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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE COMO GARANTIA DA EFETIVAÇÃO DE DIREITO FUNDAMENTAL Géssica Bergonzi Lajeado, junho de 2015

A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE COMO GARANTIA DA … · Géssica Bergonzi A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE COMO GARANTIA DA EFETIVAÇÃO DE DIREITO FUNDAMETAL Monografia apresentada na disciplina

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES

CURSO DE DIREITO

A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE COMO GARANTIA

DA EFETIVAÇÃO DE DIREITO FUNDAMENTAL

Géssica Bergonzi

Lajeado, junho de 2015

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Géssica Bergonzi

A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE COMO GARANTIA

DA EFETIVAÇÃO DE DIREITO FUNDAMETAL

Monografia apresentada na disciplina de

Trabalho de Curso II, do Curso de Direito, do

Centro Universitário UNIVATES, como parte

da exigência para obtenção do título de

Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Me. Júnior Roberto Willig

Lajeado, junho de 2015

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“O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político” (BOBBIO, 1992, p. 24).

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RESUMO

Este estudo visa demonstrar a efetivação do direito à saúde através do fenômeno de sua judicialização. Inicialmente, imperioso abordar os direitos sociais, dentre os quais aqueles elencados no art. 6º da Constituição Federal da República, demonstrando a evolução em relação à saúde. Posteriormente, demonstrar que, no momento em que o Judiciário protege o direito à saúde através da sua função jurisdicional, invade a esfera administrativa, que, a rigor, é de competência dos Poderes Executivo ou Legislativo. Assim, necessária a análise dos princípios da separação de poderes, da previsão orçamentária e da reserva do possível. Por fim, o direito à saúde não tem sido materializado pelo Estado de modo pleno, razão pela qual a obtenção de tal desiderato depende da intervenção do Poder Judiciário, especialmente nas demandas relativas a medicamentos, ocasionando a denominada judicialização da saúde.

Palavras chave: saúde, judicialização, constituição, direitos fundamentais e medicamentos.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 5

2 O DIREITO SOCIAL À SAÚDE ............................................................................... 7 2.1 Direitos Sociais ................................................................................................... 7

2.2 Direito constitucional à saúde ......................................................................... 14 2.3 O Sistema Único de Saúde (SUS) .................................................................... 20

3 LIMITES DA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE .................................... 25 3.1 Princípio da separação dos poderes ............................................................... 27

3.2 Previsão orçamentária ...................................................................................... 33 3.3 A reserva do possível ....................................................................................... 36

4 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE COMO GARANTIA DA EFETIVAÇÃO DE DIREITO FUNDAMENTAL ....................................................................................... 41

4.1 A judicialização da saúde ................................................................................. 42 4.2 A intervenção do Poder Judiciário no fornecimento de medicamentos ...... 48 4.3 Saúde: direito fundamental (sem) limites ....................................................... 55 5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 61

REFERÊNCIA ........................................................................................................... 63

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1 INTRODUÇÃO

A Constituição da República reconhece a saúde como direito de todos e dever

do Estado, a ser concretizado através de políticas sociais e econômicas. No entanto,

parece que, muito embora seja um direito constitucional e dotado de legislação

específica, o Estado não vem suprindo a demanda da nação pela saúde.

Diante disso, ao Poder Judiciário incumbe decidir as demandas relacionadas

ao direito da saúde. Essa atuação vem recebendo a denominação de judicialização

da saúde, eis que passa a ser utilizada para assegurar esse direito fundamental ao

cidadão.

De outro lado, busca o Estado (União, Distrito Federal, Estados e Municípios)

demonstrar que o Judiciário deve observar limites orçamentários nas decisões

relativas à saúde, como, por exemplo, no fornecimento de medicamentos,

baseando-se nos argumentos da separação dos poderes, da previsão orçamentária

e da reserva do possível.

Neste contexto, através de um estudo promovido pelo método dedutivo, com

procedimento técnico bibliográfico e documental, objetiva-se obter, ao final do

presente trabalho, conclusões em torno de como o Poder Judiciário, quando

provocado através do fenômeno da judicialização da saúde, deve se posicionar para

efetivar o direito à saúde quando o Estado for omisso.

Sob tal perspectiva, o cerne deste estudo é o debate doutrinário e

jurisprudencial acerca da legitimidade do Poder Judiciário para garantir a

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concretização do direito à saúde, sem observar os princípios da separação de

poderes, da previsão orçamentária e da reserva do possível, pois há uma crescente

busca de sentenças judiciais capazes de efetivar, por exemplo, o fornecimento de

medicamentos.

Com vistas a atingir os objetivos propostos, no primeiro capítulo da presente

monografia foram explorados os direitos sociais, dentre os quais aqueles elencados

no art. 6º da Constituição Federal da República, demonstrando sua estrutura

organizacional e evolução em relação à saúde. Tudo isso com o objetivo de garantir

o direito à saúde, através de um esboço do Sistema Único de Saúde (SUS),

trabalhando também a Lei Específica da Saúde, a Lei nº 8.080/90.

No segundo capítulo, há uma abordagem legal, doutrinária e jurisprudencial

acerca dos limites da concretização do direito à saúde, assim no momento em que o

Judiciário protege o direito à saúde através da sua função jurisdicional, invadindo a

esfera administrativa, que a rigor é de competência dos Poderes Executivo ou

Legislativo. Assim, apesar de uma aparente colisão dos direitos à vida e à saúde

com os princípios da separação de poderes, da previsão orçamentária e da reserva

do possível, prevalece o direito fundamental à vida, dada sua grandeza.

Ao final, no terceiro capítulo, o fenômeno da judicialização da saúde como

garantia da efetivação de direito fundamental à vida. Para tanto, faz-se necessário

avaliar a atuação do Poder Judiciário na efetivação do direito à saúde diante da

omissão ou ineficácia do Estado, já que é um direito fundamental e o seu

descumprimento pode afetar a dignidade humana e o mínimo existencial.

Em decorrência disso, o estudo tem a pretensão de demonstrar a grandeza

do direito à saúde, por entendê-lo como pressuposto fundamental à vida e, como tal,

merece e exige plena eficácia. Defende, ainda, que o Poder Judiciário, quando

provocado, está legitimado a intervir diante do descumprimento e/ou omissão

estatal.

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2 O DIREITO SOCIAL À SAÚDE

A Constituição da República de 1988 outorgou direitos sociais ao indivíduo e

apresentou uma grande evolução ao elencar o direito social à saúde. Em uma

democracia, os direitos sociais tem como objetivo alcançar a melhoria de vida, bem

como a justiça social. Na lição do Mestre José Afonso Silva (2005, p. 128):

A Constituição estrutura um regime democrático consubstanciando esses objetivos de igualização por via dos direitos sociais e da universalização de prestação sociais (seguridade, saúde, previdência e assistência sociais, educação e cultura). A democratização destas prestações, [...], constitui fundamento do Estado Democrático de Direito, instituído no art. 1º.

Destarte, importante ponderar sobre os direitos sociais elencados no art. 6.º

da Constituição Federal, principalmente o direito social à saúde, por ser relevante

para o desenvolvimento do presente estudo.

2.1 Direitos Sociais

Os direitos sociais são conquistas dos movimentos populares, sendo

reconhecidos internacionalmente e pela Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, a qual os inaugurou em seu art. 6º, que dispõe: “São direitos sociais

a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos

desamparados, na forma desta Constituição”.

A doutrina de Silva (2001, p. 285) conceitua os direitos sociais como sendo:

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[...] prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas nas normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização das situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.

No mesmo sentido, Tavares (2012, p. 837) conceitua direitos sociais como

aqueles “que exigem do Poder Público uma atuação positiva, uma forma atuante de

Estado na implementação da igualdade social dos hipossuficientes. São, por esse

exato motivo, conhecidos também como direitos a prestação, ou direitos

prestacionais”. Assim, é perceptível a importância dos direitos sociais, haja vista que

o desenvolvimento de prestações positivas visa alcançar as esferas sociais mais

frágeis.

Desse modo, Bulos (2011, p. 789) esclarece que as “prestações qualificam-se

como positivas porque revelam um fazer por parte dos órgãos do Estado, que tem a

incumbência de realizar serviços para concretizar os direitos sociais”. Ainda,

segundo ele, a finalidade das prestações positivas “é beneficiar os hipossuficientes,

assegurando-lhes situação de vantagem, direta ou indireta, a partir da realização da

igualdade real”.

De acordo com Moraes (2000, p. 165), a omissão do legislador nas

prestações positivas não pode preponderar sobre a existência da norma

constitucional, pois a Constituição traz um título dedicado aos direitos e garantias

fundamentais, os quais originam duas consequências: a subordinação à regra da

auto-aplicabilidade e a suscetibilidade do ajuizamento do mandado de injunção,

sempre que existir omissão por parte do poder público.

Walber de Moura Agra (2010, p. 515) afirma que “os direitos sociais

tencionam incrementar a qualidade de vida dos cidadãos, munindo-os das condições

necessárias para que eles possam livremente desenvolver suas potencialidades”.

Conforme Miranda (2000, p. 386), os direitos sociais tendem a “promover o

aumento do bem-estar social e econômico e da qualidade de vida das pessoas, em

especial, das mais desfavorecidas, de operar as necessárias correções das

desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento [...]”.

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Silva (2005, p. 286) acrescenta ainda que “os direitos sociais constituem

forma de tutela pessoal”.

[...] os direitos econômicos constituirão pressupostos da existência dos direitos sociais, pois sem uma política econômica orientada para a intervenção e participação estatal na economia, não se comporão as premissas necessárias ao surgimento de um regime democrático de conteúdo tutelar dos fracos e mais numerosos (SILVA, 1998, p. 289).

Nesse sentido, Bontempo (2005, p. 71) ensina que:

[...] os direitos sociais são, por conseguinte, sobretudo, endereçados ao Estado, para quem surgem, na maioria das vezes, certos deveres de prestações positivas, visando à melhoria das condições de vida e à promoção da igualdade material.

Ferreira Filho (2006, p. 49-50) corrobora com tal entendimento no sentido de

que os direitos sociais são “como as liberdades públicas, os direitos sociais são

direitos subjetivos. Entretanto, não são meros poderes de agir – como é típico das

liberdades públicas de modo geral – mas sim poderes de exigir. São direitos de

crédito”.

Miranda (2000, p. 8-9) traz a distinção dos sentidos formal e material dos

direitos fundamentais, sendo direito fundamental formal “toda a posição jurídica

subjectiva das pessoas enquanto consagrada na Lei Fundamental”. Logo, a

apreciação material de direitos fundamentais “não se trata de direitos declarados,

estabelecidos, atribuídos pelo legislador constituinte, pura e simplesmente; trata-se

também dos direitos resultantes da concepção de Constituição dominante, da idéia

de Direito, do sentimento jurídico coletivo”.

Os doutrinadores José Afonso da Silva e Alexandre de Moraes definem os

direitos fundamentais no sentido material como “prerrogativas e instituições que [o

ordenamento jurídico] concretiza em garantia de uma convivência digna, livre e igual

de todas as pessoas” (SILVA, 2001, p. 178) em que a “finalidade básica [consiste

no] respeito a sua dignidade [da pessoa humana], por meio de sua proteção contra o

arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e

desenvolvimento da personalidade humana” (MORAES, 2000, p. 39).

Leivas (2006, p. 89) aborda os direitos sociais em sentido material como

sendo:

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[...] direitos a ações positivas fáticas, que, se o indivíduo tivesse condições financeiras e encontrasse no mercado oferta suficiente, poderia obtê-las de particulares; porém, na ausência destas condições e, considerando a importância destas prestações, cuja outorga ou não-outorga não pode permanecer nas mãos da simples maioria parlamentar, podem ser dirigidas contra o Estado por força de disposição constitucional.

Dessa forma, Sarlet (2007, p. 57) compreende que as prestações sociais

estatais, como, por exemplo, a assistência social, saúde, educação, etc., constituem

uma transição entre as liberdades formais abstratas para as liberdades materiais

concretas.

Ainda na esfera dos direitos de segunda dimensão, há que se atentar para a circunstância de que estes não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as denominadas ‘liberdades sociais’. [...] A segunda dimensão dos direitos fundamentais abrange, portanto, bem mais do que os direitos de cunho prestacional, de acordo com o que ainda propugna parte da doutrina, inobstante o cunho ‘positivo’ possa ser considerado como o marco distintivo desta nova fase da evolução dos direitos fundamentais (SARLET, 2007, p. 57).

Importante ainda a concepção de Faria (1994, p. 54), que comenta que:

A característica básica dos direitos sociais está no fato de que, forjados numa linha oposta ao paradigma kantiano de uma justiça universal, foram formulados dirigindo-se menos aos indivíduos tomados isoladamente como cidadãos livres e anônimos e mais na perspectiva dos grupos, comunidades, corporações e classes a que pertencem.

Gonçalves (2010) compreende que não pode haver a banalização das

normas dos direitos basilares, pois isto “pode acarretar a retirada da força dos reais

e efetivos direitos fundamentais, que terão uma diluição de sua importância em face

da inserção de direitos utópicos”.

[...] normas de direitos fundamentais se apresentam – via de regra – como líquido que se amolda a vários recipientes, fator que [...] dificulta uma conceituação ajustada dos direitos fundamentais e a conseguinte aplicabilidade de certos direitos na órbita privatística (eis que não se sabe ao certo se eles são ou não detentores de fundamentalidade). [...] a vagueza conceitual dos direitos em testilha, ao passo que colabora com o surgimento de novos direitos fundamentais de duvidosa fundamentalidade, faz também apequenar a sua efetivação em virtude da diluição de sua importância entre direitos ilusórios (fenômeno da banalização ou vulgarização dos direitos fundamentais) (GONÇALVES, 2010, texto digital).

De acordo com Bonavides (2004 p. 80), as normas materiais possuem caráter

constitucional sendo “o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à

distribuição de competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos

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direitos da pessoa humana, tanto pessoais como sociais”. Já as normas formais, na

lição de Lenza (2009, p. 26), “serão aquelas introduzidas pelo poder soberano, por

meio de um processo legislativo mais dificultoso, diferenciado e solene do que o

processo legislativo de formação das demais normas do ordenamento". Conforme os

aludidos autores, o sentido formal ou material de um direito fundamental, sempre

deve garantir a proteção dos direitos sociais trazidos no texto constitucional.

Esses direitos sociais garantidos pela Constituição da República, como o

direito a saúde, ao trabalho, a educação entre outros, procuram oferecer uma melhor

qualidade de vida aos indivíduos.

O direito à educação é o primeiro dentre os sociais elencados no art. 6º da

Constituição Federal. Também está previsto no art. 205 da Constituição Federal, que

dispõe: “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida

e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento

da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho”. Trata-se, evidentemente, de dever do Estado. Nesse sentido, Silva (2005,

p. 313), nos esclarece:

A Constituição mesmo já considerou que o acesso ao ensino fundamental, obrigatório e gratuito, é direito público subjetivo; equivale reconhecer que é direito plenamente eficaz e de aplicabilidade imediata, isto é, direito exigível judicialmente, se não for prestado espontaneamente.

O autor ainda complementa afirmando que “as normas tem, ainda, o

significado jurídico de elevar a educação à categoria de serviço público essencial

que ao Poder Público impende possibilitar a todos” (SILVA, 2005, p. 313).

Na sequência há o direito ao trabalho, que também está entre os direitos

sociais do art. 6º da Constituição, mas que não possui legislação expressa que o

efetive. Conforme Cretella (1994-1997), o direito ao trabalho é direito à vida e assim

sendo direito ao sustento. “Todo homem tem, pois, direito aos meios necessários

para a satisfação conveniente de todas as necessidades vitais próprias e de sua

família: alimentação, vestuário, habitação, higiene, transporte, recreação, educação

e previdência” (CRETELLA, 1994-1997, p. 886).

O direito social à moradia, de acordo com Lenza (2012), busca consagrar o

direito à habitação digna e adequada ao cidadão e sua família.

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[...] direito à intimidade e à privacidade (art 5.º, X) e de será a casa asilo inviolável (art 5.º, XI), não há dúvida que o direito à moradia busca consagrar o direito à habitação digna e adequada, tanto é assim que o art 23, X, estabelece ser atribuição de todos os entes federativos combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos (LENZA, 2012, p.1078).

