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A. A EVOLUÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO NA VIGÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO DE 1976 A Constituição portuguesa consagra um sistema contencioso administrativo de natureza marcadamente subjectivista e integralmente jurisdicionalizado, confiando o conhecimento das relações jurídico-administrativas a uma ordem judicial autónoma, composta por tribunais de competência especializada. Se o texto originário da Constituição de 1976 era ainda largamente tributário do modelo clássico de matriz francesa de um contencioso objectivo e limitado, a evolução da justiça administrativa na ordem constitucional portuguesa processou-se no sentido de uma plena jurisdicionalização e subjectivação do contencioso administrativo 1 . Todavia, até a recente reforma do contencioso administrativo, a fraca ambição e a inércia do legislador ordinário, aliadas ao conservadorismo da jurisprudência administrativa, bem como da jurisprudência constitucional, conduziram a um lamentável desfasamento entre o modelo constitucional e o modelo legal de justiça administrativa 2 , desfasamento esse acentuado ao nível da prática judiciária. Na verdade, ao contrário do que sucedeu em outros ordenamentos, maxime, no ordenamento italiano e espanhol, em que os tribunais assumiram integralmente o seu papel de guardiões da Constituição e da defesa dos direitos e interesses dos administrados e retiraram todas as consequências do princípio da tutela efectiva na interpretação e aplicação das disposições legais, denota-se na jurisprudência nacional uma tendência não só totalmente avessa a qualquer tipo de intervenção pretoriana como, o que é manifestamente grave, de acolhimento de interpretações restritivas e minimalistas das soluções legalmente consagradas 3 . 1 Sobre a evolução do contencioso administrativo na Constituição de 1976, cfr., por todos, e numa diversa perspectiva, PEREIRA DA SILVA, «O Contencioso administrativo como “Dir eito Constitucional concretizado” ou “ainda por concretizar”?», in Ventos de mudança no Contencioso administrativo, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 63 e ss.; VIEIRA DE ANDRADE, «As Transformações do Contencioso Administrativo na Terceira República Portuguesa», in Legislação, Cadernos de Ciência de Legislação», n.º 18, Janeiro/Março de 1997, pp. 65 e ss.; A justiça administrativa (Lições)», Almedina, Coimbra, 3ª edição, 2000, pp. 49 e ss. 2 Cfr. PEREIRA DA SILVA, «O Contencioso...», op. cit., p. 76 e pp. 87 e ss. 3 É curioso denotar que a instituição do Tribunal central administrativo e correlativa entrada de novos juizes permitiu a inflexão de uma série de correntes jurisprudenciais restritivas, maxime, no que respeita à possibilidade de correcção da petição da suspensão da eficácia de actos, até aí firmemente negada com base numa fundamentação claramente formalista.

A evolução do contencioso administrativo na vigência da constituição de 1976

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A evolução do contencioso administratico

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  • A. A EVOLUO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO NA VIGNCIA DA

    CONSTITUIO DE 1976

    A Constituio portuguesa consagra um sistema contencioso administrativo

    de natureza marcadamente subjectivista e integralmente jurisdicionalizado, confiando o

    conhecimento das relaes jurdico-administrativas a uma ordem judicial autnoma,

    composta por tribunais de competncia especializada. Se o texto originrio da

    Constituio de 1976 era ainda largamente tributrio do modelo clssico de matriz

    francesa de um contencioso objectivo e limitado, a evoluo da justia administrativa na

    ordem constitucional portuguesa processou-se no sentido de uma plena

    jurisdicionalizao e subjectivao do contencioso administrativo1. Todavia, at a

    recente reforma do contencioso administrativo, a fraca ambio e a inrcia do legislador

    ordinrio, aliadas ao conservadorismo da jurisprudncia administrativa, bem como da

    jurisprudncia constitucional, conduziram a um lamentvel desfasamento entre o

    modelo constitucional e o modelo legal de justia administrativa2, desfasamento esse

    acentuado ao nvel da prtica judiciria. Na verdade, ao contrrio do que sucedeu em

    outros ordenamentos, maxime, no ordenamento italiano e espanhol, em que os tribunais

    assumiram integralmente o seu papel de guardies da Constituio e da defesa dos

    direitos e interesses dos administrados e retiraram todas as consequncias do princpio

    da tutela efectiva na interpretao e aplicao das disposies legais, denota-se na

    jurisprudncia nacional uma tendncia no s totalmente avessa a qualquer tipo de

    interveno pretoriana como, o que manifestamente grave, de acolhimento de

    interpretaes restritivas e minimalistas das solues legalmente consagradas3.

    1 Sobre a evoluo do contencioso administrativo na Constituio de 1976, cfr., por todos, e numa diversa perspectiva, PEREIRA DA SILVA, O Contencioso administrativo como Direito Constitucional concretizado ou ainda por concretizar?, in Ventos de mudana no Contencioso administrativo, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 63 e ss.; VIEIRA DE ANDRADE, As Transformaes do

    Contencioso Administrativo na Terceira Repblica Portuguesa, in Legislao, Cadernos de Cincia de

    Legislao, n. 18, Janeiro/Maro de 1997, pp. 65 e ss.; A justia administrativa (Lies), Almedina,

    Coimbra, 3 edio, 2000, pp. 49 e ss.

    2 Cfr. PEREIRA DA SILVA, O Contencioso..., op. cit., p. 76 e pp. 87 e ss.

    3 curioso denotar que a instituio do Tribunal central administrativo e correlativa entrada de novos juizes permitiu a inflexo de uma srie de correntes jurisprudenciais restritivas, maxime, no que

    respeita possibilidade de correco da petio da suspenso da eficcia de actos, at a firmemente

    negada com base numa fundamentao claramente formalista.

  • Importa, embora em termos necessariamente sintticos, proceder a uma

    apreciao do sistema contencioso vigente at reforma de 2002.

    Numa primeira fase, malgrado a Constituio consagrar a natureza

    jurisdicional do contencioso administrativo e o direito de acesso justia administrativa

    para efeitos de impugnao dos actos administrativos definitivos e executrios com

    fundamento em ilegalidade, manteve-se, no essencial, at reforma de 1984/85, o

    sistema anterior de auto-controlo objectivo e limitado da administrao, centrado no

    recurso de anulao dos actos administrativos, complementado por um contencioso de

    plena jurisdio que integrava as aces em matria de contratos e de responsabilidade

    civil. O DL n. 256-A/77, de 17 de Junho limitou-se a reestruturar parcialmente o

    sistema herdado da Constituio de 1933 atravs da reforma do processo de execuo

    das sentenas administrativas, da consagrao do dever de fundamentao dos actos

    administrativos e do aperfeioamento do regime das omisses administrativas e da sua

    impugnao4. A tutela cautelar garantida no objecto de quaisquer alteraes,

    cingindo-se suspenso da executoriedade dos actos administrativos5, instituda pelo

    Cdigo administrativo de 19406 e pela LOSTA e RESTA

    7 e concebida como uma

    4 A reaco contra as omisses administrativas ilegais foi superado no nosso ordenamento, tal como nos restantes sistemas de matriz francesa, pela construo da fico da formao de um acto

    tcito, susceptvel de impugnao contenciosa. Nos termos do artigo 3 do DL N. 256-A/77, de 17/7, a

    falta de deciso administrativa sobre pretenso dirigida a autoridade que tivesse o dever legal de a

    proferir, no prazo fixado para a sua emisso, conferia ao interessado a faculdade de presumir indeferida

    essa pretenso, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnao. Excepcionalmente, a lei

    atribua valor positivo ao silncio, como sucedia em matria urbanstica e de controlo preventivo.

    5 Sobre a suspenso da executoriedade dos actos administrativos, cfr. SAMPAIO CARAMELO, op. cit., pp. 33 e ss; MARCELLO CAETANO, Manual de Direito administrativo, vol. I,

    10 edio, Coimbra, Almedina, 1980, pp. 562 e ss.

    6 Para uma perspectiva histrica da tutela cautelar na justia administrativa e suas origens, cfr. MARIA DA GLRIA GARCIA, Da justia administrativa em Portugal. Sua origem e evoluo,

    Lisboa, 1994. Remonta s Ordenaes do Reino a instituio das primeiras figuras anlogas s

    providncias cautelares contra actos da autoridade, a saber, o interdito recuperatrio, o embargo de

    obra nova e o mandato de segurana decretados pelo monarca, sendo que, mais tarde, reconheceu-se

    aos tribunais o poder de conceder igualmente providncias cautelares similares (interditos, embargos e

    cartas de segurana). Cfr. op. cit., pp. 129 e ss. e p. 243. Importa destacar que j no Regimento do

    Desembargo do Pao, aprovado pela lei de 27 de Julho de 1752, se contemplava a possibilidade de

    suspenso de execuo de determinada proviso se da sua execuo resultasse dano irreparvel. No

    perodo liberal, o Cdigo Administrativo de 1896 instituiu a suspenso da execuo dos actos,

    deliberaes ou decises recorridas (artigo 337). No Estado novo, o Regulamento do Supremo

    Conselho da administrao pblica e o Regulamento das Auditorias Administrativas, aprovados pelo

    Decreto n. 19.243, de 17/1/31, previam, respectivamente, a suspenso do cumprimento da deciso

    recorrida e a suspenso do acto, deliberao ou deciso recorrida, possibilidade reafirmada no artigo

    746 e artigo 778 do Decreto n. 23.229, de 15/3/33 (Reforma administrativa ultramarina).

    7 Nos termos do artigo 15, n. 5 da LOSTA e artigo 60 do RESTA, a suspenso da executoriedade deduzida perante o STA s pode ser ordenada a requerimento do recorrente quando o

    tribunal reconhea que no determina grave dano para a realizao do interesse pblico e que podem

  • providncia cautelar acessria ao recurso contencioso de anulao de actos, de

    concesso excepcional em homenagem ao privilgio da execuo prvia e presuno

    de legalidade dos actos administrativos. As aces do contencioso de plena jurisdio

    so totalmente desprovidas de qualquer tutela cautelar.

    A reforma de 1984/85, operada pela aprovao da LPTA e do ETAF8, na

    sequncia da reviso constitucional de 1982, inaugura uma nova fase do contencioso

    administrativo, acentuando a sua dimenso subjectivista. A par de uma srie de

    reajustamentos e aperfeioamentos do regime do recurso contencioso de anulao no

    sentido da sua transformao num verdadeiro processo entre partes9 e de uma

    intensificao dos poderes do juiz administrativo ao nvel do controlo da

    discricionariedade e do processo de execuo de sentenas, procede-se a um

    alargamento dos meios principais de acesso jurisdio administrativa, prevendo-se, ao

    lado do recurso contencioso, novos meios processuais autnomos: a aco para o

    reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos10

    (artigos 69 e ss. da

    LPTA) e a impugnao dos regulamentos administrativos (artigos 63 e ss. da LPTA),

    assim como a possibilidade de lanar mo de aces no especificadas (artigo 73 da

    LPTA).

    resultar da execuo do acto prejuzos irreparveis ou de difcil reparao. J no que respeita suspenso

    deduzida perante as auditorias administrativas (artigo 820 do CA), a suspenso aparentemente esta

    sujeita a requisitos menos rgidos: poder ser decretada se da execuo do acto resultarem prejuzos

    irreparveis ou de difcil reparao, sendo que ser rejeitada em caso de indeferimento liminar por

    extemporaneidade, incompetncia absoluta dos tribunal ou manifesta ilegalidade do recurso e,

    obviamente, se o tribunal considerar no verificado o requisito de produo de danos irreparveis ou de

    difcil reparao para o requerente. Embora no se faa qualquer referncia ao requisito negativo da

    inexistncia de grave dano para a realizao do interesse pblico, a jurisprudncia aplicava-o com

    fundamento na vigncia de um princpio geral com esse contedo. Cfr. SAMPAIO CARAMELO, op. cit.

