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1 A Internacionalização da Totvs Autoria: Sylvia Therezinha de Almeida Moraes Resumo Este caso de ensino expõe a trajetória de uma empresa de capital nacional líder no Brasil em software de gestão, que também atingiu alta penetração no mercado latino-americano. O caso mostra o processo de expansão da empresa no Brasil e no exterior, as estratégias adotadas, e expõe o dilema de crescimento futuro da empresa: dada sua alta participação no mercado brasileiro, ganhos adicionais de mercado podem ser muito caros e difíceis, mas os resultados da internacionalização são ainda bastante tímidos. Introdução O “board” da Totvs estava reunido mais uma vez para decidir sobre os passos no processo de internacionalização da empresa. Até então, o foco vinha sendo o de expansão por países de cultura e língua similares e cujo mercado potencial fosse atrativo para a Totvs. Desde a primeira operação internacional, há 15 anos, a empresa tinha claramente definido o nicho de mercado que pretendia atacar em países estrangeiros. A Totvs almejava conquistar pequenas e médias empresas, geridas por “self-made men”, que acreditassem que sua forma de operar era um dos fatores de sucesso da sua firma. O presidente da Totvs, Laércio Constantino, líder de personalidade forte, comandava a estratégia de internacionalização, e mesmo sabendo que as operações no exterior não trariam resultados em curto prazo, persistia na expansão internacional, entendendo ser esse o único caminho para fortalecer a empresa e assegurar sua posição no mercado, tanto doméstico quanto global. Além disso, ele considerava que a presença internacional da Totvs era estratégica, entre outros motivos, pelo número crescente de empresas brasileiras com operações no exterior. Esperava, porém, que as operações internacionais da Totvs viessem a apresentar crescimento e rentabilidade sustentáveis no longo prazo. A crise mundial de 2008-2009 e o aprofundamento dos problemas econômicos na Europa haviam afetado a possibilidade de ganhos no exterior. Algumas operações em países estrangeiros se mostravam fortemente deficitárias e sem perspectivas de melhora, especialmente a subsidiária da Europa, em Portugal. Além disso, já havia pressão por parte dos acionistas com relação à sequência de resultados negativos nas operações internacionais, apesar do bom desempenho da Totvs no mercado nacional brasileiro. Era nesse contexto que a diretoria executiva e o presidente da Totvs consideravam a adequação das estratégias seguidas pela empresa e os caminhos futuros que se colocavam à mesma. Considerando que a competição global continuaria a se acirrar e que a posição da Totvs no mercado nacional já se encontrava consolidada, com poucas oportunidades de crescimento, quais deveriam ser os próximos passos para a Totvs aumentar sua presença no cenário internacional? A Empresa A Totvs é uma empresa cujo negócio principal está fundamentado no desenvolvimento e comercialização do direito de uso de aplicativos, principalmente os caracterizados como ERP (Enterprise Resource Planning), ou sistemas de gestão empresarial. Atrelados à

A Internacionalização da Totvs

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A Internacionalização da Totvs

Autoria: Sylvia Therezinha de Almeida Moraes

Resumo Este caso de ensino expõe a trajetória de uma empresa de capital nacional líder no Brasil em software de gestão, que também atingiu alta penetração no mercado latino-americano. O caso mostra o processo de expansão da empresa no Brasil e no exterior, as estratégias adotadas, e expõe o dilema de crescimento futuro da empresa: dada sua alta participação no mercado brasileiro, ganhos adicionais de mercado podem ser muito caros e difíceis, mas os resultados da internacionalização são ainda bastante tímidos. Introdução O “board” da Totvs estava reunido mais uma vez para decidir sobre os passos no processo de internacionalização da empresa. Até então, o foco vinha sendo o de expansão por países de cultura e língua similares e cujo mercado potencial fosse atrativo para a Totvs. Desde a primeira operação internacional, há 15 anos, a empresa tinha claramente definido o nicho de mercado que pretendia atacar em países estrangeiros. A Totvs almejava conquistar pequenas e médias empresas, geridas por “self-made men”, que acreditassem que sua forma de operar era um dos fatores de sucesso da sua firma.

O presidente da Totvs, Laércio Constantino, líder de personalidade forte, comandava a estratégia de internacionalização, e mesmo sabendo que as operações no exterior não trariam resultados em curto prazo, persistia na expansão internacional, entendendo ser esse o único caminho para fortalecer a empresa e assegurar sua posição no mercado, tanto doméstico quanto global. Além disso, ele considerava que a presença internacional da Totvs era estratégica, entre outros motivos, pelo número crescente de empresas brasileiras com operações no exterior. Esperava, porém, que as operações internacionais da Totvs viessem a apresentar crescimento e rentabilidade sustentáveis no longo prazo.

A crise mundial de 2008-2009 e o aprofundamento dos problemas econômicos na Europa haviam afetado a possibilidade de ganhos no exterior. Algumas operações em países estrangeiros se mostravam fortemente deficitárias e sem perspectivas de melhora, especialmente a subsidiária da Europa, em Portugal. Além disso, já havia pressão por parte dos acionistas com relação à sequência de resultados negativos nas operações internacionais, apesar do bom desempenho da Totvs no mercado nacional brasileiro.