O direito ao lazer também está dentre os direitos sociais e possui várias

definições. No entanto, a mais adotada é de Dumazedier (2001, p. 34).

O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntário ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais.

O direito à segurança é outro elencado como direito social no art. 6º da

Constituição da República e deve ser entendido como indispensável ao cidadão. O

art. 144 da Carta Maior elenca que “a segurança pública, dever do Estado, direito e

responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da

incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I- polícia

federal; II- polícia rodoviária federal; III- polícia ferroviária federal; IV- Polícias civis;

V- Polícias militares e corpos de bombeiros militares”. Percebe-se que este direito

tutela a paz social do país.

O direito à previdência social também está dentre os direitos sociais. Nas

palavras de Silva (2005, p. 310), “previdência social é um conjunto de direitos

relativos à seguridade social”.

O direito de proteção à maternidade e à infância está elencado nos capítulos

da Ordem Social no art. 201, III, da CF/88, que refere a “proteção à maternidade,

especialmente à gestante”.

Há, ainda, o direito à assistência dos desamparados como direito social no

art. 6º da Constituição da República, o qual tem por fim proteger desamparados,

garantindo-lhes o mínimo para uma vida digna.

Já o reconhecimento da saúde como um direito social representa ao Estado

deveres e responsabilidades, com vista a proporcionar medidas que possibilitem a

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sua efetivação. A Conferência Mundial de Saúde, realizada em Viena em 1993 (texto

digital), deixa claro que:

5. Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais.

Dessa maneira, cabe destacar que Silva (2005) observa o quão demorou para

que o direito à saúde obtivesse o status de norma constitucional, o que ocorreu

somente com a Constituição da República de 1988. Ressalta, ainda, que ao Poder

Público incumbe dispor de tal regulamentação.

É espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do homem. E há de informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais (SILVA, 2005, p. 308).

A partir disso, denota-se que “a saúde foi tratada como um direito social

fundamental de todo e qualquer ser humano. Mas, como ensina Norberto Bobbio,

em sua obra A Era dos Direitos, o momento histórico não é de discutir as

declarações dos direitos, mas sim sua efetivação” (BRANCO, 2007, texto digital,

grifos do autor).

Nesse sentido, nos ensinamentos de Alexy (1999), a previsão constitucional

dos direitos fundamentais não resolve os problemas da institucionalização, mas sim,

os deixa visíveis.

[...] a codificação dos direitos do homem por uma Constituição, portanto, com sua transformação em direitos fundamentais, o problema de sua institucionalização esteja resolvido. Isso não é, todavia, o caso. Muitos problemas dos direitos do homem agora somente tornam-se visíveis em toda sua dimensão e novos acrescem por seu caráter obrigatório, agora existente (ALEXY, 1999, p. 62).

Feitas essas ponderações, passa-se à apreciação exclusiva do direito

constitucional à saúde, o qual se tornará essencial para o desenvolvimento da

presente monografia.

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2.2 Direito constitucional à saúde

Antes de tudo, cumpre fazer alguns esclarecimentos acerca do histórico e da

garantia do direito constitucional à saúde, especialmente nas constituições

brasileiras.

Ao longo do tempo, o Brasil passou por diversas mudanças na sua estrutura

política, advindo oito constituições, das quais quatro foram elaboradas de forma

democrática nos anos de 1891, 1934, 1946 e 1988, e as demais impostas de

maneira autoritária pelo Estado, as denominadas constituições outorgadas, em

1824, 1937, 1967 e 1969.

O direito à saúde foi abordado de diferentes maneiras nas aludias

Constituições. Antes da Constituição de 1824, o Brasil teve seu primeiro ato

legislativo, que, segundo exposto por Ribeiro (2010 p. 449), foi a bula papal

expedida por Julio II, confirmada por D. Manuel, na qualidade de grão-mestre da

Ordem de Cristo e rei de Portugal, que trazia o “fundamento primeiro de todos os

direitos de propriedade e de todo o processo de avassalamento das massas

trabalhadoras”.

Nesse contexto, interessante conceituar a palavra bula:

A palavra bula significa, etimologicamente, medalha ou selo. Como, porém, desde a antiguidade, fora empregada para designar o selo de chumbo ou de ouro, que normalmente pendia das escrituras solenes imperiais ou pontificiais, o seu âmbito de significado passou a compreender também os pró-prios documentos selados. Por volta dos fins da Idade Média, as chancelarias imperiais cessaram de servir-se das bulas, que, contudo, permaneceram em largo uso na cúria pontifícia, inclusive até nossos dias, principalmente para dar forma às lege pontificiae e a outros atos administrativos com valor de constitutiones (FRANÇA, 1977, p. 267-268).

A Constituição de 1824 foi a primeira e a que por mais tempo perdurou,

mantendo-se efetiva por sessenta e cinco anos. E, mesmo trazendo ideais sociais,

ela garantia direitos que beneficiavam apenas a elite. Nesse contexto, enfatiza

Ribeiro (2010, p. 449):

[...] o Direito à Saúde não tomou acento, vez que o que se buscava era a concentração dos poderes nas mãos do Imperador. Bonavides explica que o texto Constitucional de 1824 serviu de modelo para a Constituição de

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Portugal de 1826. Nessas Constituições, embora se tivesse a intenção de almejar os ideais libertários, os mesmos não foram atingidos dadas as grandes desigualdades sociais que vigoravam na época. Silva ensina que a Constituição de 1824 deu lugar aos Direitos do Homem no art. 179 (com seus 35 incisos que estabeleciam um rol de direitos e garantias), nos quais era declarado e garantido o direito à inviolabilidade dos direitos de liberdade, de igualdade, de segurança individual e de propriedade. O texto Constitucional chega a mencionar, no inciso XXIV do art. 179, que “nenhum gênero de trabalho, de cultura, indústria ou comercio pode ser proibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos, à segurança e saúde dos cidadãos”, entretanto o objetivo, como se faz claro, é garantir o exercício da atividade laboral e não o Direito à Saúde.

A segunda Constituição, de 24 de março de 1891, apresentou uma relação de

garantias e de direitos, como a liberdade, a segurança e a propriedade, mas,

novamente, a saúde não foi incluída.

A Constituição de 1934 foi a primeira a fazer alusão ao direito à saúde, no seu

art. 10, inciso II, que previa a competência concorrente entre União e Estados em

relação à saúde e à assistência públicas.

Já em 1937, conforme Pinho (2011), a Carta Constitucional, conhecida como

“A Polaca”, não trouxe nenhum direito fundamental, apesar de trazer avanços nos

direitos sociais. Embora inibisse o direito à saúde, no seu art. 16, inciso XXVII,

assegurou que caberia à União legislar privativamente sobre “normas fundamentais

da defesa e proteção da saúde, especialmente da saúde da criança”.

Art. 16 - Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias: [...] XXVII - normas fundamentais da defesa e proteção da saúde, especialmente da saúde da criança.

A Constituição de 1946, por sua vez, trouxe na alínea “b” do inciso XV do art.

5º a competência da União para legislar sobre “normas gerais de direito financeiro;

de seguro e previdência social; de defesa e proteção da saúde; e de regime

penitenciário”.

Art. 5º - Compete à União: [...] XV - legislar sobre:b) normas gerais de direito financeiro; de seguro e previdência social; de defesa e proteção da saúde; e de regime penitenciário;

A Carta Constitucional de 1967 não previa o direito à Saúde, mas trazia o

preceito da Constituição de 1946. Além disso, acrescentou a competência da União

para legislar sobre um plano nacional de saúde.

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Em 1969, foi aprovada a Emenda Constitucional n° 11, que editou o novo

texto da Constituição Federal, de 24 de janeiro de 1967, e, novamente, não previu o

direito à saúde. Apenas repetiu a iniciativa da Constituição anterior, de que os

municípios deveriam dispor de 6% do repasse da União para saúde.

Art. 25 - Do produto da arrecadação dos impostos mencionados nos itens IV e V do art. 21, a União distribuirá 33% (trinta e três por cento) na forma seguinte: § 4º - Os Municípios aplicarão, em programas de saúde, 6,0% (seis por cento) do valor que lhes for creditado por força do disposto no item II.

A Constituição da República de 1988 buscou proteger os direitos sociais no

rol de garantias fundamentais do seu art. 5º. Nesse sentido, o constitucionalista

Bonavides (2002) discorre:

A nova hermenêutica constitucional se desataria de seus vínculos com os fundamentos e princípios do Estado Democrático de Direito se os relegasse ao território das chamadas normas programáticas, recusando-lhes concretude negativa sem a qual, ilusória a dignidade da pessoa humana não passaria também de mera abstração (BONAVIDES, 2002, p. 594).

Sarlet (2010), por seu turno, leciona que os direitos fundamentais devem ser

compreendidos entre os direitos humanos, os quais são reconhecidos e positivados

na ordem constitucional de um determinado Estado.

[...] o termo 'direitos fundamentais' se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão, direitos humanos, guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional [...] (SARLET, 2010, p. 29).

E mais, Sarlet ensina que o pensamento kantiano é considerado o marco da

concepção moderna de dignidade e direitos humanos.

Kant construiu sua concepção a partir da natureza racional do ser humano, observando que a autonomia da vontade é um atributo próprio dos seres racionais. Há uma citação interessante do autor que valora a dignidade: no reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela, qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo preço, e não permite equivalente, então tem ela dignidade [...] Esta apreciação dá, pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-se infinitamente

1 Basto explica que “um pouco antes de terminar o seu período de governo, a junta militar promulga uma emenda à Constituição de 24 de janeiro de 1967, munida que estaria de poderes para tanto, ante o recesso do Congresso que teria produzido o traslado de suas competências para o Executivo” (BASTOS, 2000, p. 138).

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acima de todo preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou em confronto com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir sua santidade (SARLET, 2007, p. 34).

Assim, uma das muitas inovações da Constituição da República de 1988 foi a

elevação do direito à saúde à condição de direito fundamental, conforme previsão

dos arts. 6° e 196 a 200.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988).

O direito à saúde foi inserido na Constituição da República de 1988 visando

ao bem-estar e à justiça social. Nessa perspectiva, o art. 196 o reconhece como

direito de todos e dever do Estado.

Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação.

A interpretação do texto constitucional em relação ao conceito jurídico

de saúde encontra-se na doutrina:

[...] deve ser interpretado considerando que a legalidade obriga a organização das ações e serviços públicos destinados a garantir o direito à saúde – em condições de igualdade para todo o povo – ao respeito das seguintes exigências:‘descentralizaçãoatendimentointegraleparticipação da comunidade (C.F., art. 198, I, II, III). As atividades de controle e fiscalização de procedimentos, produtos e substancias de interesse para saúde, de participação na produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos sanitários; de execução das ações de vigilância sanitária e epidemiológica e de saúde do trabalhador; de ordenação da formação de política e da execução das ações de saneamento básico; de incremento do desenvolvimento científico e tecnológico na área da saúde; de fiscalização e inspeção de alimentos, bebidas e água para o consumo humano e de controle do teor nutricional dos alimentos; de participação no controle e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; e de colaboração na proteção do meio ambiente – nele compreendido o do trabalho – ainda que não exclusivamente - definem o conteúdo do conceito jurídico de saúde na Constituição (C.F. art. 200) (DALLARI, 1995, p. 31-32).

Com o reconhecimento da saúde como um direito social fundamental, o

Estado passou a ter o dever de elaborar prestações positivas2 em prol do cidadão

2 Para Uadi Lammêgo Bulos “prestações qualificam-se como positivas porque revelam um fazer por parte dos órgãos do Estado, que têm a incumbência de realizar serviços para concretizar os direitos sociais”. (BULOS, Uadi L. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Rev. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2011).

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por intermédio de políticas públicas sociais e econômicas destinadas à promoção, à

proteção e à recuperação da saúde.

Deste modo, conforme o art. 6º da Carta Magda, o direito à saúde é um direito

social, exigindo do Estado prestações positivas. No mesmo sentido, o art. 196 da

Constituição Federal, dispõe que “[...] o direito á saúde é um direito de todos e um

dever do Estado”. Ainda, estabelece a Constituição, no art. 23, a responsabilidade

solidária dos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para o

fornecimento dos serviços de saúde.

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.

Os doutrinadores Castro, Lino e Vieira (2008, p. 104) enfatizam que o

legislador utilizou “a palavra ESTADO no intuito de englobar tanto os Estados-

membros, quanto à União e o Município, vez que ambos têm o dever promover o

bem estar social, garantindo educação, saúde e segurança a todos os cidadãos”.

Assim, tanto a competência para a promoção como para a proteção da saúde é

solidária dos entes federativos.

Em precedente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Luiz Fux enfatizou a

solidariedade dos entes federativos para garantir o direito constitucional ao

fornecimento de medicamento, nestes termos:

1. O artigo 196 da CF impõe o dever estatal de implementação das políticas públicas, no sentido de conferir efetividade ao acesso da população à redução dos riscos de doenças e às medidas necessárias para proteção e recuperação dos cidadãos. 2. O Estado deve criar meios para prover serviços médico-hospitalares e fornecimento de medicamentos, além da implementação de políticas públicas preventivas, mercê de os entes federativos garantirem recursos em seus orçamentos para implementação das mesmas. (arts. 23, II, e 198, § 1º, da CF).3. O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Isto por que, uma vez satisfeitos tais requisitos, o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional. 4. In casu, o chamamento ao processo da União pelo Estado de Santa Catarina revela-se medida meramente protelatória que não traz nenhuma utilidade ao processo, além de atrasar a resolução do feito, revelando-se meio inconstitucional para evitar o acesso aos remédios necessários para o restabelecimento da saúde da recorrida. (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n° 607381/SC, Primeira Turma, Supremo Tribunal Federal, Relator: Ministro Luiz Fux, Julgado em 31/05/2011, DJ 16/06/2011, p. 116).

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Ainda, compete ao Estado resguardar o direito à saúde, como, por exemplo,

oferecer remédios mais “seguros (que sabidamente não provocam danos), eficazes

(fazem o que se propõem a fazer), efetivos (fazem o que se propõem a fazer quando

utilizado pelas pessoas em condições reais) e custo-efetivos (fazem o que se propõe

a fazer, em condições reais, ao menor custo)” (BARBERATO-FILHO; LOPES;

MACEDO, 2011, p. 707).

Neste contexto, “considerando que entre o necessário para a promoção da

assistência à saúde está o fornecimento de medicamento, mediante um simples

silogismo, é possível afirmar que o acesso ao medicamento é direito de todos e

dever do Estado” (PARANHOS, 2007, p. 156).

Evidente, portanto, a obrigação do Estado de fornecer medicamentos para a

promoção da saúde, eis que o direito do cidadão de receber medicamentos para o

tratamento de inúmeras doenças decorre do direito constitucional à saúde.

Conforme Ordacgy (2007), a saúde é um bem jurídico indissociável do direito à vida,

devendo, assim, o Estado tutelá-la.

A Saúde encontra-se entre os bens intangíveis mais preciosos do ser humano, digna de receber a tutela protetiva estatal, porque se consubstancia em característica indissociável do direito à vida. Dessa forma, a atenção à Saúde constitui um direito de todo cidadão e um dever do Estado, devendo estar plenamente integrada às políticas públicas governamentais (ORDACGY, 2007, texto digital).

Sarlet (2007) trás que a saúde é um bem jurídico protegido pela ordem

constitucional e inquestionável para a vida, lecionando que:

[...] não há dúvida alguma de que a saúde é um direito humano fundamental, aliás fundamentalíssimo, tão fundamental que mesmo em países nos quais não está previsto expressamente na Constituição, chegou a haver um reconhecimento da saúde como um direito fundamental não escrito (implícito), tal como ocorreu na Alemanha e em outros lugares. Na verdade, parece elementar que uma ordem jurídica constitucional que protege o direito à vida e assegura o direito à integridade física e corporal, evidentemente, também protege a saúde, já que onde esta não existe e não é assegurada, resta esvaziada a proteção prevista para a vida e integridade física (SARLET, 2007, texto digital).

