A Funcao Materna Na Teoria de Winnicott

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  • A FUNO MATERNA

    NA TEORIA DE WINNICOTT

    Giovana Grison

    Novembro, 2012

  • UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS

    CURSO DE PSICOLOGIA

    A FUNO MATERNA

    NA TEORIA DE WINNICOTT

    Trabalho apresentado como requisito parcial para

    Concluso de Curso de Graduao em Psicologia, sob

    orientao da prof. Dra. Tnia Maria Cemim Wagner.

    Giovana Grison

    Caxias do Sul, 2012

  • SUMRIO

    Pgina

    RESUMO 05

    INTRODUO 06

    OBJETIVOS 09

    REVISO DE LITERATURA 10

    A funo materna winnicottiana: dos primrdios origem terica 10

    A falha da funo materna 21

    MTODO 24

    Delineamento 24

    Participantes ou Fontes 24

    Instrumentos 25

    Procedimentos 25

    Referencial de Anlise 26

    RESULTADOS E DISCUSSO 28

    CONSIDERAES FINAIS 36

    REFERNCIAS 38

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1. Unidade de Sentido: Funo Materna 28

  • RESUMO

    O presente trabalho objetivou descrever a funo materna, segundo a teoria de

    Winnicott, em relao organizao psquica de uma criana e estabelecer articulaes

    entre esta funo e a personagem Eva do livro Precisamos falar sobre o Kevin (2007). O

    interesse por esta pesquisa surgiu a partir da compreenso da importncia do primeiro

    vnculo me-beb no entendimento do desenvolvimento, relaes e interaes do ser

    humano. A elaborao deste trabalho foi proceder em dois momentos: os conceitos da

    teoria winnicottiana relacionados com a funo materna e as possveis falhas desta funo

    durante o desenvolvimento do beb. um trabalho que se utilizou o mtodo qualitativo, a

    partir de uma anlise de contedo. O tratamento dos dados est baseado no estudo

    minucioso do contedo das palavras e das frases, procurando o sentido e as intenes das

    ideias principais, extraindo sua significao (Laville & Dionne, 1999). A teoria

    winnicottiana pauta a relao me-beb no processo maturacional juntamente com o

    ambiente em que a criana est inserida. Quem propicia este ambiente a me. Os

    resultados apresentados correspondem unicamente s verbalizaes da personagem Eva.

    Procurou-se aqui fazer associaes/relaes entre a funo materna representada por Eva e

    os aspectos que Winnicott considera importantes a respeito do desenvolvimento e

    organizao psquica da criana. A partir de algumas percepes apresentadas e discutidas,

    considera-se que a personagem no foi capaz de exercer a funo materna adequada, no

    sendo vista como uma me suficientemente boa, conforme Winnicott.

    Palavras-Chaves: Psicanlise Winnicottiana, Funo Materna, Desenvolvimento Infantil.

  • INTRODUO

    O entendimento da psique humana permeia os estudos durante todo o curso de

    formao em Psicologia. Ao passar por todas as etapas do desenvolvimento, desde a

    infncia at o envelhecimento, percebe-se a importncia de compreender o funcionamento

    dos sujeitos, bem como o contexto onde vivem, estudam, trabalham e mantm suas

    relaes pessoais e laborais. Esta compreenso cresce medida que se avana no curso e

    ao chegar a sua reta final, questiona-se qual seria a melhor maneira de finalizar os estudos,

    aprofundando um tema que se destaca nas inmeras disciplinas cursadas. Esta escolha est

    no que alguns tericos definem por Funo Materna. A seleo no foi fcil, uma vez que

    muitos assuntos so pertinentes para compreender a importncia da psicologia nos dias

    atuais, bem como a funo do psiclogo em meio a tantos acontecimentos no dia-a-dia dos

    seres humanos. Porm, compreende-se a importncia do primeiro vnculo me-beb no

    entendimento do desenvolvimento, das relaes e das interaes dos homens.

    A partir desta escolha, a elaborao deste trabalho foi construda em dois

    momentos: os conceitos da teoria winnicottiana relacionados com a funo materna e as

    possveis falhas dessa funo durante o desenvolvimento do beb.

    Para tanto, utiliza-se o referencial terico da Psicanlise, por identificao com a

    teoria e, tambm, por entender que a mesma preconiza a importncia da primeira infncia,

    considerando a noo de sujeito constitudo a partir do Outro e o investimento narcsico

    dos pais para a constituio da organizao psquica da criana (Zornig & Levy 2006).

    Conforme Winnicott (1958/1997), o beb e a me no podem ser estudados

    separadamente, uma vez que existe uma extrema dependncia emocional por parte da

    criana, aos cuidados que lhe so fornecidos.

    Apesar dos escritos de Freud, sobre a infncia, basearem-se em anlises de

    pacientes adultos, quando ocorre a passagem do desenvolvimento do princpio do prazer

    para o princpio de realidade, descreve que o sujeito que at ento negava a realidade,

    passa a concretiz-la a partir dos cuidados que recebe da me (Winnicott, 1960a/1990).

    A organizao psquica da criana depende, entre tantas coisas, da relao que

    estabelece com o seu cuidador. nesta organizao psicolgica que a criana desenvolve a

    capacidade de relao com o mundo externo. O papel que este cuidador, na maioria das

    vezes a me, exerce denominado de funo materna (Cecatto, 2008).

    A funo materna muito mais do que suprir apenas as necessidades biolgicas.

    Ela auxilia na constituio do psiquismo do sujeito, d o senso de identidade atravs da

  • identificao primria, apresentando as sensaes de prazer e mostrando maneiras de

    satisfaz-las. A teoria freudiana considera que fundamental que exista um cuidador

    disponvel que atenda a demanda do beb para que ocorra registros de satisfao. Estes

    registros iro fundar o aparelho psquico do sujeito.

    Ao aprofundar os estudos psicanalticos, identificou-se a teoria de Winnicott, a qual

    estabelece uma relao fundamental entre o papel exercido por este cuidador e o

    desenvolvimento do beb. Assim, esta teoria preconiza a ideia da vinculao que ocorre

    entre aquele que exerce a funo materna e o beb que espera os seus cuidados, como

    sendo organizador do desenvolvimento psquico, maturacional e biolgico da criana.

    Para Winnicott (1960/1997), o cuidador que ir desempenhar este papel,

    denominado de funo materna, ser aquele considerado suficientemente bom, tendo como

    funes: identificar-se com o seu beb (holding), auxiliar na formao de uma parceria

    psicossomtica na criana e apresentar objetos os quais daro incio capacidade de

    relacionamentos para o beb.

    Winnicott iniciou seus estudos observando crianas, num contexto mdico, devido

    a sua formao como pediatra. Interessou-se pelos estudos freudianos, por volta de 1923,

    onde tambm iniciou suas observaes, organizando uma compreenso psicanaltica desde

    a infncia at a idade adulta (Shepherd, Johns & Robinson, 1997).

    Ainda conforme esses autores, por Winnicott trabalhar observando mes e bebs

    que passavam pela sua prtica hospitalar realizou contribuies singulares e incomuns aos

    estudos da psique humana. Apesar do olhar winnicottiano ter partido da sua viso mdica,

    por sua formao em pediatria/psicanlise, a observao da constelao me-beb

    possibilitou que ele organizasse alguns detalhes deste comportamento de forma nica,

    integrando a constituio psquica do sujeito.

    Ao discorrer a respeito da importncia desta vinculao, optou-se por trabalhar com

    uma obra de fico literria, que apresenta esses contedos da Psicologia, facilitando a

    compreenso atravs de exemplos. Acredita-se ser uma maneira de associar a teoria com a

    prtica, para que se possa compreender a prxis da Psicologia.

    Deste modo, foi escolhido o livro Precisamos falar sobre Kevin, de Lionel Shriver

    (2007) para trabalhar qual seria o lugar da funo materna na organizao psquica do

    sujeito. Esta associao partiu aps a leitura do livro que composto de cartas da

    personagem principal Eva, ao seu marido Franklin, falando sobre a relao deles, a deciso

    de ter um filho, os sentimentos durante a gestao, o nascimento da criana e seu

    desenvolvimento at a adolescncia.

  • Acredita-se que compreender as responsabilidades parentais na estruturao

    psquica dos sujeitos ajudar a entender a importncia da teoria escrita por Winnicott no

    tocante funo materna e importncia do desenvolvimento saudvel do beb.

    A compreenso desta relao auxilia o trabalho da psicologia na medida em que

    possibilita perceber as possveis falhas da vinculao, os aspectos constituintes do

    psiquismo do beb e a funo exercida pela me e/ou pelo pai. Baseado neste

    entendimento, possvel que se estabelea relaes com o comportamento nas relaes

    escolares e sociais deste indivduo, possibilitando um olhar diferenciado e um possvel

    entendimento de suas atitudes.

    importante salientar que neste estudo no ser trabalhada a funo paterna, apesar

    de se compreender a extrema importncia observada durante os estudos em Psicanlise,

    pois optou-se em focar os estudos apenas em relao funo materna.

    A partir do exposto, assim ser abordado o conceito de funo materna na teoria

    winnicottiana, a falha desta funo e se procurar estabelecer articulaes entre a funo

    materna winnicottiana e a personagem Eva do livro Precisamos falar sobre o Kevin

    (2007).

  • OBJETIVOS

    Objetivo Geral

    Descrever a funo materna, segundo a teoria de Winnicott, em relao organizao

    psquica de uma criana.

    Objetivos Especficos:

    Apresentar a funo materna na teoria de Winnicott e a sua importncia na

    organizao psquica de uma criana.

    Estabelecer articulaes entre a funo materna winnicottiana e a personagem Eva

    do livro Precisamos falar sobre o Kevin (2007).

  • REVISO DE LITERATURA

    A funo materna Winnicottiana: dos primrdios origem terica.

