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INTRODUÇÃO A avaliação do efeito das instituições trabalhistas sobre o funciona- mento dos mercados de trabalho e da economia como um todo ganhou importância renovada nos últimos dez ou quinze anos na América Latina. Uma visão em particular tornou-se hegemônica entre nós, recomendando políticas invariavelmente favoráveis à flexibiliza- ção das leis trabalhistas, com o propósito de reativar o crescimento eco- nômico, aumentar a produtividade das empresas e a competitividade dos países latino-americanos e, dessa maneira, facilitar sua adaptação 451 * Este trabalho resulta de projeto comparativo internacional coordenado por Graciela Bensusán (Universidad Autónoma Metropolitana – UAM, México) e financiado pelo Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología – CONACYT e pelo Conselho Nacional de De- senvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Além de Graciela Bensusán, agradece- mos os comentários de Hector Palomino, Cecília Senén e Rodrigo Figueroa, os demais membros da equipe internacional, e de Michael Piore, Richard Locke, Maria Ester Feres, Mara Hernandez e Judith Tendler, além dos demais participantes de um seminário inter- nacional sobre inspeção do trabalho organizado por Bensusán e Piore no Massachusetts Institute of Technology – MIT no início de 2005, quando versão preliminar deste estudo foi apresentada. Tal versão foi redigida quando Adalberto Cardoso realizava estágio pós-doutorado na Universidade de Warwick, Inglaterra, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes. Por fim, agradecemos os comen- tários de dois pareceristas anônimos da Dados, que contribuíram decisivamente para a versão final do trabalho. Escusado dizer que é dos autores a responsabilidade pelos eventuais equívocos de argumentação. DADOS – Revista de Ciências Sociais , Rio de Janeiro, Vol. 48, n o 3, 2005, pp. 451 a 490. A Inspeção do Trabalho no Brasil* Adalberto Cardoso e Telma Lage

A Inspeção do Trabalho no Brasil* - SciELO1947, sua Convenção 81, regulando a inspeção do trabalho em países de tradição de relações de trabalho reguladas por lei e não

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INTRODUÇÃO

A avaliação do efeito das instituições trabalhistas sobre o funciona-mento dos mercados de trabalho e da economia como um todo

ganhou importância renovada nos últimos dez ou quinze anos naAmérica Latina. Uma visão em particular tornou-se hegemônica entrenós, recomendando políticas invariavelmente favoráveis à flexibiliza-ção das leis trabalhistas, com o propósito de reativar o crescimento eco-nômico, aumentar a produtividade das empresas e a competitividadedos países latino-americanos e, dessa maneira, facilitar sua adaptação

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* Este trabalho resulta de projeto comparativo internacional coordenado por GracielaBensusán (Universidad Autónoma Metropolitana – UAM, México) e financiado peloConsejo Nacional de Ciencia y Tecnología – CONACYT e pelo Conselho Nacional de De-senvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Além de Graciela Bensusán, agradece-mos os comentários de Hector Palomino, Cecília Senén e Rodrigo Figueroa, os demaismembros da equipe internacional, e de Michael Piore, Richard Locke, Maria Ester Feres,Mara Hernandez e Judith Tendler, além dos demais participantes de um seminário inter-nacional sobre inspeção do trabalho organizado por Bensusán e Piore no MassachusettsInstitute of Technology – MIT no início de 2005, quando versão preliminar deste estudofoi apresentada. Tal versão foi redigida quando Adalberto Cardoso realizava estágiopós-doutorado na Universidade de Warwick, Inglaterra, com bolsa da Coordenação deAperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes. Por fim, agradecemos os comen-tários de dois pareceristas anônimos da Dados, que contribuíram decisivamente para aversão final do trabalho. Escusado dizer que é dos autores a responsabilidade peloseventuais equívocos de argumentação.

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 48, no 3, 2005, pp. 451 a 490.

A Inspeção do Trabalho no Brasil*

Adalberto Cardoso e Telma Lage

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às exigências da globalização. No entanto, a experiência indica que osresultados alcançados através dessas políticas foram muito diversos e,em vários casos, distantes dos objetivos originalmente almejados1.Além disso, mudanças semelhantes tiveram, muitas vezes, efeitos dis-tintos e provocaram resultados não antecipados, entre outras razões,por não considerarem a natureza complexa das instituições do merca-do de trabalho. Por não considerarem, também, que essas instituiçõesnão podem ser analisadas de maneira isolada (descuidando de sua ar-ticulação interna, suas funções ambivalentes e os graus reais de cum-primento das leis trabalhistas), sendo o resultado da combinação deum conjunto de fatores históricos e culturais que não se transferem fa-cilmente de um país para outro. Esses fatores quase nunca são conside-rados na hora de se recomendar políticas uniformes para distintos paí-ses.

Um dos aspectos negligenciados pela literatura a respeito dos efeitosda regulação trabalhista sobre a eficiência dos mercados de trabalho éo grau de efetividade da lei, isto é, sua vigência real no cotidiano das re-lações de trabalho3. Mesmo estudos econométricos mais sofisticados,que levam em conta efeitos de interação entre instituições reguladorasdo mercado de trabalho na explicação de sua dinâmica – como os deBelot e Ours (2001; 2004), deixam de lado essa questão central que é aobediência ou não à lei. Por outras palavras, o sistema de regulação dotrabalho de determinado país pode ser muito detalhado e rígido emtermos formais, mas muito flexível na prática, simplesmente porque osempregadores podem escolher não cumprir o que a lei prescreve.Argumentamos que o Brasil é um desses casos.

Desde que a Organização Internacional do Trabalho – OIT editou, em1947, sua Convenção 81, regulando a inspeção do trabalho em paísesde tradição de relações de trabalho reguladas por lei e não por contra-tos (como Brasil, Argentina e México, por exemplo), a probabilidadede ser pego e sancionado por descumprir a lei depende sobretudo dodesenho dos sistemas nacionais de inspeção e vigilância do trabalho4.No caso brasileiro, esse sistema inclui três agentes principais: 1) o po-der público, por meio do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, noexercício de seu poder fiscalizador; e do Ministério Público do Traba-lho, no manejo das ações civis públicas para defesa de interesses co-letivos; 2) os sindicatos de trabalhadores e entidades da sociedade ci-vil; 3) a Justiça do Trabalho, quando manda reparar lesão a direitos tra-balhistas.

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O objetivo deste artigo é investigar a atividade do primeiro dessesagentes, o poder público, avaliando a eficiência (em termos dos meiosempregados na inspeção), a eficácia (tendo em vista os objetivos visa-dos) e a efetividade (ou o grau de abrangência) da ação fiscal. A per-gunta a ser respondida aqui é bastante direta: tendo em vista que a efe-tividade da legislação trabalhista depende, como veremos, do efeito deinteração entre o montante das sanções e a probabilidade do emprega-dor ser apanhado burlando a lei; e tendo em vista que a efetividade dalei é aspecto decisivo para a real mensuração dos custos trabalhistas deum país; em que medida o sistema de inspeção do trabalho no Brasilestá desenhado para cumprir seu objetivo, que é o de fazer cumprir alei? Para responder a esta pergunta, apresentamos, primeiro, a estrutu-ra de oportunidades enfrentada por empresários diante da alternativade cumprir ou não a lei. As sanções por não-cumprimento também sãoanalisadas. Em seguida, construímos um breve histórico do sistemabrasileiro de inspeção do trabalho. Na terceira seção, descrevemos osistema em detalhe, mostrando a estrutura responsável pela inspeção,suas prerrogativas e poderes. Aquarta seção trata dos resultados mate-riais do funcionamento do sistema, isto é, avalia-se sua eficácia, efi-ciência e efetividade. Na conclusão, resumimos os achados, mostran-do que o sistema vem melhorando, mas que não cumpre inteiramente oobjetivo maior que talvez lhe coubesse: reduzir a taxa de ilegalidadedas relações de trabalho no país, aumentando o número de empresas etrabalhadores incluídos no mundo do trabalho regulado.

CUSTOS DE CUMPRIR OU NÃO A LEI TRABALHISTA

Do ponto de vista estrito da gestão de uma empresa, cumprir ou não alegislação trabalhista é uma decisão racional de custo-benefício do em-preendedor individual. Se o empregador considerar que os custos tra-balhistas são muito altos, ele pode decidir correr o risco de não pa-gá-los. Essa decisão leva em conta uma síndrome de condicionantes. Orisco, obviamente, é uma função direta da probabilidade de ele ser apa-nhado burlando a lei e da sanção (ou os custos econômicos e por vezespessoais) que lhe será aplicada por não-cumprimento. A estrutura(simplificada) de oportunidades pode ser apreendida pelo quadroabaixo. Na linha encontra-se o risco de o empregador ser apanhadoburlando a lei e de ser efetivamente sancionado (risco alto ou baixo).

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Na coluna, o montante relativo (tendo em vista os custos de não secumprir a lei) da pena que lhe será aplicada (também alto ou baixo).

Quadro 1

Estrutura de Oportunidades de Cumprimento da Legislação Trabalhista

Montante Relativo da Sanção

Alto Baixo

Risco de ser apanha-do e sofrer sanção

Alto 1. Cumprir 3. Não Cumprir

Baixo 2. Não Cumprir 4. Não Cumprir

Da combinação dessas possibilidades temos quatro resultados típicos:1) o empregador cumpre a lei, porque a sanção é considerada alta o su-ficiente para tornar racional evitá-la, e o risco de ser pego e punido étambém alto o suficiente para ser crível (digamos, significativamentesuperior a 50%); 2) o empregador não cumpre a lei porque, embora asanção por não cumprir seja alta, a probabilidade de ser apanhado émuito baixa, por exemplo, significativamente inferior a 50%; 3) se o ris-co de ser pego é alto, mas a sanção é considerada pequena o bastantepara tornar racional sofrê-la em lugar de incorrer nos custos trabalhis-tas, a lei não será cumprida; 4) finalmente, se a sanção for baixa e o riscode ser pego também, a lei tampouco será cumprida.

Note-se que, nesse quadro, os custos trabalhistas estão pressupostosno montante relativo da sanção. Ainda do ponto de vista da gestão donegócio, a sanção é alta ou baixa por comparação com os custos monetá-rios de se cumprir a lei. A estrutura de oportunidades descrita acima sófaz sentido, pois, em uma situação em que os custos trabalhistas sãoconsiderados suficientemente altos tendo em vista a planilha de custose lucros projetados da empresa, em uma situação de competição demercado em que as outras empresas encaram a mesma estrutura deoportunidades.

Esse quadro esquemático é útil sobretudo por mostrar que a estratégiadominante é o não-cumprimento da legislação. Empresários racionaisdefrontados com custos do trabalho considerados suficientemente al-tos tenderão a não assumi-los a menos que as sanções sejam maiores doque esse custo e que a probabilidade de ser pego e sancionado seja sufi-cientemente crível. Qualquer outra combinação de fatores será um in-centivo ao não-cumprimento da lei. Logo, a variável decisiva aqui é o

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efeito de interação entre o custo de não cumprir e a probabilidade de serapanhado e punido. A literatura que trata da relação entre custos tra-balhistas e dinâmica dos mercados de trabalho negligencia esse aspec-to central para as estratégias empresariais que é a efetividade da lei, re-sultante de uma estrutura de oportunidades onde a probabilidade de serpego por não cumpri-la é decisiva.