Percebe-se que a saúde é condição indispensável à garantia da vida humana,

tendo relação com a dignidade da pessoa humana. Corrobora esse entendimento,

Barroso (2009, p. 10):

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O Estado constitucional de direito gravita em torno da dignidade da pessoa humana e da centralidade dos direitos fundamentais. A dignidade da pessoa humana é o centro de irradiação dos direitos fundamentais, sendo freqüentemente identificada como o núcleo essencial de tais direitos.

Destarte, é dever do Estado, ou seja, União Federal, Distrito Federal, Estados

e Municípios garantir, de forma efetiva, o direito à saúde, concretizando o acesso

universal de todos a partir de ações essenciais voltadas à promoção, proteção e

recuperação.

Assim sendo, a Carta Maior de 1988 criou uma estrutura organizacional com

o objetivo de garantir o direito à saúde através de um esboço do que seria o Sistema

Único de Saúde (SUS). Com a perspectiva de regulamentar e dar funcionalidade ao

SUS foi necessária a elaboração de Lei Específica da Saúde, a Lei nº 8.080/90.

2.3 O Sistema Único de Saúde (SUS)

A Constituição da República demonstra que o Sistema Único de Saúde (SUS)

está voltado para sanar necessidades e proporcionar bem-estar social à população.

O SUS é definido no art. 198 do seguinte modo:

As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes. I-Descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II-Atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - Participação da comunidade. Parágrafo único – O sistema único de saúde será financiado, nos termos do artigo 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

Conforme José Mauro Carrilho Guimarães (2014, texto digital), o “sistema de

saúde vigente no Brasil foi modelado há relativamente pouco tempo, culminando um

processo de mudanças que remonta a década de 70, acelera-se ao longo dos anos

80 e adquire estatuto institucional no fim dessa década”. Guimarães (2014) ainda

acrescenta:

A nova institucionalidade do setor Saúde começou a ser desenhada em 1986, por ocasião da VII Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília. A Conferência contribuiu decisivamente para formar consensos quanto ao diagnóstico critico sobre o sistema de saúde vigente e quanto a uma agenda de mudanças, que ficou conhecida como a Agenda da Reforma Sanitária. Consagrou a saúde como direito universal e como dever do Estado, sob o lema Saúde: direito de todos, dever do Estado. A

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Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 apresenta, na sua Seção II, os preceitos que governarão a política setorial nos anos seguintes, sendo que os princípios podem ser resumidos em alguns pontos básicos: as necessidades individuais e coletivas.

A Lei n° 8.080/90, também conhecida como Lei do SUS ou Lei Orgânica da

Saúde, complementada pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, regulamenta

os arts. 196 e seguintes da Constituição Federal, e, em seu enunciado, refere que

dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a

organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras

providências.

A Lei do SUS prevê, no caput do art. 4º, esse sistema como sendo o “conjunto

de ações e serviços de saúde, prestado por órgãos e instituições públicas, federais,

estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas

pelo poder público” (BRASIL, 1990).

Assim, conforme Ohland:

O SUS consiste em um conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público. É um sistema que, ao menos no plano teórico de sua concepção, tem como princípios garantir acesso universal, integral e igualitário à população brasileira, do simples atendimento ambulatorial aos complexos transplantes de órgãos (OHLAND, 2010, texto digital).

Cabe salientar que o art. 5°, da Lei nº 8080/90, traz os objetivos do Sistema

Único de Saúde:

São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei;III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.

Ainda, especificamente sobre o SUS, estabelecem os arts. 6º, I, d, e 7º, I e II,

da Lei nº 8.080/90, o campo de atuação do Sistema.

Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a execução de ações: d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;

Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198

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da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

Em relação à integralidade do SUS, Ohland (2010) interpreta como sendo um

conjunto de ações que visam controlar e eliminaras causas das doenças.

A integralidade pressupõe garantia de acesso às ações de promoção, buscando eliminar ou controlar as causas das doenças, envolvendo, assim, outras áreas, como habitação, meio ambiente, educação, etc.; de proteção, visando à prevenção de riscos e exposições a doenças, inclusive ações de saneamento básico, vacinações, ações coletivas e preventivas; e de recuperação, como atendimento médico, tratamento e reabilitação dos doentes (OHLAND, 2010, texto digital).

Nesta perspectiva, Heckler e Oliveira (2008, p. 97) ressaltam que:

[...] a integralidade pressupõe um olhar diferente às diversas perspectivas que formam o processo de produção de saúde. É, portanto, uma visão ampliada das necessidades de cada indivíduo, considerando-se o contexto e o momento de vida de cada sujeito, na qual os projetos terapêuticos surgirão de uma interação entre a equipe de saúde e os usuários. Assim, a integralidade como prática de saúde pode ser compreendida, entre outros aspectos, como uma visão do sujeito na sua totalidade, na qual a compreensão do sofrimento acontece através da ampliação do processo saúde-doença para suas dimensões psicossociais, considerando a singularidade do sujeito e seu modo de perceber os eventos da vida.

Continuando a análise da Lei Orgânica da Saúde, destacam-se os Princípios

e Diretrizes do SUS, especificamente citados no art. 7º, da Lei 8080/90.

Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; [...] (BRASIL, 1990).

Percebe-se a necessidade da implantação de políticas públicas para

proporcionar condições dignas de vida. Höfling (2001, p. 31) entende que políticas

públicas podem ser interpretadas como sendo “Estado em ação”, em que “o Estado

implantando um projeto de Governo, a partir de programas, de ações voltadas para

setores específicos da sociedade”.

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De acordo com Ohland:

[...] Não há hierarquia entre União, Estados e Municípios, e sim competências para cada um dos três gestores do SUS, com distribuições de responsabilidades pelas ações e serviços em saúde, partindo-se sempre da ideia de que, quanto mais perto do fato a decisão for tomada, maior será o nível de acerto. Tal premissa tem atribuído maior responsabilidade aos Municípios na implementação das ações em saúde, a chamada “municipalização da saúde” (OHLAND, 2010, texto digital).

Ainda, Ohland destaca que os Municípios devem tutelar a saúde através da

dispensação de medicamentos à população, do seguinte modo:

[...] aos Municípios, competem os medicamentos da farmácia básica (de uso comum da população); aos Estados, os medicamentos especiais (considerados de alto custo ou para tratamentos contínuos), e à União os medicamentos e tratamento estratégicos (como o Saúde da Mulher e o de Tabagismo). Juntos, compõe a chamada lista de medicamentos essenciais do SUS, integrantes de uma política fundamental para garantia de acesso a medicamentos seguros, eficazes e custos-efetivos, voltados ao atendimento das doenças mais prevalentes e que estejam disponíveis em quantidade adequada (OHLAND, 2010, texto digital).

Conforme dispõe o art. 198, § 1°, da Constituição da República, o

financiamento do Sistema Único de Saúde será realizado nos termos do art. 195, o

qual refere que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma

direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Desse modo, o ente municipal deve atender integralmente aos anseios da

população relativos à saúde através de ações e serviços públicos.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;III - participação da comunidade.§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

Por certo, conforme destaca Ohland (2010, texto digital), “o gestor municipal,

a partir do Pacto pela Saúde3, assinado em 2006, passou a assumir imediata ou

3 Trata-se de um esforço das três esferas de governo (municípios, estados e União) para, juntamente com o Conselho Nacional de Saúde, rediscutir a organização e o funcionamento do SUS. Seu objetivo principal é avançar na implantação dos princípios constitucionais referentes à saúde no Brasil

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paulatinamente a plenitude da gestão das ações e serviços de saúde oferecidos em

seu território, sendo considerado atualmente o principal responsável pela saúde

pública da população”.

Por derradeiro, vê-se que o Sistema Único de Saúde representa um direito

social assegurado pela Carta Magna, a fim de garantir à população o acesso à

saúde, contribuindo para sua qualidade de vida. Dessa forma, as Secretarias de

Saúde Municipais, pela maior proximidade com a população, recebem recursos

Estaduais e Federais para atender a demanda na área da saúde, atuando mais

ativamente na dispensação de medicamentos. Nesse contexto, faz-se necessário

ressaltar que a União, os Estados e Municípios tem competência solidária no

fornecimento de medicamentos à população.

e definir as responsabilidades de gestão de cada ente federado. (Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Nota Técnica n. 13/06. Para entender o Pacto pela Saúde 2006 Financiamento. Portaria 698/GM de 30/03/2006. Volume IV [Internet]. Brasília (Brasil): CONASS; 2006. Available from: http://www.conass.org.br/admin/arquivos/NT%2013-06.pdf).

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3 LIMITES DA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE

De imediato, observa-se que o direito à saúde não pode sofrer limites. Até

porque valores como a vida, não podem sofrer restrições. Porém, o direito à saúde

encontra muitas dificuldades quanto à sua efetivação pelo Poder Público. Nesse

sentido, Gouvêa (texto judicial) explica que, se necessário, os direitos fundamentais

podem ser “judicialmente concretizados”:

Dizer que os direitos fundamentais preexistem à ordem positiva significa que a lei não os cria, mas antes os reconhece. Os direitos fundamentais são declarados pelo legislador; esta declaração não cria o direito, apenas o certifica, de tal modo que, mesmo não estando positivados, estes direitos devem ser observados e, se necessário, judicialmente concretizados. [...]. Se a lei não cria os direitos fundamentais, mas apenas os reconhece, então deve-se admitir a possibilidade de a lei ter-se equivocado, para mais como para menos. A doutrina dos direitos fundamentais propõe a existência de um critério jurídico-cognitivo, e não político, para a detecção de situações jurídicas fundamentais. Desta forma, a última palavra acerca da existência de um direito fundamental cabe ao Judiciário, e não aos órgãos investidos politicamente (GOUVÊA, texto digital).

Tomando-se em consideração o fato de que a vida é um direito fundamental,

assim como o direito à saúde, ressalta Silva (2005, p. 198): “De nada adiantaria a

Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade,

a liberdade, o bem estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos”.

Silva (2005, p. 197) ainda pondera que a vida é algo dinâmico:

Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida.

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Ainda em relação ao direito à vida, interessante fazer referência ao

entendimento de Spitzcovsky:

Importante consignar, também, que a previsão do direito à vida possui uma íntima relação com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, vale dizer, o da Dignidade da Pessoa Humana, relacionado no art. 1.º, III, da CF, cujo conteúdo demanda investigações para que não se torne letra morta. Em outras palavras, qualquer previsão legal, qualquer atitude tomada pelo Poder Público que provoque como conseqüência o esvaziamento do direito à vida trará, como corolário, o desrespeito à dignidade da pessoa humana, pois são dois vetores considerados igualmente fundamentais pela Constituição. Estabelecida, portanto, a relação entre o serviço de saúde e os conceitos de direito à vida e dignidade da pessoa humana, cumpre observar que a execução daquele, desconsiderando ou mesmo enfraquecendo esses valores básicos fixados pela Constituição, torna-se, além de inadmissível, inconstitucional (SPITZCOVSKY, 2006, texto digital).

Segundo Bobbio, as normas “atribuem direitos ao homem”:

O campo dos direitos do homem - ou, mais precisamente, das normas que declaram, reconhecem, definem, atribuem direitos ao homem - aparece, certamente, como aquele onde é maior a defasagem entre a posição da norma e sua efetiva aplicação. E essa defasagem é ainda mais intensa precisamente nos direitos sociais. Tanto é assim que, na Constituição italiana, as normas que se referem a direitos sociais foram chamadas pudicamente de ‘programáticas’. Será que já nos perguntamos alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam, proíbem ou permitem hic et nunc, mas ordenam, proíbem e permitem num futuro indefinido e sem um prazo de carência claramente delimitado? E, sobretudo, já nos perguntamos alguma vez que gênero de direitos são esses que tais normas definem? Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiadossine die, além de confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o ‘programa’ é apenas uma obrigação moral ou, no máximo, política, pode ainda ser chamado de ‘direito’? (BOBBIO, 1992, p. 77-78).

No ensinamento de Bulos (2003, p. 1291), a “saúde é o estado de completo

bem-estar físico, mental e espiritual do homem e, não apenas, a ausência de

afecções e doenças”. Compete conferir jurisprudência pertinente ao direito à saúde

no caso de fornecimento de medicamentos em que o desembargador Luiz Mateus

de Lima aborda a previsão orçamentária, o princípio da separação dos poderes e o

princípio da reserva do possível:

[...] O art. 196 da Carta Magna consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade, menor sofrimento e melhor qualidade de vida. O fato de a medicação postulada não constar nos Protocolos Clínicos e nas Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde, não deve implicar em restrição ao seu fornecimento, pois tais protocolos clínicos, sendo normas de inferior hierarquia, não podem prevalecer em relação ao direito constitucional à saúde e à vida. A ausência de previsão orçamentária não justifica a recusa ao fornecimento do remédio, posto que uma vez que existe o dever do Estado, impõe-se a superação deste obstáculo através

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dos mecanismos próprios disponíveis em nosso ordenamento jurídico. A concessão do medicamento não implica em violação ao Princípio da Separação dos Poderes, pois, como resulta evidenciado, a vida é direito subjetivo indisponível (indispensável), devendo prevalecer em qualquer situação. Não há falar em violação ao Princípio da Reserva do Possível, vez que não se deve discutir matéria orçamentária quando a própria Constituição Federal prevê o orçamento de seguridade social, com recursos originários das três fontes que integram o sistema unificado de saúde. Ainda que o feito tenha tramitado em Vara estatizada, tal fato não isenta a Fazenda Pública do pagamento das custas processuais. Isto porque, nas varas estatizadas, as custas judiciais não são recolhidas aos cofres estatais, mas sim ao Funjus, que se trata de órgão dotado de autonomia administrativa e financeira, garantida pelo art. 99 da Constituição Federal, não possuindo tal órgão qualquer vinculação orçamentária com os Poderes Executivo Estadual ou Judiciário. (Pet. nº 11982002, TJ-PR, 3ª Vara. Cív., Rel. Des. Luiz Mateus de Lima, j. 13/06/2014).

O presente capítulo mostrará que, no momento em que o Poder Judiciário

protege o direito à saúde através da sua função jurisdicional, invade a esfera

administrativa que a rigor é de competência dos Poderes Executivo4 ou Legislativo5.

Assim, diante de uma aparente colisão dos direitos à vida e à saúde com os

princípios da separação de poderes, da previsão orçamentária e da reserva do

possível, deve prevalecer o direito fundamental à vida, dada sua grandeza.

3.1 Princípio da separação dos poderes

A análise do princípio da separação dos poderes no presente estudo se dá

em razão da interferência do Judiciário, quando instado, nas escolhas do Estado nas

causas relativas à efetivação do direito à saúde. Nesse sentido, interessante citar

Montesquieu a respeito da separação dos poderes:

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; Porque se pode temer que o mesmo monarca ou mesmo o senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo,

4 Para Silva o Poder Executivo “[...] de modo geral, que se trata de órgão constitucional (supremo)

que tem por função a prática de atos de chefia de estado, de governo e de administração” (SILVA, 2005, p. 542).

5 Para Moraes as “funções típicas do Poder Legislativo são legislar e fiscalizar, tendo ambas o mesmo

grau de importância e merecedoras de maior detalhamento. Dessa forma, se por um lado a Constituição prevê regras de processo legislativo, para que o Congresso Nacional elabore as normas jurídicas, de outro, determina que a ele compete a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Poder Executivo (CF, art. 70) (MORAES, 2003, p. 355).

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o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou um mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as querelas dos particulares. (MONTESQUIEU,1748, traduzido por MURACHCO, 1996, p.168).

Neste sentido, Silva (2005) adverte que o poder é um fenômeno sóciocultural.

O autor ainda explica:

Quer isso dizer que é fato da vida social. Pertencer a um grupo social é reconhecer que ele pode exigir certos atos, uma conduta conforme com os fins perseguidos; é admitir que pode nos impor certos esforços custosos, certos sacrifícios; que pode fixar, aos nossos desejos, certos limites e prescrever, às nossas atividades certas formas. Tal é o poder inerente ao grupo, que se pode definir como uma energia capaz de coordenar e impor decisões visando à realização de determinados fins (SILVA, 2005, p. 106).