Era nesse contexto que a diretoria executiva e o presidente da Totvs consideravam a adequação das estratégias seguidas pela empresa e os caminhos futuros que se colocavam à mesma. Considerando que a competição global continuaria a se acirrar e que a posição da Totvs no mercado nacional já se encontrava consolidada, com poucas oportunidades de crescimento, quais deveriam ser os próximos passos para a Totvs aumentar sua presença no cenário internacional? A Empresa A Totvs é uma empresa cujo negócio principal está fundamentado no desenvolvimento e comercialização do direito de uso de aplicativos, principalmente os caracterizados como ERP (Enterprise Resource Planning), ou sistemas de gestão empresarial. Atrelados à

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comercialização destes aplicativos, a empresa também vende serviços de adaptação dos softwares às particularidades do cliente, de implantação, de treinamento, consultoria e manutenção dos sistemas. Ao final de 2011, a Totvs dispunha de cerca de 26 mil clientes e acrescentava uma média de 280 novos clientes por mês, tornando-a a maior empresa de software de aplicativo sediada em um país emergente e a sexta maior no posicionamento global de empresas de ERP. Com cerca de 10 mil empregados espalhados entre unidades próprias (4.700 empregados) e franquias, a Totvs apresentou crescimento de dois dígitos por 21 trimestres consecutivos, dominando o mercado de software de gestão da América Latina com 34,5% de participação e detendo a liderança no Brasil, com 48,6 % de fatia do mercado (World Finance, 2011). Dispunha de seis filiais, além de 52 franquias e mais de 40 canais alternativos de distribuição no Brasil. No que se refere a seu escopo de atuação internacional, a Totvs estava presente, em 2011, em 15 países na América Latina, com mais de 400 clientes e mais de 300 empregados na região. Fora da América Latina a empresa tinha ainda uma presença modesta, com uma filial e uma franquia em Portugal, uma franquia em Angola, e pouco mais de 50 clientes distribuídos em oito países. O Setor de Software no Brasil A indústria de software no Brasil se inicia com um conturbado processo de reserva de mercado, praticado no período de 1972 a 1992, durante o governo militar e alguns anos após a volta da democracia. O primeiro passo para a implementação dessa política se deu em 1972, quando da criação da CAPRE - Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico, subordinada ao Ministério do Planejamento. Mais tarde, em 1979, já com a consciência da importância que a área de Tecnologia da Informação (TI) teria para o desenvolvimento do país, foi criada a SEI – Secretaria Especial de Informática, subordinada ao Conselho de Segurança Nacional. Embora muito polêmica, uma das contribuições da reserva do mercado de informática foi a geração de um mercado interno de tamanho considerável, dadas as dimensões da economia brasileira àquela altura. Entre 1979 e 1985, as vendas totais das empresas brasileiras do setor de Tecnologia da Informação (TI) cresceram de US$93 milhões para US$1,5 bilhão, uma média de quase 60% ao ano de crescimento. Nesse mesmo período, o número de empregos diretos nesse segmento da indústria brasileira, saltou de 2.989 para 30.275.i Apesar de o maior foco da política de reserva de mercado ter recaído sobre a fabricação de hardware – equipamentos, periféricos e acessórios – o setor financeiro despontou na área de software, especialmente impulsionado pela automação bancária. O principal fator que reforçou o investimento em tecnologia nacional na área de desenvolvimento de aplicativos pela indústria bancária resultou das particularidades do Brasil na área financeira, não encontradas em países mais desenvolvidos. Na época, a inflação no Brasil atingia patamares inéditos, o que gerava enorme complexidade nos processos financeiros e necessidade de rapidez nas operações bancárias. Isso dificultava a adaptação de software desenvolvido para uso em contextos econômicos estáveis. O término da reserva de mercado coincidiu com um novo entendimento, por parte do governo brasileiro, que passou a atribuir maior importância ao software, em detrimento da visão dominante no período da reserva de mercado, que valorizava principalmente o hardware.

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Surgiu então o Programa de Desenvolvimento Estratégico em Informática no Brasil, dentro do qual viria a se originar o Programa Softex-2000, criado em 1993, com a finalidade de impulsionar o crescimento da indústria de software no Brasil. Tinha como objetivo colocar o país entre os principais produtores e exportadores de software, sendo a principal meta a de atingir dois bilhões de dólares em exportações até o ano 2000. Uma das estratégias para ampliar as exportações de software foi a de reforçar as relações entre as universidades, o setor privado e o governo, procurando difundir o conhecimento de TI por diversas regiões. Desse modo, foram criados pólos regionais de desenvolvimento de software, priorizando a formação de técnicos, a disseminação do empreendedorismo, criação de incubadoras e geração de novas empresas.ii A prioridade dada pelo governo brasileiro às exportações na indústria de software se justificava também pelas mudanças no ambiente econômico da década de 1990, principalmente com a abertura do mercado brasileiro para produtos estrangeiros e investimentos externos. Com a queda das barreiras, grande parte das firmas se viu forçada a mudar suas estratégias, reduzir custos e lutar para sobreviver. Aquelas que conseguiram sobreviver alcançaram novos patamares de competência, desenvolvendo vantagens competitivas. Neste mesmo período, vários países emergentes, além do Brasil, estimulavam o desenvolvimento de suas indústrias de software, destacando-se China, Índia, Irlanda e Israel. Alguns desses países – em particular Índia, Israel e Irlanda – se sobressaiam pela alta participação das exportações no total das receitas da indústria de software. Já no caso brasileiro, a maior parte da receita do setor era proveniente do mercado doméstico. Logo no início da década de 1990, algumas empresas brasileiras de TI iniciaram suas atividades internacionais, dentre elas Datasul, DBA, Matera, Stefanini, Módulo, Microsiga (futuramente Totvs) e a Politec. Com processos erráticos e muitas vezes apenas para acompanhar o movimento de seus clientes para fora do país, muitas dessas empresas não foram bem sucedidas, ou foram adquiridas por outras empresas.iii Poucas, como a Totvs, não só sobreviveram, como penetraram de forma definitiva em mercados externos. Em 2008, foi criado o Programa de Desenvolvimento Produtivo, que ressaltava a importância do setor de Tecnologia da Informação e Comunicações (TICs) para o desenvolvimento do país e estabelecia software e serviços de TI dentre as cinco áreas definidas como estratégicas para o país. A intenção estratégica desse programa era posicionar o Brasil no mercado mundial como produtor e exportador proeminente de software e serviços de TI.iv Entre 2004 a 2007, a receita líquida no mercado externo da indústria brasileira de software e serviços de TI cresceu em média 53,4% ao ano. Em 2008, o mercado brasileiro de software e serviços de TI movimentou US$ 29,4 bilhões, tornando-se o oitavo maior do mundo. O setor de software gerou, nesse mesmo ano, receita da ordem de 3,2 bilhões de dólares. Quando comparado ao mercado latino-americano de software e serviços de TI, estimado em 61 bilhões de dólares, o Brasil detinha uma participação de 48%. Apesar da crise econômica mundial, entre 2009 e 2010, o Brasil saltou do 10º para o 5º lugar no ranking dos países que mais exportam serviços de TI.v O Anexo 1 apresenta dados relativos à evolução da receita da indústria e o Anexo 2 mostra a composição dessa receita em 2009.

