A Experiencia Do Dizer- Silvia Tedesco e Outros

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  • A entrevistA nA pesquisA cArtogrficA:a experincia do dizer

    Silvia Helena TedescoI H Christian SadeII HH Luciana Vieira CalimanIII HHHI Universidade Federal Fluminense, Niteri, RJ - BrasilII Universidade Salgado de Oliveira, Niteri, RJ, Brasil

    III Universidade Federal do Espirito Santo, Vitria, ES - Brasil

    resumoO artigo visa discutir a aplicao da entrevista, seja individual ou coletiva, em pesquisa, segundo a perspectiva do mtodo cartogrfico. No indica um modelo especfico de entrevista cartogrfica, mas um ethos cartogrfico como orientao geral dos procedimentos ligados sua construo. Apoiado nos estudos da pragmtica, afirma a importncia da montagem da entrevista como experincia compartilhada, entre entrevistador e entrevistado (s), estabelecida no domnio da linguagem. A questo do manejo examinada, tendo em vista o carter de interveno recproca entre signos e mundo. A partir de algunsexemplos empricos, procedimentos e propostas so apresentadas na direo da abertura da experincia, ali em jogo, aos processos de criao de si e de mundos.

    Palavras-chave: metodologia; entrevista; mtodo da cartografia.

    the interview in the cArtogrAphy reseArch:the experience of saying

    AbstrActsThis article aims to discuss the application of the interview, whatever individual or collective, according to the cartographic method. It does not indicate a specific pattern of cartographic, but a cartographic ethos as general guidance of the procedures connected with its construction. Based on the studies of the

    H Psicloga. Possui doutorado em Psicologia (Psicologia Clnica) pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo e ps-doutorado em Anlise Institucional pela Universit de Paris 8, Vincennes-Saint Denis, Frana. atualmente professora titular do Programa de Ps-graduao em psicologia da Universidade Federal Fluminense. Endereo: Universidade Federal Fluminense, Departamento de Psicologia-GSI. Campus Gragoat, Bloco O - 2 andar - So Domingos. Niteri, RJ Brasil. CEP: 24210350.E-mail: [email protected]

    HH Psiclogo. Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, atualmente professor do curso de Psicologia da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) e atua em projeto de pesquisa do departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense.E-mail: [email protected]

    HHH Psicloga. Possui doutorado e mestrado em Sade Coletiva pelo Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ps-doutorado em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. professora de psicologia da Universidade Federal do Espirito Santo e do Programa de Ps-graduao em Psicologia Institucional do Departamento de Psicologia da UFES - PPGPSI.E-mail: [email protected]

  • Silvia Helena Tedesco; Christian Sade; Luciana Vieira Caliman

    pragmatic, it states the importance of the structure of the interview as a shared experience between interviewer and interviewee(s) established in the field of the language. The subject of the handling is analyzed, bearing in mind the character of reciprocal intervention between signs and the world. From some empirical examples, procedures and proposals are presented indirection of opening the remarked experience to the processes of self-creation and the creation of worlds.

    Keywords: methodology; interview; method of cartography.

    As questes so fabricadas como outra coisa qualquer. Se no deixam que voc fabrique suas questes, com elementos vindos de toda parte, de qualquer lugar, se as colocam a voc, no tem muito o que dizer [...] o objetivo no responder a questes, sair delas [...] uma entrevista poderia ser simplesmente o traado de um devir (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 09-10).

    Duas questes se impem quando estamos imersos na prtica da pesquisa: o que buscamos com a pesquisa e como alcan-lo? Nosso propsito neste texto ser desenvolver pistas sobre encaminhamentos da cartografia para essas duas questes, analisando, em especial, procedimentos da entrevista que a permitam exercer uma funo cartogrfica. Para tal, sem desconsiderar o atravessamento recproco entre todas as pistas enunciadas sobre o mtodo da cartografia (PASSOS; KASTRUP; ESCSSIA, 2009), partiremos de trs pistas: cartografar acompanhar processos (POZZANA; KASTRUP, 2009); a cartografia como mtodo de pesquisa-interven-o (PASSOS; BENEVIDES DE BARROS, 2009); e o coletivo de foras como plano de experincia cartogrfica (ESCSSIA; TEDESCO, 2009). A articulao dessas pistas nos ajudar a pensar qual o alvo da entrevista e como atingi-lo, atendendo o objetivo principal da cartografia de pesquisar a experincia, entendida como o plano no qual os processos a serem investigados efetivamente se realizam.

    Presente na primeira dessas trs pistas est a afirmao de que a realidade a ser investigada composta de processos e no s de objetos (coisas e estados de coisas) delimitados por contornos precisos e atemporais. Tentaremos mostrar que a entrevista acompanha o movimento e, mais especificamente, os instantes de ruptura, os momentos de mudana presentes nas falas. Passamos aqui para a segunda pista citada na qual sublinhado o carter de interveno da cartografia. No caso da entrevista, como procedimento cartogrfico, comentaremos como ela pode ser capaz no s de acompanhar processos como tambm, por meio de seu carter performativo, neles intervir, provocando mudanas, catalisando instantes de passagem, esses acontecimentos disruptivos que nos interessam conhecer. E, tomando a direo da terceira pista escolhida, segundo a qual os processos e suas transformaes consistem em foras cuja condio de possibilidade e efeitos sur-gem do plano coletivo, indicaremos ser a experincia, presente nesse plano de coengendramento entre pesquisador e campo problemtico, o principal objetivo da entrevista. Sem eliminar outros dispositivos, proporemos a entrevista como ferramenta eficaz na construo e acesso ao plano compartilhado da experincia.

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    Vale sublinhar que no indicamos um modelo de entrevista cartogrfica. Isto por dois motivos. Em primeiro lugar, falamos de entrevista na cartografia, pois a eficcia da entrevista na pesquisa dos processos est estreitamente ligada ao ethos cartogrfico que seria praticado, no apenas na entrevista, mas em toda a pesquisa, desde a construo inicial do campo problemtico narrativa utilizada no relatrio final. No entanto, cabe comentar alguns procedimentos pelos quais esse ethos comparece especificamente na entrevista. Como veremos, no existe entrevista cartogrfica, mas manejo cartogrfico da entrevista. Em segundo lugar, no falamos de uma tcnica fechada, de um mtodo soberano, mas de um ethos, a partir do qual escolhas tm lugar face s caractersticas de cada situao. Ou seja, o mtodo pensado na inverso do seu sentido etimolgico. Ao rachar a palavra mtodo ou met-hdos, percebemos que hdos (caminho) vem depois e inteira-mente condicionado pela met que o antecipa e o predetermina. Porm, pensemos no mtodo como hdos-met como uma aposta na experimentao do pensa-mento um mtodo no para ser aplicado, mas para ser experimentado (PAS-SOS; KASTRUP; ESCSSIA, 2009, p. 10). Ao mesmo tempo, lembremo-nos dos procedimentos metodolgicos presentes em nossas prticas (TEDESCO, 2008). Nestes tambm falamos de mtodos, de estratgias preferenciais. E ali tambm tomamos o cuidado de sublinhar, nessas posturas reiteradas, seu carter faculta-tivo e provisrio. No caso do mtodo e dos procedimentos, trata-se bem mais do compartilhamento de certa direo, de sugestes sobre modos de agir dirigidos instalao de graus de abertura indeterminao (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 217) e que, na nossa proposio, funciona como um conjunto aberto de pistas que servem para sugerir encaminhamentos, mas tambm para serem equivocadas, expostas como matria intensiva, como fragmentos reutilizveis nos ritornelos de criao. O cartgrafo no varia de mtodo, mas faz o mtodo variar.

    o que buscAmos com A entrevistA nA cArtogrAfiA?

    Como dissemos, a entrevista no visa objetos fixos, ou seja, no coleta in-formao relativa a referentes ligados a mundos pr-existentes. No buscamos o contedo da experincia (seja ela anterior ou subjacente ao momento da entrevis-ta), entendido como um conjunto de dados que a palavra traduziria na organizao transparente do relato. A entrevista no se dirige exclusivamente representao que os entrevistados fazem de objetos ou estados de coisa, os contedos das expe-rincias de cada um, frequentemente privilegiados nas pesquisas em geral.