    , pp. 238 e ss.

    8 A reforma foi instituda com a aprovao do DL n. 129/84, de 27 de Abril (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF) e do DL n. 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos

    Tribunais Administrativos- LPTA).

    9 No sentido da subjectivizao do recurso de anulao, que deixa de poder configurar-se como um processo feito a um acto, assumindo-se como um processo entre partes, cfr. PEREIRA DA

    SILVA, Para um contencioso administrativo dos particulares-Esboo de uma teoria subjectivista do

    recurso directo de anulao, Almedina, Coimbra, 1989, passim; VIEIRA DE ANDRADE, A justia ...,

    op. cit., p. 60. Contra, por entender que embora a reviso de 82 tenha acentuado a subjectivismo do

    contencioso administrativo portugus, no teve o alcance de transformar o recurso contencioso de

    anulao num processo subjectivo entre partes, cfr. FREITAS DO AMARAL, Direito administrativo, vol.

    IV, p. 127.

    10 Pronunciando-se no sentido de que a introduo da aco para o reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos constituiu um marco fundamental na subjectivizao do

    contencioso administrativo, cfr. RUI MACHETE, A garantia contenciosa para o reconhecimento de um

    direito ou interesse legalmente protegido, in Estudos de direito pblico e cincia poltica, Fundao Oliveira Martins, Centro de Estudos administrativos, s.l.,1991, p. 425; CARLA GOMES, Contributo, op. cit., p. 355.

  • O regime da responsabilidade civil da administrao mantm-se intocado,

    com ressalva do prazo de prescrio do direito indemnizao, regulado no artigo 71,

    n. 2 e n. 3 da LPTA11

    , o que se traduziu na manuteno da concepo processualista

    tradicional que nega a autonomia da aco de responsabilidade, erigindo a tempestiva

    interposio do recurso contencioso, quando no mesmo a deduo de um pedido de

    suspenso da eficcia, como pressuposto processual desta aco, com base no disposto

    no artigo 7 do DL n. 48.05112

    . Igualmente se manteve a tradicional restrio da

    legitimidade nas aces sobre invalidade dos contratos s partes contratantes, o que

    resultou num grave dfice de tutela das posies jurdicas substantivas dos terceiros,

    designadamente, dos que tenham obtido vencimento na impugnao de actos pr-

    contratuais, aos quais no posto ao dispor qualquer mecanismo que permita fazer

    repercutir a invalidade do procedimento pr-contratual no contrato13

    .

    Por outro lado, a par da introduo de uma nova disciplina da suspenso da

    eficcia dos actos administrativos, instituem-se meios acessrios novos: a intimao

    para consulta de documentos e certides (artigos 82 e ss. da LPTA) e a intimao para

    um comportamento (artigos 86 e ss. da LPTA).

    Se indesmentvel que a tutela judicial dos administrados foi reforada por

    esta reforma, a verdade que ficou aqum dos parmetros exigveis a um sistema

    dirigido a propiciar uma tutela plena e efectiva dos direitos e interesses legalmente

    protegidos dos cidados.

    Desde logo, as potencialidades da previso da aco para o reconhecimento

    de direitos ou interesses legalmente, no sentido da superao da ideia do recurso

    contencioso como recurso-regra, foram seriamente amputadas pela restrio do seu

    mbito de aplicao aos casos em que os restantes meios contenciosos no assegurem a

    efectividade da tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa (artigo 69, n. 2 da

    LPTA). Vingou uma interpretao jurisprudencial deste preceito como consignando

    11 O n. 3 do artigo 71 da LPTA tem sido julgado pelo TC e pelo prprio STA como organicamente inconstitucional. Sobre o regime da prescrio e delicados problemas interpretativos

    suscitados, cfr., por todos, RUI MEDEIROS, Aces de responsabilidade Elementos do regime jurdico e contribuies para uma reforma, Principia, Cascais, 1999, pp. 53 e ss.

    12 Cfr. AFONSO QUEIR, Anotao ao acrdo do STA, I, de 14 de Outubro de 1986, in RLJ, ano 120, 1988, pp. 304 e ss.; MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, II, 9

    edio, Almedina, Coimbra, 1980, p. 1211.

    13 Cfr., por todos, ALEXANDRA LEITO, A proteco judicial dos terceiros nos contratos da administrao pblica, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 311 e ss.

  • natureza subsidiria formal a esta aco, sendo o seu mbito de aplicao delimitado

    queles casos em que a via dos outros meios contenciosos, maxime, do recurso

    contencioso e do processo de execuo de sentenas14

    , no fosse, em abstracto, passvel

    de proporcionar uma tutela eficaz dos direitos ou interesses legalmente protegidos. O

    que se traduziu, na prtica, a votar esta aco a um papel residual, confinado s

    situaes em que no existisse um acto e no fosse possvel provocar a produo de um

    acto tcito15

    . Acresce que, mesmo no segundo domnio de eleio da aco para o

    reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos de direitos - a deduo de

    uma pretenso tendente realizao ou absteno de uma prestao material -, a

    jurisprudncia, mais uma vez, logrou esvaziar quase totalmente o seu objecto e alcance

    ao reconduzi-la a uma aco puramente declarativa, de simples apreciao, recusando

    reconhecer-lhe uma vertente condenatria16

    .

    Assim se compreende que a previso de aces no especificadas, por

    maioria de razo, nada viesse acrescentar ao regime anterior. A sua utilidade foi

    restringida fixao da tramitao das aces processuais civis, cuja aplicao supletiva

    eventualmente se justificasse e das aces expressamente previstas em lei avulsa que

    no se reconduzissem aos meios tipificados na LPTA.

    A previso da impugnao de normas administrativas constitui uma

    novidade de primordial importncia no sistema17

    , embora o seu desdobramento em duas

    modalidades, o recurso e o pedido de declarao da ilegalidade, com justaposio

    14 A problemtica da subsidiariedade da aco para o reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos coloca-se primordialmente no que respeita ao recurso contencioso de

    anulao, pela simples razo que os restantes meios contenciosos tm o seu mbito de aplicao

    precisamente delimitado e, salvo o processo de impugnao de normas, so aptos partida a

    proporcionar uma tutela plena e efectiva das posies substantivas lesadas na medida em que se inserem

    no contencioso de plena jurisdio.

    15 A orientao da jurisprudncia revelou-se extremamente restritiva: no s afirmava que a existncia de um acto tcito obstava deduo desta aco como, o que mais grave, em nome da sua

    supletividade, exigia que o particular enveredasse pela via da provocao de um acto tcito. Cfr., a ttulo

    de exemplo, acrdo do STA, I, de 9/3/89, in Apndice ao DR, de 14/11/94, pp. 1914 e ss. ; acrdo do

    STA, I, de 28/11/91, in Apndice ao DR, de 29/9/95, pp. 6711 e ss. .

    16 Cfr. acrdo do STA, I, de 3/5/88, in Apndice ao DR, de 20/1/94, pp. 2258 e ss.; acrdo do STA, I, de 30/11/88, in Apndice ao DR, de 23/9/94, pp. 5838 e ss.

    17 No regime anterior no se admitia a impugnao directa dos regulamentos emanados pela administrao central, por tradicional resistncia ao reconhecimento da sua aptido para produzir leses

    directas na esfera jurdica dos particulares, com fundamento na sua natureza normativa, somar-se o

    argumento do necessrio respeito pelo princpio da separao de poderes. Cfr. CARLA GOMES, A

    suspenso jurisdicional da eficcia de regulamentos imediatamente exequveis-breves reflexes, in

    RJFDL, n. 21, Junho de 1997, pp. 280 e ss.

  • parcial do seu mbito de aplicao18

    e sujeio a um dualismo incongruente de

    tramitao processual19

    , desacompanhado de uma diversa produo de efeitos, seja

    vivamente criticvel e objecto de no poucas perplexidades e dificuldades na sua

    aplicao.

    A suspenso da executoriedade do acto rebaptizada de suspenso da

    eficcia do acto, na esteira do entendimento da doutrina que, desde cedo e j

    anteriormente Constituio de 76, frisara que a suspenso da executoriedade dos actos

    no poderia ser reconduzida suspenso dos actos exequveis e susceptveis de

    execuo material coerciva, interpretando o termo executoriedade como equivalente a

    eficcia.

    Porm, a jurisprudncia, durante quase vinte e cinco anos de vigncia da

    Constituio de 76, reconheceu-lhe, sistematicamente, uma funo meramente

    conservatria20

    , negando a susceptibilidade de suspenso dos actos negativos, expressos

    ou tcitos21

    , no j com fundamento na sua inidoneidade a paralisar um acto

    insusceptvel de execuo22

    , mas na sua inutilidade - dada a inaptido desta categoria de

    actos para produzirem efeitos jurdicos modificativos do statu quo ante23

    - e na

    proibio de dirigir injunes administrao. Orientao rgida to ou mais grave

    18 O recurso contra normas administrativas, previsto no artigo 63 da LPTA e artigo 51, n. 1 alnea e) do ETAF interposto contra os regulamentos provenientes de rgos da administrao

    regional e local e de concessionrios e pessoas colectivas de utilidade pblica administrativa. J o pedido

    de declarao de legalidade, previsto no artigo 66 da LPTA e artigo 51, n. 1, alnea e), in fine e artigo

    40, alnea c) do ETAF, pode ser deduzido contra quaisquer regulamentos, i.e., no s os provenientes

    dos rgos da administrao local e regional como os da administrao central.

    19 O recurso contencioso de anulao de normas est sujeito tramitao prevista no CA e legislao complementar (artigo 64 da LPTA). J a tramitao do processo de declarao da ilegalidade

    de normas depende daquela que aplicvel ao recurso contencioso dos actos do autor da norma, donde

    decorre que tanto pode ser disciplinada pelo CA e legislao complementar, como pelo RSTA e LOSTA

    (artigo 67 da LPTA). Contudo, o processo de declarao da ilegalidade de norma directamente aplicvel

    segue sempre a primeira das tramitaes. Na prtica, ambas as modalidades de impugnao de normas

    podem estar sujeitas a idntica tramitao.

    20 Cfr. FERNANDA MAS, A suspenso..., op. cit., pp. 33 e ss.

    21 A jurisprudncia no conferiu qualquer tratamento diferenciado ao acto tcito, admitindo a susceptibilidade da sua suspenso nos mesmos termos reconhecidos ao acto expresso. A recusa de

    concesso de suspenso perante actos de indeferimento tcito decorre portanto do seu contedo negativo

    e no da sua natureza jurdica. Cfr. FERNANDA MAS, A suspenso, op. cit., pp. 102 e ss.

    22 Efectivamente, se o objecto da suspenso fosse a execuo material do acto, os actos negativos seriam insusceptveis de suspenso em virtude de estes no envolverem qualquer modificao

    da realidade fctica a que a suspenso pudesse dirigir-se, paralisando-a. Cfr., por todos, ENRICO

    FOLLIERI, Giudizio..., op. cit., pp. 86 e ss.

    23 Como j se esclareceu anteriormente, os actos negativos produzem efeitos jurdicos, embora no constitutivos mas meramente declarativos.Remete-se para o exposto na parte I, a propsito

    das especificidades da tutela cautelar no contencioso administrativo.

