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III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DESENVOLVIMENTO REGIONAL Território, Capital Social e Desenvolvimento Regional
Sessão temática 1: Territórios divididos: Heteronomia e Capital Social
A FORMAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL EM SANTA CRUZ DO SUL/RS
A PARTIR DOS PADRÕES MORFOLÓGICOS DE
ORGANIZAÇÃO ESPACIAL André de Souza Silva 1
Robriane Lara 2
Resumo
Investigar de que modo se estruturam os diferentes níveis de organização sócio
espacial na cidade de Santa Cruz do Sul RS é o escopo desta pesquisa. Neste
sentido, assumese que a configuração espacial urbana condicione parte do
comportamento social devido à autonomia do ambiente construído em relação às
inúmeras influências do meio e constância ao longo do tempo. Fundamentos
conceituais e teóricos inerentes à Sintaxe Espacial (Hillier e Hanson, 1984) são
utilizados para modelar, mensurar e simular o sistema de espaços públicos da
cidade e sua relação com a solidariedade orgânica e mecânica postulada por
Durkheim (1973). Os resultados alcançados indicam a existência de interrelação
entre a estrutura espacial urbana e o modo como as pessoas se apropriam
conjuntamente dos espaços públicos. A possibilidade de capturar a essência da
organização sócioespacial, bem como as abordagens e contribuições de diferentes
áreas do conhecimento, é ainda uma questão em aberto para a construção do
conceito de Capital Social. Deste modo, fazse necessário suscitar novos
questionamentos sobre a possibilidade do Capital Social ter uma abordagem mais
sistêmica e adotar conceitos multidisciplinares, sobretudo as contribuições dos
estudos configuracionais urbanos.
1 Arquiteto e Urbanista (UNISINOS), Doutorando e Mestre em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR/UFRGS); Professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URISantiago). Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Programa de PósGraduação em Planejamento Urbano e Regional – PROPUR Rua Sarmento Leite, 320 – 5º andar – sala 510 – Centro – CEP 90050170 – Porto Alegre – RS. Email: [email protected]
2 Arquiteta e Urbanista (UNISINOS); Mestranda em Desenvolvimento Regional (PPGDR/UNISC). Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Programa de PósGraduação em Desenvolvimento Regional – Mestrado e Doutorado. Av. Independência, 2293 – Bairro Universitário – CEP 96815900 – Santa Cruz do Sul – RS. Email: [email protected]
2
1. A interrelação da lógica social do espaço e a formação do
Capital Social: fundamentação conceitual e teórica
Propõese um recorte específico do estudo dos padrões de organização social tão
somente por meio da análise da configuração espacial urbana, centrandose nos
fundamentos conceituais e teóricos inerentes à Sintaxe Espacial em consonância
com a formação do Capital Social na cidade de Santa Cruz do Sul, tomada como
estudo de caso. Isto significa que o enfoque adotado irá demonstrar em que medida
a integração sócioespacial, entendida como a base física da formação do Capital
Social, pode ser influenciada direta ou indiretamente pela configuração espacial da
forma urbana. Cabe salientar que o modo pelo qual o enfoque conceitual e teórico
pode vir a contribuir para responder a questão proposta é uma decorrência natural
da escolha do instrumental metodológico. Neste sentido, será abordado detidamente
o fenômeno urbano da formação do Capital Social sob o ponto de vista
configuracional, não se propondo a incursões sobre outros condicionantes (culturais,
econômicos etc) que também têm seu peso junto à problemática.