Mas quanto custa não cumprir a lei no Brasil? Entre nós, a rede de pro-teção legal ao trabalhador compõe-se de mecanismos diversos e com-plementares, que podem ser acionados em diferentes momentos da re-lação empregatícia. Assim, uma primeira instância de controle é esta-belecida na relação empregador/empregado, considerado isolada-mente. Neste caso, o empregado é o próprio “agente fiscalizador”, quevai apontar a inadimplência do empregador (atraso, adiamento, ou so-negação de contraprestações que lhe são devidas). Exemplos dessa si-tuação são o pagamento em dobro das férias não-concedidas no prazoassinalado; pagamento em dobro do trabalho em dia de repouso; au-mento de 50% sobre o valor da hora normal, quando do trabalho em in-tervalo destinado ao repouso; 50% de acréscimo no valor das verbas in-controversas5, quando estas não são pagas na primeira audiência doprocesso trabalhista; um salário de multa no caso de pagamento dasverbas rescisórias fora do prazo assinalado. Estas prestações geral-mente são exigidas por ocasião da reclamação trabalhista, estando otrabalhador, quase sempre, demitido.

A fiscalização institucional a cargo do Ministério do Trabalho, analisa-da em seguida, detém competência para instrução, lavratura de autode infração e aplicação de multas às empresas faltosas. A Consolidaçãodas Leis do Trabalho – CLT, no mesmo capítulo que define direitos e de-veres de empregados e empregadores, prevê as penalidades a seremaplicadas em caso de descumprimento dessas regras. Essa atividadefiscal possui natureza de Direito Administrativo e se constitui, portan-to, em Direito Público. O valor das multas, que é fixado unitariamente,deve ser multiplicado pelo número de empregados em situação irregu-lar, e aumenta, quando há reincidência. O Quadro 2 apresenta o mon-tante das multas em aspectos selecionados das relações contratuais.

No caso da jornada de trabalho, por exemplo, uma empresa com atédez empregados que esteja descumprindo o teto de oito horas diárias(para um ou mais de seus empregados), será multada em R$ 2.700,00.Se, além disso, estiver burlando a legislação de horas extras, receberá

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outra multa no mesmo montante e assim por diante. Se reincidente, asmultas dobram. Há ainda condutas tipificadas como infrações penais,a exemplo do crime de falsidade, relativo a declarações (pelo emprega-do) ou anotações (pelo empregador) fraudulentas na carteira de traba-lho6. É de senso comum nos meios judiciais e trabalhistas a idéia de queas multas atendem ao princípio do razoável, sendo suficientes para ini-bir condutas faltosas, sobretudo nas pequenas e médias empresas. Aquestão, como já se disse, é saber qual a probabilidade do empregadorser apanhado caso resolva descumprir a lei.

Quadro 2

Multas Trabalhistas para Infrações Selecionadas

Tipo de Infração Multa

Jornada de trabalho (jornada máxima diá-ria, jornada máxima semanal, turno no-turno de 6 horas, horas extras etc.)

De R$2.700,00 a R$4.000,00 porocorrência, dependendo do tamanho

da empresa

Contratos temporários ilegais R$402,00 por empregado

Fonte: DRT-Rio de Janeiro.

A sanção por não-cumprimento da legislação trabalhista pode vir devárias fontes, não necessariamente do poder público. Nos novos mo-delos de gestão da produção, por exemplo, em que a qualidade do pro-duto final depende da coordenação de várias empresas em uma cadeiaprodutiva, as empresas contratantes podem exigir de suas contratadasa adesão a padrões de qualidade (do tipo International Organizationfor Standardization – ISO) que exigem condições dignas de trabalho e,por vezes, remuneração7. Do mesmo modo, empresas que operam nomercado internacional têm interesse em certificação de qualidade, quetem efeitos por vezes positivos sobre as condições de trabalho. Normasdo mercado internacional também são um incentivo para se cumprir alei. Os governos impõem barreiras a produtos de países que exploramo trabalho infantil ou escravo. Alegam dumping social contra paísesque remuneram mal a força de trabalho. Exigem atestados de adesão àlegislação trabalhista para a aceitação de empresas em concorrênciaspúblicas. Mais e mais distribuidores (supermercados) estão adotandoa norma de fair trade com países do Terceiro Mundo, impondo barreirasbrancas via relações preferenciais com países que seguem as normasinternacionais. Em alguns países, como o Brasil, grandes empresas de-vem, por lei, manter sistemas de saúde e segurança no trabalho, além

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de comissões de prevenção de acidentes. Por outro lado, os sindicatostambém podem ter papel decisivo no aumento dos custos de não secumprir a lei. O Ministério Público do Trabalho, quando ocorre ofensaa interesse coletivo dos trabalhadores, tem competência para instaurarinquéritos administrativos e firmar termos (e compromissos) de ajustede conduta, que são documentos executáveis. Esses incentivos, porém,quase sempre se voltam para nichos de mercado, de difícil generaliza-ção para toda a economia. Em geral, incidem sobre empresas de grandeporte, com sindicalismo consolidado e penetração no mercado interna-cional de produtos ou serviços. O principal agente da Inspeção do Tra-balho no Brasil é mesmo o Ministério do Trabalho, através das Delega-cias Regionais do Trabalho, que analisaremos na seção seguinte.

BREVÍSSIMO HISTÓRICO

Assim como o MTE, o sistema de vigilância e inspeção do trabalho noBrasil, passou por diversas fases ao longo de sua história, cuja origempode ser delimitada em 1930, ano da criação do Ministério do Traba-lho, Indústria e Comércio – MTIC pelo governo Getúlio Vargas. O pró-prio período varguista não pode ser tomado como uma fase única, umavez que, à regulação que foi aos poucos sendo criada (ou modificada apartir da que já existia), se adicionou muito lentamente o aparato defiscalização e repressão ao trabalho ilegal e/ou de incentivos para aadesão dos empresários à nova regulação.

A literatura sobre o tema é relativamente consensual ao mostrar, pri-meiro, a resistência empresarial em adotar a legislação trabalhista ins-tituída pouco a pouco pelo governo Vargas8 e, em segundo lugar, asempre resistente, porém gradual, adesão do empresariado à regula-ção, em parte porque ela mostrar-se-ia adequada à acumulação capita-lista (Oliveira, 1972) e, em parte, por pressão dos governos posterioresa 1950 (Vargas inclusive) até 1964, em razão de sua maior permeabili-dade às demandas sindicais.

O sistema de incentivos para a formalização das relações de trabalhorestringiu-se, quase sempre, a multas para os casos desviantes, aosquais se chegava por denúncias dos trabalhadores e, mais ordinaria-mente, por meio de visitas “incertas” por parte do poder público, istoé, os fiscais do Ministério do Trabalho. Contudo, ainda sob a ditaduravarguista, incentivos positivos não-monetários foram oferecidos aosempregadores que aderissem à ordem corporativa e à regulação do

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mercado de trabalho, como por exemplo a participação nos mecanis-mos bipartite de formulação da política industrial, o acesso a financia-mento público e a preferência em concorrências públicas (Diniz e Bos-chi, 1976)9.

O sistema de regulação do mercado de trabalho não caiu com Vargas,como é sabido. Ao contrário, depois da promulgação da CLT em 1943,as normas de ordenamento das relações entre capital e trabalho reve-lar-se-iam longevas e, em certo sentido, pervasivas no mercado detrabalho urbano. É provável que, naquelas atividades onde o trabalhoregulado era exigido, relacionadas com o emprego industrial urbano, ataxa de formalização das relações de trabalho fosse bastante alta, etalvez tenha ultrapassado os 50% já em meados da década de 1950(Lobo, 2005).

A Convenção 81 da OIT, que regulamenta a inspeção do trabalho na in-dústria e no comércio, foi aprovada em 1956 por meio de Decreto Le-gislativo, e promulgada em junho de 1957 pelo presidente JuscelinoKubistchek através do Decreto nº 41.721. Contudo, a primeira regula-mentação sistemática da atividade data de 1965, ano da edição do De-creto Presidencial no 55.841, que instituiu o Regulamento de Inspeçãodo Trabalho – RIT10. Tudo indica que a edição desse regulamento res-pondeu à necessidade dos governos militares estar em dia com as con-venções e determinações da OIT, que em 1947 editara sua Convenção81. Não por acaso, em 1971, o governo Garrastazu Médici denunciou aConvenção por meio do Decreto Presidencial nº 68.796, que seria revo-gado apenas em novembro de 1987.

Com a democratização dos anos 1980, abre-se a possibilidade de pres-são dos agentes sociais sobre os mecanismos de inspeção. A Lei no

7.347, de 1985, autorizou o Ministério Público (entre outras entidadespúblicas e civis) a manejar as ações civis públicas, forma de ação coleti-va de tutela de direitos coletivos e difusos. A Constituição de 1988 re-forçou esse papel do Ministério Público, o que abre, em tese, a possibi-lidade de intervenção mais eficaz dos representantes de trabalhadoressobre suas próprias condições de trabalho. Os termos de ajuste de con-duta operam como uma transação, em que o agente público ajusta como agente privado a suspensão das autuações em troca do compromissode correção das irregularidades encontradas, em um certo prazo. Senão for cumprido o compromisso, as multas previstas no termo sãoaplicadas, em um processo mais rápido, já que os termos são títulos

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executivos. A eficácia dessa via está por ser avaliada; por enquanto tra-balhamos com o fato de que a inspeção sempre se baseou nas multascomo instrumento de pressão. Ora, o recrudescimento do processo in-flacionário depois de 1979 levou a uma rápida corrosão dos valores dasmultas previstos na CLT, cuja correção dependia, como ainda depen-de, dos humores do jogo parlamentar.

Nos anos 1990, a inspeção do trabalho voltou a ganhar centralidade. Aprincipal inovação no sistema veio com a tentativa de se instituir a ne-gociação em principal meio de solução de pendências decorrentes dainspeção do trabalho. Em julho de 1999, o MTE baixou Instrução Nor-mativa, revista em 2001, regulamentando a constituição de “Mesas deEntendimento” para o caso de as fiscalizações do trabalho não resulta-rem em reparo imediato por parte do empregador. Essas Mesas devemser chefiadas pelos chefes de fiscalização ou pelos próprios auditoresfiscais, por delegação daquele, e os auditores podem convocar outrosauditores para compor suas mesas. Podem convocar, também, entida-des sindicais dos agentes envolvidos, mas não estão obrigados a fa-zê-lo. A instalação de uma Mesa de Entendimento deve ser comunica-da ao Delegado Regional do Trabalho. A Instrução fixa prazos para aduração das mesas e outros procedimentos relevantes, porém dandoliberdade de ação aos auditores fiscais na condução dos trabalhos, des-de que informado o delegado regional do trabalho. Não se sabe, ainda,o impacto das mesas na eficácia do sistema, mas veremos que as esta-tísticas agregadas de inspeção do trabalho não sofreram grandes mu-danças nos últimos anos, com exceção daquelas sobre recolhimento doFundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.