  • tendo presente que nem sequer se procedeu a qualquer distino entre os actos

    aparentemente negativos e os actos negativos stricto sensu, recusando-se a suspenso,

    inclusive, de actos que embora formalmente negativos, por negarem a pretenso

    solicitada, alteram uma situao de facto preexistente constituda ou mantida de

    harmonia com a ordem jurdica vigente, tal como os actos positivos24

    .

    J no que respeita aos actos nulos ou inexistentes, embora estes, por

    definio, no produzam quaisquer efeitos, a jurisprudncia admitiu a sua suspenso por

    razes de ordem prtica, reconhecendo que a aparncia de efeitos jurdicos, bem como o

    facto da administrao puder pretender efectivar e concretizar a definio jurdica

    realizada nesse acto no plano dos factos, o aconselhava25

    .

    Excludas do mbito de aplicao da suspenso jurisdicional da eficcia

    ficaram liminarmente as actuaes que no revistam a forma de acto administrativo,

    maxime, as omisses no significativas26

    , os regulamentos, ainda que directamente

    24 Esta orientao jurisprudencial obteve o apoio de grande parte da doutrina. Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual, I, op. cit., p. 566; SAMPAIO CARAMELO, op. cit., pp. 235 e ss.; FREITAS DO AMARAL, Direito administrativo, vol. IV, op. cit., pp. 318 e ss. A partir da dcada de 90,

    a doutrina passa a sustentar a admissibilidade de alguns actos negativos, maxime, dos actos negativos

    com efeitos positivos ou aparentemente negativos. Cfr. FERNANDA MAS, A suspenso, op. cit., pp. 45 e ss.; CLUDIO MONTEIRO, Suspenso da eficcia de actos administrativos de contedo

    negativo, AAFDL, 1990, pp. 107 e ss.; PEDRO MACHETE, A suspenso jurisdicional da eficcia dos

    actos administrativos, in O Direito, n. 123, Abril/Setembro de1991, pp. 31 e ss. Particularmente

    relevante a posio tomada pelo Tribunal Constitucional, por unanimidade, no sentido da no

    inconstitucionalidade da norma constante do artigo 76, n. 1 da LPTA, interpretada como no se

    aplicando a suspenso judicial da eficcia aos actos administrativos de contedo negativo. Considerou o

    Tribunal que cabe na liberdade conformativa do legislador excluir a suspenso dos actos de contedo

    estritamente negativo, sustentando que tal no afecta o ncleo essencial da garantia de acesso justia

    administrativa e do recurso contencioso. Julgou, porm, que o artigo 76, n. 1 da LPTA deve ser

    interpretado como comportando a suspenso dos actos administrativos aparentemente negativos, que

    produzam efeitos positivos, i.e., que apresentem uma eficcia secundria ablatria, por ...caso a

    suspenso de eficcia no fosse decretada, no conseguiria o particular, na prtica, alcanar o resultado

    que deseja atravs do recurso de anulao....Malgrado a superao da rigidez tradicional, a verdade

    que a jurisprudncia constitucional entendeu que a privao de tutela cautelar a todo o universo de

    posies subjectivas pretensivas era conforme Constituio. Cfr. acrdo do TC n. 303/94, de 24/3, in

    DR n. 198, II, de 27/8/94, p. 8851.

    25 Cfr. SRVULO CORREIA, Noes, op. cit., pp. 226 e ss.; PEDRO MACHETE, A suspenso, op. cit., p. 283; FERNANDA MAS, A suspenso, op. cit., pp. 115 e ss.

    26 A construo da fico do acto tcito veio permitir a impugnao de omisses administrativas ilegais. Exige, porm, que o particular, face a uma omisso da administrao tenha

    previamente que provocar a produo de um acto de indeferimento tcito, dirigindo um requerimento

    administrao, ainda que no caso concreto, tal no fosse necessrio, por a atribuio do benefcio

    pretendido decorrer directamente da lei ou de um regulamento exequvel por si mesmo, sem necessidade

    da prtica de um acto administrativo. Actualmente, nos termos do artigo 109 do CPA, que veio

    reproduzir o disposto no artigo 3 do DL n 256-A/77, de 17/7, falta de deciso num caso concreto por

    parte do rgo competente para decidir, no prazo legalmente fixado, , por via de regra, atribudo o valor

    de indeferimento tcito. O artigo 108, n. 1 do CPA prev genericamente que quando a prtica de um

  • aplicveis por si mesmos27

    , as operaes materiais da administrao28

    e os contratos

    administrativos. O Tribunal Constitucional, numa orientao totalmente desfasada da

    seguida pelos seus congneres europeus, sustentou reiteradamente que a suspenso da

    eficcia dos actos administrativos no s no gozava de qualquer garantia constitucional

    como nem sequer integrava o direito de acesso aos tribunais ou ao recurso contencioso,

    salvo situaes muito excepcionais29

    .

    acto administrativo ou o exerccio de um direito por um particular dependam de aprovao ou autorizao

    de um rgo administrativo, a falta de deciso no prazo legal equivale, ao invs, a um deferimento tcito.

    27 A doutrina mais recente tem sustentado a aplicao do regime da suspenso da eficcia aos regulamentos de aplicao imediata, sempre que indispensvel para garantir a tutela judicial efectiva.

    Cfr. FERNANDA MAS, A suspenso, op. cit., pp. 118 e ss.; PEDRO MACHETE, A suspenso, op. cit., pp. 282 e ss.; VIEIRA DE ANDRADE, A justia, op. cit., p. 184; ALVES CORREIA, A impugnao jurisdicional de normas administrativas, in CJA, n. 19, Janeiro/Fevereiro

    de 1999, p. 24.; CARLA GOMES, A suspenso jursidicional da eficcia de regulamentos imediatamente

    exequveis Breves reflexes, in RJ, n. 21, 1997, pp. 290 e ss. Anteriormente reviso de 1997, sustentando a soluo de iure condendo, cfr. MARIA DA GLRIA GARCIA, Os meios cautelares em

    Direito Processual administrativo, in SJ, n 250/252, 1994, p. 216.

    28 Sobre a inadequao da suspenso da eficcia a fim de tutelar cautelarmente os particulares lesados por operaes materiais da administrao praticadas em execuo directa da lei ou de

    regulamento imediatamente exequvel ou sem qualquer acto prvio que defina a obrigao a cumprir pelo

    particular, cfr. C. AMADO GOMES, Contributo, op. cit., pp. 347 e ss.

    29

    A questo colocou-se, pela primeira vez, em sede de fiscalizao da constitucionalidade

    do artigo 50 da Lei n. 109/88, de 26/9 (Lei da reforma agrria), que veio restringir a possibilidade de

    requerer a suspenso da eficcia dos actos que determinem a entrega de reservas ou reconheam no ter

    sido expropriado ou nacionalizado determinado prdio rstico. Em sede de fiscalizao concreta, o

    Tribunal Constitucional pronunciou-se, por diversas vezes, pela no inconstitucionalidade daquela

    disposio, em virtude da suspenso judicial da eficcia constituir uma garantia ...sem assento

    constitucional, apenas condida por lei , que no decorre do direito de acesso aos tribunais nem da

    garantia de recurso contencioso. Cfr. acrdo do TC n. 187/88, de17/7, in DR, II, de 5/9/88, p. 8110;

    acrdo n. 80/91, de 10/4, in DR, II, de 9/9/91. p. 9055; acrdo n.173/91, de 24/4, in DR, II, de 9/6/91,

    p. 9022; acrdo n. 230/91, de 23/5, in DR, II, p. 9034. No constituindo a suspenso da eficcia dos

    actos administrativos uma faculdade conatural garantia constitucional do recurso contencioso, nem se

    apresentando como um pressuposto necessrio deste, s em casos excepcionais, no passveis de

    identificao genrica, que se poderia configurar a possibilidade desta se encontrar indissoluvelmente

    ligada garantia do recurso contencioso, em termos de este se tornar absoluta e irremediavelmente intil

    se aquela fosse eliminada ou gravemente dificultada pelo legislador. O preceito constante do artigo 50 da

    Lei n. 109/88, de 26/9, acabou por ser julgado inconstitucional mas com fundamento na violao do

    princpio da igualdade. Cfr. acrdo do TC n. 43/92, de 28/1, in DR, II, de 23/2/93; acrdo n. 366/92,

    de 17/11, in DR, II, de 23/2/93. Recentemente, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma

    do artigo 627, n. 4 do Cdigo do Mercado dos Valores Imobilirios, aprovado pelo DL n. 142-A/91, de

    10/4, que restringia a suspenso da eficcia dos actos administrativos a determinados casos, exactamente

    com o mesmo fundamento, sem chamar colao o princpio da tutela efectiva ou integrar a suspenso

  • Ao modesto mbito de aplicao da suspenso jurisdicional da eficcia veio

    juntar-se o extremo formalismo e automatismo na aplicao e interpretao dos

    requisitos da sua concesso.

    A provvel produo de prejuzos de difcil reparao interpretada numa

    ptica estritamente economicista, fazendo-os equivaler aos danos no passveis de

    indemnizao por equivalente. A jurisprudncia sempre entendeu que cabia ao

    requerente o nus da prova da dificuldade de reparao dos prejuzos causados e do

    nexo de causalidade, revelando-se particularmente exigente no que respeita

    especificao dos prejuzos e alegao de factos que permitam concluir pela sua difcil

    reparao, considerando que no basta a utilizao de expresses vagas e genricas30

    ,

    quando no mesmo exige a prova sumria dos factos alegados, no se satisfazendo com

    a mera alegao de factos verosmeis31

    .Pelo contrrio, a administrao foi dispensada da

    demonstrao da existncia de grave leso para o interesse pblico.

    Por outro lado, a presena de um interesse pblico avesso concesso da

    suspenso sobrevalorizada, ainda quando a administrao devidamente notificada, no

    responda ao pedido de suspenso ou quando manifesta a nulidade ou inexistncia do

    acto ou a leso de um direito fundamental, com apelo (mais que duvidosa) presuno

    da legalidade dos actos administrativos. Com a agravante de no se proceder a qualquer

    ponderao entre a gravidade dos prejuzos decorrentes para o particular da execuo do

    acto e a gravidade da leso do interesse pblico resultante da sua suspenso, fazendo-se,

    sistematicamente, prevalecer o segundo, com fundamento na natureza cumulativa dos

    requisitos para a concesso da suspenso, entendendo-se que basta que um deles, de per

    se, se verifique, para que a suspenso no possa ser decretada32

    .

    no direito de acesso aos tribunais ou na garantia do recurso contencioso, na linha da posio sustentada

    pela doutrina, embora tenha encontrado eco em algumas declaraes de voto. Cfr. acrdo do TC n.

    508/96, de 21/3, in DR n. 98, II, de 28/4/97, p. 4988. No acrdo n 556/00, de 13/2, in DR n 31, II, de

    6/2/01, p.2518, no julgou inconstitucional a excluso da suspenso de normas regulamentares

    imediatamente exequveis, quando no lhes sejam imputados os vcios de inexistncia ou de nulidade,

    nem ofendam direitos fundamentais.