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A Trajetória da Totvs

A história da Totvs não pode ser compreendida sem um olhar sobre a carreira de Laércio Cosentino, seu principal dirigente. Cosentino começou a trabalhar em 1978, como estagiário numa empresa chamada Siga, cujo dono, Ernesto Haberkom, era amigo de seu pai. Aos 22 anos de idade, Cosentino ascendeu ao cargo de diretor e conduziu a primeira de muitas reorganizações que se sucederiam em sua carreira, demitindo 50 funcionários.

Naquela época, a Siga trabalhava com computadores de grande porte que só as maiores empresas nacionais e multinacionais podiam adquirir. Cosentino percebeu, no entanto, que a informática deveria evoluir em nova direção e que o futuro se apoiaria em outra tecnologia, totalmente diferente da então dominante – a microinformática e os sistemas descentralizados. Foi com essa visão que em 1983, Cosentino e Haberkorn fundaram a Microsiga, que posteriormente veio a se tornar a Totvs.

Entre 1983 e 1989, a nova empresa cresceu à sombra da reserva de mercado de informática, que teve efeitos benéficos também para o desenvolvimento do setor de software, embora não fosse dirigida a ele. Nos anos 1990, uma nova estratégia foi desenhada com o objetivo de alcançar a liderança no mercado brasileiro e a Microsiga iniciou seu processo de expansão no mercado doméstico através do sistema de franquias. A franquia, essencialmente, possibilita que uma empresa se expanda por meio de parceiros, requerendo menor investimento da própria empresa. A lógica por detrás da adoção desse tipo de expansão pela empresa era de que o diferencial em empresas de serviço bem sucedidas estava em seus profissionais, então o mais adequado seria que as novas unidades fossem comandadas por executivos donos de seus próprios negócios. As franqueadas tinham o direito à distribuição dos aplicativos Microsiga, porém não adquiriam o direito à propriedade do software. A adoção do sistema de franquias rapidamente permitiu à empresa prover serviços em todo território brasileiro.

Em 1992, com o fim da reserva de mercado para produtos e serviços de TI, várias empresas multinacionais do setor de Tecnologia da Informação (TI) preparavam-se para lançar seus produtos no mercado brasileiro. Dentre elas encontravam-se as grandes provedoras de soluções de gestão empresarial, como a SAP e a Oracle. Em decorrência, os executivos da Microsiga perceberam que a concorrência aumentaria no país e que deveriam considerar também a expansão para outros mercados. Assim, em 1997, iniciou-se o processo de expansão da Microsiga para fora do país, com a abertura da franquia argentina em Buenos Aires. Logo após foram iniciadas operações de franquia no Chile, Colômbia, Porto Rico, Paraguai e Uruguai. As operações do México e de Portugal foram incorporadas a partir de aquisições da Sipros em 2003 e da RM Sistemas em 2006, respectivamente. Em 2008 foi criada a operação de Angola, subordinada à de Portugal.

No Brasil, na primeira década dos anos 2000, a Microsiga decidiu crescer aceleradamente por meio de aquisições, alcançando assim posição de liderança no mercado brasileiro (Tabela 1).

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Tabela 1 Aquisições da Totvs

Ano Empresa Adquirida 2003 Sipros (México) 2005 Logocenter 2006 RM Sistemas 2007 Midbyte e BCS 2008 Datasul

Nota. Fonte: Apresentação Institucional de Fev/Mar de 2012, www.totvs.com.br

Em 2005 foi adquirida a empresa catarinense Logocenter, que atuava em serviços de informática, mas que também tinha presença significativa no segmento de ERP. Com a fusão das duas empresas, foi criada então a Totvs, que, em latim, significa “tudo”, ou “todos”. A nova marca buscava simbolizar que a empresa era provedora de soluções completas de software de gestão. Em 2006, a Totvs entrou no mercado de ações por meio da abertura de seu capital e lançamento de ações na Bovespa. A operação envolveu a emissão de 8,9 milhões de ações ordinárias na distribuição primária e de mais 5,47 milhões de papéis, na oferta secundária. A empresa foi a primeira no setor de software a abrir seu capital. Essa iniciativa ajudou a Totvs a se firmar tanto no cenário nacional quanto no internacional, já que precisou aderir às práticas de governança corporativa exigidas pela Bovespa. Ainda em 2006, a Totvs adquiriu a RM Sistemas, aumentando ainda mais sua presença no mercado brasileiro, além de estender seu alcance internacional através da subsidiária da RM em Portugal. A situação do mercado de ERP no Brasil em 2006, após a aquisição da RM pela Totvs, era extremamente favorável à empresa: ela liderava o mercado de pequenas e médias empresas (Tabela 2). Tabela 2 Participações no mercado de ERP por segmento segundo o tamanho das empresas

Nota. Fonte: Exame, 04/05/2006.