O Desenho do Sistema

A estrutura atual do Ministério do Trabalho e Emprego pode ser apre-endida observando-se o organograma a seguir, que dá uma idéia do lu-gar da inspeção do trabalho no conjunto de suas atividades. A Secreta-ria de Inspeção do Trabalho – SIT é uma das quatro secretarias executi-vas subordinadas diretamente ao gabinete do ministro. É, portanto,parte do segundo escalão burocrático do governo federal, e seu ocu-pante é nomeado diretamente pelo ministro. Além disso, trata-se de se-cretaria muito prestigiada e politicamente estratégica, pois tem ramifi-cações em todo o território nacional através das Delegacias Regionaisdo Trabalho – DRTs, situadas no Distrito Federal e em cada estado dafederação (27 ao todo), onde se dividem em subdelegacias (114 no país)

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e, estas, em agências de atendimento (480 no total). Note-se que asDRTs estão ligadas diretamente ao gabinete do ministro. São elas asresponsáveis pela execução das políticas formuladas no âmbito da SIT.

A Tabela 1 apresenta a evolução dos gastos do MTE nos últimos anos,bem como de sua participação no Orçamento Geral da União – OGU eno orçamento dos ministérios em particular11. Tomando-se o orçamen-to da União como um todo, a participação do MTE parece bastante aca-nhada, atingindo um máximo de 0,33% do total em 2003, embora os da-dos para este ano ainda não estivessem totalmente liquidados. Os da-dos também sugerem uma trajetória ascendente de participação a par-tir de 1998, quando atingiu-se o ponto mais baixo de presença do MTEnos gastos totais, de 0,14%. A participação no orçamento geral dos mi-nistérios também foi muito pequena em termos relativos, com pico de1,16% em 2003, ou 7% se considerarmos o Fundo de Amparo ao Traba-lhador – FAT. Note-se que, com o FAT, o orçamento consolidado doMTE vem aumentando sua participação relativa, que saltou de 5,8%para 7% em nove anos.

460

Adalberto Cardoso e Telma Lage

ConselhoNacional do

Trabalho

ConselhoNacional de

Economia Solidária

Figura 1

Organograma do Ministério do Trabalho e Emprego – 2004

Fonte: www.mte.gov.br.

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Tabela 1

Orçamento de Investimento do MTE e Participação no OGU

e no Orçamento dos Ministérios

1995-2003

Ano Ministério doTrabalho

Fundação Jor-ge Duprat

FAT(*) Total Deflator(Índice Nacio-nal de Preçosao Consumi-dor – INPC)

médio do ano)

1995 1.099.553.228 32.737.644 9.015.851.714 10.148.142.586 0,57328

1998 1.105.748.457 76.690.048 11.859.096.374 13.041.534.880 0,63063

2001 1.625.494.079 61.776.345 13.427.465.653 15.114.736.078 0,75494

2003(**) 2.878.648.569 38.693.798 14.631.865.113 17.549.207.480 0,97304

Participação noOGU (%)

Ministério doTrabalho

Fundação Jor-ge Duprat

FAT(*) Total

1995 0,26 0,01 2,16 2,43

1998 0,14 0,01 1,50 1,64

2001 0,21 0,01 1,75 1,97

2003 0,33 0,00 1,68 2,02

Participação noorçamento dosMinistérios (%)

Ministério doTrabalho

Fundação Jor-ge Duprat

FAT(*) Total

1995 0,63 0,02 5,18 5,83

1998 0,50 0,03 5,37 5,90

2001 0,65 0,02 5,37 6,04

2003 1,16 0,02 5,90 7,08

Fonte: Construído a partir dos microdados do OGU disponíveis emhttp://www.camara.gov.br/internet/orcament/Principal/exibe.asp?idePai=2&cadeia=0@(*) Fundo de Amparo ao Trabalhador.(**) Dados consolidados até setembro de 2003.

Na análise desses dados, é preciso considerar que, no OGU e no orça-mento dos ministérios, se encontra a Previdência Social, a qual conso-me, sozinha, perto de metade do orçamento ministerial total e quase14% do OGU. Sem contar a Previdência, o MTE participava com cercade 14% do orçamento dos ministérios em 2003, e estava em quarto lu-gar na dotação geral, aparecendo depois dos ministérios da Previdên-cia, da Saúde e da Defesa, estando na frente inclusive do Ministério daEducação, com o qual alternou de posições algumas vezes nos últimosanos12. Outro ponto a se levar em conta é o de que o FAT, embora sejagerido por um conselho curador amplo, que inclui membros de outrosministérios, além de representantes de capital e trabalho tem a maior

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parte de suas políticas formuladas diretamente pelo MTE. Vale menci-onar, dentre as mais importantes, a política nacional de qualificação demão-de-obra, um dos carros-chefe da política de emprego do governoFernando Henrique Cardoso, e o seguro-desemprego, que consome omaior volume de recursos do FAT (Lemos, 2003).

Analisando mais detidamente o orçamento do MTE de 2003, desagre-gado por Unidade Orçamentária e por função13, descobre-se que 38%dos recursos foram gastos com pessoal, considerando-se os servidoresativos e os inativos. As atividades-fim, ou seja, os gastos com investi-mentos propriamente ditos, não chegaram a 2% do total. É claro quepagamento de pessoal contempla uma parte significativa das ativida-des-fim, tal como a fiscalização do trabalho, já que esta implica a atua-ção direta dos fiscais junto às empresas. Além disso, cerca de 32% dosgastos com atividades-fim das secretarias couberam à SIT em 2003. Em1995, esse montante fora de 22%. Ou seja, nos últimos 8 anos, entre umquarto e um terço dos gastos com investimentos voltaram-se direta-mente para a atividade de fiscalização. A inspeção do trabalho, pois,tem lugar de destaque no organograma e nos gastos do MTE.

AConstituição Federal de 1988 estabelece que compete à União organi-zar, manter e executar a inspeção do trabalho. O Regulamento daInspeção do Trabalho – RIT é hoje o Decreto no 4.552, de dezembro de2002, regulamentar da Lei no 10.593, do mesmo mês e ano. São normasrecentes que reiteram o compromisso formal do país com a fiscalizaçãodo trabalho, em conformidade à Convenção 81 da OIT. O novo RIT fir-mou a terminologia “auditor fiscal do trabalho”, em substituição a“inspetor do trabalho”, para indicar o agente da inspeção do trabalho.Uma das mais importantes inovações deste regulamento é a ampliaçãoda autonomia dos auditores, alcançada por sua subordinação direta-mente à autoridade nacional14. Por fim, a CLT contém normas específi-cas sobre inspeção do trabalho, que estão em plena vigência, dentreelas o valor das multas a se aplicar no caso de irregularidades.

Ou seja, ainda que Organizações Não-Governamentais – ONGs, sindi-catos e outras organizações da sociedade civil possam atuar comoagentes de denúncias (Dal Rosso, 1997), a inspeção do trabalho, talcomo definida em lei, é atividade de Estado vinculada ao Ministério doTrabalho e Emprego através da SIT. Esta divide-se em dois departa-mentos: (i) Departamento de Inspeção do Trabalho – DEFIT, responsá-vel pelo planejamento e normatização das ações de fiscalização da le-

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gislação trabalhista; (ii) Departamento de Segurança e Saúde do Traba-lhador – DSST, que coordena e normatiza as ações de fiscalização dasnormas de segurança e saúde no trabalho.

Em conformidade com as normas da OIT, a função fiscalizadora tempor finalidade promover o cumprimento da legislação. O poder de po-lícia autoriza o auditor-fiscal a “expedir notificações, embargar obras,interditar estabelecimentos, setores de serviços, máquinas ou equipa-mentos e, se necessário lavrar autos de infração, que são instrumentoprévio para imposição de multa administrativa” (Silva, 2002). Tais pro-vidências são propostas pelo auditor-fiscal ao delegado regional, quedecidirá, assinalando o prazo para cumprimento15.

A fiscalização atua em todo território nacional, em todas as empresasprivadas urbanas ou rurais, bem como nas empresas estatais que têmempregados16. Em tese, também os escritórios dos profissionais libera-is, as instituições filantrópicas, as associações recreativas e outras insti-tuições sem fins lucrativos que têm empregados estão sujeitos à fiscali-zação, inclusive o trabalho doméstico. Mas veremos que isso não é viá-vel.

Os auditores atuam na área geográfica da agência, subdelegacia ou de-legacia onde estão lotados. Cumprem ordens de serviço que indicamas empresas que devem fiscalizar, mas podem ter iniciativa da fiscali-zação. Adistribuição dos auditores fiscais pelas diferentes áreas de ins-peção da mesma circunscrição17 obedece ao sistema de rodízio, efetua-do em sorteio público, vedada a recondução para a mesma área no pe-ríodo seguinte. O ingresso no cargo de auditor-fiscal dá-se medianteaprovação do candidato em concurso público de provas, aberto a por-tador de diploma de curso superior. A nomeação para as áreas de segu-rança e medicina do trabalho exige, além da aprovação em concurso,comprovação de especialização – pós-graduação – em instituições re-conhecidas oficialmente. Os delegados regionais do trabalho são no-meados por indicação política e não pertencem necessariamente à car-reira de auditor-fiscal do trabalho. Cabe a eles aplicar as multas, combase nos autos de infração lavrados pelos auditores-fiscais18.

Os auditores são contratados pelo Regime Jurídico Único – regime es-tatutário – em que os salários são fixados em lei, e há garantia de estabi-lidade. Segundo dados do MTE, o salário de um auditor-fiscal em iní-cio de carreira pode chegar a US$ 2.490 por mês, e a US$ 3.289 no casodo nível mais alto da hierarquia funcional19. Esses valores são aproxi-

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mados, já que o que se recebe efetivamente ao mês depende do desem-penho individual e do sistema como um todo. Assim, duas gratifica-ções incidem sobre o salário básico: a Gratificação de Atividade Tribu-tária – GAT, correspondente a 30% do salário (ou 25% do maior saláriobásico); e a Gratificação de Incremento da Fiscalização e da Arrecada-ção – GIFA, correspondente a 45% do maior salário básico de cada car-go. A GIFA comporta uma parcela relativa ao desempenho individualdo auditor (um terço) e outra relativa ao desempenho global do siste-ma (dois terços). As metas de arrecadação que servem de base às grati-ficações são definidas nos Planos Plurianuais do governo federal, quetêm duração de quatro anos. Essa estrutura salarial tem conseqüênciasdecisivas para a eficácia e a efetividade da fiscalização, como veremosmais adiante.

Em tese, a inspeção do trabalho é detonada por dois procedimentoscomplementares: as denúncias e o sorteio de endereços para visita. Naprática, como as DRTs têm poucos fiscais para o número de denúnciasque recebem20, a inspeção guia-se sobretudo por elas, que ocorrem emnúmero suficiente para ocupar a agenda de inspeções. Conforme nosinforma uma auditora-fiscal do trabalho entrevistada21,

“Atualmente, a grande maioria das fiscalizações é motivada por de-núncias. O denunciante principal é o trabalhador individual, porémcostuma-se priorizar o atendimento às denúncias dos sindicatos, doMinistério Público e da Polícia (nos casos de acidentes do trabalho).Embora a grande maioria das ações de fiscalização seja motivada pordenúncias, é impossível atender a todas, não temos pessoal suficiente,por isso também se costuma priorizar entre os denunciantes individua-is, aqueles que se identificam. Onde é possível, pode-se também orga-nizar um programa para atender coletivamente, denúncias acerca deuma mesma empresa ou setor produtivo” (entrevista realizada emagosto de 2004).