    Diferentemente, a pesquisa cartogrfica visa o acompanhamento de pro-cessos e, se a entrevista na cartografia inclui trocas de informao ou acesso experincia vivida, importante ressaltar que esta no sua nica direo. A cartografia requer que a escuta e o olhar se ampliem, sigam para alm do puro contedo da experincia vivida, do vivido da experincia relatado na entrevista, e incluam seu aspecto gentico, a dimenso processual da experincia, apreendida em suas variaes. Alinhada abordagem enativa, a cartografia, sem eliminar os contedos informacionais, inclui a gnese desses contedos estabelecida na experincia compartilhada que responde pela coemergncia de si e de mundo (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2003).

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    Nesse sentido, a entrevista na cartografia considera a inseparabilidade dos dois planos da experincia: a experincia de vida ou o vivido da experincia e a experincia pr-refletida ou ontolgica (EIRADO et al., 2010). O primeiro plano refere-se ao que usualmente chamamos experincias de vida, que advm da reflexo do sujeito sobre as suas vivncias e inclui seus relatos sobre histrias de vida, ou seja, o narrado de suas emoes, motivaes e tudo aquilo que o sujeito pode representar como contedo vivido. J a experincia pr-refletida ou ontolgica refere-se processualidade, ao plano da coemergncia, plano comum, coletivo de foras, do qual advm todos os contedos representacionais. Esses dois planos no so excludentes, funcionam em reciprocidade. Caso a entrevista vise explorar exclusivamente as opinies, crenas, atitudes e valores dos entrevis-tados, ela focalizar restritamente as representaes vividas, considerando apenas um dos aspectos da experincia, a dimenso de contedo, que isolada do seu pla-no gentico, aparecer como um dado representando estados de coisas.

    Uma vez que a entrevista acontece como dilogo, importante que possa-mos entender como, por meio da linguagem, podemos acompanhar a experincia tendo em conta as suas duas dimenses expostas acima. Retomemos, portanto, a distino tradicional do pensamento da representao, operada sobre a lingua-gem, entre expresso e contedo, e depois as modulaes propostas pela abor-dagem pragmtica. No se tratar de fazer corresponder cada um desses quatro planos (experincia de vida e experincia pr-refletida; contedo e expresso), dois a dois, numa sobreposio ou equivalncia entre os planos da experincia e da linguagem, mas esclarecer como a perspectiva pragmtica da linguagem nos permite afirmar a entrevista como procedimento privilegiado de acesso imediato experincia em toda sua extenso.

    Segundo a perspectiva representacional, o plano da expresso correspon-de ao domnio da linguagem propriamente e envolve os signos lingusticos e a sintaxe que os relacionam entre si. O plano dos contedos comporta a realidade exterior linguagem, aquilo sobre qual se fala, includa a, a experincia. O signos funcionam como classes gerais que, ao subsumirem o contnuo emprico, operam recortes e assim fornecem fronteiras claras entre as ocorrncias factuais, at ento indissociveis. J a sintaxe ostenta em si a ordem lgica isomrfica ordem que de direito pertence natureza, organizando o processo representacio-nal. Cabe aos signos recortar fronteiras claras, delimitando as coisas e estados de coisa no contnuo emprico, presente ao plano dos contedos, e sintaxe or-ganiz-los entre si, conect-los ordenadamente. Teramos, portanto, dois planos separados em seu funcionamento e que apenas se encontrariam numa relao de determinao organizadora. Ora, percebe-se que a funo organizadora da linguagem apenas se realiza caso seja eliminada a sensibilidade do plano da expresso, propriamente lingustico, s ocorrncias no mundo. A linguagem re-presentacional precisa ser refratria s inconstncias dos fatos sob o risco de estas carregarem para o interior da linguagem a irregularidade do mundo. A funo representacional dos signos exige a eliminao das variaes de expres-so, as modulaes presentes ao dizer, que passam a ser consideradas aspectos extralingusticos, tal como qualquer outro aspecto da realidade exterior. Como

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    impurezas ou rudos, as alteraes nos modos de dizer so desconsideradas por comprometerem a correspondncia fiel da linguagem com a ordem do mundo (RECANATI, 1979). Justifica-se, ento, a afirmao da dicotomia entre expres-so e contedo, pressuposto da representao, presente nas modalidades de en-trevista que buscam extrair informaes claras e organizadas, independente da narrativa que as engendrou. Esto includas neste modelo todas as entrevistas que buscam, por exemplo, atravs de um processo de inquirio, provas que fundamentam ou comprovam um determinado fato ou acontecimento ocorrido. Por exemplo, na psicologia jurdica, o procedimento Depoimento sem Dano, voltado para a inquirio de crianas e adolescentes vtimas de abuso sexual, visa eliminar ao mximo as condies que possam interferir na produo de um relato fidedigno do fato investigado (ROVINSKI; STEINS, 2009, p. 72).

    Seguindo outra direo, a entrevista na cartografia no visa exclusivamen-te a informao, isto , o contedo do dito, e sim o acesso experincia em suas duas dimenses, de forma e de foras, de modo que a fala seja acompanhada como emergncia na/da experincia e no como representao. Esta iniciativa se torna possvel se lanamos mo da perspectiva pragmtica da linguagem que mantm a distino, mas sublinha a inseparabilidade, entre expresso e contedo (AUSTIN, 1990; DUCROT, 1987). Pois no trnsito entre esses dois planos que a dimenso gentica da linguagem entra em cena.

    O trnsito entre as duas dimenses envolvidas no processo (expresso e contedo) implica considerarmos a dimenso de foras (ou gentica) da lingua-gem, um plano coletivo de engendramento presente em ambos os planos. no entre, presente nas margens dos planos de expresso e de contedo, que o contato e interveno recproca se efetivam (DELEUZE; GUATTARI, 1995). Ou seja, nas margens desfocadas, dispostas ao lado das formas de expresso e das formas de contedo, circula a dimenso gentica da linguagem, dimenso movente, de constituio, que os pe os dois planos em relao de composio recproca, e, a partir do qual, coemergem o dizer e o dito.

    Ao considerarmos esse processo de coemergncia, garantimos para a lin-guagem dois efeitos que nos interessam fortemente na entrevista: primeiro, a in-gerncia dos fatos empricos sobre os signos, isto , efeitos da realidade ou do plano dos contedos sobre o plano da expresso e, segundo, a interveno dos signos sobre os fatos do mundo, a fora pragmtica da linguagem. No primeiro, vemos a insero do emprico, includa a a experincia, sobre os signos. Inge-rncia que complexifica as enunciaes que, no mais consideradas tradutoras neutras da ordem do mundo, podem ostentar em si os efeitos das variaes emp-ricas. Com isso, as irregularidades do dizer - a entonao: variaes de altura, ve-locidade, silncios, repeties - nada mais so do que efeitos diretos do plano dos contedos, ou seja, indicadores da presena da experincia na fala. O signo como forma pura, organizadora do mundo, desaparece em nome de signos sensveis aos acontecimentos. As variaes do dizer presentes no ritmo, entonao, tropeos carregam as intensidades da experincia. Os signos exalam os afetos ligados vida, que agora circulam juntos, modulando o dizer, produzindo a vivacidade da linguagem. O que queremos dizer que separada da vida, das irregularidades

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    presentes na dimenso intensiva, marginais expresso, a linguagem resta morta, destacada dos acontecimentos que nos interessam. As variaes do dizer passam a valer na entrevista como indicadores do contato imediato com as modulaes da experincia, correspondentes ao seu domnio ontolgico, plano das foras pro-vocador de desestabilizao, de rupturas, desvios. prprio linguagem portar o acontecimento (DELEUZE; GUATTARI, 1995).