Principais concorrentes Participação no mercado por segmento

Pequenas e médias

Totvs 41%

Outras 38%

Datasul 11%

Oracle 6%

SAP 4%

Grandes

SAP 47%

Oracle 27%

Outras 13%

Totvs 7%

Datasul 6%

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Além disso, estava claro que a empresa ainda dispunha de boas oportunidades de crescimento no mercado brasileiro, como se pode observar na Tabela 3, já que o segmento de pequenas e médias empresas ainda não parecia ter realizado plenamente seu potencial, no que se referia a software de gestão ERP. Tabela 3 Potencial de mercado para ERP segundo o tamanho da empresa em 2006

Nota. Fonte: Exame, 04/05/2006.

Em 2008, em decorrência da fusão com a Datasul, segunda maior empresa de software de gestão à época, a Totvs se transformou na maior empresa brasileira de ERP, com valor de mercado de aproximadamente 1,2 bilhão de reais. A compra da Datasul pela Totvs – por cerca de 700 milhões de reais – foi considerada por analistas do mercado como extremamente positiva tanto para o mercado local, como para fortalecer a imagem do Brasil no mercado internacional de software. A união das duas empresas permitia à Totvs competir em melhores condições com as gigantes do setor de software, como Oracle e SAP, especialmente na América Latina. A esse respeito, declarou um analista do setor:

A união fortalece a empresa especialmente nos principais mercados dessa região, como México e Argentina, onde ambas já têm presença. Além disso, nos países onde não há sobreposições como a Colômbia onde a Datasul já atua e Portugal, país de operação da Totvs, a integração será positiva para atingir mais capilaridadevi.

A estratégia que havia permitido à Totvs obter taxas de crescimento de dois dígitos entre 2006 e 2009 voltava-se preferencialmente para o atendimento do segmento formado por empresas de pequeno e médio porte, tanto no Brasil quanto no exterior. Essas empresas haviam sido relegadas a segundo plano pelas multinacionais, e constituíam um nicho de mercado interessante para uma empresa de atuação basicamente doméstica. No entanto, apesar de manter a ênfase no segmento de pequenas e médias empresas, a Totvs tinha atingido, em 2010, uma parcela significativa de grandes empresas, equivalente a 15% de sua receita anual. Naquele ano, a Totvs alcançou um bilhão de reais em vendas, tornando-se a sexta maior empresa de software no mundo em receita (US$ 409 milhões) e a primeira em crescimentovii. A Figura 1 mostra a trajetória e a receita bruta da Totvs, desde sua criação em 1983 até 2011.

Pequenas (até 50 usuários)

Têm ERP 35%

Não têm ERP 65%

Médias (de 50 a 250 usuários)

Têm ERP 30%

Não têm ERP 70%

Grandes (mais de 250 usuários)

Têm ERP 80%

Não têm ERP 20%

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Figura 1. Evolução da Totvs Fonte: Divulgação de Resultados de 2011 (www.totvs.com.br, acessado em 02/2012).

Processo de Internacionalização

A Totvs iniciou seu processo de internacionalização efetivamente em 1997, com a abertura da filial da Argentina. As experiências anteriores a esta data, na Espanha e nos EUA, foram ocasionais, acompanhando clientes brasileiros que tinham operações no exterior e que precisavam de suporte aos sistemas quando estes eram levados para suas operações fora do país. Como declarou o vice-presidente Wilson de Godoy:

A Totvs localizou seus softwares para o mercado norte-americano, faz a manutenção dos softwares, mas não tem operação comercial nem de entrega. As atividades são somente para manter os clientes brasileiros com operações nos EUA (que não são poucas). Uma operação própria da Totvs nesse país seria muito custosa.

A necessidade de se internacionalizar foi constatada após um trabalho em parceria com a IBM, para avaliação de um software dinamarquês, que, embora não tivesse sido considerado de boa aceitação no mercado brasileiro, despertou a Microsiga para uma nova fase, segundo o entrevistado:

Eu mesmo fui até a Dinamarca fazer essa avaliação. Daí percebemos que aquele software não estava preparado para uma incursão especialmente no Brasil. Mas isso de fato acendeu as nossas luzes amarelas: ‘Opa! Precisamos fazer alguma coisa, não adianta ficar aqui, sentado em berço esplêndido, porque a concorrência vai aumentar de lá para cá.’ Então,

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chegamos à conclusão de que tínhamos que fazer a concorrência aumentar também daqui para lá.

A escolha da Argentina como primeiro país estrangeiro para operar foi fortemente guiada pela proximidade cultural e geográfica. A decisão também foi motivada pelo bom momento da economia argentina naquela época. A princípio, seguindo o bem sucedido modelo de franquias adotado no Brasil, criou-se uma franquia da Totvs na Argentina. No entanto, esse modelo não se mostrou adequado nesse país, e em consequência disso, pouco tempo depois, a Totvs decidiu replicar a estrutura brasileira na sua operação argentina, pela constituição de uma subsidiária. Apesar dessa experiência, a continuação da trajetória internacional foi marcada pela criação de franquias, principalmente na América Latina. De 1997 a 2003 foram abertas as franquias de Chile, Paraguai e Uruguai, todas a partir da subsidiária da Argentina, que passou a centralizar todas as operações no Cone Sul. Mais tarde foram feitas incursões em Porto Rico e Colômbia. A Totvs entendia que esses mercados tinham, além da cultura, duas outras similaridades estrategicamente relevantes: baixa taxa de penetração e um grande número de pequenas e médias empresas. Outro modo de entrada utilizado em alguns países foi a aquisição de empresas brasileiras que já dispunham de operações no exterior. Foi o caso da operação no México, que ocorreu em função da aquisição da Sipros em 2003, quando foi então criada a Microsiga México S.A., passando essa operação a ser responsável pela gestão de negócios em toda a América do Norte. Também em 2007, por ocasião da aquisição da empresa brasileira RM Sistemas, a Totvs obteve mais uma subsidiária, desta feita em Portugal, que passou a centralizar as operações da Europa. Em setembro de 2009, a Totvs anunciou a criação de oito novas franquias, localizadas em Bolívia, Uruguai, Norte de Portugal, Angola, Argentina (Córdoba e Mendoza) e Paraguai (duas unidades em Assunção). Esses novos canais se integraram ao modelo de franquias da empresa, constituído por operações comandadas por empreendedores locais que distribuíam os produtos da Totvs já adaptados às características fiscais e legais de cada país e prestavam serviços de implantação e suporte. Apesar de estar ocorrendo uma desaceleração da economia global nesse período, a direção da Totvs decidiu continuar sua política de expansão internacional, por entender que as empresas precisam de ferramentas para melhorar sua gestão, especialmente em épocas de crise. As razões que levaram a Totvs a se expandir em 2009 para o norte de Portugal estavam relacionadas ao fato de ser esta uma região com altos investimentos em informática, além de ter pólos acadêmicos e tecnológicos e tradição no desenvolvimento de software. A partir da operação de Portugal, a Totvs criou uma franquia em Angola, considerada de pequeno porte, porém vista como tendo grande potencial. Também em Angola as motivações de entrada se guiaram pela língua comum e pelo crescimento recente da economia, especialmente o setor petrolífero. Apesar das semelhanças percebidas pela direção da empresa, algumas dificuldades foram enfrentadas, tais como a legislação precária e o nível de governança das empresas locais, considerado inferior ao do Brasil. No ranking das multinacionais brasileiras elaborado pelo jornal de negócios Valor, a Totvs ocupa a 41ª posição entre as companhias de capital nacional mais internacionalizadas. O