Se da fiscalização resultar auto de infração, inicia-se um processo ad-ministrativo. Quando autuado, o empregador tem dez dias para apre-sentar sua defesa. Esgotado esse prazo, o processo – auto e defesa, ousomente o auto, se o empregador não apresentar defesa – é examinadopor outro auditor-fiscal (diferente daquele que autuou) e é dado umparecer, que pode ser pela procedência total, parcial, ou improcedênciada autuação. Essas peças são encaminhadas ao delegado ou subdele-gado, para decisão. Se considerado “improcedente” o auto de infração,em primeira instância, é obrigatória sua remessa para análise em se-

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gunda instância; se confirmada a improcedência em segunda instân-cia, o processo é arquivado. Se considerado “procedente”, parcial outotalmente, e o empregador pagar a multa no prazo de dez dias apósrecebida a notificação, terá desconto de 50% do valor estipulado. Casonão se conforme com a multa, o empregador tem prazo de dez diaspara recorrer à segunda instância, mas deve depositar o valor integralda multa como requisito de apreciação do recurso. A segunda instân-cia pode confirmar a multa – neste caso, o depósito converte-se em pa-gamento; ou aceitar o apelo do empregador que então receberá de vol-ta o valor depositado. Se não pagar nem recorrer do valor da multa, oempregador é inscrito na dívida ativa da União, e a cobrança executivaserá promovida pela Procuradoria da Fazenda Nacional, em processojunto à Justiça Federal. Todo esse procedimento administrativo devedurar, no máximo, sessenta dias, segundo determinação do RIT de2002.

De acordo com auditores-fiscais entrevistados, apenas as pequenas emédias empresas costumam pagar as multas no início do processo, in-clusive para aproveitar o desconto de 50%. As empresas que contamcom departamentos jurídicos normalmente recorrem das decisões. Orecurso tramita primeiramente no âmbito administrativo. Findas to-das as oportunidades de recursos, e recusado o pagamento, a cobrançasegue para a Procuradoria da Fazenda Nacional. Importa notar queessa procuradoria está envolvida na cobrança da dívida ativa de valo-res muito mais significativos do que os das multas trabalhistas. Comisso, ainda segundo funcionários das DRTs, haveria pouco incentivopara a cobrança e grande chance de prescrição da dívida. E nunca é de-mais lembrar que, findo o processo administrativo, a parte pode recor-rer ao Poder Judiciário, em que os prazos podem se estender indefini-damente.

O desenho do sistema, pois, obedece às recomendações da OIT quantoà existência de mecanismos que garantam a independência técnica dosfiscais e assegurem condições adequadas para sua atuação. Mesmoconsiderando as restrições quanto à execução das penas, o Brasil estámais bem aparelhado do que alguns de seus vizinhos lati-no-americanos, como a Argentina e o México, por exemplo. Neste últi-mo país, a inspeção tem duas jurisdições, uma nacional e outra no Dis-trito Federal – DF, o que gera disputas por competências e âmbitos deatuação, reduzindo a eficiência e a eficácia do sistema. Os salários,mesmo do pessoal graduado (médicos e engenheiros), não ultrapas-

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sam US$ 750 para a jurisdição nacional, chegando a US$ 550 no DF.Aqui, há apenas três computadores para os auditores-fiscais, que nãodispõem de veículos para deslocamento até os locais de trabalho. Alémdisso, o número de fiscais é muito pequeno e vem caindo bastante nosúltimos anos. Em 1994, na jurisdição federal eles eram 388, caindo para181 em 200422. Na Argentina, não se exige diploma de nível superiordos inspetores, que têm, em média, onze anos de estudo. Além disso,eles não têm uma carreira própria no funcionalismo público, e nem to-dos estão protegidos por contratos que assegurem estabilidade no em-prego, como recomenda a OIT (Palomino e Senén, 2005).

RESULTADOS DA INSPEÇÃO

ATabela 2 mostra os dados consolidados da fiscalização do trabalho noBrasil. O primeiro fato a salientar é a queda acentuada no número defiscais de 1990 a 1995, período quando se atingiu o menor número deprofissionais, pouco menos de 2 mil pessoas. Em 1996, houve um saltosignificativo de mais de oitocentos novos fiscais, mas seu número vemcaindo desde então. O segundo ponto a marcar é que a variação no nú-mero de fiscais não parece ter relação com o número de empresas visi-tadas ou de trabalhadores atingidos. Ao contrário, o ano com menornúmero de fiscais (1995) é também aquele com o maior número de em-presas atingidas pela fiscalização, mais de 420 mil, com média de 215empresas por fiscal. Na verdade, a se fiar nesses dados (mas comenta-mos esse problema em seguida), tudo indicaria que o sistema se tornoumais eficiente quanto menor o número de fiscais. Isso leva à terceiraobservação relevante aqui. A fiscalização vem mudando de rosto nosúltimos anos, atingindo mais trabalhadores em um menor número deempresas, o que resulta no aumento do tamanho médio das empresasvisitadas a partir, grosso modo, de 1997. Menos empresas visitadas porum número menor de fiscais, mas atingindo mais trabalhadores a cadaano significa exatamente isso: maior eficiência da ação fiscal, e tambémmaior efetividade, uma vez que mais trabalhadores são atingidos.

Um quarto ponto a salientar tem a ver com a eficácia da ação fiscal, ex-pressa no número de autuações, no de trabalhadores registrados emrazão da fiscalização e na Taxa de Regularização em EstabelecimentosFiscalizados – TREF que expressa a taxa de adequação das empresas àlegislação trabalhista. Uma vez mais a se crer nos dados disponíveis,entre 16% e 30% das empresas visitadas foram autuadas a cada ano, re-sultando em nunca menos do que 250 mil trabalhadores registrados

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sob ação fiscal, isto é, vínculos empregatícios formalizados a partir de1996 (não há dados disponíveis para os anos anteriores nesse quesitoespecífico). A tabela não mostra, mas isso representou, em 2001, o picode 2,92% do total de trabalhadores atingidos pela fiscalização, parauma média de 1,17% no período. E a taxa de regularização alcançada,isto é, a proporção de itens irregulares regularizados após a ação, tam-bém aumentou significativamente ao longo dos anos, passando de65% em 1996 para 84% em 2003. Em suma, por esses dados somos leva-dos a crer que o sistema parece caminhar para um desenho mais enxu-to e mais eficaz em termos de regularização das relações de trabalho.

É preciso ler a Tabela 2 com cautela, porém. A aparente eficiência dosistema é contra-arrestada pela paradoxal circunstância de que apenas1,17% dos vínculos teriam sido regularizados com a ação fiscal, ao pas-so que 21% das empresas visitadas teriam sido autuadas em todo o pe-ríodo (1990-2003). Ora, a taxa de autuação é muito alta (um quinto dototal das empresas), mas a de regularização de vínculos empregatíciosé muito baixa (1,17% dos trabalhadores atingidos). Isso pode estar re-fletindo uma de três coisas: primeiro, que em uma mesma empresanem todos os trabalhadores estão irregulares, de sorte que muitos sãoatingidos, mas apenas alguns regularizados; em segundo lugar, que asirregularidades e autuações ocorrem sobretudo em empresas de me-nor porte, o que resulta em menos pessoas atingidas, apesar do altocontingente de empresas autuadas; em terceiro, que a inspeção do tra-balho visa sobretudo a outros objetivos (como o recolhimento do FGTSou a saúde e segurança no trabalho) que não a regularização do vínculoempregatício. Tomadas em conjunto, essas três alternativas denotamum sistema de fiscalização que se restringe ao mercado formal de tra-balho. Para deixar o argumento mais claro, basta ler os dados ao revés.Supondo eficaz a ação fiscal, isto é, que um vínculo irregular é sempreregularizado em função da fiscalização, se apenas 1,17% dos trabalha-dores atingidos tiverem seus vínculos regularizados, então os outros98,83% estarão em situação regular. Como o emprego assalariado semcarteira representou, ao longo da década de 1990, entre 35% e 45% domercado de trabalho assalariado no Brasil, então a conclusão necessáriaé a de que o sistema de fiscalização está mirando as empresas erradas,ao menos no que respeita a esse aspecto específico da inspeção, ou seja,a regularização do vínculo trabalhista.

Dizendo de outra maneira, o mercado de trabalho de assalariados semcarteira ocupou, na década de 1990, entre 10 e 15 milhões de pessoas, se-

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gundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD.Como a fiscalização atingiu duas vezes essa proporção de pessoas, ecomo encontrou não mais do que 1,17% em média de trabalhadores emsituação irregular, somos levados à conclusão de que a fiscalização nãoincidiu sobre aqueles 15 milhões de assalariados sem carteira, mas simsobre os mais de 25 milhões de assalariados com carteira, o que resultouna baixíssima taxa de registro dos trabalhadores atingidos.

Ainda assim, é provável que os dados do MTE estejam superestiman-do o universo coberto e, também, a taxa de eficácia da fiscalização. Issoporque o número de trabalhadores atingidos parece muito alto tendoem vista o mercado formal de trabalho no país, que variou entre 20 e 29milhões de empregados entre 1990 e 2003, segundo dados do próprioMTE. Como a fiscalização parece mirar as grandes empresas23, sua efe-tividade média, isto é o número de trabalhadores atingidos divididopelo de trabalhadores formais existentes, seria, por vezes, superior a80% do mercado formal de trabalho24, o que parece inteiramente dispa-ratado em um sistema em que todos reclamam de sua baixa eficácia ecobertura.

Em segundo lugar, o sistema de remuneração e de prêmios dos fiscaisestá lastreado no número de trabalhadores atingidos, no número decarteiras de trabalho registradas e na quantidade de recursos do FGTSarrecadados. Esse sistema de metas contribui para que os fiscais supe-restimem a eficácia de sua ação e, também, as estatísticas. Como disseuma auditora-fiscal do trabalho de São Carlos,

“A empresa pequena representa, em termos de produtividade, muitopouco para o fiscal. Ou seja, quanto menor é o número de empregadosde uma empresa, menor a ‘pontuação’ atribuída pelo nosso sistema deavaliação (ao qual está condicionada a recepção de nosso salário integral).Assim, se fiscalizamos empresas pequenas, temos que trabalhar mais emais rapidamente. Como isso é muito difícil, fica mais simples lavrarum auto de infração e ir embora sem alterar a situação da empresa (ouaté piorando-a). É bom lembrar que as metas a que somos submetidostambém apontam nessa direção, temos que fiscalizar muito e rápido. Seos problemas detectados são resolvidos ou não parece, não interessarmuito” (entrevista realizada em agosto de 2004).

Ou seja, o próprio salário está condicionado às quantidades atingidas.Com isso, o sistema oferece incentivos para que o foco da fiscalizaçãose dirija às grandes empresas. Além disso, mesmo que pequenas em-

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presas sejam fiscalizadas, ao auto de infração nem sempre se seguirãomedidas destinadas a sanar a situação irregular. Por fim, como afirmaum auditor-fiscal do Rio de Janeiro, é comum que empresas visitadasmais de uma vez no âmbito de uma fiscalização e seus desdobramentossejam contadas tantas vezes quantas forem as visitas, inflando as esta-tísticas.

É bom deixar claro que as metas de fiscalização aludidas pela auditorade São Carlos referem-se à arrecadação do FGTS. Segundo documentodo MTE (2004), a partir de 1996, as metas de arrecadação passaram aser definidas pelo Ministério da Fazenda, no âmbito do plano de metasdo governo federal, sendo parte do esforço fiscal da administração pú-blica. O mesmo auditor-fiscal do Rio de Janeiro citado anteriormenteinforma que, desde então, este passou a ser o foco central da inspeçãodo trabalho no Brasil.

