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A LÍNGUA JAPONESA NO BRASIL

A Língua Japonesa no Brasil

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A LínguA JAponesA no BrAsiL

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

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Coleção Cultura & Política

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2012impresso no Brasil

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sumário

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preFáCio

A LínguA JAponesA no BrAsiL: reFLexões e experiênCiAs de ensino e AprendizAgem

É através das línguas que as sociedades humanas, definidas como comunidades linguísticas produzem a maior parte do conhecimento de que dispõem e é através da língua que são construídos os sistemas simbólicos de segunda ordem, como a escrita ou as matemáticas, e que permitem a ação humana sobre a natureza e sobre os outros homens. (oliveira, 2009).

Quando fui convidada para fazer o prefácio deste livro me senti extremamente lisonjeada mas, ao mesmo tempo, é uma enorme res-ponsabilidade, pois se trata de uma coletânea que reúne pesquisas em ensino e aquisição da língua japonesa, o idioma de uma das maiores comunidades migratórias que povoou as terras brasileiras.

os japoneses trouxeram, junto com a vontade de trabalhar, sua arte, costumes, língua, crenças e conhecimentos que contribuíram mui-to para o crescimento econômico e desenvolvimento cultural do Brasil e, junto a índios, portugueses, italianos, árabes, chineses, alemães, espanhóis etc. formaram uma das mais diversificadas comunidades multiculturais. Hoje os estados brasileiros com maior porcentagem de descendentes de japoneses são: são paulo (1,9%), paraná (1,5%) e mato grosso do sul (1,4%).

segundo nakayama (1999, p. 108), “o ensino da língua japonesa começa a se efetivar com a imigração japonesa no Brasil e continua até os dias de hoje, passando por várias dificuldades e transformações quanto ao material didático, aos recursos humanos, aos recursos finan-ceiros, à metodologia de ensino. por outro lado, no Brasil e nos demais países do mundo cresceu o interesse em estudar a língua japonesa como língua estrangeira e não apenas como forma de preservação da língua

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materna dos pais, dos avós ou dos bisavós. esse interesse é devido ao crescimento do Japão como potência econômica e também ao fato de despertar curiosidade e interesse em estudar aspectos culturais, históricos, artísticos, religiosos, dentre outros, do Japão”.

nesse sentido, a Fundação Japão desempenha um papel importante na difusão da língua e cultura japonesas na sociedade contemporânea e no cenário brasileiro. Atualmente inúmeras são as pesquisas em estudos japoneses que fortalecem os cursos de japonês espalhados pelo país e incentivam reflexões sobre o ensino da língua e da literatura japonesa assim como sobre a identidade do profissional de língua estrangeira.

dentro desse marco se apresenta a proposta de publicação do livro em tela, como meio eficaz de divulgação das pesquisas realizadas pelos participantes, a partir de diferentes visões de mundo e da análise de diversos contextos de aquisição e aprendizagem da língua em foco.

de acordo com Burns (1999, p. 16) “pesquisa e autorreflexão em sala de aula são componentes importantes do crescimento profis-sional, proporcionando uma base sólida para o planejamento e ação pedagógica e ao mesmo tempo viabilizam estruturar decisões locais da sala de aula dentro de considerações educacionais, institucionais e teóricas mais amplas”.

na presente coletânea, há uma diversificação de temas na produção acadêmica da área de japonês, incluindo a formação de professores, assunto sobre o qual trata mayumi edna iko Yoshikawa, da Fundação Japão em são paulo, especificamente para o caso de professores de escolas estaduais (centros de línguas) pois, segundo a autora, muitos dos professores atuantes possuem formações diversificadas e não es-pecificamente em ensino de língua japonesa, o que constitui um sério problema. Yoshikawa descreve as características dos programas dos centros de línguas estrangeiras que funcionam nas escolas dos estados do paraná e de são paulo e discorre sobre os cursos para professores existentes no Brasil.

Kyoko sekino e Alice Tamie Joko, da universidade de Brasília, também falam sobre a formação de professores, especificamente de um dos cursos mais antigos implantados no país e que atualmente realiza o processo de reforma curricular. As autoras argumentam que, ao analisar a realidade de hoje, precisa-se de um novo perfil para fu-turos professores da língua japonesa, uma vez que o perfil dos novos

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alunos é de falante nativo de português. para os formandos de japonês, exige-se a capacidade crítica e analítica, a flexibilidade e criatividade para estreitar a lacuna entre duas línguas tão distantes como são o português e o japonês.

Laura Tey iwakami, da universidade estadual do Ceará, apresenta uma experiência de ensino da língua japonesa no nordeste, no curso de japonês do núcleo de línguas estrangeiras da universidade estadual do Ceará, detalhando as características e estratégias utilizadas nessa instituição.

Leiko matsubara morales, da universidade de são paulo, trata sobre um tema da área da sociolinguística que é a variação linguística, neste caso de professores de língua japonesa, examinando as ocorrências linguísticas das suas falas, tendo em vista suas aplicações no âmbito do ensino e aprendizagem de língua japonesa como Língua estrangeira (Le). os professores foram separados em nativos e não nativos, sendo os primeiros, os japoneses issei e os últimos classificados em descendentes nissei, sansei e em não descendentes. os resultados revelam ocorrências que variam desde interlíngua até àquelas de natureza sociolinguística e, no caso dos bilíngues, a troca de códigos linguísticos.

Crenças, ações e reflexões de professores e alunos sobre língua estrangeira são algumas das questões que nos últimos anos estão sen-do abordada em vários contextos e ambientes de ensino e, desta vez, tratado por Yûki mukai e mariney pereira Conceição, da universidade de Brasília. É um projeto de pós-doutoramento que tem como objetivos: (1) identificar as crenças de uma aluna sobre a língua japonesa e sua apren-dizagem; (2) analisar as origens dessas crenças através do levantamento de relatos de experiências de aprendizagem; (3) analisar a relação entre as crenças, ações e reflexões feitas pela aluna. A pesquisa mostrou que a participante se preocupava extremamente com a habilidade de fala e acreditava que devia saber falar bem japonês após três anos de estudo, o que lhe causou frustração, desmotivação e um bloqueio em relação à língua japonesa. Há diversos estudos sobre crenças de alunos no cenário internacional, dentre eles Horwitz (1987; 1988); sakui & gaies (1999); William & Burden (1999); Victori (1999); Benson & Lor (1999); Cohen & Fass (2001); Huang & Tsai (2003), cada um com suas particularidades, segundo o contexto. no Brasil, destacam-se os trabalhos de Leffa (1991); Campos (2006), Lourenço (2006); Walsh (2006); Coelho (2005); Lima (2006); Trajano (2005); silva (2005), dentre outros. em resumo, as crenças,

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como descrito por Vieira-Abrahão e Barcelos (2006) exercem um forte impacto no nosso comportamento, influenciam nossas ações, mas as ações podem influenciar também as nossas crenças.

“O ensino dos ideogramas sino-japoneses e o tao” é o assunto abordado por Cecilia Kime Jo shioda e renato da Fonseca Brandão, da universi-dade estadual paulista “Júlio de mesquita Filho”, campus de Assis. os autores tentam mostrar que a perda de certos valores agregados ao longo dos séculos ao ideograma, também conhecidos como Dô (parte final de 武士道 /Bushidô/ “Caminho do guerreiro”), é causada por inter-pretações que não levam em consideração os fatores extralinguísticos que compõem o ideograma e ultrapassam o plano da escrita. A análise sistemática pretende mostrar que o Tao – pensamento que permeia toda a vida de um oriental – está presente em cada ideograma, mesmo que, com o seu uso, não seja percebido.

Finalizando a coletânea, temos o trabalho da professora Alice Tamie Joko, da universidade de Brasília, intitulado “repensando o ensino de fonologia num curso de formação de professores de língua japonesa”, que traz para discussão um dos pontos nodais pouco dis-cutidos na academia e argumenta em favor de um ensino sistemático dessa disciplina (fonologia) desde o nível inicial de aprendizagem. A autora defende ainda que o ensino de fonologia deva transpor a dicotomia segmental/suprassegmental e abarcar ambos os traços em favor da fluência e precisão na comunicação oral. por outro lado, faz um panorama geral sobre a mudança de paradigma ocorrido no ensino de línguas estrangeiras a partir da globalização e mostra que o ensino/aprendizagem só será possível se o professor instruir de forma explícita e bem focada o conteúdo devidamente planejado e contextualizado e, além disso, se o aluno for responsável pela própria aprendizagem, com autocontrole fonético crítico para pronunciar de maneira satisfatória os sons da língua que aprende.

Antes de concluir este prefácio queria parabenizar os organizado-res da coletânea e os autores que participaram desse projeto. É preciso continuar esse trabalho e mostrar que a língua japonesa já ocupa um lugar de destaque nas instituições de ensino superior e aos poucos vai criando espaços e se inserindo dentro dos planos de inclusão das línguas estrangeiras.

gostaria de aproveitar esse momento para homenagear uma gran-de pesquisadora da área, nossa querida professora Haruka nakayama

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que partiu cedo e, depois da sua passagem pelas nossas vidas, nos dei-xou muita saudade. seu legado, sua dedicação à língua japonesa estão plasmados no nosso dia a dia e servem como exemplo para aqueles que amam e respeitam a língua-cultura do Japão. para ela a minha mais singela homenagem.

profa. dra. maria Luisa ortiz Alvarez

diretora do instituto de Letrasuniversidade de Brasília

reFerênCiAs

BArCeLos, A. m.; VieirA-ABrAHÃo, m. H. Crenças e ensino de línguas: foco no aluno, no professor e na formação de professores. Campinas: pontes, 2006.

Burns, A. Collaborative Action Research for English Language Teachers. Cambridge university press, 1999.

nAKAYAmA, H. Terminologia aplicada à biblioteca de escola de língua. in: ViAnnA, márcia milton; CAmpeLLo, Bernadete; mourA, Victor Hugo Vieira. Biblioteca escolar: espaço de ação pedagógica. Belo Horizonte: eB/uFmg, 1999, p. 106-110. (seminário promovido pela escola de Biblioteconomia da universidade Federal de minas gerais e Associação dos Bibliotecários de minas gerais, 1998, Belo Horizonte.)

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ApresenTAÇÃo

BreVe HisTóriCo dA áreA de JAponês

dA uniVersidAde de BrAsíLiA A série “Japão em Foco” foi lançada para celebrar os 30 anos de

existência da Área de Japonês da Universidade de Brasília (1981-2011). Ao celebrarmos as três décadas de existência deste programa de estudo, nossos professores quiseram deixar uma contribuição para os estudiosos e admiradores do Japão e de sua cultura. A série é composta de livros so-bre vários temas relativos à língua, linguística, história, cultura, literatura e arte, dentre outros. são olhares diversos sobre o Japão, sua sociedade e cultura, e o sobre as iniciativas de ensino da língua japonesa no Brasil.

Como em tudo que se constrói em equipe, há sempre antecedentes históricos e um quebra-cabeça no qual cada peça tem uma função par-ticular. A formação da área de Japonês contou com inumeráveis apoios, trabalhos voluntários, horas extras, incontáveis reuniões, projetos e sonhos, concursos, sacrifícios e realizações.

o ponto de partida desta empreitada ocorreu em maio de 1979, quando representantes da embaixada do Japão e da universidade de Brasília (unB) travaram as primeiras conversas com vistas a introduzir aulas de japonês na unB. dois anos depois, a professora Alice Tamie Joko, que trabalhava como pesquisadora e professora do Centro de es-tudos Japoneses da universidade de são paulo, mudou-se para Brasília e começou a ensinar japonês no programa de extensão da unB com o aporte financeiro da Fundação Japão. paralelamente ao trabalho na unB, a professora Alice ensinou japonês em escolas da comunidade nikkei do distrito Federal e foi uma das fundadoras do instituto midori (estabelecido pela Associação de intercâmbio Cultural Brasil-Japão), uma escola do idioma japonês cujo diferencial era a abordagem de ensino de japonês como língua estrangeira.

os primeiros cursos foram ofertados no programa de extensão da unB. passado apenas um ano, no entanto, o extinto departamento

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de Letras e Linguística (LeL) protocolou pedido de criação de quatro disciplinas curriculares de língua japonesa junto ao decanato de ensino e graduação. Com isto, duas turmas de Língua Japonesa 1 puderam ser ofertadas no segundo semestre de 1983. de 1981, quando tiveram início as atividades da professora Alice Joko na unB até a sua contratação para o quadro permanente desta universidade, em 1986, o número de disciplinas oferecidas ampliou-se a cada ano.

Com a contratação da professora Alice, através de concurso em 1986, a direção do LeL solicitou que a Fundação Japão mantivesse seu programa de auxílio (Institutional Project Support Program), o que per-mitiu o convite ao professor marcus Vinícius marques para juntar-se aos esforços pioneiros de estabelecer os estudos japoneses na unB. mais dois níveis de língua foram criados, perfazendo assim seis níveis de língua e dois de cultura japonesa.

em 1992, o departamento aprovou a segunda vaga para a área de Japonês e a realização de concurso público. pouco depois, a professora megumi Kuyama foi contratada e, com a renovação do auxílio financeiro da Fundação Japão, o professor ronan Alves pereira substituiu o profes-sor marcus Vinícius, de 1994 a 1997. Com a abertura do curso noturno de Letras-Japonês, em março de 1997, o professor ronan ingressou no quadro permanente do departamento de Línguas estrangeiras e Tradução (LeT), visto que já havia sido aprovado no concurso de 1992. Logo a seguir, a professora Célia mitie Tamura Tanno foi incorporada à área, novamente com o apoio da Fundação Japão.