    A circularidade intensiva entre os planos comporta, como dissemos, um segundo efeito, a atuao da dimenso da expresso sobre os contedos, fazendo com que os signos ganhem potncia pragmtica. A expresso estende-se sobre os contedos e permite que os signos, misturados aos objetos, toquem as coisas, ajam sobre os eventos do mundo. A palavra uma prtica, ato de fala e, como tal, possui dimenso performativa de produo, de transformao da realidade (AUSTIN, 1990; DELEUZE; GUATTARI, 1995). Ou melhor, o carter pragmtico no se confunde com as palavras, mas constri-se nos jogos de foras presentes nas suas margens, como seu pressuposto implcito (DUCROT, 1984). Por seu vis perfor-mativo, a palavra atua na experincia, pode instaur-la, modul-la. A entrevista intervm na experincia do dizer. So os efeitos dessa experincia compartilhada, produzida e ostentada na prtica linguageira da conversa em curso na entrevista, que a cartografia elege como seu objeto. Este segundo aspecto alude diretamente ao manejo da entrevista. frente voltaremos mais detidamente a este aspecto.

    A reciprocidade entre expresso e contedo na entrevista gera pistas sobre como operar para alcanar o alvo da pesquisa cartogrfica, seja em situaes de entrevista individual ou grupal. Proporemos, ento, trs diretrizes para lidar com a pergunta como entrevistar?: 1. a entrevista visa no a fala sobre a experin-cia e sim a experincia na fala; 2. a entrevista intervm na abertura experin-cia do processo do dizer; 3. a entrevista busca a pluralidade de vozes. Passaremos a discutir as escolhas a serem feitas diante de tais diretrizes voltadas construo/acesso experincia na entrevista.

    1 A entrevistA visA no A fAlA sobre A experinciA e sim A experinciA nA fAlA

    Na entrevista, a fala do entrevistado muitas vezes descreve sua vivncia numa perspectiva distanciada e desencarnada. Este distanciamento resulta de prticas e formas de vida pautadas na representao, produtoras da separao entre modos de dizer e o dito (expresso e contedo). Nesses casos, a entrevista visa intervir, por meio do manejo, para fazer com que os dizeres possam emergir encarnados, carregados da intensidade dos contedos, dos eventos, dos afetos ali circulantes. A fala deve portar os afetos prprios experincia.

    Ao conceber as relaes de determinao mtua entre expresso e con-tedo, priorizamos a experincia produzida na prpria fala que se manifesta em enunciaes constitudas no apenas por componentes lingusticos da frase lxico e sintaxe , mas tambm e, principalmente, por componentes extra-lingusticos como variaes de entonao, de ritmo e de velocidade somados a componentes como expresses faciais e corporais (GOBART, 1976; DEPRETO,

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  • A entrevista na pesquisa cartogrfica: a experincia do dizer

    1997). A escuta na entrevista deve acolher os mltiplos fatores determinantes do sentido presente na experincia do dizer em curso. Esses fatores, indicadores do comparecimento da dimenso do contedo, servem ao entrevistador como garan-tia de que o acesso imediato experincia est se efetivando.

    Isso nos autoriza a dizer que no est em jogo, na narrativa do entrevistado, a re-apresentao em palavras de ocorrncias que so externas entrevista. No h uma experincia em si, externa ao dizer, e que seria ento relatada pela dimenso neutra dos signos. Abandona-se aqui a referncia ao modelo representacional em que a linguagem atua como instrumento mediador, quase-transparente, entre a ex-perincia do entrevistado e sua fala. Ao contrrio, como vimos, a linguagem, esta-belecida na reciprocidade entre expresso e contedo, sofre a ao dos fatos e age sobre eles, ostenta em si a prpria a realidade e, portanto, pode produzir-se como experincia. A entrevista no funciona como procedimento que media o acesso experincia, ela se efetiva como tal. No lugar de descrever a experincia, de evoc-la como um referente externo, a entrevista a porta em si mesma. O que nos permite dizer que a experincia ali em curso fala na entrevista (TEDESCO, 2007).

    Vermersch (2000) fornece alguns indicadores da presena da experincia na fala.1 Em certos casos, nos diz o pesquisador, o deslizamento do olhar do en-trevistado pode indicar uma mudana de direo da ateno do mundo exterior rumo ao prprio processo da experincia. Do mesmo modo, a diminuio do ritmo das palavras e ainda falas entrecortadas de pausas e silncios tambm so indicativos da abertura construo da experincia em curso, uma vez que aquilo que est para ser dito no est predeterminado. Vermersch utiliza o termo palavra encarnada para se referir a essa fala que porta a experincia, uma linguagem viva, como apontamos acima. Diferentemente, a fala se fecha experincia quando, por exemplo, o sujeito exprime a convico sobre um ponto de vista, focando os dados informacionais em detrimento do processo ali em jogo. Da mesma forma, operam os discursos que demonstram preocupao intensa em responder correta-mente ao entrevistador. Por sua fixao em certo ponto de vista, por sua focaliza-o em contedos factuais, exemplificam situaes de menor abertura dimenso processual da experincia. Mas no s a fala do entrevistado que pode estar a servio da transmisso de informao. A escuta do entrevistador, por exemplo, se desconsidera os indcios do plano da expresso, tambm se transforma em vecu-lo para deteco de contedos determinados.

    Vejamos o exemplo de uma pesquisa (EIRADO et al, 2010) na qual se investigou o fenmeno das falsas lembranas, tal como definido por Loftus e Hoffman (1989) e Schacter (2003). A pesquisa foi realizada em duas etapas. Na primeira, os participantes realizavam um protocolo experimental2 e, uma semana depois, retornavam para uma entrevista acerca da experincia do proto-colo. A entrevista no estava interessada na adequao das respostas dos parti-cipantes ao protocolo anteriormente aplicado e sim na experincia do lembrar. Para tanto, teve como base a tcnica da entrevista de explicitao (RENAULT; PASSOS; EIRADO, no prelo).

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  • Silvia Helena Tedesco; Christian Sade; Luciana Vieira Caliman

    Era comum a entrevista ser vivida como situao de teste, o que gerava falas em que o participante demonstrava preocupao em justificar a (suposta) inadequao de sua lembrana. E como foi essa sequncia, essas figuras, esse passo a passo? (entrevistador), era encontro de amigos n! Eee... eu no me lembro direito da histria (essa ltima frase dita de forma rpida e em tom firme pelo entrevistado). Outras vezes, falas do tipo no consigo me lembrar! eram ditas num tom de voz cadente, indicando desistncia ou frustrao, como, por exemplo, na seguinte fala de um dos entrevistados,

    A quando veio perguntando qual era a cor do sof, a no vinha na minha mente, tinha uma l que eu tinha certeza n! A do CD, que eu tinha visto dois, eee a das horas que eu me lembro de confirmar eu botei nove, que eu tinha certeza que era... que era nove, agora (riso travado, sem graa) aquele trs me deixooou frustrado (baixando a voz, num tom abatido).

    A frustrao aparecia na prpria fala do entrevistado, no era um contedo independente da experincia da entrevista. Na sequncia, com o manejo do en-trevistador, percebemos certa modulao no setting, fazendo surgir um tom mais descontrado na fala do entrevistado, indicando uma maior abertura experincia da entrevista. S no sei se foi durante a refeio ou aps (entrevistado), Mas tinha copos? (entrevistador), tinha copos! s se a minha memria estiver fa-lhando (o entrevistado diz, rindo descontrado). Nesse momento, a fala sobre a memria no porta o sentido de desculpa ou frustrao. S lembro que tinha um pouquinho de comida em cada prato l... a eu tava falando ai meus Deus ser que eles no vo comer tudo no? (risos) ... a eu gostei do ... dessas imagens (entrevistado), voc gostou? (entrevistador), eu gostei, porque eu nunca tinha visto nada assim parecido n! (entrevistado).

    Falas contagiadas de surpresa, desconcerto ou espanto indicam mo-mentos em que a experincia se apresenta mais intensamente. Nunca tinha visto nada parecido n! no um enunciado sobre um contedo isolado, mas carrega o afeto, porta a processualidade da entrevista, que naquele momento marcada pela perplexidade diante da abertura dimenso da experincia anterior determinao de si e do mundo.

    A escuta dos signos da experincia permite ao entrevistador acompanhar a temporalidade da entrevista. Se o entrevistador prescinde das modulaes da fala, ele extrai o dito do plano da experincia, que lhe constitui efetivamente e que lhe caracteriza de forma singular, apreendendo o enunciado como referente, como um sentido pr-estabelecido. Essa separao ou binarizao entre os planos do contedo e da expresso que nos coloca escuta somente de informaes. Por exemplo, em uma entrevista sobre situaes de violncia, a fala do entrevistado pode vir cheia de indicadores da variao da experincia em curso, mas pode acontecer de o entrevistador no estar atento a estes e focar apenas o dado infor-macional: ele ficou triste, ele adoeceu, ficou revoltado, etc., semelhantemente ao que apareceria num questionrio. Se o entrevistador escuta no sei, no lem-bro, como um dado informacional, perde a experincia na qual essa fala emerge.