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Anexo 3 apresenta uma síntese do processo de internacionalização da empresa no decorrer do tempo. Estratégia de Internacionalização

Assim que ficou clara a necessidade de partir para mercados externos, a direção da Totvs definiu quatro pressupostos que guiariam o processo de internacionalização:viii

O desenvolvimento do sistema de gestão seria sempre efetuado na matriz. Todas as unidades teriam que ser integradas. Seria usado o mesmo processo de franquias do mercado doméstico. As operações fora do país seriam iguais à brasileira.

No início, o processo de identificação e conhecimento do mercado a ser explorado se dava por meio de contatos com escritórios contábeis, no intuito de entender as diferenças entre os dois países para avaliar o tamanho da localização (ou seja, adaptação do software) que deveria ser feita. O vice-presidente justificou a adoção inicial desse procedimento: “A empresa era muito menor, os processos eram muito menos formais, e a metodologia que a gente usava era uma metodologia ‘heróica’.” No entanto, a direção da empresa logo percebeu que as maiores dificuldades para adaptação de seu software residiam nas diferenças culturais e não nas especificidades legais ou contábeis:

A grande dificuldade para localização do software no início, logo no primeiro país, não foi a parte legal. O difícil da localização do software é a parte cultural. A parte legal é bastante formal, ela está escrita, ela é explicada. Agora, a parte cultural não é explicada. Ela não está escrita em lugar nenhum, não se sabe como funciona exatamente... Por exemplo, no Brasil, se você for fazer software de ERP para pequenas e médias empresas, esse software tem que prever cheque pré-datado, só que cheque pré-datado não faz parte da legislação em ponto nenhum, muito pelo contrário, na verdade ele é refutado na legislação. Em todo país existem exceções como essa.

A direção da Totvs reconhecia que, inicialmente, com a experiência da Argentina, e com o acúmulo de conhecimento ao longo dos anos, a empresa foi aprendendo e desenvolvendo as melhores práticas, e já dispunha, em 2011, de uma metodologia para entrar nos países escolhidos. A oportunidade de entrada em um novo mercado passou a ser estudada, sendo menos guiada pela intuição do que no passado. O processo se iniciava com minuciosa coleta de informações, tais como perspectiva de crescimento, mapeamento do mercado, relação de concorrentes, perfil da indústria, dentre outras. A seguir essas informações eram avaliadas à luz do que a Totvs entendia ser o seu nicho, sua vantagem competitiva, e só então era dado o sinal positivo ou negativo para a continuidade da investida. A segunda etapa do processo consistia em fazer parceria com alguma consultoria já presente há algum tempo nesse mercado. Era feita então uma avaliação do software da Totvs, mapeadas as lacunas, e o sistema era adaptado (localizado), de tal forma que a oferta do produto no novo mercado fosse bem sucedida. Depois de localizado o produto, a empresa inicia a busca por um parceiro, normalmente para a criação da primeira franquia na região. Esse processo também seguia uma estratégia clara, pois a direção da empresa via os franqueados como parceiros e sócios da empresa em cada mercado:

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Primeiro tem o procedimento de hunting, que é técnico, procuramos uma pessoa tanto com skill técnico quanto skill comercial, a gente procura ter sócios com esse perfil. (...) Não tenha dúvida que ter empatia é importante, o nosso franqueado acaba sendo sócio da nossa operação fora do país, então a empatia é importante e você tem que ter convergência de valores forte para poder fazer com que isso funcione.

Além disso, as franquias internacionais faziam parte da rede da Totvs, trocando com frequência experiências e conhecimentos entre si e com a matriz.

Temos uma rede social, a Byyou. E essa troca de experiências, eu não diria nem que é do mercado nacional com o internacional, os participantes do mundo Totvs trocam muita experiência entre si o tempo todo. Isso é sempre muito rico.

Resultados da Internacionalização Em 2011, a empresa tinha como parte de sua estratégia de crescimento a expansão geográfica para outros mercados no exterior, já que, detendo alta participação no mercado brasileiro, ganhos adicionais de participação no mercado doméstico teriam custo elevado e exigiriam grandes esforços. Nas palavras do vice-presidente:

Quando falamos de Brasil, para ampliarmos o market share, não vou dizer que é impossível, mas é uma tarefa extremamente árdua. Nós temos mais de 60 % de market share, então o que podemos fazer, em termos de Brasil, é fazer com que o mercado cresça para podermos crescer.