Com a restrição governamental à contratação de novos professores nas universidades federais, a área de Japonês contou sistematicamente com a preciosa colaboração de professores-substitutos para cobrir a oferta de disciplinas curriculares, optativas e de extensão.

o projeto de criação da habilitação Letras-Japonês aprovado no Conselho de ensino, pesquisa e extensão (Cepe) previa a contratação de nove professores. Com o lamentável falecimento da professora megumi Kuyama em 18 de junho de 2002, surgiu mais uma vaga, o que permitiu a contratação do professor sachio negawa naquele mesmo ano. pouco depois, a professora Haruka nakayama, que já pertencia ao departamento de Ciências da informação e documentação da unB, foi transferida para o LeT, somando-se ao quadro da área de Japonês. em 2003, a professora Yuko Takano foi contratada, após aprovação em concurso público. no ano seguinte, foi a vez do professor Yûki mukai ser incorporado ao quadro.

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Após longo hiato sem novas contratações, a administração da unB permitiu a realização de concursos públicos para suprir a necessidade de corpo docente para a área de Japonês, aproveitando o plano de reestruturação e expansão das universidades Federais (reuni), do meC. Assim, dois concursos públicos realizados em 2009 permitiram a contratação dos professores Tae suzuki, Kyoko sekino e Fausto pinheiro pereira para o LeT, e da professora donatella natili para o departamento de Teoria Literária e Literaturas (TeL). uma das vagas foi criada em decorrência do falecimento da saudosa professora Haruka, em 13 de fevereiro de 2007.

uma considerável parcela dos alunos do nosso curso vem de fora do distrito Federal, principalmente das regiões Centro-oeste, sudeste e nordeste. segundo levantamento feito pelo Centro de Língua Japonesa de são paulo da Fundação Japão, em 2003, a unB era a instituição brasi-leira de ensino superior com maior número de estudantes de japonês, seja como disciplina obrigatória, optativa ou de extensão. Atualmente, o número total de alunos varia entre 340 e 400.

durante os 30 anos de sua história, a área de Japonês tem contri-buído consideravelmente para a comunidade universitária e o público externo. desde 1983, a área oferece disciplinas para alunos de todos os departamentos da unB interessados em estudar a língua japonesa como matéria optativa ou de módulo-livre. isto também tem favorecido para que estudantes de diversas áreas de conhecimento solicitem bolsas de pesquisa ou de pós-graduação no Japão. Alguns deles, ao retornarem, optam pela carreira acadêmica e, atualmente, há professores pós-graduados no Japão em diversos departamentos da unB, como Letras, Física, matemática, economia, engenharia, música, Artes, Agronomia, entre outros. importante ainda registrar que alguns ex-alunos da unB decidiram lecionar em universidades japonesas, contribuindo para um maior intercâmbio acadêmico entre a unB e essas instituições. dentre aqueles que seguiram outras carreiras ao retornarem para o distrito Federal, há diplomatas, professores de instituições comunitárias ou privadas de ensino superior, oficiais de chancelaria do itamaraty, pes-quisadores e consultores de órgãos públicos.

nosso curso ainda é enriquecido pelas parcerias e intercâmbios que estabeleceu com a universidade de Línguas estrangeiras de Quioto (Kyôto Gaikokugo Daigaku), universidade sophia (Jôchi Daigaku), univer-sidade de nagoya (Nagoya Daigaku) e universidade Waseda (Waseda

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Daigaku). Anualmente, alunos daquelas universidades vêm estudar na unB, assim como nossos alunos fazem intercâmbio acadêmico nelas. dentro da nossa universidade, a área de Japonês colaborou na criação e ainda dá apoio ao núcleo de estudos Asiáticos (neAsiA) e ao programa permanente de extensão “unB idiomas”.

os professores da área têm sido solicitados a prestar assessoria, proferir palestras e ministrar aulas em outras instituições, dentro e fora do distrito Federal. por três ocasiões – em 2000, 2005 e 2010 –, nossa área organizou com sucesso os congressos “encontro nacional de professores universitários de Língua, Literatura e Cultura Japonesa” e “Congresso internacional de estudos Japoneses no Brasil”.

A outra não menos importante contribuição do curso se refere à disseminação da língua japonesa junto à comunidade externa, por meio de oficinas e cursos de treinamento para professores de japo-nês. A área também organiza e apoia a realização de eventos como festivais de cinema e música, mostras culturais, seminários, palestras e congressos. um fato particularmente memorável foi a criação, em 1984, do coral Tanoshii Tori, formado por estudantes interessados em cantar no idioma japonês. este coral manteve uma intensa agenda de apresentações dentro e fora de Brasília por vários anos até ser extinto.

A partir de março de 2011, a área de Japonês da unB incumbiu-se do treinamento dos novos professores de japonês dos Centros interescolares de Língua (CiL), da secretaria de estado de educação do distrito Federal.

em julho de 2010, o trabalho da área de Japonês foi reconhecido pelo ministério dos negócios estrangeiros do Japão, que a agraciou com o diploma de Honra ao mérito. A entrega do diploma ocorreu em cerimônia na embaixada do Japão em Brasília, realizada no dia 26 de agosto de 2010.

prof. dr. ronan Alves pereira

Coordenador-geral da série “o Japão em Foco”

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Capítulo 1

o ensino-AprendizAgem de LínguA JAponesA Como LínguA esTrAngeirA no BrAsiL – Com enFoQue nA

FormAÇÃo dos doCenTes dAs esCoLAs esTAduAis –

mayumi edna iko YosHiKAWAFundação Japão em são paulo

RESUMO: A formação dos docentes de língua japonesa no Brasil é realizada oficialmente em cursos de formação de professores em uni-versidades que ministram a língua, a literatura e a cultura japonesa em seu curso de Letras-Japonês. porém, devido à escassez, por um lado, de cursos direcionados aos professores desta língua, e por outro, de profis-sionais com formação na área que desejam ministrar aulas nas escolas estaduais, os professores atuantes possuem formações diversificadas e não especificamente em ensino de língua japonesa. pretendemos neste texto, analisar o perfil dos professores de japonês atuantes nos cursos de língua japonesa dos centros de línguas que funcionam nas escolas estaduais. A fim de compreendermos melhor o contexto geral do assunto, descreveremos as características do programa dos centros de línguas estrangeiras que funcionam nas escolas dos estados do pa-raná e de são paulo e discorreremos sobre os cursos para professores existentes no Brasil. para exemplificar concretamente o conhecimento de língua japonesa e a formação específica em ensino de língua japonesa dos professores em questão, citaremos dados sobre o conhecimento acerca da fonética e compreensão auditiva da língua japonesa, obtidos através da aplicação de um questionário sobre o conhecimento destes tópicos. Com base nos dados acima, intencionamos repensar o con-teúdo dos cursos de aperfeiçoamento destes docentes em exercício.

PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores; ensino de língua japonesa; CeL; CeLem; Livro didático.

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ABSTRACT: The Japanese language teachers training in Brazil is officially carried through courses in universities that have a Japanese Language program to teach the language, the literature and the Japanese culture. However, due to the lack of targeted courses for teachers of Japanese language, and secondly, of trained professionals in the area who want to teach classes in state schools, the active teachers are of varied for-mations and not specifically in teaching of Japanese language. in this paper, we intend to review the profile of working Japanese language teachers of state schools Language Centers in order to better unders-tand the general context of the subject, we will describe the charac-teristics of the program of foreign languages centers that operates in the schools of paraná and são paulo states and will discuss the courses for teachers that exists in Brazil. To illustrate the practical knowledge of Japanese language and specific academic formation in teaching of Japanese language of the teachers in question, we collected data on the knowledge of phonetics and listening comprehension of Japanese, obtained through the application of a questionnaire on the knowledge of these topics. Based on the data above, we intend to rethink the content of these best practices courses targeted to active Japanese Language teachers of state schools in Brazil.

KEYWORDS: Teachers training; Japanese Language education; CeL; CeLem; Textbook.

1. inTroduÇÃo

neste texto pretendemos abordar o ensino e a aprendizagem da língua japonesa como língua estrangeira, enfocando a formação dos docentes que ministram aulas de japonês nos centros de línguas das escolas estaduais (CeL em são paulo e CeLem no paraná). Faremos uma breve apresentação do CeL e do CeLem e, em seguida, dos cursos de formação de professores, de capacitação e seminários sobre o ensino/aprendizagem de língua japonesa existentes no Brasil e no Japão, dis-poníveis para os professores em exercício nas escolas estaduais.

para compreendermos melhor o aproveitamento do conteúdo dos cursos, aplicamos um questionário em relação ao conhecimento dos docentes sobre fonética da língua japonesa. A escolha deste tópico deve-se à sua importância dentro do contexto do ensino de japonês

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para falantes de português, uma vez que nos primórdios do ensino desta língua no Brasil, a língua era ensinada para os descendentes de japoneses que procuravam a escola para aprenderem a ler e escrever e pouca importância era dada à oralidade da língua. desta forma, torna-se importante atentarmos ao processo de formação de professores de japonês, com o intuito de melhor atender as necessidades dos cursos e dos docentes, contribuindo de alguma forma com o ensino de língua japonesa nas escolas estaduais e públicas do Brasil.

2. os CenTros de LínguAs esTrAngeirAs nAs esCoLAs esTAduAis do BrAsiL

Antes de tratarmos sobre a análise da formação dos professores de japonês atuantes nas escolas estaduais do Brasil, discorreremos sobre os Centros de estudos de Línguas (doravante CeL) e Centros de Línguas estrangeiras modernas (doravante CeLem), e sobre o seu regulamento, principalmente em relação à contratação dos professores e a formação requerida por este regulamento.

o CeL é um programa da secretaria de educação do governo do estado de são paulo. A princípio, a criação do CeL decorreu da neces-sidade de a escola oferecer ensino da língua espanhola, no contexto da política de integração do Brasil na comunidade latino-americana.

em 1987, a secretaria da educação, dando cumprimento à decisão política do governo do estado de são paulo de integração latino-ame-ricana, constituiu uma Comissão para a implantação das disciplinas de Língua espanhola e de História da América Latina no quadro curricular das escolas estaduais. A criação dos CeLs surgiu como a medida mais viável para introdução da Língua espanhola, uma vez que a inclusão de línguas estrangeiras modernas no currículo, assegurada pelos disposi-tivos legais vigentes, concentrava-se no ensino de inglês.

em junho de 1988, uma pesquisa efetuada pelas Coordenadorias de ensino da secretaria da educação do estado nas escolas da rede estadual permitiu que se percebesse o enorme interesse dos alunos pelo estudo de várias línguas estrangeiras, resultando no redimensio-namento da instalação dos Centros de Línguas.

nos dados constantes no site da secretaria da educação do estado de são paulo (see), atualmente existem 77 CeLs que atendem cerca de

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50 mil alunos da rede estadual de ensino do estado de são paulo por semestre. os cursos oferecidos, além do espanhol, são: francês, italia-no, alemão e japonês. dentre estes, há 12 escolas ministrando a língua japonesa, sendo que há professores atuando em mais de uma escola.

sobre as habilidades exigidas pelos professores de línguas estran-geiras, consta na resolução 6 (22/01/2003), artigo 20 que o professor de língua estrangeira dos CeLs terá que ser portador de licenciatura plena em Letras, com habilitação na língua estrangeira pretendida. porém, não havendo candidatos com este perfil, contrata-se um profissional que tenha curso superior em outra área ou disciplina, desde que tenha concluído curso específico no idioma pretendido, em que comprove que tenha habilidades básicas de leitura, escrita, conversação e enten-dimento oral exigidas no idioma a ser ministrado.

Com características similares, no estado do paraná, foi implanta-do o CeLem. em meados da década de 1980, com a redemocratiza-ção do país, os professores de línguas estrangeiras, organizados em associações e após pesquisa junto aos alunos, lideraram um amplo movimento pelo retorno da pluralidade da oferta de língua estran-geira nas escolas públicas. e em decorrência dessas mobilizações, no ano de 1986, através da resolução nº 3.546/86, de 15 de agosto de 1986, regulamentou-se a criação dos Centros de Línguas estrangeiras modernas – CeLem, na rede pública de ensino do estado do paraná, valorizando o plurilinguismo e a diversidade étnica que marca a história paranaense. no ano de 2010, em decorrência da implementação da Lei Federal 11.161/2005, a qual dispõe sobre a oferta obrigatória de Língua espanhola nos estabelecimentos de ensino médio, o CeLem teve uma ampliação significativa. Atualmente, ele funciona em 323 municípios, perfazendo um total de 1239 cursos, em cerca de 1000 (um mil) es-tabelecimentos de ensino. dentre estas, 7 escolas oferecem a língua japonesa, sendo que há professores atuando em mais de uma escola.

no que se refere à formação docente exigida para se ministrar aulas no CeLem, de acordo com a resolução 19/2008 da secretaria da educação do estado do paraná, primeiramente serão contratados os professores com disciplina de concurso na língua estrangeira moderna a ser ministrada. não havendo professor concursado, serão contratados os professores com outra disciplina de concurso e habilitados na língua estrangeira a ser ministrada. não havendo pessoas habilitadas na lín-gua, contrata-se um professor com outra disciplina de concurso, como

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matemática, ciências, etc., que tenha um comprovante de proficiência na língua estrangeira que vai lecionar (Comprovante ii da instrução normativa n.º19/2008 – sued/seed). Há também a possibilidade de contratação de professores com outra disciplina de concurso, natural do país da língua ofertada, que apresente o comprovante de escolaridade do país de origem, equivalente ao ensino médio do Brasil.