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  • A entrevista na pesquisa cartogrfica: a experincia do dizer

    Extraem-se informaes no formato de relato ao prescindir dos modos de dizer, ou seja, dos rudos, das imprecises, que caracterizam a variao do dizer. Do mesmo modo, os ndices de expresso perdero sua qualidade intensiva caso se-jam coletados atravs de protocolos fixos que os generalizam e assim os apartam da experincia em curso na entrevista, transformando-os em dados informacio-nais. Importa atentar para a experincia da entrevista presente nas modulaes do relato: qual o afeto que provoca a variao da fala? E ,ainda, dependendo do contexto, averiguar: o que est sendo dito quando o sujeito no est falando?

    Como foi dito, tomar a linguagem como prtica traz consequncias rele-vantes para o manejo da entrevista e, desse modo, aludimos segunda diretriz. Por meio do aspecto pragmtico da linguagem, o dilogo na entrevista assume seu aspecto intrnseco de interveno, respondendo pelo acesso/construo da experincia. preciso assumir que a fala do entrevistador no elicia um relato preexistente, ela atua, produz, modula o processo do dizer do entrevistado. Nesse sentido, dizemos que a entrevista no um procedimento para coleta de dados, mas sim para a colheita de relatos que ela mesma cultiva. Portanto, o dilogo precisa ser modulado, manejado atentamente. Para a pesquisa cartogrfica, esse carter de interveno da entrevista requer do pesquisador/entrevistador a atitude de cuidado. Eis um aspecto importante para a cartografia. Devido ao carter prag-mtico da linguagem, toda entrevista produtora de realidades, de experincias, consequentemente, preciso estar atento aos modos de proceder na construo da experincia ao longo da entrevista, a fim de promover sua abertura s variaes, s multiplicidades para impedir seu fechamento em perspectivas totalizantes. Isso aproxima a entrevista na cartografia bem mais do dilogo na clnica, do que das perguntas de um reprter ou jornalista que busca informao, por exemplo. O de-safio a ser continuamente trabalhado o redirecionamento ininterrupto das falas para que a vivacidade da linguagem seja privilegiada, alimentada, garantida por perguntas e comentrios que estimulem a plena circularidade das foras entre os dois planos da linguagem. Apenas seguindo na direo da ativao do plano gentico das foras, possvel entrevista desviar-se de funcionamentos que conduzam obteno exclusiva de informaes, que fechem o espectro da expe-rincia, e que, no limite, reduzam as mltiplas direes possveis simples busca de respostas precisas. A efetividade da entrevista na pesquisa cartogrfica est em utilizar-se da performatividade da linguagem para a construo de experincias no/do dizer mais suscetveis s variaes e indeterminao.

    Veremos a seguir que o manejo da entrevista, ao seguir o ethos da carto-grafia, privilegia a experincia construda nas falas, isto , prioriza a experincia da entrevista em detrimento da entrevista sobre uma experincia. Uma vez escla-recido que no existe um modelo fixo de entrevista cartogrfica, mas manejo car-togrfico da entrevista, apoiado na performatividade da linguagem, somos ento levados a enunciar a segunda diretriz.

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  • Silvia Helena Tedesco; Christian Sade; Luciana Vieira Caliman

    2 A entrevistA intervm nA AberturA experinciA do processo do dizer

    Tendo em conta a performatividade da entrevista como prtica que inter-fere diretamente sobre a realidade, precisamos estar atentos aos efeitos das inter-venes do entrevistador sobre a experincia do dizer em curso. Algumas falas podem contribuir para a abertura e diferenciao das questes, outras, para o seu fechamento. Se certos modos de perguntar, assim como certas modalidades de es-cuta, trabalham as variaes expressivas nas suas articulaes com os contedos, orientando a realidade da experincia em direo a uma maior abertura, outros, no entanto, seguem a tendncia coleta de informao, bastante forte na pesqui-sa, de modo que, nesse caso, o risco frequente reduzir ou eliminar as variaes na/da fala. Em situaes extremas, podemos mesmo encontrar entrevistadores que chegam a se incomodar com as variaes expressivas e perguntam de modo cortante: afinal, voc concorda ou no?. Dessa maneira, reduz-se num mesmo golpe as variaes expressivas, os volteios da fala, a amplitude da experincia. O manejo pode contribuir para que a fala surja o mais prximo de um sentido con-vergente e delimitado, ou promover a abertura, experincia de indecidibilidade, contribuindo para movimentar as questes.

    Isso ocorre porque, segundo os estudos da linguagem, as falas, as questes, portam pressupostos implcitos que enquadram a conversao (DUCROT, 1987; DELEUZE; GUATTARI, 1995). Por exemplo, toda pergunta tem por pressuposto gerar obrigatoriamente uma resposta, seja ela afirmativa ou negativa, correta ou incorreta. Toda ordem, por sua vez, pressupe sua obedincia ou desobedincia (DUCROT, 1984). Nessa direo, uma pergunta feita no contexto de uma en-trevista frequentemente possui o pressuposto de que h uma resposta correta a ser dada. Os pressupostos implcitos so foras que atravessam todo o plano do dizer, estendem-se tambm a todo plano de organizao da realidade na qual vi-vemos. Eles so determinados no apenas pela fala do entrevistador, mas tambm por outros fatores, tais como: entrevistas das quais o sujeito tenha participado, saberes politicamente estabilizados etc. Os pressupostos implcitos produzem, nas palavras, sentidos fortemente fixados, instaurando efeitos performativos de mando. So as palavras de ordem que nos dizem no que acreditar, esperar ou reagir (DELEUZE; GUATTARI, 1995). Elas operam por redundncia, achatando ou reduzindo os diferentes sentidos que atravessam a experincia, em prol de um sentido unificador. Delimitada pelos pressupostos implcitos, a fala surge como unvoca e necessria, no dando margem para outras possibilidades de sentido.

    tecendo resistncias a esse discurso unificador que importa menos res-ponder a questes do que sair delas (DELEUZE; PARNET, 1998). Quando in-terrogamos algum acerca de uma ao realizada, comum a pessoa expressar comentrios, opinies, julgamentos sobre a ao (VERMERSCH, 2000; PETIT-MENGIN, 2006). Ou seja, tais contedos so os que chegam mente de forma mais automtica e imediata. Nesse caso, preciso que a conduo da entrevista sirva ao encaminhamento do entrevistado para longe das palavras de ordem, o que pressupe um manejo menos diretivo. Vermersch (2000, p. 47), por exem-plo, recomenda que evitemos perguntas do tipo por que?, o que isso te faz

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    pensar?, que reforam a tendncia a formar um meta-discurso sobre a expe-rincia. Por outro lado, percebemos que preciso privilegiar perguntas do tipo como? e e ento?, que comportam maior grau de indeterminao e convidam o entrevistado a vagar mais amplamente pela experincia.

    Outro recurso para o manejo da entrevista em direo experincia pode ser a reformulao em eco (PETITMENGIN, 2006, p. 240). Se o entrevistado comea a tecer comentrios, avaliaes sobre fatos ou a expor apenas raciocnios, o entrevistador pode retomar a fala anterior mais afeita experincia, dizendo se eu compreendi bem, voc disse que naquele momento voc se deu conta que [...]. Para acompanhar e checar a reformulao feita pelo entrevistador, o sujeito precisar retomar sua experincia. Tais exemplos de relance produzem aumento nos graus de abertura, deslocando o entrevistado de um ponto de vista fechado. Eles no dirigem a nenhum contedo especfico: guiam sem dirigir.

    Como o guia de cegos, que conduz em uma direo que construda com o prprio cego durante a experincia de caminhar, os relances convidam o entrevis-tado a mergulhar na experincia ali em curso sem submet-la a um saber prvio, um juzo. A linguagem empregada nas intervenes do entrevistador seria a mais vazia de contedo determinado possvel, mas carregada de sentidos, de modo que o entrevistado se sinta convidado a seguir o fluxo de sentidos possveis provoca-do pelo relance, abrindo-se para a experincia em curso.