No entanto, o desenvolvimento de mercados externos não era trivial, e a direção da empresa de dava conta dos desafios envolvidos. Os resultados alcançados no processo de internacionalização ainda eram tímidos, com a operação internacional respondendo por aproximadamente 5% da operação total. Em termos de lucros, a operação no Brasil sustentava as operações no exterior. Mas a internacionalização era vista pelo vice-presidente, pelo presidente Laércio Cosentino e pelo conselho como um imperativo estratégico:

Internacionalização não é fácil, não é simples, custa muito dinheiro, consome recursos... Mas, no nosso entender, do Laercio e do board, é absolutamente necessária para se manter e expandir o mercado aqui no Brasil. As empresas brasileiras estão crescendo e procurando se internacionalizar e se você não puder acompanhá-las, você está fora do jogo.

Apesar dos resultados iniciais da internacionalização não se mostrarem tão animadores, a empresa se mantinha firme na direção de se internacionalizar. Este processo vinha sendo liderado pelo presidente Laércio Cosentino desde os primeiros passos, quando da criação da filial Argentina. O planejamento estratégico da empresa, por ele liderado, estabelecera o foco da internacionalização em países da América Latina e países de língua portuguesa. A direção da Totvs entendia que a empresa detinha vantagens competitivas tanto em função do idioma, quanto das afinidades culturais entre o Brasil e os países em que operava. Tal similaridade de idioma e cultura, na visão dos dirigentes, permitia entender certas peculiaridades locais que os concorrentes provenientes de países ocidentais mais avançados não assimilavam com a mesma facilidade. Também havia a percepção de que a América Latina era um mercado em expansão, que apresentava muito mais oportunidades para a Totvs do que a Europa.

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Querendo ou não, os países de língua portuguesa formam um nicho de mercado pouco explorado. Até porque – não sei se é mera coincidência – são países pobres, em função da característica extrativista dos nossos colonizadores. Isso acaba gerando oportunidades diferentes porque nós estamos mais acostumados a trabalhar nesse contexto do que os gringos.

Outro diferencial na escolha da América Latina como mercado-alvo encontrava-se associada à percepção da marca Brasil. Embora a capacidade tecnológica do Brasil pudesse ser pouco reconhecida nos países de Primeiro Mundo, na América Latina o Brasil era visto de forma distinta e seu desenvolvimento tecnológico era valorizado pelos vizinhos:

A marca Brasil, na indústria de software, é uma dificuldade nos países de Primeiro Mundo, por isso uma das razões de querer partir para a América Latina é que o Brasil é um ícone nessa região. É importante usar a força onde a gente já tem... E outra, porque percebemos que a América Latina é um mercado muito mais carente de automação, com muito mais oportunidades do que a Europa.

Naquele momento, Portugal – e a Europa em geral – não se mostrava um mercado atrativo: “Especialmente no último ano e meio, a operação nessa região sofreu bastante em função de Portugal estar num momento muito delicado”. Perspectivas Futuras Ao final do ano de 2011, a Totvs iniciou uma revisão de seu plano estratégico, dos processos e das estruturas organizacionais das operações internacionais, visando o alcance de resultados positivos sustentáveis em longo prazo. A direção da empresa entendia que o mercado internacional continuaria a exercer papel importante em sua estratégia, especialmente pelo recente crescimento da economia brasileira e a consequente expansão do número de empresas brasileiras com operações fora do Brasil. Deveria a Totvs manter suas subsidiárias na Europa e no México, mesmo diante de um cenário de recessão nessas economias? Como aperfeiçoar a presença nesses mercados, sem perder a base instalada nem as oportunidades futuras advindas da internacionalização das empresas brasileiras?

Anexo 1 Receita Líquida da Indústria Brasileira de Software e Serviços de TI

Ano Receita Líquida (em R$1.000) – valores deflacionados

2004 950.541 2005 1.061.674 2006 2.152.113 2007 2.760.633 2008 4.234.812 2009* 6.496.201 2010* 9.965.172

Fonte: Observatório Softex, 2009

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Anexo 2 Perfil do setor de Tecnologia da Informação (2009) - em US$ bilhões

Receita da indústria de TI 38,4 Exportações de TI 3,0 Hardware 16,0 Software como aplicativo 0,1 Serviços 9,5 Serviços sobre plataforma software 0,3 Software 5,5 Serviços offshore 2,6 Apoio a processos de negócios (BPO) 4,4 Exportações 3,0

Fonte: O valor estratégico de tecnologia da informação (ABES et al, 2010) Anexo 3 Linha do Tempo do Processo de Internacionalização da Totvs

Ano Evento 1983 Fundação da Microsiga 1997 Abertura de subsidiária da Microsiga na Argentina 1997 a 2003 Abertura de franquias no Chile, Paraguai e Uruguai 2003 Aquisição da Sipros do México e criação da Microsiga México 2004 a 2006 Abertura de franquias em Porto Rico e Colômbia 2007 Aquisição da RM Sistemas, acrescentando unidade de negócios em Portugal

Criação da EuroTotvs, com base em Portugal 2008 Abertura da franquia em Angola, subordinada à subsidiária de Portugal 2011 Abertura de franquia no Peru

NOTAS DE ENSINO Este caso de ensino ilustra o esforço bem-sucedido de uma empresa de software brasileira em sua expansão no mercado internacional, alcançando em 2010 a sexta posição mundial em receita (US$ 409 milhões) no setor de aplicativos de gestão empresarial. O caso apresenta os esforços realizados pela Totvs para internacionalizar suas operações, não só como forma de expansão, mas também como antecipação ao movimento da economia brasileira, e expõe os desafios futuros a que a empresa se encontra exposta. Objetivos de Ensino O caso atende aos seguintes objetivos de ensino:

proporcionar compreensão de como se dá o processo de internacionalização de

uma empresa da indústria de software brasileira;

estimular a reflexão sobre os principais desafios enfrentados pelos líderes de empresas na elaboração e execução de estratégias de entradas em mercados externos;

desenvolver a capacidade de avaliar diversas opções que se apresentam no

desenvolvimento de uma estratégia de internacionalização, em especial para empresas da indústria de software.