Embora se pretenda examinar a dimensão físicoespacial urbana da formação de
padrões de organização espacial, fazse necessário um breve apanhado sobre o
conceito de Capital Social adotado entre diferentes autores. De acordo com Baquero
(2003) a noção de Capital Social ainda não é um conceito unânime, há mais
divergências do que consensos em relação ao papel que o Capital Social tem (ou
não) no fortalecimento democrático. Níveis elevados de Capital Social geram normas
de cooperação e confiança, reduzem os custos de transação e atenuam a
intensidade de conflitos. Putnam (1997) ressalta que pesquisas empíricas têm
confirmado que as normas e redes de engajamento cívico (Capital Social) podem
melhorar a educação, diminuir a pobreza, controlar o crime, propiciar o
desenvolvimento econômico, promover melhores governos e até reduzir os índices
de mortalidade. Em estudo sobre a democracia italiana, Putnam (1996) apresentou
que a qualidade da governança é determinada pelo nível de Capital Social dentro de
uma região. Na mesma linha de análise, Fukuyama (1995) sustenta que a habilidade
de cooperar socialmente depende de hábitos, tradições e normas anteriores, as
quais servem para estruturar o mercado. Para esses autores é mais provável que
uma economia de mercado tenha sucesso em virtude dos estoques de Capital
Social. Se esse Capital Social á abundante, então tanto o mercado como a
3
democracia prosperarão e o mercado pode, de fato, incidir no desenvolvimento de
uma sociabilidade que reforça as instituições democráticas. Para Coleman (1990)
Capital Social é gerado como um corolário de envolvimento dos indivívuos em
atividades que exigem sociabilidade. Os laços sociais e as normas podem ajudar as
pessoas a se tornar mais educadas, encontrar empregos e acumular capital. Com
isto Coleman reconhece, através de seus estudos, a importância dos laços sociais e
culturais.
Partindo do princípio de que cada sociedade requer diferentes tipos de coesão social,
Durkheim (1973) distinguiu dois princípios de solidariedade social: a solidariedade orgânica, baseada na interdependência por diferenças sociais de um grupo; e a solidariedade mecânica, baseada na integração por semelhanças sociais de um grupo. A solidariedade orgânica requer um espaço integrado e denso, enquanto que a solidariedade mecânica requer um espaço segregado e disperso. Durkheim (1973), em sentido estrito, localizou a causa das diferentes variáveis de solidariedades no
espaço, i. e., a dependência recíproca dos vínculos sociais. Em síntese, o espaço
estabelece modos de solidariedade social e estes são em troca um produto da
estrutura da sociedade.
Com base nos estudos de Durkheim (1973), Hillier e Hanson (1984) sustentam que
cada sociedade possui grupos espaciais de pessoas que vivem e se locomovem em grande proximidade umas com as outras, e grupos transespaciais cujo agrupamento de pessoas não depende da proximidade espacial, embora possa coincidir com um grupo espacial. Hillier e Hanson (1984: 2652) consideram que as sociedades se organizam em espaços com um maior ou menor grau de agregação e separação,
gerando padrões de movimentos e encontros. Estes espaços são compostos pelo
ambiente construído urbano, no qual cada parcela da sociedade assume um padrão
reconhecível de organização espacial.
Diante do exposto acima, se verifica o quanto a base da teoria da Sintaxe Espacial
possui convergência com os fundamentos de Capital Social. Isto porque, seja qual
for o meio de formação de Capital Social, desde as relações familiares, trabalho,
atividades culturais, associações comunitárias etc, este depende, mesmo que
indiretamente, de relações físicas espaciais para ocorrer. Como a sociedade
necessita de um suporte espacial para existir, a forma construída urbana pode ser
um dos condicionantes que tende a influenciar a aglomeração de pessoas em
4
determinadas áreas da cidade, a concentração de atividades e a continuidade de
usos dos espaços, em última instância, a formação do Capital Social propriamente
dito.
É uma ilusão imaginar que a sociedade exista abstratamente, uma vez que as
relações sociais são espaciais. A sociedade é o próprio espaço, ou seja, parte
integrante da cidade. Não há uma estratificação social e outra físicoespacial. Um
dos efeitos da organização espacial é a formação do Capital Social. Isto significa
que o ambiente construído é um processo cumulativo cultural que ao longo dos
tempos, revela a história e os costumes da sociedade em que nele está inserida.