    Os estudos sobre a infncia fazem parte da histria da Psicanlise como uma de

    suas marcas permanentes. Desde o incio, Freud analisou as lembranas dos primeiros anos

    de vida de seus pacientes. Atualmente, a maneira como os pacientes falam sobre sua

    infncia e o modo como est gravada no psiquismo, determina a sua prpria constituio.

    (Zavaroni, Viana & Celes, 2007). Conforme a teoria freudiana, a constituio subjetiva

    fundada a partir da relao com o outro (Zorning, 2008).

    No texto escrito por Freud, em 1905 Trs ensaios sobre a teoria da sexualidade

    aparecem exemplos sobre a amamentao e a satisfao do beb ao experimentar essa

    sensao de prazer, ou seja, no se trata apenas uma nutrio provinda do leite materno,

    mas tambm da relao afetiva entre a me e o seu beb. Em 1914 Guisa de Introduo

    ao Narcisismo, alerta a respeito do investimento parental em relao ao desenvolvimento

    da criana, que antecipa o sujeito antes mesmo do seu nascimento (Zorning, 2008).

    As publicaes de Winnicott sugerem uma abordagem baseada no amadurecimento

    humano. Nela aparecem aspectos de sade mental relacionados com a primeira infncia,

    envolvendo os processos de maturao e a relao com as condies ambientais

    necessrias (Santos, 1999). Como ele mesmo afirma, precisa de uma teoria que seja do

    desenvolvimento fsico e psquico do beb, no ambiente em que vive (Winnicott,

    1968/1999).

    O ambiente suficientemente bom facilita o desenvolvimento da criana e a falha

    deste implica no crescimento emocional perturbado nos processos de maturao.

    Winnicott se concentra em sua experincia clnica, juntando informaes de diversos

    autores e organiza sua prpria teoria (Winnicott, 1945/1982).

    Winnicott (1960/1997) acredita que quando o par me-beb tem uma boa relao, o

    ego da criana ser muito forte, pois est sendo apoiado e reforado, desde muito cedo, em

    todos os aspectos, sendo capaz de desenvolver defesas. Os bebs bem cuidados

    rapidamente estabelecem-se como pessoas (p.24).

    A psicanlise winnicottiana contribui para o entendimento desta relao e, em um

    de seus artigos, Winnicott analisa a situao do parto e o efeito das relaes entre mdico,

    paciente e enfermeira. (Winnicott, 1957/1999)

    O autor considera que uma me dever estar ciente da transformao que o

    nascimento do beb far em todos contextos de sua vida: pessoal, de relacionamentos,

  • parental e familiar. Diz tambm que importante salientar que a mulher encontra-se em

    um estado muito especial, assim como o pai e a criana. O estado da criana ao nascer

    depende dos cuidados bons ou ruins que iro acontecer. (Winnicott, 1957/1999)

    O processo de interao e vinculao da me com o seu beb acontece inicialmente

    atravs da amamentao. Independente se for com o seio ou utilizando uma mamadeira,

    ambas sero maneiras de o beb experimentar um contato fsico ntimo com a sua me. Ela

    oferece esse ambiente facilitador para a criana, que inicia a construo da sua sade

    mental, fora de carter e riqueza da personalidade (Winnicott, 1968/1999).

    A troca de olhares entre me e beb, no incio do desenvolvimento independe do

    uso do seio ou da mamadeira, porm, importante destacar que o cheiro, o gosto e a

    experincia sensorial ir diferir, o que no impede o beb que no ser amamentado pelo

    seio, de superar essa desvantagem. Esta capacidade sensria desenvolvida atravs dos

    objetos transicionais que sero conceituados logo abaixo (Winnicott, 1968/1999).

    Os determinantes que esto presentes nesta relao me-beb esto relacionados s

    caractersticas psicolgicas da genitora e da criana, s relaes afetivas e da famlia, o

    seu histrico como mulher, filha, cuidadora (Iungano e Tosta, 2009, p. 101) entre outros

    aspectos, pois a satisfao que ela sente, ao alimentar o seu beb, est ligada as suas

    prprias experincias como beb (Winnicott, 1968/1999).

    No texto de 1945, Desenvolvimento Emocional Primitivo, Winnicott mostra seu

    interesse primariamente no paciente infantil (Winnicott, 1945/1982, p. 269),

    descrevendo as relaes iniciais de um beb, em torno de 5 e 6 meses, com a sua me.

    Enfatiza a diferena entre o desenvolvimento fsico e psquico do beb, ressaltando que

    muitos avanos fsicos s sero possveis mediante a permisso do desenvolvimento

    emocional do beb.

    No exemplo, em que o beb capaz de segurar um objeto, lev-lo boca e ento

    deixar cair este objeto, Winnicott (1945/1982) acredita que o beb j capaz de perceber

    que sua me tem um interior, que pode ser rico ou pobre, bom ou ruim, ordenado ou

    confuso (p.273), ou seja, est mostrando uma preocupao com a me, a sua sade e o seu

    humor.

    A teoria winnicottiana pressupe a existncia de duas mes: me-ambiente e a me-

    objeto que representam a diferena do cuidado, para o lactente, nesta fase da vida. A me-

    objeto estaria relacionada aquela que possuidora do objeto parcial que satisfaz as

    necessidades urgentes. A me-ambiente recebe toda a feio e a coexistncia sensual, deve

    ser emptica com o beb, receber os gestos espontneos dele e se alegrar com isso. O beb

  • desenvolve a capacidade de se preocupar quando, na sua mente, as duas mes se unem.

    (Winnicott, 1963a/1990)

    a capacidade de se preocupar que o autor considera relacionada com toda a base

    do brinquedo e do trabalho construtivo. Acontece quando a relao me-beb j uma

    unidade estabelecida e o lactente sente a figura materna como uma pessoa completa, um

    objeto total; e, pressupe uma organizao complexa do ego (Winnicott, 1963a/1990).

    fundamental examinar os sentimentos e a personalidade do beb, no estdio

    localizado anteriormente aos 5 meses (Winnicott, 1945/1982).

    importante destacar, como afirma Winnicott (1945/1982), que a poca em que

    iniciam as relaes objetais indefinida, ainda mais quando se observa bebs pr-maturos

    e ps-maduros, pois no se sabe ao certo quando iniciou o desenvolvimento emocional.

    de grande valia lembrar que o desenvolvimento primitivo do beb como a pessoa total que

    ele , vitalmente importante, pois onde se encontra o esclarecimento da psicopatologia

    da psicose.

    Winnicott aborda que quando a me se utiliza do seu ego, como auxilio ao cuidado

    do lactente, possibilita-o de viver e se desenvolver, apesar de no ser capaz de controlar ou

    se sentir responsvel pelo que acontece de bom ou mau no ambiente (Winnicott,

    1962/1990). Em sua teoria, a principal razo no desenvolvimento do lactente que faz o

    lactente habitualmente se tornar capaz de controlar, e o ego de incluir, o id o fato do

    cuidado materno, o ego materno complementando o ego do lactente e assim tornando-o

    forte e estvel (Winnicott, 1960a/1990, p.41).

    No incio, a personalidade do beb no integrada e a localizao do self (conceito

    que ser descrito posteriormente) est no prprio corpo. O lactente e o cuidado materno

    formam uma coeso. Os processos iniciais do desenvolvimento, que aparecem em destaque

    no texto sobre o desenvolvimento primrio so os de integrao, personalizao e a

    realizao. (Winnicott, 1945/1982; 1990).

    A teoria winnicottiana aborda que a integrao inicia no comeo da vida e este

    fenmeno acontece por conta de duas experincias: a tcnica do cuidado infantil atravs

    do qual a temperatura do beb mantida, ele manipulado, banhado, embalado e nomeado

    e, tambm, as experincias pulsionais agudas que tendem a tornar a personalidade uma a

    partir do interior (p.276); no meio ambiente em que a criana est, aquilo que est ao

    alcance de sua viso ou olfato so agrupados em um local s chamado de me. A

    integrao gradativa, e parte de um estgio primrio no-integrado (Winnicott,

    1945/1982).

  • A personalizao o desenvolvimento do sentimento de que se est dentro do

    prprio corpo, ou seja, a experincia pulsional e as repetidas e tranquilas experincias de

    cuidado corporal (Winnicott, 1945/1982). A convivncia entre a psique e a soma.

    Com o acontecimento da integrao e da personalizao, surge o que Winnicott

    (1945/1982) denominou de realizao, ou a adaptao realidade. Entendida como a

    apreciao do tempo e do espao, a relao primria com a realidade externa. O beb

    alucina que quer o seio, como algo que ir satisfazer seus mpetos pulsionais. Ao entrar em

    contato com o mamilo de sua me, ele percebe ser aquilo que estava alucinando. Assim

    suas ideias so enriquecidas por detalhes reais de viso, sensao e cheiro e, da prxima

    vez, este material ser usado na alucinao(p.279). Dentro deste conceito de realidade

    externa, Winnicott trabalha outros conceitos importantes para a compreenso deste

    trabalho que so a fantasia e a iluso.

    Na fantasia do beb as coisas acontecem por mgica e no tem freios, assim o amor

    e o dio podem ter efeitos assombrosos. J a realidade externa contm freios e pode ser

    estudada e conhecida, auxiliando na tolerncia da fantasia quando se est em contato com

    uma realidade objetiva bem apreciada. A fantasia mais primria que a realidade e o

    enriquecimento da fantasia com as riquezas do mundo depende da experincia de iluso

    (Winnicott, 1945/1982 p.280).

    importante salientar que a quantidade de iluso depende de como este mundo

    autocriado foi capaz de usar objetos percebidos do mundo externo. Se estes objetos foram

    retidos no estado primitivo, ele se comportar de acordo com as leis mgicas: existe

    quando desejado, se aproxima quando aproximado e machuca quando machucado,

    desaparecendo quando acaba o desejo (Winnicott, 1945/1982).