E de fato, a Tabela 3 mostra que, de 1997 em diante, nunca menos doque 3% da arrecadação total do FGTS decorreu da ação fiscal, chegan-do em 2002 a quase um bilhão de reais arrecadados (ou 4,3% do total).Trata-se de um montante equivalente a 60% do orçamento do Ministé-rio do Trabalho em 2003 (1,6 bilhão de Reais). Atabela mostra, também,que a eficiência da arrecadação vem aumentando, pois o montante mé-dio arrecadado por notificação lavrada saltou de R$ 24 mil em 1996para quase R$ 63 mil em 2002.

Tabela 3

Fiscalização do FGTS – Brasil, 1996-2002

Ano ArrecadaçãoBancária do

FGTS (A)

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Total Recolhidosob Ação Fiscal

(C)

(C)/(B) (B)/(A)

1996 11.671.686.175,56 9.385 228.404.462,40 24.337,18 1,96

1997 12.925.111.506,46 19.040 450.238.529,74 23.646,98 3,48

1998 16.781.697.816,92 18.709 550.591.181,65 29.429,21 3,28

1999 17.408.212.152,04 17.062 614.837.075,20 36.035,46 3,53

2000 18.708.530.527,10 16.316 822.664.678,16 50.420,73 4,40

2001 21.074.052.206,15 15.523 737.000.126,18 47.477,94 3,50

2002 (*) 22.482.012.000,00 15.328 960.569.409,70 62.667,63 4,27

Fonte: Ministério do Trabalho (www.mte.gov.br).(*) Estimativa.

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Esses dados, em conjunto com a TREF da tabela anterior, reforçam o ar-gumento de que, em resposta aos incentivos que oferece aos auditores,o sistema está sendo direcionado para empresas cada vez maiores. Amesma auditora citada antes disse que

“[...] a empresa grande é muito mais organizada, e o atendimento aoMinistério do Trabalho, em geral, é profissional. Na parte documental,quase sempre, a empresa já tem os documentos e programas legalmen-te exigidos e em caso de discordância ou mesmo de uma irregularidadedetectada na inspeção, teremos interlocução com a empresa, ou seja,mesmo que decidamos pela lavratura de um auto de infração, sabemosque podemos dar continuidade à fiscalização até a regularização doproblema, o que normalmente, se consegue dentro dos prazos estabele-cidos. E mesmo se houver necessidade de grandes investimentos, comono caso de exigência de reformas, construções ou contratação de pesso-al, também é muito mais fácil, com a empresa grande, lançarmos mãode outros recursos como mesa de entendimento, estímulo de acordoscom os representantes da categoria profissional etc.” (entrevista reali-zada em agosto de 2004).

Como se pode ver, a fiscalização nas empresas maiores é também maiseficaz, por várias razões correlatas: as empresas são “mais organiza-das”, atendem ao MTE de forma “profissional”, têm recursos financei-ros para responder às exigências e eventuais autuações – o que resultaem melhor produtividade para os fiscais – fazem-no “dentro dos pra-zos” etc. Tudo conspira para que a inspeção privilegie estas às outrasempresas, e isso deve estar se refletindo nas melhores taxas de regula-rização dos últimos anos.

O foco nas empresas maiores decorre, também, do fato de o MTE ope-rar com um conjunto enviesado de informações cadastrais, que privile-gia as empresas formalmente estabelecidas. O cadastro que serve debase para a inspeção é construído a partir da Relação Anual de Infor-mações Sociais – RAIS, à qual são acrescentadas informações das pes-quisas econômicas do IBGE e outras fontes, que cobrem principalmen-te o mercado formal de trabalho. O acesso a empresas informais, quan-do ocorre, resulta sobretudo das denúncias. Mas parece plausível sus-peitar que, quanto mais precário o mercado de trabalho e maior a taxade desemprego, menores os incentivos para que os trabalhadores de-nunciem más condições de trabalho. O caso da construção civil do Riode Janeiro, analisado em seguida, é exemplo claro desse limite.

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INSPEÇÃO DO TRABALHO NA CONSTRUÇÃO CIVIL DO RIO DE JANEIRO

Quais as chances de que a burla da lei por uma empresa seja descobertae, depois, sancionada? A construção civil é um setor estratégico para aresposta a essa pergunta. Ali, o trabalho é, tradicionalmente, precário,com altas taxas de ilegalidade e de trabalho autônomo. Além disso, osetor apresenta uma das maiores taxas de acidentes de trabalho dopaís, o que denota condições precárias e perigosas de trabalho25, objetorotineiro da inspeção. No que se segue, dois aspectos centrais serãoavaliados: de um lado, o poder fiscal do Estado e, de outro, a atuaçãodos sindicatos de trabalhadores e empregadores como agentes ou in-termediários da fiscalização. Os temas centrais a tratar serão os custosde contratação e demissão, além do reconhecimento do vínculo empre-gatício via registro em carteira de trabalho.

Sobre Chances de Ser Apanhado

A fiscalização do trabalho na construção civil do Rio de Janeiro tem doismecanismos propulsores básicos. Primeiro, o início de uma obra, quan-do os condomínios26 devem prestar ao Ministério do Trabalho, ao sindi-cato (por exigência da convenção coletiva) e à prefeitura da cidade, umconjunto de informações sobre duração da obra, empresas envolvidasno condomínio, trabalhadores empregados etc. Em segundo lugar, atra-vés de denúncias dos trabalhadores, feitas por meio de um número detelefone específico para isso no sindicato de empregados, em que o tra-balhador pode denunciar anonimamente. O sindicato recebe de 80 a 100denúncias por mês. Oito equipes fixas de fiscais – que podem chegar a 15se todos os dirigentes saírem para fiscalizar – trabalham todos os dias dasemana visitando obras segundo uma programação previamente defi-nida com base na triagem e hierarquização das denúncias. Hoje, há algocomo 8 mil canteiros registrados ou conhecidos no Rio de Janeiro. É ver-dade que o registro formal da obra na prefeitura e no sindicato é umaobrigação legal difícil de se elidir no caso das obras maiores e mais visí-veis, mas edificações menores e, sobretudo, as reformas, nem semprepodem ser identificadas e, portanto, fiscalizadas.

Vejamos como funciona o primeiro mecanismo, as visitas no início dasobras registradas. Segundo um diretor de fiscalização do sindicato,este não visita de surpresa:

“Nós temos um procedimento regulado. As empresas grandes nos in-formam no início e no final da obra, protocolam no sindicato e no Mi-

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nistério do Trabalho. Então, quando vai começar uma obra nós envia-mos um ofício de ‘Visita Técnica Orientativa’, com a finalidade de le-vantar possíveis pendências naquele canteiro e levar o trabalho da di-retoria para aqueles trabalhadores. Levamos nosso check list, vemos aspendências e damos 5 dias para arrumar o que tiver que ser arrumado.Voltamos, foi atendido? Ótimo. Não foi? Então a gente manda um ofí-cio solicitando que compareçam aqui à entidade para uma Mesa deEntendimento, composta pelo diretor da pasta e um representante da-quela equipe que visitou o canteiro com a notificação na mão. E tenta-mos adequar a empresa à legislação e à convenção coletiva de trabalho,evitando ao máximo levar isso à Justiça do Trabalho. Esgotamos todasas possibilidades de negociação, até para manter um relacionamentode parceria” (entrevista realizada em julho de 2004).

Procedimento “regulado”, aqui, quer dizer três coisas primordiais:primeiro, que as regras de fiscalização são acordadas com o sindicatopatronal; em segundo lugar, que as empresas são informadas sobre afiscalização; terceiro, que há um inventário de itens a se fiscalizar, que épreviamente conhecido pelas empresas, nomeado pelo sindicalistacomo “check list”. Esse inventário é, também, uma forma de dar tempo(5 dias) à empresa para que ela se adapte às regras. Caso isso não ocor-ra, uma série de outros procedimentos negociais são acionados, a co-meçar por uma “mesa de entendimento” no sindicato laboral, onde sebusca um acordo para adequação da empresa à lei e à convenção coleti-va. Caso isso continue não funcionando, há a Justiça do Trabalho comoúltimo (e indesejado) recurso.

A palavra-chave para os dirigentes sindicais de trabalhadores e patrõesé, indubitavelmente, parceria. Ela opera também no segundo mecanis-mo detonador da fiscalização. Nas palavras do mesmo sindicalista,

“[...] a outra forma de fiscalizar é quando vem a denúncia por parte deum trabalhador. Aí nós pegamos o endereço daquele canteiro, levanta-mos o número do telefone, geralmente são empresas cadastradas co-nosco, e mandamos um ofício de ‘Visita Técnica Orientativa’. Avisamosque vamos fazer uma visita para orientar sobre a segurança no traba-lho. A gente não chega de surpresa. Porque isso não interessa a nin-guém, certo? O que a gente quer é o direito do trabalhador respeitado,certo? Então, chegando lá eu vou constatar o problema com certeza, oque o trabalhador denunciou vai aparecer. Agora, a gente nunca dizque foi lá por denúncia do trabalhador, para não expor nem prejudicaro trabalhador” (entrevista realizada em julho de 2004).

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Em boa parte das fiscalizações, decorrentes de denúncia ou automáti-cas em razão do início de uma obra, um membro do Sindicato da Indús-tria da Construção Civil – SindusCon, sindicato patronal, faz parte daequipe de visitas. Segundo um dirigente patronal entrevistado, a par-ceria é vantajosa para os dois lados, porque interessaria ao SindusCona obediência às normas de segurança no trabalho, que ajudam a redu-zir o número de acidentes27. As fiscalizações contam ainda, emboranem sempre, com um agente da Delegacia Regional do Trabalho. Isso,segundo os sindicalistas, torna as visitas mais eficazes. O delegado re-gional tem poderes para lacrar a obra imediatamente se for o caso, sehouver, como disse um dirigente, “um descalabro muito grande, e aempresa não quiser acertar aquilo na hora”. Além disso, o delegado é oagente executor por excelência do Ministério do Trabalho. Sua presen-ça traz maior densidade às equipes de fiscalização. Por fim, sua presen-ça, juntamente com representantes de trabalhadores e patrões, inibe(ao menos idealmente) práticas pouco ortodoxas ou abertamente cor-ruptas por parte de qualquer um dos três agentes.

É claro que tudo isso são discursos de dirigentes, não podem ser toma-dos pelo valor de face. O sindicato não dispõe de um registro confiáveldas visitas, nem de seus resultados em termos de atenção a normas desegurança no trabalho e ao direito do trabalho, dados que permitiriamuma real mensuração da melhoria na eficácia ou efetividade da fiscali-zação ao longo do tempo. Em 2003, segundo um dirigente, entre marçoe junho foram computados mais de trezentos novos registros em car-teira decorrente das fiscalizações, mas não há como saber se esse nú-mero é grande ou pequeno historicamente. Ele certamente parece pe-queno tendo em vista os mais de 100 mil trabalhadores informais esti-mados para 200228, ou mesmo tendo em vista os 32 mil trabalhadoresassalariados sem carteira assinada. Ao ritmo da fiscalização de 2003,seriam necessários mais de 25 anos para registrar todos os assalariadossem carteira existentes, sem contar que novos vínculos sem registronascem todos os dias no mercado de trabalho da construção civil. Nadaassegura que um vínculo registrado hoje continuará assim amanhã.