Possíveis questões a serem colocados para discussão do caso incluem:

Software e serviços = 22,4 

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Quais foram as principais ações estratégicas da liderança da Totvs ao iniciar o

processo de internacionalização da empresa?

Quais os aspectos positivos e os negativos dessas ações?

Quais as principais vantagens competitivas da Totvs no mercado internacional? A empresa está correta ao focar no mercado de pequenas e médias empresas?

Quais os riscos das grandes multinacionais de ERP tomarem os mercados até então explorados pela Totvs na América Latina? Como a Totvs deve se preparar para esse possível ataque?

Como a Totvs deve proceder com relação às operações na Europa, especialmente

no período de recessão em que a região se encontra?

Como a Totvs deve se preparar para dar suporte a seus clientes que se internacionalizam em mercados onde não há presença da Totvs, sem incorrer em operações custosas e sem rentabilidade?

Qual a sua recomendação?

Análise do Caso O processo inicial de internacionalização da Totvs se mostra primordialmente como uma consequência do caráter empreendedor de seu fundador. Por ocasião do fim da reserva de mercado de TI no Brasil, e alertado por um pequeno sinal de que as empresas multinacionais estavam se preparando para investir no mercado brasileiro, Cosentino agiu de forma rápida e certeira em direção ao mercado da América Latina. Embora inexperiente quando iniciou suas atividades na Argentina, a empresa criou mecanismos de aprendizado contínuo, o que assegurou a continuidade do processo de expansão em outros países da América Latina, chegando mesmo a investir na Europa, por meio de sua filial em Portugal. Há nessas escolhas clara preferência por países próximos geograficamente e de cultura semelhantes à brasileira, o que a enquadra no conceito de distância psíquica. Também fica claro que esses movimentos são conduzidos por meio de estratégia bem estudada e desenhada, com segmentação de mercado definida, priorizando o mercado de PMEs. A Totvs demonstra conhecer bem suas vantagens competitivas, escolhendo com cuidado os países onde vai atuar, analisando o mercado, a perspectiva de crescimento da indústria, a relação dos concorrentes e outros fatores de impacto antes de tomar a decisão de iniciar atividades nessa região. Há, no entanto o fenômeno do crescimento econômico brasileiro recente, que inevitavelmente levará maior número de empresas nacionais ao mercado externo. Muitas dessas empresas, clientes atuais da Totvs, demandarão suporte para os sistemas de gestão e para isso a Totvs precisará, no mínimo, de obter conhecimento sobre esses países para poder localizar o software desse cliente. Esse fato poderá levar a Totvs a buscar mercados que não

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necessariamente representam seu nicho, portanto essa preocupação deverá ser considerada em sua revisão de estratégia de internacionalização. Outra característica observada no caso é a da utilização do modo de entrada no país estrangeiro, empregando o modelo de franquia, o mesmo do Brasil,. Esse modelo se mostra bastante eficaz, pois permite a expansão por meio de parceiros, ao mesmo tempo em que requer menos investimentos da própria empresa. A Totvs entende que o diferencial de empresas de serviço bem sucedidas reside no seu pessoal, daí a importância dada ao fato de que essas unidades eram comandadas por donos do negócio. Outra vantagem desse modelo, que a Totvs soube explorar muito bem, é o de poder ceder apenas os direitos de distribuição de seus softwares aos franqueados, garantindo a permanência do direito à propriedade com a Matriz. Por duas vezes em sua trajetória, a Totvs penetrou em mercados internacionais tão somente em decorrência de aquisições de outras empresas. Esse movimento se mostrou pouco eficaz, e deve alertar a empresa para olhar com cuidado suas próximas aquisições, considerando a manutenção ou não de subsidiárias estrangeiras. Uma possível ameaça a ser enfrentada pela Totvs seria o interesse que as grandes empresas de ERP deverão começar a ter pelo mercado de PMEs, em virtude do mercado de grandes empresas já estar quase completamente atendido. Uma opção que se vislumbra para a Totvs seria a de se unir a um dos grandes players, especialmente agora que ela alcançou destaque no cenário mundial. Marco Teórico para Discussão do Caso Entre as principais teorias que discutem o processo de internacionalização da firma, o Modelo de Uppsala, em sua versão original, e a teoria de Empreendedorismo Internacional são os que parecem servir melhor como marco teórico para discussão do caso. Um dos conceitos mais explorados no Modelo de Uppsala original é o de distância psíquica (Johanson & Vahlne, 1977) que aparece como um dos principais fatores considerados no momento que uma empresa decide se expandir internacionalmente. Desde sua primeira investida na Argentina, a Totvs mostrou clara preferência por países que apresentam similaridades de cultura, de idioma e mesmo de legislação. Essa abordagem de escolha de país se repete em todas as decisões que se seguiram à primeira, tanto na América Latina, como em Portugal e Angola. Outro aspecto relevante da Teoria de Uppsala, que também se observa no caso da Totvs, é o processo de aprendizado contínuo sobre o mercado estrangeiro. Por sua vez, a Teoria de Empreendedorismo Internacional apresenta muitos conceitos e modelos que parecem ser adequados para descrever o processo da Totvs em sua trajetória de internacionalização. A principal motivação da Totvs para se expandir por países estrangeiros utilizando modos contratuais (franquias) e subsidiárias próprias (investimento direto no exterior, por aquisições ou investimentos novos), foi a constatação de que empresas multinacionais de grande porte, como IBM, SAP e Oracle, estariam se preparando para trazer pacotes de ERP para o mercado brasileiro. Esse movimento é explicado na Teoria de Empreendedorismo Internacional, que apregoa a influência da internacionalização da indústria como fator preponderante na decisão de buscar mercados externos. Além disso, trata-se claramente de uma decisão estratégica, contrariamente ao previsto pelo Modelo de Uppsala original, que assume que a internacionalização resulta fundamentalmente de um