O ilustre doutrinador exibe três características fundamentais do poder político:

“unidade, indivisibilidade e indelegabilidade”, e conclui ser impróprio referir-se a

“divisão e delegação de poderes” (SILVA, 2005, p. 107).

Neste contexto, Dallari (2005, p. 216) pondera ser “normal e necessário que

haja muitos órgãos exercendo o poder soberano do Estado, mas a unidade do poder

não se quebra por tal circunstância”.

Ainda, de acordo com Karl Loewenstein, mencionado por André Ramos

Tavares, “o que correntemente se designa como ‘separação dos poderes estatais’ é,

na realidade, distribuição de determinadas funções a diferentes órgãos do Estado”

(LOEWENSTEIN apud TAVARES 2007, p. 1021).

Assim sendo, certo é o uso da expressão separação de funções do Estado.

Segundo Dallari (2005, p. 216), foi no século XVIII que teria nascido a “teoria da

separação dos poderes”.

Destarte, Agra (2002, p. 128) confirma os entendimentos trazidos

anteriormente:

A terminologia separação de poderes foi expressa de forma errônea, porque na verdade o poder que resvala da soberania é uno. O que se reparte são as funções realizadas por esses poderes, de acordo com o que fora estipulado pela Constituição em cada país (AGRA, 2002, p. 128).

É importante saber que no século XVI, conforme a obra “O Príncipe”, de

Maquiavel, na França já havia o Legislativo (parlamento), o Executivo (o rei) e um

Judiciário independente (DALLARI, 2005, p. 218). Posteriormente, na Inglaterra, no

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século XVII, John Locke teria criado a primeira sistematização da Separação dos

Poderes.

Locke aponta a existência de quatro funções fundamentais, exercidas por dois órgãos do poder. A função legislativa caberia ao Parlamento. A função executiva, exercida pelo rei, comportava um desdobramento, chamando-se função federativa quando se tratasse do poder de guerra e de paz, de ligas e alianças, e de todas as questões que devessem ser tratadas fora do Estado. A quarta função, também exercida pelo rei, era a prerrogativa, conceituada como “o poder de fazer o bem público sem se subordinar a regras”. Embora opondo-se expressamente ao absolutismo defendido por Hobbes, Locke não considerou anormal o reconhecimento de uma esfera de poder discricionário do governante, sem atentar para a circunstância de que o bem público, impossível de ser claramente definido, sempre seria um bom pretexto para as decisões absolutistas (DALLARI, 2005, p. 218).

Conforme Dallari (2005), Montesquieu, em 1748, na obra “O espírito das Leis”

(De L’EspritdesLois), entende que a teoria da separação dos poderes figura como

um sistema em que se conjugam um legislativo, um executivo e um judiciário,

harmônicos e independentes entre si. Ainda, segundo o autor, o exercício dos três

poderes pelo mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou

do povo, colocaria tudo a perder.

Em relação à autoria, portanto, a teoria da separação dos poderes permite

controvérsias. Segundo André Ramos Tavares:

Há os que consideram [...] ser Locke seu autor original. Outros, atribuindo a Montesquieu a autoria da doutrina, consideram Locke mero precursor. Finalmente há os que não admitem na obra de Locke nenhuma doutrina da separação dos poderes, entendida como exigência de equilíbrio, mas apenas uma distinção das funções estaduais (TAVARES, 2007, p. 1022)

No entanto, o entendimento majoritário refere que a teoria da separação dos

poderes foi concebida a partir da Grécia antiga, com Aristóteles, que considerava o

exercício do poder por apenas um indivíduo injusto e perigoso (DALLARI, 2005, p.

218). Conforme Moraes (2004, p. 382), a obra “A Política”, de Aristóteles, é

apontada como a que primeiro ilustrou a “Separação dos Poderes”.

Posteriormente e fundamental, foi a teoria da separação dos poderes

idealizada por Charles de Montesquieu, em 1748. Montesquieu leciona que todo

aquele que está no poder tende a dele abusar.

Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou de nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares (MONTESQUIEU, 1987, p. 165).

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Portanto, de acordo com Dallari (2005), a teoria da separação dos poderes,

criada com a finalidade de garantir liberdade e enfraquecer o poder do Estado, em

razão da função desempenhada pela Constituição, tornou-se elemento essencial

das democracias no Estado Moderno.

A separação dos poderes no Brasil se encontra na Constituição da República

como cláusula pétrea no art. 2°: “São Poderes da União, independentes e

harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Conforme Agra (2002, p. 129), “a complexidade das demandas sociais do

Estado moderno, ou pós-moderno, como querem alguns, o campo de atuação dos

poderes tem de ficar entrelaçado, diminuindo-se os limites que separam a atuação

de cada um deles”.

Em relação ao sistema, Dallari (2005, p. 221) argumenta que “a separação

dos poderes não assegurou a liberdade individual nem o caráter democrático do

Estado”:

[...] ele jamais conseguiu assegurar a liberdade dos indivíduos ou o caráter democrático do Estado. A sociedade plena de injustiças criada pelo liberalismo, com acentuadas desigualdades e a efetiva garantia de liberdade apenas para um pequeno número de privilegiados, foi construída à sombra da separação de poderes. Apesar desta, houve e tem havido executivos antidemocráticos e que transacionam de fato com o poder legislativo, sem quebra das normas constitucionais. Não raro, também o legislativo, dentro do sistema de separação de poderes, não tem a mínima responsabilidade, não sendo, portanto, democrático. E seu comportamento, muitas vezes, tem revelado que a emissão de atos gerais obedece às determinações ou conveniências do executivo (DALLARI, 2005, p. 221).

Ainda, o mesmo autor lembra que:

[...] a separação de poderes foi concebida num momento histórico em que se pretendia limitar o poder do Estado e reduzir ao mínimo sua atuação. Mas a evolução da sociedade criou exigências novas, que atingiram profundamente o Estado. Este passou a ser cada vez mais solicitado a agir, ampliando sua esfera de ação e intensificando sua participação nas áreas tradicionais. Tudo isso impôs a necessidade de uma legislação muito mais numerosa e mais técnica, incompatível com os modelos da separação de poderes. O legislativo não tem condições para fixar regras gerais sem ter conhecimento do que já foi ou está sendo feito pelo executivo e sem saber de que meios este dispõe para atuar. O executivo, por seu lado, não pode ficar à mercê de um lento processo de elaboração legislativa, nem sempre adequadamente concluído, para só então responder às exigências sociais, muitas vezes graves e urgentes (DALLARI, 2005, p. 221).

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Assim, a atuação do Poder Judiciário nos casos de ineficácia/omissão estatal

garante a efetivação do direito à saúde, conforme Gouvêa:

Do ponto de vista estritamente gramatical, é inegável que o art. 196 da Constituição possui pouca densidade, na medida em que deixa de definir aspectos importantes do direito que parece instituir: sujeito passivo, prioridades, extensão da saúde assegurada, custeio etc. Entretanto, como salientado linhas acima, é possível sustentar-se, na esteira dos ensinamentos de Canotilho e Ingo Sarlet, que mesmo normas prima facie programáticas podem ter um núcleo jurídico-positivo: embora não se possa obter do Estado uma prestação determinada, pode-se exigir que ao menos alguma atitude, dentre as eficazes, seja tomada diante de um certo problema de saúde. Ressalte-se novamente que, a nosso juízo, a definição do aparelhamento mínimo para direitos com campo de ação amplo, como ocorre com a assistência à saúde, encontra-se inextricavelmente ligada à compreensão que a comunidade de princípios possui do mínimo existencial, compreensão esta que é influenciada por uma série de fatores (econômicos, históricos, culturais, políticos, religiosos etc.). Existindo apenas uma opção de atuação eficaz, que permita a melhoria das condições de saúde ou a manutenção da vida da pessoa interessada, é esta mesma a conduta que deve ser adotada pelo poder público(GOUVÊA, texto digital).

Conforme Gandini (2010, p. 76-77), cabe ao Poder Judiciário controlar o

sistema de freios e contrapesos dos Poderes Executivo e Legislativo, seja por

omissão ou ação.

Um dos argumentos relacionados com a implementação de políticas públicas por determinação do Poder Judiciário é a de que tal medida fere de morte o princípio da separação dos poderes, argumento este com o qual, diga-se de passagem, não concordamos. Explica-se. A implementação de políticas públicas por determinação judicial não representa invasão de poderes nem ofensa à Constituição Federal, pois realizada dentro das peculiaridades do caso concreto e lastreada na dignidade da pessoa humana, ou seja, pela necessidade de preservação do núcleo essencial dos direitos fundamentais, em que se inserem os chamados direitos de subsistência, quais sejam, saúde, moradia, educação e alimentação. Além disso, é preciso reconhecer que a atividade implementadora do Poder Judiciário não lhe autoriza criar políticas públicas, mas apenas implementar as já existentes. Essa atuação do Poder Judiciário, aliás, por mais paradoxal que isso possa parecer, permite uma correta leitura – e até mesmo uma confirmação – da regra da separação dos poderes, pois no sistema de “freios e contrapesos” que essa regra encerra, é cabível ao judiciário controlar os abusos (seja por ação ou por omissão) dos demais poderes no exercício de suas competências.

Barroso (2009, texto digital) entende que é legitima a atuação do Judiciário

sempre que sua atuação for para preservar um direito fundamental, como a saúde.

Como visto, constitucionalismo traduz-se em respeito aos direitos fundamentais. E democracia, em soberania popular e governo da maioria. Mas pode acontecer de a maioria política vulnerar direitos fundamentais. Quando isto ocorre, cabe ao Judiciário agir. É nesse ambiente, é nessa dualidade presente no Estado constitucional democrático que se coloca a

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questão essencial: podem juízes e tribunais interferir com as deliberações dos órgãos que representam as maiorias políticas – isto é, o Legislativo e o Executivo –, impondo ou invalidando ações administrativas e políticas públicas? A resposta será afirmativa sempre que o Judiciário estiver atuando, inequivocamente, para preservar um direito fundamental previsto na Constituição ou para dar cumprimento a alguma lei existente. Vale dizer: para que seja legítima, a atuação judicial não pode expressar um ato de vontade própria do órgão julgador, precisando sempre reconduzir-se a uma prévia deliberação majoritária, seja do constituinte, seja do legislador.

Segundo Dallari (2005, p. 222), a delegação de poderes vem sendo admitida

como acontecimento natural, “exigindo-se apenas que seja limitada no tempo e

quanto ao objeto. Os que ainda temem os efeitos da delegação não a recusam

totalmente, sustentando, porém, que certas competências devem ser consideradas

indelegáveis”. Acrescenta, ainda, que, hoje em dia, a teoria da separação dos

poderes é apontada como meramente formal.

A análise do comportamento dos órgãos do Estado, mesmo onde a Constituição consagra enfaticamente a separação dos poderes, demonstra que sempre houve uma intensa interpenetração. Ou o órgão de um dos poderes pratica atos que, a rigor, seriam de outro, ou se verifica a influência de fatores extralegais, fazendo com que algum dos poderes predomine sobre os demais, guardando-se apenas a aparência de separação (DALLARI, 2005, p. 221).

Para fortalecer este entendimento, Barroso (texto judicial, p. 22) aduz que:

[...] onde não haja lei ou ação administrativa implementando a Constituição, deve o Judiciário agir. Havendo lei e atos administrativos, e não sendo devidamente cumpridos, devem os juízes e tribunais igualmente intervir. Porém, havendo lei e atos administrativos implementando a Constituição e sendo regularmente aplicados, eventual interferência judicial deve ter a marca da autocontenção.

Conforme Dallari (2005), a delegação de poderes e a transferência

constitucional de competências são soluções:

[...] artificiais, pois mantêm uma organização sem manterem o funcionamento que determinou sua criação. Na verdade, as próprias exigências de efetiva garantia de liberdade para todos e de atuação democrática do Estado requerem deste maior dinamismo e a presença constante na vida social, o que é incompatível com a tradicional separação de poderes. É necessário que se reconheça que o dogma da rígida separação formal está superado, reorganizando-se completamente o Estado, de modo a conciliar a necessidade de eficiência com os princípios democráticos (DALLARI, 2005, p. 222).

O Poder Judiciário tem o papel de proteger e garantir os direitos humanos.

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O Poder Judiciário cumpre um determinante papel na construção, proteção e garantia da efetividade dos direitos humanos, dentro da tradicional estrutura tripartite de poderes herdada da modernidade. Se uma sociedade na qual a cidadania se realiza é aquela que tem amplo acesso aos direitos, significa afirmar que estes direitos são realizados ou respeitados, e também que, quando são violados, aos mesmos é atribuída a devida proteção e garantia jurisdicional, o que torna a questão do papel do Judiciário um ponto central das discussões sobre o tema dos direitos humanos e, ainda mais, da eficácia dos direitos humanos (BITTAR, 2005, p. 306).

À luz do princípio da separação dos poderes, as funções estatais são, a priori,

independentes. Porém, há interferência do Poder Judiciário no Poder Executivo no

momento em que este não cumpre seu papel de garantir os anseios da sociedade,

bem como os direitos fundamentais, ou seja, a concretização do direito à saúde.

3.2 Previsão orçamentária

Diante da necessidade de haver previsão orçamentária, o Estado passou a

apregoar a necessidade de sua observância nas decisões judiciais que versam

sobre o direito à saúde.

Antes de tudo, para que se possa entender a previsão orçamentária, faz-se

necessário conceituar a palavra orçamento de acordo com o entendimento

doutrinário.

Silva (2005) conceitua orçamento como:

[...] o processo e o conjunto integrado de documentos pelos quais se elaboram se expressam, se aprovam, se executam e se avaliam os planos e programas de obras, serviços e encargos governamentais, com estimativa da receita e fixação das despesas de cada exercício financeiro (SILVA, 2005, p. 738).

Nesse diapasão, Bulos (2003, p. 1191) entende que orçamento “[...] é o termo

correlacionado às finanças públicas, significando o ato que prevê e autoriza a receita

e a despesa das entidades político-administrativas, por um certo lapso de tempo”.

Importa, ainda, trazer outra conceituação acerca do termo orçamento:

[...] ato pelo qual o Poder Legislativo prevê, e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas por lei (BALEEIRO apud BRUNO, 2007, p. 22).

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Para Meirelles (apud CARVALHO, 2004, p. 724), orçamento são regras que

“[...] um programa de obras, serviços e encargos públicos, expressos em termos de

dinheiro, com estimativa da receita e fixação da despesa, a ser executado dentro de

um exercício financeiro”.

Conforme Carvalho (2004, p. 724) “a atividade financeira do Estado encontra

no orçamento disciplina normativa que a delimita do ponto de vista da previsão da

receita e fixação da despesa num determinado período”.

O orçamento público no Brasil é composto por três leis – o plano plurianual

(PPA)6, a lei de diretrizes orçamentárias (LDO)7 e a lei orçamentária anual (LOA)8 , a

fim de planejar as despesas da União, Estados e Municípios.

O ilustre doutrinador Meirelles (2006, p. 267) entende que “a lei do plano

plurianual deve estabelecer, de forma regionalizada, as diretrizes e metas da

Administração Municipal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e

para as relativas aos programas de duração continuada”.

Em relação ao art. 165, § 2º, da Constituição da República, a LDO, conforme

Meirelles (2006, p. 268):

[...] deve estabelecer as metas e prioridades da Administração Municipal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientar a elaboração da lei orçamentária anual (LOA), dispor sobre as alterações na legislação tributária local e ser aprovada até o final do primeiro semestre de cada ano (CF, art. § 2º).

Nesse sentido, a Constituição da República veda, no art. 167, entre outras

medidas: I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária

anual; II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que

6BRASIL. Lei 12.593/12. Institui o Plano Plurianual da União para o período de 2012 a 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Lei/L12593.htm>.Acesso em: 13 maio 2015. 7BRASIL. Lei 13.080. Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2015 e dá outras providências.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13080.htm>. Acesso em: 13 maio 2015. 8BRASIL. Lei 13.115. Estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13115.htm>.Acesso em: 13 maio 2015.

