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ANA PAULA TIMÓTEO A IMPORTÂNCIA DO ENFERMEIRO FRENTE AO CUIDADO E CURATIVO DE PACIENTES QUEIMADOS FACULDADE MÉTODO DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO (LATO SENSU) MBA GESTÃO EM SAÚDE E CONTROLE DE INFECÇÃO HOSPITALAR São Paulo 2014

A IMPORTÂNCIA DO ENFERMEIRO FRENTE AO CUIDADO E CURATIVO DE PACIENTES QUEIMADOS · 2015. 4. 9. · 3 Timóteo, Ana Paula T482i Importância do enfermeiro frente ao cuidado e curativo

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  • ANA PAULA TIMÓTEO

    A IMPORTÂNCIA DO ENFERMEIRO FRENTE AO CUIDADO E

    CURATIVO DE PACIENTES QUEIMADOS

    FACULDADE MÉTODO DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO (LATO SENSU)

    MBA GESTÃO EM SAÚDE E CONTROLE DE INFECÇÃO HOSPITALAR

    São Paulo 2014

  • 2

    ANA PAULA TIMÓTEO

    A IMPORTÂNCIA DO ENFERMEIRO FRENTE AO CUIDADO E

    CURATIVO DE PACIENTES QUEIMADOS

    Trabalho de MBA em Gestão em saúde e controle das infecções hospitalares apresentado à Faculdade Método de São Paulo, como requisito parcial para obtenção de grau de especialista.

    Orientador: Mestre em Ciências do Cuidado em Saúde pela Universidade Federal Fluminense-UFF. Professora Orientadora de Trabalho de conclusão de curso MBA Gestão em Saúde e Controle de Infecção Hospitalar Thalita Gomes do Carmo.

    Co-orientador: Bacharel em Psicologia pela PUC Pontifícia Universidade Católica de Goiás, especialista em sexualidade pela AVM – Universidade Cândido Mendes-UCAM.

    São Paulo

    2014

  • 3

    Timóteo, Ana Paula

    T482i Importância do enfermeiro frente ao cuidado e curativo de pacientes

    queimados, A . [manuscrito] / Ana Paula Timóteo

    61f.,enc.

    Orientador: Thalita Gomes de Carmo

    Monografia: Faculdade Método de São Paulo

    Bibliografia: f. 61

    1. Queimaduras / Enfermagem 2. Complicações infecciosas/queimaduras 3. Cuidados de

    enfermagem 4. Enxertia 5. Atuação do enfermeiro 6. Humanização 7. Estresse

    psicológico. I. Título

    CDU: (043.2)

  • 4

    “A vitória pertence não aquele que

    nunca cai, mas sim aquele que nunca desiste

    de levantar.”

    Jô Furlan

  • 5

    SUMÁRIO

    LISTA DE TABELAS

    RESUMO...............................................................................................................................................08

    ABSTRACT……………………………………………………………………………………………………...09

    INTRODUÇÃO.......................................................................................................................................10

    OBJETIVO.............................................................................................................................................10

    METODOLOGIA....................................................................................................................................11

    DISCUSSAO..........................................................................................................................................12 CAPITULO I - A PELE...........................................................................................................................12 1.1 EPIDERME......................................................................................................................................13 1.2 DERME............................................................................................................................................16 1.3 HIPODERME...................................................................................................................................17 1.4 ANEXOS CUTÂNEOS.....................................................................................................................18 1.5 FISIOLOGIA DA PELE...................................................................................................................20

    CAPITULO II – QUEIMADURA.............................................................................................................22 2.1 TIPOS DE QUEIMADURAS............................................................................................................23 2.2 AVALIAÇÃO DA EXTENSÃO DA QUEIMADURA: ASCT – ÁREA DE SUPERFÍCIE CORPORAL TOTAL LESADA....................................................................................................................................25 2.3 TRATAMENTO DE EMERGÊNCIA EM SITUAÇÕES DE QUEIMADURAS: PRIMEIROS SOCORROS..........................................................................................................................................25 2.4 TRATAMENTO MEDICO DO PACIENTE COM QUEIMADURA....................................................26 2.5 ATUAÇÃO DA ENFERMAGEM NO TRATAMENTO E REABILITAÇÃO DO PACIENTE QUEIMADO...........................................................................................................................................30 2.6 CURATIVOS...................................................................................................................................31

    CAPITULO III - FISIOPATOLOGIA DE QUEIMADOS..........................................................................41 3.1 TIOPATOGENIA DA INFECÇÃO....................................................................................................42 3.2 APRESENTAÇÃO DAS INFECÇÕES...........................................................................................44

    RESULTADOS......................................................................................................................................51 CAPITULO I - A HUMANIZAÇÃO E O DESGASTE DA EQUIPE DE ENFERMAGEM NO TRATAMENTO DE QUEIMADOS.........................................................................................................51 1.1 HUMANIZAÇÃO............................................................................................................................. 51 1.2 O DESGASTE DA EQUIPE DE ENFERMAGEM FRENTE AO PACIENTE COM QUEIMADURAS....................................................................................................................................53

    CAPITULO II - FATORES PREDITIVOS E CONTROLE DE INFECÇÃO.............................................57

    CONCLUSÃO........................................................................................................................................60

    REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS......................................................................................................61

  • 6

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Anatomia da pele ............................................................................................12

    Figura 2 Tipos de queimaduras ....................................................................................23

  • 7

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Regra dos nove ...........................................................................................................25

    Tabela 2 Manifestações clinico/laboratoriais da sepse ..................................................46

  • 8

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ASCT Área de superfície corporal total queimada ou lesada

    ATLS A - vias aéreas; B - boa respiração; C - circulação; D - dano neurológico;

    E - exposição

    AGE Ácidos graxos essenciais

    SH Radical sulfidrila

    CTQ Centro de tratamento de queimadura ou queimados

    LPC Complexo lipoprotéico

    ITU Infecção do trato urinário

    TSS Síndrome do choque tóxico

    DF Distrito Federal

    CCIH Central de controle de infecção hospitalar.

  • 9

    RESUMO

    As queimaduras estão entre os mais comuns acidentes domésticos, neste

    contexto, mesmo em unidades de saúde não especializadas, invariavelmente a

    equipe de saúde depara-se com o paciente queimado, quer a nível ambulatorial,

    quer a nível interno. A queimadura é uma lesão em determinada parte do organismo

    desencadeada por um agente físico, que age no tecido causando destruição parcial

    ou total da pele e seus anexos podendo atingir camadas profundas. Nas

    queimaduras profundas há uma grande quantidade de tecidos necróticos, o que

    facilita o desenvolvimento de infecção. Apesar dos avanços no tratamento de

    queimados que vêm reduzindo as taxas de letalidade e melhorado a qualidade de

    vida das vítimas, as complicações infecciosas continuam representando um grande

    desafio e uma das principais causas de óbito no paciente queimado, uma vez que as

    queimaduras são um sítio favorável à multiplicação de microrganismos e infecção,

    principalmente devido às grandes áreas envolvidas e ao longo tempo de internação.

    Medidas de prevenção e tratamento das infecções são essenciais para a sobrevida

    dos pacientes com queimaduras. O presente trabalho fala sobre a semiologia da

    pele, a fisiopatologia de queimados, a assistência de enfermagem, as complicações

    infecciosas, a importância do curativo e o desgaste da equipe de enfermagem frente

    ao tratamento. Para tanto foi realizado um levantamento bibliográfico do referido

    tema. Conclui-se que um melhor conhecimento dos fatores preditivos para

    complicações infecciosas em pacientes queimados permite estimar a probabilidade

    de infecção o que poderá facilitar o diagnóstico e o tratamento precoces destas

    complicações, com uma terapia sistêmica adequada, contribuindo para reduzir a

    morbidade e a letalidade nesses pacientes.

    PALAVRAS CHAVE: Queimaduras/enfermagem; Complicações

    Infecciosas/queimaduras; Cuidados de enfermagem; Enxertia; Atuação do

    enfermeiro; Humanização; Estresse psicológico.

  • 10

    ABSTRACT

    Burns are among the most common household accidents in this context, even

    in non-specialized health facilities, health staff invariably faced with the burned

    patient, either on an outpatient basis, either internally. The burn is an injury in one

    part of the body triggered by a physical agent, which acts in the tissue causing partial

    or total destruction of the skin and its annexes may reach deep layers. In deep burns

    there is a large amount of necrotic tissue, which facilitates the development of

    infection. Despite advances in treatment of burns that have reduced mortality rates

    and improved quality of life of victims, infectious complications continue to represent

    a great challenge and a major cause of death in burn patients, since the burns are a

    site favorable to the multiplication of microorganisms and infection, mainly due to the

    la rge areas involved and the long hospitalization. Measures to prevent and treat

    infections are essential to the survival of patients with burns. This paper talks about

    the semiology of the skin, the pathophysiology of burns, nursing care, infectious

    complications, the importance of dressing and wear the nursing staff towards

    treatment. For that we carried out a literature on this issue. We conclude that a better

    knowledge of predictive factors for infectious complications in burned patients

    permits to estimate the probability of infection which may facilitate early diagnosis

    and treatment of these complications, with an appropriate systemic therapy, helping

    to reduce morbidity and mortality in these patients.

    KEYWORDS: Burns / nursing Complications, Infectious / burns; Nursing; Grafting;

    Nurse performance; Humanization; Psychological stress.

  • 11

    INTRODUÇÃO

    Queimadura é uma lesão em determinada parte do organismo desencadeada

    por um agente físico. Esses agentes agem no tecido causando destruição parcial ou

    total da pele e seus anexos podendo atingir camadas profundas.

    A pele é um órgão integrante do sistema tegumentar de grande complexidade

    e constitui a interface do corpo humano com o meio externo, exercendo funções

    cruciais para a vida. É o principal órgão humano atingido em queimaduras,

    constituindo assim um dos principais alvos deste estudo. Nas queimaduras

    profundas há uma grande quantidade de tecidos necróticos, o que facilita o

    desenvolvimento de infecção, pois esses tecidos fornecem nutrientes para as

    bactérias que requerem pouco oxigênio para a sobrevivência, consumindo-o e

    diminuindo ainda mais a quantidade de oxigênio disponível para os tecidos.