O Capital Social está diretamente relacionado com a experiência urbana voltada à
prática da urbanidade, que envolve aspectos diversos da vida social, tais como a
maneira de se comportar e relacionar em público. O Capital Social gerado no espaço
urbano se estrutura a partir de códigos diversos, muitos dos quais são formais (leis,
regulamentos) enquanto outros são informais, mas não menos importantes. A
urbanidade é responsável pela formação, manutenção e enriquecimento contínuo de
diversos códigos sociais e pode, dessa maneira, constituirse em instrumento de
educação social, de progresso civilizatório. Considerando que o Capital Social pode
ser heterogêneo e diversificado, a urbanidade (vida pública) nas cidades serve como
modo de reconhecimento dessa variedade, de conscientização a respeito de
diferenças sociais e desenvolvimento de tolerâncias (KRAFTA, 2006).
Dos estudos da espacialização e forma do ambiente construído urbano
(configuração espacial e morfologia urbana), Hillier e Hanson (1984) desenvolveram
os conceitos da Sintaxe Espacial a fim de possibilitar estudos das relações espaço
versus sociedade. Os estudos consideram a existência de uma lógica social definida
e fortemente vinculada à morfologia urbana. Este aspecto subentende a formação
de Capital Social, uma vez que a configuração espacial urbana possui relação com
unidades de vizinhança. Moradores de uma mesma unidade de vizinhança na
cidade tendem a compartilhar semelhantes modos de vida, conjunto de hábitos,
memórias coletivas, marcos referenciais e coesão social com forte caráter identitário.
Parte desses elementos são vinculados à cidade enquanto forma física e lugar da
coletivização arraigados ao Capital Social.
A Sintaxe Espacial foi concebida para representar as malhas urbanas através de um
conjunto sucessivo de espaços, sendo possível reduzir a complexidade de sua
5
configuração a uma característica básica sua dimensão linear. Sintaxe Espacial
define a malha urbana como um sistema de linhas que une origens e destinos, onde
o movimento pode acontecer de todas as origens a todos os destinos. O movimento
ao longo destas linhas compõe a rede que será determinada substancialmente por
medidas sintáticas, tais como integração global, integração local com limitação de
profundidade, conectividade, controle, inteligibilidade, profundidade, força do núcleo
de integração, dentre outras. Em relação ao conceito de acessibilidade, Hillier e
Hanson (1984) substituem a medida métrica pela topológica 3 e adotam o conceito de
linha axial para a descrição dos espaços públicos. As linhas axiais 4 , utilizadas para
calcular a integração do sistema, podem ser definidas como a maior extensão
possível em linha reta entre espaços convexos 5 . Entendese como espaços
convexos, a relação de irrestrita visibilidade e domínio dentro do próprio espaço. Isto
significa que todos os espaços podem ser vistos de qualquer outra parte do espaço,
independentemente de onde a pessoa esteja localizada. A decomposição da rede de
percursos em linhas axiais é representada pelo mapa axial, o qual consiste no
conjunto do menor número das maiores linhas retas capazes de cobrir todos os
espaços convexos do sistema.
As propriedades configuracionais do espaço urbano são descritas a partir de duas
dimensões básicas: a organização global (axialidade) e a organização local
(convexidade). A organização global está mais relacionada com a presença e o movimento natural de pessoas estranhas ao sistema como um todo, enquanto a organização local está mais relacionada com a apropriação e concentração de pessoas familiarizadas com partes do sistema. Examinando de que modo a
integração é distribuída ao longo da malha urbana em níveis globais e locais, se
pode ter a noção de como as cidades com diferentes configurações de espaço geram
o que Hillier (1997) chamou de Campos de Encontros, i. e., padrões de movimento
criam possibilidades de interação social, de trocas, e de vida comunitária (HILLIER et al, 1993; HILLIER, 1997; PEPONIS et al, 1997). Conseqüentemente, espaços urbanos de qualquer cidade são vistos como instrumentos que potencializam as
relações sociais (HILLIER, 1997 apud DAWSON, 2003: 37.4).
3 Medida que independe de relações métricas e/ou geométricas. 4 Axialidade é a máxima extensão do espaço urbano de uso público numa dimensão; referese a extensibilidade global máxima das linhas do sistema, i. e., até que ponto alguns lugares podem ser correlacionados para formar um espaço unificado. 5 Convexidade é a máxima extensão do espaço urbano de uso público em duas dimensões; referese a extensibilidade local a todos os pontos que podem conformar um lugar unificado.