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excedam os créditos orçamentários ou adicionais. Nos dizeres de Achoche (2008

texto digital):

Todo o juiz é um juiz constitucional e por força dessa investidura é guardião da aplicabilidade direta e imediata do direito fundamental à saúde e das promessas democráticas plasmadas no texto constitucional, não sendo factível questionar-se a legitimidade ou competência do juiz para dirimir as questões atinentes à saúde [...].

Acerca do PPA, disposto no art. 165, inciso I, da Carta Magna, Bruno (2007,

p. 36) alude que o plano plurianual “[...] é a principal ferramenta para um

planejamento de médio e longo prazo, que orienta e permite a elaboração dos

demais planos e programas de governo”.

Destarte, Bulos (2003, p. 1199) considera que:

[...] o princípio da universalidade faz-se indispensável à organização e administração dos orçamentos públicos, completando-se, inevitavelmente, com a regra do orçamento bruto, pelo qual as parcelas da receita e das despesas não devem ser reduzidas, mas sim incluídas no orçamento anual dos Poderes, fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta.

Finalmente, Silva (2005) mostra com prioridade que o sistema orçamentário

constituído pela Constituição é moderno.

A constituição institui um sistema orçamentário efetivamente moderno. Abre amplas possibilidades à implantação de um sistema integrado de planejamento do orçamento-programa, de sorte que o orçamento fiscal, os orçamentos de investimentos de empresas e o orçamento da seguridade social passam a constituir etapas do planejamento de desenvolvimento econômico e social, ou, se quiser, conteúdo dos planos e programas nacionais, regionais e setoriais, na medida em que estes tem que compatibilizar-se com o plano plurianual que é o instrumento que estabelece as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada, que integrarão o orçamento anual, em cada ano, e por ela executadas anualmente.

Trata-se de planejamento estrutural, porque todos os planos e programas têm suas estruturas estabelecidas segundo o plano plurianual (art. 165, § 4º). Essa integração do orçamento público com o econômico [como assinala Alejandro Ramirez Cardona] garante a necessária coordenação entre a política fiscal (intervencionismo indireto) e a política econômica (intervencionismo direto). [...] Essa integração, agora bem caracterizada na sistemática orçamentária da Constituição, é que dá configuração à concepção de orçamento-programa.

Cumpre, contudo, observar que a integração, referida acima, tem caráter dinâmico, como é próprio das estruturas. Não se trata, por isso, de simples justaposição de planos, mas de uma vinculação permanente e contínua, que não admite ininterrupção, de sorte que os planos mais gerais ou globais abrangem os mais concretos e a execução destes leva à materialização daqueles (SILVA, 2005, p. 737).

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É importante enfatizar a decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello no

exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal (Pet 1.246-MC/SC):

[...] entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5°, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana.

Vê-se que a doutrina e a jurisprudência vem se mostrando robustas ao

manifestarem a supremacia dos direitos fundamentais, mormente a concretização do

direito à saúde. Nesse contexto, incumbe ao Estado a obrigação de efetivar as

prestações de saúde, promovendo medidas preventivas e de recuperação, nos

termos do art. 196 da Constituição da República.

3.3 A reserva do possível

Diante da limitação dos recursos orçamentários para efetivar o direito

constitucional à saúde, o Estado passou a adotar como subterfúgio a teoria da

reserva do possível.

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. MUNICÍPIO DE PASSO FUNDO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. BLOQUEIO DE VALORES. PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. 1. A responsabilidade solidária entre a União, os Estados-Membros e os Municípios pelo fornecimento gratuito de tratamento a doentes necessitados decorre de texto constitucional (CF, art. 23, inc. II e art. 196). 2. O diploma de direito processual, em seu artigo 461, § 5º, autoriza o julgador a adotar as medidas necessárias a fim de dar efetividade à tutela antecipada, dentre elas o bloqueio de valores. 3. O bloqueio de valores não é uma imposição ao Estado, mas uma alternativa, que somente será imposta se não cumprir com a obrigação de fornecer os medicamentos ao agravado, sendo inclusive menos onerosa à Fazenda Pública do que a imposição de multa diária. 4. Inexistência de afronta ao princípio da reserva do possível, que na casuística não pode servir de condicionante ao direito constitucional à saúde, uma vez que não há prova da ausência de disponibilidade financeira do ente público, bem como razoável a pretensão deduzida, considerando a necessidade de a parte autora ter acesso à medicação. 5. Descabe ao Município alegar falta de previsão orçamentária, dado que a própria Carta Constitucional lhe determina reserva de verba pública para atendimento às demandas referentes à saúde pública. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70054553847, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Maia, Julgado em 05/09/2013).

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A teoria da reserva do possível teve origem na Alemanha, no início dos anos

de 1970, a fim de amparar a “limitação dos direitos sociais a prestações materiais de

acordo com as capacidades financeiras do Estado, vez que seriam financiados pelos

cofres públicos” (OHLAND, 2010, p. 30).

Para entendê-la, é indispensável buscar sua conceituação na doutrina. Assim,

Barcellos (2008, p. 261) expõe que:

[...] a expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades quase sempre finitas a serem por eles supridas. No que importa ao estudo aqui empreendido, a reserva do possível significa que, além das discussões jurídicas sobre o que se pode exigir judicialmente do Estado – e em última análise da sociedade, já que é esta que o sustenta –, é importante lembrar que há um limite de possibilidades materiais para esses direitos.

Também é importante trazer o entendimento do jurista alemão Alexy (2011, p.

69):

[...] em uma constituição como a brasileira, que conhece direitos fundamentais numerosos, sociais generosamente formulados, nasce sobre esse fundamento uma forte pressão de declarar todas as normas não plenamente cumpríveis, simplesmente, como não vinculativas, portanto, como meras proposições programáticas. A teoria dos princípios pode, pelo contrário, levar a sério a constituição sem exigir o impossível. Ela declara as normas não plenamente cumpríveis como princípios que, contra outros princípios, devem ser ponderados e, assim, estão sob uma “reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo pode requerer de modo Razoável da sociedade”.

Sarlet e Figueiredo (2008) se manifestam no mesmo sentido do predito autor:

De acordo com a noção de reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do estado, uma vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos. A partir disso, a ‘reserva do possível’ (Der VorbehaltdesMoglichen) passou a traduzir (tanto para a doutrina majoritária, quanto para a jurisprudência constitucional na Alemanha) a idéia de que os direitos sociais a prestações materiais dependem da real disponibilidade esta que estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público. Tais noções foram acolhidas e desenvolvidas na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, que, desde o paradigmático caso numerusclausus, versando sobre o direito de acesso ao ensino superior, firmou entendimento no sentido de que a prestação reclamada deve corresponder àquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade. Com efeito, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável. Assim, poder-se-ia sustentar que não haveria como impor ao Estado a prestação de assistência social e alguém que efetivamente não faça jus o benefício, por dispor, ele próprio, de

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recursossuficientes para seu sustento. O que, contudo, corresponde ao razoável também depende - de acordocom a decisão referida e boa parte da doutrina alemã – da ponderação por parte do legislador (SARLET; FIGUEIREDO, 2008, p. 29-30).

Marcos Masseli Gouvêa explica que há diferença entre a reserva do possível

fática e reserva do possível jurídica:

Diversamente das omissões estatais, as prestações estatais positivas demandam um dispêndio ostensivo de recursos públicos. Ao passo em que estes recursos são finitos, o espectro de interesses que procuram suprir é ilimitado, razão pela qual nem todos estes interesses poderão ser erigidos à condição de direitos exigíveis. A doutrina denomina reserva do possível fática a este contingenciamento finance do possível fática iro a que se encontram submetidos os direitos prestacionais. Muitas vezes, os recursos financeiros até existem, porém não há previsão orçamentária que os destine à consecução daquele interesse, ou licitação que legitime a aquisição de determinado insumo: é o que se denomina reserva do possível jurídica. (GOUVÊA, texto digital).

Cumpre, ainda, apresentar o posicionamento da doutrina pátria, que reduz a

reserva do possível ao chamado “mínimo existencial”, que, conforme Neto (2008, p.

151), é o “mínimo necessário a uma existência condigna”. E mais, “[...] o mínimo

existencial está em constante tensão com a reserva do possível, sendo difícil

estabelecer, de modo abstrato, qual deles e em que situações deverá prevalecer”

(NETO, 2008, p. 151).

O doutrinador Treisch (apud LEIVAS, 2006, p. 135) conceitua o mínimo

existencial como:

[...] a parte do consumo corrente de cada ser humano, seja criança ou adulto, que é necessário para a conservação de uma vida humana digna, o que compreende a necessidade de vida física, como a alimentação, vestuário, moradia, assistência à saúde, etc. (mínimo existencial físico) e a necessidade espiritual-cultural, como educação, sociabilidade, etc. Compreende a definição do mínimo existencial tanto a necessidade física como também cultural-espiritual, então se fala de um mínimo existencial cultural.

Em suma, os direitos sociais são a garantia do mínimo existencial, pois:

[...] argumenta-se que as prestações necessárias à efetivação dos direitos fundamentais dependem sempre da disponibilidade financeira e da capacidade jurídica de quem tenha o dever de assegurá-las. Por conta de tal objeção, sustenta-se que os direitos a prestações e o mínimo existencial encontram-se condicionados pela assim designada ‘reserva do possível’ e pela relação que esta guarda, entre outros aspectos, com as competências constitucionais, o princípio da separação dos Poderes, a reserva de lei orçamentária, o princípio federativo [...] (SARLET; FIGUEIREDO, 2008, p. 27).

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Contudo, para a efetivação dos direitos sociais, como o direito à saúde, por

exemplo, são necessários recursos financeiros. Assim, com supedâneo na reserva

do possível, o Estado deixaria de tomar certas decisões que objetivam diminuir as

desigualdades sociais. Nesse sentido, Canotilho (1998) entende que a justificativa

da reserva do possível não se mostra bastante para deixar de efetivar os direitos

sociais:

[...] Quais são no fundo, os argumentos para reduzir os direitos sociais a uma garantia constitucional platônica? Em primeiro lugar, os custos dos direitos sociais. Os direitos de liberdade não custam, em geral, muito dinheiro, podendo ser garantidos a todos os cidadãos sem se sobrecarregarem os cofres públicos. Os direitos sociais, pelo contrário, pressupõem grandes disponibilidades financeiras por parte do Estado. Por isso, rapidamente se aderiu à construção dogmática da reserva do possível (Vorbehaltdes Moglichen) para traduzir a idéia de que os direitos só podem existir se existir dinheiro nos cofres públicos. Um direito social sob ‘reserva dos cofres cheios’ equivale, na prática, a nenhuma vinculação jurídica. (CANOTILHO, 1998, p. 477).

Conforme Sarlet (2003), a reserva do possível não pode servir de barreira

para a efetivação dos direitos sociais:

Como dá conta a problemática posta pelo “custo dos direitos”, por sua vez, indissociável da assim designada “reserva do possível” (que não pode servir como barreira intransponível à realização dos direitos a prestações sociais), a crise de efetividade vivenciada com cada vez maior agudeza pelos direitos fundamentais de todas as dimensões está diretamente conectada com a maior ou menor carência de recursos disponíveis para o atendimento das demandas em termos de políticas sociais. Com efeito, quanto mais diminuta a disponibilidade de recursos, mais se impõe uma deliberação responsável a respeito de sua destinação, o que nos remete diretamente à necessidade de buscarmos o aprimoramento dos mecanismos de gestão democrática do orçamento público (SARLET, 2003, p. 355).

De acordo com o entendimento de Barroso (2003, p. 38):

A dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade. O conteúdo jurídico do princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais. Seu núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade. Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade. O elenco de prestações que compõe o mínimo existencial comporta variação conforme a visão subjetiva de quem o elabore, mas parece haver razoável consenso de que inclui: renda mínima, saúde básica e educação fundamental. Há ainda, um elemento instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a exigibilidade e efetivação dos direitos.

Por fim, Streck afirma que:

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Sendo a Constituição brasileira, pois, uma Constituição social, dirigente e compromissária – conforme o conceito que a doutrina constitucional contemporânea cunhou e que já faz parte da tradição – é absolutamente lógico afirmar que o seu conteúdo está voltado/dirigido para o resgate das promessas da modernidade. Daí que o Direito, enquanto legado da modernidade – até porque temos (formalmente) uma Constituição democrática – deve ser visto, hoje, como um campo necessário de luta para implantação das promessas modernas (igualdade, justiça social, respeito aos direitos fundamentais, etc.) (STRECK, 2004, p. 15).

Nesse sentido, em relação a intervenção do Poder Judiciário no fornecimento

de medicamentos, por exemplo, explica Kelbert (2011, p. 76):

Ao conceber os direitos sociais como direitos fundamentais, o Estado brasileiro assumiu um compromisso para com a sua efetivação, o que significa que deve pautar sua atividade com vistas à realização daqueles direitos.

O Ministro Luiz Fux entende que é necessário priorizar a efetivação dos

direitos fundamentais da Constituição:

A escassez de recursos públicos, em oposição à gama de responsabilidades estatais a serem atendidas, tem servido de justificativa à ausência de concretização do dever-ser normativo, fomentando a edificação do conceito da 'reserva do possível'. Porém, tal escudo não imuniza o administrador de adimplir promessas que tais, vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais, quanto mais considerando a notória destinação de preciosos recursos públicos para áreas que, embora também inseridas na zona de ação pública, são menos prioritárias e de relevância muito inferior aos valores básicos da sociedade, representados pelos direitos fundamentais. O MIN. CELSO DE MELLO discorreu de modo lúcido e adequado acerca do conflito entre deficiência orçamentária e concretização dos direitos fundamentais: 'Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à 'reserva do possível' (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, 'The CostofRights', 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. (...) Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da 'reserva do possível' – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade" (Recurso Especial nº 811.608/RS, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 15/05/2007, publicado em 04/06/2007).

De fato, os recursos orçamentários do Estado são escassos, porém, como

demonstrado, a teoria da reserva do possível não pode ser usada como limitação à

efetivação dos direitos e garantias fundamentais. Por conseguinte, ela não pode ser

utilizada em decisões administrativas ou judiciais, as quais devem levar em

consideração o mérito em questão, a saúde.

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4 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE COMO GARANTIA DA EFETIVAÇÃO DE DIREITO FUNDAMENTAL

Disse, digo, direi sempre: O saber contra a ignorância, a saúde contra a doença, a vida contra a morte... Mil reflexos da Batalha Permanente em que estamos todos envolvidos [...] (VIDAS LUSÓFONAS, texto digital).

Inicialmente, deve-se mencionar que a saúde é, de maneira explícita, um

direito fundamental social e dever do Estado. Assim, ela deve ser garantida

mediante políticas sociais e públicas que possibilitem ações e serviços para sua

promoção, proteção e recuperação de forma justa e igualitária.

Streck (2007, p. 310) evidencia a importância da interpretação constitucional

dos direitos sociais:

Do mesmo modo, percebemos a Constituição “como” Constituição quando a confrontamos com a sociedade para a qual é dirigida; percebemos a Constituição “como” Constituição quando examinamos os dispositivos que determinam o resgate das promessas da modernidade e quando, através de nossa consciência histórica, nos damos conta da falta (ausência) de justiça social; percebemos a Constituição “como” Constituição quando constatamos, por exemplo, que os direitos sociais somente foram integrados ao texto da Constituição exatamente porque a imensa maioria da população não os tem [...].

Em relação à efetivação do direito social à saúde Paranhos (2007, p. 171)

ensina que:

Diante da deficiência do Estado em disponibilizar à sociedade um serviço público de saúde pleno, deve o interessado buscar no processo constitucionalizado a elaboração de provimentos judiciais, de forma a obrigar a Administração Pública a cumprir o dever que lhe foi imposto pela norma constitucional, visando alcançar o mesmo resultado prático que decorreria do adimplemento, se eficientes as políticas públicas voltadas para esse fim.

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Diante disso, este estudo tem o objetivo de demonstrar a grandeza do direito

à saúde, por entendê-lo como pressuposto fundamental à vida. Para tanto, o

presente capítulo aborda o fenômeno da judicialização da saúde como garantia da

efetivação do direito à saúde, direito este, elencado dentre os direitos sociais do art.

6º da Constituição da República.

4.1 A judicialização da saúde

É importante apreciar alguns significados do termo judicialização, que se

torna constante no âmbito jurídico.