    As sequelas de queimaduras refletem de modo negativo na autoestima e

    estigmatizam o individuo perante a sociedade. Os pacientes com queimaduras

    representam um pesado ônus social e econômico, tanto durante sua recuperação

    quanto ao longo de suas vidas. Os avanços no tratamento de queimados têm

    reduzido as taxas de letalidade e melhorado a qualidade de vida das vitimas de

    queimaduras. Mas apesar do desenvolvimento de potentes agentes antimicrobianos

    tópicos e sistêmicos, dos avanços no suporte nutricional e do uso de técnicas

    cirúrgicas de excisão de tecidos desvitalizados e enxertia precoce na área

    queimada, as complicações infecciosas continuam representando um grande desafio

    e uma das principais causas de óbito no paciente queimado.

    OBJETIVO

    Tem sido afirmado que “o cuidado com as feridas não pode ser um procedimento

    automático, mas um ‘exercício científico’, em que o enfermeiro deve atuar de forma

    consciente visando aplicar medidas que possam facilitar o processo de cicatrização”

    (Monetta 1990). Assim, o objetivo deste estudo foi descrever, mediante revisão de

    literatura, a estrutura da pele e seus anexos; os tipos de queimaduras, primeiros

    http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%93rg%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sistema_tegumentar

  • 12

    socorros e os tratamentos médicos recomendados; aos agentes tópicos e tipos de

    cobertura que têm sido recomendados no tratamento de queimaduras; discutir as

    implicações do uso desses produtos no processo de cicatrização; bem como os

    principais quadros infecciosos que acometem estes pacientes alem do

    relacionamento enfermeiro/paciente queimado visando o desenvolvimento de

    medidas preventivas de controle destes quadros e, conseqüentemente, a diminuição

    do índice de letalidade e melhorando a atuação do enfermeiro frente à complexidade

    destes pacientes.

    METODOLOGIA

    Para tanto foi realizada uma revisão literária com a finalidade de verificar a

    produção do conhecimento em periódicos sobre queimaduras, humanização da

    assistência e complicações infecciosas nos últimos cinco anos. A busca reuniu

    artigos publicados a partir da base de dados do LILACS (Literatura Latino Americana

    e do Caribe em ciências da Saúde), MEDLINE (Medical Literature Analysis and

    Retrieval System – on-line) e BDENF (Base de Dados da Enfermagem) tendo como

    palavras chave: queimaduras, tratamento queimados, queimados, enxertia de

    queimados, humanização, complicações Infecciosas, cuidados de enfermagem,

    atuação do enfermeiro e estresse psicológico.

    No estudo, foram incluídos apenas os artigos localizados na Biblioteca da

    FASB e da Biblioteca do Centro de Colaborador da OPAS – Organização Pan-

    americana de Saúde e OMS – Organização Mundial de Saúde para pesquisa de

    publicações científicas em saúde – Bireme. Para o aprofundamento teórico se

    buscaram o embasamento teórico em fontes complementares como livros,

    periódicos, artigos.

  • 13

    DISCUSSAO

    CAPITULO I - A PELE

    A pele (cútis ou tez), em anatomia, é o órgão integrante do sistema

    tegumentar junto ao cabelo e pelos, unhas, glândulas sudoríparas e sebáceas. A

    pele é um órgão complexo composto por diversos tecidos, tipos celulares e

    estruturas especializadas. Constitui a interface do corpo humano com o meio

    externo, exercendo funções cruciais para a vida, como termorregulação, vigilância

    imunológica, sensibilidade e proteção do indivíduo contra agressões exógenas, de

    natureza química, física ou biológica, e contra a perda de água e de proteínas para o

    exterior.

    Fig.1

    É o maior órgão do corpo humano e representa 15% do peso corpóreo, com

    variações estruturais ao longo de sua extensão. É composta por três camadas

    interdependentes: a epiderme, mais externa; a derme, intermediária; e a hipoderme

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Anatomiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%93rg%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sistema_tegumentarhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sistema_tegumentarhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Cabelohttp://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%AAlohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Unhahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Gl%C3%A2ndula_sudor%C3%ADparahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Gl%C3%A2ndula_seb%C3%A1cea

  • 14

    ou panículo adiposo, sobre a qual repousam as camadas já citadas, permitindo que

    a pele se movimente livremente sobre as estruturas mais profundas do corpo.

    1.1 EPIDERME

    A epiderme consiste em um epitélio pavimentoso estratificado e queratinizado,

    de origem ectodérmica. Sua espessura varia aproximadamente de 0,04 a 1,5 mm de

    acordo com a topografia; 95% das células que compõem a epiderme são

    queratinócitos organizados em quatro camadas que se renovam continuamente. São

    elas: camada basal ou germinativa, camada espinhosa, camada granulosa e

    camada córnea. A camada mais profunda, a basal, apresenta atividade mitótica, e

    os queratinócitos resultantes da divisão celular sofrem diferenciação à medida que

    são empurrados para as camadas mais superiores, sintetizando quantidade

    crescente de queratina no seu citoplasma. O tempo de maturação de uma célula

    basal até atingir a camada córnea é de aproximadamente 26 dias.

    As camadas da epiderme estão dispostas de modo que sua superfície é

    relativamente plana, com exceção das áreas das pregas cutâneas, submetidas a

    extensões e contrações. A base da epiderme é sinuosa, formada por cones

    epidérmicos que se projetam na derme e encontram-se intercalados com projeções

    digitiformes da derme denominadas papilas. Essa disposição confere grande adesão

    da epiderme com a derme e maior superfície de contato entre elas, permitindo uma

    área eficaz de troca entre esses dois componentes, já que a epiderme é avascular e

    sua nutrição deriva dos capilares dérmicos.

    Intercalados entre os queratinócitos, há outros tipos celulares, como os

    melanócitos, as células de Langerhans e as células de Merkel.

    População Queratocítica

    Camada Basal

    É a camada mais profunda da epiderme, delimitando-se com a derme. É

    constituída habitualmente por única camada de queratinócitos que possuem

    citoplasma basófilo e núcleos grandes, alongados, ovais e hipercromáticos, em

    contínua divisão mitótica.

  • 15

    Camada Espinhosa ou Malpighiana

    Situa-se logo acima da camada basal e é formada por 5 a 10 camadas de

    queratinócitos com configuração poliédrica, achatando-se progressivamente em

    direção à superfície, com seus maiores eixos paralelos a esta.

    As células espinhosas estão unidas mecanicamente entre si e às células

    basais subjacentes por meio de pontes intercelulares denominadas desmossomos,

    estruturas complexas que conferem à pele resistência a traumas mecânicos. Na

    camada basal, há apenas uma placa de aderência ligando a membrana plasmática

    das células basais à membrana basal; essas estruturas de adesão são chamadas

    hemidesmossomos. Anormalidades dos desmossomos causam separação das

    células (acantólise), com formação de bolhas ou vesículas na epiderme. É o que

    ocorre em doenças autoimunes como pênfigo foliáceo e pênfigo vulgar, onde há

    produção de anticorpos contra as desmogleínas 1 e 3 (constituintes dos

    desmossomos), respectivamente.

    Camada Granulosa

    É composta por 1 a 3 camadas achatadas de queratinócitos com formato

    losangulare citoplasma repleto de grânulos de querato-hialina, que dá origem à

    filagrina, importante componente do envelope das células corneificadas. Nesta

    camada, já se observam, além da filagrina, os outros componentes necessários para

    a morte programada das células e a formação da barreira superficial impermeável à

    água, como involucrina, queratolinina, pancornulinas e loricrina.

    Na pele da região palmoplantar, há uma camada adicional entre as camadas

    granulosa e córnea denominada estrato lúcido. Suas células são anucleadas e

    formam uma faixa clara e homogênea, fortemente coradas pela eosina à

    microscopia óptica.

    Camada Córnea

    É a camada mais superficial da pele. Sua espessura é variável de acordo com

    a topografia anatômica, sendo maior nas palmas e plantas. O processo de

    maturação dos queratinócitos está completo no estrato córneo, apresentando células

    anucleadas com um sistema de filamentos de queratina imerso em uma matriz

    contínua circundada por membrana celular espessada.

  • 16

    População Não-queratocítica

    Melanócitos

    São células dendríticas de origem ectodérmica que sintetizam pigmento

    melânico. Localizam-se na camada basal e seus dendritos estendem-se por longas

    distâncias na epiderme, estando em contato com muitos queratinócitos para os

    quais transfere melanina. O melanócito e os queratinócitos com os quais se

    relaciona constituem as unidades epidermomelânicas da pele, numa proporção de 1

    para 36, respectivamente.

    Células de Langerhans

    São células dendríticas originadas na medula óssea que constituem 2 a 8%

    das células da epiderme e localizam-se na camada espinhosa. Na microscopia

    eletrônica, são caracterizadas por estruturas citoplasmáticas denominadas grânulos

    de Birbeck, que se assemelham a uma raquete de tênis. Têm função imunológica,

    como células apresentadoras de antígenos aos linfócitos T.

    Células de Merkel

    São células de origem controversa encontradas nas extremidades distais dos

    dedos, lábios, gengivas e bainha externa dos folículos pilosos. Alguns acreditam que

    sejam de origem neuroendócrina, pois apresentam grânulos intracitoplasmáticos

    com substâncias neurotransmissoras e estão em contato íntimo com fibras nervosas

    da derme, constituindo os discos de Merkel, que provavelmente são

    mecanorreceptores.

    Junção Dermoepidérmica

    As células da camada basal da epiderme repousam sobre uma estrutura

    chamada membrana basal. À microscopia óptica, essa zona limítrofe corada pelo

    ácido periódico de Schiff (PAS) revela uma delgada zona uniforme de reação

    intensa. Os estudos de microscopia eletrônica esclareceram a complexidade dessa

    região, o que vem facilitando a compreensão de várias doenças cutâneas. A zona da

    membrana basal é constituída por 4 áreas distintas: a membrana celular da célula

    basal; a lâmina lúcida, sob a membrana plasmática dos queratinócitos basais, com

    seus hemidesmossomos; a lâmina densa, formada por colágeno tipo IV; e a lâmina

    fibrorreticular, que se continua com a derme subjacente.