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movimento gradual e autoalimentado. À visão empreendedora de Laércio Cosentino certamente não escapou que a internacionalização seria um acelerador para obter capacidade de competir com as novas entrantes. Embora a Teoria de Empreendedorismo Internacional explore com muita frequência o conceito de empresas jovens e pequenas, há algumas frentes que dão maior valor a outras variáveis, tais como capacitação, orientação e capital social da empresa (Jones, Coviello & Tang, 2011). Com esse ponto de vista, o processo de internacionalização da Totvs, que possui um líder empreendedor e uma cultura de empreendedorismo na empresa como um todo, pode ser considerado um caso ajustado à Teoria de Empreendedorismo Internacional, focando, porém, uma empresa madura. Outros autores identificaram em seus estudos características empreendedoras em empresas já consolidadas em seus mercados, e que mesmo apresentando propriedades inovadoras, escolhem o processo mais tradicional de internacionalização (McDonald, Krause, Schmengler, & Tuselmann, 2003; Bell, McNaughton & Young, 2001). A Totvs é considerada uma empresa agressiva em seus negócios no Brasil, mas preferiu penetrar nos mercados externos de forma gradual, procurando, por exemplo, em sua primeira incursão na Argentina, ter a experiência nesse país como forma de aprendizado para incursões futuras. Uma das acepções mais bem aceitas e difundidas de Empreendedorismo Internacional o define como comportamento inovador, proativo e arriscado que atravessa fronteiras nacionais com a intenção de criar valor para a firma (Oviatt & McDougall, 2000). Tanto as entradas em países estrangeiros através de criação de franquias, quanto as aquisições feitas pela Totvs, mostram arrojo e aceitação de risco por parte da empresa, e, portanto, estariam bem explicadas por essa definição. Na realidade, a trajetória da Totvs parece se assemelhar às características do empreendedorismo internacional no que diz respeito à rapidez e eficiência com que a empresa age na direção do mercado externo, após se deparar com mudanças na conjuntura econômica, ou diante do aparecimento de uma ameaça ou pela visão de uma oportunidade. A liberalização da economia de países emergentes tem sido considerada em diversos estudos de Empreendedorismo Internacional como fator relevante para a internacionalização de empresas empreendedoras provenientes desses países, e o entendimento desse fenômeno aparece como uma lacuna no conhecimento sobre internacionalização das empresas (Kiss, Danis & Cavusgil, 2011). Na literatura de Empreendedorismo Internacional são recorrentes alguns aspectos relacionados ao comportamento empreendedor (Jones & Coviello, 2005), à cultura organizacional e à influência do quadro cognitivo dos dirigentes das empresas e de suas percepções com relação ao mundo (Dimitratos & Plakoyiannaki, 2003). Essas premissas correspondem à figura do presidente da Totvs, Laércio Cosentino, um líder forte, que forjou a cultura de sua empresa. Metodologia Este caso foi elaborado a partir das seguintes fontes: - Totvs, site institucional. - Relatório de Resultados do Quarto Trimestre de 2011

www.mzweb.com.br/totvs/web/arquivos/TOTS3_ER_4T11_PORT.pdf- Acesso em abril de 2012.

- Reportagens diversas no jornal Valor, na revista Exame e no Jornal World Finance - Entrevista concedida pelo Vice-presidente da Totvs – Wilson de Godoy

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Referências

Bell, J., McNaughton, R. & Young, S. (2001). ‘Born-again global’ firms: An extension to the ‘born global phenomenon’. Journal of International Management, 7( 3), 173–189.

Cosentino, L., Haberkorn, E. & Cícero, F. (2001). Genoma Empresarial, São Paulo: Ed.Gentel.

Dimitratos, P. & Plakoyiannaki, E. (2003). Theoretical foundations of an international entrepreneurial culture. Journal of International Entrepreneurship, 1(2), 187-215.

Fleury, P.F. (1988). The implementation of the Brazilian computer industry – its complexity and potential impacts. Technology in Society, 10, 29-44, 1988.

Johanson, J. & Vahlne, J-E. (1977). The internationalization process of the firm--a model of knowledge development and increasing foreign market commitment. Journal of International Business Studies, Spring/Summer, 23-32.

Jones, M. & Coviello N. (2005). Internationalisation: conceptualising an entrepreneurial process of behaviour in time. Journal of International Business Studies, 36, 284–303.

Jones, M., Coviello N. & Tang, Y. (2011) International entrepreneurship research (1989–2009): A domain ontology and thematic analysis. Journal of Business Venturing, 26, 632–659.

Kiss, A., Danis, W. & Cavusgil S. (2012) International entrepreneurship research in emerging economies: A critical review and research agenda. Journal of Business Venturing, 27, 266–290.

McDonald, F., Krause, J., Schmengler, H. & Tuselmann, H.J. (2003). Cautious international entrepreneurs: the case of the Mittelstand. Journal of International Entrepreneurship, 1(4), 363–381.

Oviatt, B.M. & McDougall, P.P. (2000). International entrepreneurship: the intersection of two research paths. Academy of Management Journal, 43(5), 902-906.

Silva, R.C. (2009). A Internacionalização da Indústria Brasileira de Software. In: Carta da Sobeet, 12(49), 1-3.

SOFTEX (2009). Software e serviços de TI: A indústria brasileira em perspectiva. Observatório Softex, 1(1).

Notas:                                                             i Fleury, 1988. ii Softex, 2009. iii Silva, 2009. iv Softex, 2009. v site da ApexBrasil. vi Julio Pagani, analista sênior do IDC para a revista Exame em 07/2008. vii www.totvs.com.br viii Cosentino, Haberkorn e Cicero, 2001.