    Ainda, Winnicott (1945/1982) compreende que estes passos so apenas um esboo

    do desenvolvimento do beb, no seu contato com a realidade externa e a fantasia com a

    realidade. Porm, necessrio que exista o contato da realidade e a alucinao do beb

    juntamente com a iluso, para que o beb as entenda como idnticas, mesmo que na

    verdade no as sejam. Como ele mesmo diz, a me apresenta para a criana o seio real no

    exato momento em que o beb est pronto para cri-lo (Winnicott, 1959/1975).

    Assim, esta iluso ocorre de maneira saudvel na mente do beb, j que um ser

    humano traz a realidade de maneira compreensiva, limitada e adequada s suas

    necessidades. Com isto Winnicott refora que um beb no pode existir sozinho,

    psicolgica ou fisiologicamente, necessitando realmente de uma pessoa que cuide dele

    (Winnicott, 1945/1982 p.281).

  • importante complementar que o processo de amamentao da criana passa por

    duas etapas: a primeira, quando a criana ainda no est suficientemente desenvolvida para

    a agresso e aquela em que a criana j tem o impulso de morder. Neste perodo que

    inicia algo importante que diz respeito crueldade, aos impulsos e utilizao de objetos

    desprotegidos(Winnicott, 1968/1999 p.26).

    A me que sobreviver aos ataques do beb quando ele morder, arranhar, puxar

    seus cabelos ter um beb que encontrou significados para a palavra amor, surgindo a

    capacidade de fantasiar, objetificando a me e a colocando em um mundo a parte da

    criana, tornando-a til. A sobrevivncia do objeto a base do desenvolvimento saudvel

    (Winnicott, 1968/1999).

    A capacidade de ilusionar e fantasiar e at de pensar, podem estar associadas s

    experincias funcionais, descritas por Winnicott (1951-1953/1975) no artigo intitulado

    Objetos Transicionais e Fenmenos Transicionais). Neste texto, o autor aborda os temas

    da primeira possesso do beb denominada de no-eu, dos fenmenos e objetos

    transicionais, do simbolismo, retoma o conceito de iluso e desiluso e fala sobre a me

    suficientemente boa.

    Este estdio do beb, classificado por Winnicott como uma rea intermediria de

    experimentao, entre o subjetivo e o que objetivamente percebido, possibilitado

    atravs dos fenmenos transicionais e dos objetos transicionais. Ele ressalta que a

    importncia, aqui, est pautada no objeto real, sua realidade e no no seu valor simblico

    (Winnicott, 1951-1953/1975).

    Os termos objeto e fenmenos transicionais foram utilizados por Winnicott para

    definir o que acontece no perodo entre o erotismo oral e a verdadeira relao de objeto,

    entre a atividade criativa primria e a projeo do que j foi introjetado (Winnicott,

    1951-1953/1975, p.14).

    Os fenmenos transicionais podem ser definidos, segundo a teoria winnicottiana,

    como o balbucio do beb e a maneira como crianas maiores entoam canes e melodias

    antes de dormir juntamente com a maneira com a qual o beb lida com objetos que no

    fazem parte de si e ainda no os reconhece no externo. Este momento intermedirio, de

    experimentao dos fenmenos tambm visto por Winnicott como um lugar de repouso

    para o indivduo que ainda est impelido na tarefa de manter, separadas as realidades

    internas e externas, apesar de inter-relacionadas (Winnicott, 1953/1975).

    Na passagem por esta fase intermediria, os fenmenos transicionais ocorrem de

    maneira espontnea, como o exemplo do beb ao deslocar o polegar para a boca, um objeto

  • externo como um pedao do tecido segurado e chupado, se tornando vitalmente

    importante, o que vem a caracterizar seu objeto transicional. (Winnicott, 1953/1975)

    Com este movimento, o objeto se torna essencial na defesa contra as ansiedades,

    em momentos de solido, na hora em que a criana vai dormir, podendo se estender at a

    tenra infncia. Este comportamento tambm poder reaparecer em uma idade mais

    avanada, quando a privao ameaar. importante destacar que o objeto representa a

    transio do estado fundido com a me para um estado em que ela est separada dele e de

    ordem externa (Winnicott, 1953/1975)

    O conceito de objeto transicional est ligado passagem da percepo do mundo

    externo com a capacidade da criana de: se sentir real; se sentir real no mundo; e, de sentir

    que o prprio mundo real. As diferentes etapas do desenvolvimento, atendidas pela me,

    nutrem o potencial criativo da criana, o que faz a criana desenvolver uma capacidade de

    alucinar o seio provedor; esta repetio cria no beb a habilidade de iluso. Neste espao

    de ilusionamento, o objeto transicional aquele que dar consolo e conforto para o beb

    (Santos, 1999).

    Winnicott (1953/1975) amplia a temtica dos objetos e fenmenos para o brincar, a

    criatividade, a arte, os sentimentos religiosos, o sonhar; e em contrapartida, o fetichismo, a

    capacidade de mentir, furtar, chegando ao uso de drogas ou de talisms em rituais

    obsessivos.

    A partir dessas ideias, pode-se pensar no valor simblico que esta fase acarreta para

    o desenvolvimento do beb. Segundo a teoria, quando o beb emprega o simbolismo aos

    acontecimentos, quando ele j est distinguindo a fantasia e o fato, ou seja, sabendo

    separar aquilo que objeto externo e objeto interno, a criatividade e a percepo. O objeto

    transicional auxilia a aceitar estas diferenas (Winnicott, 1953/1975).

    Desta forma o papel da me de extrema importncia para que este estdio do

    desenvolvimento ocorra. Winnicott (1953/1975) traz o conceito de me suficientemente

    boa, que aquela que efetua uma adaptao ativa s necessidades do beb, uma adaptao

    que diminui gradativamente, segundo a crescente capacidade deste em aquilatar o fracasso

    da adaptao e em tolerar os resultados da frustrao(p.25). Como ele mesmo destaca, a

    devoo que determina um xito no cuidado infantil.

    Esta me, conforme a teoria, inicia completamente adaptada s necessidades do

    beb e, a partir do momento em que ele demonstra capacidade de lidar com o fracasso dela,

    vai se desadaptando gradativamente. Esta capacidade de adaptao completa aquela que

  • ir proporcionar a iluso seguida da desiluso. O beb s poder passar pela desiluso se

    houve um bom processo de iluso por parte da me (Winnicott, 1953/1975).

    Em resumo, a me, quando suficientemente adaptada s necessidades da criana

    poder proporcionar a iluso de que existe no externo aquilo que a capacidade do beb

    pode criar, ocorrendo uma sobreposio entre o que a me oferece e o beb fantasiou. Sua

    principal tarefa a desiluso, que Winnicott (1953/1975) aborda com a situao do

    desmame, palco de todas as frustraes reunidas. Se tudo ocorrer como esperado, o beb

    est pronto para lidar com as frustraes.

    Na teoria winnicottiana, a desiluso um fenmeno amplo que antecede ao

    desmame, relacionado ao fornecimento adequado de oportunidades para iluso; a me

    deve inicialmente fornecer ao beb a iluso de que o que ele cria est mesmo l para ser

    encontrado (Santos, 1999)

    Esta rea intermediria de que se vem falando, que auxilia o processo de separao

    entre o interno e o externo do beb o incio de um relacionamento da criana com o

    mundo sendo possvel por uma maternagem suficientemente boa, na fase primitiva

    crtica (Winnicott, 1953/1975, p.29), possibilitando ser auxiliado pelos objetos

    transicionais.

    Em 1956, Winnicott discorre sobre a necessidade de um estudo mais aprofundado

    da funo da me nas fases mais iniciais (p.493) do desenvolvimento do beb. Considera

    ser necessrio estudar a condio psicolgica da me, a qual ele denomina de Preocupaco

    Materna Primria, que se desenvolve e se torna um estado de sensibilidade aumentada

    durante, e especialmente, no final da gravidez, continuando por algumas semanas depois

    do nascimento da criana; aps a me se recuperar dela, no recordada com facilidade e

    Winnicott acredita que esta recordao ser reprimida (Winnicott, 1956/1982).

    O autor ainda complementa que esta fase capacita a me a se adaptar delicada e

    sensivelmente s necessidades iniciais do beb (p.494) Ainda afirma que ela capaz de

    fornecer um setting onde a constituio do beb se mostra, as tendncias de

    desenvolvimento se revelam e o beb experimenta um movimento espontneo (Winnicott,

    1956/1982).

    neste momento que a me espontaneamente dirige o foco de ateno e

    investimentos para o beb; como se a me regredisse sua prpria infncia e entendesse

    a forma como a sua me se adaptou e atendeu as suas necessidades. O que ser de extrema

    importncia para que, no nascimento do seu beb, a me se identifique com seu filho, e

    possa compreender e satisfazer as suas necessidades (Iungano e Tosta, 2009). Conforme

  • Winnicott (1956/1982), este estado materno confere me uma capacidade especial de

    fazer a coisa certa, pois ela capaz de saber como o beb est se sentindo.

    como se a me sentisse estar no lugar do beb e, assim, capaz de responder

    todas as suas necessidades, tornando-se necessidades do ego e criando a relao de ego

    entre as partes, fazendo com que o beb construa a ideia de pessoa positiva na me, e no

    como um marco de frustrao (Winnicott, 1956/1982).

    Na verdade, Winnicott enfatiza que necessrio deixar os cuidados do beb para a

    me, pois independe dos seus conhecimentos formais, e sim da atitude sensvel adquirida

    medida em que a gravidez avana e acompanha o afastamento e o desenvolvimento da

    criana (Winnicott, 1958/1997 p.3).

    Na preocupao materna primria, aparece a construo do Ego, caracterizada

    como silenciosa e que surge a partir das ameaas de aniquilamento que no levam

    aniquilao e das quais o beb repetidamente se recupera(p.496), levando a um ego que

    ser capaz de suportar a frustrao (Winnicott, 1956/1982).