  • 17

    A função da zona da membrana basal é fornecer a ancoragem e a adesão da

    epiderme com a derme, mantendo a permeabilidade nas trocas entre estes dois

    componentes e atuando como filtro para a transferência de materiais e células

    inflamatórias ou neoplásicas.

    Várias doenças mecanobolhosas hereditárias e auto-imunes envolvem a

    separação e a formação de bolhas em vários níveis da junção dermoepidérmica,

    como epidermólise bolhosa, penfigoide bolhoso, penfigoide gestacional e lúpus

    eritematoso bolhoso.

    1.2 DERME

    A derme é a camada situada logo abaixo da epiderme, formada por denso

    estroma fibroelástico de tecido conectivo em meio a uma substância fundamental,

    que serve de suporte para extensas redes vasculares e nervosas, e anexos

    cutâneos que derivam da epiderme.

    Os principais componentes da derme incluem o colágeno (70 a 80%) para

    resistência, a elastina (1 a 3%) para elasticidade e os proteoglicanos, que

    constituem a substância amorfa em torno das fibras colágenas e elásticas.

    A derme divide-se em papilar (mais externa), reticular (mais interna) e derme

    perianexial. A derme papilar é mais delgada, altamente vascularizada e preenche as

    concavidades entre as cristas epidérmicas, dando origem às papilas ou cristas

    dérmicas. É formada por feixes delicados de fibras colágenas (principalmente do tipo

    III) e elásticas, dispostas em uma rede frouxa, circundada por abundante gel de

    mucopolissacarídeos. A derme reticular compõe a maior parte da espessura da

    derme, está abaixo do nível das cristas epidérmicas e é constituída de fibras

    colágenas (principalmente do tipo I) entrelaçadas, além de fibras elásticas que estão

    dispostas paralelamente à superfície da pele. A derme perianexial tem a mesma

    estrutura da derme papilar, mas localiza-se em torno dos anexos cutâneos.

    O sistema elástico, que permeia as fibras colágenas das dermes papilar e

    reticular, é responsável pela elasticidade cutânea, ou seja, capacidade da pele de

    retornar à posição original quando submetida ao estiramento.

  • 18

    A derme contém população mista de células, incluindo fibroblastos, fibrócitos,

    macrófagos teciduais, melanófagos, mastócitos e leucócitos sanguíneos (como

    neutrófilos, eosinófilos, linfócitos, monócitos e plasmócitos).

    Vascularização

    O suprimento vascular da pele é limitado à derme e constitui-se de um plexo

    profundo em conexão com um plexo superficial. Estes plexos correm paralelos à

    superfície cutânea e estão ligados por vasos comunicantes dispostos

    perpendicularmente.

    O plexo superficial situa-se na porção superficial da derme reticular, com

    arteríolas pequenas das quais partem alças capilares que ascendem até o topo de

    cada papila dérmica e retornam como capilares venosos.

    O plexo profundo situa-se na base da derme reticular e é composto por

    arteríolas e vênulas de paredes mais espessas. Há ligação íntima entre os plexos

    por meio dos vasos comunicantes, e o controle do fluxo sanguíneo dérmico por

    esses vasos contribui para o controle da temperatura corpórea.

    1.3 HIPODERME

    A hipoderme ou panículo adiposo é a camada mais profunda da pele e está

    organizada em lóbulos de gordura divididos por septos fibrosos compostos de

    colágeno, por onde correm vasos sanguíneos, linfáticos e nervos. Une a derme à

    fáscia profunda subjacente, absorve choques e funciona como isolante térmico.

    Inervação

    A inervação da pele é abundante e constituída por nervos motores

    autonômicos e por nervos sensoriais somáticos.

    O sistema autonômico é composto por fibras simpáticas e é responsável pela

    piloereção, constrição da vasculatura cutânea e secreção do suor. As fibras que

    inervam as glândulas écrinas são simpáticas, mas têm como neurotransmissor a

    acetilcolina.

  • 19

    O sistema somático é responsável pelas sensações de dor, prurido, tato suave,

    tato discriminativo, pressão, vibração, propriocepção e térmica. Os nervos sensitivos

    têm receptores especializados divididos funcionalmente em mecanorreceptores,

    termorreceptores e nociceptores. Morfologicamente, estes receptores podem

    constituir estruturas especializadas, como:

    corpúsculos de Vater-Pacini, nas regiões palmoplantares, específicos

    para pressão e vibração;

    corpúsculos de Meissner, nas polpas dos dedos, específicos para o tato;

    corpúsculos de Krause, nas áreas de transição entre pele e mucosas,

    sensíveis ao frio;

    corpúsculos de Ruffini, sensíveis ao calor.

    Podem também ser desprovidos de características estruturais específicas, que

    são as terminações nervosas livres responsáveis pela sensibilidade da dor, prurido e

    parte da térmica.

    1.4 ANEXOS CUTÂNEOS

    Unidade Pilossebácea

    As unidades pilossebáceas são encontradas sobre toda a superfície da pele,

    exceto nas regiões palmoplantares, nos lábios e na glande. Compõem-se de uma

    haste pilosa circundada por bainha epitelial contínua com a epiderme, uma glândula

    sebácea, musculatura lisa piloeretora e, em certas regiões corpóreas, ducto excretor

    de uma glândula apócrina que desemboca acima da glândula sebácea.

    A haste pilosa é a parte do pelo que se projeta para fora da pele, e sua raiz é a

    região que fica dentro da pele. A haste é composta por cutícula externa, córtex

    intermediário e medula. A bainha epitelial da raiz divide-se em bainhas radiculares

    externa e interna. A externa dá continuidade às células da camada espinhosa da

    epiderme superficial, e a interna é formada por três camadas celulares distintas:

    camada de Henle, camada de Huxley e cutícula, formada por escamas que se

    entrelaçam com as escamas da cutícula do pelo.

    Na porção mais inferior do folículo piloso, há uma expansão chamada de bulbo

    piloso, que contém a matriz do pelo. Nela ocorre a atividade mitótica do pelo e

  • 20

    encontram-se os melanócitos, sendo, portanto, responsável pelo crescimento e

    pigmentação do pelo.

    Há dois tipos de pelo: o lanugo ou pelo fetal, que são curtos, delicados e claros,

    idênticos aos pelos velus do adulto; e o terminal, mais grosso, escuro e grande,

    encontrado nas axilas, cabelos, barba e região púbica.

    Os pelos não crescem continuamente, e sim de maneira cíclica, podendo-se

    identificar 3 fases distintas:

    anágena: fase de crescimento ativo, com duração de 2 a 3 anos;

    corresponde a 85% dos cabelos;

    catágena: fase de involução, com duração de 3 semanas; corresponde a

    1% dos cabelos;

    telógena: fase de queda, com duração de 3 a 4 meses; corresponde a

    14% dos cabelos.

    As glândulas sebáceas são glândulas holócrinas cuja função é produzir o

    sebo, que é uma combinação de ésteres de cera, esqualeno, ésteres de colesterol e

    triglicérides. É secretado através do ducto sebáceo na luz do folículo piloso e

    recobre a superfície cutânea, atuando como lubrificante natural do pelo, além de

    evitar a perda de água pela camada córnea, proteger contra excesso de água na

    superfície e ter ação bactericida e antifúngica. Ocorrem por toda a pele, exceto na

    região palmoplantar, e seu controle é hormonal, especialmente andrógeno.

    Glândulas Sudoríparas Écrinas

    As glândulas sudoríparas écrinas derivam da epiderme e não pertencem à

    unidade pilossebácea. Cada glândula é um túbulo simples com um segmento

    secretor enovelado situado na derme e um ducto reto que se estende até a

    superfície da pele. São inervadas por fibras simpáticas, mas têm a acetilcolina como

    mediador.

    Estão localizadas em toda a superfície cutânea, exceto nas áreas de pele

    modificada, como os lábios, os leitos ungueais e a glande. Participam da

    termorregulação, produzindo suor hipotônico que evapora durante o calor ou

    estresse emocional.

  • 21

    Glândulas Sudoríparas Apócrinas

    As glândulas sudoríparas apócrinas derivam da epiderme e fazem parte da

    unidade pilossebácea, desembocando, em geral, nos folículos pilosos. Localizam-se

    nas axilas, escroto, prepúcio, pequenos lábios, mamilos e região perineal, além de,

    modificadamente, nas pálpebras (glândulas de Moll), mamas (glândulas mamárias) e

    conduto auditivo externo (glândulas ceruminosas). Produzem secreção viscosa e

    leitosa constituída de proteínas, açúcares, amônio e ácidos graxos; é inodora

    quando atinge a superfície, mas as bactérias a decompõem, causando odor

    desagradável. São inervadas por fibras nervosas simpáticas e estão sob controle

    dos hormônios sexuais. Sua função provavelmente representa vestígios de espécies

    inferiores, cuja comunicação sexual se dá por meio de substâncias químicas.

    Unhas

    São placas córneas localizadas no dorso das falanges distais dos quirodáctilos

    e pododáctilos. São compostas por 4 partes: a raiz, parte proximal recoberta por

    uma prega de pele chamada de prega ungueal proximal; a lâmina, que está aderida

    sobre o leito ungueal; as dobras laterais, que cobrem as bordas laterais da lâmina

    ungueal; e a borda livre.

    No leito ungueal, a epiderme apresenta somente a camada basal, que se torna

    opaca na sua parte proximal, formando a lúnula. Aí encontra-se a matriz, que tem

    intensa atividade proliferativa e é responsável pelo crescimento da unha.

    1.5 FISIOLOGIA DA PELE

    As várias estruturas da pele exercem funções primordiais para a sobrevivência

    do organismo. São elas:

    O estrato córneo atua como barreira para a perda de água das

    camadas epidérmicas internas e para lesão proveniente do ambiente

    externo, como a entrada de agentes tóxicos e micro-organismos.

    Os melanócitos exercem proteção contra os efeitos indesejáveis da

    radiação solar ultravioleta por meio da melanina, que a absorve

    amplamente.

    Os nervos dérmicos têm a importante função de percepção do meio.

  • 22

    As fibras colágenas e elásticas da derme e sua substância fundamental

    conferem à pele propriedades viscoelásticas e de resistência que a

    protegem contra as forças de cisalhamento.

