, o princípio da capacidade contributiva no
ordenamento jurídico brasileiro.
O interesse pelo tema deu-se em razão de sua amplitude e
importância, notadamente pelo fato da imposição fiscal ter que observar a capacidade
econômica do contribuinte, utilizando-se assim do caráter pessoal da tributação.
Para seu desenvolvimento lógico o trabalho foi dividido em três
capítulos. No primeiro, viu-se que a Constituição instituiu um emaranhado de normas,
princípios e preceitos que disciplinam intrinsecamente os elementos constitutivos de
um Estado, fruto da história política vivida que visa a proteção dos interesses
concretos do povo de forma generalizada.
Verificou-se, ainda, que uma Constituição pode ser
classificada quanto ao seu conteúdo, forma, modo de elaboração, origem,
estabilidade, extensão e finalidade.
No mais, identificou-se que a Constituição tem por objeto
organizar e estruturar o poder político, além de definir os seus limites, pela
concessão de direitos fundamentais ao cidadão. E é ordenamento veiculador de
normas que podem revelar-se como regras ou princípios.
No segundo capítulo, verificou-se que os princípios tributários
são limitações ao poder de tributar constitucionalmente expressos.
No terceiro e último capítulo, intensificou-se a pesquisa
sobre o princípio da capacidade contributiva, partindo da origem de sua noção,
passando pela evolução no ordenamento jurídico brasileiro, bem como a
conceituação, aplicação, eficácia, e interpretação de sua regra estruturante,
centrada no art. 145, §1º da CRFB/88.
84
Como principais resultados da pesquisa, pode-se ressaltar
que o sentimento de justiça fiscal nasceu junto com a idéia de tributo, e ao longo
dos séculos evoluiu até configurar-se dentre outros princípios, naquele que
compreende a observação da capacidade econômica do contribuinte. E hoje é
raro uma Constituição que não o tenha positivado.
A capacidade contributiva restou conceituada como a
potencialidade econômica, isto é, a soma de riqueza disponível para arcar com o
ônus fiscal sem que se prejudique o mínimo elementar do contribuinte, e sempre
está relacionada ao princípio da igualdade e do valor justiça. Isto posto, a
capacidade contributiva não paira somente no aspecto financeiro, pois possui
relevância jurídica e idéia de justiça.
No mais, retomam-se as hipóteses levantadas e que
impulsionaram a presente pesquisa:
a) A Constituição de 1988 abriga o princípio da capacidade
contributiva em seu corpo, expresso no artigo 145, §1º.
b) A norma acolhedora do princípio da capacidade contributiva é
de natureza preceptiva, eficácia plena e aplicação imediata.
c) O efeito do princípio da capacidade contributiva é limitar o
poder de tributar objetivando assegurar os direitos subjetivos
do cidadão-contribuinte.
No que toca a primeira hipótese, restou confirmada, pois, a
Constituição consagra um sistema de normas, representado por uma autêntica
pirâmide jurídica que, visualizada de baixo para cima, compreende num patamar inicial
o seu próprio alicerce, denominado princípios, sendo que dentre estes encontra-se o
da capacidade contributiva, expresso em seu artigo 145, §1.
A segunda hipótese também restou confirmada, pois, o
princípio da capacidade contributiva é norma definidora da garantia fundamental à
igualdade em matéria tributária, e, se nos termos do art. 5º, §1º, da Constituição de
1988, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
85
imediata”, igual natureza possui o postulado da capacidade contributiva.
Quanto a última hipótese, registra-se que igualmente restou
confirmada, pois a preceptividade da norma constitucional que acolhe o postulado em
exame revela-se, exatamente, quando do exercício da competência tributária em
matéria de impostos, que não poderá ser exercida desconsiderando a capacidade
econômica dos contribuintes, visto que os princípios visam assegurar os contribuintes
contra os abusos dos poderes estatais, figurando a capacidade contributiva como um
critério fundamental à cobrança dos impostos.