No ambiente de trabalho na construção civil, em que a construtoraprincipal de um condomínio quase nunca é a maior empregadora, es-tando os empregados distribuídos por até dezenas de subcontratadas,a eficácia da fiscalização depende da capacidade do sindicato chegaràs franjas da teia de terceirizações. Para isso, o sindicato adota a estra-tégia de não negociar com as terceirizadas, e sim com a empresa princi-

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pal do condomínio. Aspecto importante é o fato de esse procedimentoconstar de convenção coletiva de trabalho, isto é, cabe à empresa prin-cipal zelar pelo cumprimento da legislação e da convenção coletiva pe-las contratadas. Isso reforça o que disse um dirigente patronal, fala re-ferendada por uma juíza de direito: a jurisprudência consolidada de sejulgar a empresa principal responsável subsidiária (vinculada) pelasdemais acaba forçando as empresas a exercer alguma vigilância sobreas subcontratadas. Isso nem sempre é possível, obviamente.

Com efeito, conforme um diretor de fiscalização, a grande barreira aotrabalho de inspeção, tanto por parte do sindicato quanto por parte dosauditores fiscais do trabalho, é a escala do negócio, ou seja, sua baixacapitalização. Esta impõe barreira econômica eficaz, porque a autua-ção rigorosa poderia inviabilizar o negócio, extinguindo postos de tra-balho. É, assim, mais uma componente que se vem somar aos incenti-vos institucionais e legais para que, como vimos, a fiscalização seja ma-joritariamente efetuada em empresas médias ou grandes. A opção temsua racionalidade. Segundo dados do Censo 2000 para a cidade do Riode Janeiro, 64% das pouco mais de 3 mil pessoas que se disseram em-pregadoras tinham empresas com até dez empregados. Tomando-se osdados da RAIS para 2002, que mede apenas o emprego registrado emcarteira, a proporção de empresas com até dez empregados era de 70%sobre o total das 3.156 empresas formalmente registradas, e de 82% setomarmos as empresas com até 19 empregados. Contudo, a proporçãode trabalhadores ocupados em empresas com até 19 empregados erade apenas 20,6% segundo a mesma RAIS. Na outra ponta, empresascom 50 empregados ou mais eram apenas 33,1% do total, mas ocupa-vam 61,3% da força de trabalho com registro em carteira. Consideran-do que as chances do sindicato ou do MTE chegar em uma empresapara fiscalizar é tanto maior quanto mais formal ela for, isto é, quantomais facilmente ela possa ser encontrada – tenha um telefone e um en-dereço que possam ser rastreados de alguma maneira, seja nos arqui-vos do sindicato, seja nos cadastros de empresas do IBGE – então é dese supor provável que sindicato e MTE estejam cobrindo menos de umterço das empresas realmente existentes (se somarmos os setores for-mal e informal), mas tendo quase dois terços da força de trabalho em-pregada como universo potencial de ação.

Pode-se dizer, então, que as chances de ser apanhado em caso de des-respeito à lei não são nulas na construção civil do Rio de Janeiro, e nemmuito altas, exceto no caso das grandes obras, dos grandes canteiros de

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obras ou das obras em lugares muito visíveis, caso das reformas nosedifícios do centro da cidade, por exemplo. Em uma escala de 0 a 100, achance de um grande canteiro de obras ser fiscalizado, tendo sido de-nunciado, é de 100. Essa chance decresce à medida que diminui o tama-nho da obra e sua visibilidade social. Na outra ponta, a chance de umapequena obra tocada por um pequeno construtor (uma reforma, aconstrução de casas de campo ou mesmo na cidade) ser fiscalizadapelo sindicato ou pela DRT, mesmo que tenha sido denunciada, é de 0,ou muito próxima disso. A fiscalização potencial, pois, é função diretado tamanho da obra e das empresas nela envolvidas, e do fato de haverou não uma denúncia. A questão central, então, torna-se saber qual achance real de que um direito burlado suscite uma denúncia.

Essa chance não está aleatoriamente distribuída na população empre-gada. Alguns trabalhadores são mais propensos que outros a fazeruma denúncia. Esta é uma função direta do conhecimento dos direitose inversa do receio de que ela possa resultar na perda do emprego, pon-derado pelo custo do desemprego para o trabalhador individual. Emsituações de alto desemprego, mesmo um receio pequeno pode ser su-ficiente para não levar à denúncia, por mais que os trabalhadores co-nheçam seus direitos. A confiança de que a denúncia terá garantia deanonimato – caso do telefone específico para isso no sindicato, o dis-que-denúncia – pode não ser suficiente para suplantar o receio de per-da de emprego em situações de fragilidade de mercado.

Sobre Chances de Ser Punido

O conflito trabalhista resultante de lesão a direitos tem três momentosprincipais de encaminhamento, cada qual associado a uma instituição,como se segue: 1) momento da regulação das normas e fiscalização desua observância pelas empresas, sob responsabilidade do Ministériodo Trabalho e Emprego; a própria fiscalização induz à adequação dasempresas às normas; 2) a resistência ou recalcitrância no cumprimentodas normas abre um processo de negociação no sindicato ou na DRT,ou em ambos; tal processo tanto pode ser conduzido pelas delegaciasregionais do trabalho como pelo Ministério Público do Trabalho, emsua competência de instalar inquéritos civis e firmar termos de ajustede conduta que, já vimos, são títulos executáveis; 3) a insuficiência dosinstrumentos já citados leva os contendores à Justiça do Trabalho, por-tanto, ao Poder Judiciário.

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A presença do delegado regional do trabalho ou outro profissional daDRT facilita a primeira solução, mas a DRT tem poucos profissionais,não podendo atender a todos os chamados da construção civil. Logo,as opções 2 e 3 estão quase sempre no horizonte de cada fiscalização.Na verdade, segundo dirigentes dos sindicatos de patrões e emprega-dos, o acordo é o objetivo sempre visado, e ele ocorre, em geral, nas Me-sas de Entendimento – ME, para o caso de fraudes na segurança do tra-balho, ou na Comissão de Conciliação Prévia da Construção Civil –CCP-CC, um mecanismo que, como em outros casos, vem funcionandocomo a primeira instância real de solução de conflitos relativos à vi-gência ou, principalmente, à rescisão dos contratos.

No caso dos problemas de segurança e saúde no trabalho, as soluçõesou são imediatas, no local de trabalho, ou nas ME. A terceira opção équase sempre ineficaz. Um dirigente sindical da construção civil afir-ma, categoricamente, que a Justiça do Trabalho e o Ministério Públicodo Trabalho são muito lentos, tendo em vista a duração de uma obra,que pode variar de três meses a um ano, chegando raramente a trêsanos. Segundo ele, “Quando a Justiça decide agir a obra já acabou, en-tendeu?”. Contudo, o mesmo dirigente afirma que as empresas costu-mam respeitar a regulação de segurança no trabalho, porque “nin-guém quer ficar com o nome sujo na praça, a pecha de que trabalhainseguro”. Ademais, uma parte não desprezível das empresas for-malmente estabelecidas tem certificação ISO, cujos parâmetros in-cluem segurança no trabalho e benchmarking para acidentes. Já vimosque um diretor do sindicato patronal tem a mesma visão do problema.E o dirigente trabalhador completou: “Uma grande empresa que temcertificação não aceitará empreiteiras em sua obra que não sigam asnormas”.

O problema, obviamente, são as grandes empresas que não têm certifi-cação, e as pequenas e médias que o sindicato não chega a fiscalizar,porque trabalham na informalidade. De todo modo, sindicalistas deambos os lados asseguram que, com a parceria que estabeleceram so-bre esse e outros assuntos, a segurança no trabalho na construção civildo Rio de Janeiro melhorou muito nos últimos anos, a ponto de em2004 ter-se registrado, até julho, apenas um acidente fatal.

Infelizmente, não foi possível ter acesso a dados consolidados sobre aevolução dos acidentes de trabalho na construção civil da cidade doRio de Janeiro que permitissem comprovar as afirmações colhidas nas

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entrevistas29. O certo é que dados oficiais – que são sempre subestima-dos, tanto mais quanto mais informal for o setor econômico30 – apon-tam para pouco mais de 1.700 acidentes de trabalho na construção civilno Estado do Rio de Janeiro (de que a capital tem quase metade da po-pulação) em 2000, e o setor é o que mais contribui, historicamente, paraas estatísticas de acidentes de trabalho em geral no Estado, e tambémpara a sub-representação das estatísticas.

No caso dos direitos relativos à vigência do contrato de trabalho, e so-bretudo das rescisões contratuais, o principal mecanismo de encami-nhamento dos conflitos é a CCP-CC. Sua atuação tem impacto de mon-ta sobre os custos de se cumprir ou não a legislação, principalmenteaquela relativa às despedidas. A CCP-CC é composta por representan-tes dos sindicatos de patrões e empregados. Por lei, antes de serem en-caminhadas à Justiça do Trabalho, as queixas trabalhistas devem pas-sar, primeiro por uma Comissão de Conciliação Prévia – CCP, se no lo-cal houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato dacategoria. Logo, a CCP-CC, como todas as outras, foi convertida emuma espécie de tribunal do trabalho sem um juiz para presidi-lo e jul-gar as causas. Transcrevemos um trecho de entrevista de um dirigentesindical que participa da CCP, instrutivo em muitos sentidos:

“Temos nossa CCP onde discutimos essas questões também, comoFGTS. Porque às vezes a empresa quer pagar [as verbas rescisórias], sóque não tem como. Então a gente instrui o trabalhador a fazer um acor-do. Isso durante a demissão ou mesmo durante o contrato ainda em vi-gência. […] Hoje as CCP desafogaram a Justiça do Trabalho. A maioriadas empresas que procuravam fazer esses acordos na justiça hoje fazemna CCP. Nós implantamos uma norma na CCP que nenhum trabalha-dor pode receber menos de 60% do que ele tem direito. Não pode seracordado menos de 60%. Norma criada pelo sindicato. Agora, se o tra-balhador quer fazer uma rescisão de contrato, ele vai assumir o riscodaquilo ali. Ele que sabe de sua necessidade, o dinheiro é dele. Se eledisser ‘não, não aceito menos’, o que se pode fazer? Ele trabalhou poraquilo ali, o direito é dele, não é verdade? Então a gente mostra os cami-nhos legais para que ele entre na justiça e receba aquilo dali. […] Todopequeno empreendedor tem o discurso padronizado de que a justiçado trabalho é paternalista. Ora, a justiça do trabalho às vezes sentenciao empregador a pagar em 12 vezes, a primeira parcela começando da-qui a dois meses! Com um pai desse eu não preciso de inimigo! A nossavisão é deixar negociar para que não chegue até a justiça, para que o tra-

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balhador não chegue um elemento perdedor de seus direitos lá na fren-te. Por isso criou-se a CCP, e o princípio de que 60% é assegurado deimediato. […] A gente chegou nesse número com um cálculo sobre oque o trabalhador ganha. Porque ele não pode receber indenização abai-xo do salário que ele ganhava. O direito ou é aquilo ou é acima daquilo.A intenção é essa. […] Na maioria das vezes fica nos 60%. Hoje está con-solidado isso daí, nenhuma empresa dá menos que isso” (entrevistarealizada em julho de 2004).