    A termorregulação se dá pela extensa rede vascular cutânea, através do

    controle do fluxo sanguíneo, e pelas glândulas sudoríparas écrinas, cuja

    secreção proporciona o resfriamento por evaporação a partir da

    superfície da pele.

    O papel da pele na proteção imunológica do organismo se deve

    principalmente à célula de Langerhans, que participa de várias reações

    imunológicas, inclusive na interação macrófago-célula T e nas

    interações entre linfócitos T e B.

    A pele desempenha uma função endócrina, pois a ação da radiação

    ultravioleta sobre o 7-deidrocolesterol nos ceratinócitos forma a vitamina

    D3, que estimula a absorção de cálcio e fosfato no intestino.

  • 23

    CAPITULO II - QUEIMADURA

    Queimadura é uma lesão em determinada parte do organismo desencadeada

    por um agente físico. Dependendo deste agente podem ser classificadas em

    térmicas, elétricas e químicas. Esses agentes agem no tecido causando destruição

    parcial ou total da pele e seus anexos podendo atingir camadas profundas, como

    tecido subcutâneo, músculos tendões e ossos. (KNOBEL, 2006).

    Queimaduras são lesões comuns, a maioria de pequena extensão auto-

    tratáveis, aquelas com maior extensão são lesões graves que exigem tratamentos

    intensivos e reabilitação.

    As lesões por queimadura representam um importante problema de saúde em

    termos de tratamento e cuidados em pacientes sobreviventes e o traumatismo

    ocasionado pela queimadura, na maioria das vezes, é uma das mais devastadoras

    ocorrências na vida do indivíduo.

    No entender de Dal Molin, (2004) a dor causada pela queimadura faz com

    que, na situação de emergência domiciliar, as pessoas utilizem pomadas e

    ungüentos além de uma infinidade de outros produtos (borra de café, margarina,

    creme dental, etc.). A pasta de dente, por exemplo, pelo seu frescor que é

    freqüentemente usada, no entanto, há substâncias antissépticas que são

    extremamente irritantes aos tecidos expostos na zona da lesão queimada. O

    controle da dor é um dos principais objetivos da enfermagem no tratamento do

    paciente queimado.

    Na vigência da dor o paciente poderá apresentar vários sintomas segundo,

    Smeltzer et al, (2006) taquicardia, sudorese, hipertensão, agitação e desconforto

    respiratório. Medidas de controle, analgésico e sedação são freqüentemente

    necessárias. A gravidade de uma queimadura é determinada principalmente pela

    extensão, área de superfície corporal total queimada (ASCT) e pela sua

    profundidade.

  • 24

    O tratamento de um paciente queimado inclui vários procedimentos,

    dependendo da extensão e da gravidade das queimaduras, atendimento de

    emergência, alívio da dor, debridamento e enxertia entre outros. Uma boa equipe

    multiprofissional, com Médicos, Fisioterapeutas, Enfermeiros, Psicólogos e

    Terapeuta ocupacional são imprescindíveis para a recuperação do paciente

    (ERAZO, 2006).

    2.1 TIPOS DE QUEIMADURAS

    Costuma-se classificar as queimaduras de acordo com a profundidade da

    pele lesada. Refletindo sobre esse assunto, Knobel, (2006) relata que essa

    classificação é importante para se avaliar a previsão de cicatrização e cura da

    queimadura. Quanto mais superficiais, melhor o prognóstico. Em todos os tipos de

    lesão, várias células epiteliais vão formar novas camadas finas e secas. A pele em

    regeneração deve ser protegida contra traumas, temperatura, exposição ao sol.

    Podemos classificar as queimaduras da seguinte forma:

    Fig. 2

    Queimadura superficial ou 1º grau

    Nesta queimadura, o traumatismo e a lesão celular ocorrem apenas na parte

    externa da epiderme. Devido à natureza avascular da epiderme externa, não

    ocorrerá sangramento. Normalmente, ocorre uma leve reação inflamatória e a pele

    estará dolorida ao toque, mas não se formarão bolhas e a cicatrização normalmente

  • 25

    ocorrerá dentro de 2 a 5 dias. Haverá também algum “despelamento” (descamação)

    da epiderme externa.

    Queimadura superficial de espessura parcial ou 2º grau

    Numa lesão de espessura parcial, a lesão ocorre através da epiderme até as

    camadas superiores da derme. A camada epidérmica é completamente destruída,

    mas a camada dérmica sofre apenas lesão leve a moderada. Este tipo de

    queimadura é extremamente doloroso, devido à irritação das terminações nervosas

    e dos sensores para a dor que sobrevive ao insulto térmico.

    Queimadura profunda de espessura parcial ou 2º grau profundo:

    Envolve a destruição da epiderme e uma grave lesão também da camada

    dérmica. A maioria das terminações nervosas, folículos pilosos e glândulas

    sudoríparas serão lesionados, com a destruição da maioria da derme. Esta é ainda

    uma lesão dolorosa, porque nem todas as terminações nervosas foram destruídas.

    O tecido pode estar anestesiado imediatamente após o traumatismo provocado pela

    queimadura. Haverá o desenvolvimento de escaras, ou de tecido morto resultante da

    lesão e da destruição tissular, em decorrência da presença da lesão necrosada e do

    plasma. Queimaduras classificadas inicialmente como segundo grau podem

    aprofundar-se na coexistência de infecção local.

    Queimadura de espessura integral ou 3º grau

    Neste caso todas as camadas epidérmicas e dérmicas estão completamente

    destruídas. A extensão da lesão leva à necrose de coagulação das células,

    destruição dos vasos sanguíneos, edema maciço e infiltração celular na ferida.

    Devido à completa destruição das terminações nervosas na área, a ferida estará

    relativamente indolor. É altamente provável a ocorrência de infecção e todos os

    esforços precisam ser feitos para manter um mínimo de infecção.

    Queimadura elétrica ou 4º grau

  • 26

    Envolve a completa destruição de todos os tecidos, desde a epiderme até (e

    inclusive) o tecido ósseo subjacente. Este tipo de queimadura ocorre normalmente

    em resultado do contato com a eletricidade e, se a corrente for forte o suficiente,

    também poderão ocorrer fraturas do osso subjacente.

    2.2 AVALIAÇÃO DA EXTENSÃO DA QUEIMADURA: ASCT – ÁREA DE

    SUPERFÍCIE CORPORAL TOTAL LESADA

    Existe um método bastante simples para se obter a área de superfície

    corporal total lesada: o Método de Wallace, também conhecido com a Regra dos

    Nove. Esta regra emprega valor igual a nove ou múltiplo de nove às partes

    atingidas. Use-a para estimar o percentual atingido pela lesão (SMELTZER et al,

    2006).

    Regra dos nove

    Cabeça – 9%;

    Braços – 9% cada um;

    Tronco – 36% (face anterior e posterior);

    Pernas – 18% cada uma;

    Genitália – 1%.

    2.3 TRATAMENTO DE EMERGÊNCIA EM SITUAÇÕES DE

    QUEIMADURAS: PRIMEIROS SOCORROS

    Queimaduras são relativamente comuns. Uma fogueira pode ficar fora de

    controle, um fogareiro e a churrasqueira pode dar problema. Não importa qual o tipo

    de queimadura, o primeiro cuidado é a interrupção do agente agressor (ERAZO,

    2006).

    Como proceder em casos de queimaduras?

    1 – Retirar a vitima do contato com a causa da queimadura:

    a) Lavando a área queimada com bastante água, no caso de

    gentes químicos; retirar a roupa do acidentado, se ela ainda

    contiver parte da substância que causou a queimadura;

  • 27

    b) Apagando o fogo, se for o caso, com extintor (apropriado),

    abafando-o com um cobertor ou simplesmente rolando o

    acidentado no chão;

    2 - Verificar se a respiração, o batimento cardíaco e o nível de

    consciência do acidentado estão normais.

    3 - Para aliviar a dor e prevenir infecção no local da queimadura:

    a) Mergulhar a área afetada em água limpa ou em água corrente, até

    aliviar a dor. Não romper as bolhas e nem retirar as roupas queimadas

    que estiverem aderidas à pele. Se as bolhas estiverem rompidas, não

    colocá-las em contato com a água;

    b) Não aplicar pomadas, líquidos, cremes e outras substâncias sobre a

    queimadura. Elas podem complicar o tratamento e necessitam de

    indicação médica.

    4 - Se a pessoa estiver consciente e sentir sede, deve ser-lhe dado

    toda água que deseja beber, porém lentamente e com cuidado.

    5- Encaminhar logo que possível à vítima ao Posto de Saúde ou ao

    Hospital, para avaliação e tratamento.

    Outros cuidados:

    a) Não dê água a pacientes com mais de 20% do corpo queimado;

    b) Não coloque gelo sobre a queimadura;

    c) Não dê qualquer medicamento intramuscular, subcutânea ou pela

    boca sem consultar um Médico, exceto em caso de emergência

    cardíaca;

    d) Não jogar água em queimaduras provocadas por pós-químicos;

    recomenda-se cal e escovação da pele e da roupa.

    e) Deve-se providenciar o transporte imediato do acidentado, quando

    a área do corpo queimada for estimada entre 60 e 80%.

    f) Além da percentagem da área corporal atingida, a gravidade das

    queimaduras é maior nos menores de 5 anos e maiores de 60.

  • 28

    2.4 TRATAMENTO MEDICO DO PACIENTE COM QUEIMADURA

    O tratamento deve ser planejado de acordo a extensão e profundidade da

    queimadura, quando a área de superfície corporal total é muito grande o risco de

    morte e complicações aumenta.

    Deve-se controlar a dor, fazer debridamento, escarotomia, fasciotomia,

    enxertos, balneoterapia, manter o equilíbrio hidricoeletrolítico bem como, seus sinais

    vitais para que o cliente não desenvolva choque hipovolemico, por causa da perda

    excessiva de líquidos. Problemas respiratórios podem surgir, caso ouve inalação de

    fumaça e toxinas, atentar também ao risco de se desenvolver uma infecção por

    perda da primeira camada de proteção da pele (IRION, 2005).