    Conforme Winnicott (1956/1982), a me suficientemente boa ser aquela que ir se

    identificar com o seu beb, apresentando uma poro bsica de cuidado. Ser aquela me

    que formar uma parceria psicossomtica com a criana, auxiliando a formao do sentido

    do real e que dar incio capacidade do beb de se relacionar com os objetos.

    Esta relao que a me cria com o beb, ao longo da infncia, auxilia no

    desenvolvimento do indivduo. O autor tambm examina o crescimento a partir da

    dependncia e da mudana gradual para a independncia. Para isso, pensou em 3

    categorias que sero descritas abaixo: dependncia absoluta, dependncia relativa e rumo

    independncia. Nenhum indivduo ser completamente independente, pois no vive isolado

    dos outros seres, porm capaz de se relacionar com o ambiente em que vive de uma

    maneira interdependente, vivendo sem o cuidado real (Winnicott, 1963b/1990).

    Quando o beb inicia as suas relaes objetais, como foi descrito anteriormente, ele

    completamente dependente da sua me no que diz respeito aos aspectos fsicos; em

    relao aos psicolgicos, poder-se-ia dizer que ele dependente e independente

    (Winnicott, 1963b/1990). Conforme a teoria, deve-se observar os aspectos que so

    herdados, os processos de maturao at as tendncias patolgicas. Porm a maturao

    depende de um ambiente, que, sendo favorvel, facilitar o processo continuado deste

    amadurecimento.

    importante ressaltar que o ambiente no constri a criana, porm, auxilia no

    desenvolvimento dos potenciais da mesma. Os aspectos herdados, somados aos cuidados

  • maternos so o que tornam o beb, um beb, e as condies deste vir-a-ser podero ser

    favorveis ou desfavorveis (Winnicott, 1963b/1990). A me protege o vir-a-ser do seu

    beb, pois capaz de se devotar criana, atendendo s necessidades do ego. A ausncia

    relativa de desconfortos como as irritaes e as incomodaes do uma boa base para a

    construo de um ego corporal (Winnicott, 1968/1999 p.82).

    Os pais, neste perodo de dependncia absoluta, iniciam um lar para o seu beb:

    inicialmente dentro da me, depois no seu colo e ao final em sua casa. Esta dependncia s

    necessidades maturacionais da criana algo complicado, exigindo dos pais e tornando a

    me, inicialmente, o ambiente favorvel ao desenvolvimento (Winnicott, 1963b/1990).

    aquilo que foi descrito anteriormente como preocupao materna primria: a me est

    dependente e vulnervel ao beb e ele depende da me para o seu amadurecimento.

    O cuidado materno e paterno satisfatrios passam por 3 estgios: holding; me e

    lactente; e me, pai e lactente.(Winnicott, 1960a/1990). O holding, que estaria relacionado

    a este estado de dependncia absoluta, pode ser definido como a proviso ambiental total,

    incluindo a elaborao de experincias que so inerentes existncia e o completar e o no

    completar dos processos. Faz parte da psicologia da criana, determinados pela percepo

    e empatia da me. o momento em que o beb no separou o self do cuidado materno em

    que existe a dependncia absoluta em seu sentido psicolgico (Winnicott, 1960a/1990).

    Holding estaria relacionado ao amparo psicolgico que a me suficientemente boa

    dever prestar ao beb; ela sustenta o filho d o colo, afaga, troca a fralda (Cecatto,

    2008). A me-ambiente, que se faz necessria, exerce uma funo especializada no incio

    do desenvolvimento, fsico e psicolgico, atravs do holding, com empatia s necessidades

    do beb; ainda funcional, provocando uma espcie de isolamento primrio, para que nasa

    um espao de constituio psquica (Santos, 1999).

    Em resumo, o holding protege da agresso fisiolgica, leva em conta a

    sensibilidade cutnea do lactente e a falta de conhecimento do lactente da existncia de

    qualquer coisa que no seja ele mesmo; inclui a rotina completa do cuidado dia e noite;

    segue tambm as mudanas instantneas do dia-a-dia que fazem parte do crescimento e

    desenvolvimento fsico e psicolgico do beb (Winnicott, 1960a/1990).

    Ao retornar a sua vida, a me deixa que pequenas falhas de adaptao ocorram no

    desenvolvimento do ego, como o caso da desiluso, se tornando relativamente

    independente das necessidades da criana. Esta, por sua vez, est atingindo a segunda

    categoria, a de dependncia relativa, que ocorre quando o lactente comea a tomar

    conhecimento da dependncia que tem com a sua me (Winnicott, 1963b/1990).

  • Nesta poca, os bebs comeam fazer uso de sua compreenso intelectual. A

    devoo que a me exerce para o seu beb gira em torno da apresentao constante do

    mundo, da realidade externa. Esta apresentao s ser clara se ele puder contar com o

    cuidado de algum que est devotado a ele e tarefa de cuidar dele (Winnicott,

    1963b/1990).

    Consciente desta dependncia, o beb comea a se dar conta da ausncia da me,

    principalmente em tempos maiores do que ele est acostumado a tolerar, aparecendo

    sintomas de ansiedade, muitas vezes no evitando as irritaes e os incmodos, percebendo

    em sua mente que a me necessria (Winnicott, 1963b/1990). Nesta etapa, o beb far

    uso de seus objetos transicionais para acalmar os sintomas da ansiedade, a sensao de

    aniquilamento, conforme descrito alguns pargrafos acima.

    A terceira categoria ocorre quando a criana j capaz de encarar a realidade

    externa e todas as complexidades. A criana se identifica com a sociedade, uma vez que

    este foi o mundo que seus pais lhe apresentaram e desenvolve uma verdadeira

    independncia (Winnicott, 1963b/1990).

    Winnicott considera que a me poder iniciar os cuidados do seu beb de uma

    maneira satisfatria, porm, poder ser incapaz de deixar a criana atingir o estdio de

    independncia, permanecendo fundida com ele, adiando a separao entre os dois. Se o

    cuidado materno no suficientemente bom, o beb no construir o que o autor chama de

    continuidade do ser. Essa continuidade do ser, nada mais que os aspectos herdados se

    desenvolvendo gradualmente no indivduo, levando o beb a sua existncia pessoal

    (Winnicott, 1963b/1990).

    Baseado nos cuidados maternos que protegem este beb, Winnicott descreve o

    surgimento do self, sentimento de continuidade de existncia passado pela me (Zornig &

    Levy 2006).

    O meio ambiente suficientemente bom o objeto - propicia o desenvolvimento da

    fantasia, e, sem que o beb tenha conscincia, se entrega espontaneamente, em um mundo

    secreto sentido como s seu. Mais tarde ser aqui que ele ir alojar seu aparelho psquico e

    a organizao dos pensamentos. Se tudo ocorrer da maneira correta, este ambiente

    descoberto e o self no perde seu sentido. Caso o self se perca, a criana no ter a

    possibilidade de atribuir significados, nomear e organizar as experincias sensrias e o

    prprio corpo. (Santos, 1999)

    Aps discorrer sobre os conceitos desenvolvidos por Winnicott, durante toda sua

    teoria, a respeito da funo materna, que tem como premissa a organizao psquica do

  • beb, juntamente com o ambiente em que ambos esto envolvidos, aborda-se o que poder

    ocorrer se houver uma falha neste papel. O prximo tpico apresenta alguns aspectos

    acerca dessa falha.

  • Falha da Funo Materna

    Winnicott (1945/1982) traz a me como algo de extrema importncia para o incio

    do desenvolvimento primrio do beb. Ela tem como tarefa proteg-lo daquilo que ele

    ainda no pode compreender e fornecer de maneira uniforme, o pedacinho simplificado

    de mundo que a criana, atravs dela, passa a conhecer (p.280), construindo uma

    objetividade.

    Winnicott (1960a/1990) destaca dois tipos de distrbios maternos que podem afetar

    a relao me-beb, durante o desenvolvimento do sujeito: primeiramente quando a me

    no capaz de abandonar os interesses prprios em prol da criana; e o outro extremo, em

    que a me possui uma preocupao patolgica, permanecendo identificada com seu beb

    por um tempo demasiadamente longo.

    Quando a me no consegue atingir o estado organizado da preocupao materna

    primria, ela no se torna capaz de preocupar-se com o beb a ponto de excluir outros

    interesses, ou seja, segundo Winnicott (1956/1982) tais mulheres produzem uma criana,

    mas, por no ter conseguido acompanhar o processo normal no estdio mais inicial,

    defrontam-se com a tarefa de compensar o que foi perdido (p.494), o que no significa

    que sejam capazes de consertar a distoro inicial.

    Quando a me auxilia o beb a se adaptar, ele mesmo ser pouco perturbado por

    reaes s invases. No estgio de desenvolvimento, em que o beb est transformando o

    potencial herdado em uma continuidade do ser o ambiente sustentador auxilia para que

    ansiedades no se transformem em uma ameaa de aniquilamento, reduzindo as irritaes

    (Winnicott, 1960a/1990). Porm Winnicott diz que os fracassos maternos geram reao as

    invases por parte do beb, interrompendo o desenvolvimento da criana produzindo uma

    ameaa de aniquilao (Winnicott, 1960/1997).

    A me, quando no suficientemente boa, no inicia maturao egica da criana

    e, se o faz, inicia distorcido em determinados aspectos vitalmente importantes (Winnicott,

    1962/1990).