3. os Cursos de FormAÇÃo de proFessores de LínguA JAponesA no BrAsiL

no Brasil, além dos cursos de licenciatura em Letras-Japonês em 7 universidades1, a saber universidade de são paulo (usp), universidade estadual paulista-campus Assis (unesp-Assis), universidade Federal do rio de Janeiro (uFrJ), universidade estadual do rio de Janeiro (uerJ), universidade de Brasília (unB), universidade Federal do paraná (uFpr) e universidade Federal do Amazonas (uFAm), há apenas um curso de formação de professores aberto aos professores atuantes e aos que pretendem exercer esta profissão, oferecido pelo Centro Brasileiro de Língua Japonesa (CBLJ)2. seus objetivos principais são: formar professo-res de língua japonesa, estimular pesquisas para o desenvolvimento de livros didáticos e cooperar no intercâmbio entre estudantes, professo-res e escolas de língua em âmbito nacional e internacional oferecendo cursos e seminários.

o conteúdo do curso de formação desta entidade tem a carga horária de 129 horas presenciais e 125 horas por correspondência. na primeira parte3 são trabalhados o desenvolvimento de planos de aula e o conteúdo teórico para a prática de ensino; na segunda parte, são trabalhadas a parte prática e a atividade docente. mais especificamen-te, as matérias da primeira parte são as seguintes: análise de material didático, desenvolvimento do plano de aula, gramática pedagógica da língua japonesa, estruturação de uma aula (introdução, exercícios básicos e exercícios de aplicação prática), fonética da língua japonesa,

1 existem 8 universidades no Brasil que oferecem o curso de Letras-Japonês. porém, a universidade Federal do rio grande do sul (uFrgs) não possui o curso de licenciatura nesta área e é especializada em formação de tradutores.

2 Centro Brasileiro de Língua Japonesa (CBLJ). segundo a página de internet desta entidade, ela é civil e sem fins lucrativos.

3 o curso consiste em aulas presenciais e concentradas em 2 meses, sendo que a primeira parte é oferecida em janeiro e a segunda em julho. o curso por correspondência é realizado entre estes dois períodos.

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ensino de vocabulário, ensino da oralidade, ensino da escrita, utilização de língua de intermediação nas aulas, técnicas de ensino e utilização de materiais paradidáticos. e na segunda parte, trabalha-se o seguin-te conteúdo: simulação de aulas, interferência e erros, compreensão de culturas diferentes, utilização do material didático, elaboração de testes e exercícios, métodos de avaliação, planejamento de aulas mul-tisseriadas, orientação para escrita de redação e ensino de ideogramas e fonogramas.

no entanto, este curso não fornece um certificado reconhecido oficialmente em território nacional, para fins de contratação dos pro-fessores por escolas públicas e particulares de ensino, por exemplo. ou seja, não lhe é concedida a mesma validade do diploma de licenciatura em língua japonesa.

4. os Cursos de CApACiTAÇÃo pArA proFessores do CeL e CeLem

os professores do CeL e CeLem contam com um curso de for-mação continuada que a Fundação Japão em são paulo4 oferece em parceria com a secretaria da educação do estado de são paulo e do paraná, respectivamente, desde 1995. estes cursos são chamados de “orientação Técnica” (oT) pela see. o conteúdo dele é basicamente o de prática e técnicas de ensino de japonês. descrevemos abaixo mais detalhadamente o conteúdo deste curso para que possamos utilizar esta informação para fins de conclusão deste trabalho.

A. Conteúdo referente ao ensino de língua estrangeira:

1. noções básicas sobre conteúdo curricular, syllabus e plano de aula;2. noções básicas sobre metodologias de ensino de língua estrangeira;3. desenvolvimento de uma aula;4. Análise de livros didáticos;5. motivação dos alunos.6. B. Conteúdo específico de língua japonesa:

4 A Fundação Japão é uma organização vinculada ao ministério das relações exteriores do Japão cujo objetivo é promover o intercâmbio cultural e a compreensão mútua entre o Japão e outros países. dentre as suas atividades, desenvolve programas para auxiliar o ensino de língua japonesa em diversos países.

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7. gramática pedagógica da língua japonesa (explicação de itens gramaticais e sua abordagem em aula e noção sobre bunkei);

8. Fonética da língua japonesa (comparação dos sons do japonês e do portu-guês para fins de correção da pronúncia dos alunos e maneiras de corrigir);

9. diferença entre o ensino da língua japonesa como língua materna e como língua estrangeira;

10. C. prática e didática de ensino:11. Como introduzir um item de aprendizado;12. Tipos de exercícios básicos (repetição, substituição, expansão, transfor-

mação, junção pergunta e resposta);13. Tipos de exercícios de aplicação prática (role-plays, simulação, information

gap, etc.);14. Tipos de materiais de apoio;15. ensino da escrita e da oralidade (exercícios de compreensão oral e de

textos);16. elaboração de planos de aula;17. prática de ensino e simulação de aulas.

este conteúdo é destinado a professores que, a princípio não tem nenhuma formação em ensino de língua estrangeira ou que, tendo esta formação, não possuem experiência em sala de aula. são poucos os professores que lecionam no CeL e CeLem há muito tempo, sendo que há uma rotatividade alta de professores. este fato contribui para que pensemos no conteúdo deste curso como sendo algo para iniciantes5 no ensino desta língua, ao mesmo tempo que nos obriga a pensar na reciclagem e atualização dos professores que já exercem a profissão há mais de 5 anos. dentre os 18 professores que participaram dos pri-meiros cursos realizados em fevereiro (CeL) e junho (CeLem) de 1995, respectivamente, somente 3 permanecem nestas escolas. os demais professores foram sendo substituídos por novos professores, fato que vem comprovar a alta rotatividade.

Quanto ao modo de realização do curso, de 1995 até 1999, reali-zaram-se 2 cursos por ano para o CeL e para o CeLem, separadamente, totalizando 4 cursos ao todo. em 1999, realizou-se o primeiro curso unificado CeL-CeLem. este curso passou a ser oferecido anualmente até 2010. em fevereiro de 2011, o mesmo começou a ser realizado não somente para professores da rede estadual, mas também para os

5 neste contexto, classifica-se como iniciante professores com menos de 5 anos de experiência no CeL e CeLem.

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professores de cursos de japonês em escolas de ensino Fundamental e médio, fazendo com que o conteúdo fosse repensado e adaptado para professores que ministram aulas em ambientes e realidades diferentes, e de modo que professores experientes e iniciantes pudessem trocar as suas experiências e obter informações sobre a prática de ensino. neste primeiro curso para professores das redes estadual e particular de en-sino, o tema principal foi “Como abordar a cultura japonesa nas aulas”, cujo conteúdo foi trabalhado em forma de oficinas. desta forma, a parte teórica da didática de ensino deixou a desejar, uma vez que o curso fora estruturado em primeira instância para atender às necessidades ime-diatas de troca de experiências práticas entre os docentes e obtenção de informações sobre cursos de aperfeiçoamento e de especialização.

5. os seminários e Cursos de AperFeiÇoAmenTo e espeCiALizAÇÃo oFereCidos no BrAsiL e no JApÃo

Além do curso de formação oferecido pelo Centro Brasileiro de Língua Japonesa, há alguns cursos de curta duração e seminários rea-lizados por esta mesma instituição. os principais são o seminário na-cional de professores de Língua Japonesa (Gôdô kenshûkai), o seminário pan-americano de professores de Língua Japonesa (Hanbei kenshû) e o seminário para Jovens professores de Língua Japonesa (Seinen kenshû). Cada um deles tem sua característica diferenciada pelo público-alvo. o primeiro é destinado a todos os professores de japonês do Brasil; o segundo, aos professores iniciantes e vindos de diversas regiões do Brasil e de países da América do sul e Canadá; e o terceiro, aos pro-fessores iniciantes de todo o Brasil.

Há também os seminários da Fundação Japão em são paulo abertos ao público em geral, cujos temas são relacionados à língua, literatura e cultura japonesas.

A Fundação Japão oferece ainda, os seguintes cursos de aperfeiço-amento e de especialização em ensino de língua japonesa realizados no Japão:

• curso de curta duração (Tanki kenshû - 2 meses): destinado aos professores com mais de 2 anos de experiência em ensino. o curso compreende aulas de língua japonesa, metodologia de ensino e cultura japonesa;

• curso de longa duração (Chôki kenshû - 6 meses): destinado aos professores

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com pouca experiência em ensino. o curso compreende aulas de língua japonesa, noções sobre metodologia de ensino e cultura japonesa;

• curso avançado (Jôkyû kenshû - 2 meses): para os que queiram desenvolver o seu material ou o conteúdo curricular de seus cursos e necessitem de orientação específica;

• curso de especialização (Shidôsha kenshû - 1 ano): aos que queiram apro-fundar os seus conhecimentos em ensino de língua japonesa e fazer iniciação em pesquisas nesta área.

Visto este panorama de cursos que são oferecidos aos professores no Brasil e no Japão, a seguir, descreveremos a formação dos profes-sores do CeL e do CeLem.

6. A FormAÇÃo dos proFessores de JAponês do CeL e CeLem

segundo a legislação vigente, a formação dos professores do CeL e CeLem exigida para a contratação é preferencialmente a licenciatura na língua estrangeira a ser lecionada. porém, no caso de algumas línguas como o japonês, não há muitos docentes interessados em lecionar a língua, que tenham esta formação, para serem contratados pelo esta-do através de concursos públicos. portanto, a formação deles não é específica para o ensino de língua japonesa como língua estrangeira. na tabela abaixo, informamos o perfil dos 17 professores dentre os 19 atuantes no CeL e CeLem, em 2007, ano em que coletamos estes dados, através de um questionário que aplicamos aos professores, por e-mail.

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QuAdro 1: dAdos de 2007 – CeL (11 proFessores) e CeLem (6 proFessores)

Formação dos professores

Cursos

CeL CeLem CeL CeLem

Letras Japonês 5 0

Letras(outras línguas) 1 2 português/inglês (1) português (2)

outra área com licenciatura 5 4

matemática (1), pedagogia (3), psicologia (1)

psicologia (1), matemática (2), pedagogia (1)

Treinamento no Japão 5 3

curta duração (FJ) (2), longa duração (FJ) (1), outros (2)

curta duração (FJ) (2), outros (1)

Formação de professores 3 0

no estado de são paulo, onde temos duas universidades que oferecem o curso de Letras-Japonês, a saber, usp e unesp-Assis, há 5 professores licenciados em língua japonesa atuando nos CeLs em 2007. porém, no estado do paraná onde o curso não era oferecido até 2008, os professores dos CeLems não possuem formação na área de japonês. dentre estes, há os que são formados em Letras, porém com habilitação em outras línguas e que tiveram oportunidade de frequentar cursos de treinamento ou de formação para professores de japonês.

Abaixo, escrevemos a mesma tabela com os resultados da pesquisa de 2011, realizada da mesma forma.

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QuAdro 2: dAdos de 2011 – CeL (11 proFessores) e CeLem (5 proFessores)

Cursos

CeL CeLem CeL CeLem

Letras Japonês 3 0

Letras (outras línguas) 4 1

português/inglês (2), português/es-panhol(1), chinês (1)

português (1)

outra área com licenciatura 6 4

matemática (1), pedagogia (4), psi-cologia (1)

psicologia (1), mate-mática (3)

Treinamento no Japão 4 2

curta duração (FJ) (3), longa duração (1), JiCA kobetsu kôsu (1)*

curta duração (FJ) (2)

Curso de formação 1 0

*obs.: possibilidade de respostas múltiplas

na tabela acima, observamos que houve um decréscimo no número de professores do CeL que possuem o curso de Letras-Japonês, entre 2007 e 2011. dentre os 5 professores da pesquisa de 2007, somente 1 permanece ministrando aulas no CeL. dentre os 4 professores que não ministram mais aulas de japonês no CeL, 1 trabalha utilizando a língua japonesa em uma empresa japonesa e 3 ministram aulas de português. os 2 professores formados em Letras-Japonês que ingressaram no ano passado no CeL nunca receberam treinamento específico para profes-sores de japonês em cursos de formação de professores.

Houve também um aumento no número de professores com licen-ciatura em outras línguas, tanto no CeL quanto no CeLem. porém, o

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número de professores com treinamento no Japão e que participaram do curso de formação de professores do Centro Brasileiro de Língua Japonesa diminuiu. isto se deve ao fato de professores terem se aposen-tado e dos professores recém-ingressos não terem tido a oportunidade de conhecer estes cursos. porém, todos os professores participaram de cursos de capacitação (oTs) oferecidos pela Fundação Japão em são paulo, em parceria com as secretarias de estado da educação de são paulo e do paraná, nos quais recebem treinamento e informações sobre o ensino de língua japonesa.