    30 Cfr. FERNANDA MAS, A suspenso, op. cit., p. 189.

    31 Cfr. FERNANDA MAS, A suspenso, op. cit., p. 191 e ss.

    32 FREITAS DO AMARAL, Direito administrativo, IV, op. cit., pp. 313 e ss., embora sustente, de iure condendo, que os requisitos devem considerar-se correlativos, devendo o tribunal

    ponderar simultaneamente os dois requisitos de forma a apurar qual o mais grave, sustenta que a soluo

  • O terceiro requisito, consistente na inexistncia de fortes indcios da

    ilegalidade do recurso, foi entendido como impossibilitando qualquer apreciao do

    fumus boni iuris quanto questo de fundo a dirimir no recurso, cingindo-se ao

    conhecimento das condies de interposio do recurso, a fim de averiguar da

    probabilidade do seu acolhimento. Assim se compreende que jamais os tribunais

    tenham acolhido as propostas doutrinais de uma maior flexibilizao da concesso da

    suspenso em casos de manifesta ilegalidade do acto33

    ou leso de direitos

    fundamentais34

    .

    A funo deste requisito, tendente a prevenir a deduo de pedidos de

    suspenso manifestamente dilatrios em casos de manifesta inviabilidade do recurso,

    por falta dos pressupostos processuais, foi desvirtuada na prtica judiciria. Na verdade,

    os tribunais no se coibiram de procurar desesperadamente a falta de um pressuposto

    processual, maxime, a irrecorribilidade do acto, para denegar a suspenso da eficcia,

    quando, as mais das vezes, dada a complexidade da causa, s uma apreciao mais

    aprofundada do mrito da causa, inserindo o acto impugnado no iter procedimental,

    permitiria uma concluso minimamente segura e esclarecida sobre a questo.

    Revelador da orientao restritiva nesta matria igualmente o

    entendimento firmado sobre a impossibilidade da regularizao da petio de suspenso

    com fundamento na falta de autonomizao de um momento de apreciao judicial

    liminar daquele pedido, bem como na natureza urgente do processo, argumento

    claramente formalista35

    .

    plasmada no artigo 76 da LPTA a da natureza cumulativa dos mesmos. Contra, por entender que se

    trata de uma interpretao puramente literal do preceito, advogando de iure condito a adopo do critrio

    da ponderao de interesses, cfr. FERNANDA MAS, A suspenso, op. cit., pp. 179 e ss. O TC julgou reiteradamente no inconstitucional a norma do artigo 76 da LPTA, afirmando que a opo

    legislativa de no conceder a suspenso se esta determinar grave leso para o interesse pblico (ainda que

    os prejuzos causados aos direitos e interesses do particular se revelem mais graves) encerra uma

    ponderao equilibrada do interesse pblico e do interesse privado Cfr. acrdo do TC n 631/94, de

    23/11, in DR n 9, II, de 1/11/95, p. 393; acrdo do TC n. 8/95, de 11/1, in volume dos acrdos do Tc

    n 30. p. 323; acrdo do TC n 222/01, de 22/5/01, in CJA n 29, 2001, p. 62..

    33 Cfr. SRVULO CORREIA, Noes, op. cit., p. 256; PEDRO MACHETE, A suspenso, op. cit., p. 287; FERNANDA MAS, A suspenso, op. cit., p. 213.

    34 Sustentando que a suspenso deve ser concedida em caso de leso de um direito fundamental, ainda que dela advenha uma leso grave para o interesse pblico, cfr. FREITAS DO

    AMARAL, Direito administrativo, IV, op. cit., p. 315; FERNANDA MAS, A suspenso, op. cit., pp. 213 e ss.

    35 Cfr. FERNANDA MAS, A suspenso, op. cit., pp. 137 e ss.; Correco do requerimento de suspenso da eficcia: uma jurisprudncia a corrigir-Ac. do STA de 3.10.1996., P. 37

    933, in CJA n. 2, Maro/Abril de 1997, pp. 33 e ss.

  • Importa destacar a extrema relevncia da previso da suspenso provisria

    automtica do acto enquanto o pedido de suspenso de eficcia no objecto de uma

    deciso final. O artigo 80 da LPTA dispe que a autoridade recorrida, com a recepo

    do duplicado do pedido de suspenso, fica obrigada a impedir com urgncia que os

    servios competentes ou os interessados procedam sua execuo, o que permite

    acautelar o efeito til da eventual concesso da suspenso da eficcia do acto.

    No que respeita novidade de previso de meios intimatrios, a intimao

    para consulta de documentos e certides foi construda como um meio acessrio ao

    uso de meios administrativos ou contenciosos (artigo 82, n. 1 da LPTA). Pese

    embora a indiscutvel importncia da instituio desta intimao ao nvel do reforo do

    direito de acesso informao para efeitos de defesa dos direitos e interesses legalmente

    protegidos nos respectivos meios graciosos ou contenciosos, o legislador perdeu

    lamentavelmente a oportunidade de alargar o seu mbito de aplicao tutela dos

    direitos informao procedimental e no procedimental, garantidos no artigo 268, n.

    1 e n. 2 da CRP. Por outro lado, a jurisprudncia, numa primeira fase, assumiu uma

    orientao bastante rgida aquando da interpretao da acessoriedade da intimao

    exigindo, sob pena de no provimento da intimao, a alegao da indispensabilidade

    dos documentos ou certides para a interposio de um concreto e individualizado meio

    contencioso ou gracioso.

    A valia da intimao para um comportamento foi, igualmente,

    comprometida, na medida em que a intimao para uma absteno ou actuao fundada

    na violao de normas de Direito Administrativo era admitida apenas e exclusivamente

    nas relaes entre particulares36

    (artigo 86, n. 1e n. 2 da LPTA), em homenagem ao

    princpio da proibio de dirigir injunes administrao37

    .

    36 A legitimidade activa reconhecida no s aos particulares cujos interesse sejam lesados pela violao de normas de Direito Administrativo mas igualmente ao Ministrio Pblico, enquanto

    guardio da legalidade. controvertido, porm, se no dever igualmente ser reconhecida

    legitimidade administrao. Neste sentido, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A justia..., op. cit.,

    p. 200; SRVULO CORREIA, in prefcio ao estudo de RICARDO LEITE PINTO, Intimao

    para um comportamento - Contributo para o estudo dos procedimentos cautelares no contencioso

    Administrativo, Edies Cosmos, Lisboa, 1995. Contra o reconhecimento de legitimidade activa

    administrao, por no ter assento na letra do artigo 86, n. 1 da LPTA, cfr. CARLA GOMES,

    Contributo..., op. cit., p. 434; RICARDO LEITE PINTO, op. cit., p. 19.

    37 Pronunciando-se no sentido de que muito provavelmente o legislador pretendia instituir providncias cautelares injuntivas, impondo obrigaes de facere prpria administrao, mas que, no

    ltimo momento, no foi capaz de consagrar uma soluo que afrontaria um dos dogmas clssicos do

    contencioso administrativo, cfr. CARLA GOMES, Contributo..., op. cit., pp. 431 e ss.

  • Acresce que a consagrao da sua natureza acessria a um meio contencioso

    ou administrativo principal, conjugada com a prescrio da sua natureza subsidiria face

    suspenso da eficcia dos actos administrativos, gerou grandes dificuldades

    interpretativas no que concerne delimitao do seu mbito de aplicao.Com efeito, o

    recurso intimao para um comportamento no mbito de um procedimento

    administrativo tem que ser compatibilizado no s com a suspenso da eficcia dos

    actos administrativos, como tambm com a possibilidade de adopo de medidas

    provisrias por parte da administrao ao abrigo dos artigos 84 e ss. do CPA.

    Assumindo-se esta como uma via idnea a tutelar os interesses em causa, por mais

    expedita e mais econmica, havia quem entendesse no se justificar lanar mo da

    intimao para um comportamento38

    .

    A sua articulao com os meios contenciosos apresentava, igualmente,

    grande complexidade. A aco para o reconhecimento de um direito apenas pode ser

    deduzida contra uma autoridade nos termos do artigo 70 da LPTA, o que significa

    excluir a viabilidade da intimao, conformada legalmente como est a ser utilizada

    exclusivamente contra privados39

    . O recurso contencioso de anulao assistido

    cautelarmente pela suspenso da eficcia dos actos, providncia face qual a intimao

    se apresenta como subsidiria40

    . Nas aces sobre contratos, apenas se pode configurar

    a hiptese da sua utilidade no mbito de uma aco de execuo de contrato intentada

    pela administrao contra o co-contraente, mas tal choca com a restrio do

    38 Neste sentido, cfr. CARLA GOMES, Contributo..., op. cit., p. 432. Contra, SRVULO CORREIA, prefcio..., op. cit., p. XX, que sustenta a alternatividade do requerimento de adopo de

    medidas provisrias pela administrao e a intimao, frisando que a segunda via se revela mais idnea a

    garantir uma tutela efectiva e expedita, dado que as primeiras esto sujeitas a um eventual recurso

    contencioso e suspenso da eficcia; ALEXANDRE CAPUCHA, Da intimao para um comportamento

    e sua articulao com a defesa do ambiente, AAFDL, Lisboa, 2001, pp. 44 e ss.

    39 Em termos dubitativos, mas parecendo inclinar-se para que o conceito de autoridade neste preceito seja reconduzido ao conceito de entidades administrativas, impossibilitando a sua utilizao

    contra particulares, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A justia, op. cit., p. 138. Todavia, embora sem justificar, sustenta a articulao da intimao para um comportamento com a aco para o

    reconhecimento de direitos. Cfr. op. cit., p. 201. Em nosso entender, uma soluo que salvaguardasse a

    instrumentalidade da intimao face a um meio principal passaria por uma interpretao extensiva da

    expresso autoridade, em termos de abranger igualmente privados investidos de funes e poderes

    pblicos.

    40 CARLA GOMES, Contributo..., op. cit., p. 433, nota 1198 considera, inclusive, que a subsidiariedade da intimao em face da suspenso jurisdicional da eficcia no faz qualquer sentido,

    sustentando que o interesse do requerente da intimao no pode, em caso algum, ser satisfeito atravs da

    suspenso. Contra, sustentando a sua aplicao excepcional no mbito de um recurso contencioso, cfr. J.

    VIEIRA DE ANDRADE, A justia..., op. cit., pp. 201. Segundo entendemos, tal seria possvel em todos

    os casos em que a suspenso no fosse admissvel, maxime, por se tratar de um acto negativo.

  • reconhecimento de legitimidade activa para propor uma intimao para um

    comportamento apenas aos particulares41

    (artigo 86, n. 1 da LPTA).

    Salvo uma interpretao hbil ou correctiva das disposies legais, o seu

    alcance reconduz-se a constituir uma medida acessria a uma aco de responsabilidade

    proposta contra um privado investido de funes pblicas em que a actuao lesiva

    ainda se encontre em desenvolvimento ou em vias de o ser42

    .

    Conquanto a reviso constitucional de 1989 tenha definitivamente inflectido

    o contencioso administrativo no sentido da sua subjectivizao, sentido esse reiterado

    pela reviso constitucional de 1997, o legislador ordinrio revelou-se manifestamente

    insensvel a esta mudana de paradigma43

    . At reforma de 2002, procedeu, to

    somente, a intervenes parcelares motivadas por outro tipo de preocupaes44

    ,

    deixando intocado o regime geral do contencioso.

    A verdade que, tal como foi realado pela melhor doutrina, a reviso de

    1989 procedeu a uma alterao radical do modelo contencioso constitucionalmente

    imposto. A consagrao da jurisdio administrativa como jurisdio obrigatria e

    comum em matria de relaes jurdico-administrativas, aliada eliminao da

    referncia definitividade e executoriedade do acto impugnado e sua substituio pelo

    critrio da lesividade e bipartio das vias contenciosas garantidas - passando a

    41 Cfr. CARLA GOMES, Contributo..., op. cit., p. 434. Contra, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A justia..., op. cit., p. 201; SRVULO CORREIA, prefcio..., op. cit., p. XXIII.