    Winnicott tambm coloca o papel da me como me-objeto e me ambiente,

    atribuindo comportamento para estas relaes com o beb. Se a me objeto fracassa em

    sobreviver aos ataques do beb e a me ambiente em prover as oportunidades de reparao

    ento o bebe trocara a capacidade de preocupao por ansiedades e defesas cruas como a

    desintegrao, ou seja, se no existe essa figura materna de confiana(p.78) que repara

    os gestos da criana, a culpa do beb se torna intolervel (Winnicott, 1963a/1990)

  • A teoria winnicottiana diz que qualquer falha de objetividade que possa ocorrer em

    qualquer poca da vida do sujeito, est relacionada a falha do estdio do desenvolvimento

    emocional primitivo (Winnicott, 1945/1982). Como vimos acima, nesta poca em que

    ocorrem a integrao, personalizao e a realizao.

    Quando estes processos no ocorrem, surge o que Winnicott chamou de

    desintegrao e no-integrao. So processos diferentes, pois o estdio primrio no

    integrado fornece uma base para a desintegrao, e o fracasso da integrao predispe a

    desintegrao. Conforme a teoria, a desintegrao apavorante, enquanto a no-

    integrao no o (Winnicott, 1945/1982 p.276)

    A desintegrao considerada uma defesa sofisticada, produo ativa do caos

    contra a no-integrao, quando a me no auxilia o beb com o seu ego. A desintegrao

    produzida pelo beb. (Winnicott, 1962/1990) A no-integrao tambm gera outro

    problema de constituio psquica chamado de dissociao, um mecanismo de defesa do

    ego (Winnicott, 1945/1982).

    A falha da construo da personalidade decorrente de um ambiente que no foi

    facilitador o suficiente, no contribuindo para que a criana atingisse vrias metas, como a

    integrao, a personalizao e o desenvolvimento das relaes objetais. O resultado destas

    falhas reflete no sentimento de aniquilamento e pnico que toma conta do beb (Santos,

    1999).

    Conforme Winnicott (1960/1997) sem o ambiente suficientemente bom no

    ocorrer o desenvolvimento do self saudavelmente, surgindo, muitas vezes, o falso self.

    Aqui a sensao de realidade est ausente, ocultando o verdadeiro self, surgindo os

    mecanismos de defesas muito primitivos, fazendo parte desta ameaa de aniquilao,

    anulando os elementos constitucionais.

    As ameaas ao isolamento do self verdadeiro constitui uma ansiedade maior,

    provocando defesas infantis muito precoces devido s falhas do cuidado materno que no

    soube evitar as irritaes que estavam perturbando este isolamento. Como a criana no

    capaz de lidar com os acontecimentos, o ncleo central do ego afetado, desenvolvendo

    como defesa um falso self. Tudo isto acaba se tornando uma ameaa ao vir-a-ser do sujeito

    (Winnicott, 1960b/1990).

    Ainda na teoria do desenvolvimento da criana, se espera por parte da me que

    ocorra o holding, que est relacionado com a capacidade da me se identificar com o seu

    filho. Se isso no ocorre, acontece o holding deficiente, que originar na criana uma

    sensao de despedaamento, de estar caindo num poo sem fundo. J a manipulao

  • deficiente no permite que a criana goze de uma experincia do funcionamento corporal e

    de ser. E quando ocorre uma apresentao falha dos objetos, a criana bloquear ainda

    mais o sentir-se real em relao ao mundo e aos objetos (Winnicott 1960/1997).

    Quando o beb no recebe os cuidados suficientemente bons, independente do grau

    da ineficincia da me, ir apresentar algumas caractersticas como as distores da

    organizao do ego, organizao de algum aspecto falso da personalidade e traz como

    algumas consequncias a esquizofrenia infantil, autismo, personalidade esquizoide, entre

    outras (Winnicott 1962/1990).

    Outro fato que acontece na relao materna com o beb, caso esta venha a se

    ausentar mais do que o perodo em que o beb capaz de tolerar, a representao interna

    do objeto me ir esmaecer. Com isso, os fenmenos transicionais ficam sem sentido e o

    beb no os experimenta. O objeto poder ser descatexizado (Winnicott, 1958/1975).

    importante ressaltar, conforme Santos (1999), que estas falhas so imprevisveis,

    pois o beb ainda no possui um estado de ego capaz de projetar no ambiente. Estas falhas,

    segundo Winnicott, so chamadas de privaes.

    Na falha da funo materna, a criana sentir uma extrema angstia, de um estado

    no integrado, a perda do sentimento do real (Cecatto, 2008). O desamparo ocorre por

    consequncia da ruptura da continuidade dos cuidados parentais (Zornig & Levy 2006).

    Conforme Zornig e Levy (2006), a separao da figura materna para crianas pequenas,

    que ainda no tem a capacidade de assimilar o que ocorre de fato, ou o desinvestimento

    materno abrupto, acaba produzindo traumas, desencadeando medidas defensivas com

    prejuzo na criatividade da criana.

    Escosteguy (2009) considera que as experincias traumticas precoces influenciam

    na constituio do falso self, pois o beb foi exposto a modelos agressivos e desenvolve a

    idia de um mundo hostil, de apego inseguro que podem se agravar na adolescncia.

  • MTODO

    Delineamento:

    Esta pesquisa foi realizada com o mtodo qualitativo, pois ele quem lida com as

    realidades sociais, e acredita-se que seja a melhor maneira de analisar os dados coletados

    para a realizao deste projeto. A pesquisa qualitativa desloca o olhar da anlise para as

    questes referentes qualidade e coleta de dados (Bauer & Gaskell, 2008).

    A anlise dos dados, no modelo qualitativo pressupe do pesquisador, que ele se

    detenha s peculiaridades, nas nuances e nas relaes entre as unidades de sentido

    construdas; a que prioriza a subjetividade (Laville & Dionne, 1999).

    Participantes ou Fontes:

    A fonte desta pesquisa o livro Precisamos falar sobre o Kevin (2007), de Lionel

    Shriver.

    O ttulo original da obra We need to talk about Kevin e foi escrito em 2003. A

    verso que ser analisada foi traduzida por Beth Viera e Vera Ribeiro e publicada no Brasil

    pela Editora Intrnseca em 2007.

    Sinopse: A sinopse abaixo foi extrada da verso brasileira do livro, publicada em

    2007, pela editora Intrnseca:

    Para falar de Kevin Khatchadourin, 16 anos o autor de uma chacina que liquidou

    sete colegas, uma professora e um servente no ginsio de um bom colgio dos subrbios de

    Nova York - Lionel Shriver no apresenta mais uma histria de crime, castigo e pesadelos

    americanos. Arquitetou um romance epistolar que Eva, a me do assassino, escreve cartas

    ao marido ausente. Nelas, ao procurar porqus, constri uma meditao sobre a maldade e

    discute um tabu: a ambivalncia de certas mulheres diante da maternidade e sua influncia

    e responsabilidade na criao de um pequeno monstro.

    Com argcia, a me relata lembranas de seu relacionamento com Franklin, um

    americano-padro. Relembra a deciso de abandonar suas funes de fundadora e principal

    executiva de uma bem-sucedida empresa de guias de turismo alternativo. Descendentes de

    armnios e cidad do mundo, Eva reexamina tudo: desde o medo de ter um filho at o

    parto do beb indcil que assustava as babs. Mostra o garoto maquiavlico que dividia

    para conquistar. Exibe o adolescente que deixava provas de pssima ndole, centrado

    apenas em sua coleo de vrus de computadores e exerccios de arco e flecha, e a

    felicidade de ter, depois do primognito, uma filha desejada e amvel.

  • Exilada em memrias ainda mais tenebrosas que matrias de jornal e imagens de

    documentrios, Eva Khatchadourian elenca detalhes srdidos da trajetria familiar com

    uma escrita magntica. No esquece o balano honesto das perdas e ganhos de gerar e

    educar uma criana, a confisso de seus prprios desvios de comportamento, os arqutipos

    paternos das famlias privilegiadas dos Estados Unidos, descendo ao inferno dos subrbios

    afluentes.

    Ao sacudir o leitor entre a culpa e empatia, retribuio e perdo, Precisamos falar

    sobre o Kevin discute casamento e carreira; maternidade e famlia; sinceridade e alienao.

    Denuncia o que h de errado com culturas e sociedades contemporneas que produzem

    assassinos mirins em srie e pitboys. Com isso, a autora nos carrega em um thriller

    psicanaltico no qual no se indaga quem matou, mas o que morreu. Enquanto tenta

    encontrar respostas para o tradicional onde foi que eu errei?, a narradora desnuda,

    assombrada, uma outra interdio atvica: possvel odiarmos nossos filhos?

    Instrumentos

    Os dados sero coletados a partir da leitura do livro Precisamos falar sobre o Kevin

    (2007), ou seja, prev uma pesquisa com dados existentes, que nada mais que uma

    pesquisa baseada em dados presentes no estudo, onde o pesquisador no tenta modificar e

    nem intervir; o pesquisador seleciona alguns elementos e transforma-os em informaes

    significativas (Laville & Dionne, 1999).

    Os dados foram coletados atravs de um olhar direcionado, com a intencionalidade

    de responder os objetivos desta pesquisa. E, foram sistematizados conforme os aspectos da

    teoria desenvolvida por Winnicott, no que diz respeito funo materna.

    Para isso, foi criada uma Tabela (Tabela 1), onde sero inseridos os dilogos,

    separados pelas categorias: me suficientemente boa, preocupao materna primria,

    holding, uso dos objetos transicionais, iluso/desiluso, personalizao, integrao e

    apresentao da realidade, reflexes sobre seu lugar materno; e por fim, cruzadas as

    informaes, para verificar se atendem os critrios ou no da teoria desenvolvida por

    Winnicott. As categorias elencadas neste estudo referem-se a conceitos organizados pelo

    autor.

    Procedimentos:

    - Leitura do Livro Precisamos Falar sobre o Kevin (2007)

    - Selecionar os dilogos que apresentem aspectos da funo materna da personagem;

  • - Separar os dilogos conforme as categorias listadas acima;

    - Integrar os conceitos e as verbalizaes da personagem construindo uma discusso a

    respeito da funo materna.