7. os mATeriAis didáTiCos uTiLizAdos nos Cursos de LínguA JAponesA do CeL e CeLem e suA reLAÇÃo Com os

Cursos de CApACiTAÇÃo de proFessores

nos cursos de japonês do CeL e CeLem, não há um material di-dático único para a utilização em aulas. Cada professor é livre para escolher o seu material. porém, nos cursos de capacitação (oTs), é adotado um livro didático para servir de base para a preparação do conteúdo e este livro acabou sendo adotado pela maioria dos cursos. nos primeiros anos de realização das oTs, o livro adotado era o Bunka Shokyû Nihongo6. Como é um livro elaborado para um público-alvo de adultos, é necessário fazer adaptações, tanto no vocabulário quanto nas situações utilizadas. A maneira de adaptá-los é também uma parte do conteúdo do treinamento/curso. À medida que novos professores foram ingressando no CeL e no CeLem, outras possibilidades de utili-zação de materiais foram surgindo e, com isto, novos livros didáticos também foram sendo utilizados. uma grande parte dos professores utilizava o material “Minna no Nihongo”7 que foi adotado para servir de base para as oTs.

notamos, ao longo do tempo, que os professores faziam a escolha do seu material, porém, não havia um parâmetro comum para que no final de um curso de 3 anos obtivessem um conteúdo similar para os cursos. um dos problemas na escolha do material é o alto custo dos materiais publicados no Japão, dificultando a aquisição dos mesmos pelos aprendizes; outro, é a falta de materiais nacionais que atendam

6 Bunka Shokyû Nihongo é um livro didático do Bunka Institute of Language publicado pela Bonjinsha em 1987.

7 Minna no Nihongo é um livro didático do 3 A Corporation, publicado pela mesma, em 1998.

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aos objetivos destes cursos. Assim, notou-se a necessidade de se ela-borar um material único para os cursos, fato que ocorreu por iniciativa da see de são paulo.

desde 2009, a pedido da see de são paulo, a Fundação Japão em são paulo elabora o Kotobana, um material didático para os cursos de japonês do CeL. este material terá 6 volumes (1 para cada semestre) e irá unificar o conteúdo ministrado nos cursos do CeL, facilitando, por exemplo, o remanejamento de alunos entre cursos de japonês do CeL. o livro está em fase de finalização dos últimos volumes e teste. o conteúdo deste material é baseado em syllabus situacional e funcio-nal, ou seja, todos os diálogos e textos são baseados em situações de uso e funções da língua. para que os professores possam aproveitar ao máximo os recursos dele, realizamos orientações técnicas para a utilização deste material e simultaneamente, inserimos a parte didática do ensino de língua japonesa como língua estrangeira nestes cursos. posteriormente, se for do interesse do CeLem, a secretaria da educação do estado do paraná poderá solicitar a utilização deste livro didático à secretaria da educação do estado de são paulo, unificando-se assim, o conteúdo dos cursos de japonês no CeL e no CeLem.

8. dAdos soBre o ConHeCimenTo em FonÉTiCA e CompreensÃo orAL

Com base nos dados acima, perguntamos aos professores sobre o conhecimento relacionado à fonética e compreensão oral em língua japonesa. As perguntas foram para saber sobre as informações que os professores possuem em relação à compreensão oral, uma vez que, como vimos nos dados acima, nem todos têm a formação específica na área de ensino de língua japonesa. A justificativa para exemplificar-mos o conhecimento dos docentes em relação à parte relacionada aos sons e à oralidade da língua japonesa é baseada no fato de que todos os professores do CeLem e 7 dentre os 11 professores que lecionam no CeL são descendentes de japoneses. este fato é importante para se pensar na formação linguística deles, uma vez que todos estudaram em escolas de língua japonesa onde se ensinava esta língua à base de cópia dos caracteres japoneses e pouca importância era dada à oralidade da língua, pois se cogitava que esta era falada dentro de casa (morALes, 2009, pp.76-79). e esta exemplificação nos mostrará se a formação deles

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como professor de língua estrangeira está sendo de fato absorvida para o exercício de sua função como professor ou se há algum fator que os impede de executar em aula o que aprenderam nos cursos de formação.

em relação à fonética, perguntamos sobre os itens básicos deste campo. A primeira pergunta foi sobre se tinham conhecimento dos itens que citamos abaixo. o resultado dentre as 17 respostas em número de respostas afirmativas foram as seguintes (número de respostas afirmati-vas entre parênteses): par mínimo ( 4 ), traços distintivos ( 2 ), ritmo ( 8 ), mora (haku) ( 7 ), acento (14), entoação (13), proeminência ( 7 ), sílaba (13), sílaba tônica (10), sokuon (12), chô-on ( 7 ), hatsu-on (15). porém, ao perguntarmos qual destes itens eles saberiam explicar de imediato, o número de respostas afirmativas para cada item diminuiu considera-velmente. os números foram: par mínimo ( 0 ), traços distintivos ( 1 ), ritmo ( 2 ), mora (haku) ( 2 ), acento ( 5 ), entoação ( 9 ), proeminência ( 0 ), sílaba ( 6 ), sílaba tônica ( 5 ), sokuon ( 8 ), chô-on ( 5 ), hatsu-on ( 8 ).

referente à pergunta “onde você aprendeu sobre fonética e fono-logia?”, as respostas foram: na faculdade (5), em cursos de formação de professores (6), em curso de treinamento no Japão (4), estudando por conta própria (2), nunca estudei este assunto (0).

no que se refere ao item sobre a utilização de materiais de áudio em sala de aula, perguntamos se eles utilizavam aparelhos de Cd. 5 dentre os 17 professores responderam que nunca utilizavam. Quanto à utilização de aparelhos de videocassete ou dVd, as respostas “nunca”, foram 6 e 7, respectivamente. ou seja, ainda uma grande parte dos professores não se sente à vontade com materiais que, com certeza, em sua época de aprendiz desta língua não eram frequentemente utilizados por seus professores. Quando perguntados sobre o porquê da não utilização frequente destes aparelhos, a justificativa é de que “depende de estarem disponíveis no colégio” ou “uso pouco por falta de materiais adequados e orientações e sugestões para melhor apro-veitamento dos mesmos”.

8. AnáLise dAs resposTAs e ConCLusÃo

em relação ao conhecimento dos termos básicos de fonética, notamos que ao serem perguntados se saberiam explicar de imediato, as respostas afirmativas não eram muitas. isto pode ser um indicador

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de que os professores receberam orientações sobre a parte teórica em cursos de formação ou de aperfeiçoamento, porém, não a absorveram por completo. pela pergunta seguinte sobre onde aprenderam sobre os itens em questão, constatamos que todos eles tiveram algum tipo de contato com estes itens, mesmo que por conta própria. isto demonstra que todos procuraram de algum modo estudá-los.

no entanto, ao perguntarmos sobre os exercícios de compreensão oral com a utilização dos materiais em Cd, dVd e outros, nos deparamos com problemas, não somente de conhecimento na área do ensino de língua japonesa, mas também de material: falta de materiais adequados ou orientação sobre a sua utilização e falta de disponibilidade de apare-lhagem na escola. A primeira questão, relacionada à orientação de como e o que deve ser utilizado, cabe aos cursos de formação e aperfeiçoamento; a segunda, que seria disponibilizar materiais e aparelhagem adequada para não prejudicar o ensino, cabe às escolas. porém, entende-se que cada professor em exercício do seu trabalho consiga absorver e utilizar o conhecimento adquirido em seus cursos e estudos adequadamente. em relação à aplicação prática do conhecimento adquirido, reis (1999, 140) diz que “(...) o modo como o professor irá reagir ao conhecimento proposto nos eventos acadêmicos, assim como em artigos e livros pu-blicados, pode simplesmente torná-lo um reprodutor do discurso dos outros, sem ter examinado cada proposição em contraste com sua própria prática”. portanto, não bastaria fornecermos informações para que cada professor utilize as propostas ouvidas num curso de alguma forma. isto acarretaria em uma prática não consciente que posteriormente pode se tornar algo não muito útil para o que este professor saiba exatamente do que os seus aprendizes necessitam.

e concernente ao ambiente de ensino de língua japonesa no Bra-sil, como vimos no início deste texto, os CeLs e CeLems são projetos de âmbito estadual, oferecidos com o intuito de ampliar o leque de opções de ensino de línguas. e vimos que neste momento, há escassez de mão de obra especializada. porém, o fato de formarmos professores não basta para que a realidade do ensino mude. Analisamos apenas um ângulo do conhecimento dos professores dos CeLs e CeLems para chegarmos à conclusão de que eles têm, sem dúvida, mais acesso ao conhecimento sobre o ensino de língua estrangeira e, consequente-mente, de japonês, comparado aos professores das décadas de 1960, 1970 (morALes, 2009, pp. 28-42). segundo Almeida Filho (1999, p. 23),

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“(...) não basta formar o professor para transformar a cena profissional como um todo de uma região ou país. Faz-se urgente e indispensável na sequência ir pensando sobre como formar o público, os alunos para melhor aprender, formar os produtores de materiais, os quadros diri-gentes na escola (diretora, supervisora, coordenadora pedagógica de equipe), em como preparar formadores que trabalham com os profes-sores postos em análise, em como formar autoridades, os legisladores e os políticos que juntos entoam um acompanhamento nem sempre bem-sonante para o ensino das línguas no currículo escolar”.

desse modo, faz-se necessário um esforço conjunto tanto dos formadores quanto da política de ensino para que os professores de língua japonesa das escolas estaduais possam exercer a sua função de forma plena e eficaz.

reFerênCiAs

ALmeidA FiLHo, J. C. p. Análise de abordagem como procedimento fundador de auto-conhecimento e mudança para o professor de língua estrangeira. in: O professor de língua estrangeira em formação. Campinas-são paulo: pontes editores, pp. 11-28, 1999.

CenTro BrAsiLeiro de LínguA JAponesA. disponível em <http://cblj.com.br/cblj-po/bolsa-p.htm> Acesso: setembro de 2011.

morALes, L. m. Cem anos de imigração japonesa no Brasil: o ensino de japonês como língua estrangeira. são paulo, 2009, 313 f. Tese (doutorado em Linguística) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, universidade de são paulo.

reis, s. expressões de conhecimento de uma iniciante na formação de professores de língua estrangeira: um estudo de imagens. in: ALmeidA FiLHo, J. C. p. (org.). O professor de língua estrangeira em formação. Campinas-são paulo: pontes editores, pp. 139-156, 1999.

sCHmidT, m. A. r. Centro de Estudos de Línguas: o contexto do estado de são paulo, 2005. disponível em <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada5/TrABALHos/gT3_e_medio/8/308.pdF> Acesso: setembro de 2011.

seCreTAriA dA eduCAÇÃo do esTAdo do pArAná. Centro de Línguas Estrangeiras Modernas. paraná, 2010. disponível em <http://www.diaadia.pr.gov.br/celem/> (acesso em setembro/2011)

seCreTAriA dA eduCAÇÃo do esTAdo de sÃo pAuLo. Centro de Estudos de Línguas. são paulo, Fde, 1989. disponível em <http://cenp.edunet.sp.gov.br/CeL/historia.asp> Acesso: setembro de 2011.

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Capítulo 2

A FormAÇÃo de proFessores e A reFormA CurriCuLAr em LeTrAs-JAponês nA unB

Kyoko seKino(universidade de Brasília)

Alice Tamie JoKo(universidade de Brasília)

RESUMO: este artigo revisa, na ocasião em que a área de Japonês da universidade de Brasília (unB) completa 30 anos, os pontos marcan-tes que influenciam o nosso direcionamento e objetivo do ensino de língua japonesa. Considerando a realidade de hoje, precisa-se de um novo perfil para futuros professores da língua japonesa, uma vez que o perfil dos novos alunos é de falante nativo de português. Logo, para os formandos de japonês desta instituição, exige-se a capacidade crítica e analítica, a flexibilidade e criatividade para estreitar a lacuna entre duas línguas distantes: português e japonês. A percepção dos alunos com este perfil, diferente da dos professores nativos ou nikkeis, pode ajudar por si mesmo na aprendizagem desta língua, o que garante o êxito no futuro ensino de japonês como Le/L2. Com esta visão, junta-mente aliada ao objetivo do curso de Letras da unB, preparamo-nos para atender à reforma curricular proposta pelo meC.

PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores de Le; Língua japonesa como Le; Falantes nativos de português.

ABSTRACT: This article reviews, in the occasion of the completion of 30 years of the Japanese course of the university of Brasília (unB), the important points that have influenced our direction and objectives in the teaching of Japanese. Taking into account of today’s reality, a new profile for the future teacher of Japanese is needed, since the stu-dents’ profiles have changed to that of the native portuguese speaker.

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Therefore, it demands from the new teachers the critic and analytical capacity, flexibility and creativity to fill the gap of these two distant languages: portuguese and Japanese. The perception of the students who have this profile, different from the one of the native Japanese and nikkei teachers, may help themselves in learning the language, which guarantees the success of future teaching of Japanese as FL (Foreign Language)/L2. With this perspective, accompanying the objectives of the course of Letters of unB, we are preparing ourselves to meet the Curriculum reform proposed by meC.

KEYWORDS: FL teacher training; Japanese language as FL; portuguese native speakers.