    Exame básico (ATLS)

    A – Vias Aéreas

    B – Boa Respiração

    C – Circulação

    D – Dano Neurológico

    E – Exposição

    Controle da dor

    O tratamento da dor é de responsabilidade do médico e da enfermeira, além

    disso, temos de avaliar as causas e adotar as providências para eliminar ou

    minimizar com o uso de analgésicos prescritos, como os opióides, antiinflamatórios,

    cloridrato de tramal, entre outros. O Enfermeiro é responsável por este processo;

    contudo, podemos perceber o quanto ele está atrelado ao que o médico diz e

    prescreve. Isto se comprova por intermédio de pesquisas que apontaram o cuidado

    centrado no aspecto farmacológico (DAL MOLIN, 2004).

    Escarotomia

    É um procedimento de emergência realizado por um medico com experiência

    no atendimento a queimados. Irion, (2005), dá destaque que, no caso de

    queimaduras de espessura total circunferências de membros ou do tronco, podem

  • 29

    ser necessárias à realização de escarotomia. O edema tecidual pode causar

    compressão de estruturas em membros e predispor à necrose de extremidades. O

    aspecto duro e inelástico da pele com queimadura de terceiro grau restringe os

    movimentos respiratórios e pode levar a insuficiência respiratória.

    Este procedimento deve ser realizado na sala de emergência ou mesmo no

    leito do paciente. É feita a incisão da pele em toda a sua espessura, atingindo-se o

    subcutâneo. A pele queimada de terceiro grau é insensível, mas pode ocorrer dor

    com a incisão atingindo o subcutâneo. Analgesia proporcional à dor deve ser

    administrada por via venosa.

    Fasciotomia

    Procedimento realizado na emergência por cirurgião experiente, indicado

    quando se suspeita de síndrome de compartimento no antebraço ou perna,

    geralmente em lesões decorrentes da passagem de corrente de alta voltagem

    (IRION, 2005).

    Debridamento

    É muito importante para diminuir a ameaça de infecção. À medida que os

    resíduos se acumulam na superfície da ferida, eles podem retardar a migração dos

    queratinócitos, atrasando, assim, o processo de epitelização. O debridamento, outra

    faceta do cuidado de queimadura, apresente duas metas:

    Para remover o tecido contaminado por bactérias e corpos

    estranhos, protegendo, assim, o paciente contra a invasão de bactérias.

    Para remover o tecido desvitalizado ou a escara da queimadura

    na preparação para a enxertia e cura da ferida. (SMELTZER et al, 2006p.

    1822).

    Há o debridamento mecânico, onde o tecido morto é segregado com o uso de

    tesouras, pinças ou escovas para separar e remover. Existem fármacos como:

    colagenase, purinol, alginato, dexene, de uso tópico que fazem debridamento, como

    também o uso de hidroterapia. Tanto o debridamento mecânico como o cirúrgico é

    feito sobre a ação de anestésicos, principalmente se o cliente tiver uma queimadura

    grande e profunda (IRION, 2005).

  • 30

    Enxertos

    Queimaduras grandes e profundas não conseguem se regenerar por si só. A

    regeneração será lenta por segunda intensão, poderia deixar defeitos como, perda

    da função e contração no local. Os enxertos podem ser de pele de seres humanos

    vivos ou mortos: aloenxertos, a membrana da placenta humana e pele de porcos:

    xenoenxertos. O próprio paciente, autoenxerto, no entanto, pode ser o doador se as

    áreas de retirada do enxerto não estiverem comprometidas, os locais mais comuns

    são as coxas, nádegas e tronco (SMELTZER et al, 2006).

    Pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)

    conseguiram pela primeira vez no país reproduzir a pele humana em laboratório. A

    descoberta abre caminho para o tratamento sem rejeição em pacientes com úlceras,

    queimaduras e lesões.

    O estudo é também o primeiro a ser publicado sobre o tema na literatura

    mundial, segundo a coordenadora da pesquisa, a dermatologista Beatriz Puzzi. O

    método foi apresentado em dois congressos, entre eles o 4º Congresso Mundial de

    Banco de Tecidos, em maio no Rio - o estudo recebeu o prêmio de pesquisa

    inovadora. (UNICAMP, 2005).

    Problemas respiratórios

    A inalação de fumaça ou substâncias tóxicas pode causar lesões e levar ao

    óbito grande parte dos clientes. As alterações respiratórias mais complicadas são

    pneumonia e embolia pulmonar (KNOBEL, 2006).

    A equipe de enfermagem deve ficar atenta para sinais de hipoxemia,

    taquicardia, sudorese e cianose. Essas lesões causadas podem destruir a árvore

    respiratória provocando, edema e obstrução (SMELTZER et al, 2006).

    Reposição hídrica

    Após controlar a resposta respiratória e dor a enfermeira deve ficar atenta

    para os sinais de hipovolemia e choque, fazendo a reposição de líquidos e eletrólitos

  • 31

    perdidos que foram prescritos. A punção de um acesso venoso calibroso é de

    grande importância, mantê-lo fluindo (SMELTZER et al, 2006).

    Risco de infecção

    Apesar das precauções assépticas e do uso de agentes antimicrobianos

    tópicos a queimadura é um meio excelente para o crescimento e proliferação

    bacteriana. Bactérias como Staphylococcus e Pseudomonas são as mais comuns.

    Os agentes microbianos mais usados são o de uso tópico, como, sulfadiazina de

    prata, acetato de mafenide, nitrato de prata (SMELTZER et al, 2006).

    Conforme os autores citados a enfermeira deve ficar atenta para sinais de

    infecção no local da queimadura, coloração, secreções, bem como sinais sistêmicos

    como febre, contagem de leucócitos. Para controlar os riscos de infecção deve fazer

    a troca de curativo sempre que necessário e observar, também a troca de cateter

    venoso conforme as normas da instituição.

    Balneoterapia

    A balneoterapia consiste em um curativo com lavagem da ferida, para a

    limpeza e remoção de curativos em um ambiente próprio, com o paciente sob o

    efeito de sedação venosa ou anestesia, se usa banheiras ou chuveiros. A

    temperatura da água deve ser mantida em 37,8ºC e não devem ultrapassar os 30

    minutos para evitar o calafrio do paciente e o estresse metabólico (SMELTZER et al,

    2006).

    2.5 ATUAÇÃO DA ENFERMAGEM NO TRATAMENTO E REABILITAÇÃO

    DO PACIENTE QUEIMADO

    O histórico de enfermagem tem como finalidade de ouvir atentamente o

    paciente, para poder conseguir todas as informações necessárias a fim de identificar

    os problemas. Avaliam-se também o peso corporal, pré-queimadura, temperatura,

    histórias de alergias, patologias de base, vacinação contra tétano, fez cirurgias, usa

    algum tipo de medicamento.

  • 32

    Fazer o exame físico completo céfalo-podálico, observando sinais, sintomas,

    lesão e complicações em desenvolvimento. O exame neurológico também deve ser

    feito para avaliar o nível de consciência, estado psicológico, dor, ansiedade,

    comportamento se esta orientada no tempo e espaço (GEISSLER, 2003).

    A enfermagem deve monitorar com freqüência os sinais vitais. O estado

    respiratório é rigorosamente monitorado, sendo avaliado o pulso. A monitoração

    cardíaca é indicada quando o paciente apresenta história de doença cardíaca, lesão

    por eletricidade ou problemas respiratórios, ou quando o pulso está arrítmico ou a

    velocidade anormal lenta ou rápida (SMELTZER et al, 2006).

    O uso de cateter venoso calibroso e sonda urinária são inseridos e a

    avaliação da enfermeira inclui a monitoração do balanço hídrico. O debito urinário,

    um indicador da perfusão renal, é cuidadosamente monitorado e medido a cada hora

    (KNOBEL, 2006).

    Smeltzer et al, (2006), retrata que a enfermagem encorpara os exercícios de

    fisioterapia ao cuidado do paciente para impedir a atrofia muscular e manter a

    mobilidade necessária para as atividades diárias, um cuidado primordial para

    reabilitação. A reabilitação começa logo depois da queimadura mais precocemente.

    O grau de tolerância à atividade, a força e a resistência do paciente irão aumentando

    gradualmente à medida que a atividade for acontecendo durante períodos cada vez

    mais longos.

    O cuidado, na perspectiva da dor para DAL MOLIN, (2004), da sua avaliação

    e terapêutica, também deveria ser humanizado, individualizado, incluindo não

    apenas o aspecto farmacológico, mas especialmente as ações próprias da

    enfermagem, os nossos instrumentos de trabalho, o nosso foco, que é o cuidado

    humano. Cuidar é muito mais do que curar, é proporcionar ao indivíduo uma melhor

    percepção de si e de sua vida, e ao profissional, a satisfação cada vez maior.

    2.6 CURATIVOS

    Os protocolos para tratamento de feridas provocadas por queimaduras podem

    variar de um hospital para outro. Aspectos que indicam a gravidade da ferida tais

    como: a localização, profundidade, extensão, presença ou não de infecção, agente

  • 33

    causador do trauma, estado nutricional dos pacientes, presença de doenças

    crônicas degenerativas e faixa etária, afetarão o processo de cicatrização e

    influenciarão na escolha do tratamento da ferida.

    As lesões resultantes das queimaduras são isquêmicas como conseqüência

    da trombose causada pelo trauma. As queimaduras profundas apresentam trombose

    em todas as camadas da pele atingidas e a diminuição da oxigenação nesses

    tecidos dificulta o crescimento dos capilares e a cicatrização da ferida, pois todos os

    tecidos humanos requerem oxigênio para que se mantenham viáveis. Nas

    queimaduras profundas há uma grande quantidade de tecidos necróticos, o que

    facilita o desenvolvimento de infecção, pois esses tecidos fornecem nutrientes para

    as bactérias que requerem pouco oxigênio para a sobrevivência, consumindo-o e

    diminuindo ainda mais a quantidade de oxigênio disponível para os tecidos.

    Os curativos de pacientes que sofreram lesões térmicas têm sido realizados,

    freqüentemente, por profissionais de enfermagem com base em uma rotina

    preestabelecida nos serviços especializados em queimaduras.