    42 Cfr. CARLA GOMES, Contributo..., op. cit., p. 434. Admitindo embora a sua utilizao para l deste caso mas, constando o seu reduzido mbito de aplicao, propugnado a sua configurao

    como meio autnomo, cfr.VIEIRA DE ANDRADE, A justia..., op. cit., pp. 201 e 202. No sentido de que

    a intimao para um comportamento deve, de iure condito, ser qualificada como uma forma de tutela

    sumria no acessria de um meio administrativo ou contencioso principal, cfr. ISABEL FONSECA,

    Introduo..., op. cit., pp. 379 e ss.

    43 A doutrina unnime em apontar reviso de 1989 o papel de protagonista na profunda alterao do modelo contencioso administrativo, embora se registem divergncias quanto ao seu alcance.

    PEREIRA DA SILVA, Breve crnica de uma reforma anunciada, in CJA n 1, Janeiro/Fevereiro de

    1997, p. 4, sustenta que se assistiu a uma autntica machadada final na clssica doutrina do processo

    feito a um acto com a adopo da relao jurdica como verdadeiro epicentro da justia administrativa.

    VIEIRA DE ANDRADE, A justia..., op. cit., p. 61 e pp. 66 e ss. , considera que se trata de um marco

    essencial na evoluo do contencioso, sem que, porm, se tenha subvertido o modelo tradicional da

    administrao executiva ou imposto a adopo de um modelo subjectivista.

    44 A Lei n. 83/95, de 31 de Agosto veio disciplinar a aco popular, concretizando e conferindo exequibilidade ao direito fundamental consagrado no artigo 52 da CRP, o DL n. 229/96, de

    21 de Maro instituiu o Tribunal central administrativo para fazer face ao congestionamento do servio no

    Supremo Tribunal Administrativo e o DL n. 134/98, de 15 de Maio, transps para a ordem jurdica

    portuguesa a directiva n. 89/665/CEE.

  • reconhecer-se, a par do direito ao recurso contencioso, o direito ao acesso justia

    administrativa para tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos sempre que

    necessrio- postularam a imposio de um modelo contencioso que garantisse a

    plenitude e a efectividade da tutela judicial.

    Na ausncia de uma interveno legislativa, competia jurisprudncia e

    doutrina retirarem as devidas ilaes da consagrao, ainda que implcita, do direito

    fundamental a uma tutela jurisdicional plena e efectiva, direito de natureza anloga aos

    direitos, liberdades e garantias e, como tal, dotado de aplicabilidade directa. Justificava-

    se, assim, a desaplicao das disposies legais feridas de inconstitucionalidade

    superveniente por incompatveis com as novas normas constitucionais, assim como uma

    interpretao e aplicao das mesmas conforme Constituio45

    .

    Designadamente, a jurisdio administrativa no mais susceptvel de ser

    concebida como uma jurisdio limitada e centrada no recurso de anulao, e,

    consequentemente, impunha-se dar um novo flego e exponencializar as

    potencialidades da aco para o reconhecimento de direitos, das aces no

    especificadas e da aplicao subsidiria do Cdigo do processo civil, mormente, em

    termos de adopo de providncias cautelares no especificadas46

    , por forma a garantir

    a completude da tutela.

    A efectividade, por seu turno, exigia uma interpretao no formalista e

    falaciosa das disposies legais, orientada pelo princpio do favorecimento do processo

    e apelava ao abandono de orientaes restritivas no que concerne, designadamente,

    recorribilidade do acto, aos requisitos da suspenso da eficcia do acto e demais meios

    acessrios e s limitaes ao direito indemnizao resultantes da no tempestiva

    interposio de recurso contencioso.

    Parte da doutrina continua, porm, a sustentar a no inconstitucionalidade

    do artigo 25 e artigo 34 da LPTA, quando fazem depender a recorribilidade dos actos

    administrativos da sua definitividade e executoriedade. Contra a corrente que v na

    eliminao daquelas expresses do artigo 268, n. 4 da Constituio o intuito de

    45 Cfr.VIEIRA DE ANDRADE, A justia..., op. cit., pp. 62 e 63.

    46 A aplicao de providncias cautelares no especificadas ao contencioso administrativo est sujeita, no regime geral , a uma dupla subsidiariedade: o juiz administrativo no pode dispor de

    meios cautelares adequados, sendo necessrio recorrer supletivamente ao disposto no CPC e no pode

    haver nenhuma providncia especificada civil aplicvel ao caso.

  • revolucionar os quadros tradicionais, alargando a garantia do recurso contencioso contra

    quaisquer actos administrativos lesivos dos direitos e interesses dos particulares, i.e.,

    desde que, ainda que carecidos daquelas caractersticas, se encontrem em condies

    de produzir efeitos susceptveis de atingir os privados47, h quem sustente que a

    reviso constitucional no trouxe alteraes substanciais. Seja por entender-se estar em

    causa uma mera purificao do conceito de acto administrativo, pela supresso de duas

    expresses redundantes porque nele implcitas48

    , seja por assacar-se reviso uma

    simples abertura da garantia constitucional do recurso contencioso a construes da

    recorribilidade assentes noutros critrios que no a definitividade e a executoriedade,

    sem envolver, porm, uma imposio nesse sentido, e, portanto, sem implicar a

    inconstitucionalidade da legislao que restringe o recurso aos actos que apresentem

    aquelas caractersticas49

    .

    A jurisprudncia, por tendncia conservadora e arreigada s antigas

    frmulas da definitividade e executoriedade, com a chancela do Tribunal

    Constitucional50

    e das teses doutrinais que minimizam a importncia da consagrao

    constitucional do critrio do acto lesivo, continua a utiliza-las como se fossem

    compatveis, seno mesmo subjacentes noo de acto lesivo. certo que se constata

    um certo pudor no seu emprego explcito, mas a verdade que, sob a vestimenta de falta

    de lesividade, continua a negar-se a recorribilidade dos actos endoprocedimentais, i.e.,

    dos actos praticados no decurso do procedimento e a erigir-se a interposio prvia de

    recurso administrativo como pressuposto processual do recurso contencioso.

    J no que respeita ao abandono da concepo do recurso contencioso como

    recurso regra regista-se uma evoluo determinante. Na esteira da doutrina, a

    jurisprudncia supera a timidez inicial e lana mo da aco para o reconhecimento de

    direitos como meio complementar ao recurso contencioso, sempre que este se manifeste

    inidneo a garantir, no caso concreto, uma tutela efectiva dos direitos e interesses

    47 Cfr. PEREIRA DA SILVA, Em busca, op. cit. p. 688.

    48 Cfr. ROGRIO SOARES, O acto administrativo, SJ, ns 223-228, 1990, p. 26.

    49 Cfr. FREITAS DO AMARAL, Apreciao da dissertao de doutoramento do Mestre Vasco Pereira da Silva, in DJ, Vol. X, tomo 2, 1996, pp. 274 e 275.

    50 Cfr., entre outros, acrdo do TC n. 603/95, processo n. 223/96, in DR n. 63, II, de 14 /3/96; acrdo do TC n. 499/96, processo n. 383/93, in DR n. 152, II de 3/7/96; acrdo do TC n.

    115/96, processo n. 387/93, in DR n. 105, II, de 6/5/96, p. 8058.

  • lesados, designadamente, face a actos tcitos51

    e em situaes em que a prova

    testemunhal se revele imprescindvel e no seja admitida no mbito do recurso, como

    sucede sempre que se trate da impugnao de actos da administrao central52

    .

    Actualmente firmou-se jurisprudncia no sentido de que o artigo 69, n. 2

    da LPTA, luz de uma interpretao conforme com a CRP, deve ser entendido como

    no obstando deduo de uma aco para o reconhecimento de direitos ou interesses

    legalmente protegidos ainda que exista um acto susceptvel de impugnao, desde que

    esta via se revele necessria, dadas as circunstncias do caso concreto, para assegurar a

    efectividade da tutela53

    . Todavia, sustenta-se que, em caso algum, poder ser utilizada

    como paliativo em situaes de precluso da possibilidade de interpor recurso, por

    intempestivo54

    . Controvertida continua a ser a possibilidade de esta aco ser utilizada

    perante actos administrativos no lesivos, por interno ou ainda no lesivo, como sucede,

    nomeadamente, perante actos sujeitos a condio ou termo suspensivo55

    e actos nulos

    ou inexistentes56

    .

    Relevante igualmente a admisso da utilizao da aco para o

    reconhecimento de direitos como meio de tutela preventiva, para mais, reconhecendo-

    51 Cfr. acrdo do STA, de 28/9/93, in AD n. 389, pp. 525 e ss.; acrdo do STA, de 5/3/96, processo n. 38.223. Importa destacar, porm, que a possibilidade de deduzir uma aco para o

    reconhecimento de um direito na presena de um acto tcito feita depender do esgotamento do prazo de

    um ano para a sua impugnao. Neste sentido, cfr. acrdo do STA, de 25/10/90, in Apndice ao DR, de

    22/3/95, pp. 6124.Criticando esta orientao, por entender no ser necessrio aguardar o decurso desses

    prazo, cfr. CARLA GOMES, Contributo, op. cit., pp. 382 e ss..

    52 Cfr. acrdo do STA, de 18/1/90, in apndice ao DR de 12/1/95.

    53 Cfr. acrdo do pleno do STA, de 30/4/97, que veio por termo s divergncias quanto ao sentido e alcance do artigo 69, n. 2 da LPTA. Anteriormente, uma corrente jurisprudencial sustentara

    que este preceito, ao prescrever uma natureza subsidiria a esta aco, deveria entender-se revogado

    pelo artigo 268, n. 5 da Constituio, na redaco que lhe foi dada pela reviso de 1989. Neste sentido,

    cfr. acrdo do STA, de 4/5/93, processo n. 31.976; acrdo do STA, de 13/7/93, processo n. 31.754;

    acrdo do STA, de 19/4/94, processo n. 33.191.

    54 Neste sentido, por entender que outra soluo subverteria o sistema de administrao executiva, mais concretamente, a autoridade e estabilidade do acto administrativo, cfr. VIEIRA DE

    ANDRADE, A justia..., op. cit., pp. 143 e ss.. Contra, propugnado que no obstante a inimpugnabilidade

    do acto se deve admitir a deduo de uma aco para o reconhecimento de direitos, por aquela no poder

    ter por efeito um efeito convalidatrio substantivo e, no estando em causa a anulao do acto, no se

    poder alegar a excepo do caso julgado, cfr. PEREIRA DA SILVA, A aco..., in Ventos..., op. cit., p.

    58.

    55 Neste sentido, cfr. PEREIRA DA SILVA, A aco, op. cit. , pp. 55 e ss. Contra, VIEIRA DE ANDRADE, A justia, op. cit., pp. 142 e ss.

    56 Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A justia, op. cit., p. 145; SOUSA FBRICA, A aco para o reconheimento de direitos e interesses legalmente protegidos um estudo preliminar, Dissertao de mestrado em Cincias Jurdico Polticas na Faculdade de Direito de Lisboa, indito, p. 418. Contra, cfr. CARLA GOMES, Contributo, op. cit., pp. 384 e ss.

  • lhe uma vertente condenatria57

    . Em termos prticos, podemos afirmar que, no

    obstante a evoluo assinalada, o recurso contencioso mantm o seu papel de

    protagonista no contencioso administrativo.