1. inTroduÇÃo A universidade de Brasília (unB) é a única instituição federal de

ensino superior do distrito Federal, cuja população soma mais de 2,4 milhões de habitantes1. inaugurada em 1962, hoje a unB possui mais de 2 mil professores e cerca de 28 mil estudantes. É constituída por 25 institutos e faculdades e 25 centros de pesquisa especializados. Tem como missão “produzir, integrar e divulgar conhecimento, formando cidadãos comprometidos com a ética, a responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável”2.

o instituto de Letras (iL) da unB abriga três departamentos, a saber: Linguística, português e Línguas Clássicas (Lip); Teoria Literária e Literaturas (TeL) e Línguas estrangeiras e Tradução (LeT), em que o curso de japonês é inserido. este último oferece as seguintes habilitações de Letras: bacharela-do em Língua Francesa, Língua inglesa e em Línguas estrangeiras Aplicadas; Licenciatura em Língua Francesa, Língua inglesa, Língua espanhola e Língua Japonesa; Tradução - bacharelado em inglês, Francês e espanhol3. no site do iL é possível observar uma ampla expectativa na formação de futuros profissionais competentes no mercado de trabalho:

1 esta informação encontra-se no portal do cidadão do distrito Federal; <http://www.distritofederal.df. gov.br.> Acesso em julho de 2011.2 estas informações encontram-se no site da unB: <http://www.unb.br/sobre> Acesso em julho de

2011.3 os dados encontram-se no site do iL da unB: <http://www.unb.br/aluno_de_graduacao/cursos/

letras> Acesso em julho de 2011.

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o estudante receberá uma formação ampla e aprofun-dada dos conteúdos específicos do curso, os quais se subdividem em três grandes áreas: formação em teoria e análise linguística, formação em língua portuguesa ou na língua estrangeira escolhida, formação em teoria lite-rária e na literatura específica da habilitação. os futuros professores também são capacitados na área pedagógica. A graduação em Letras-Tradução é voltada para a escrita e não para a tradução simultânea. nesse caso, os alunos aprendem práticas de tradução (da língua portuguesa) e versão (da língua portuguesa para língua estrangeira) de textos gerais, literários, jurídicos, econômicos, técnicos e científicos. (http://www.unb.br/aluno_de_ graduação/ cursos/letras).

Além da graduação, o LeT possui o programa de pós-graduação em Linguística Aplicada (ppgLA), o qual tem como objetivo: incentivar os formados, tanto recentes quanto aqueles que já atuam profissionalmen-te, para estudos avançados com oportunidades de aprofundar a teoria e metodologia relacionada com o ensino/aprendizagem e aquisição de L2; promover a compreensão sociocultural e psicológica dos alunos, professores e/ou a interação entre estas duas partes e esclarecer melhor o processo/mecanismo de aquisição de línguas estrangeiras (Le) ou L2s e outros fatores pertinentes a esses assuntos.

o curso de Licenciatura em Língua e Literatura Japonesa (Letras-Japonês) compartilha do objetivo do iL de formar profissionais habi-litados no âmbito de Letras em geral, além de uma língua específica, no caso, a japonesa. Assim sendo, os alunos deverão desenvolver o espírito científico e crítico para saber analisar assuntos de línguas e linguagens metodologicamente e usá-las. no entanto, ressalta-se que no curso de Licenciatura em Língua e Literatura Japonesa há fatores peculiares que não podem ser comparados com outros cursos de li-cenciatura em línguas estrangeiras (inglês, francês e espanhol) que são próximas à língua portuguesa, língua materna (Lm)4 ou primeira língua (L1) dos alunos em geral.

4 A Lm se caracteriza, geralmente, por ser a de origem e usada no dia a dia, enquanto a L1 é a língua que aprendemos primeiro em casa, através da família, sendo frequentemente também a língua falada em comunidade. neste artigo, tratamos a Lm e a L1 como iguais, se não houver especificação no sentido contrário. esta abordagem é razoável no atual contexto brasileiro, haja vista que todas as comunidades de imigrantes estão integradas à sociedade através da instrução escolar nacional, que usa a língua portuguesa como língua de instrução.

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Assim, neste artigo discutiremos, primeiramente, sobre a forma-ção de professores do japonês, revisando a exigência da Lei brasileira e a realidade encontrada no Brasil e na unB em termos de ensino da língua japonesa. em seguida, tentaremos descrever nossa expectativa acerca dos futuros professores de japonês, especificamente apontando o que eles podem oferecer à comunidade escolar brasileira que não tem, necessariamente, contato com a comunidade japonesa. por último, baseando-se no contexto atual dos alunos e do mercado, discutiremos sobre a reforma curricular, em consonância com as orientações das diretrizes Curriculares e visando, ao mesmo tempo, ao aprimoramento do curso de Letras-Japonês da unB.

Antes de entrarmos no tema proposto, faremos um breve retros-pecto do ensino de língua japonesa na unB, que completa 30 anos em 2011.

2. ConTexTo ACerCA do ensino de LínguA JAponesA: proFessores FormAdos e nÃo FormAdos

o curso de japonês na unB iniciou-se na modalidade de extensão há

30 anos com o apoio da Fundação Japão5, entidade cujo objetivo principal é a disseminação da língua japonesa como Le6. passados dois anos, foram criadas as disciplinas de Língua Japonesa de 1 a 4 como um dos compo-nentes do leque de ofertas do LeT das chamadas línguas instrumentais, obrigatórias, optativas ou de livre escolha (módulo livre) para todos os alunos da unB. paralelamente a essas duas modalidades de ofertas, em 1997 a unB criou no instituto de Letras – iL, o curso de Licenciatura em Língua e Literatura Japonesa para responder às demandas da sociedade e do mercado de trabalho local e regional. surgiu, assim, o quarto curso de licenciatura com habilitação no ensino de japonês no Brasil, sendo o segundo numa instituição federal de ensino superior.

Fazendo uma rápida retrospecção histórica, na época, a Agência de Cooperação internacional do Japão - JiCA mantinha cooperação

5 A Fundação Japão é uma entidade japonesa cujo objetivo é a divulgação da cultura japonesa. um dos seus objetivos é a divulgação e melhoria no ensino de língua japonesa como Le, apoiando escolas nas principais cidades do mundo com a ajuda de materiais didáticos, intercâmbios (tanto de alunos como de especialistas) e delegações de profissionais. Há 22 escritórios fora do Japão.

6 nesse sentido, a Fundação Japão difere da JiCA (Japan International Cooperation Agency). enquanto a primeira tem como objetivo apoiar os profissionais e instâncias que ensinam o japonês como Le, a segunda apoia o ensino de língua japonesa como língua de herança, praticado na comunidade de imigrantes japoneses e seus descendentes.

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num projeto da unB financiando a vinda de especialistas japoneses na área de engenharia civil. na mesma época, a embaixada do Japão começou a emitir vistos de trabalhador para, principalmente, os nikkeis e seus familiares que tinham objetivo de ir trabalhar no Japão tempo-rariamente. esta última movimentação, ou seja, a estadia temporária dos brasileiros no Japão, aumentou durante os 10 anos subsequentes aproximadamente, até a crise econômica mundial conhecida como Lehman Shock7. Justamente durante esse período, o interesse pelo curso de língua japonesa também cresceu, ganhando a atenção dos jovens através da influência trazida pela globalização geral e pela movimen-tação tanto de brasileiros no Japão quanto de japoneses no Brasil.

em 2006, realizaram-se na universidade de são paulo (usp) o xVii encontro nacional de professores universitários de Língua, Lite-ratura e Cultura Japonesa e o iV Congresso internacional de estudos Japoneses no Brasil (enpuLLCJ). no programa, houve uma mesa redonda sobre a formação de professores da língua japonesa. Assim, por meio dos Anais desse evento, veremos o conteúdo discutido na sessão8.

sobre a formação de professores, Joko (2006) se refere à Lei no. 9394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, a LdB. A autora destaca os aspectos da LdB que considera mais importantes no que diz respeito à formação de profes-sores. de acordo com a lei, o curso de licenciatura forma professores de ensino básico, que abrange educação infantil, ensino Fundamental e ensino médio. desses níveis, é previsto obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar. dentro das possi-bilidades da instituição, pode haver uma segunda língua estrangeira moderna, em caráter optativo.

Justifica-se, assim, a necessidade de instituições de ensino superior manterem os cursos de licenciatura em diversas línguas estrangeiras. do contrário, esses artigos tornam-se letras mortas, pois, se não há profissional no mercado, não há como cumprir a lei.

A educação superior, segundo a referida lei, tem por finalidade, resumidamente:

7 no dia 15 de setembro de 2008, ocorreu a falência do Lehman Brothers, uma das maiores instituições financeiras do mundo, fato a que se atribui a crise financeiro-econômica mundial.

8 os componentes dessa mesa redonda foram: profa. dra. elza Taeko doi, então professora da uniCAmp, profa. mayumi edna iko Yoshikawa, da Fundação Japão em são paulo, profa. Alice Tamie Joko, da unB e profa. dra. sumiko nishitani ikeda, da puC-sp (coordenadora da mesa).

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1. estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;

2. Formar diplomados aptos para a inserção em setores profissionais;3. incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica;4. promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos

e comunicar o saber através do ensino e de publicações;5. suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional

e possibilitar sua concretização;6. estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente e7. promover a extensão, difundindo pela população o saber gerado na

instituição.

A formação de profissionais da educação, ainda segundo a LdB, tem como fundamentos:

1. A associação entre teorias e práticas;2. o aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições

de ensino e outras atividades.

Assim sendo, a formação de docentes para atuar na educação básica, de acordo com a lei, faz-se através do curso de licenciatura de graduação plena (exceção feita ao ensino infantil e às quatro primei-ras séries do ensino Fundamental). Além disso, a formação docente, exceto para a educação superior, tem de incluir prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas.

As diretrizes Curriculares específicas para os cursos de Letras são estabelecidas pela resoLuÇÃo Cne/Ces (Conselho nacional de educação/Câmara de educação superior) 18, de 13 de março de 2002, e orientam a formulação do projeto pedagógico do curso.

esta define o perfil dos formandos como:

o objetivo do Curso de Letras é formar profissionais in-terculturalmente competentes, capazes de lidar, de for-ma crítica, com as linguagens, especialmente a verbal, nos contextos oral e escrito, e conscientes de sua inser-ção na sociedade e das relações com o outro. indepen-dentemente da modalidade escolhida, o profissional em Letras deve ter domínio do uso da língua ou das línguas que sejam objeto de seus estudos, em termos de sua es-trutura, funcionamento e manifestações culturais, além

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de ter consciência das variedades linguísticas e culturais. deve ser capaz de refletir teoricamente sobre a lingua-gem, de fazer uso de novas tecnologias e de compreen-der sua formação profissional como processo contínuo, autônomo e permanente. A pesquisa e a extensão, além do ensino, devem articular-se neste processo. o pro-fissional deve, ainda, ter capacidade de reflexão crítica sobre temas e questões relativas aos conhecimentos lin-guísticos e literários.

sobre Competência e Habilidades, estabelece:

o graduado em Letras, tanto em língua materna quan-to em língua estrangeira clássica ou moderna, nas mo-dalidades de bacharelado e de licenciatura, deverá ser identificado por múltiplas competências e habilidades adquiridas durante sua formação acadêmica convencio-nal, teórica e prática, ou fora dela.

nesse sentido, visando à formação de profissionais que demandem o domínio da língua estudada e suas cultu-ras para atuar como professores, pesquisadores, críticos literários, tradutores, intérpretes, revisores de textos, roteiristas, secretários, assessores culturais, entre outras atividades, o curso de Letras deve contribuir para o de-senvolvimento das seguintes competências e habilidades:

• domínio do uso da língua portuguesa ou de uma lín-gua estrangeira, nas suas manifestações oral e es-crita, em termos de recepção e produção de textos;

• reflexão analítica e crítica sobre a linguagem como fenômeno psicológico, educacional, social, histórico, cultural, político e ideológico;

• visão crítica das perspectivas teóricas adotadas nas investigações linguísticas e literárias, que fundamen-tam sua formação profissional;

• preparação profissional atualizada, de acordo com a dinâmica do mercado de trabalho;

• percepção de diferentes contextos interculturais;• utilização dos recursos da informática; • domínio dos conteúdos básicos que são objeto dos

processos de ensino e aprendizagem no ensino fun-damental e médio;

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• domínio dos métodos e técnicas pedagógicas que permitam a transposição dos conhecimentos para os diferentes níveis de ensino. (RESOLUÇÃO CNE/CES 18, de 13 de março de 2002)

o “profissional de letras deverá, ainda, ter (...) a capacidade de resolver problemas, tomar decisões, trabalhar em equipe” e “estar com-promissado com a ética, com a responsabilidade social e educacional, e com as consequências de sua atuação no mundo do trabalho”. Além disso, “o profissional de Letras deverá ampliar o senso crítico necessário para compreender a importância da busca permanente da educação continuada e do desenvolvimento profissional” (idem.).