    O mercado oferece uma diversidade de produtos para tratamento de

    queimaduras que tem provocado insegurança nos profissionais da saúde sobre qual

    opção é a mais indicada. Vale considerar que a literatura apresenta alguns

    questionamentos sobre o tratamento das queimaduras ainda sem respostas e

    controvérsias que merecem ser esclarecidas. Em adição, alguns estudiosos

    mencionam a escassez de informações específicas acerca da indicação e efeitos

    adversos dos produtos convencionalmente utilizados em queimaduras, de maneira

    que seja possível relacionar estas informações com o tipo e a fase da queimadura.

    Assim, se conclui que é preciso conhecer a eficiência de cada produto frente à

    diversidade de situações. Cabe destacar que o sucesso do tratamento depende,

    dentre outros fatores, da criteriosa escolha, bem como, da adequada utilização dos

    produtos selecionados.

    Tem sido afirmado que “o cuidado com as feridas não pode ser um

    procedimento automático, mas um ‘exercício científico’, em que o enfermeiro deve

    atuar de forma consciente visando aplicar medidas que possam facilitar o processo

    de cicatrização” (Monetta 1990). Assim, o objetivo deste estudo foi descrever,

  • 34

    mediante revisão de literatura, os agentes tópicos e tipos de cobertura que têm sido

    recomendados no tratamento de queimaduras e discutir as implicações do uso

    desses produtos no processo de cicatrização.

    Segundo Ferreira et al. (2003) segue-se os resultados obtidos na revisão de

    literatura considerando a categorização realizada: agentes tópicos (soluções,

    cremes e produtos naturais) e substituto temporário de pele, enfocando em cada

    tópico as vantagens e desvantagens do uso de cada produto.

    Agentes Tópicos

    O termo agente tópico representa uma substância utilizada na superfície da

    pele, podendo ter ação antimicrobiana ou não. Alguns agentes tópicos ajudam no

    debridamento dos tecidos.

    Dentre os diferentes tipos de agentes tópicos, existem os cremes que são

    constituídos por emulsões de água e óleo, em que a quantidade de água é superior

    ao óleo. Há consenso na literatura quanto à utilização da Sulfadiazina de Prata 1%

    para o tratamento de queimaduras, com a finalidade de debridar tecidos necrosados

    e combater infecção local. A Sulfadiazina de Prata 1% é um composto de nitrato de

    prata e sulfadiazina de sódio, efetivo contra uma ampla microbiota de gram-

    negativas como Escherichia coli, Enterobacter, Klebsiella sp e Pseudomonas

    aeruginosa, além de incluir bactérias gram-positivas como Staphylococus aureus e

    também Candida albicans.

    Na revisão de literatura, encontramos alguns estudos que compararam a

    utilização da Sulfadiazina de Prata 1% com outras substâncias como o mel, o

    curativo colóide, e incorporada a outros produtos como a membrana amniótica e

    com um substituto temporário de pele composto de polietileno glicol, hidróxi de

    metacrilato e sufóxido de dimetil adicionado a Sulfadiazina de Prata. Esses

    ingredientes foram incorporados a uma base de nylon e lycra que resultou na

    formação de uma lâmina elástica e flexível que permite o contorno do corpo. Durante

    a utilização desse produto observou-se redução do índice de infecção.

    Por volta de 1976, estudiosos sobre o tratamento de queimaduras preparam

    um composto de Nitrato de Cério e Sulfadiazina de Prata, com o objetivo de reduzir

  • 35

    a infecção de feridas. A combinação dessas duas substâncias leva à deposição de

    uma fina camada de sais de cálcio sobre a lesão, formando uma barreira contra

    bactérias.

    A Sulfadiazina de Prata 1% é um dos agentes tópicos mais utilizados no

    tratamento de queimaduras, sendo recomendada em queimaduras de segundo e

    terceiro graus. É facilmente aplicada e removida, não provoca dor e apresenta

    poucos efeitos colaterais. Como um dos efeitos colaterais da Sulfadiazina de Prata

    1%, tem sido relatados episódios de discreta leucopenia depois de poucos dias de

    uso, e de alergias em menos de 5% dos pacientes sem necessidade de interrupção

    do uso.

    Na prática clínica em uma Unidade de Queimados, os pacientes têm relatado

    sensação de frescor após a aplicação desse creme. A aplicação de Sulfadiazina de

    Prata 1% segue a prescrição médica, que recomenda a sua utilização nos primeiros

    dias de tratamento da queimadura, enquanto há presença de tecido necrótico ou

    infecção. Esse agente tópico deve ser trocado duas vezes ao dia em razão da

    oxidação da prata. Entretanto, há dificuldades para atender a essa recomendação,

    quando a Sufadiazina de Prata 1% é utilizada em curativos oclusivos, em função do

    trauma físico e emocional que cada curativo provoca ao paciente e do alto custo dos

    recursos utilizados.

    Ainda, com relação à Sulfadiazina de Prata 1%, há evidências na literatura de

    que ela é tóxica para o crescimento de queratinócitos e fibroblastos. Em um estudo

    realizado, em cultura de queratinócitos in vitro, para comparar a toxidade de agentes

    antimicrobianos para as células epiteliais, observou-se a seguinte ordem crescente

    de toxidade: pomadas com três tipos de antibióticos (sulfametoxazol trimetoprima

    50.000 U, Polimixina B 200,000 U e Neomicina 40 mg), solução salina normal,

    petrolato, acetato de mafenide, solução de PVP-I, sulfadiazina de prata 1%, nitrato

    de prata, nitrofurazona e líquido Dakin (0,5%). A Sulfadiazina de Prata foi testada em

    uma concentração de 0,03% que é somente um terço da concentração utilizada

    (1%). Com base nesses resultados, recomenda-se que na escolha do agente tópico,

    sejam considerados os benefícios dos antibióticos contra os efeitos tóxicos na

    migração epitelial. Desta forma, entendemos que a utilização de agentes com maior

  • 36

    toxidade não está indicada em áreas que apresentem sinais de epitelização e não

    apresentem sinais de infecção.

    Outros cremes também utilizados são o Acetato de Sulfanamida 10%, a

    Nitrofurazona 0,2% e o Creme de Gentamicina 0,1%. O creme de Nitrofurazona

    0,2% não tem sido utilizado nos Estados Unidos da América, entretanto, ainda é

    utilizado no Brasil. Apresenta ampla ação bacteriostática, embora menor que a da

    Sulfadiazina de Prata 1%. Quando as lesões apresentam-se limpas com formação

    de tecido de granulação, tem sido utilizado o creme de Nitrofurazona 0,2%, sendo

    que os pacientes relatam dor e sensação de queimação após a aplicação. Há relatos

    na literatura de que esse creme é realmente bastante doloroso à aplicação e que

    também apresenta toxidade ao crescimento de queratinócitos em cultura. Assim, a

    sua utilização em feridas limpas com presença de tecido de granulação pode ser

    contraindicada em razão da dor provocada após a aplicação. Esse creme pode

    causar dermatite de contato (prurido e edema). Com base nas referências acima e

    considerando os efeitos desse produto, entendemos que sua utilização em feridas

    limpas ou quando apresentarem crescimento de tecido de granulação não seria uma

    escolha adequada.

    Na literatura, também está documentado o uso de Acetato de Sulfanamida

    10% e Creme de Gentamicina 0,1%. O Acetato de Sulfanamida 10% foi amplamente

    utilizado em tratamento de queimaduras antes do advento da Sulfadiazina de

    Prata1%. Esse creme é ainda considerado como uma alternativa importante no

    combate à infecção, entretanto, pode causar acidose metabólica, pela inibição da

    anidrase carbônica e é doloroso à aplicação.

    Dentre as diversas opções para tratamento de queimaduras observa-se a

    recomendação da utilização das pomadas enzimáticas e dos Ácidos Graxos

    Essenciais (AGE), que são compostos por ácido linoleico, ácido caprílico, vitamina E,

    A e lecitina de soja. Os AGE são precursores de substâncias farmacologicamente

    ativas envolvidas no processo de divisão celular e diferenciação epidérmica.

    Possuem a capacidade de modificar reações inflamatórias e imunológicas, alterando

    funções leucocitárias e acelerando o processo de granulação tecidual. Os AGE

    podem ser utilizados diretamente sobre o leito da ferida ou embebidos em gases

    estéreis, devendo ser trocados no máximo a cada 24 horas. Já as pomadas

  • 37

    enzimáticas como a colagenase, apresentam caráter enzimático e debridante,

    estimulando, indiretamente, a formação do tecido de granulação e, posteriormente, a

    reepitelização.

    Paralelamente ao uso dos agentes tópicos devem-se instituir práticas que

    devem incluir a avaliação precisa das lesões não só no que se refere à descrição

    das suas características e da evolução diária, mas também à descrição das reações

    e dos efeitos colaterais que esses agentes podem provocar.

    Produtos Naturais

    No tratamento de queimaduras, encontramos várias referências na literatura, no

    período estudado, sobre a utilização do mel e da papaína. O mel mostrou-se mais

    eficaz no tratamento das queimaduras, promovendo a cicatrização em tempo menor

    que a sulfadiazina de prata 1%.

    “As substâncias contendo açúcar, como mel e derivados da cana-de-açúcar, vêm sendo usadas há vários anos no tratamento de lesões de pele com excelentes resultados clínicos. Considera-se que propicia os seguintes efeitos: rápida diminuição da congestão passiva e do edema locais, estímulo da epitelização e granulação tissular e ação antibacteriana” (Subrahmayam, 1996).

    Sabe-se que o mel é composto por vitaminas, concentrações de ácido

    fórmico, enxofre, cloro e outros elementos químicos, mas o seu principal efeito é

    desconhecido. O mel inibe o crescimento de cepas gram-negativas e gram-positivas,

    devido ao baixo pH, e promove uma barreira viscosa que impede a invasão de

    microorganismos, bem como a perda de fluidos das lesões. Também, contém

    enzimas como a catalase, que auxilia no processo de cicatrização. Promove efeito

    osmótico suficiente para inibir o crescimento microbiano e, quando diluído, produz

    peróxido de hidrogênio, que é um agente antimicrobiano.