    O uso de perguntas que comportam um no saber contribui fortemente para esse mergulho, assim como falas que interrogam o que possui ares de evidncia. Outras propostas de entrevista indicam as vantagens da conduo menos diretiva para que o entrevistado possa se exprimir mais livremente, com sua prpria lingua-gem, trazendo pontos que ele julga relevantes (BRITTEN, 2009; FONTANELLA; CAMPOS; TURATO, 2006; FRASER; GONDIM, 2004; GASKELL, 2005). Em vez de usar um questionrio como orientao, por exemplo, perguntando Seu tratamento excelente, bom ou ruim, pode-se formular uma questo mais aberta: Como voc considera o seu tratamento? ou O que voc pensa sobre o seu tra-tamento?. As perguntas funcionam mais como um convite ao entrevistado para falar longamente, com suas prprias palavras e com tempo para refletir.

    A conduo flexvel e aberta interessa cartografia, contudo, pode no ser suficiente. Depende de que modalidade de abertura estamos considerando. De acordo com a bibliografia consultada (BRITTEN, 2009; FONTANELLA; CAM-POS; TURATO, 2006; FRASER; GONDIM, 2004; GASKELL, 2005), a menor diretividade muitas vezes utilizada para atingir um saber determinado, mas que estaria, at ento, inacessvel. Nessas ocasies, quando o entrevistador intervm, estimulando o entrevistado a falar com suas prprias palavras, o seu objetivo ajud-lo a expor melhor, mais detalhadamente, um saber implcito. Para a carto-grafia, no basta que a entrevista seja aberta a elementos novos e desconhecidos pelo pesquisador ou a conhecimentos tcitos pelo entrevistado, que, ento, pre-cisariam ser explicitados.3 No interessa cartografia que a interveno na en-trevista d passagem a um saber pr-estabelecido, e sim que promova a abertura ao plano coletivo de foras, sua indeterminao e potncia de criao. A no

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    diretividade insuficiente se a abertura proposta restringir-se exclusivamente dimenso de contedo do dizer, se for entendida como uma coleta ampliada de in-formaes. A no diretividade da entrevista na cartografia se define pela abertura experincia que acontece na inseparabilidade entre expresso e contedo, mais precisamente, ao plano gentico que os pe em contato.

    Na cartografia, a escuta acompanha a processualidade do relato, a experi-ncia em cuja base no h um eu, mas, sobretudo, linhas intensivas, fragmentos de sensaes, sempre em vias de constituir novas formaes subjetivas. Nesse sentido, a entrevista se aproxima de uma conversa. Usando a distino sugerida por Deleuze e Parnet (1998) entre conversa e conversao, diramos que a entre-vista funciona, no como uma conversao entre sujeitos pr-estabelecidos, mas como uma conversa, que procede por intersees, cruzamentos de linhas, agen-ciamentos coletivos de enunciao. Um som qualquer ouvido durante a entrevista ou uma fala aparentemente sem sentido podem disparar processos imprevistos. Questes aparentemente desconectadas com a conversa podem traar linhas de vizinhana ou de indiscernibilidade. Uma conversa no condicionada por espe-cificidades, ela se faz nos encontros (DELEUZE; PARNET, 1998).

    No incio de uma entrevista, por exemplo, comum usar o procedimento questo-resposta, at para deslanchar a conversa. Acolhemos o que entrevistado traz, deixamo-lo falar, interrogamos e ele responde, at que surja o momento pro-pcio para intervenes, desvios. O importante acompanhar as linhas, os mapas de intensidade, sempre espreita, como um surfista que fica na gua muito tempo espreita da onda e, quando ela vem, ele chega entre, se insere nas linhas de movimento (DELEUZE, 1992). A entrevista comea (acontece) de fato pelo meio. Dessa forma, ela opera em regime de contratao, isto , o acordo entre entrevis-tador e entrevistado para a realizao da entrevista deve ser continuamente reno-vado. Acolhemos as opinies, as palavras de ordem, que aparecem ao longo da entrevista, mas sem ficarmos fixados nelas, espreita, aproveitando os instantes de maior expressividade nos quais os modos de dizer ostentam em si as variaes, as rupturas de sentido, em continuidade com o plano gentico da experincia. Dessa forma, a entrevista segue linhas rizomticas, mais do que linhas arborescentes, binarizantes. A entrevista busca proliferar a questo mais do que obter informao (DELEUZE; PARNET, 1998). importante embarcar na conversa, tomando para si o assunto, deixando-se afetar por tudo o que ali est ocorrendo (fluxos de falas, ideias etc.) percorrendo com o entrevistado as diferentes linhas que esto sendo traadas. O manejo se efetiva como guia ao se inserir no movimento das linhas presentes nas falas. Frequentemente, no entanto, o contato com o fluxo da conver-sa encontra resistncias, que demandam interveno para dissolv-las.

    Vejamos o exemplo de uma situao de entrevista grupal, realizada num centro de ateno psicossocial (CAPS) da cidade do Rio de Janeiro, pela pesquisa para traduo e adaptao do guia de gesto autnoma da medicao (GGAM), instrumento desenvolvido desde 1999 no Canad para pacientes com transtornos mentais graves.4 Os participantes da entrevista colocavam-se lado a lado para a discusso de questes em torno do tema do uso da medicao psicotrpica, sendo o debate guiado (mas no dirigido) pelo moderador do grupo. Em um dos encon-

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    tros, uma usuria se queixava insistentemente de ter perdido os seus remdios. A moderadora no conseguia inclu-la na discusso com os demais, porque ela pare-cia no conseguir ouvir nada. Os outros participantes mostravam-se incomodados com a sua insistncia e tambm no se dispunham a ouvi-la. Eles lhe diziam que, para o seu problema, havia uma nica soluo: esperar at o dia seguinte. Por sua vez, uma tcnica do CAPs, que tambm participava do grupo, repetia a mesma indicao acerca do que se devia fazer nesses casos: todos os pacientes sabem que devem conferir os medicamentos quando os recebe. O grupo expressava que a nica forma de resolver o impasse era por meio da excluso da usuria do grupo. Nesse momento, a atitude da moderadora foi convidar a usuria queixosa a sair da sala para conversar. Aps repetir as mesmas frases por alguns instantes, a usuria olha para a moderadora e pergunta: voc acha que eu posso encontrar os remdios em minha casa?. A moderadora afirma que estar torcendo para que os remdios estejam perdidos na casa da usuria e que ela consiga encontra-los: Pela primeira vez ela permitiu que eu terminasse uma frase. Proponho que na semana seguinte ela me conte se encontrou os remdios. Parecendo um pouco aliviada, ela passa a repetir que na semana seguinte me contar o ocorrido, disse a moderadora.

    Nesse caso, o manejo interviu no apenas nos automatismos da usuria, que pde ouvir o que lhe estava sendo dito, mas tambm no grupo. A prpria tcnica tambm experimentou algo inusitado, que ela no havia considerado: sair da sala com a usuria. O manejo do grupo est atento aos pontos de vista cristali-zados para gui-los na direo da dissoluo (PASSOS; EIRADO, 2009), visando sempre assegurar a incluso e o compartilhamento das diferentes falas e aes no/do grupo. Acompanhando os movimentos do grupo, o manejo pode guiar as falas para outras direes, cujo caminho construdo ao caminhar, em vez de simples-mente cortar ou interromper as falas.

    Em outro exemplo, um usurio disse que no estava se sentindo bem, pois as vozes estavam lhe atormentando demais. Contou que, pouco antes do grupo, achara que no conseguiria sair do banheiro, tamanho o nervoso que sentia. Des-tacava que as vozes diziam que ele no era um ser humano, o que o deixava muito confuso. A moderadora assinalou: imagino o quanto difcil conviver com as vozes e discernir sobre o contedo delas, mas no grupo experimentamos vrias situaes em que voc se coloca como um ser humano. Vamos iniciar a leitura do caderno, pois esta atividade poder lhe ajudar um pouco. Ele concordou, mas afirmou que no estava em condies de conduzir a leitura em voz alta, como costuma fazer. Esse relance das questes para o prprio dispositivo grupal uma estratgia para dissolver falas cristalizadas.