6
Em princípio, qualquer experiência urbana subentende uma experiência em potencial
de formação de Capital Social. Assim sendo, morar, trafegar, comprar, trabalhar, são
experiências urbanas de forte cunho social. A experiência de apreciar a paisagem
enquanto trafega, ver pessoas enquanto compra etc, depende fundamentalmente da
forma do ambiente construído da cidade, que pode, então, ser avaliada desde o
ponto de vista da formação do Capital Social como Campos de Encontro (KRAFTA,
2006).
2. Construção do mapa axial e aferição das medidas sintáticas: o
método adotado
No que tange à análise da configuração espacial da cidade, foi utilizada a técnica de
Sintaxe Espacial, particularmente útil em termos de comparações dos diferentes
espaços que compõem o sistema de ruas da cidade. A análise das principais
medidas sintáticas a partir do mapa axial da cidade possibilitou compor um quadro
atual no que diz respeito às formas de apropriações e relações sociais, assim como,
inferir sobre as tendências de organização e apropriação espacial.
Com base no mapa digitalizado de todas as ruas da cidade, foram traçadas as linhas
axiais, de modo que representassem a estrutura contínua destes espaços abertos.
As linhas axiais foram interrompidas a cada deflexão, i. e., a cada mudança de
direção entre espaços convexos. O mapa axial foi então rodado no modelo
computacional Axman 6 . Ressaltese que o algoritmo 7 matemático processou mais de
1615 linhas axiais, sendo que o cálculo deste número de matrizes de acessibilidade 8
somente foi possível com o auxílio computacional. O emprego do mapa axial como
recurso auxiliar de expressão gráfica da estrutura espacial da cidade determinou
uma facilidade operacional para fins de comparações. Esse método simplificou a
complexa rede de espaços contínuos da cidade em partes que pudessem ser
analisadas.
A análise sintática do mapa axial produziu dois tipos de resultados: dados numéricos
dos parâmetros relacionais entre espaços, e dados gráficos na forma de mapas de
6 Modelo de análise da configuração espacial da malha urbana desenvolvido na Bartlett School of Architecture and Planning University College London. 7 Um algoritmo é um método preciso de cálculo ou avaliação quantitativa, cuja aplicação conduz a resultados e soluções exatas (CHADWICK, 1973: 178; NOVAES, 1982: 19). 8 Acessibilidade foi medida calculando os caminhos mais curtos em termos do menor número de mudanças de direção.
7
linhas com gradação de cores conforme seus valores de integração. Graficamente a
estratégia mais informativa foi observar no mapa axial a distribuição dos espaços,
desde o espectro vermelho (linhas na cor preta) para os mais integrados, até o azul
(linhas na cor cinza claro) para os menos integrados. Isso permitiu formar um quadro
visual de como a integração se distribui no sistema espacial da cidade por inteiro
(HILLIER et al, 1993).
Cumpridos os procedimentos anteriores e após os esclarecimentos de ordem geral,
procedese agora à descrição e efetiva análise da configuração espacial urbana da
cidade de Santa Cruz do Sul e sua relação com a formação do Capital Social.
3. Análise Sintática da estrutura espacial urbana de Santa Cruz do
Sul e os padrões de organização sócioespacial: resultados obtidos
A organização global de sistemas espaciais – domínio do visitante – estruturase a
partir da maior ou menor facilidade em linha reta de se unir as partes (espaços
convexos) do sistema. Deste modo aumentamse as probabilidades dos encontros,
tanto a partir das relações dos moradores entre si, quanto entre os moradores e
visitantes ao sistema espacial considerado (RIGATTI, 1993: 8992). Verificouse,
pela gradação de cores das linhas, que o mapa de Integração Global possui uma
maior intensidade no centro geométrico do sistema da cidade, tendendo a níveis
mais baixos de integração à medida que se aproxima da periferia, principalmente em
relação aos quadrantes sudeste, sudoeste e nordeste (mapa 1).