Alguns pontos devem ser ressaltados nessa fala. Primeiro, que os tra-balhadores são “instruídos a fazer acordos”, isto é, resolver a questãona CCP e não na Justiça do Trabalho. É claro que, se algum trabalhadorainda quiser fazê-lo, estará em seu direito, mas as palavras emprega-das pelo sindicalista não deixam dúvidas de que essa é uma soluçãonão desejada pelo sindicato. O trabalhador estaria por sua conta e riscose decidisse recorrer à Justiça. Em segundo lugar, é evidente que em-presas também têm preferido solucionar os conflitos relativos às inde-nizações rescisórias na CCP-CC e não na Justiça do Trabalho. Essa pre-ferência deve estar relacionada, certamente, com a orientação do sindi-cato de que não pode haver acordo em que a indenização paga seja me-nor do que 60% do valor devido. O mais curioso é que o sindicalistaapresenta esse valor como sendo de interesse do trabalhador, que, de ou-tro modo, receberia menos na Justiça do Trabalho, ou talvez em condi-ções que não lhe seriam vantajosas, como o mencionado parcelamento“em doze vezes”. A Justiça do Trabalho é apresentada como um lugaronde o trabalhador perde os direitos, ou os recebe em condições desvan-tajosas.

De certo, isso representa um incentivo importante para que os empre-gadores não cumpram a legislação sobre despedida, pois sabem quesua “pena” será uma mesa de negociação em que agentes sem poder deexecução de suas decisões aceitam por razoável uma conciliação naqual, se propõe pagar 60% do valor efetivamente devido. Está claro,pois, que o fato de o sindicato ter optado pelo acordo em lugar de pena-lizar as empresas que agem ilegalmente repercute no custo de nãocumprir a lei. Não há incentivos ou injunções externas para que as em-presas formalizem o contrato de seus trabalhadores. Se as há, provêmde fontes internas: a empresa principal que, por determinação de suaqualificação ISO ou outra qualquer, obriga as parceiras a agir conformea lei.

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CONCLUSÃO

A inspeção do trabalho no Brasil segue os padrões definidos pela OITem 1947. Suas instituições de apoio são, hoje, um pouco melhor apare-lhadas do que há dez ou 15 anos, contando com um sistema informati-zado de controle e produção de informação, melhor fluxo dos trâmitesburocráticos e treinamento regular dos fiscais do trabalho. Possui umaparato nacionalmente implantado de investigação, com um total de27 delegacias regionais do trabalho e pouco mais de 2 mil auditores-fiscais.

O desenho institucional parece, formalmente, adequado a uma inspe-ção efetiva, eficaz e eficiente do trabalho. Efetiva, porque parece atin-gir um número muito grande de trabalhadores como proporção daforça de trabalho empregada. Eficaz pois resulta na melhoria das rela-ções de trabalho e no saneamento de situações ilegais, como o não-recolhimento do FGTS ou a não-assinatura da carteira de trabalho. Eeficiente porque otimiza meios, se considerarmos que o sistema gastaem torno de um quarto dos recursos de investimento do MTE, sendo,em contrapartida, sua estrutura mais robusta e numerosa. Além disso,os procedimentos de controle da ação fiscal parecem também adequa-dos para coibir fraudes e mitigar a corrupção. Do mesmo modo, a defi-nição de prazos mais estritos para o trâmite processual administrativodas multas, por exemplo, que deve terminar em no máximo 60 dias, éde molde a inibir medidas protelatórias por parte das empresas, quenecessitam de departamentos jurídicos bem-estabelecidos para en-frentar os trâmites judiciais posteriores aos trâmites administrativos.Isso incentiva a que pequenas e médias empresas fiscalizadas cum-pram a lei. Em conseqüência, o sistema produz estatísticas bastantealentadas dos resultados da inspeção do trabalho.

Aqui começam os problemas. Em primeiro lugar, a se acreditar nessasestatísticas, a inspeção do trabalho atinge 80% ou mais do mercado detrabalho formal do país a cada ano, ou perto de 50% do mercado assala-riado como um todo, isto é, incluindo trabalhadores com e sem carteirade trabalho. Contudo, vimos que uma proporção muito pequena dospotenciais destinatários é de fato beneficiada pela inspeção. Tudo indi-ca que o sistema oferece incentivos seletivos para que os fiscais esco-lham empresas que, na verdade, não precisam ser fiscalizadas nesse as-pecto específico – registro de vínculos empregatícios – porque já cum-prem a lei. Com isso, a inspeção talvez reduza a propensão à ilegalida-

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de quanto a outros temas por parte dos empresários que são regular-mente inspecionados, mas não parece capaz de atrair novos agentespara o sistema, agentes que atuam na estrita ilegalidade e que são, porisso mesmo, invisíveis nos registros do próprio MTE, quase todosconstruídos a partir de informações fornecidas pelas próprias empre-sas no âmbito da RAIS.

O segundo limite do sistema é a falta de recursos materiais, falta que osnúmeros portentosos da inspeção de fato escondem. Os pouco mais de2 mil fiscais têm à sua disposição um universo anual de 2 a 3 milhões deempresas formalmente estabelecidas com pelo menos um empregado(uma vez mais segundo dados da RAIS), o que configura uma média demil a 1.500 empresas potencialmente visitáveis por fiscal por ano, oque resulta em uma média de cinco a sete empresas por dia útil. O nú-mero de fiscais é, evidentemente, pequeno, principalmente porqueaqui não estão computadas as empresas informalmente estabelecidas.Com isso, as DRTs estão condenadas a atender a denúncias que, aindaassim, não podem ser todas cobertas com o pessoal disponível. O siste-ma não está aparelhado para realizar uma de suas prerrogativas maisimportantes, que é a visita de surpresa em empresas de qualquer tipoou tamanho, estando na dependência da vontade ou interesse dos tra-balhadores individuais ou seus representantes denunciar condiçõesilegais de trabalho.

Em termos do que interessa a este trabalho, isto é, as chances de um em-presário ilegal ser apanhado e, sendo apanhado, sofrer sanções ou serlevado a sanar os problemas encontrados, há uma gradação entre doispólos bem-marcados. No pólo da informalidade, isto é, em empresasde qualquer porte que não têm registro empresarial e não formalizam arelação de trabalho, as chances de que sejam fiscalizadas são muito re-motas, estando exclusivamente na dependência de denúncias dos tra-balhadores. A probabilidade dos trabalhadores denunciarem é inver-samente proporcional ao seu medo do desemprego, sendo, portanto,tanto menor quanto maior a precarização do mercado de trabalho e astaxas de desemprego. Esse limite ficou claro na análise da construçãocivil do Rio de Janeiro. Nesse pólo, encontram-se, também, os trabalha-dores por conta própria e os autônomos – profissionais liberais – queempregam, em geral, um ou outro agente administrativo. Em 2003 osassalariados sem carteira e os conta-própria – incluindo autônomos –representavam 45,8% da População Economicamente Ativa – PEA, se-

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gundo dados da PNAD. Esta é a parte da população que não será atin-gida pela fiscalização senão por puro azar.

No outro pólo, o da estrita formalidade, as chances de ser apanhado emcaso de ilegalidade na relação de trabalho é diretamente proporcionalao tamanho das empresas. Pequenas empresas – até 20 empregados –dificilmente serão fiscalizadas, porque o sistema oferece incentivos se-letivos para que a fiscalização, forçada a escolher onde operar tendoem vista a insuficiência de pessoal, escolha as grandes empresas. Osdados e as entrevistas sugerem que o número “mágico” de emprega-dos que coloca uma empresa na lista de possível inspecionada é 50.Assim, se uma empresa tem 50 ou mais empregados e apresenta algu-ma ilegalidade, sendo denunciada, a chance de que seja fiscalizada émuito alta.

Aqui entra o terceiro limite importante do sistema: a baixa taxa de re-gularização de vínculos empregatícios pode ser expressão da circuns-tância de que as grandes empresas têm possibilidades materiais paraprotelar a solução de qualquer irregularidade, muito além dos 60 diaslegais dos processos administrativos. Recorrendo ao judiciário, os pra-zos ficam literalmente em suspenso, porque a justiça no Brasil é lenta euma sentença pode levar anos. Por isso, os fiscais do trabalho entrevis-tados insistem em dizer que são as pequenas e médias empresas quepagam multas ou regularizam as relações de trabalho quando fiscali-zadas. O custo, para elas, de protelar uma solução via ação judicialpode ser alto demais. Isso pode estar explicando o fato de que 21% dasempresas autuadas resultaram em apenas 1,17% de situações de traba-lho regularizadas. As grandes empresas ou são de fato mais “legais”,ou conseguem elidir as obrigações contratuais via recursos judiciais.

Entre esses dois pólos, encontra-se a maioria das empresas, emboranão a maior proporção de trabalhadores empregados. Essas dificil-mente serão fiscalizadas. São empresas formais, com número significa-tivo de trabalhadores, mas que, mesmo sendo denunciadas, se apro-veitam das lacunas do sistema de inspeção para empurrar até a prescri-ção as ações que têm contra si. Cabe registro de depoimento de auditor-fiscal no sentido de que há ingerência política na nomeação dos delega-dos regionais do trabalho; e são estes que aplicam as multas. Em qual-quer caso, porém, a chance de uma empresa ser inspecionada é direta-mente proporcional à propensão dos trabalhadores denunciarem as ir-regularidades.

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É verdade que, nos últimos anos, o governo federal vem promovendocampanhas de esclarecimento da população e oferecendo telefonespara denúncias anônimas. No entanto, a eficácia desses instrumentospode ser comprovada não tanto na repressão da rotineira sonegação dedireitos trabalhistas, mas sim em situações mais dramáticas, como “re-dução à condição análoga à de escravo” e a exploração do trabalho in-fantil. Recentemente, três fiscais do trabalho foram assassinados emMinas Gerais no exercício de suas funções, aparentemente a mando deum fazendeiro ligado a um importante político da região e que manti-nha trabalhadores em regime de trabalho forçado em suas fazendas.Denúncias espocaram no Pará, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul,São Paulo e outros estados, e o trabalho escravo – principalmente es-cravização por dívidas – parece estar sendo eficazmente combatido. Omesmo pode ser dito a respeito do trabalho infantil, que vem sendo en-frentado não apenas com a fiscalização, mas também com as políticaspúblicas de renda mínima, quase todas atreladas à atenção das crian-ças à escola.

Do ponto de vista do que interessa a este trabalho, a inspeção do traba-lho parece direcionada para as empresas com menor potencial de ile-galidade, resultando em alta efetividade (grande número de trabalha-dores atingidos pela fiscalização) mas baixíssima eficácia relativa (vín-culos regularizados na ação fiscal). Ainda assim, o sistema de multas eo processo de sua cobrança mostraram-se coercitivos o suficiente paraforçar as empresas menores a regularizar sua situação e também pagaras multas. Como sempre, porém, as grandes empresas contam com aineficiência do sistema judiciário para elidir o cumprimento das leis.

(Recebido para publicação em fevereiro de 2005)(Versão definitiva em setembro de 2005)

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NOTAS

1. Uma boa revisão crítica da literatura sobre os efeitos da legislação trabalhista nosmercados de trabalho dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvi-mento Econômico – OCDE pode ser encontrada em Bertola, Boeri e Cazes (1999), emque se argumenta que a evidência disponível não é suficiente para sustentar a idéiade que mercados de trabalho mais flexíveis são mais eficientes ou mais equitativos.Squire e Suthiwart-Narueput (1997) analisam dados de diversos países do TerceiroMundo para concluir na mesma direção. Um bom estudo sobre os efeitos (nulos) daConstituição de 1988 sobre a dinâmica do mercado de trabalho no Brasil é Barros etalii (1999). Argumentos no sentido contrário podem ser encontrados em Marques ePagés (1998), Scarpetta (1998) e Heckman e Pagés (2000).