    Seja numa entrevista grupal ou individual, o manejo guia em direo ex-perincia em seu plano coletivo de foras, para ensejar a criao de novas pers-pectivas. Para isso, importante que o manejo fabrique parcerias, intercessores (DELEUZE, 1992): No consigo me lembrar! (entrevistado)/ Tudo bem, se d tempo, no precisa se esforar para lembrar... (entrevistador), Vamos ini-ciar a leitura do caderno, pois esta atividade poder lhe ajudar um pouco (en-trevistador no exemplo acima). O manejo acompanha e guia o movimento da entrevista na medida em que quem maneja volta-se para a experincia ostentada

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    na fala do(s) participante(s), tendo em conta a circularidade intensiva entre expresso e contedo. O entrevistador habita o territrio da entrevista (ALVA-REZ; PASSOS, 2009) e o traa juntamente com entrevistado. O entrevistador tambm guiado nessa caminhada, pois rev suas expectativas, suas questes, a partir dos intercessores que encontra. Portanto, a entrevista se configura como uma conversa menos formal, menos montada ou armada, efetivando-se como um passeio,5 que segue mltiplos vetores, como o guia de cegos. A construo do setting promove, nesse caso, um plano de confiana mtua (ROLNIK, 1994), que permite a entrega e o engajamento na conversa.

    Orientados pela epgrafe citada no incio do texto, propomos que a entrevista no fomente respostas a questes pr-estabelecidas, mas a movi-mentao e coletivizao das questes investigadas e que envolva criao de novos sentidos e ideias, ao produzir diferenciaes, traando novas linhas de conversa, promovendo agenciamentos com outros coletivos. Vale construir questes, avivando-as com outras vozes, faz-las proliferar e diferir de si. E, assim, passamos para a terceira diretriz.

    3 A entrevistA buscA A plurAlidAde de vozes

    Propomos entrevistas que no alimentem binarismos, pelo contrrio, como j dissemos, vale aliar o manejo da entrevista a uma conversa definida como agen-ciamento coletivo de enunciao (DELEUZE; GUATTARI, 1995) ou discurso indireto livre (BAKHTIN, 1992), nos quais a composio entre discursos expe o plano intensivo, gentico da experincia. Interessam os momentos em que as enunciaes perdem a nitidez de seus contornos, misturam-se umas s outras num encadeamento misto de falas, na ausncia de autorias, identidades especificveis ou sentidos nicos e prefixados. Visamos acessar o entre falas. Os discursos so compostos a partir dos discursos de outrem, so oportunidades para que as vo-zes se misturem umas s outras. Nenhuma subjetividade, isoladamente, funciona como origem das falas ou como centro gerador da ideia. A noo bakhtiniana de discurso indireto livre nos serve para explicitar o carter dialgico da linguagem, ou seja, sua natureza heterognea decorrente da multiplicidade de dizeres que a compe (BAKHTIN, 1992). Segundo a pragmtica que propomos, todo discurso funciona como discurso indireto livre, definido como aquele que contm, a um s tempo, dois tipos de discursos, o discurso direto, do personagem, e o discurso indireto, do narrador, que, a princpio, apenas existiriam separadamente.6 A no-vidade desse conceito desrespeitar o binarismo entre discurso direto e discurso indireto para compor-se na polifonia de vozes, promovida pela mistura efetivada entre essas duas modalidades de enunciaes. Ele seria formulado pelo narrador, segundo seu ponto de vista, porm, portaria palavras e expresses que s pode-riam caber ao personagem. O discurso narrado infiltra-se no discurso do narrador, criando um tipo especial de elo entre as falas no qual interessam no as autorias, mas a indeterminao semitica e o processo de construo de novos sentidos. Ao levarmos ao limite a noo de discurso indireto livre, falamos da articulao, no apenas de dois, mas de inmeros discursos cuja interferncia recproca os coloca em relao como diferenas puras, impedindo o tratamento unificador das

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    tramas de enunciaes. No conjunto, cada enunciao interfere sobre as outras, altera o sentido da frase e, assim, garantido um sentido a mais, at ento inexis-tente. A composio plural de infinitos discursos constri-se como um coletivo de foras em continuidade com o plano gentico da experincia sobre as falas. Como exemplo de agenciamento coletivo de enunciao, o discurso indireto livre comporta potncia de criao de sentidos.

    Interessa entrevista na cartografia as interferncias recprocas entre as mltiplas vozes que, ao resistirem totalizao num sentido nico, criam dizeres como linhas de devir a serem acompanhadas (DELEUZE; GUATTARI, 1995). Vejamos alguns exemplos.

    Trata-se de uma pesquisa sobre linguagem realizada com trabalhadoras de uma cooperativa para gerao de renda.7 A cooperativa era voltada produo de refeies vendidas na forma de quentinhas. Em uma das entrevistas grupais, um problema relacionado ao cotidiano do trabalho foi levantado. O impasse dizia respeito a um forte desperdcio de alimentos que comprometia os lucros. As coo-peradas reconheciam um montante significativo de sobras no dia a dia, na confec-o das refeies. Os profissionais de nutrio, que trabalhavam na qualificao profissional dessas mulheres, lembravam constantemente da regra operada pelos restaurantes de jogar no lixo toda sobra de alimento, j que a reutilizao pelos funcionrios da cozinha poderia resultar num aumento significativo de sobras. Para as cooperadas era impossvel jogar fora um alimento que elas consideravam bom para o consumo, devido sua extrema carncia econmica.

    Num certo momento da terceira entrevista, em meio conversa, uma das cooperadas sublinha: preciso seguir quem sabe mais!. Solicita-se a manifes-tao de cada uma a esta colocao. A frase reverbera por todas e, ao ser repetida, sofre um processo de diferenciao criador no qual cada dizer ao mesmo tempo interfere e sofre interferncia dos outros dizeres, acrescentando algo, deformando os sentidos anteriores. Como discurso indireto livre, o fluxo de vozes fez agir a entonao do dizer, o plano da expresso, sobre plano dos contedos, iniciando um trabalho de desestabilizao do sentido inicial da frase. Primeiro, o sentido assertivo coexiste com o de resignao: mesmo isso!... s d pra seguir os tcnicos!. Nada seria possvel seno acatar a regra defendida pelos profissionais. Mais frente, a circulao das falas acrescenta um sentido a mais, surgindo um tom queixoso: P! essa gente sabida nos obriga a cada coisa.... A tomada de deciso atribuda a outrem e despotencializa a discusso. Aos poucos, o senti-do das falas oscila no intervalo entre lamria passiva e reclamao. Os sentidos proliferam e multiplicam-se as falas que seguem direes diversas e, aos poucos, passam a exalar certo tom de protesto. Num certo instante, a reclamao j se mostra como um misto de queixa e crtica: ... quero ver, esses tcnicos, que diz tudo, ouvir, feito ns, filho com fome!. A polivocidade do que dito ou ouvido impera e a relanamos para o grupo com um simples: Como assim?. O grupo reage. A queixa/protesto desvia-se numa pergunta, carregada de desconfiana: preciso mesmo seguir esses que sabe mais?. Nesse instante, a necessidade de intervir se mostra suprflua, o manejo deixa de estar centralizado no moderador do grupo, para revelar-se como manejo distribudo no qual se detecta o movimen-

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    to de autonomizao, aferida pela forte interferncia criadora entre as vozes.8 O burburinho propaga-se, ostentado entre pergunta, descrena e protesto. Detecta--se neste hibridismo, o germe de importante transformao, na medida em que o discurso no mais trazia exclusivamente desesperana, no era mais resignao impotente de minutos atrs e nem era s reclamao paralisante. Ele convocava tambm dvida, ou seja, impelia a duvidar sobre quem saberia mais. A legiti-midade da proposta inicial de aceitar a regra estabelecida por profissionais foi interrogada e, logo em seguida, uma enunciao seleciona apenas uma parte da colocao inicial e, assim, impe a emergncia de um novo sentido: Mas quem sabe mais?. A pergunta faz a discusso avanar: Quem pe pra frente a coope-rativa n tambm que sabe mais dela?. Essa fala gera inmeras propostas para soluo do impasse. Chega-se a uma deciso coletiva: as sobras no seriam joga-das no lixo, poderiam ser consumidas, porm, haveria controle do desperdcio: no dia a dia as sobras seriam pesadas e seu montante discutido em cada assembleia semanal. Ou seja, no conjunto de interferncias, resultado do agenciamento cole-tivo de enunciao um novo sentido foi gerado, uma nova norma de regulao foi construda pelo coletivo, assentando que o controle das sobras seria respeitado, porm no mais por meio do desperdcio de comida no lixo.