    Referencial de Anlise

    Aps a obteno dos dados, foi realizada uma Anlise de Contedo. Esta

    metodologia est baseada no estudo minucioso do contedo das palavras e das frases,

    procurando o sentido e as intenes das ideias principais, extraindo sua significao

    (Laville & Dionne, 1999). Esta anlise no tem uma configurao rgida e sim, dispe de

    vrias vias para a reconstruo do sentido de um contedo.

    Como durante a construo desta pesquisa pretendeu-se trabalhar com fragmentos

    do livro Precisamos falar sobre o Kevin (2007), a anlise do contedo ajudar a

    compreender o sentido da relao entre Eva e Kevin, identificando o processo da funo

    materna, atravs dos dilogos transcritos por ela, nas verbalizaes que foram

    selecionadas, conforme descrito anteriormente.

    Conforme Bauer e Gaskell (2008), os textos tambm se referem aos pensamentos,

    sentimentos, memrias, planos e discusses das pessoas, e algumas vezes nos dizem mais

    do que seus autores imaginam (p.189).

    Este tipo de anlise requer uma reestruturao dos contedos, onde se define os

    contedos que sero recortados dos textos e em qual categoria de anlise eles estaro.

    Como consideram Laville e Dionne (1999), esta anlise possui um conjunto de

    possibilidades para a reconstruo dos sentidos dos contedos selecionados. Nesta etapa, o

    pesquisador ir decompor, para depois recompor os contedos selecionados para uma

    melhor significao dos mesmos.

    Nesta pesquisa, aps a leitura do livro Precisamos falar sobre o Kevin (2007), os

    fragmentos do texto que foram selecionados e contemplam as seguintes categorias,

    escolhidas a priori: preocupao materna, me suficientemente boa, holding, objeto

    transicional, entre outras, que foram escolhidas a posteriori. As categorias so norteadas

    pelos conceitos winnicottianos e ilustradas pelas passagens do livro.

    Dentro das possibilidades de recortes apresentadas pelas autoras, optou-se pela

    temtica, visto que o livro todo trata da relao da me com o seu beb, desde a idia de ter

    um beb, a gestao e as fases do desenvolvimento infantil. Afinal, a diviso por temas

    aquela que aproxima o pesquisador do sentido do contedo, pois ele obrigado a construir

    a sua anlise a partir da compreenso do contedo selecionado (Laville & Dionne, 1999).

  • Aps o recorte dos contedos, foi realizada a definio das categorias de anlise,

    que podem ocorrer de trs maneiras: abertas, fechadas ou mistas. Para esta pesquisa,

    definiu-se a utilizao de categorias mistas, pois apesar de categorias definidas a priori, as

    interpretaes e anlises suscitam novos temas pertinentes para a compreenso da

    pesquisa. (Laville & Dionne, 1999).

    Durante a coleta dos dados, o pesquisador se deixa levar pelas especificidades do

    material selecionado (Laville & Dionne, 1999), portanto, a anlise de contedo qualitativa

    se adequa melhor ao tipo de pesquisa que ir advir, pois o pesquisador poder prender-se

    as nuances do sentido que existem entre as unidades, nos elos lgicos entre essas unidades

    ou entre as categorias que as renem(p.227) j que os significados dos contedos est em

    cada elemento especfico do discurso bem como na relao entre os elementos (Laville &

    Dionne, 1999).

  • RESULTADOS E DISCUSSO

    O livro formado por captulos que se referem a cartas escritas por Eva,

    endereadas ao Franklim (seu marido), que datam de 08 de novembro de 2000 08 de abril

    de 2001, onde a personagem, em uma mescla de pensamentos, dilogos e lembranas,

    narra as visitas ao seu filho Kevin, contextualizando o leitor nos acontecimentos de sua

    vida, desde o dia em que conheceu seu marido at a quinta-feira, refletindo sobre suas

    decises, suas relaes e suas escolhas.

    Cumprindo os objetivos deste estudo, foram selecionadas algumas verbalizaes do

    livro que se reportam ao desenvolvimento da funo materna, conforme a teoria

    winnicottiana, para posteriormente serem categorizadas, conforme a tabela abaixo (Tabela

    1). importante salientar que as verbalizaes foram categorizadas, porm em alguns

    momentos as informaes podem atender a uma ou mais categorias. Os aspectos da teoria

    winnicottiana esto interligados, uma vez que se entende que a funo materna um

    conjunto complexo de comportamentos e sentimentos daquele que ir exercer este papel.

    Optou-se por abordar as falas em que Eva descreve a sua relao com Kevin, seu

    primognito, apesar de saber-se da importncia da sua relao com a segunda filha, Clia,

    para o seu papel de me. Entende-se, tambm, ser de extrema importncia para uma

    compreenso mais aprofundada, uma anlise da funo paterna, o que justificaria um outro

    trabalho.

    Tabela 1

    Unidade de Sentido: Funo Materna

    Categorias Verbalizaes

    Me suficientemente

    boa

    o que me fazia bonita era intrnseco maternidade, e at mesmo o meu desejo de que os homens me considerassem

    atraente era uma maquinao do corpo projetada para expelir

    seu prprio substituto (...) eu estava grvida nunca fui muito adepta desse negcio de ns (...) eu no estou indo fazer um

    teste de cncer ou algo parecido (p.67) a Dra. Rhinestein passou o dedo por uma massa em movimento, no monitor, eu pensei: Quem esse?(p.79) eu achava ter conseguido disfarar com brilhantismo meus verdadeiros sentimentos em relao a maternidade (...) todos os

    dias, enfrentava uma mixrdia roxa de fria insacivel enquanto

    repetia comigo mesmo, com total incompreenso, eu devia estar

    amando isto(p.115) temia, no fundo, odiar minha vida, odiar ser me e, em alguns momentos, odiar at ser sua mulher, j que voc tinha feito isso

    comigo, transformada meus dias num interminvel fluxo de

  • merda, mijo e biscoito dos quais Kevin nem sequer

    gostava(p.224)

    Preocupao

    Materna Primria

    uma criana significava barulho, sujeira, restries e ingratido(p.27) Voc acha isso forte demais. Eu no. J reparou quantos filmes retratam a gravidez como infestao, uma colonizao sub-

    reptcia? O beb de Rosemary foi s o comeo. Em Alien, um

    extraterrestre nojento sai da barriga de Jhon Hurt. Em Mimic,

    uma mulher d a luz um verme de sessenta centmetro. Mair

    tarde, o Arquivo X banalizou as cenas de aliengenas de olhos

    esbugalhados explodindo nauseabundamente a barriga dos seres

    humanos(p.76) claro que eu sabia que um filho no substituto para um marido(p.63) eu sabia que nenhum rebento poderia substituir voc(p.64) eu queria arrumar um backup, uma espcie de cpia de segurana (...) naquela noite, eu queria bebes enfiados

    em todos os cantos, feito dinheiro em aucareiros, garrafas de

    vodcas para alcolatras carentes de fora de vontade(p.63) tive que reconhecer que estava, sim, resistindo ao parto (...) fui tomada por um sentimento de desprezo (...) a emoo na qual

    me prendi para poder ir alm de um limiar crtico foi averso

    (...) detestei o rosto pequeno e pontudo como o de um rato da

    Dra. Rhinestein (.94) senti-me desconcertada na hora e beijei voc. Isso foi antes dos mdicos decidirem que se deve botar o recm-nascido direto no

    peito da me, ensanguentado e tudo, de modo que tivemos

    alguns poucos minutos para ns, enquanto eles cortavam o

    cordo e davam uma limpada na criana(p.98) eu estava atordoada(p.103) continuo espera da retribuio emocional. Dei a ele at mesmo meu marido, que no se interessa mais por nenhum

    outro assunto que no seja nosso filho(p.125)

    Holding o choro de Kevin no era um grito de dor, e sim de dio (...) eu o pegava no colo com tanta frequncia que meus braos doam

    (...) ele odiava completamente estar aqui(p.112). o dia inteiro um inferno dentro do cesto(p.113) eu no iria peg-lo no colo. No havia ningum ali para me obrigar, e eu no queria (p.128)

    Uso dos objetos

    transicionais

    mas Kevin se limitava a olhar para eles, ou chut-los para longe. Ele no brincava(p.136) voc foi um boboca Kevin (...) e bobocas no ganham brinquedos Kevin (...) na hora, pensei, ei, quem sabe eu at

    acabe gostando de ser me. Isso divertido(p.182)

    Iluso/Desiluso no previ o que exatamente iria acontecer comigo quando Kevin foi iado pela primeira vez at o peito. Eu no havia

    previsto nada exatamente.(...) Queria ser transformada; queria

    ser transportada(p.101) a Dra. Rhinestein balanou o beb sobre meu peito e depositou aquela criatura minscula nele (...) hesitante pus a mo em volta

  • dele. A expresso no rosto retorcido de Kevin era de desagrado.