Segundo Barroso (texto digital, p. 6): “A Judicialização, no contexto brasileiro,

é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e

não um exercício deliberado da vontade política”. O autor ainda destaca que:

Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral (BARROSO, texto digital, p. 3).

O Poder Judiciário passa a exercer com maior frequência as suas funções

atípicas9, conforme Barroso (texto digital, p. 3) complementa:

[...] Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro.

Segundo Ordacgy (2007), a precariedade do fornecimento de medicamentos

gratuitos pelo Poder Público deu origem ao fenômeno da judicialização da saúde.

Neste sentido, ele refere que:

A notória precariedade do sistema público de saúde brasileiro, bem como o insuficiente fornecimento gratuito de medicamentos, muitos dos quais demasiadamente caros até para as classes de maior poder aquisitivo, têm

9Para Lenza 2007, p. 325. Função típica do Poder Judiciário é: Julgar (função juris-dicional), dizendo o direito no caso concreto e os conflitos que lhe são levados, quando da aplicação da lei e função atípica é: a) Natureza legislativa: regimentointerno de seus tribunais (art. 96, I, “a”); b) Natureza executiva: administra, v.g., ao conceder licenças e férias aos magistrados e serventuários (art. 96, I, “f).

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feito a população civil socorrer-se, com êxito, das tutelas de saúde para a efetivação do seu tratamento médico, através de provimentos judiciais liminares, fenômeno esse que veio a ser denominado de “judicialização” da Saúde (ORDACGY, 2007, texto digital).

Assim, Franco (2012) mostra a importância conferida ao direito à saúde, em

que se constata que os Poderes Executivo e Legislativo tem se mostrado omissos

quanto aos seus deveres.

Por esse motivo, dada a essencialidade do direito à saúde, que não tolera sonegação impunemente, e tendo em vista o fortalecimento do Poder Judiciário jungido à sedimentação dos atributos inerentes à cidadania, tem sido crescente o número de ações judiciais que têm por finalidade obrigar o Poder Público a conceder medicamentos ou tratamentos médicos, o que se denomina de Judicialização do direito à saúde (FRANCO, 2012, texto digital).

Curiosamente, para parte da doutrina, o fenômeno da judicialização da saúde

vem sendo entendido como violação ao princípio da separação dos poderes, da

previsão orçamentária e do princípio da reserva do possível. Em contraponto a

esseentendimento, necessário transcrever excerto do relatório proferido pelo

Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal, na Suspensão da Tutela

Antecipada – STA 175-CE, em 17 de março de 2010, p. 8.:

A dependência de recursos econômicos para a efetivação dos direitos de caráter social leva parte da doutrina a defender que as normas que consagram tais direitos assumem a feição de normas programáticas, dependentes, portanto, da formulação de políticas públicas para se tornarem exigíveis. Nesse sentido, também se defende que a intervenção do Poder Judiciário, ante a omissão estatal quanto à construção satisfatória dessas políticas, violaria o princípio da separação dos Poderes e o princípio da reserva do financeiramente possível.

Por oportuno, pertinente trazer entendimento da ilustre Juíza de Direito

Rudimch (texto digital), no sentido de que a judicialização da saúde causaria um

colapso no sistema público de saúde, em virtude da violação do orçamento público,

que não é levado em consideração nas decisões judiciais.

Não resta dúvida de que o fenômeno da judicialização da saúde pública existe e, se não tratado da maneira adequada, poderá gerar prejuízos, não só aos cidadãos, como também ao Estado, em razão da desestruturação do orçamento público e, até mesmo, diante da possibilidade de um colapso do sistema público de saúde (RUDIMCH, texto digital).

Ora, de acordo com Barroso (texto digital), “o Judiciário é o guardião da

Constituição e deve fazê-la valer, em nome dos direitos fundamentais e dos valores

e procedimentos democráticos, inclusive em face dos outros Poderes”.

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O mesmo autor acresce que:

A primeira grande causa da judicialização foi a redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988. Nas últimas décadas, com a recuperação das garantias da magistratura, o Judiciário deixou de ser um departamento técnico-especializado e se transformou em um verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os outros Poderes (BARROSO, texto digital).

Para Franco (2010), a judicialização entra em cena para efetivar o direito à

saúde.

Decerto, os gastos em saúde pública merecem ser melhor repensados pelo Estado, devendo-se tratá-los como um investimento. Ordinariamente, a ausência de investimentos em saúde conduz à majoração dos recursos destinados à previdência e à assistência social, cabendo ao Estado, como dever finalístico de sua atuação e consoante o princípio constitucional da eficiência, zelar pela melhor destinação dos recursos públicos disponíveis. Nesse contexto, a Judicialização surge como importante fator para que o direito à saúde venha a ser efetivado (de acordo com os parâmetros constitucionais), seja através da salvaguarda direta do bem pretendido pelo cidadão enfermo, seja obrigando, ao menos de forma indireta, o Poder Executivo a ser mais eficiente na condução de suas políticas públicas (FRANCO, 2012, texto digital).

Percebe-se que o Judiciário está cada vez mais sensível a esse tipo de

demanda, a qual tem como efeito inevitável a intervenção no orçamento público,

assim:

[...] o sistema, no entanto, começa a apresentar sintomas graves de que pode morrer da cura, vítima do excesso de ambição, da falta de critérios e de voluntarismos diversos. Por um lado, proliferam decisões extravagantes ou emocionais, que condenam a Administração ao custeio de tratamentos irrazoáveis – seja porque inacessíveis, seja porque destituídos de essencialidade –, bem como de medicamentos experimentais ou de eficácia duvidosa, associados a terapias alternativas. Por outro lado, não há um critério firme para a aferição de qual entidade estatal – União, Estados e Municípios – deve ser responsabilizada pela entrega de cada tipo de medicamento (BARROSO, 2007, p. 3).

Nesse sentido, de acordo com Franco (2012), entende-se que “tais

argumentos não são suficientes para rechaçar a Judicialização”, pois:

[...] uma vez que eles não se sobrepõem ao direito constitucional à saúde, devendo ser ponderados para que este último possa alcançar a sua máxima efetividade. Outrossim, tais argumentos não levam em conta que o maior problema do sistema de saúde pública no Brasil está relacionado com a sua gestão inoperante, não havendo que se falar, ainda, na ausência ou limitação de recursos para essa área quando os gastos em outros setores como publicidade e festas institucionais são significantes (FRANCO, 2012, texto digital).

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Assim, o número de ações judiciais aumenta gradativamente e termina por

acarretar “superposição de esforços e de defesas, envolvendo diferentes entidades

federativas e mobilizando grande quantidade de agentes públicos, aí incluídos

procuradores e servidores administrativos” (BARROSO, 2007, p. 4).

Notadamente, as ações ajuizadas fazem valer, por meio da intervenção do

Judiciário, o direito à saúde, de modo que um direito secundário, como a reserva do

possível, por exemplo, não pode prevalecer sobre o direito fundamental à vida.

Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Filchtiner Figuiredo (2008, p. 217-

218) expõem que:

[...] não se poderá desconsiderar que o direito à saúde, como os demais direitos fundamentais, encontra-se sempre e de algum modo afetado pela assim designada reserva do possível em suas diversas manifestações, seja pela disponibilidade de recursos existentes (que abrange também a própria estrutura organizacional e a disponibilidade de tecnologias eficientes) e pela capacidade jurídica (e técnica) de deles se dispor (princípio da reserva do possível). Por outro lado, a garantia (implícita) de um direito fundamental ao mínimo existencial opera como parâmetro mínimo dessa efetividade, impedindo tanto omissões quanto medidas de proteção e promoção insuficientes por parte dos atores estatais, assim como na esfera das relações entre particulares, quando for o caso. Em outras palavras e apenas retomando aqui o que já havia sido anunciado, em matéria de tutela do mínimo existencial (o que no campo da saúde, pela sua conexão com os bens mais significativos para a pessoa) há que reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestações e uma cogente tutela defensiva, de tal sorte que, em regra, razões vinculadas à reserva do possível não devem prevalecer como argumento a, por si só, afastar a satisfação do direito e exigência do cumprimento dos deveres, tanto conexos quanto autônomos, já que nem o princípio da reserva parlamentar em matéria orçamentária nem o da separação dos poderes assumem feições absolutas. Nesta linha de entendimento, além de significativa doutrina, também já se tem pronunciado a jurisprudência, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Barroso elucida que (texto digital, p. 17): “Os riscos da judicialização e,

sobretudo, do ativismo envolvem a legitimidade democrática, a politização da justiça

e a falta de capacidade institucional do Judiciário para decidir determinadas

matérias.” Em relação à politização da justiça, Santos (2003) esclarece que:

A politização da justiça coloca o sistema judicial numa situação de stress institucional que, dependendo da forma como o gerir, tanto pode revelar dramaticamente a sua fraqueza como a sua força. É cedo para saber qual dos dois resultados prevalecerá, mas não restam dúvidas sobre qual o resultado que melhor servirá a credibilidade das instituições e a consolidação da nossa democracia: que o sistema judicial revele a sua força e não a sua fraqueza (SANTOS, 2003).

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De certo modo, as ações relacionadas à saúde acarretam desconforto entre

os Poderes Judiciário e Executivo, porém, não se pode olvidar que a judicialização

da saúde busca tutelar e efetivar o direito básico do cidadão não concretizado

satisfatoriamente através de políticas públicas. Nesse sentido, Alves argumenta

sobre Direito e Política:

O lugar do Direito na Política está em algum lugar entre a legitimidade das forças que atuam na organização da polis e a construção dos espaços que garantem aos cidadãos a reivindicação e a implementação dos valores e procedimentos que realizam efetivamente a liberdade e a justiça necessárias à vida política e ao próprio direito. Nesse sentido, é mais correto afirmar que não há um lugar do Direito na Política. A subordinação não contempla a interdependência que necessariamente há. Mais correto talvez seja dizer que o Direito e Política compõem o amplo espaço que viabiliza e se materializa pelo exercício da cidadania, e que somente através dela deixa de ser uma abstração, deixa de servir à “peste” para servir ao fim da polis: o bem comum (ALVES, 2004. p. 37).

Segundo Montesquieu (1962, p. 181), os juízes seriam tão-somente "a boca

que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não podem moderar sua

força, nem seu rigor".

Assim, pelo relevante caráter social da judicialização da saúde, o Conselho

Nacional de Justiça (CNJ), em 06 de agosto de 2013, sugeriu a criação de varas

especializadas, para julgar os processos relativos ao direito à saúde. Flávio Dino

(2012, texto digital), ex-presidente do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur),

requereu, em abril de 2012, providências sobre o tema:

A especialização do Judiciário para cuidar das demandas advindas das relações jurídicas formadas a partir do exercício do direito à saúde é, certamente, o modo mais viável para sua efetivação e fruição. Com essa medida, o Judiciário – além de aproximar-se ainda mais dos dramas diários de milhares de pessoas – irá contribuir para humanizar o sistema de saúde, trazendo sentimento e vida para reinos da morte (como bem revelou infeliz frase proferida pelo representante do Conselho Federal de Medicina, Sr. Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti, em Audiência Pública realizada na Câmara dos Deputados no dia 24 de abril de 2012).

Neste mesmo sentido, a Recomendação do CNJ Nº 36, 2011:

Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, com vistas a assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde suplementar.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições; CONSIDERANDO que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada e que são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua

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regulamentação, fiscalização e controle (arts. 197 e 199 da Constituição da República),

[...]

RESOLVE:

I. Recomendar aos Tribunais de Justiça dos Estados e Tribunais Regionais Federais que:

a) celebrem convênios que objetivem disponibilizar apoio técnico, sem ônus para os Tribunais, composto por médicos e farmacêuticos, indicados pelos Comitês Executivos Estaduais, para auxiliar os magistrados na formação de um juízo de valor quanto à apreciação das questões clínicas apresentadas pelas partes, observadas as peculiaridades regionais;

b) facultem às operadoras interessadas o cadastramento de endereços para correspondência eletrônica junto às Comarcas, Seções e Subseções Judiciárias, com vistas a facilitar a comunicação imediata com os magistrados, e, assim, fortalecer a mediação e possibilitar a autorização do procedimento pretendido ou a solução amigável da lide, independentemente do curso legal e regular do processo;

c) orientem os magistrados vinculados, por meio de suas corregedorias, a fim de que oficiem, quando cabível e possível, à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), ao Conselho Federal de Medicina (CFM), ao Conselho Federal de Odontologia (CFO), para se manifestarem acerca da matéria debatida dentro das atribuições de cada órgão, específica e respectivamente sobre obrigações regulamentares das operadoras, medicamentos, materiais, órteses, próteses e tratamentos experimentais.

II. Recomendar à Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) e às Escolas de Magistratura Estaduais e Federais que promovam a realização de seminários para estudo e mobilização na área da saúde, congregando magistrados, membros do Ministério Público e operadoras, a fim de propiciar maior entrosamento sobre a matéria.

III. Recomendar aos Comitês Executivos Estaduais que incluam, dentre os seus membros, um representante de planos de saúde suplementar, no intuito de fomentar o debate com as operadoras, diante dos dados constantes em seus arquivos.

Então, com o objetivo de atender a demanda de ações judiciais que tramitam

pautadas no direito à saúde, o Conselho Nacional de Justiça sugere aos tribunais a

criação de varas especializadas.

De acordo com Dino (2012, texto digital): “Tais dramas não podem ser

banalizados. Não se cuida de uma narrativa ‘fria e objetiva’, mas sim de lágrimas,

dores e funerais [...]”.

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Desse modo, mostra-se justificável o fenômeno da judicialização da saúde,

pois o Judiciário não pode, obviamente, ficar inerte quando chamado para proteger

um direito fundamental garantido pela Constituição.

4.2 A intervenção do Poder Judiciário no fornecimento de medicamentos

Hoje a distribuição de medicamentos é deficiente, tendo em vista os inúmeros

casos em que a carência da população não é suprida. Conforme demonstrado no

site da Federação Nacional dos Farmacêuticos FENAFAR (texto digital), “os valores

gastos pelo Ministério da Saúde para cumprir decisões judiciais que determinavam o

fornecimento de medicamentos de alto custo aumentaram mais de 5.000% nos

últimos seis anos. Foram gastos R$ 2,24 milhões em 2005 contra R$ 132,58 milhões

em 2010”.

Antes de prosseguir, oportuno trazer o conceito de medicamento De Plácido e

Silva:

Medicamentum, derivado do latim, é aplicado vulgarmente para designar o remédio utilizado para a cura das enfermidades, ou para aliviar as dores. E, assim, tanto designa os preparados ou produtos que já se encontram prontos nas farmácias, como os remédios aviados pelos farmacêuticos, em obediência às receitas médicas. Distinguem-se, dizendo-se medicamento preparado e medicamento aviado. O primeiro é produto de laboratório. O segundo, feito na farmácia, conforme prescrição médica, formulada na receita. Os medicamentos preparados dizem-se, tecnicamente, especialidades farmacêuticas. E sob essa denominação são classificados pelas leis fiscais. O suprimento de medicamentos às pessoas, quando necessário, inclui-se na mantença ou assistência que lhes é devida por aqueles que estão obrigados a ela (DE PLÁCIDO E SILVA, 2002).

Ainda, é necessário observar que as prestações concernentes à saúde

exigem a ação do Poder Público para sua efetivação. Segundo Sarlet:

Com efeito, na condição de direito de defesa, o direito à saúde assume a condição de um direito à proteção da saúde e, em primeira linha, resguarda o titular contra ingerências ou agressões que constituam interferências na e ameaças à sua saúde, sejam oriundas do Estado, sejam provindas de atores privados Já no direito a prestações, o direito à saúde pressupõe a realização de atividades por parte do destinatário (o Estado ou mesmo particulares) que asseguram a fruição do direito. Em sentido amplo, abrange a consecução de medidas para salvaguarda do direito e da própria saúde dos indivíduos (deveres de proteção), bem como a organização de instituições, serviços, ações, procedimentos, enfim, sem os quais não seria possível o exercício desse direito fundamental (deveres de organização e procedimento). Em sentido estrito (acompanhando aqui a terminologia proposta por Robert Alexy) a dimensão prestacional traduz- se no

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fornecimento de serviços e bens materiais ao titular desse direito fundamental (atendimento médico e hospitalar, entrega de medicamentos, realização de exames da mais variada natureza, prestação de tratamentos, ou seja, toda uma gama de prestações que tenham por objeto assegurar a saúde de alguém) (SARLET; FIGUEIREDO, 2008, texto digital).