8
MAPA 1: Mapa de Integração Global de todo o sistema de Santa Cruz do Sul, com valores de integração de 0,3650 até 1,0972 (Fonte: obtido no software Axman; original SILVA, 2004: 119)
Os valores da medida de integração encontrados variam de 0,3650 até 1,0972, com
integração média de 0,7009, o que denota um sistema relativamente integrado
globalmente, que tende a favorecer a copresença das diferentes categorias de
pessoas independentemente do grau de conhecimento espacial das diferentes áreas
que compõem o sistema. Verificouse então a força do núcleo de integração 9 das
1615 linhas axiais da cidade a qual corresponde aos 10% dos espaços mais
integrados, i. e., 162 linhas, cujo valor da medida encontrada é de 1,3738. Ao se
9 Comparandose este valor com os valores de outros trabalhos (por exemplo, LOUREIRO et al, 1995: 23 e 27) se verifica que a força do núcleo de integração sintática de Santa Cruz do Sul apresenta uma razoável diferenciação entre a média de Integração Global da cidade (0,7009) e a média do núcleo de integração (0,9629).
9
comparar a força do núcleo de integração (1,3738), assim como, a média das linhas
que compõem o núcleo de integração (0,9629) com a média de Integração Global da
cidade (0,7009) se percebe claramente que o núcleo de integração reforça as
características de hierarquia na Integração Global, i. e., acentua os aspectos
relacionais com outras áreas da cidade (mapa 2).
MAPA 2: Núcleo de integração da cidade de Santa Cruz do Sul, com valores de 0,8278 até 1,0972 (Fonte: obtido no software Axman; original SILVA, 2004: 124)
A organização local de sistemas espaciais estruturase fundamentalmente nas
porções do espaço de uso público (espaço convexo). Estes espaços são delimitados
pela configuração das barreiras (edificações, muros, cercas, taludes etc)
conformadoras do conjunto do espaço público a partir do qual se pode identificar
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partes (espaços convexos) do sistema espacial (RIGATTI, 1993: 8992). A medida
local carrega a noção de fixação, pois se refere ao domínio dos espaços por seus
moradores. A diferenciação de distribuição sintática observada em relação às linhas
da cidade, sob o ponto de vista da organização local, padroniza as áreas limítrofes
localizadas nos quadrantes norte e sul. Isso implica numa menor diferenciação de
orientação espacial, que tende a privilegiar os deslocamentos dos moradores nas
áreas mais afastadas do núcleo de integração. Cabe destacar que esta condição de
segregação sintática observada indica uma precondição de formação de áreas intra
urbanas, além de estabelecer uma boa relação de vizinhança entre estas e o próprio
núcleo de integração da cidade. Em contrapartida, o quadrante nordeste nas
proximidades do núcleo de integração é uma área relativamente integrada, ocupada
em boa parte por estratos sociais de mais alta renda, moradores dos bairros
Higienópolis, Verena, Santo Inácio e Jardim Europa.
A forma do núcleo de integração se aproxima à de uma malha ortogonal com
algumas poucas deformações, cuja característica mais marcante é a distributividade
das linhas mais integradas, tanto no sentido norte/sul quanto leste/oeste. A malha
ortogonal pouco deformada do núcleo de integração denota uma estrutura global
forte, na qual se verifica a máxima integração interna em oposição à mínima em seu
entorno. Ao ser circunscrito um círculo no conjunto de linhas que compõem o núcleo
de integração, se verifica que muitas das principais linhas estão contidas dentro
desta figura geométrica. Como a figura de um círculo é a forma geométrica mais
econômica na relação área e perímetro (maior área no menor perímetro possível)
isto significa que o núcleo de integração possibilita alcançar o maior número de
espaços na menor distância topológica possível. Neste caso, a delimitação física do
núcleo de integração tende a diferenciálo das demais áreas do sistema,
fortalecendo sua distinção como área central. Interessante observar que em grande
parte, as linhas do núcleo de integração da cidade coincidem com a noção de área
central, tanto em relação ao senso comum das pessoas, quanto em relação ao
zoneamento feito pelo Plano Diretor da cidade.