    Outro agente tópico utilizado é a papaína, que é um complexo de enzimas

    proteolíticas, retirado do látex do mamão papaia (Carica papaya), cujo sítio ativo é

    portador de um radical sulfidrila (SH), tornando-se difícil sua associação com outro

    recurso terapêutico, visto que ela sofre oxidação pela substituição do enxofre, por

    derivados de ferro, oxigênio e iodo. Seu mecanismo de ação ocorre através da

    dissociação das moléculas de proteína, resultando em desbridamento químico, por

  • 38

    ser uma enzima de fácil deterioração, deve ser sempre mantida em lugar fresco,

    seco, ventilado e protegido da luz.

    O carvão ativado, outro agente muito utilizado em feridas infectadas, tem a

    ação de absorver o exsudato da lesão e diminuir seu odor fétido.

    Soluções

    As soluções são utilizadas para a realização de anti-sepsia de pele e mucosas

    com a finalidade de prevenir a colonização, porém, algumas vezes, também são

    utilizadas em curativos úmidos. Entre as soluções citadas na literatura encontramos

    o ácido acético, a solução de Dakin, o nitrato de prata, a tripla solução de antibiótico

    (sulfametoxazol trimetoprima 50.000 U, Polimixina B 200,000 U e Neomicina 40 mg),

    o Gluconato de Clorexidina e a solução de PVP-I (Polivinil Pirrolidona Iodada). O

    ácido acético 0.5% possui ação bactericida para micro-organismos gram–negativos

    e gram-positivos em especial para P. aeruginosa.

    Em um estudo, no qual foi avaliada a toxidade de quatro agentes tópicos

    antimicrobianos in vitro, solução de PVP-I a 1%, solução de hipoclorito de sódio

    0,5% (líquido de Dakin), ácido acético 0,25% e peróxido de hidrogênio a 3%, em

    culturas de fibroblastos humanos e em culturas de S.aureus, constatou-se que as

    soluções de ácido acético e peróxido de hidrogênio apresentaram mais toxicidade

    para os fibroblastos que para a bactéria e que as diluições de PVP-I (1: 1000) e

    hipoclorito de sódio (1:1000) não apresentaram nenhuma toxidade para o

    fibroblasto, mas sim atividade bactericida. Entretanto, é importante destacar que a

    utilização PVP-I deve ser cuidadosa com atenção especial à possibilidade de

    desenvolvimento de reações alérgicas e ao fato de que seu uso pode ser limitado

    pela absorção sistêmica acarretando problemas renais e de tiróide. A solução de

    clorexidina é outro agente tópico que age em bactérias Gram-positivas e Gram-

    negativas, sendo contraindicado para o tratamento de feridas abertas, devendo ser

    utilizado na prevenção da colonização dos locais de inserção de catéteres

    vasculares e fixadores externos.

    As soluções de acido acético a 0,25% também foram citadas como eficazes

    na redução de microorganismos das feridas. Em um estudo realizado, o ácido

  • 39

    acético 0.5% demonstrou ser tóxico para os fibroblastos em cultura, reduziu a

    proliferação de células epiteliais e retardou a cura dos tecidos para enxertos. Assim,

    as concentrações a 0,5% são tóxicas para regeneração do epitélio. Sugere-se que a

    solução de ácido acético é adequada para pequenas feridas infectadas.

    A solução de Dakin (hipoclorito de sódio a 0,5%) é considerada bactericida

    para Stafilococcus sp e Streptococcus sp, fungos e alguns agentes virais. As

    soluções com concentração 0,5% têm ação bactericida eficaz, mas possuem

    toxicidade para os fibroblastos e queratinócitos em cultura. Já a solução de Dakin

    0,25% tem apresentado toxicidade mais leve, mas provoca dor. A prolongada

    utilização deste produto pode levar à irritação da pele. Em menor concentração,

    essa solução é considerada como alternativa para o tratamento de pequenas feridas

    infectadas por causa de sua leve toxidade para os tecidos.

    Outra solução é a de nitrato de prata a 0,5% que possui ação bactericida

    eficaz para gram-positivas (S. aureus). A infecção local pode ser controlada com

    esta solução, que é extremamente hipotônica e eletrolítica (sódio e potássio).

    Entretanto, com o seu uso podem ocorrer reações de hipersensibilidade por causa

    de seu potencial tóxico.

    A tripla solução de antibiótico (sulfametoxazol trimetoprima 50.000 U,

    Polimixina B 200,000 U e Neomicina 40 mg) pode ser utilizada nos curativos de

    feridas infectadas graves. Possui ação bactericida moderada para gram-negativas e

    gram-positivas e é indicada por provocar sensação de frescor. A solução de

    Gluconato de clorexidina possui ação bactericida para diferentes tipos de cepas

    positivas e negativas, no entanto seu uso pode causar dermatite de contato.

    Substitutos temporários de pele

    Os substitutos temporários de pele são materiais eficazes no tratamento de

    queimaduras superficiais recentes e também na cobertura da pele enquanto

    aguarda-se o enxerto definitivo. Podem ser trocados a intervalos regulares ou

    mantidos até a cicatrização ou enxerto, caso a aderência seja boa ou não haja

    infecção. Considera-se que há três linhas de substitutos temporários de pele:

  • 40

    Substitutos de origem animal, como enxerto homólogo, membrana

    amniótica, pele de porco, pele de embrião bovino e colágeno;

    Substitutos elaborados à base de substâncias sintéticas, tais como

    silicone, poliuretano e hydrom;

    Substitutos associados à matéria orgânica e uma película sintética, tal

    como colágeno e silicone.

    As propriedades dos substitutos de pele devem ser: aderência, transporte do

    vapor de água, elasticidade, durabilidade, baixa antigenicidade e toxicidade,

    capacidade hemostática e ação antibacteriana. Podem ainda ser classificados em

    substitutos biológicos que constituem os aloenxertos (homoenxertos), xenoenxertos

    (heteroenxertos) e membrana amniótica; substitutos sintéticos que são constituídos

    por membranas de polímero de silicone, membranas de cloreto de polivinil,

    metilmetacrilato, membrana de polipropileno com poliuretano, membrana de silicone

    com nylon ligado a peptídios de colágeno dérmico, e membrana impermeável com

    camada profunda de partículas de hidroativos agregados em polímero inerte;

    substitutos biossintéticos que incluem a película microfibrilar de celulose pura e a

    membrana de silicone com matriz dérmica de colágeno e glicosaminaglicanos.

    Alguns substitutos temporários de pele disponíveis, como por exemplo,

    Opsite® * e Tegaderm®*, são constituídos por filmes de poliuretano, por membrana

    de cloreto de polivinil, pelos filmes de cloreto de polivinil que conferem ao material

    maior elasticidade e permeabilidade ao vapor de água, sendo que estes filmes

    aderem à pele e não a ferida.

    Há ainda outros produtos, como por exemplo, o Epigard®* constituído pela

    membrana de polipropileno com poliuretano, um material de dupla constituição que

    contém um filme de polipropileno microporoso, na superfície, laminado a uma

    camada profunda de espuma de poliuretano, o Biobrane®* constituído pela

    membrana de silicone com nylon ligado a peptídeo do colágeno dérmico, material

    semipermeável, tem boa aderência e flexibilidade e alivia a dor em 90% dos

    pacientes, o Duoderm® * constituído por partículas hidroativas agregadas em

    polímero inerte e funciona como um curativo hidroativo, constituído por duas

    camadas, uma externa impermeável à água e uma interna formada por partículas

    hidroativas agregadas a um polímero inerte. Esse tipo de cobertura adere à pele

  • 41

    normal e as partículas protegem o leito cruento. O exsudato liberado pelo ferimento

    interage com as partículas hidroativas, formando um gel úmido que facilita a

    migração de células epiteliais, estimulando a cicatrização.

    Os substitutos de pele têm sido considerados úteis no tratamento de

    queimaduras superficiais, pois reduzem a frequência de troca do curativo.

    Entretanto, esses materiais têm alto custo e não são eficazes para tratamento de

    queimaduras profundas.

    Em um estudo realizado com pacientes ambulatoriais, com queimaduras de

    segundo grau, constatou-se que o Duoderm® apresentou melhores resultados que a

    Sulfadiazina de Prata 1%, pois os pacientes apresentaram menor limitação de

    atividade, repigmentação mais rápida; referiram melhora da dor, melhor cicatrização

    da ferida e menor necessidade de troca de curativo, com menor custo.

    Conclui-se que a seleção do agente tópico ou tipo de cobertura a ser utilizada

    no tratamento de queimaduras deve ser realizada com base na avaliação das

    características da ferida, em evidências apresentadas na literatura. A escolha dos

    agentes tópicos deve permitir a prevenção de infecção ou minimizar a proliferação

    de bactérias nas feridas. Aspectos relacionados com a toxicidade devem ser

    cuidadosamente avaliados, considerando-se a ação que cada produto pode ter no

    processo de epitelização.

    Deve-se ainda considerar a relação custo/benefício como critério de escolha.

    Nesse sentido, a equipe de saúde que atua em Unidades de Queimados necessita

    manter-se atualizada, não se prendendo a tratamentos convencionais, sem

    fundamentação científica. Mister se faz usar o raciocínio crítico na tomada de

    decisão e na implementação de ações com vistas à efetividade do tratamento.

    Portanto, a indicação e a aplicação de produtos químicos em queimaduras devem

    ser realizadas com base na avaliação criteriosa da ferida, das condições clínicas do

    cliente, bem como, na análise sistemática das evidências da literatura.

    * Opsite® - Smith & Nephew Tegaderm/Tegasorb® – 3M Epigarg® - Orthomed Medizintechnik GmbH Duoderm® - Covatec Biobrane® - Woodroof Laboratories Inc. -Sterling Drug

  • 42

    CAPITULO III - FISIOPATOLOGIA DE QUEIMADOS

    As sequelas de queimaduras refletem de modo negativo na autoestima

    e estigmatizam o individuo perante a sociedade. Os pacientes com queimaduras

    representam um pesado ônus social e econômico, tanto durante sua recuperação

    quanto ao longo de suas vidas. Cerca de um milhão de reais por mês é o valor gasto

    pelo Ministério da Saúde com a internação de pessoas com queimaduras no Brasil.