Desse modo, por se tratar de direito social, compete ao Poder Judiciário

absorver tal contenda quando não efetivada pelo Estado. Nesse sentido, eis as

palavras de Martins, referente ao acesso à justiça:

O acesso à justiça, inscrito no rol dos direitos fundamentais, ainda clama por efetividade, que só será alcançada quando os cidadãos tiverem consciência de seus direitos e puderem contar com um Poder Judiciário aberto a demandas populares emergentes, cada vez mais complexas, reflexo das contradições que permeiam a sociedade. Para isto, é necessário que o operador jurídico, consciente de seu papel como agente de transformação social, abandone a feição retórico-legalista e o excessivo formalismo, que caracterizam a visão tradicional do direito, para, mediante uma hermenêutica flexível e criativa, construir uma ‘práxis emancipatória’, comprometida com a satisfação dos anseios da sociedade e com a concretização dos direitos fundamentais, sustentáculo da fórmula política do Estado Democrático de Direito (MARTINS, 2000, p. 163-169).

Conforme Lima (texto digital), as ações judiciais destinadas a concretizar o

direito constitucional à saúde, são acolhidas pelo Poder Judiciário:

Em matéria de direito à saúde, é possível perceber, felizmente, que o Judiciário está cada vez mais receptivo a chamar para si a responsabilidade, ainda que subsidiária, de concretizar a vontade constitucional. Os avanços são nítidos, apesar de ainda existirem alguns posicionamentos judiciais que preferem “varrer para debaixo do tapete” os problemas para os quais a sociedade clama por uma resposta jurisdicional (LIMA, texto digital).

Conforme Magalhães (texto digital), há deficiência do sistema de saúde

oferecido pelo Estado, uma vez que, na prática, o direito à saúde não se efetiva pelo

Poder Público. Destarte, transfere-se ao Poder Judiciário o encargo de satisfazer os

casos submetidos à sua apreciação, como se vê:

Considera-se, então que a Judicialização e o Ativismo Judicial fenômenos inerentes do poder Judiciário deverão atender as fronteiras estabelecidas entre os poderes do Estado. Evitando, assim, a desestruturação da conquista democrática social; e assim cabendo ao poder Judiciário a proteção da Carta Constitucional, inclusive do uso inadequado pelos outros Poderes. Como também, deve-se arrazoar que estes fenômenos não surgiram por mera vaidade dos protagonistas do Poder Judiciário, e sim da necessidade de resolver algumas questões que se viram adormecida pelos poderes legislativo e executivo, tendo diversas possibilidades para esta situação, e que este artigo se permitirá o desenvolvimento de uma possível hipótese (MAGALHÃES, texto digital).

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Logo, a população tem legitimidade para pleitear judicialmente o amparo ao

direito constitucional à saúde e, por sua vez, o Estado tem legitimidade passiva, pois

deve fornecer medicamentos. Nesse sentido Lima acrescenta:

A única crítica que pode ser feita refere-se ao déficit de consistência de algumas decisões, explicada em parte pela falta de estrutura da máquina judiciária e mentalidade privatista de alguns juízes. O postulado da reserva de consistência merece ser melhor desenvolvido na prática, inclusive quanto ao seu aspecto de democratização do processo (maior participação da sociedade na jurisdição constitucional), a fim de que o Judiciário possa avançar ao máximo na proteção da supremacia constitucional sem ultrapassar as barreiras que a própria Constituição lhe impõe (LIMA, texto digital).

Entende Moro (2001, p. 90) que “não podem ser desenvolvidas e efetivadas

normas constitucionais sem que o Judiciário reúna argumentos e elementos

suficientes para demonstrar o acerto do resultado que pretende alcançar”.

Veja-se que o direito à saúde é inerente a uma vida digna. Quando não

alcançado pelo Estado, a tutela judicial é extremamente imperiosa para efetivar este

direito, conforme Morais:

A constitucionalização dos direitos humanos fundamentais não significa mera enunciação formal de princípios, mas a plena positivação de direitos, com base nos quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela perante o Poder Judiciário, para a concretização da democracia. A proteção judicial é absolutamente indispensável para tornar efetiva a aplicabilidade e o respeito aos direitos humanos fundamentais previstos na Constituição Federal e no ordenamento jurídico em geral (MORAIS, 2000, p. 3).

É importante destacar a manifestação de Ingo Wolfgang Sarlet:

Embora tenhamos que reconhecer a existência destes limites fáticos (reserva do possível) e jurídicos (reserva parlamentar em matéria orçamentária) implicam certa relativização no âmbito da eficácia e efetividade dos direitos sociais prestacionais, que, de resto, acabam conflitando entre si, quando se considera que os recursos públicos deverão ser distribuídos para atendimento de todos os direitos fundamentais sociais básicos [...] em se tendo em conta que a nossa ordem constitucional (acertadamente, diga-se de passagem) veda expressamente a pena de morte, a tortura e a imposição de penas desumanas e degradantes mesmo aos condenados por crime hediondo, razão pela qual não se poderá sustentar - pena de ofensa aos mais elementares requisitos da razoabilidade e do próprio senso de justiça - que, com base numa alegada (e mesmo comprovada) insuficiência de recursos – se acabe virtualmente condenando à morte a pessoa cujo único crime foi o de ser vítima de um dano à saúde e não ter condições de arcar com o custo do tratamento (SARLET, 2002, p. 13).

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Ainda, nesse sentido, Ricardo Lobo Torres trás o entendimento de que

prevalece o amparo dos direitos fundamentais, em relação reserva do possível e da

separação dos poderes:

A teoria dos direitos fundamentais desponta nos dias de hoje como conceito-chave de nodal importância para a sindicação das prestações materiais do Estado. Além de eventualmente suprir omissões no rol traçado legal e constitucionalmente e de densificar posições jurídicas positivadas de modo incompleto ou vago, ela determina a prioridade das prestações abrangidas no âmbito do mínimo existencial sobre outros encargos do poder público. Este critério jurídico de prioridade é o que permite ao magistrado superar os obstáculos doutrinários da reserva do possível e da separação dos poderes (TORRES, 2008, p. 77).

As omissões administrativas relativas ao fornecimento de medicamentos têm

recebido destaque nos tribunais. Em relação aos preceitos constitucionais, legais e

regulamentares relativos ao direito à ampla assistência farmacêutica, tem-se notado

as repetidas escusas da União, dos Estados e dos Municípios a cumpri-los, o que

leva a um aprofundamento da concentração de posições jurídicas (GOUVÊA, texto

digital).

No caso dos remédios, é imperioso reafirmar que, além de qualquer decisão política, cumpre ao administrador público proporcionar o acesso irrestrito aos medicamentos de caráter essencial, vinculados à noção de mínimo existencial, indispensáveis à manutenção das condições de vida condigna do indivíduo. Nos limites deste patamar mínimo, a disponibilização ou não do medicamento deixa de ser matéria discricionária, tornando-se plenamente judiciável (GOUVÊA, texto digital).

Ainda, segundo Leal (2006, p. 169), compete ao Poder Judiciário a efetivação

do direito à saúde em decorrência da omissão do Poder Público, sendo:

Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta Suprema Corte - que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política "não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado" (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

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As decisões que reconhecem o direito a medicamentos tem teor

mandamental, admitindo, assim, a utilização pelo magistrado de mecanismos de

coerção indireta para sua imposição, como a aplicação de multa (GOUVÊA, texto

digital).

Contudo, insta ressaltar que, conforme Ordacgy:

[...] a atuação jurídica sempre se fará necessária quando existir risco à vida ou à higidez física ou psíquica do paciente, em virtude da não obtenção gratuita dos medicamentos ou da não realização do tratamento médico necessário. Neste caso, em se tratando de paciente hipossuficiente, poderá contar com assistência jurídica integral e gratuita, a ser prestada pela Defensoria Pública, para a satisfação plena do seu direito à saúde (ORDACGY, 2007, texto digital).

Janaina Cassol Machado corrobora o entendimento de que todo o juiz em um

Estado Democrático de Direito:

[...] é um juiz constitucional e por força dessa investidura é guardião da aplicabilidade direta e imediata do direito fundamental à saúde e das promessas democráticas plasmadas no texto constitucional, não sendo factível questionar-se a legitimidade ou competência do juiz para dirimir as questões atinentes à saúde [...] (MACHADO, 2007, texto digital).

Ora, de fato o rol de procedimentos adotados pelo Poder Judiciário visa ao

cumprimento da tutela da saúde, de maneira que o Estado forneça os medicamentos

demandados judicialmente. Nesse sentido, Machado (2007, texto digital) esclarece

que:

[...] cabe ao juiz promover a integração da norma constitucional ao caso concreto (teoria da concretização da constituição) e não se há de falar em ofensa à função precípua do Poder Legislativo, pois o magistrado de primeiro grau, que está próximo da demanda judicial, estará apenas suprindo omissões dos Poderes Legislativo e Executivo no tocante ao cumprimento e à concretização do direito à saúde.

Relevante trazer, também, o entendimento de Sarlet, no que diz respeito à

legitimidade da intervenção do Poder Judiciário:

No que diz com a atuação do Poder Judiciário, não há como desconsiderar o problema da sua prudente e responsável auto-limitação funcional (do assim designado judicial self restraint), que evidentemente deve estar sempre em sintonia com a sua necessária e já afirmada legitimação para atuar, de modo pró-ativo, no controle dos atos do poder público em prol da efetivação ótima dos direitos (de todos os direitos) fundamentais. Que a atuação dos órgãos jurisdicionais – sempre provocada – não apenas não dispensa, como inclusive exige uma contribuição efetiva dos demais atores políticos e sociais, como é o caso do Ministério Público, das agências reguladoras, dos Tribunais de Contas, das organizações sociais de um modo geral, bem como dos cidadãos individualmente considerados, resulta

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evidente, mas nem sempre corresponde a uma prática institucional efetiva nesta seara. [...] reafirmamos nosso entendimento de que embora o conteúdo judicialmente exigível dos direitos sociais como direitos a prestações não possa ser limitado à garantia do mínimo existencial, quando este estiver em causa (e pelo menos nesta esfera) há que reconhecer aquilo que já se designou de direito subjetivo definitivo de prestações (como tem sido o caso de Robert Alexy e José Joaquim Gomes Canotilho, entre outros) e, portanto, plenamente exigível também pela via jurisdicional. As objeções atreladas à reserva do possível não poderão prevalecer nesta hipótese, exigíveis, portanto, providências que assegurem, no caso concreto, a prevalência da vida e da dignidade da pessoa, inclusive o cogente direcionamento ou redirecionamento de prioridades em matéria de alocação de recursos [...]. (SARLET, 2008, p. 36-37).

Para corroborar com este entendimento, pertinente transcrever ementa de

acórdão da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que

faz menção a relevante precedente do Supremo Tribunal Federal:

Ementa: Tal destaque é de grande relevância, pois o cidadão hipossuficiente poderá escolher qual dos entes federativos irá acionar para ver efetivado o seu direito fundamental à saúde e de nada adiantará, como sói acontecer, as argüições, pelo Estado e pelo Município, de ilegitimidade passiva ad causam ou mesmo os pedidos de chamamento ao processo dos demais entes federados. Assim vem decidindo os Tribunais, inclusive em razão do caráter de urgência que norteia as ações em face do Poder Público pleiteando remédios e tratamentos necessários aos hipossuficientes. Transcreve-se assim ementa de anterior Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Desembargador Humberto Mannes, onde destaca acórdão paradigma do Supremo Tribunal Federal, na voz do eminente Ministro Celso de Mello, que, com percuciência e objetividade, sepulta a vazia alegação de que o direito à saúde encontra-se expresso em norma de caráter puramente programático: FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. DOENÇA GRAVE. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE − S.U.S. PODER PÚBLICO MUNICIPAL. OBRIGATORIEDADE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CHAMAMENTO AO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. Administrativo. Saúde Pública. Aposentado pobre e portador do Mal de Alzheimer. Embora conjunta a ação dos entes integrantes do Sistema Único de Saúde, pode o necessitado acionar qualquer deles, ante o princípio concursus partes fiunt, já que a solidariedade, que o excepciona, não se presume (Código Civil, art. 896). Rejeição, por isso, da preliminar de chamamento ao processo da União e do Estado. "O caráter pragmático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política − que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro − não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado" (Supremo Tribunal Federal, AGRRE 27128-RS, 2ª Turma, Relator Ministro Celso de Mello, DJU, de 24.11.2000). Confirmação da sentença que condenou a Fundação Municipal de Saúde de Petrópolis a fornecer os medicamentos necessários conforme ordem médica (Apel. Cív. nº 2002.001.08324, TJ-RJ, 5ª Câm. Cív., Rel. Des. Humberto de Mendonça Mannes, j. 13/08/2002, votação unânime).

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Por fim, o Supremo Tribunal Federal assegurou a interpretação de que o

fornecimento de medicamentos acarreta responsabilidade objetiva do Estado.

Paciente Com HIV/AIDS – Pessoa Destituída De Recursos Financeiros – Direito À Vida E À Saúde – Fornecimento Gratuito De Medicamentos – Dever Constitucional Do Poder Público (CF, arts. 5º, caput, e 196) – Precedentes (STF) – Recurso De Agravo Improvido. O Direito À Saúde Representa Consequência Constitucional Indissociável Do Direito À VIDA – O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria CR (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. – O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQUENTE. – O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. – O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 271286, Relator: Ministro Celso de Mello, 2000).

Conveniente demonstrar dados do Conselho Nacional de Saúde (2011), os

quais mostram um panorama significativo da situação das demandas judiciais que

tramitam em tribunais de todo o Brasil, totalizando 240.980 processos.

[...] Conforme o balanço de maio - realizado pelo CNJ a partir das informações que os tribunais repassam - estes processos tramitam nos tribunais de Justiça e tribunais Regionais Federais das cinco regiões (os tribunais que julgam casos referentes à saúde no Brasil). Embora ainda incompleto - porque faltam ser acrescentadas informações de três tribunais de Justiça: Paraíba, Pernambuco e Amazonas – o balanço revela que as piores situações são encontradas nos Estados do Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça (TJRS) concentra quase metade de todas as demandas do país: 113.953 ações judiciais sobre saúde. Em segundo lugar, São Paulo (TJSP) possui 44.690

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ações. E o Rio de Janeiro (TJRJ) possui 25.234 ações em tramitação. Outros destaques, em menor escala, são os tribunais de Justiça do Ceará (TJCE, com 8.344 ações), Minas Gerais (TJMG, com 7.915 ações) e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4), que compreende os Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina (onde tramitam, atualmente, 8.152 ações). [...] O Ministério da Saúde repassou para o CNJ que, no ano passado, foram gastos R$ 144 milhões do orçamento da União para o cumprimento destas decisões. Para este ano, a previsão é de que o valor com tais gastos será quase 80% maior: de R$ 260 milhões. Em Santa Catarina, o governo estadual divulgou que o valor gasto com o atendimento a demandas judiciais de saúde subiu de R$ 76,4 milhões, em 2009, para R$ 93 milhões em 2010. Em Goiás, as informações são de que o valor subiu de R$ 4,8 milhões em 2009 para R$ 7,7 milhões em 2010. Já Pernambuco, segundo a secretaria de Saúde, apresenta uma situação complicada. O Estado comunicou que despendeu, em 2010, R$ 40 milhões em apenas 600 ações judiciais de saúde. Mas o tribunal de lá (TJPE) não especificou quantos processos referentes à área existem ou estão em tramitação. O governo de São Paulo, por sua vez, divulgou valores que aumentam e são reduzidos constantemente. Em SP, segundo o governo estadual, foram gastos em 2008 R$ 400 milhões no atendimento às demandas judiciais de saúde. O gasto foi 567% maior do que o de 2006 para o atendimento às mesmas demandas - que foi de R$ 60 milhões. Em 2010, o governo divulgou que foram gastos R$ 700 mil.