Num primeiro momento os dados do mapa axial permitiram uma análise global do
sistema da cidade e de seu núcleo de integração. Entretanto, fazse necessária a
descrição local do sistema vinculada à análise global. As propriedades locais são
estabelecidas basicamente pela medida de Conectividade e Controle. A medida de
11
Conectividade referese à soma da quantidade de linhas conectadas diretamente a
uma outra linha, segundo as descrições (linhas, espaços convexos, trechos, arcos)
utilizadas para determinar os espaços públicos e privados. A medida de Controle
expressa o grau de escolha que cada linha representa para seu vizinho imediato, ou
o grau de dependência de acesso de um espaço em relação aos outros espaços do
sistema. Ou seja, correspondente às possibilidades dos espaços serem escolhidos
como parte de um percurso preferencial, considerando todas as possibilidades de
deslocamento de um espaço para todos os demais.
A Conectividade média para a cidade é de 3,9331. Isto significa que cada linha se
une em média a outras quatro linhas. No geral, a cidade apresenta uma certa
dispersão na distribuição da Conectividade, sendo definidos dois setores: um setor
mais concentrado onde estão as linhas mais conectadas, que corresponde às linhas
do núcleo de integração; e um setor com linhas pouco conectadas, que abrange
praticamente todo o restante da cidade (mapa 3).
12
MAPA 3: Mapa de Conectividade de todo o sistema, com valores de 1 até 35 (Fonte: obtido no software Axman; original SILVA, 2004: 128)
Em relação à medida de Controle se constatou que das 1615 linhas pertencentes ao
mapa axial da cidade, cerca de 400 linhas controlam mais de 50% das linhas de
toda a cidade. Tratase de um sistema pouco concentrado em relação à medida de
Controle, cujos valores encontrados para a cidade variam de 0,0286 até 11,8586
(mapa 4).
13
MAPA 4: Mapa de Controle de todo o sistema, com valores de controle de 0,0286 até 11,8586 (Fonte: obtido no software Axman; original SILVA, 2004: 130)
O mapa de Controle não exibe muitas novidades em relação ao que já foi mostrado
no mapa de Conectividade, tendo em vista que a medida de Controle é diretamente
calculada a partir do número de conexões de linhas vizinhas e adjacentes, e não
apenas as conexões da linha em si. Portanto, tratase (Conectividade e Controle) de
medidas fundamentalmente recíprocas, cuja medida de Controle apenas possibilita
uma noção mais abrangente da probabilidade de acessar estas linhas a partir das
demais linhas que compõem o seu entorno imediato. Em outras palavras, são
medidas que possibilitam entender o local com base no próprio local.
14
A análise do mapa axial da cidade em relação às medidas de Conectividade e
Controle permite verificar que, embora o sistema de linhas da cidade apresente a
medida de Controle bastante distribuída, há algumas linhas axiais bem conectadas
ao norte e ao sul da cidade. Isto significa que o quadrante norte e principalmente o
quadrante sul são áreas potencialmente propícias à formação de novas unidades de
vizinhança e bairros. Os mapas indicam que a distribuição do sistema tende a se
deslocar no sentido do quadrante sul, principalmente ao longo da Av. Euclides N.
Kliemann (linha 23). Isto confirma as cogitações a respeito desta área ser
potencialmente a formadora de novos núcleos urbanos do sistema, pois suas
medidas locais também possuem uma boa Integração Global.
A partir da análise do mapa axial de toda a cidade é possível inferir algumas
tendências do sistema relacionadas à formação do capital social. Áreas integradas
globalmente costumam ser associadas à animação urbana gerada pela
superposição de percursos e atividades levadas a cabo pelos agentes sociais no
espaço urbano. Lugares animados e globalmente integrados tendem a reunir num
dado momento um grande contingente de pessoas que, para desenvolverem suas
atividades normais, utilizamnos. É notória a preferência que pessoas dispensam
aos lugares urbanos animados, tais como áreas centrais, praças, parques em virtude
de sua animação e coesão social. As atividadesfim são de consumo, de lazer, mas
a experiência urbana concomitante é alimentada pela animação (KRAFTA, 2006).