Assim, aos formados em Letras-Japonês são igualmente exigidas a competência e a habilidade profissional básica dos formados em cur-sos de Letras. no entanto, a língua japonesa, segundo morales (2010), possui uma peculiaridade de ter sido ensinada por uma variedade de pessoas que sabem usar esta língua, pois o ensino desta língua tradi-cionalmente vinha sendo realizado predominantemente em escolas de línguas, geralmente particulares, em comunidades de imigrantes japoneses. o contexto do ensino de língua japonesa vem sofrendo mudanças nas últimas décadas, mas constata-se que até recentemente não havia ensino formal desta língua em instâncias públicas. morales (op. cit.), no seu artigo, ilustra a história do ensino desta língua no Brasil com o foco da mudança no perfil dos instrutores de acordo com a mudança de status da língua japonesa de L1 para língua de herança (LH); de LH para Le/L2.

desta forma, o tratamento da língua japonesa está mudando de língua de uma comunidade específica para língua ensinada na comuni-dade brasileira em geral. A primeira mudança ocorreu quando muitos imigrantes abandonaram seu plano inicial de voltar ao Japão e passa-ram a se integrar à comunidade brasileira. A segunda mudança ainda está em processo e deve-se à impossibilidade de manter o método de leitura e escrita tradicionalmente praticado nessas escolas de ensino de japonês. Com o passar das gerações, poucos nipo-descendentes são capazes de entender a língua japonesa. Assim, foi preciso mudar a metodologia de ensino de LH para Le/L2. isso tornou o ensino acessível aos não descendentes nipônicos. Assim, começou-se a abrir o ensino da língua japonesa para a comunidade brasileira em geral. Consequen-

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temente, mesmo que se trate de ensino não formal, a exigência aos instrutores tem aumentado cada vez mais, para atender à demanda geral da comunidade que manifesta interesse em aprender a língua japonesa como Le, por diversos motivos.

este fato não deve ser ignorado, visto que os professores não for-mados ainda tomam conta do mercado do ensino de língua japonesa, tanto em comunidades nipo-brasileiras quanto em escolas particulares de língua japonesa. essas escolas particulares, principalmente as que têm origem na comunidade nipo-brasileira, fazem acordo de coope-ração mútua e são filiadas a uma entidade superior, tais como as asso-ciações de ensino de língua japonesa9, para melhorar a qualidade de ensino. As associações buscam recursos para renovar o conhecimento metodológico e teórico dos professores para atender à demanda do mercado de ensino/aprendizagem da língua japonesa. realizam-se várias vezes durante o ano palestras, workshops e outras atividades voltadas aos professores para promover seu aprimoramento tanto no ensino quanto no conhecimento10. morales (2010) mostra que os japoneses e seus descendentes tomam conta do corpo docente de um grande centro de ensino de língua japonesa em são paulo. por exemplo, segundo os dados apresentados, em relação à ascendência dos professores, 91% são japoneses ou seus descendentes. Também mais de 80% dos professo-res aprenderam a língua japonesa como L1 ou LH (morALes, op. cit., p.711). estes dados revelam que a capacidade do uso da língua destes professores em escolas particulares deve ser razoavelmente alta, haja vista que convivem com a língua japonesa desde cedo ou permanen-temente. ressalta-se, no entanto, que em muitos casos eles não são licenciados no ensino desta língua, nem em outras línguas estrangeiras.

Feitas as constatações acima, passaremos a indagar o que as uni-versidades que têm curso de licenciatura em língua japonesa podem oferecer aos alunos para que se formem como professores competentes desta língua, apregoados pela Lei. em termos de competência linguís-tica da língua alvo, os formados talvez não atinjam, em curto prazo de formação, aquele nível que os professores não licenciados, falantes de

9 É um exemplo o Centro Brasileiro de Língua Japonesa em são paulo, fundado em 1988, uma asso-ciação de abrangência nacional que congrega um grande número de escolas de ensino da língua japonesa.

10 A maioria dos eventos tem sido realizada com o apoio da Fundação Japão, JiCA e embaixada do Japão (ou Consulados japoneses).

11 os dados foram extraídos do Centro Brasileiro de Língua Japonesa – guia escolar 2004 e Centro Brasileiro de Língua Japonesa – Censo para certificação de professores 2004-2005.

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japonês como Lm ou LH, possuem. em termos de conhecimento meto-dológico, estes últimos também se reciclam periodicamente através de eventos realizados pelas associações. para os licenciados que aprendem a língua japonesa como Le dentro do currículo acadêmico, o panorama brasileiro atual do ensino desta língua exibe condições adversas se eles querem competir com outros já inseridos no mercado de trabalho.

diante de tais circunstâncias, com o que os licenciados podem contribuir no ensino de japonês no Brasil? na próxima seção vamos mostrar que a resposta é: trazer suas percepções sobre esta língua, suas visões sobre a cultura, atitudes e compreensão diante desta língua em um novo contexto brasileiro. Ao mesmo tempo, eles podem utilizar a língua japonesa como instrumento para estimular os alunos para o desenvolvimento intelectual.

3. A FormAÇÃo de proFessores CAso espeCíFiCo de LínguA JAponesA

A seguir, discutiremos sobre a formação de professores de japonês num curso de licenciatura, tomando como parâmetro a Licenciatura em Língua e Literatura Japonesa da universidade de Brasília.

Já foi dito anteriormente que, historicamente, no caso de ensino da língua japonesa, o Brasil apresenta peculiaridades devido à presen-ça dos imigrantes japoneses e de seus descendentes, que formam o maior contingente de professores desta língua no Brasil, mesmo nos dias de hoje.

os licenciados, contudo, podem refletir o atual contexto bra-sileiro quanto à língua japonesa. Considerando a idade dos alunos que ingressam na unB, sua faixa etária está entre 18 e 22 anos, salvo algumas exceções. para esses jovens, a imagem do Japão no século xxi é diferente daquela que foi ensinada para os professores nativos/descendentes atuantes no mercado. ressalta-se que a situação do Brasil no mundo de hoje também é diferente. A partir das mudanças de pós-globalização, a educação brasileira também está em outra fase, tendo em vista que a mudança do status do país para mercado emergente e potencial, o que influencia a consciência do cidadão e este passa a exigir aos órgãos competentes a melhoria de qualidade na educação. outra mudança trazida pela globalização foi a necessidade da mu-

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dança de paradigma no ensino de Le, devido à diversificação do seu público-alvo. o cânone “ensino de Le através da estrutura” mostrou-se ineficaz diante da heterogeneidade das necessidades do seu público. o seu reverso, a ênfase na aquisição de competência oral através de exposição e imersão na língua-alvo, também comprovou sua inefici-ência, principalmente, no tocante à precisão, fato esse demonstrado em vários estudos científicos. Chegou-se, portanto, à necessidade de revisar o objetivo do ensino/aprendizagem da Le.

moita Lopes (1996) indaga no seu artigo se a ênfase na habilidade oral, ou seja, no comunicativismo oral no ensino de Le/L2, seria ade-quada no contexto brasileiro. referindo-se principalmente ao ensino de inglês, o autor critica este objetivo na aprendizagem de inglês, visto que, na realidade, apenas uma minoria usa essa língua para comunicar-se com outros. o contexto da maioria dos brasileiros não se coaduna com o objetivo proposto. Assim, o autor sugere ensinar mais a habilidade de leitura para os alunos brasileiros, visto que pre-cisarão desta, um dia, no âmbito acadêmico. Acredita também que a atividade de leitura desenvolve a metacognição dos alunos, cujo efeito pode influenciar o desenvolvimento intelectual do indivíduo (pAiVA, 1998). neste ponto, Fantini também defende que na leitura em Le/L2 os leitores eficientes aparentemente usam certas estratégias tais como “integração, reconhecimento de aspectos da estrutura do texto, uso de conhecimento geral, experiências pessoais e associações, e reação de modo reflexivo ou de modo extensivo” (FAnTini, 1996, p. 103). isto mostra que a leitura em Le/L2 é certamente um estímulo que integra várias habilidades cognitivas. decorridos 15 anos da publicação do livro de moita Lopes, o contexto brasileiro agora é outro. Tomemos como exemplo dois acontecimentos pontuais: em 2014, o Brasil será o país anfitrião da 20ª Copa do mundo, o Campeonato mundial de Futebol, e em 2016, também assumirá esse mesmo papel para os Jogos olímpicos. para esses eventos mundiais, muitos jovens voluntários ou contrata-dos tanto pelo governo como por outras entidades recepcionarão os estrangeiros, que exigirão uma comunicação razoável em busca de informações. portanto, mesmo não negando a importância da leitura em Le/L2, o ensino deve acompanhar a demanda do contexto social para assegurar um ensino significativo e eficaz que faz sentido à sociedade.

Voltando ao tema de ensino de japonês, este talvez não compar-tilhe o mesmo nível de demanda que o de inglês ou o de espanhol,

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apesar da crescente tendência social contemporânea que privilegia a comunicação oral em Le/L2. no entanto, o domínio do japonês pode abrir várias portas quanto a empregos, bolsas de estudos, incluindo oportunidades de intercâmbio de curta duração, e empreendimentos inovadores. Assim, podemos manter a posição de moita Lopes, que apoia o ensino de habilidade de leitura para o desenvolvimento da metacognição dos alunos. Além da leitura, acrescentaremos a relevân-cia da habilidade escrita. diferentemente de outras línguas como o inglês ou o espanhol, a língua japonesa é, muitas vezes, procurada por jovens por causa de sua escrita. no dia a dia, vários canais nacionais da televisão aberta mostram desenhos animados importados. A partir da década de 1990, a frequência dos desenhos animados japoneses (doravante “animê”) tem crescido no espaço da TV12 e sua presença já se estabilizou. Além da TV, mangás (histórias em quadrinhos) e jogos conquistam o mundo de hoje. muitos jovens usam jogos japoneses em sua língua original, principalmente nos comandos escritos nos jo-gos, de onde as crianças e adolescentes têm o primeiro contato com a língua japonesa. isso significa que os jovens convivem com a língua japonesa, recebendo, mesmo que passivamente, input e estímulos no seu cotidiano, o que se reflete na configuração cultural dos jovens brasileiros no século xxi. Compreende-se, assim, que a língua japonesa está presente no contexto real dos brasileiros. ou seja, tecnicamente falando, os jovens da classe média, principalmente, estão constante-mente em contato com o japonês por meio de leitura e compreensão dos caracteres japoneses.

morales (2010) comenta que no ensino tradicional da língua japo-nesa para os filhos de imigrantes, na zona rural, o principal foco era a alfabetização nessa língua. por isso, muitas vezes, os imigrantes não aptos a trabalhar na agricultura eram designados para ensinar a escrita japonesa, hiragana, katakana e kanji, mesmo sendo leigos neste ofício. Como se tratava de Lm, o ensino de escrita significava alfabetizar as crianças para ler e entender textos. em síntese, como a língua japo-

12 segundo Luyten (2005), na década de 1980 começou a emissão de animê em TV. porém, de acordo com Faria, “o que realmente deu certo nessa época, foram os seriados tokusatsu como Jaspion, Changeman, Jiraiya entre outros, exibidos na sua maioria pela rede manchete, (...). Foi somente nos anos 90, com a exibição da série de animê. os Cavaleiros do zodíaco pela rede manchete, que a animação japonesa começou a ganhar espaço em terras brasileiras, abrindo portas para outros sucessos do Japão como sailor moon, dragon Ball, entre outros”. < http://fido.palermo.edu/servi-cios_dyc/publicacionesdc/vista/detalle_articulo.php?id_libro=1&id_articulo=5654.> (Acesse em julho de 2011)

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nesa não usa letras romanas, os alunos têm que aprender caracteres japoneses para ler e, na memorização dessas letras, usa-se a técnica da escrita. Assim, no japonês a escrita não se trata apenas de redação, mas de aquisição de ferramentas para a aprendizagem desta língua. embora exista um método de aprender a língua japonesa usando so-mente letras romanas, na formação de professores, este não se aplica devido à falta de adequação.13

dos três sistemas de escrita supracitados, os alunos demonstram maior dificuldade na aprendizagem de kanji – ideogramas original-mente trazidos da China. na unB, durante a formação, dois mil kanji são exigidos para os alunos aprenderem. Tal número é considerado suficiente para a leitura de textos midiáticos simples.14 no entanto, observa-se que a maioria dos alunos não consegue assimilar os kanji durante a sua formação. Assim, os kanji ou o número de kanji ensina-dos são obstáculos para os alunos obterem bom domínio desta língua. entretanto, acreditamos que a apreensão da leitura e do significado de kanji pode ser feita de forma autônoma pelos alunos, visto que este sistema de escrita pode ser considerado como uma agregação de componentes menores. se os alunos querem aprender um novo kanji, o sistema lhes permite que o façam de forma autônoma. É ex-tremamente importante este aspecto da língua japonesa de poder oferecer oportunidade de cada um construir seu próprio método e estratégias de aprendizagem. por ser uma língua distante da Lm/L1 do aluno, a aprendizagem tem o mérito de lhes trazer treinamento para ampliar sua capacidade analítica e metodológica e para usar estratégias conscientes e criativas. desta forma, os alunos desenvol-vem a metacognição, pela qual reconhecem problemas, analisam-nos, tentam explicá-los e resolvê-los. Assim, prevalece o estudo acadêmico no curso de Letras-Japonês que poderá oferecer outra abordagem 13 existem algumas associações que promovem o uso desses sistemas de escrita (国際日本語学会日

本ローマ字会 [Kokusai nihongo gakkai Nihon rômaji kai; Academia internacional da Língua Japonesa; Associação das Letras romanas do Japão], 日本のローマ字社 [Nihon no rômaji sha; Companhia das Letras romanas do Japão]. no entanto, na realidade, a sociedade japonesa não adota esse sistema escrito em publicação geral. se os aprendizes desta língua não aprenderem a ler em outros siste-mas, o conjunto de hiragana, katakana e kanji, o aprendizado se tornaria apenas teórico, que não se aplica em atividades inteligíveis japonesas. portanto, o ensino de língua japonesa que envolve somente o sistema escrito romano não deve ser adequado, principalmente, para os alunos na formação de professores desta língua.