Diante de tais considerações, percebe-se a necessidade da atuação do Poder

Judiciário na efetivação do direito à saúde, já que é um direito fundamental e o seu

descumprimento pode afetar a dignidade humana e o mínimo existencial. Não

vingam, portanto, os limites impostos pelo Estado à concretização do direito à

saúde, pois o compromisso dele acaba por ser concretizado judicialmente.

4.3 Saúde: direito fundamental (sem) limites

A Constituição da República introduziu no Título II, art. 6º, o direito à saúde no

rol dos Direitos e Garantias Fundamentais. Ainda, inaugurou uma seção específica

nos arts. 196 a 200, os quais garantem o acesso universal, bem como ações e

serviços para a sua promoção, o que demonstra o valor da proteção desse direito

pelo ordenamento jurídico.

Referente ao termo direitos fundamentais, leciona Sarlet:

[...] o termo 'direitos fundamentais' se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional [...] (SARLET, 2003, p. 33).

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Porém, antes de tudo é importante trazer a Declaração Universal dos Direitos

Humanos, que dispõe em seu artigo XXV que:

I) Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Bobbio (2004, p.1) entende que:

O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das Constituições democráticas modernas. A paz, por sua vez, é o pressuposto necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos do homem em cada Estado e no sistema internacional. Ao mesmo tempo, o processo de democratização do sistema internacional, que é o caminho obrigatório para a busca do ideal da “paz perpétua”, no sentido Kantiano da expressão, não pode avançar sem uma gradativa ampliação do reconhecimento e da proteção dos direitos do homem, acima de cada Estado.

No Brasil, de acordo Alexandre de Moraes, o art. 198 da Constituição da

República traz os preceitos relativos ao direito fundamental à saúde:

a) descentralização, com direção única em cada esfera de governo; b) atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; c) participação da comunidade; d) financiamento do Sistema Único de Saúde nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. A Emenda Constitucional n° 20/98 estabeleceu que a lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único da saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos (Constituição Federal, art. 195, § 10); e) liberdade na assistência à saúde para iniciativa privada; possibilidade de as instituições privadas participarem deforma complementar do Sistema Único de Saúde, segundo diretrizes destes, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos;f) vedação à destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos; g) vedação à participação direita e indireta de empresa sou capitais estrangeiros na assistência à saúde no país, salvo nos casos previstos em lei (MORAES, 2007, p. 779).

Vê-se que as ações e serviços referentes à saúde estão regulamentados,

incumbindo ao Poder Público cumprir as disposições. Conforme ensina Sarlet:

Os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado da definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência

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do Estado Constitucional, constituindo neste sentido, não apenas parte da Constituição formal, mas também elemento nuclear da Constituição material (SARLET, 2006, p. 42).

Segundo Ordacgy (2007, texto digital):

A saúde encontra-se entre os bens intangíveis mais preciosos do ser humano, digna de receber a tutela protetiva estatal, pois se consubstancia em característica indissociável do direito à vida. Dessa forma, a atenção à Saúde constitui um direito de todo cidadão e um dever do Estado, devendo estar plenamente integrada às políticas públicas governamentais.

Neste sentido, Moraes expõe as características dos Direitos Fundamentais:

Inalienáveis: são direitos intransferíveis e inegociáveis; Imprescritíveis: não deixam de ser exigíveis em razão do não uso; Irrenunciáveis: nenhum ser humano pode abrir mão da existência desses direitos; Universais: devem ser respeitados e reconhecidos no mundo todo; Limitáveis: podem ser limitados sempre que houver uma colisão de direitos fundamentais (MORAES, 2005, p. 21)

Portanto, os direitos fundamentais visam garantir a todos uma vida digna. Nos

ensinamentos de Alexandre de Moraes, são direitos apontados como:

O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana (MORAES, 2005, p. 21).

Em relação às políticas públicas, Leal define como “ação estratégica” visando

alcançar finalidades de natureza pública:

Em termos conceituais mais gerais e absolutamente modernos, tenho que se possa definir uma política pública como ação estratégica (de instituições ou pessoas de direito público) que visa a atingir fins previamente determinados por finalidades, objetivos e princípios de natureza pública. Tal ação, inexoravelmente, vem marcada por altos níveis de racionalidade programática, caracterizada por medidas organizacionais e de planejamento. [...] é através de ações estatais absolutamente vinculadas/comprometidas com os indicadores para metrizantes de mínimo existencial previamente delimitados, que vai se tentar diminuir a tensão entre validade e faticidade que envolve o Estado e a Sociedade Constitucional e o Estado e a Sociedade Real no Brasil.

Isso me leva a crer na existência daquilo que vou chamar de políticas públicas constitucionais vinculantes, aqui entendidas como aquelas ações que o Texto Político atribui aos Poderes Estatais como efetivadoras de direitos e garantias fundamentais, e todas as decorrentes delas, haja vista os níveis compartidos de responsabilidades entre as entidades federativas brasileiras e a cidadania envolvendo a matéria. [...] II – cuidar da saúde e da assistência públicas [...].

Para cada plexo de garantias outorgadas à responsabilidade estatal vistas, necessitam advir políticas públicas concretizadoras, que se operam em

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diversos níveis de efetivação, tais como os de elaboração, constituição formal, execução e avaliação das ações necessárias, [...]. Tais ações é que denomino de políticas públicas constitucionais vinculantes, independentes da vontade ou discricionariedade estatal para que venham a acontecer, eis que condizentes a direitos indisponíveis e da mais alta importância e emergência comunitárias, perquirindo imediata materialização, sob pena de comprometer a dignidade humana e o mínimo existencial dos seus carecedores (LEAL, 2006, p. 168-169).

Ainda, sobre as esferas jurídica e política, finaliza Rogério Gesta Leal:

[...] quero sustentar que qualquer política pública no Brasil tem como função nuclear a de servir como esfera de intermediação entre o sistema jurídico constitucional (e infraconstitucional) e o mundo da vida Republicano, Democrático e Social que se pretende instituir no país. Em outras palavras, é através de ações estatais absolutamente vinculadas / comprometidas com os indicadores parametrizantes de mínimo existencial previamente delimitados, que vai se tentar diminuir a tensão entre validade e faticidade que envolve o Estado e a Sociedade Constitucional e o Estado e a Sociedade Real no país (LEAL, 2006, p. 1529).

Desse modo, a exigibilidade do direito à saúde pelo Poder Judiciário está

arrimada no art. 5°, XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário

lesão ou ameaça a direito”. José Afonso da Silva (2005. p. 768) afirma que:

Não pode, a toda evidência, porém, a sociedade permanecer à espera de vontade política para a criação de leis e a adoção de práticas que executem os comandos constitucionais. Diante da omissão legislativa ou executiva para a adoção de políticas, emerge, extraordinariamente, ao Judiciário a função de assegurar, por meio da justiciabilidade de políticas públicas, a implementação de políticas públicas que concretizem os ditames constitucionais. A jurisdição constitucional, então, traduz-se em mecanismo de relevância ímpar para garantir a tutela dos direitos fundamentais quando o Estado, por meio do Poder Executivo ou Legislativo, deixar de observar a imposição normativa constitucional, não implementando os mecanismos que efetivem aludidos direitos na forma pretendida constitucionalmente.

A Constituição da República instituiu o direito à vida como fundamental, o qual

deve ser protegido de maneira digna. Nesse diapasão, Spitzcovsky leciona que:

Em nosso País, o direito à existência digna é refletido, entre outros aspectos, pela obrigação atribuída ao Estado e à sociedade de realização de ações integradas para a implementação da seguridade social (art. 194), destinada a assegurar a prestação dos direitos inerentes à saúde, à previdência e à assistência social. Nesse contexto, estão incluídas as ações no campo da saúde, realizadas mediante políticas sociais e econômicas que objetivem a redução dos riscos de doença e de outros agravos, garantindo-se o acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196) (SPITZCOVSKY, 2006).

Assim, no debate concernente à judicialização da saúde, especificamente

acerca de eventual existência de limites para as decisões judiciais, Ingo Wolfgang

Sarlet e Carlos Alberto Molinaro (2010/2011, p. 50-51) entendem:

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[...] o que o próprio art. 196 da CF estabeleceria uma obrigação para o Estado em sua acepção genérica, abrangendo todos os entes federados. A repartição de responsabilidades não seria oponível aos cidadãos e às pessoas, a distribuição de atribuições seria meramente administrativa, não podendo limitar o acesso ao direito fundamental à saúde, ou, expressando de outra forma, o indivíduo não deveria ficar preso e impossibilitado ‘em um cipoal de normas legais e infralegais’ que definem a competência; além do mais, a repartição de competências nem sempre seria muito clara.

De acordo com Oliveira (2006, p. 405), fica inequívoco que:

[...] não se inclui na órbita da competência do Poder Judiciário a estipulação nem a fixação de políticas públicas. No entanto, não se pode omitir quando o governo deixa de cumprir a determinação constitucional na forma fixada. A omissão do governo atenta contra os direitos fundamentais e, em tal caso, cabe a interferência do Judiciário, não para ditar política pública, mas para preservar e garantir os direitos constitucionais lesados.

Conforme Machado (2007), quando o direito à saúde não é materializado pelo

Estado de modo pleno, a obtenção de tal desiderato depende da intervenção do

Poder Judiciário, ocasionando a judicialização da saúde. Aliás, salienta a ilustre

magistrada (2007), que o Poder Judiciário apenas supre omissões dos Poderes

Legislativo e Executivo:

A intervenção do Poder Judiciário na atividade administrativa (= executiva) do Poder Executivo e Legislativo não é indevida, pois não se vislumbra ofensa ao artigo 2º da Constituição, nem a ocorrência da substituição do Estado-administração pelo Poder Judiciário, pois “ao afirmar que os Poderes da União são independentes e harmônicos, o texto constitucional consagrou, respectivamente, as teorias da separação dos poderes e dos freios e contrapesos.

O Ministro Eros Grau destaca que as decisões judiciais se dão pelas

situações da vida e não por teses, teorias ou doutrinas:

Permito-me, ademais, insistir em que ao interpretarmos/aplicarmos o direito - porque aí não há dois momentos distintos, mas uma só operação - ao praticarmos essa única operação, isto é, ao interpretarmos/aplicarmos o direito não nos exercitamos no mundo das abstrações, porém trabalhamos com a materialidade mais substancial da realidade. Decidimos não sobre teses, teorias ou doutrinas, mas situações do mundo da vida. Não estamos aqui para prestar contas a Montesquieu ou a Kelsen,porém para vivificarmos o ordenamento, todo ele. Por isso o tomamos na sua totalidade. Não somos meros leitores de textos --- para o que nos bastaria a alfabetização --- mas magistrados que produzem normas, tecendo e recompondo o próprio ordenamento (Agravo Regimental na Reclamação n.° 3034, STJ, Brasília, 21.09.2006).

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Ora, a Constituição, ao consagrar a saúde como um direito fundamental,

concedeu-lhe proteção e estabeleceu deveres a fim de garantir sua efetividade.

Desse modo, Hesse afirma que:

A Constituição jurídica não significa simples pedaço de papel, tal como caracterizada por Lassalle. Ela não se afigura “impotente para dominar, efetivamente, a distribuição de poder”, tal como ensinado por Georg Jellinek [...]. A Constituição não está desvinculada da realidade histórica concreta de seu tempo. Todavia, ela não está condicionada, simplesmente, por essa realidade. Em caso de eventual conflito, a Constituição não deve ser considerada, necessariamente, a parte mais fraca. Ao contrário, existem pressupostos realizáveis (realizierbare Voraussetzungen) que, mesmo em caso de confronto, permitem assegurar a força normativa da Constituição.

(HESSE, 1991, p. 25).

Tem-se que a Constituição estabelece a essencialidade do direito social à

saúde e deposita no Estado o dever de promover ações destinadas a garantir à

população a sua promoção, proteção e recuperação.

A lei não deve ser observada simplesmente por ser lei, mas por aquilo que ela realiza de justiça. Cumprir a lei fielmente não significa subdividi-la em observâncias minuciosas, criando uma burocracia escravizante; significa, isto sim, buscar nela inspirações para a justiça e a misericórdia, a fim de que o homem tenha vida e relações mais fraternas – Mateus 5:17-20 (PARÓQUIA SANTO ANTÔNIO, texto digital).

Finalmente, conclui-se que o Poder Judiciário deve se posicionar de maneira

decisiva para efetivar o direito à saúde quando houver omissão do Estado. De

acordo com Lenza (2006, p. 530): “O Direito à vida, de forma genérica previsto no

art. 5º. caput, da Constituição Federal, abrange tanto o direito de não ser morto,

privado da vida, portanto o direito de continuar vivo, como também o direito de ter

uma vida digna”. A preocupação reportada aqui visa garantir o direito à saúde, que é

inerente à vida e de valor inestimável.

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5 CONCLUSÃO

A judicialização da saúde tem sido utilizada como garantia ao cidadão da

efetivação de tal direito. Ao largo de seus quase trinta anos, a Constituição da

República prevê uma gama de direitos sociais no seu art. 6º, dentre eles a saúde.

Esta, contudo, não vem sendo concretizada pelo Estado, de acordo com os anseios

da população. Em razão disso, há inúmeras demandas judiciais em busca da

efetivação desse direito.

No intuito de compreender tal realidade e de promover uma conclusão

convincente para a presente monografia, o primeiro capítulo abordou os direitos

sociais e a evolução do direito social à saúde. Através dessa análise, pôde-se

perceber a significativa evolução do direito à saúde ao longo da história, o qual foi

abordado de diferentes maneiras nas Constituições outorgadas de 1824, 1937, 1967

e 1969, passando por diversas mudanças na sua estrutura política nas Constituições

democráticas dos anos de 1891, 1934, 1946 e 1988.

Na segunda parte deste trabalho, foram analisados os aspectos teóricos e

jurisprudenciais aplicáveis ao tema proposto. Assim, foi possível afirmar que os

dispositivos constitucionais, legais e jurisprudenciais representam a carga

necessária para legitimar o Poder Judiciário a promover o direito à saúde sem

observar os limites impostos pelo Estado, como, por exemplo, a previsão

orçamentária.

Através dessas análises foi viável alcançar o objetivo específico do terceiro

capítulo, destinado, essencialmente, ao fenômeno da judicialização da saúde, que

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acaba transferindo para o Poder Judiciário responsabilidades, que, a rigor,

incumbem aos demais Poderes da República, ou seja, Poder Executivo e Poder

Legislativo.

Ainda, destacou-se que a distribuição de medicamentos, por exemplo, é

deficiente, tendo em vista os inúmeros casos em que a carência da população não é

suprida. Assim, procedimentos adotados através da intervenção do Poder Judiciário

visam ao cumprimento da tutela da saúde, de maneira que o Estado forneça os

medicamentos demandados judicialmente.

Além disso, foi demonstrado que a saúde é direito fundamental inserido no rol

dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição da República, com uma

seção específica nos arts. 196 a 200, os quais garantem o acesso universal, bem

como ações e serviços para a sua promoção.

Como hipótese à solução do problema proposto, arrolou-se a atuação do

Poder Judiciário, quando provocado pelo meio da judicialização da saúde.

Conquanto, que os recursos sejam escassos, diante da realidade que se apresenta

a sua atuação em relação aos limites impostos pelo Estado, concluiu-se que o Poder

Judiciário deve se posicionar de maneira decisiva para efetivar o direito

constitucional à saúde quando houver omissão do Estado, haja vista que não pode

ficar inerte quando instado a protegê-lo.

Foi demonstrado que a saúde é “direito de todos e dever do Estado, garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e

de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua

promoção, proteção e recuperação”, conforme o art. 196 da Constituição Federal.

Portanto, não vingam os limites impostos pelo Estado à concretização do

direito à saúde, pois o compromisso dele acaba por ser concretizado judicialmente.

Ainda que deixe de observar a disponibilidade financeira do Estado, é justificável o

fenômeno da judicialização da saúde, pois um direito secundário, como a previsão

orçamentária, por exemplo, não pode prevalecer sobre um direito inerente à vida e

de valor inestimável.

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