    O corpo inerte. A boca bem em cima do bico marrom e crescido

    do meu seio, a cabea dele descambou, enojada(p.102) eu estava doida para dar a ele o leite da bondade humana, mas ele no o queria, ou no o queria de mim(p.108) para mim, ele nunca foi o bebe. Ele era um individuo singular e espertssimo, que chegara para ficar e apenas calhava

    de ser bem pequeno(p.109)

    Personalizao,

    Integrao e

    apresentao da

    realidade.

    cheguei inclusive a odiar o beb (...) tinha me dado peso, constrangimento e um trovejante tremor subterrneo que abalara

    o prprio solo ocenico da pessoa que eu achava que era (...)

    associei nosso filho com minhas prprias limitaes no s com o sofrimento, mas tambm com a derrota(p.95)

    Reflexes sobre seu

    lugar materno Continuidade do ser

    ele meu filho tambm , e as mes devem visitar os filhos no presdio. interminvel minha lista de defeitos como me, mas

    sempre segui as regras. Alis, seguir ao p da letra a lei no

    escrita da maternidade foi uma das minhas falhas(p.54) e me fez perguntar a mim mesma porque algum diz eu quis que ele me olhasse nos olhos(p.58) voc nunca quis me ter, no mesmo? Imagino que ele j houvesse reconhecido anteriormente que eu tinha uma vida,

    para querer arruin-la com tamanha determinao(p.73) claro que eu amo meu filho, sentia que estava mentindo e que qualquer juiz ou jurado perceberia na hora eu fui uma pssima me. Fui terrvel na funo(p.87) o sacrifcio foi enorme (...) e tambm intil: (p.149)

    Para Winnicott, a relao me-beb est pautada no processo de desenvolvimento

    maturacional, juntamente com o ambiente em que a criana est inserida. Quem propicia

    este ambiente, mesmo sabendo que muitas vezes no poder control-lo ou se

    responsabilizar por ele, a me. Entende-se que este ambiente inicia ainda na ideia dos

    pais de gerarem uma criana, o que no est presente no discurso de Eva, como observa-se

    na pgina 71 voc queria ter um filho, eu no e que aparece presente tambm na pgina

    39 no h motivos sensato para t-los.

    A funo materna um conjunto de sentimentos e aes que iro auxiliar na

    formao psquica, maturacional e egica da criana, dependendo da maneira como a me

    lida com esse estgio de sua vida. O ambiente onde a criana est inserida auxilia nesta

    formao, bem como suas relaes com o pai e demais membros da famlia. A teoria

    aborda, tambm, que a maneira como a me vivenciou suas relaes com a sua me e suas

    experincias como beb iro influenciar na maneira de se relacionar com o seu beb.

    As verbalizaes iniciam, no livro, em torno dos pensamentos de Eva sobre a

    deciso de ter ou no um beb. Relata muitos dilogos entre ela e seu marido onde atribui a

  • ideia de ter um filho a ele e acredita que um beb significa barulho, sujeira, restries e

    ingratido. No encontra motivos afetivos para ter um beb e acrescenta que se os tivesse,

    seria para ter um assunto a mais na relao.

    Winnicott afirma que a funo materna tambm est relacionada com o momento

    em que a me se reporta sua prpria infncia e Eva no traz boas recordaes deste

    perodo. Pode-se atribuir este comportamento s inmeras vezes em que ela cita a relao

    que tinha com a sua me: voc sabe que eu tinha horror de acabar igual a minha me

    (p.43), minha me nunca tomou uma deciso baseada no que seria bom para mim

    (p.130) e chega a destacar que temia ser sua me, mais ainda ser me e diz que tinha um

    verdadeiro pavor de ter um filho. Percebe-se que o beb no faz parte do desejo de Eva e

    que ela no est se identificando com este filho.

    Durante a gravidez, a me suficientemente boa ir desenvolver um estado de

    sensibilidade aumentada, fornecendo um setting para a constituio deste beb. Os

    cuidados neste perodo e aps o nascimento so o que tornam o beb, um beb, dando-lhe

    condies favorveis deste vir-a-ser. Alm do mais, este lar que os pais criam para seu

    filho inicia ainda durante a gravidez, passando pelo colo da me e terminando na prpria

    casa.

    Nas verbalizaes acima no se percebe este movimento da personagem Eva. Ela

    menciona no ser adepta do ns, mostrando que no estava oferecendo um setting

    saudvel para a chegada do beb, pois como a teoria mostra, necessrio que este cuidado

    passe pelas fases onde o pai faz parte da relao. Tambm se percebe que a personagem

    no desenvolve a atitude sensvel durante o perodo gestacional ao comparar o exame da

    gravidez com um teste de cncer ou algo parecido. Eva tampouco reconhece o seu beb,

    como um beb, descrevendo-o como uma massa em movimento ao realizar a ecografia.

    A preocupao materna primria, um dos conceitos importantes para a

    compreenso terica, acontece ainda durante a gravidez, continuando por algumas semanas

    aps o nascimento da criana, conferindo me uma capacidade de fazer a coisa certa, por

    saber como o seu beb est se sentindo. Eva parece no vivenciar isto. Relaciona a sua

    gravidez como algo que a deixa feia, que um estgio para expelir um substituto de seu

    marido e isto reforado quando ela narra seu processo de gravidez como uma infestao

    aliengena.

    Outro ponto que se pode destacar o momento em que a personagem descreve o

    parto do seu filho. Para a teoria estudada, um momento em que a me se sente especial e

    percebe o nascimento do beb como uma transformao em sua vida. Os cuidados que so

  • dispensados criana podem ter uma qualidade boa ou m, e isto j percebido pelo

    lactente, pois Winnicott relata que este processo no passa despercebido para ele (o beb)

    (Winnicott, 1957/1999) Eva resite ao parto, sente desprezo, averso e relata detestar o rosto

    pequeno e pontudo de seu filho.

    Descreve ainda que estava desconcertada e neste momento em que ela deveria se

    voltar aos cuidados do nen, est preocupada em beijar o marido, mostrando tambm que

    ela no atingiu o estado de preocupao materna primria, no excluindo o interesse pelo

    marido em prol dos cuidados do beb. No parece ser a me que Winnicott descreve como

    a mulher, que se encontra em um estado muito especial (Winnicott, 1957/1999, p.62)

    As primeiras relaes de contato entre me e beb se estabelecem atravs da

    amamentao, o que Winnicott destaca que, independente se for com o seio ou com a

    mamadeira, o beb dever passar por esta experincia para que se sinta cuidado e amado

    por sua me. No incio, como ele mesmo aborda, todas as sensaes de cheiro, gosto, toque

    esto colocadas no objeto me. Na situao descrita acima, Eva no consegue experienciar

    este momento, quando descreve que seu beb foi jogado ao seu peito e que ela gostaria de

    ser transportada.

    Winnicott diz que a me precisa sobreviver aos ataques do beb durante este

    processo da amamentao, para que ele possa entender o que significa a palavra amor e

    possa fantasiar/ilusionar a respeito do objeto. Na situao analisada, Eva no capaz de

    sobreviver rejeio de Kevin ao seu seio. Descreve que o lactente tinha expresso de

    desagrado, o corpo inerte e que parecia enojado; rejeitou o seu leite e por isso no insistiu

    em outras maneiras de se vincular criana.

    Chega a citar que gostaria de dar o leite ao beb, mas nos parece algo irnico e que

    no corresponde aos outros comportamentos apresentados pela personagem, j que ela

    mesmo diz que estava atordoada nesta situao. Acredita-se que o beb no passa pelos

    processos de iluso, j que no ocorre a apresentao da realidade externa que possa conter

    seus mpetos pulsionais.

    Mesmo que Kevin no tenha sido amamentado pelo seio de Eva, a teoria

    winnicottiana relata que os bebs conseguem superar esta desvantagem quando so

    alimentados pelo afeto e quando fazem uso de seus objetos transicionais. No livro pouco se

    percebe relatos de Eva a respeito de brinquedos da criana e os mais marcantes foram

    apresentados na tabela acima, para observar que a mesma relao estabelecida entre a me

    e o beb no incio, parece prosseguir durante sua infncia. O beb no possui um objeto

  • que supra a falta da sua me, como ela mesma relata, Kevin se limitava a olhar para eles,

    ou chut-los para longe. Ele no brincava(p.136)

    Nessa abordagem terica, a integrao da personalidade do beb est baseada no

    mundo em que a me ir apresentar para ele, nos cuidados que ela ir proporcionar a ele,

    bem como a formao do ego do beb est relacionada com o ego da me. A personagem

    analisada no se mostra disposta a apresentar o mundo ao seu redor para seu filho, pois ela

    reconhece nele a sua limitao e o seu fracasso, no dispondo, para o beb, de um ego

    fortalecido para que ele possa se integrar como um sujeito atravs desta relao.

    Ainda nesta relao, os processos de personalizao e integrao esto relacionados

    com o fenmeno de adaptao realidade. A maneira como a me responde s alucinaes

    do beb que ele ir constituir sua ideia de mundo externo. No dilogo abaixo, em que o

    beb necessita que sua me troque suas fraldas, percebe-se o descaso do cuidado, quando

    ela refora ser feliz antes do nascimento da criana:

    a mame era feliz antes que o Kevin mijo viesse ao mundo, voc sabia disso?

    E agora a mame acorda todo dia querendo estar na Frana. A vida da mame

    agora uma droga, voc no acha que a vida da mame uma droga? Voc

    sabia que em certos dias a mame preferia estar morta? Para no escutar voc

    nem mais um minuto, tem dias que a mame gostaria de pular da ponte do

    Brooklin. (p .129)

    Este comportamento da personagem confirma a nossa ideia de que Eva no tem

    atitudes de uma preocupao materna primria. Na verdade, como ela mesma destaca, ela

    ainda espera uma retribuio emocional da criana, e lamenta ter dado para o filho o

    marido, quando se espera que nesta fase do relacionamento, a me abdique de outros

    interesses, para apenas focar nos interesses do lactente.

    Eva muitas vezes parece se arrepender de algumas atitudes que teve com seu filho

    talvez reconsiderar a maternidade, na segunda gravidez, seja uma delas mas pela teoria

    winnicottiana, a relao entre me-beb algo que se d o tempo todo, de maneira

    consciente e inconsciente, no dependendo muitas vezes apenas do esforo em querer ser

    me, mas tambm em uma devoo com a capacidade de tolerar as frustraes vindas deste

    cuidado: eu achava ter conseguido disfarar com brilhantismo meus verdadeiros

    sentimentos em relao maternidade (...) todos os dias, enfrentava uma mixrdia roxa de

    fria insacivel enquanto repetia comigo mesmo, com total incompreenso, eu devia estar

    amando isto (p.115).

  • Alm do mais, o fato da me se arrepender, no significa que ela poder consertar

    as distores j estabelecidas, conforme a teoria winnicottiana.