    Igualmente se assiste utilizao das aces no especificadas para

    assegurar a completude da tutela judicial constitucionalmente garantida em situaes de

    enriquecimento sem causa da administrao58

    e de condenao de particulares por

    incumprimento de um dever jurdico administrativo59

    .

    Regista-se, recentemente, uma alterao da concepo processualista do

    artigo 7 do DL n. 48.051, reconhecendo-se a autonomia da aco de indemnizao

    face ao recurso contencioso de anulao. Aquela disposio j interpretada por alguns

    acrdos60

    como prescrevendo no um pressuposto processual autnomo, mas antes a

    soluo para um problema de concorrncia de culpas, em termos da no interposio do

    recurso relevar apenas para efeitos de apreciao do concurso da omisso culposa do

    lesado aquando da fixao do quantum indemnizatrio61

    .

    No que concerne suspenso da eficcia dos actos, surgem, embora ainda

    com alguma timidez, os primeiros sinais de esbatimento da hegemonia do interesse

    57 Cfr. acrdo do STA, de 3/3/94, in AD n. 394, pp. 683 e ss. Acentuando a utilidade desta aco como meio de evitar a prtica de um acto administrativo lesivo, cfr. PEREIRA DA

    SILVA, A aco, op. cit., p. 56. Referindo-se igualmente sua vertente preventiva, cfr. CARLA GOMES, Contributo, op. cit., pp. 370 e ss. No sentido da natureza condenatria da aco para o reconhecimento de direitos, cfr. ALEXANDRA LEITO, Da pretensa

    subsidiariedade da aco para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente

    protegidos Ac. do STA de 18.2.1997, in CJA n. 7, Janeiro/Fevereiro de 1998, pp. 19 e ss.; CARLA GOMES, Contributo, op. cit., pp. 378 e ss; RUI MACHETE, op. cit., pp. 242 a 244; RUI MEDEIROS, Estrutura e mbito da aco para o reconhecimento de um direito ou

    interesse legalmente protegido, in RDES, n.s 1 e 2, Janeiro/Junho de 1989, pp. 84 e 85. Contra

    a natureza condenatria da aco para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente

    protegido, cfr. FREITAS DO AMARAL, Direito administrativo, (lies policopiadas), vol. III,

    Lisboa, 1989, p. 297.

    58 Cfr. acrdo do STA, de 9/6/94, processo n. 34.441.

    59 Cfr. acrdo do STA, de 14/5/91, in AD, n. 374, pp. 150 e ss.; acrdo do STA, pleno, de 25/5/95, processo n. 30.490.

    60 Cfr. acrdo do pleno do STA, de 27/2/96, in CJA n. 1, Janeiro/Fevereiro de 1997, pp. 8 e ss.; acrdo do STA, de 30/4/98, processo n. 41.728.

    61 Neste sentido, cfr. RUI MEDEIROS, Ensaio sobre a responsabilidade civil do Estado por actos legislativos, Almedina, Coimbra, 1992, pp. 292 e ss.; MARGARIDA CORTEZ, A autonomia das

    aces para efectivao da responsabilidade civil da Administrao Pblica por danos resultantes de actos

    administrativos ilegais (algumas consideraes sobre o art. 7 do Dec. Lei n. 48 051, de 21 de Novembro

    de 1967), in Revista Jurdica da Universidade Moderna, n. 1, 1998; Fogo ftuo: a autonomia das

    aces de indemnizao, in CJA, n. 1, Janeiro/Fevereiro de 1997, pp. 8 e ss.; VIEIRA DE ANDRADE,

    A justia, op. cit., pp. 153 e ss.

  • pblico, afirmando-se que no basta a invocao de um interesse pblico em abstracto

    na no suspenso do acto, sendo imprescindvel que se apure da sua gravidade nas

    circunstncias do caso concreto62

    , bem como de progressivo abandono do critrio da

    susceptibilidade de reparao econmica em prol do critrio da irreversibilidade e da

    restaurao in natura63

    na densificao do conceito dos prejuzos de difcil reparao.

    A intimao para consulta de documentos e passagem de certides conhece

    uma evoluo espectacular. A jurisprudncia, num primeiro momento, aligeira a

    exigncia de individualizao dos meios contenciosos e administrativos (artigo 82, n.

    1 da LPTA), bastando-se com uma invocao genrica da sua futura utilizao64

    e, num

    segundo momento, que coincide com a concretizao do direito informao

    procedimental no CPA, considera-a revogada tacitamente com a entrada em vigor dos

    artigos 61 e 62 daquele Cdigo, o que se traduz no reconhecimento de natureza

    autnoma a este meio processual65

    , configurado originariamente como processo

    acessrio a um processo principal66

    .

    A adopo de providncias cautelares diversas das tipificadas no

    contencioso administrativo reconhecida, pela primeira vez, como um corolrio do

    direito fundamental tutela judicial efectiva. Com efeito, a aplicabilidade de

    providncias cautelares no especificadas foi admitida, pela primeira vez, no acrdo do

    62 Cfr. acrdo do STA, de 14/8/96, processo n. 40.838, onde se afirma que no obsta suspenso da eficcia de um acto que ordene o encerramento ou despejo administrativo de casas ou

    estabelecimentos o interesse pblico no cumprimento das normas de licenciamento, sendo necessrio que

    estejam em causa interesses especficos concretos, como a leso grave da segurana, ordem pblica ou

    sade.

    63 Cfr. acrdo do STA, de 18/1/96, processo n. 39.252, onde se qualificou como de difcil reparao a privao total ou substancial dos meios necessrios para fazer face s despesas bsicas do

    agregado familiar.

    64 Cfr. acrdo do STA, de 28/10/89, in Apndice ao DR, de 30/12/94, pp. 6794 e ss.; acrdo do STA, 16/3/93, in AD n. 384, pp. 1230 e ss.; acrdo do STA, de 28/1/92, in AD n. 376, pp.

    391 e ss.

    65 A Lei n. 69/93, de 26/8, alterada pela Lei 8/95, de 29/3, que disciplina o acesso aos documentos administrativos, j previa que o recurso do acto que nega a prestao da informao

    solicitada fosse objecto de um recurso, ao qual se aplicava, com as devidas adaptaes, o processo de

    intimao previsto nos artigos 82 e ss. da LPTA. A soluo jurisprudencial, ao consignar intimao

    carcter autnomo, permitiu, deste modo, conferir o mesmo tratamento ao direito de informao no

    procedimental.

    66 A doutrina aplaudiu integralmente esta inflexo jurisprudencial. Cfr. SRVULO CORREIA, O direito dos interessados informao: ubi jus ibi remedium, in CJA, n. 5,

    Setembro/Outubro de1997, pp. 7 e ss. VIEIRA DE ANDRADE, A justia, op. cit., pp. 195 e ss.; FIGUEIREDO DIAS, Relevo prtico da intimao para consulta de documentos na garantia jurisdicional do direito informao, in CJA n. 5, Setembro/Outubro de 1997, pp. 53 e ss.

  • STA, de 16 de Agosto de 199567

    , com base na remisso do Art. 1 da LPTA para a lei

    do processo civil como direito subsidirio68

    , orientao confirmada no acrdo do STA,

    de 7 de Maro de 199669

    e no acrdo do STA, de 8 de Julho de 199770

    , embora,

    curiosamente, em nenhum dos casos, tenha logrado concretizao prtica.

    A reviso constitucional de 1997 veio consolidar o movimento de

    subjectivizao da justia administrativa, erigindo o princpio da tutela efectiva, agora

    expressa e inequivocamente consagrado, em estrela polar de todo o sistema, em torno

    do qual so gizados todos os meios contenciosos71

    . No s estes so concebidos como

    meros instrumentos ao servio daquele princpio, como se verifica a preocupao em

    superar a arcaica concepo do recurso contencioso como recurso regra no s pela

    referncia, a ttulo exemplificativo, no j dos meios processuais, mas antes das diversas

    pretenses processuais no n. 4 do artigo 268 (com ressalva da impugnao das normas

    administrativas, autonomizada no n. 472

    , que ascende directamente ao estatuto de

    direito fundamental) como, o que no despiciendo face s dvidas suscitadas

    anteriormente, o direito ao reconhecimento de direitos ou interesses legalmente

    protegidos referido a par e previamente ao direito impugnao dos actos

    administrativos, acrescentando-se o direito determinao prtica de actos legalmente

    67 Cfr. acrdo do STA, de 16/8/95, processo n 38.338, indito, apud BERNARDO AYALA, A tutela , op. cit., p. 17, nota 54.

    68 A aplicao das providncias cautelares no especificadas no contencioso administrativo, por via da remisso do artigo 1 da LPTA para o CPC, tem sido justificada pela necessidade de suprir

    uma situao de dfice de tutela mediante o apelo ao efeito til dos direitos fundamentais e ao direito

    tutela jurisdicional efectiva, de que o direito tutela cautelar constitui dimenso nuclear, conjugado com

    o artigo 268, n. 4 e artigo 17 da CRP . Cfr. , entre outros, CARLA GOMES, Todas as cautelas so

    poucas no contencioso administrativo -Ac. do TCA de 4.2.1999, P. 2263, in CJA n. 18,

    Novembro/Dezembro de 1999, pp.31 e ss.; MARIA DA GLRIA GARCIA, Os meios cautelares em

    Direito processual administrativo in SJ ns 250/252, 1994, pp. 211 e ss.; Da exclusividade de uma

    medida cautelar tpica atipicidade das medidas cautelares ou a necessidade de uma nova compreenso

    do Direito e do Estado in CJA n. 16, Julho/Agosto de 1999, pp. 74 e ss.; VIEIRA DE ANDRADE, A

    justia, op. cit., pp. 152 e ss.; ISABEL CELESTE FONSECA, Para uma nova tutela cautelar na justia administrativa. Prlogo de uma batalha- Ac. do STA de 8.7.97., P. 42 481, in CJA n. 8,

    Maro/Abril de 1998, pp. 43 e ss.; AROSO DE ALMEIDA, Medidas cautelares no ordenamento

    contencioso - Breves notas, in DJ, vol. XI, tomo II, 1997, pp. 139 e ss..

    69 Cfr. acrdo do STA, de 7/3/96, in BMJ n. 455, 1996, pp. 276-289.

    70 Cfr. acrdo do STA, de 8/7/97, processo n. 42 481, in CJA n. 8, Maro/Abril de 1998, pp. 37 e ss., anotado por ISABEL CELESTE FONSECA, Para uma nova..., op. cit., pp. 43-48.

    71 PEREIRA DA SILVA, A aco, op. cit., p. 53, vislumbra na reviso de 1997 uma verdadeira ...revoluo copernicianano modo como se encontra formulada a garantia constitucional de acesso justia administrativa, uma vez que agora passam a ser os diferentes meios processuais que

    giram volta do princpio da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, e no o contrrio. .

    72 Manifestando estranheza pela opo de autonomizao da garantia da impugnao de normas e sua no integrao no n. 4 do artigo 268 da CRP, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A justia, op. cit., p. 65.

  • devidos e adopo de medidas cautelares adequadas. A Lei fundamental garante a

    completude do acesso justia administrativa e a efectividade da tutela judicial, e, pela

    primeira vez, consagra expressamente a possibilidade de condenao da administrao

    na prtica dos actos legalmente devidos, aniquilando definitivamente o dogma da

    proibio de injunes directas administrao.