    Vale comentar dois aspectos do manejo, exercitado no acompanhamento do grupo. Um deles diz dos graus de abertura dos discursos. Como no estvamos tratando da combinao ou recombinao das respostas individuais j formula-das e sim de processos de criao, consequentemente, a discusso e, portanto, as falas, precisavam acontecer sem estarem circunscritas rigidamente aos limi-tes dos temas. Nos estudos sobre ateno, nos quais so trabalhadas noes de concentrao e focalizao, evidenciado que no processo de criao, interessa no a ateno focada num ponto. Os efeitos de desestabilizao e de desvio que buscamos exigem processos de encontro entre diversos, choques, breakdowns, desestabilizaes de crenas, de sentidos familiares (KASTRUP, 2004). So pro-cessos que se realizam bem mais nas margens do que no foco da experincia e cuja pertinncia nem sempre evidente, indicando que os discursos precisam cir-cular mais livremente. Eles perseguem rotas distantes dos eixos da representao, movidos por foras, pensamentos fora de lugar, percepes sem finalidade, re-miniscncias vagas, objetos desfocados e ideias fluidas (KASTRUP, 2004, p. 4). Os graus de abertura da discusso devem ser intensificados para que o processo siga os rumos da criao. Cabe ao moderador assegurar o acolhimento das falas sem desestimular as que aparentemente indicam desvios ou incongruncia em relao ao tema. Importa acatar as ideias fluidas, sem delimitaes claras, como efeitos dos momentos crticos, provocaes de sentidos sempre presentes, mas frequentemente imperceptveis. O moderador realiza intervenes, na forma de comentrios e relances para apontar, fazer escutar, a desestabilizao de sentidos que alimentam a processualidade da experincia.

    A segunda sugesto de manejo aponta para duas tendncias presentes na conversa e que devem ocupar a ateno do moderador: a conformidade entre as falas, ou seja, a busca de sntese harmnica em consensos fceis, e as polariza-es extremas. A finalidade no direcionar a ateno dos participantes a uma

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    temtica geral partilhada, pois a afirmao de um objetivo comum no faz superar o individualismo subjetivista. Ao mesmo tempo, apontamos que no na busca do consenso em torno de um problema que situamos o manejo. A experincia como processualidade se expressa nas variaes, nas rupturas instauradoras de novas configuraes. Tais modulaes vo depender de desvios produzidos na continuidade da discusso. E, como vimos, o dissenso que promove as que-bras de sentido e a emergncia de novas direes. No entanto, preciso cuidar para que as divergncias no sejam experimentadas como litgio a ser combatido, instalando enfrentamentos entre as posies discordantes. Logo, vale fortalecer parcerias, desmontar dicotomias hierarquizadoras (TEDESCO, 2010). Esses ins-tantes de incongruncia precisam receber ateno do moderador a fim de que se-jam acessados e relanados ao grupo para que reverberem e produzam, no atrito, o contgio das falas orientadas em novas direes. no encontro de heterogneos que emerge a efetiva dimenso do trabalho em grupo.

    O que importa no coletivo das falas a ativao do plano comum, que distinto do somatrio de indivduos, de um conjunto de relaes interpessoais. Ex-perimentar o coletivo aceder ao plano do impessoal, das diferenas coexistentes. Envolve um plano que s comum justamente porque atravessa a todos, mas no de ningum. comum por estar alm e aqum da dimenso pessoal, da dimenso das individualidades. No encontro entre diferenas irredutveis o coletivo se rea-liza. Neste exemplo da cooperativa, percebemos que o processo de diferenciao revelou-se no procedimento de reverso das linhas discursivas tendenciais, pela transversalizao com outras vozes, com linhas discursivas minoritrias.

    Tambm no grupo GAM o manejo buscava promover a coletivizao da experincia de uso da medicao sem homogeneiz-la (SADE et al., no prelo). Essa experincia do plano comum foi definida na pesquisa GAM como grupa-lidade e manifestava-se no esforo dos participantes para ajudar a criar novos sentidos para uma questo, por meio da pluralidade de vozes da experincia com-partilhada do dizer. Um usurio diz que toma o remdio para tentar controlar as vozes, mas que esse efeito no ocorre. Em seguida, ele pede para fazer uma pergunta: O que produz essas vozes que me acusam de ser o Guilherme de P-dua?. A moderadora relana a questo para o grupo, interrogando se todos no poderiam conversar mais sobre a pergunta: imagino que a causa das vozes seja a solido, acho que os aborrecimentos deixam a pessoa nervosa, a famlia perturba muito, impossvel ter sossego em casa. A moderadora assinala que os colegas estavam mostrando como so variados os motivos que provocam os problemas e tambm que cada um de ns tem a sua histria e suas questes: No seria possvel encontrarmos uma causa nica para as vozes que voc ouve (moderadora). O usurio consente com a cabea, mas demonstra no ter ficado satisfeito, explicando que precisa de uma resposta para isso.

    A ampliao da grupalidade no/do grupo se exprime por meio de relances cruzados, que ocorrem quando os prprios participantes acolhem as falas uns dos outros e lhes do encaminhamentos. O manejo, inicialmente localizado na figura do moderador do grupo, vai-se descentralizando, o que tambm vimos ocorrer no grupo da cooperativa. Sua gesto passa a ser compartilhada na medida em que

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    definida no acompanhamento de um processo, guiada pela experincia comum. O manejo assim denominado cogestivo (MELO et al., no prelo). As vozes dos pr-prios participantes, a partir da grupalidade, vo conduzindo o grupo. Se o manejo se distribui em funo de um processo de autonomizao grupal. A distribuio do manejo se faz ao longo da entrevista, um processo que depende do aumento dos graus de transversalidade do grupo para a grupalidade. Essa distribuio um ndice de sucesso do prprio manejo.

    O acesso a essa experincia comum e impessoal tambm o objetivo do manejo numa entrevista individual. Na pesquisa sobre as falsas lembranas ci-tada anteriormente temos exemplos de relatos que expressam essa polifonia da experincia. Acho que tinha uma pessoa de saia... de saia indiana, no tinha isso? (entrevistado)/ como que era essa saia? (entrevistador)/ eu no sei como que era no, agora que t me vindo azul eee, sei l, com poucos detalhes, mas pode ser qualquer cor, s lembro que tinha algum vestido de saia grande (risos)/ saia longa (baixando o tom de voz)... pode ser... sei l laranja, azul (voz baixinha)... agora t me vindo o azul, sei l coisa engraada (risos)! Eu nunca fui a um psiclogo (entrevistado). Esse expe a duplicidade do discurso na fala do entrevistado: laranja, agora t me vindo azul. Uma fala afeta a outra, produ-zindo uma indiscernibilidade de vozes que se distinguem mas no se separam, ostentando a alteridade presente no interior da experincia de si. O entrevistado entra em contato com uma dimenso no pessoal da experincia, na qual o eu no o centro organizador. O t vindo... expressivo de uma experincia que fala no sujeito, atravs dele, mas que o sujeito no sente como sendo sua proprie-dade (PETITMENGIN, 2006; 2007). O entrevistado se d conta dessa outra experincia nele, que normalmente acompanhada de estranhamento: coisa en-graada! Eu nunca fui a um psiclogo. Nessa pesquisa, assim como nas demais citadas acima, a explorao da experincia na/da entrevista era inseparvel de sua abertura s possibilidades de transformao.