    Prosseguindo na teoria winnicottiana, os aspectos de dependncia e independncia

    do beb e sua me, trazem um conceito importante a ser analisado: o holding. Holding

    nada mais que o amparo psicolgico, a empatia em relao s necessidades do beb, o

    cuidado fsico trocar a fralda, pegar no colo, amamentar.

    A personagem parece no sentir esta empatia com seu beb, na verdade, parece

    exercer a maternidade como uma obrigao, como se percebe nestas verbalizaes: o

    choro de Kevin no era um grito de dor, e sim de dio (...) eu o pegava no colo com tanta

    frequncia que meus braos doam (...) ele odiava completamente estar aqui(p.112); o

    dia inteiro um inferno dentro do cesto(p.113).

    Aps este episdio, percebe-se que ela acaba desistindo deste cuidado. Apesar de

    Winnicott teorizar que a me, aos poucos deve proporcionar a desiluso para seu filho, este

    processo s se dar de forma satisfatria se houve uma boa iluso anteriormente. Eu no

    iria peg-lo no colo. No havia ningum ali para me obrigar, e eu no queria (p.128). O

    fato de Eva desistir de cuidar do seu filho, quando percebe-se que o processo de iluso no

    ocorreu, mostra que a personagem no teve atitudes esperadas para uma me

    suficientemente boa.

    A me suficientemente boa se adapta s necessidades do beb e se afasta medida

    em que ele apresenta um intelecto capaz de suportar as ausncias da me. aquela que

    capaz de ilusionar e desilusionar a criana, apresentando os objetos transicionais para o

    beb. Os relatos citados acima mostram que Eva nunca viu seu filho como o seu beb.

    Parece que ele est presente em seu discurso sempre como uma rejeio. Inclusive ela

    chega a dizer que no o v como o beb e sim como um indivduo esperto e pequeno.

    Desta maneira, entende-se que ela no foi capaz de exercer uma funo materna, conforme

    concebe Winnicott em sua teoria.

    Quando Eva resolve que quer ter uma segunda criana, e nos relatos de suas visitas

    a Kevin na priso, percebe-se um movimento de reflexo acerca do seu lugar materno. Nas

    verbalizaes colocadas acima, observa-se que a personagem percebe seus defeitoscomo

    me, e que associa a maternidade como uma lei que deve ser seguida e no como um

    estado de preocupao e devoo, de acordo com Winnicott.

    Menciona que foi terrvel na sua funo como me e a julga como um sacrifcio

    intil. Acredita-se que funo materna um momento nico na vida do sujeito, em que,

    como diz Winnicott, seria considerado patolgico se no fosse pela presena do filho. A

  • teoria Winnicottiana aborda os aspectos relacionais entre me e beb a partir da gravidez,

    estendendo ele at o processo de rumo independncia, ressaltando que esta ligao

    entre as partes sempre ir existir.

    Percebe-se que Eva, de um modo particular esteve ligada ao seu filho, porm de

    uma maneira contrria ao que preconizado pela teoria. Pode-se pensar que o filho est

    muito mais no lugar de um intruso do que do beb que se tornar um sujeito. Em muitos

    momentos Eva duvida do seu amor pelo beb, mostrando no decorrer da fico o aspecto

    maquiavlico de seu filho e ao final do livro, faltando trs dias para Kevin completar 18

    anos, diz seja por desespero, ou at por preguia, eu amo meu filho (p.463).

    As falhas desta funo acarretam em algumas falhas na constituio do sujeito.

    Vale salientar que no apenas a funo materna que define a organizao psquica do

    sujeito, mas o ambiente suficientemente bom juntamente com os processos maturacionais e

    os aspectos herdados. Ainda complementam este desenvolvimento a funo paterna e as

    relaes familiares. Porm a me que no capaz de abdicar de seus interesses e se ligar ao

    seu beb acaba por produzir uma criana com tentativas compensatrias das perdas

    iniciais, o que no garantia de uma mudana nas distores iniciais.

    Este beb que no recebeu o cuidado materno adequado sentir ameaas de

    aniquilamento, interrompendo o desenvolvimento da criana, desenvolver ansiedades e

    defesas como a desintegrao. O surgimento de um falso self tambm um dos aspectos

    que podem surgir neste beb, devido falha daquele que exerce a funo materna.

    Os resultados apresentados correspondem unicamente s verbalizaes da

    personagem Eva. Procurou-se aqui fazer uma associao do seu papel na funo materna

    com os aspectos que Winnicott considera importantes a respeito do desenvolvimento e

    organizao psquica da criana.

    Tambm destaca-se que esta apenas uma das teorias que trabalham o vnculo

    me-beb, bem como da influncia que o papel da me vem a exercer na constituio

    psquica do sujeito.

  • CONSIDERAES FINAIS

    A construo deste trabalho foi realizada a partir dos conceitos que Winnicott

    define ao longo da sua teoria, dentro da relao me-beb e denomina de funo materna.

    Aps as leituras de sua obra e o cruzamento dos conceitos, foi possvel compreender o

    papel que o cuidador exerce nesta funo.

    Entende-se que esta funo pode ser exercida por qualquer pessoa, porm

    Winnicott destaca que a me biolgica possuiu um tempo de preparo, de aumento da sua

    sensibilidade para com o beb, durante o perodo gestacional, seguindo durante os

    primeiros meses do beb. Obviamente que isto no impede que as mes adotivas, ou

    aquelas que inicialmente no pensavam na gravidez, possam se adaptar s necessidades de

    seus filhos.

    O que importante ressaltar, que foi a inteno deste trabalho, a funo materna

    da personagem Eva. Como foi colocado anteriormente, esta me no possua um desejo de

    ter um beb e mesmo com o acontecimento da gravidez consentida, ela no foi capaz de

    ver um sujeito no seu filho, no permitindo o vir-a-ser presente nesta criana. Ao pensar na

    teoria Winnicottiana, a personagem no foi capaz de exercer uma boa funo, ficando o

    questionamento: a funo existiu ou a funo foi falha? Parece-me que a personagem

    sequer exerceu algum tipo de funo com o seu beb, uma vez que no foi capaz de

    propiciar a iluso, nem de apresentar a realidade criana e muito menos abdicar das suas

    necessidades pelo beb. Ele aparece na obra o tempo todo como algo invasivo.

    Independente da funo materna necessrio destacar que na psicanlise

    winnicottiana, o ambiente e as relaes parentais tambm contribuem para o

    desenvolvimento e organizao psquica do beb. Neste trabalho no foi considerado

    aspectos do personagem Franklin. Primeiramente pelo livro se tratar apenas de cartas

    escritas pela Eva, tornando difcil separar o que so suas percepes quanto ao

    comportamento dos demais personagens, da realidade dos mesmos. E, depois, porque se

    considera necessrio um estudo minucioso, para o papel do pai na constituio do beb.

    Talvez esta seja uma das sugestes que este trabalho poder deixar: um estudo

    aprofundado da relao paterna na constituio do sujeito psquico, abrindo um maior

    entendimento a respeito dos papeis dos sujeitos dentro da famlia e das relaes que ali se

    estabelecem. Sabe-se que na teoria psicanaltica, atualmente, a importncia de ambos os

    pais definitiva para o desenvolvimento saudvel da criana.

  • A construo deste conhecimento tambm possibilitou compreender que a relao

    me-beb no possuiu um efeito de causa e consequncia, mas que depende de diversos

    fatores que esto presentes nesta relao, destacando o ambiente criado pela famlia e os

    aspectos maturacionais. Na verdade o desenvolvimento um conjunto de aes que o beb

    ter, conforme for estimulado pelo ambiente suficientemente bom. A falha deste ambiente

    poder ocasionar falhas no desenvolvimento saudvel.

    Outro ponto positivo na construo deste saber foi uma maior apropriao dos

    conceitos de Winnicott. Como foi dito no incio deste estudo, o seu trabalho como pediatra

    possibilitou que ele observasse as interaes do par me-beb, facilitando a compreenso

    desta ligao que se d desde o discurso dos pais at a adolescncia da criana. Acredita-se

    que o trabalho tenha clarificado as ligaes entre os conceitos desenvolvidos por Winnicott

    e que se tenha exemplificado com as falas da personagem quando esta relao falha.

    Algumas dificuldades se fizeram presentes durante a escrita e associao dos

    termos da teoria. Winnicott se utiliza de alguns conceitos prprios, sendo necessria uma

    explicao detalhada para que o leitor compreenda o sentido correto do emprego destes

    conceitos para que depois, a associao com as falas da personagem fosse pertinente.

    Apesar de existirem algumas categorias a priori, a criao das categorias a posteriori e a

    separao das verbalizaes de Eva dentro dos conceitos winnicottianos se mostrou

    bastante complicada, pois se percebe os conceitos atrelados, possibilitando diversas

    interpretaes.

    Mas a maior de todas as dificuldades apareceu na discusso dos resultados: como

    exemplificar as atitudes de Eva, atravs da teoria, sem parecer uma relao de

    causa/consequncia entre suas atitudes e o desenvolvimento psquico de Kevin? Procurou-

    se ento utilizar as verbalizaes que davam mais nfase aos pensamentos, reflexes e

    sentimentos da Eva nas situaes que envolvessem o Kevin e trabalhar os dados com os

    conceitos da funo materna, sem mencionar as possveis consequncias.

    Desta forma, os objetivos previstos para este trabalho foram atendidos com xito. A

    apresentao da psicanlise winnicottiana possibilitou uma discusso de resultados

    pertinentes com aquilo que se prospectou no projeto deste trabalho acerca da funo

    materna.

    Ao concluir esta etapa do processo, acredita-se que este estudo venha a fomentar

    maiores pesquisas nas relaes vinculares dos seres humanos, deixando aqui a sugesto de

    se trabalhar outras funes, como a parental, e outros tericos que trabalham com os

    vnculos que os sujeitos estabelecem ao longo de sua vida.

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