14 esse número não é aleatório. Corresponde a jôyô kanji, lista de kanji selecionados pelo ministério da educação e Ciência do Japão. em 1981, estabeleceram-se 1945 kanji a serem utilizados em textos oficiais, imprensa, e demais veículos de divulgação escritos em japonês. em 2010, houve um acréscimo e atualmente são 2136 caracteres. essa catalogação é um indicativo e não possui força de lei.

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mais sensível ao contexto brasileiro, o que é diferente da práxis do ensino dentro da comunidade japonesa no Brasil.

revendo o objetivo da formação de professores de língua japonesa, ressalta-se o ponto discutido na formação geral em Le: os cursos de licenciatura em Letras, em geral, têm por objetivo formar profissionais que saibam explicar o processo de aprendizagem com consciência de métodos e estratégias adquiridas durante sua formação, promovendo a autonomia e criatividade dos indivíduos. Com o uso de uma língua dis-tante da sua como o japonês, os alunos em formação têm de reconhecer os caracteres japoneses e conscientemente usá-los como ferramenta, aplicando-os na leitura de textos, a fim de aperfeiçoar sua habilidade analítica, metodológica e crítica. Acreditamos também que os alunos que conseguem se concentrar no aprimoramento destas habilidades, sem dúvida, adquirem não só a competência, mas também bom desem-penho no uso da língua japonesa. isto significa que eles estarão aptos ao desempenho profissional no mercado de trabalho, não apenas no sentido de trabalho docente, mas no sentido de desempenhar papel de técnico linguístico, compreendendo textos japoneses e falando a língua japonesa na situação de comunicação profissional. Consequentemente, este treinamento acadêmico ou espírito acadêmico dos alunos é que pode conquistar o mercado de trabalho, competindo com os bilíngues precoces criados na comunidade japonesa no Brasil.

portanto, a ênfase na formação de profissionais em Licenciatura em Língua Japonesa é oferecer novo perfil profissional no mercado de trabalho tanto nacional como internacional, o que é adequado e razoável no contexto brasileiro, independente do cenário atual do en-sino de língua japonesa numa comunidade específica (ribeiro, 2010)15. os formados serão modelos dos futuros jovens aprendizes da língua japonesa que, além de ampliar suas capacidades, poderão ampliar o campo profissional. os formados, então, poderão descobrir um novo valor na aprendizagem da língua japonesa e um novo caminho com o uso desta língua como ferramenta.

15 Ainda temos que considerar os fatos acerca da língua de herança. no caso do japonês, a questão do ensino de língua de herança está nas mãos de japoneses e seus descendentes e, ao mesmo tempo, é uma demanda, o que exige mais pesquisas. no Brasil, não há ainda muitas pesquisas sobre o ensino de uma língua de herança. segundo Almeida Filho, “o desejo de formar classes de (...) Língua de Herança precisa invariavelmente de apoios para que suas práticas se estabeleçam em bases contemporâneas de ensino e aprendizagem.”

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4. ensino de LínguA JAponesA nA rede pÚBLiCA: o CiL de BrAsíLiA

o Centro interescolar de Línguas de Brasília – CiL foi fundado há

35 anos e integra a estrutura da secretaria de estado de educação do distrito Federal – seedF, juntamente com outras sete escolas públicas responsáveis por ministrar aulas no componente Língua estrangeira moderna (Lem). o objetivo geral do CiL é a construção do conhecimento do aluno para que possa ler, entender, falar e escrever em ao menos uma Lem com qualidade e eficiência, contribuindo para o desenvolvimento de competências, o acesso ao mundo do trabalho e a formação para o exercício da cidadania.16

para ingressar no CiL, o interessado deve estar regularmente matriculado em uma escola pública do dF no ensino Fundamental – anos finais, a partir da 5ª série/6° ano; no ensino médio ou no ensino de Jovens e Adultos (eJA), 2° e 3° segmentos. Além de inglês, francês e espanhol, o alemão também é oferecido em uma das sete unidades desde 2010.

o CiL iniciou o ensino de língua japonesa em suas quatro unidades (sobradinho, gama, Taguatinga e Ceilândia) no distrito Federal a partir de fevereiro de 2011. A área de Japonês da unB foi contatada pelos re-presentantes do CiL e se (secretaria de educação do dF) em 2010, sendo solicitado o apoio ao novo curso em termos de conteúdo programático, metodologia, materiais didáticos e treinamento dos professores. na prática, em termos de pessoal, sua implementação foi através de remane-jamento dentro dos professores concursados e efetivados para o quadro da secretaria de educação do dF. Três são do primeiro ciclo do ensino Fundamental e dois do segundo ciclo e ensino médio. Como nunca houve concurso público especificamente para professores de língua japonesa, o CiL fez uma chamada aos professores da rede pública de ensino do dF que têm formação em Licenciatura em Língua Japonesa. Atendendo à chamada, oito professores formados em língua japonesa pela unB se apresentaram. destes, seis assumiram a responsabilidade de dar o pri-meiro passo no ensino desta língua no CiL no primeiro semestre de 2011.

o ensino de língua japonesa na rede pública foi iniciado no ano de 1989, simultaneamente no Centro de estudos de Línguas – CeLs,

16 <www.apmcil.com.br> Acesso em 16 de setembro de 2011.

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em são paulo, aos alunos de ensino Fundamental e médio e no estado do paraná através do Centro de Línguas estrangeiras moderna – Ce-Lem. Ambos têm como público-alvo alunos da rede pública do ensino Fundamental a partir da 5ª série e do ensino médio. Yoshikawa (2007), da Fundação Japão em são paulo, que acompanhou todo o processo do estabelecimento dos cursos de japonês, reporta que a Fundação Japão tem apoiado na realização de cursos de capacitação para os pro-fessores do CeL. o paraná, por exemplo, não tinha curso de formação de professores desta língua. paradoxalmente, nesse mesmo estado, “a contratação dos professores é feita mediante a exigência da licenciatura, de preferência em Letras-Japonês, e a proficiência na língua para que o professor seja contratado pelo estado” (YosHiKAWA, 2007, p. 60). portanto, a autora receava na época que, no caso dos professores de japonês, em geral não haveria candidatos com a habilitação desta língua para concorrer às vagas pelo concurso público. Tal apreensão deixou de existir a partir de 2009, quando a uFpr abriu o curso de Licenciatura em Língua Japonesa, contratando professores através de concurso público. no caso de são paulo, a usp oferece o curso de Bacharel/Licenciatura e a unesp-Assis vem oferecendo o curso de Licenciatura em português/Japonês desde 1992.

no caso do distrito Federal, diferentemente do estado de paraná, temos o curso de Licenciatura na unB desde 1997, tendo o primeiro formado se graduando pela unB em 2000. passados 10 anos desde a formação da primeira turma de licenciados, as unidades de ensino de línguas estrangeiras da rede pública no dF, conhecidas como CiL, incluíram na oferta esta língua, conforme relatado acima. segundo as informações orais dos diretores do CiL, além da grande procura por parte dos alunos da rede pública, pesou na inclusão de japonês na oferta a existência do curso de formação de professores na universidade local.

Afortunadamente, aos alunos de língua japonesa na unB têm sido oferecidas abundantes oportunidades de intercâmbio de curta duração com as universidades japonesas conveniadas17 e bolsas de estudo de graduação (10 meses) e pós-graduação (2 anos/4 anos) oferecidas pelo governo Japonês. desde a primeira turma, os alunos do curso têm abraçado essas ofertas e vários estudantes tiveram a oportunidade de estudar no Japão, com bolsas parciais (no caso de intercâmbio) ou

17 pela ordem de antiguidade, universidade de estudos estrangeiros de Kyoto, universidade sophia (em Tóquio), universidade de nagoya e universidade Waseda (em Tóquio).

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integrais (no caso de bolsas do governo japonês) tanto de graduação quanto de pós-graduação18. Vale mencionar que a busca de desen-volvimento pessoal não se limita ao estudo no Japão. muitos outros formados em japonês cursaram ou estão cursando pós-graduação no Brasil.19 o número de alunos aprovados no curso de pós-graduação tem aumentado consideravelmente pelo recente reajuste nas linhas de pesquisa do programa de pós-graduação em Linguística Aplicada (ppgLA) do próprio departamento a que pertence o curso de Letras-Japonês na unB.

pode-se evidenciar, com este fato, que o curso de Letras-Japonês está cumprindo sua missão de articular o ensino e a pesquisa, pois entendemos que os alunos estão em compasso com a nossa intenção de formar profissionais que buscam seu caminho.

o contexto atual do ensino de japonês, com a inclusão do ensino de língua japonesa no CiL e o número crescente de formados pelo curso de Letras-Japonês com os títulos de especialização, mestrado e, em breve, doutorado, reflete a disseminação desta língua na comunidade brasileira como um todo. Além disso, reflete a melhoria em qualidade dos formados que persistiram na sua busca profissional do ensino desta língua, apesar da dificuldade cognitiva devido à distância desta língua com a Lm dos alunos. Assim, mesmo que não ensinem a língua da sua formação, os formandos, com sua capacidade analítica, metodológica e criativa, são promessas de alcançar o êxito tanto no mercado de trabalho como nos estudos mais avançados.

5. reFormA CurriCuLAr em nova resolução do meC, resolução Cne/Cp2, de 19 de fevereiro

de 2002, constatam-se no artigo 1 os detalhes da carga horária a seguir:

Art. 1 A carga horária dos cursos de Formação de profes-sores da educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, será efetivada me-diante a integralização de, no mínimo, 2800 (duas mil e oitocentas) horas, nas quais a articulação teoria-prática garanta, nos termos dos seus projetos pedagógicos, as

18 Até o ano de 2011, seis ex-alunos de Letras-Japonês obtiveram o título de mestre no Japão.19 dos seis professores do CiL, três são mestres, sendo dois em Literatura e uma em educação. Há

ainda um mestrando em Linguística Aplicada.

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seguintes dimensões dos componentes comuns:i – 400 (quatrocentas) horas de prática como componen-te curricular, vivenciadas ao longo do curso;ii – 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular super-visionado a partir do início da segunda metade do curso;iii – 1800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os conte-údos curriculares de científico-cultural;Vi – 200 (duzentas) horas para outras formas de ativida-des acadêmico-científico-culturais.

o documento de diretrizes Curriculares para os cursos de Letras do meC apregoa a necessidade de um novo enfoque na concepção do currículo. seguindo a concepção de menegolla e sant’Anna:

o currículo é algo abrangente, dinâmico e existencial. ele é entendido numa dimensão profunda e real que envolve todas as situações circunstanciais da vida escolar e social do aluno. poderíamos dizer que é a escola em ação, isto é, a vida do aluno e de todos os que sobre ele possam ter determinada influência (2003, p. 51).

entende-se, assim, que o currículo é um processo de construção cultural em que a dinâmica da ação escolar contempla e integra todas as dimensões do conhecimento. Tomamos isto como base da construção curricular do nosso curso e revisamos três ápices de sua orientação, a saber;

1. promoção da interação do saber prático com o saber teórico;2. Conjugação dos conjuntos de conhecimentos, competências e

habilidades;3. Contemplação de conjuntos de atividades acadêmicas.

em diretrizes Curriculares para os cursos de Licenciatura da unB (2003), constatam-se diretrizes elaboradas por uma comissão20 para coordenar o processo de reforma curricular das licenciaturas. para cada curso formar futuros profissionais, a Comissão reconheceu a im-portância de estabelecer um fio condutor para várias unidades da unB dirigirem-se adequadamente dentro do currículo reformado. Logo, a

20 esta Comissão foi criada em outubro de 2002 pelo decanato de ensino de graduação da unB com representantes das instituições formadoras de licenciados como membros componentes.