Por fim, fica o registro de que o presente trabalho não tem
caráter exaustivo, isto é, com o mesmo não se teve a pretensão de tratar de todas as
questões que norteiam o princípio da capacidade contributiva, razão pela qual deve
servir apenas de ponto de partida para o necessário e contínuo acompanhamento da
evolução de entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca desta tão relevante
matéria do Direito Tributário.
86
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martin Claret, 2006.
ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Princípios de Direito na Jurisprudência Tributária.
São Paulo: Atlas, 2000.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª. Ed. 3ª. Tir. São Paulo:
Malheiros, 2002.
_______________. IPTU – Progressividade, Revista de Direito Público, nº. 93.
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças, Vol.I. Rio de
Janeiro: Forense, 1955.
BALTHAZAR, Ubaldo César. História do Tributo no Brasil. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2005.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, O conteúdo jurídico do princípio da
igualdade. 3ª. ed., 10ª. Tir., São Paulo: Malheiros, 2002,
BARRETO, Aires Fernadino. Base de cálculo, alíquota e princípios
constitucionais. São Paulo: Ed. TR, 1987.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso
Bastos Editora, 2002.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2ª. Ed. São Paulo:
Saraiva, 1972.
BONAVIDES, Paulo Curso de Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2004.
87
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo:
Malheiros, 2003.
BRASIL, Constituição [1988]. Constituição da República Federativa do Brasil.
13 ed. São Paulo: Rideel, 2007.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª
ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
CARVALHO, Paulo de Barros citado por COUTO FILHO, Reinaldo de Souza.
Considerações sobre a validade, a vigência e a eficácia das normas
jurídicas. Disponível < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=21> , acesso
em: 09/10/2007.
CARVALHO, Virgílio de Jesus Miranda. Os Valores Constitucionais
Fundamentais: esboço de uma analise axiológico-normativa. Coimbra: Coimbra
Editora, 1982.
CAVALCANTI, Themístocles Brandão. A constituição federal comentada. V.
IV. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1949.
CLÉVE.Clemerson Merlin. A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no
Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2003.
DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Discriminação de Competência Impositiva.
São Paulo, 1975.
____________________________. Direito constitucional tributário e “due
processo of law”. Rio de Janeiro: Forense, 1986,
88
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Saraiva, 2006.
GÓES , Hugo Eduardo Mansur . Uma análise dos principais aspectos do
Direito Constitucional Tributário. Disponível em:
<http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/18784/>, acesso em: 09/10/2007.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 14ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1998.
________________________. Os Princípios Jurídicos da Tributação na
Constituição de 1988. 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2004.
MARTINS, Ives Gandra da Silva, Sistema tributário na constituição de 1988.
São Paulo: Saraiva, 1989.
MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. 6ª ed. São Paulo:
Dialética, 2005.
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra
Editora, 1990.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: atlas, 2004.
___________________. Direito Constitucional. 19ª ed. São Paulo: atlas, 2006.
OLIVEIRA, José Marcos Domingues de, Capacidade Contributiva : Conteúdo e
Eficácia do princípio, Rio de Janeiro: Renovar, 1988.
PACHECO, Cláudio. Tratado das Constituições Brasileiras, v. III, Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1965.
PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis
para o pesquisador de direito. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2001.
89
SANTOS, Manoel Lourenço dos, Direito tributário, 3ª ed., Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 1970.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2001.
___________________. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2005.
SOUSA, Rúbens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Ed. Póstuma.
São Paulo: Resenha Tributária, 1981.
TAVARES, Alexandre Macedo. Medida Provisória em Matéria Tributária: uma
análise à luz de marcos condicionantes de hermenêutica jurídica.
Florianópolis: Momento Atual, 2005.
TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e Princípio da
Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002.
UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário.
Tradução de Marco Aurélio Greco. São Paulo: EDUC/RT, 1976.