    Os avanços no tratamento de queimados têm reduzido as taxas de letalidade e

    melhorado a qualidade de vida das vitimas de queimaduras. Esses avanços

    ocorreram principalmente na correta reposição de volêmica, controle de infecções e

    adequado apoio multidisciplinar (Muller & Hemdon 1994, Moore 1999, Macedo &

    Rosa 2000).

    Nas décadas de 40 e 50, a principal causa de morte em queimados foi

    o choque hipovolêmico. Nas décadas de 60 e 70, com as terapias de reposição

    volêmica, a principal causa de óbito em queimados passou a ser a sepse,

    proveniente do acometimento da ferida ou de outros sítios de infecção. Atualmente,

    apesar do desenvolvimento de potentes agentes antimicrobianos tópicos e

    sistêmicos, dos avanços no suporte nutricional e do uso de técnicas cirúrgicas de

    excisão de tecidos desvitalizados e enxertia precoce na área queimada, as

    complicações infecciosas continuam representando um grande desafio e uma das

    principais causas de óbito no paciente queimado (Iribarren et al. 1990, Muller &

    Herndon 1994, Nguyen et al. 1996, Bang et al.1998).

    A infecção é tida como a preocupação maior para o médico que conduz o

    tratamento clínico nestes pacientes. Passado o primeiro momento em que os

    resgates respiratórios e hemodinâmicos são prioridades cruciais, o controle da

    infecção, coloca-se, em seguida, como o desafio maior. A infecção lidera causas de

    morbimortalidade no grande queimado. Em todos os centros de tratamento de

    queimados (CTQs) do mundo, a infecção é a responsável por cerca de 75% dos

    óbitos; sendo aceitável um índice de até 80%. No grande queimado a infecção é

    praticamente tida como certa não sendo incomum um mesmo paciente apresentar

    três ou mais episódios de infecção durante a sua jornada de cura. E como o

  • 43

    queimado é, acima de tudo, um paciente imunossuprimido, a sepse é tida como seu

    apanágio.

    3.1 ETIOPATOGENIA DA INFECÇÃO

    Fatores do Paciente

    A infecção assume tal perfil nestes pacientes porque o organismo queimado

    oferece as condições ideais para o seu desenvolvimento: além da perda da

    integridade cutânea (barreira mecânica) contra a invasão de microorganismos e de

    ser um organismo imunodeprimido, o queimado é poliinvadido por tubos e cateteres,

    apresentando, ainda, muitos outros fatores agravantes.

    Perda da Barreira Mecânica

    A pele íntegra é a primeira linha de defesa contra a invasão do organismo por

    agentes bacterianos externos, e toda a sua estrutura constitui-se numa eficiente

    barreira mecânica. Mas é uma simplificação grande chamá-la apenas de barreira

    mecânica: a pele é um órgão inteligente e multifuncional. Os seus principais

    mecanismos de defesa são a queratinização, a descamação, a produção de

    substâncias antibacterianas, a produção de ácidos graxos livres insaturados, e o

    desenvolvimento de uma flora bacteriana simbiótica. A queratinização é um dos

    pontos-chave desta barreira. A renovação, ou seja, a descamação contínua das

    camadas mais externas do tegumento cutâneo, elimina bactérias que, porventura,

    consigam penetrar nestas camadas. Os ácidos graxos insaturados são considerados

    substâncias antibacterianas naturais, que influenciam no equilíbrio da flora normal

    da pele. A própria presença desta flora normal é capaz de impedir o aparecimento

    de uma flora patológica. O trauma térmico destrói este harmonioso equilíbrio,

    propiciando o desenvolvimento de uma flora patógena, aliada a uma importante

    deficiência imunológica, o que pode ocasionar o desenvolvimento de um foco

    infeccioso e posteriormente sepse.

    Alterações Imunológicas

  • 44

    O principal mecanismo de imunossupressão do paciente queimado parece

    ser a produção e absorção do complexo lipoprotéico (LPC), a partir da escara da

    pele queimada. Quanto mais extensa e profunda for a injúria térmica, maior será a

    produção e absorção dos LPCs pelo paciente; por conseguinte, maior será o seu

    comprometimento imunológico. As alterações imunológicas no queimado ocorrem

    tanto no sistema humoral quanto no celular.

    Fatores Agravantes

    Fora a perda da integridade cutânea, e da imunossupressão que ocorre pela

    produção e absorção dos LPCs, muitos outros fatores, são coadjuvantes como

    imunossupressores; contribuindo, portanto, com a instalação e agravamento das

    infecções como:

    Poliinvasão de Tubos e Cateteres: O risco de infecção do paciente

    aumenta na proporção do número de sondas e cateteres usados pelo

    paciente, assim como, do tempo de permanência dos mesmos.

    Sistema Imunológico Imaturo ou Cansado: É sempre mais difícil tratar

    queimado nos extremos de idade: as infecções são mais graves na

    criança, pela sua imaturidade imunológica, e no idoso, porque o seu

    sistema imunológico já apresenta sinais de desgaste.

    Desnutrição Prévia: Pacientes desnutridos e debilitados carecem de

    proteína para produzir anticorpos, para carrear antibióticos e para

    cicatrização da ferida.

    Patologias Preexistentes: Patologias como epilepsia, etilismo (incluindo

    os estados de embriaguez alcoólica), diabetes e hanseníase

    (associadas a neuropatias periféricas), além de responsáveis pelo

    acidente da queimadura, são, também, complicantes.

    Estados Depressivos: Depressão aguda ou depressão associada a

    distúrbios psiquiátricos mais graves, muitas vezes, levam o paciente a

    tentar o suicídio com fogo em chamas (álcool, gasolina, diesel etc.).

    Falta de Correto Suporte Nutricional: O queimado vive um estado de

    hipermetabolismo tão intenso, que se não houver um correto suporte

    nutricional, por mais reserva que tenha o doente logo entrará em

    autocanibalismo. O estado de má nutrição calórico-protéica dos

  • 45

    queimados inibe a capacidade fagocitária do neutrófilo. A deficiência

    vitamínica (da vitamina A, pela sua importância na resistência à

    infecção; da vitamina C, como auxiliar na cicatrização e no processo

    infeccioso; e da tiamina, como auxiliar na produção de anticorpos)

    facilita a infecção. A deficiência de minerais, se associada a um

    aumento de ferro, que funciona como alimento para os

    microorganismos, agrava a infecção.

    Múltiplas Transfusões de Sangue e Derivados: O queimado, com seus

    fatores de coagulação alterados, sendo heparinizado, e tendo de ser

    submetido a múltiplos processos cirúrgicos, é quase impossível

    imaginá-la não necessitando de hemoderivados.

    Utilização de Múltiplos Antibióticos: Além da toxidade, em si, que é

    inerente a todo antibiótico, o uso indiscriminado de antibióticos de

    amplo espectro destrói a flora endógena do paciente queimado,

    favorecendo o desenvolvimento de germes hospitalares super-

    resistentes.

    Processos Cirúrgicos Múltiplos: Os múltiplos processos cirúrgicos, seus

    jejuns prolongados, suas sedações anestésicas e até mesmo as baixas

    temperaturas dos centros cirúrgicos possibilitam uma boa refrigeração

    para cirurgiões encapotados, mas hipotermizam o queimado;

    conturbam ainda mais o momento cirúrgico, ato, em si, já crítico pela

    possibilidade de difundir sistêmicamente (através da manipulação) um

    processo infeccioso tópico.

    3.2 APRESENTAÇÃO DAS INFECÇÕES

    Não obstante, a sepse, pela sua relevância e freqüência, ser praticamente

    sinônimo de infecção no paciente queimado, na prática clínica as seguintes

    apresentações listadas também são vistas e descritas na literatura.

    FORMAS DE APRESENTAÇÃO CLINICA DA INFECÇÃO NO

    PACIENTE QUEIMADO:

    Sepse

  • 46

    A sepse pode ser definida como a resposta sistêmica do organismo à invasão

    microbiana de qualquer natureza, sejam eles Gram-positivos, Gram-negativos,

    fungos ou vírus, mas uma resposta sistêmica similar pode ser vista em processos

    inflamatórios graves não induzidos por bactérias ou por endotoxina circulante (p.ex.:

    o trauma, as queimaduras, a pancreatite e no pós-operatório). Esta resposta

    inflamatória sistêmica vista no paciente queimado, sobretudo nos três primeiros dias

    pós-injúria térmica, muito similar ao visto na sepse, muitas vezes, leva o médico

    assistente a ter angústia quanto ao início da antibioticoterapia. Assim, como no

    quadro visto na sepse, ela caracteriza-se inicialmente por febre, leucocitose (os

    leucócitos podem estar tão elevados a ponto de ser visto como uma reação

    leucemóide), taquicardia, e um estado de hiperdinamismo refletido por um aumento

    do débito cardíaco, diminuição da resistência vascular periférica e aumento do

    consumo de oxigênio. A infecção, geralmente, não ocorre no queimado antes do

    terceiro ou quarto dia pós-injúria térmica, portanto, na grande maioria das vezes, o

    tempo de evolução da queimadura nos orienta com relação a este dilema.

    Normalmente, só passamos a nos preocupar com infecção no queimado quando o

    paciente, que já estava eliminando o líquido do terceiro espaço retido nos três

    primeiros dias de queimadura, começa a fazer retenção hídrica novamente; quando

    os leucócitos que já estavam se normalizando, voltam a apresentar novo padrão de

    piora (tanto leucocitose como leucopenia são preocupantes); quando passa a não

    tolerar a dieta ou a distender o abdome; quando faz alteração mais intensa da curva

    térmica; quando faz dessaturação dos níveis de 02, no sangue; enfim, quando o

    paciente, que já havia conseguido alguma estabilidade dentro do quadro, volta a

    apresentar piora.

    Na dependência da gravidade da queimadura, das defesas do organismo, de

    outros fatores de co-morbidade associados e, principalmente, do retardamento

    diagnóstico por impossibilitar um tratamento oportuno (abordagem cirúrgica e

    antibioticoterapia sistêmica apropriada no momento certo), o quadro pode evoluir

    rapidamente para sepse grave, falência de múltiplos órgãos e óbito. A tabela abaixo

    adaptada de Harris RL, Musler DM, Blomm K e cols. lista as manifestações clínico-

    laboratoriais mais ou menos na ordem de progres