    Coerentemente, assiste-se consagrao constitucional da garantia da

    adopo de medidas cautelares adequadas, reconhecendo-se que a tutela cautelar

    constitui uma dimenso essencial do direito tutela efectiva, pondo termo s reticncias

    colocadas pelo Tribunal Constitucional73

    nesta matria. A referncia s medidas

    cautelares no plural e, sobretudo, a expresso adequadas conjugada com a previso de

    pretenses diversas da impugnao de actos, manifesta claramente a inteno de

    determinar a passagem de um modelo assente no numerus clausus de providncias

    cautelares no contencioso administrativo para um sistema de numerus apertus.

    No podemos deixar de concluir pela imposio constitucional de um

    modelo subjectivista de justia administrativa, sem prejuzo, como evidente, de tal no

    equivaler exigncia de implementao de um modelo puro. Nada obsta e mesmo

    legtimo e desejvel que o legislador estenda os meios processuais ao controlo da

    juridicidade da actividade administrativa, pois s assim ser possvel garantir que a

    administrao desenvolva a sua actividade no apenas no respeito dos direitos e

    interesses legalmente protegidos dos particulares, mas tambm no estrito respeito da

    legalidade e para a prossecuo do interesse pblico74

    .

    73 A jurisprudncia constitucional, como referimos anteriormente, afirmou reiteradamente que o direito suspenso da eficcia dos actos lesivos no faz parte nem conatural garantia do recurso

    contencioso, salvo casos excepcionais, no passveis de identificao genrica, alheando-se do

    movimento de reconhecimento de que o direito s providncias cautelares adequadas constitui parte

    integrante do contedo essencial do direito tutela judicial efectiva detectado noutras ordens jurdicas. Na

    verdade, tanto o TJCE, como a jurisprudncia constitucional francesa, italiana, alem, espanhola vm,

    desde h muito, a declarar que a tutela cautelar incindvel do direito ao acesso aos tribunais.Vide supra.

    74 Considerando que a Constituio no pode ser interpretada como impondo um modelo subjectivista de contencioso administrativo, pelo que legtimo alargar os meios de justia administrativa

    ao controlo da legalidade e interesse pblico, embora reconhea que a liberdade de conformao do

    legislador est limitada pela necessidade de garantir a proteco judicial e efectiva dos direitos dos

    particulares, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A justia, op. cit., pp. 66 e ss. Partindo de pressupostos diferentes, sustentando a subjectivao da justia administrativa, mas frisando que tal no obsta

    existncia de mecanismos processuais, como os da aco pblica e aco popular, destinados

    primordialmente tutela da legalidade objectiva, cfr. PEREIRA DA SILVA O contencioso, op. cit., p. 85; AROSO DE ALMEIDA, Anulao, op. cit., p. 59. Pronunciando-se, j antes da reviso de 1997, no sentido de que o aprofundamento e clarificao da funo subjectiva do Contencioso administrativo no significam que o mecanismo paradigmtico do recurso contencioso de anulao no

    possa ser utilizado em situaes em que no haja sido suscitada a tutela de interesses individualizados e

  • O reconhecimento do primado da dignidade humana no Estado Social de

    Direito postula o reconhecimento de que os particulares so titulares de posies

    substantivas perante a administrao e no meros instrumentos de que o sistema de

    serve para garantir a legalidade da actuao administrativa.

    Mas da mesma forma a prpria lgica desta forma histrica de Estado que

    exige que a administrao se paute pelos vectores e parmetros definidos juridicamente,

    - desde logo, no que diz respeito ao acatamento da lei em sentido formal, por fora do

    princpio democrtico - independentemente da verificao da leso de um direito ou

    interesse legalmente protegido de um particular, por forma a no descurar o interesse

    pblico. O interesse geral da comunidade no pode ser subalternizado aos interesses

    egostas dos particulares nem ficar condicionado s flutuaes e contingncias das suas

    convenincias ou necessidade de tutela75

    .

    Acresce que, no que respeita s relaes que se desenvolvem no seio da

    prpria administrao, dada a delimitao do mbito da jurisdio administrativa por

    referncia s relaes jurdico-administrativas, s a introduo de matizes objectivistas,

    mormente, no que toca legitimidade, pode assegurar o conhecimento pelos tribunais

    administrativos dos litgios que oponham diversas entidades pblicas76

    .

    Pese embora a evidncia da necessidade de instituio de mecanismos que

    garantam a tutela da legalidade objectiva, consideramos inegvel que o modelo

    contencioso constitucionalmente configurado primordialmente dirigido tutela dos

    direitos e interesses dos particulares, donde decorre que aquela instituio, em caso

    algum, pode ser realizada em prejuzo da sua efectividade e completude.

    A evoluo jurisprudencial limitou-se, praticamente, a consolidar e a

    reafirmar as tendncias anteriormente descritas, merecendo especial destaque, porm, o

    abandono definitivo, aps algumas hesitaes iniciais, da orientao de impossibilidade

    de correco da petio inicial da suspenso da eficcia77

    , o acolhimento do critrio da

    se trate s de proteger a legalidade objectiva e, com ela, a comunidade, que a ordem jurdica deve

    servir, cfr. SRVULO CORREIA, Contencioso administrativo e Estado de Direito, in RFDL, vol.

    XXXVI, 1995, p. 453.

    75 Realando este ponto, cfr. RODRIGUEZ PONTON, Pluralidad..., op. cit., pp.

    76 Neste sentido, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A justia, op. cit., p. 67.

    77 Cfr., sobre esta questo, FERNANDA MAS, Correco do requerimento de suspenso da eficcia: uma jurisprudncia a corrigir- Ac. do STA de 30.10. 96, P. 37 933, in CJA n. 2,

    Maro/Abril de 1997, pp. 33 e ss. O acrdo do pleno do STA, de 22/3/00, processo n. 43.813, in CJA

  • ponderao simultnea do interesse do requerente na suspenso do acto e do interesse

    da administrao na execuo do acto78

    , a reiterao da admissibilidade de adopo de

    providncias cautelares atpicas, por aplicao subsidiria da disciplina fixada no CPC,

    ex vi artigo 1 da LPTA79

    , bem como uma notria maior abertura ao critrio da

    lesividade do acto.

    n. 21, Maio/Junho de 2000, p. 58, decidiu por unanimidade, apelando ao princpio da tutela judicial

    efectiva, pela admissibilidade da correco da petio.

    78 Esta tendncia manifesta-se sobretudo ao nvel da jurisprudncia do TCA, sendo que no acrdo de 30/8/99, processo n. 3306, se sustentou mesmo a inconstitucionalidade de uma interpretao

    que exigisse a verificao cumulativa e em separado dos requisitos previstos no artigo 76 da LPTA.

    79 na jurisprudncia do TCA que se tem registado uma evoluo mais profunda nesta matria, tendo, inclusive, havido lugar adopo de providncias antecipatrias. Cfr. acrdo do TCA, de

    4/2/99, processo n. 2263, in CJA n. 18, Novembro/Dezembro de 1999, pp. 27 e ss.; acrdo do TCA, de

    8/1/98, processo n. 512; acrdo do TCA, de 4/2/99, processo n. 2263, acrdo do TCA, de 18/3/99,

    processo n. 2690; acrdo do TCA, de 31/5/01, processo n 5494, in CJA n 33, Maio/Junho de 2002, pp.

    18 e ss. de destacar que o Tribunal dos conflitos j reconheceu igualmente a competncia dos tribunais

    administrativos para decretarem providncias cautelares no especificadas sempre que esteja em causa

    uma relao jurdico-administrativa. Cfr. acrdo do Tribunal de conflitos, de 26/5/99, processo n.

    336.Para uma anlise aprofundada, com ampla recenso jurisprudencial, da aplicao do regime das

    providncias cautelares do CPC ao contencioso administrativo, cfr. ISABEL FONSECA, Introduo...,

    op. cit., pp. 349 e ss. .

  • B. O RECURSO URGENTE NOS PROCEDIMENTOS DE FORMAO DOS

    CONTRATOS: O DL N. 134/98, DE 15 DE MAIO

    Curiosamente, a primeira concretizao dos comandos constitucionais deve-

    se a um impulso legiferante externo. Efectivamente, quase 10 anos volvidos80

    , veio o

    legislador portugus, assumindo a falncia do sistema contencioso tradicional,

    transpor a directiva n. 89/665/CEE para a nossa ordem jurdica atravs do DL n.

    134/98, de 15 de Maio81

    .

    No prembulo do diploma, esta transposio inserida no contexto mais

    vasto de reforma global do contencioso administrativo, tida como imperiosa luz da

    recente consagrao do princpio da tutela jurisdicional efectiva na reviso

    constitucional de 1997 e da previso da adopo de medidas cautelares adequadas como

    consubstanciando uma das suas dimenses nucleares. A verdade, porm, que o

    reconhecimento das insuficincias do sistema contencioso administrativo no foi levado

    at s ltimas consequncias. O legislador prescindiu de uma reforma ao nvel do

    80 Numa primeira fase, o Estado Portugus, seguindo o exemplo de outros Estados-membros, entendeu que no se afigurava necessria a adopo de medidas de transposio da directiva

    por considerar que a legislao interna satisfazia plenamente os fins e objectivos nela prosseguidos. O

    Estado portugus enviou Comisso uma lista com as disposies internas que, no seu entender, davam

    cumprimento directiva e tornavam desnecessria a adopo de medidas concretas de transposio,

    donde constavam os seguintes diplomas: Decreto n. 41.243, de 20/8/57 ( artigo 46); Decreto n. 48.051,

    de 21/11/67; DL n. 256-A/77, de 17/6 ( artigos 6, n.s 2 e 7,11, n.s 1 e 3); DL n. 129/84, de 27/4

    artigos 9, n. 3 e 51); DL n. 267/85, de 16/7 (artigos 25, n. 1, 28, 76 a 81); DL n. 235/86, de 18/8 (

    artigos 53 a 55, 83, 85, 86 e 91); DL n. 442/91, de 15/11 ( artigos. 84, 85, 158 a 177).

    81 O facto da transposio ter sido efectuada por Decreto- lei, sem que o Governo da Repblica gozasse de qualquer autorizao legislativa para o efeito, suscitou a questo da sua

    inconstitucionalidade orgnica, por incidir sobre matria respeitante ao recurso contencioso e adopo

    de providncias cautelares, garantias dos administrados que configuram direitos de natureza anloga aos

    direitos, liberdades e garantias. Os tribunais administrativos pronunciaram-se, sistematicamente, pela no

    inconstitucionalidade do DL n. 134/98, de 15 de Maio, sufragando a tese de que est em causa a

    disciplina de aspectos puramente adjectivos e, nessa medida, excludos da reserva relativa da Assembleia

    da Repblica, entendimento que foi recentemente acolhido e reiterado pelo Tribunal Constitucional

    aquando da apreciao do disposto no artigo 4, n. 4 deste diploma. Cfr. acrdo do STA, de 16/3/99,

    processo n. 44.631, in AD, n. 455, p. 1346 e ss.; acrdo do STA, de 21/7/99, processo n. 45.264, n

    CJA n. 17, Setembro/Outubro de 2000, p. 66; acrdo do STA, de 14/12/99, processo n. 45.664, in CJA

    n. 19, Janeiro/Fevereiro de 2000, p. 71; acrdo do TCA, de 20/5/99, processo n. 2805-A; acrdo do

    TCA, de 8/7/99, processo n 3209, in CJA n. 17, Setembro/Outubro de 2000, pp. 68-70; acrdo do TC

    n. 128/2000, processo n. 547/99, de 23/2/99, in CJA n. 20, Maro/Abril de 2000, pp. 59 e 60. Na

    doutrina, sustentando a conformidade constitucional da transposio, cfr. BERNARDO AYALA, A

    tutela contenciosa dos particulares em procedimentos de formao de contratos da Administrao

    Pblica: Reflexes sobre o Decreto Lei n. 134/98, de 15 de Maio, in CJA, n. 14, Maro/Abril de 1999, pp. 18-21. Expressando dvidas sobre a inconstitucionalidade do diploma, cfr. MRIO ESTEVES

    DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, op. cit., p. 667, nota 3.