2. Dentre os resultados não almejados está a crescente precariedade do trabalho e suasconseqüências na integração social, as diferenças nos salários segundo a idade, o gê-nero ou o grupo étnico, a subsistência de grupos altamente vulneráveis ao desempre-go, como os jovens, ou o aumento da pobreza entre os assalariados, todos amplamen-te documentados em diversas pesquisas, como Cardoso (2000); Cardoso Jr. (2000);Tockman e Martínez (1999); Egger (1999a; 1999b); Berry e Mendez (1999); Guimarães(2002), Cardoso (2003), dentre outras.

3. Exceção a essa regra é Squire e Suthiwart-Narueput (1997). É longa, no Brasil, a dis-cussão em torno da efetividade da lei no cotidiano das relações de trabalho, emboranão da perspectiva mencionada, isto é, a eficiência dos mercados de trabalho. Umótimo apanhado da discussão sobre a efetividade ou não da Consolidação das Leisdo Trabalho ao longo da história é French (2001:16-23; 35-45).

4. Até o momento da redação deste artigo, a Convenção 81 fora ratificada por 133 paí-ses, a Armênia tendo sido o último país a fazê-lo, em dezembro de 2004.

5. São exemplos de verbas incontroversas: o salário, o 13º, as férias, o FGTS, quando ad-mitido o vínculo de emprego; são exemplos de verbas controversas: os adicionais dehora extra, de periculosidade, de insalubridade, de isonomias salariais e outros ca-sos em que a demanda trabalhista requer que o trabalhador proveja suas alegações.

6. No Código Penal estão tipificados os “crimes contra a organização do trabalho” –arts. 197 a 203 – de pouco interesse para este estudo, na medida que a “Parte Especialdo Código Penal é espelho fiel do Código Rocco italiano, código sabidamente de ins-piração fascista”, no entender de Nogueira (2000).

7. É certo que o contrário é bastante comum, na verdade típico em algumas cadeias deprodução, como a química (Mello e Silva e Rizek, 1997), a têxtil (Costa, 2002); a deconstrução civil e a de produtos de linha branca, como fogões e geladeiras (Gitahy,1997). Na indústria automobilística, em razão de acidentes graves decorrentes de fa-lhas de controle de qualidade nas empresas terceirizadas, a transferência de padrõestecnológicos e de qualidade vem melhorando as relações de trabalho nas franjas dacadeia produtiva (Carvalho, 2001; Marx, Salerno e Zilbovicius, 2003), sem contudoser suficiente para obrigar as terceiras à adequação à lei.

8. Ver, dentre outros, Werneck Vianna (1999); Tavares de Almeida (1978); Gomes (1988);Rodrigues (1977); Moraes Filho (1979); e French (2001).

9. São extensas, ao longo da história, as denúncias de ineficiência do sistema de fiscali-zação. Número pequeno de fiscais do trabalho, corrupção dos fiscais existentes,

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DRTs desaparelhadas, inflação corroendo o valor das multas, esses são apenas al-guns aspectos apontados na análise de French (2001) e que, segundo alguns, persis-tem até hoje (p. ex., Cappellin, 2005).

10. Até então a atividade era regulada unicamente pela CLT e por instruções normativase decretos do Ministério do Trabalho e Previdência Social – MTPS.

11. Os dados da tabela referem-se ao orçamento efetivamente executado em cada ano,deflacionado pela inflação acumulada média do ano, deflator construído com baseno Índice Nacional de Preços ao Consumidor. Para 2003, a execução estava fechadaaté setembro no momento quando os dados foram coligidos a partir do endereço ele-trônico da Câmara dos Deputados.

12. O aumento da participação do MTE no OGU foi algo artificial em 2003, em razão daLei Complementar nº 110, de 2001, que obrigou o Estado a ressarcir os titulares decontas do FGTS das perdas de planos econômicos passados. Esses recursos (R$1.7 bi-lhão) saíram do FAT.

13. O orçamento da União, de onde foram extraídos esses dados, pode ser encontrado noseguinte endereço eletrônico: http://www.camara.gov.br/internet/orca-ment/principal.

14. Decreto nº 4.552/02 – Art. 3º: “Os auditores-fiscais do trabalho são subordinados tec-nicamente à autoridade nacional competente em matéria de inspeção do trabalho.”

15. CLT – Decreto-lei nº 5452/43: Art. 161: “O Delegado Regional do Trabalho, à vista delaudo técnico do serviço competente que demonstre grave e iminente risco para otrabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equi-pamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a brevidade que aocorrência exigir, as providências que deverão ser adotadas para prevenção de infor-túnios do trabalho.”

16. A competência do auditor-fiscal, quando o empregador faz parte da administraçãopública – a União, os Estados, os Municípios, autarquias, e fundações públicas – sedá quando há empregados, ou seja, quando há contrato de trabalho regido pela mes-ma legislação que rege o trabalho subordinado nos contratos privados. As empresasde economia mista e as empresas públicas têm regime de contratação trabalhista pri-vado e, portanto, estão sujeitas à fiscalização.

17. RIT – Decreto nº 4.552/02 – Art. 4º: “Para fins de inspeção o território de cada unida-de federativa será dividido em circunscrições, e fixadas as correspondentes sedes.”As Delegacias Regionais do Trabalho, uma em cada Estado da Federação, coincidemcom as circunscrições de que fala este artigo.

18. Essa atividade de aplicar multas é ato vinculado, isto é, o delegado tem poder/deverde aplicar as multas e não tem autonomia para impedir o curso do processo adminis-trativo automaticamente instalado pelo protocolo do auto de infração. No entanto, oMinistro do Trabalho tem poder de “avocar” o processo, ou seja, retirá-lo das instân-cias administrativas inferiores, para exame e decisão.

19. Dados em MTE (2004:5), em dólares de julho de 2004.

20. Conforme pode-se ler em documento do próprio MTE (2004:7), “La mayor fuente deinformaciones que, obedecidas las prioridades definidas en el planeamiento, orien-tará la acción fiscal son las denuncias oriundas de entidades sindicales de trabajado-res, Ministerio Público del Trabajo, otras entidades gubernamentales y no guberna-

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mentales y de los propios trabajadores que buscan diariamente la Guardia Fiscal delas DRT”.

21. Para esta seção, levamos em conta entrevistas com seis auditores-fiscais do Rio de Ja-neiro, um de São Carlos, interior de São Paulo, além de um subdelegado em cada es-tado.

22. Todas essas informações estão em Bensusán (2005).

23. Essa suspeita é sustentada fortemente por uma entrevistada, que disse, textualmen-te: “É preciso esclarecer que o Ministério do Trabalho não fiscaliza o mercado infor-mal de trabalho. Sabemos que as ruas estão cheias de trabalhadores informais, masisso é ignorado pela ação fiscal. Fiscalizamos empresas, ou seja, organizações em queé possível identificar um empregador e seus subordinados”.

24. Em 1994, segundo dados da RAIS-MTE, havia 23 milhões de assalariados com cartei-ra no país, mesmo número de trabalhadores atingidos pela fiscalização, que teria, as-sim, coberto 100% do mercado formal.

25. A construção civil ocupava 3,8% dos empregados com carteira no país em 2000, se-gundo a RAIS, mas era responsável por 7,4% dos acidentes de trabalho formalmenteregistrados no MTE. Dados disponíveis no site www.mte.gov.br.

26. Formados pontualmente para cada obra em particular (porque cada obra será reali-zada por um condomínio sempre diferente de empresas), os condomínios se estãogeneralizando na construção civil. Trata-se de pessoas jurídicas com Cadastro Espe-cífico do Instituto Nacional de Seguridade Social, cadastro administrado pelo INSS eque contempla empregadores desobrigados de inscrição no Cadastro Nacional dePessoas Jurídicas – CNPJ, mas que são contribuintes obrigatórios da Previdência So-cial, como por exemplo condomínios, empregadores domésticos, empregadoreseventuais (construção, reformas). Ao final de cada obra (um prédio, por exemplo), apessoa jurídica responsável por ela, ou seja, o condomínio, deixa de existir.

27. Os dois sindicatos fizeram questão de marcar a queda no número de óbitos por aci-dente de trabalho na construção civil em 2003 (três óbitos), comparando com o anode posse da nova diretoria do sindicato laboral (17 óbitos).

28. Estimativa baseada no Censo de 2000 e projetada com base nas informações daPNAD-2002 para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

29. Pesquisa bibliográfica realizada por Mendes (2003) levantando todas as teses e dis-sertações sobre saúde e trabalho no Brasil desde 1950 encontrou apenas uma disser-tação de mestrado sobre construção civil no Rio de Janeiro, ainda assim para o ano de1987. O tema não é estudado pela academia brasileira, apesar de a construção civilapresentar o maior índice de acidentes de trabalho no país desde sempre.

30. Wunsch Filho (1999) argumenta que a reestruturação produtiva vem contribuindopara a queda no número de acidentes de trabalho na indústria brasileira. Cremos,porém, que a causa mais importante é a maior informalização das relações de traba-lho, que reduz o número de trabalhadores cobertos pela previdência e, com isso, a in-formação oficial sobre acidentes efetivamente ocorridos.

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ABSTRACTLabor Inspection in Brazil

One aspect the literature overlooks on the effects of labor regulation of labormarket efficiency is the degree of the legislation’s effectiveness, i.e., its actualenforcement in daily work relations. Even the more sophisticated econometricstudies (which take into account the effects of interaction between labormarket regulatory institutions in explaining its dynamics) leave this centralissue aside, namely enforcement versus non-enforcement of the law. Keepingthis issue in mind, we seek to answer the following question in this article:given that the effectiveness of labor legislation depends on the interactionbetween the overall sanctions and the probability of the employer gettingcaught breaking the law, and given that the law’s effectiveness is a decisiveaspect for the real measurement of a country’s labor costs, to what extent is theBrazilian labor inspection system designed to meet its objective, namely toenforce the law?

Key words: labor legislation; labor inspection; construction industry

RÉSUMÉL'Inspection du Travail au Brésil

L'un des aspects négligés dans la littérature concernant les effets de larégulation du travail sur l'efficacité des marchés du travail est le degré d'actionréelle de la loi, c'est-à-dire sa vraie portée dans les relations du travail dechaque jour. Des études économétriques pourtant relativement élaborées, quitiennent compte des effets d'interaction entre institutions régulatrices dumarché du travail dans l'explication de leur fonctionnement, ignorent laquestion centrale qui est l'obéissance ou non à la loi. Dans cet article on se posela question: puisque la force de la législation du travail découle de l'effetd'interaction entre le montant des sanctions et les chances qu'a l'employeurd'être pris en faute; et puisque l'action effective de la loi est un aspect décisifpour une exacte mesure des coûts du travail d'un pays, dans quelle mesure lesystème d'inspection du travail au Brésil est pensé pour atteindre son objectif,qui est celui de faire respecter la loi?

Mots-clé: législation du travail; inspection du travail; travaux publics

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