O espaço público pode ser, e é continuamente, meio para realização dos mais
variados tipos de movimentos sociais. Comícios, passeatas, paradas, desfiles,
eventos esportivos, protestos, etc são atividades de forte coesão social que ocorrem
no cotidiano e se referem à organização da sociedade e qualificam a experiência
urbana. A configuração espacial fomenta e reforça redes de solidariedade e de
coesão social necessárias ao desenvolvimento da sociedade. O sistema urbano de
Santa Cruz do Sul, desde esse ponto de vista, pode ser considerado de um lado em
termos do ambiente construído que define um tipo de espaço onde o controle da
atividade é prioritário. A forma do ambiente construído pode tanto ser um espaço
conservador, voltado à reprodução da sociedade segundo padrões estabelecidos,
quanto se caracterizar pelo inverso, sendo o lugar da atividade não controlada, da
espontaneidade e do anonimato (conforme observado anteriormente). Em condições
como estas, o surgimento de novos modos de relação social pode ocorrer tanto em
15
espaço integrados ou não, e, assim, tornase um espaço com potencial criador, um
espaço de produção da dinâmica social correspondente à forma do espaço
(KRAFTA, 2006).
Hoje, devido a Integração Global das linhas, praticamente todos os bairros da cidade
convergem para a área central ou para as suas proximidades. Como conseqüência,
o movimento em direção a este núcleo de integração tende a aumentar à medida
que surgem novas áreas que não concentram atividades suficientes a ponto de
concorrem com a área central. Deste modo, há um contínuo processo de reforço da
acessibilidade à área central devido às transformações morfológicas ocorridas ao
longo dos anos.
Contudo, se verifica que a expansão horizontal da cidade está gradativamente
gerando uma maior fragmentação e descontinuidade espacial, assim como tende a
diminuir sensivelmente as possibilidades de contatos com a área central. Em termos
práticos, o arranjo espacial destas áreas mais afastadas e, portanto, mais
segregadas do sistema, resulta em maiores deslocamentos das pessoas às
atividades das quais necessitam. Porém, quanto mais afastadas estas novas áreas
estiverem do núcleo de integração (desde que mantenham uma boa articulação
global) maiores serão as possibilidades de concentrarem comércios e atividades que
atendam às necessidades dos moradores, fomentando a formação de novas
unidades de vizinhança com forte coesão social capazes de diminuir a necessidade
de deslocamentos diários das pessoas a grandes distâncias. Este processo de
centralização funcional e morfológica e de formação de Capital Social se deve aos
condicionantes impostos pela configuração espacial urbana, como já fora visto, e
tende a ocorrer no quadrante sudeste da cidade ao longo das linhas mais acessíveis
vinculadas ao núcleo de integração da cidade. Deste modo, a médio e longo prazo,
a morfologia influencia a dinâmica urbana que tenderá a ocorrer não mais em função
de um único centro polarizador, mas em função da articulação de vários núcleos
funcionais integrados em unidades de vizinhança. Deste modo, a forma e o
crescimento urbano possuem uma dinâmica própria que refletem os valores de toda
a sociedade.
16
4. A sociabilidade da vida espacial: considerações finais
Em meio a diversas abordagens possíveis deste fenômeno urbano, a partir de
diferentes áreas do saber e, na medida em que o conhecimento é a soma das
contribuições dos diferentes pontos de vista a respeito de um mesmo fenômeno,
esta pesquisa contribui junto às ciências sociais, aplicada na formação de um
mosaico interdisciplinar de análise dos padrões de organização social no espaço
urbano de Santa Cruz do Sul.
Num momento em que tantas áreas do saber discorrem sobre o Capital Social, é
importante também analisar criticamente a cidade sob o ponto de vista de sua
configuração espacial. Com isso, se abre o campo das alternativas de
questionamento, análise e entendimento em torno da influência recíproca de
cooperação entre sociedade e espaço. Isto significa que a cidade passa a ser
entendida como um processo sistemático da dialética sócioespacial de adequação
da forma urbana às necessidades das pessoas, que por sua vez passa a influenciar
o comportamento associativo destas.
17
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