    Vemos, portanto, nos exemplos da cooperativa, do grupo GAM, assim como da pesquisa sobre as falsas lembranas, que o manejo no operou em dire-o coleta de respostas individualizadas, mas sim para a abertura experincia polifnica do processo do dizer, inveno de novos sentidos, inflexo funda-mental do manejo cartogrfico da entrevista.

    concluindo

    Acompanhar a experincia do dizer, considerando e alimentando a circu-laridade intensiva entre os planos do contedo e da expresso, eis o desafio co-locado ao manejo cartogrfico da entrevista, eis o que buscamos na pesquisa dos processos que faz uso de entrevistas, sejam elas grupais ou individuais. Pensamos na entrevista como experincia compartilhada do dizer que, como vimos, em sua performatividade cria mundo, sempre. E ao assumir esse carter performativo da fala na entrevista que se torna fundamental pensar sobre que direo queremos seguir, que realidades queremos criar e potencializar em nossas pesquisas e como faz-lo. O manejo cartogrfico visa a, portanto, por meio do redirecionamento

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    ininterrupto das falas, de relances, perguntas e comentrios, alimentar e privile-giar a vivacidade da linguagem. A entrevista deve intervir na abertura ao carter intensivo da experincia do processo do dizer em curso, resistindo aos discursos unificadores e totalizantes. Ao fazer uso de entrevistas, interessa cartografia promover o acesso ao plano coletivo de foras e sua indeterminao, a pluralida-de de vozes na experincia compartilhada do dizer.

    Afirmamos com Deleuze e Parnet (1998), que a entrevista poderia ser sim-plesmente o traado de um devir. Vimos tambm que traar um devir no tarefa simples, exigindo de ns uma experimentao atenta e cuidadosa. Neste texto, traamos algumas diretrizes, compartilhamos experincias que tm nos auxiliado em nossas prticas de pesquisa, engendramos procedimentos para serem usados, transformados, adaptados. Sabemos, no entanto, que muitas questes relevantes, no que diz respeito ao uso de entrevistas na pesquisa cartogrfica, no foram aqui trabalhadas e merecem ser desenvolvidas em outro momento.

    Uma delas diz respeito escolha do uso da entrevista na pesquisa dos pro-cessos. Por que a entrevista e no outro dispositivo de pesquisa? A entrevista, por lidar diretamente com a experincia do dizer e por seu carter performativo, seria um dispositivo privilegiado para acompanhar e acessar a experincia? Quando no h conversa/entrevista no h interveno compartilhada?

    Outra questo diz respeito ao setting no qual a entrevista ocorre. Ao lon-go dos encontros no campo de pesquisa, no caf, no corredor, mesmo no pre-tendendo fazer uma entrevista, conversamos com as pessoas. Quando comea a entrevista? J no estaramos entrevistando? Ao fazer o convite por telefone para uma conversa posterior, j no teramos iniciado a entrevista e o acesso experincia compartilhada do dizer? Na atualidade, deparamo-nos ainda com ferramentas como Skype, Facebook e internet de forma geral, que possibilitam o contato no presencial com o outro. possvel entrevistar por Skype? Em que medida e como a experincia do dizer em curso transformada e interferida pela tecnologia utilizada? Como considerar essa especificidade?

    Alm de interrogarmos sobre o incio de uma entrevista, tambm indaga-mos sobre seu trmino. Quando termina uma entrevista? Quase sempre gravamos e transcrevemos a conversa realizada, anotamos impresses durante a entrevista, que depois sero compartilhadas com o grupo de pesquisa. A experincia de ouvir a entrevista ou ler coletivamente a transcrio interfere tanto na reconfigurao do problema de pesquisa quanto no grupo que passa a ter acesso experincia compartilhada do dizer. Estaramos, com isso, ampliando os limites temporais e espaciais da situao de entrevista?

    Importa, ainda, interrogar sobre os desdobramentos da entrevista na escri-ta. Como narrar uma entrevista? Como e o qu deve ser transcrito? Como cons-truir uma narrativa cuja expresso porte a experincia da entrevista e tambm a experincia da anlise compartilhada com o grupo de pesquisa? Estas e outras tantas questes apontam para a importncia de continuarmos atentos, experimen-tando e criando possibilidades de acessar e acompanhar o que visamos: o coletivo de foras como plano da experincia cartogrfica.

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  • Silvia Helena Tedesco; Christian Sade; Luciana Vieira Caliman

    notAs1 Pierre Vermersch (2000) o formulador de uma proposta de entrevista, chamada entrevista de explicitao, que traz contribuies para a cartografia. O objetivo da entrevista de explicitao descrever em detalhes uma ao realizada, no em sua dimenso prescritiva de normas e regras, mas em seu aspecto procedural, no o que eu fiz, mas o como eu fiz. Esse saber-fazer, contudo, no facilmente verbalizvel e seu acesso requer um mergulho na experincia. Nesse sentido, a entrevista de explicitao nos interessa, pois ela apresenta instrumentos que servem investigao de processos e atos, mais do que de objetos dados.

    2 O protocolo era baseado no modelo proposto por Belli (1989) e consistia em trs etapas. Na primeira, os participantes assistiam uma apresentao de slides, cujas imagens contavam a histria de um encontro entre amigos num apartamento. Em seguida, eles resolviam problemas lgicos (tarefa distratora). Na segunda etapa, era apresentada a mesma histria numa narrativa, onde alguns elementos desta estavam trocados. Havia, por exemplo, um relgio na parede que marcava nove horas, mas na narrativa constava que eram trs horas. Novamente os participantes resolviam problemas lgicos. Ento, eles respondiam a um questionrio acerca do que tinham visto nos slides. O objetivo do protocolo experimental era produzir falsas lembranas, que seriam detectadas no questionrio.

    3 nesse sentido a crtica de Renault, Passos e Eirado (no prelo) entrevista de explicitao. Segundo os autores, na entrevista de explicitao h o pressuposto da existncia de uma realidade vivida que independente da experincia mesma da entrevista, chamado vivido de referncia. Refere-se a uma ao realizada. Esse vivido referncia para a conduo dos relances do entrevistador. A entrevista, portanto, teria um alvo previamente definido (o vivido de referncia) para ser explicitado.

    4 Trata-se da pesquisa Autonomia e direitos humanos na perspectiva em primeira pessoa de tcnicos e usurios em servios de sade mental: a experincia da Gesto Autnoma da Medicao (GAM), articulada com o projeto multicntrico UNICAMP-UFF-UFRJ-UFRGS Pesquisa avaliativa de sade mental: instrumentos para a qualificao da utilizao de psicofrmacos e formao de recursos humanos. O dispositivo grupal GAM objetivava a experimentao do GGAM, o compartilhamento da experincia dos efeitos desejveis e indesejveis no uso de psicofrmacos e posterior adaptao do guia. As conversas no/do grupo foram conduzidas a partir da leitura do GGAM e, nesse processo, foi sendo construda a sua adaptao para a realidade brasileira. O grupo GAM um dispositivo que utiliza a leitura e discusso do GGAM para fomentar a autonomia e protagonismo dos usurios de psicofrmacos no seu tratamento, ponto importante da reforma psiquitrica brasileira (ONOCKO CAMPOS et al., 2012).

    5 A ideia de passeio compartilhado, sem direes estabelecidas a priori e nem decididas por algum dos participantes, pode ser encontrada nas tcnicas de acompanhamento teraputico. Para maior detalhamento ver Arajo (2007).

    6 O discurso direto caracteriza-se pelo relato da enunciao de algum em que a forma original mantida, isto , a fala de outrem repetida sem qualquer mudana. J o discurso indireto, ocorre quando o que dito por algum reproduzido segundo o ponto de vista do narrador. A forma pronominal a da terceira pessoa e o uso de termos de ligao obrigatrio. Neste caso, a enunciao atribuda ao narrador que relata a fala do outro, com suas prprias palavras e expresses. O discurso direto e o discurso indireto permitem a identificao da autoria da fala, seja no narrador, seja no narrado. Diferentemente, o discurso indireto livre expe-se como composio hbrida dessas duas modalidades de discurso.

    7 O relato mais amplo desta pesquisa foi apresentado em trabalho anterior. Para maior detalhamento, ver Tedesco (2010).

    8 Normalmente as entrevistas grupais possuem a figura do moderador como responsvel pela conduo. A questo do manejo da entrevista em grupo ser melhor apresentada seguir.

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    Recebido em: 05 de maio de 2013Aceito em: 10 de julho de 2013

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