  • regime da responsabilidade civil da administrao e da execuo das sentenas, ficando-

    se, to s, pela disciplina de uma tramitao clere do recurso contencioso de anulao

    de actos administrativos e consagrao da possibilidade de adopo de medidas

    provisrias atpicas.

    O DL n. 134/98, de 15 de Maio, tem, partida, o mrito de se apresentar

    como um bastio avanado da reforma do contencioso administrativo. O legislador,

    assumindo as insuficincias e incongruncias do sistema clssico, disps-se a colmatar

    uma situao de dfice de tutela particularmente gravosa, como era a dos particulares

    nos procedimentos de formao de contratos pblicos. Com efeito, a acrescer tragdia

    da crnica morosidade dos processos, da ausncia de um sistema de tutela cautelar

    adequado e de uma legislao contenciosa anacrnica, - pejada de remendos e em

    crescente e agravado desfasamento da Lei Fundamental, - vinha juntar-se a dificuldade

    de articulao, merc da restrio da legitimidade nas aces sobre invalidade dos

    contratos s partes contratantes, da eventual anulao do acto destacvel impugnado

    com a invalidao do contrato, medio tempore celebrado, quando no mesmo,

    integralmente executado..

    A garantia de uma forma de recurso urgente e clere e a consagrao da

    possibilidade de adopo de medidas cautelares atpicas, destinadas a corrigir a

    ilegalidade ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em causa, veio

    permitir obviar denegao de uma tutela judicial efectiva que o sistema anterior

    comportava.

    Contudo, a notria colagem ao texto da directiva, sem que se procurasse

    proceder a uma concretizao e desenvolvimento das traves mestras da disciplina nela

    contida ou a sua adaptao s particularidades do nosso sistema, deu azo a espaos

    inteiros de falta de regulao e a graves disfunes que prejudicam a operacionalidade

    do diploma. Exemplo paradigmtico o da ausncia de uma tentativa de densificao,

    ainda que enunciativa, das medidas provisrias ou, mais grave ainda, do absoluto e

    indesculpvel esquecimento da existncia de outros meios contenciosos que asseguram,

    para l do recurso de anulao, a completude da tutela judicial efectiva no nosso

    sistema. Por outro lado, a novidade do reconhecimento legislativo de uma tutela cautelar

    atpica, postulava um esforo, que no foi empreendido, de construo de um regime

    geral das medidas provisrias, prevendo-se, designadamente, a possibilidade de

  • cumulao e de deduo de medidas na pendncia do meio principal, a no adstrio do

    tribunal medida concretamente requerida e a sua revogabilidade e modificabilidade.

    Um dos grandes bices efectividade da tutela dos particulares nos

    procedimentos de formao de contratos foi, numa primeira fase, o do desconhecimento

    do regime do DL n. 134/98 por parte dos particulares, aliado interpretao que vingou

    dos tribunais administrativas, ao arrepio da orientao doutrinal, da natureza imperativa

    dos mecanismos nele previstos. Sem que possuamos dados concretos nesta matria,

    facilmente perceptvel que, aps um momento inicial de perplexidade, os tribunais

    comearam a determinar a aplicao oficiosa do regime do DL n. 134/98, o que teve

    como consequncia a rejeio de inmeros recursos contenciosos e de pedidos de

    adopo de medidas cautelares com fundamento na sua intempestividade.

    Se bem que actualmente a concepo deste regime como regime especial, de

    aplicao imperativa, j no colha os particulares de surpresa, continua a justificar-se a

    sua erradicao por convolar uma verdadeira subverso do sistema, invertendo os

    valores em jogo. Para mais, inconstitucional, quando conjugada com o entendimento de

    que os actos nulos e inexistentes esto sujeitos regra da inimpugnabilidade

    contenciosa decorrido o prazo de 15 dias fixado no artigo 3, n. 2 do DL n. 134/98.

    A grande novidade do DL n. 134/98 - a possibilidade de uma clere

    resoluo do litgio foi igualmente desvirtuada por um conjunto de circunstncias, que

    se prendem, por um lado, com o incontornvel problema de congestionamento do

    volume de processos nos tribunais administrativos, mas tambm com a relativa

    novidade do diploma. A constante colocao de questes interpretativas ainda no

    consolidadas no ordenamento gerou uma sucessiva e sistemtica interposio de

    recursos jurisdicionais para os tribunais superiores, quando no mesmo, para o Tribunal

    Constitucional, em prejuzo da celeridade processual. Muitos processos, pese embora a

    sua designao legal de urgentes, arrastam-se dois anos ou mais nos tribunais,

    defraudando as expectativas de obteno de um deciso de mrito em pouco mais ou

    menos de um ms.

    Por sua vez, se a consagrao de um modelo de tutela cautelar atpica

    poderia constituir um paliativo adequado para esta situao, constata-se que esta no

    deu, at agora, o contributo esperado. Os particulares, at muito recentemente, no

    aproveitaram as potencialidades do novo regime, verificando-se que os requerimentos

  • de decretamento de medidas provisrias se reconduzem, quase sempre, ao pedido de

    suspenso do procedimento ou suspenso de eficcia do acto impugnado.

    Apesar de tudo, e pesem embora algumas excepes, manifesta-se uma

    tendncia na evoluo da jurisprudncia administrativa em geral, mas com especial

    incidncia na relativa aos litgios emergentes do DL n. 134/98, no sentido de se libertar

    de um certo seguidismo acrtico de solues e frmulas enraizadas pela pura fora do

    dogma e tradio, assim como de uma quase sacralizao do interesse pblico. Com

    efeito, detecta-se em diversos acrdos uma cuidada e exemplar preocupao em

    assegurar a tutela efectiva dos direitos dos particulares, sem descurar, contudo, os outros

    interesses em presena. Ilustrativos deste movimento de renovao jurisprudencial so o

    abandono da tese da impossibilidade de correco da petio de suspenso da eficcia

    em virtude do seu carcter urgente e sua no transposio para o mbito do DL n.

    134/9882

    , o entendimento flexvel dos pressupostos da concesso de medidas

    provisrias, o reconhecimento de que o acto de admisso de propostas e o acto de

    abertura de um concurso constituem actos lesivos e recorrveis e a admissibilidade de

    uma providncia cautelar consistente numa injuno administrao para que no

    celebre o contrato at resoluo do litgio e sua cumulao com a suspenso do acto de

    adjudicao, qual se imputou o efeito de suspender os efeitos do prprio contrato83

    .

    82A jurisprudncia tem admitido a correco da petio inicial de recurso contencioso e do requerimento das medidas provisrias, pese embora a sua natureza urgente, por forma a suprir os

    pressupostos processuais em falta e sanar as irregularidades. Cfr., entre outros, acrdo do STA de

    28/10/99, in CJA, n. 18, Novembro/Dezembro de 1999, pp. 57 e 59, e acrdo do STA, de 5/01/00, in

    CJA, n. 20, Maro/Abril de 2000, pp.64-65; acrdo do TCA, de 1/7/99, processo n. 3004-A e acrdo

    do TCA de 14/7/99, processo n. 3008-A, in CJA n. 17, Setembro/Outubro de 1999, pp. 69-70.

    83 Cfr. acrdo do STA, de 8/5/00, processo n 551/02.

  • C. A REFORMA DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

    1. Consideraes introdutrias

    A reforma do contencioso administrativo, aguardada desde a reviso

    constitucional de 198984

    , teve lugar, por fim, atravs da aprovao do novo Estatuto dos

    Tribunais administrativos e fiscais (Lei n. 13/02, de 19/2) e do Cdigo de Processo dos

    Tribunais Administrativos (Lei n. 15/02, de 22/2).O legislador assumiu a incumbncia

    de concretizar o imperativo constitucional de instituio de um sistema contencioso

    norteado pelo princpio da tutela jurisdicional efectiva, em que o juiz dispe de

    poderes equivalentes aos outros julgadores, superando-se, designadamente, a

    impossibilidade de emitir sentenas de contedo positivo, fundada numa

    interpretao rgida do princpio da separao de poderes85.Simultaneamente, a

    reforma insere-se no movimento mais geral de simplificao e acelerao do processo

    jurisdicional86

    .

    O artigo 2 do CPTA consagra o princpio da completude e efectividade da

    tutela jurisdicional como eixo central do contencioso administrativo. Assiste-se

    passagem de um modelo sobre o qual pesavam ainda os resqucios da herana da

    concepo do contencioso administrativo como um contencioso limitado, circunscrito a

    meios processuais tipificados e dominado pela hegemonia do recurso contencioso de

    anulao, a um modelo aberto em que se garante a todo o direito ou interesse legalmente

    protegido a tutela adequada, impedindo que a proteco judicial face a uma actuao ou

    omisso lesiva seja negada por fora da inexistncia de um meio processual idneo

    (artigo 2, n. 2 do CPTA).

    Supera-se, definitivamente, o dogma da proibio de exerccio judicial de

    poderes injuntivos e substitutivos, reconhecendo-se que o juiz administrativo dispe no

    s de poderes declarativos e constitutivos, como de poderes condenatrios e, inclusive,

    84 Remonta a 1990 o primeiro anteprojecto de reforma.

    85 Cfr. Interveno do Ministro da Justia, Dr. Antnio Costa, in Reforma do Contencioso Administrativo, trabalhos preparatrios, O debate universitrio, Ministrio da Justia, p.7.

    86 Sobre as principais novidades tendentes a simplificar e acelerar o processo administrativo, cfr. parte I, introduo.

  • em determinados casos, de poderes de substituio. A garantia da execuo das

    sentenas largamente reforada por via do estabelecimento da possibilidade de fixao

    de sanes pecunirias compulsrias - quer logo nas sentenas do processo declarativo,

    quer mais tarde, em caso de incumprimento da sentena - e do reconhecimento de

    poderes substitutivos ao tribunal no processo executivo, prevendo-se, mormente, a

    emisso de sentena que produza os efeitos do acto administrativo devido.

    universalidade da jurisdio acresce a garantia da sua efectividade. O

    acesso justia administrativa deixa de ser concebido como a simples possibilidade de

    deduzir uma determinada pretenso nos tribunais administrativos. Estabelece-se, de

    harmonia com o disposto no artigo 20, n.4, da CRP, que a esta pretenso corresponde

    o direito a obter uma deciso judicial, em prazo razovel, acentuando-se o papel

    primordial que desempenha a tutela cautelar, de natureza antecipatria ou conservatria,

    a fim de assegurar o efeito til da deciso (artigo 2, n. 1 do CPTA).

    Intimamente ligada efectividade da tutela est a consagrao do princpio

    da livre cumulao de pedidos que vem, em prol da economia processual e da eficcia e

    utilidade da sentena, obviar necessidade de recorrer sucessivamente a uma srie de

    meios processuais para obter a satisfao de pretenses inseridas numa mesma relao

    material (artigo 4 do CPTA).

    Da maior relevncia , tambm, o princpio da promoo do acesso

    justia, que presc