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Comissão promoveu a criação de um projeto Acadêmico de formação em cada curso de licenciatura da unB a partir dos pressupostos básicos que se resumem:

1. qualquer proposição nova de formação profissional supõe uma integração da formação entre o bacharelado e a licenciatura, su-perando a dicotomia, pondo fim à categorização de inferior ou superior atribuída às licenciaturas;

2. o campo de atuação profissional do professor/educador se amplia consideravelmente para abarcar uma variedade de espaços educa-tivos até o presente não considerados na formação do licenciado, mas que devem ser reconhecidos pela universidade na sua função formadora;

3. a universidade oferece aos jovens profissionais para atender, em conjunto, à complexidade e à responsabilidade por trás da tarefa de educar no mundo de hoje. Adotam-se, logo, alguns formatos particulares tais como: os projetos; as oficinas e laboratórios; os seminários interdisciplinares; os estudos independentes e o traba-lho final. ressalta-se a importância de envolver os alunos desde os primeiros semestres com o fim de estudar mais conscientemente ao longo do curso. este estudo consciente de cada aluno faz perceber a importância de sua aprendizagem, que pode se materializar no fim do curso como trabalho final para organizar e refletir o que tem sido adquirido durante a sua formação. portanto, enfatiza-se a importância da pesquisa, que assume a função da condução a partir do envolvimento dos alunos, inicialmente, no projeto, até o fim organizado na forma de trabalho final. esclarece-se também o uso do termo formação prático-teórica, em vez de teórico-prática, pois essa enfatiza que “o mundo humano é o mundo do fazer, e mais ainda, é o mundo se fazendo, se autoconstituindo, pois é este fazer que vai nos desafiar a elucidá-lo. neste momento pode-se, e até mesmo deve-se, recorrer ao saber acumulado, às teorias já elaboradas, como auxílio a um processo de elucidação desses fenômenos, talvez novos, inéditos, talvez repetidos e repetitivos” (direTrizes, 2003, p. 7).

do ponto de vista operacional, a formação por meio de projetos assume as características a seguir:

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• articula ensino, pesquisa e extensão;• é desenvolvida no âmbito das diferentes áreas temáticas, cada qual

envolvendo uma equipe de professores;• é vivenciada ao longo do curso;• culmina em um Trabalho Final, que pode assumir diferentes lingua-

gens, modalidades e formatos.

portanto, a interpretação da Comissão sobre a reforma Curricular proposta pelo meC toma uma direção de formar profissionais eficazes no mercado de trabalho que, por receberem uma formação em contexto mais real já na universidade, saberão como reagir e agir no mundo como educador. Compreendendo esta direção, a área de Japonês, desde 2003, tem discutido como inserir nosso conteúdo de teoria e prática conforme as cargas horárias sugeridas na reforma Curricular. na parte da prática, temos considerado aumentar o número de laboratórios de forma a con-duzir os alunos a confrontarem o contexto real do uso e ensino de língua japonesa, fragmentando-os em várias modalidades diferentes tais como: leitura de textos, teoria e prática da escrita de kanji, elaboração de textos a partir da compreensão da construção textual em língua japonesa, entre outros. os laboratórios certamente poderão enriquecer a observação dos alunos em cada modalidade, o que contribui para a elaboração de uma metodologia de ensino quando eles mesmos darão o primeiro passo de lecionar o japonês no estágio supervisionado.

existem ainda itens a serem resolvidos tais como a articulação de literatura e cultura no ensino de línguas, os projetos e envolvimento dos alunos nos semestres iniciais e o seu resultado organizado na forma de texto acadêmico como trabalho final do curso. no entanto, acreditamos que tendo as metas e o objetivo final bem traçados, a nossa reforma curricular chegará a um denominador que só venha a contribuir para a formação de uma base sólida para o futuro dos nossos alunos.

6. ConCLusÃo A comemoração de 30 anos da área de Japonês da unB se encon-

tra em um momento de transformações sociais que cada vez mais nos envolvem em um cenário maior, pelas constantes mudanças na política, economia e tecnologia. pesquisas na área de estudo de línguas, prin-

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cipalmente na Linguística Aplicada, têm levado a novas descobertas. Assim, levando em conta tanto a proficiência dos alunos quanto os estudos mais aprofundados na área de cognição e psicologia, eles nos mostram vários casos de êxito ou não êxito dos métodos de ensino uti-lizados. Como responsabilidade de instituição tanto de pesquisa como de ensino, sempre nos engajamos em aprimorar nosso entendimento sobre o ensino e aprendizagem, que deverá atender a nossa realidade. Logo, a marca de 30 anos dá início a outro ponto de partida em novos cenários do uso de língua japonesa, nos quais cabe a nós observarmos e adaptarmos o ensino que corresponda à demanda de hoje.

reFerênCiAs

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Capítulo 3

umA experiênCiA de ensino dA LínguA JAponesA no nordesTe: o Curso de JAponês no nÚCLeo de

LínguAs esTrAngeirAs dA uniVersidAde esTAduAL do CeArá

Laura Tey iwakami(universidade estadual do Ceará)

RESUMO: nosso propósito, neste artigo, é traçar um histórico de expe-riências vivenciadas pelo Curso de Língua Japonesa da universidade es-tadual do Ceará (ueCe) e abordar a questão da formação de professores que ora se coloca como atividade principal dos professores e monitores do curso. A partir de um quadro teórico, situamos nosso trabalho como de natureza etnográfica, incluído na área de Linguística Aplicada. nos processos históricos vivenciados poderemos perceber como, no início, fomos tateando e descobrindo modos de fazer, aprendendo a ensinar, ensinando. os relatos são experiências vivenciadas que se foram acres-centando ao processo de ensino/aprendizagem de língua japonesa e, juntamente, fomos amadurecendo no decorrer do curso; a criação do grupo de professores e monitores do próprio curso procurou atender não só às necessidades de carência de professores, mas principalmente formar professores oriundos do curso que pudessem dar um suporte firme para o fortalecimento do curso. o projeto de pesquisa-ação que foi iniciado em 2010 procura investir qualitativamente no ensino volta-do para a comunicação oral ao investigar, juntamente com professores, possíveis problemas e dificuldades para a produção da fala em japonês nas salas de aula, problemas e dificuldades no ensino e aprendizagem da língua japonesa para consequente intervenção a partir de estudos das possíveis causas. passados estes anos, há que se pensar no futuro do curso e retomar o movimento para a criação de um curso de gra-duação de Japonês.

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PALAVRAS-CHAVE: Histórico; experiências; Curso de língua japonesa; processo ensino/aprendizagem; Formação de professores.

ABSTRACT: our purpose in this paper is to outline a history of expe-riences accomplished by the Japanese Language Course of the state university of Ceará (ueCe) and address the issue of Teacher education that now stands as the main activity of teachers and monitors of the course. From a theoretical framework, we situate our work as ethno-graphic in nature, included in the area of Applied Linguistics. in the experienced historical processes, we are able to understand how, at the beginning, we were feeling and finding ways of doing, learning to teach by teaching. The reports are experiences that had been added to the teaching-learning process of the Japanese language, and together, we have matured throughout the development of the course. The creation of the group of teachers and monitors of the course not only sought to meet the needs of a shortage of teachers, but mainly to educate teachers who could give a firm support for the strengthening of the course. The action research project that was initiated in 2010 seeks to invest qualitatively in teaching focused on oral communication when investigating, along with teachers, possible problems and difficulties in speech production in Japanese classrooms for intervention result-ing from studies of the possible causes. After these years, we have to think about the future of the course and resume the movement for the creation of an undergraduate course in Japanese.

KEYWORDS: History; experiences; Japanese language course; Teaching-learning process; Teacher education.

1. inTroduÇÃo

Há muitas experiências relatadas sobre cursos de línguas, cada qual em contextos diferentes, através de línguas específicas. no nosso caso, refere-se a um curso de extensão em língua japonesa da universidade estadual do Ceará, que funciona vinculado ao núcleo de Línguas estrangeiras (nLe). este é, por sua vez, vinculado ao Curso de Letras – Licenciatura em Línguas estrangeiras da mesma universidade.

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nosso intuito é, portanto, contextualizar as nossas experiências relacionadas ao processo de ensino/aprendizagem ao longo da existên-cia do nosso curso de língua japonesa e refletir sobre as atividades de formação de professores do curso, cujo enfoque é, hoje, nosso principal objetivo, no sentido de imprimir um avanço qualitativo ao curso.

será importante levantarmos algumas discussões teóricas, antes de avançarmos no relato de experiências, uma vez que tais discussões nortearão nossas compreensões acerca do processo de ensino/apren-dizagem e formação de professores.

Tradicionalmente, a língua é considerada de forma objetiva, mui-to em função da introdução do conceito de língua/fala do linguista genebrino Ferdinand de saussure que elevou os estudos linguísticos à categoria científica. Assim, língua, como objeto de estudos da Linguís-tica, é concebida na sua essência, apesar de materializada pela fala dos indivíduos na sociedade, mas excluída da sua realização na dinâmica social no quadro teórico de saussure. importará, então, a essencial estrutura linguística, extraída do seu uso social, porém analisada ou examinada fora do contexto social em que se verifica a realização da língua.

em se tratando do ensino de línguas, particularmente o ensino de línguas estrangeiras, geralmente levam-se em conta as estruturas linguísticas de uma determinada língua em estudo. em termos de aprendizagem, podemos extrair de Bohn (2001), a seguinte passagem:

na perspectiva tradicional, aprender é descobrir a estru-tura do mundo, é a apreensão da organização do universo em suas mais diversas manifestações físicas, biológicas e sociais. esta visão pressupõe uma organização pré-deter-minada, um mundo acabado, objetivo; um universo em que os efeitos sempre podem ser referidos a determina-das causas. Também pressupões que este mundo pronto, objetivo, pode ser percebido pelo observador. (BoHn, 2001, p. 115).

essa visão de mundo tem raízes positivistas, que valorizam o pensamento científico pautado na razão (raciocínio científico), no rigor das observações e na certeza dos dados. “A posição do sujeito é de distanciamento do objeto observado” (idem, p. 116). em se tratando de

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educação e ensino, leva também a uma visão dogmática do professor, como aquele que domina o conhecimento específico da sua área de ensino, é dono das certezas, e que tem as fórmulas prontas, modelos de ensino que deverão ser seguidos ou reproduzidos. Assim, o professor já possui um conhecimento pronto e acabado e respostas certas para as dúvidas sobre as questões do ensino que serão utilizadas na sua sala de aula. Conforme moita Lopes (2002, p. 180):

nesta visão de conhecimento acabado que se ajusta a qual-quer meio de aprendizagem e que o professor deve seguir dogmaticamente, a sala de aula é o lugar das certezas sobre o quê, o como e o porquê ensinar, refletidas nesta aborda-gem pronta e acabada (moiTA Lopes, 2002, p. 180).

Tal objetividade evocada pela visão racionalista, no mundo ociden-tal, apesar de propor avanços tecnológicos e científicos, calcada nos valores da “ordem e do progresso”, trouxe por outro lado, problemas relacionados à natureza e à ordem social, às questões ecológicas e ambientais, às questões de relacionamento humano, como os conflitos, as desigualdades, injustiças sociais, a fome e a miséria.

uma mudança de paradigma era emergente e, com ela, um olhar mais humanista e voltado para os problemas sociais e do cotidiano, uma vez que, pela perspectiva tradicional, centralizada na razão e na verdade científica, os sujeitos sociais não foram considerados, não foram ouvidos. era preciso compreender os significados dos vários eventos em diferentes contextos localizados, procurar valorizar cenas do cotidiano, ouvir as vozes periféricas, os relatos e as narrativas.

na área educacional, não bastava apenas aplicar técnicas e novas metodologias de ensino, consolidadas pelas teorias produzidas em cen-tros de excelência do saber científico, pois neutralizando-se os sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem, não se levava em conta a prática cotidiana desse processo por esses sujeitos nas escolas e nas salas de aula. o que importava era o produto, o resultado do ensino/aprendizagem, e não o processo. era preciso entender, no interior das escolas e nas salas de aula, a complexidade do processo de ensinar e aprender, compreender o significado desse processo.

no que se refere ao ensino de línguas, verifica-se uma tendência aos estudos voltados para o aspecto processual de ensinar/aprender

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línguas, em oposição às pesquisas mais tradicionais, com enfoque no produto da aprendizagem de línguas, centradas nos resultados obtidos a partir da aplicação teórica.

na tentativa de compreender esse processo, a etnografia, utilizada como um caminho metodológico para pesquisas, veio propiciar um novo olhar para o que se propunha conhecer. A pesquisa qualitativa, de natureza interpretativista, veio possibilitar esse olhar e a compreensão do problema investigado.

nosso trabalho é também de natureza etnográfica, pois aborda a temática do ensino e desenvolve relatos sobre o processo de ensino-aprendizagem e formação de professores. nesses relatos, incluo os dezoito anos de existência do Curso de Língua Japonesa do nLe da universidade estadual do Ceará (ueCe), existência essa que, entre as inúmeras experiências localizadas em contextos educacionais, parti-cularmente em cursos de língua japonesa nas suas variadas formas e objetivos, imprime também sua marca singular.

2. o Curso de JAponês no nÚCLeo de LínguAs esTrAngeirAs dA ueCe

dada a referência no início do nosso trabalho, pretendemos, aqui,

desenvolver um relato histórico/contextual sobre o curso, filtro de nossas observações, compreensões e interpretações. na ueCe funcio-na também um segundo curso de japonês, em outro campus, que foi iniciado devido à grande demanda de interesse pela língua e cultura japonesa.

o curso que ora apresentamos funciona no prédio do Centro de Humanidades da ueCe. Fica na cidade de Fortaleza, capital do Ceará, região nordeste do Brasil, cuja população atinge 2.500.000 habitantes, segundo dados mais recentes, tornando-se a 5ª. capital mais populosa do Brasil, crescimento esse, resultado de migrações de pessoas da área rural e das cidades do interior para a capital e também de outros estados do Brasil. Além dos dois cursos de japonês ofertados à comu-nidade pela ueCe, há, em Fortaleza, outros que funcionam em algumas escolas de idiomas.

nosso curso é atualmente estruturado em seis semestres básicos e mais dois semestres (optativos) de nível intermediário, que foram

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denominados como “Avançado”. os seis semestres básicos totalizam 360 horas/aula (60 h/a. por semestre). seus alunos são brasileiros, na maioria jovens sem ascendência japonesa. sendo um curso de ex-tensão da universidade, é oferecido à comunidade local e é bastante procurado. A cada semestre abrem-se 20 vagas, que são preenchidas através de provas únicas de seleção, aplicadas pelo núcleo de Línguas estrangeiras. Há também os chamados “Testes de nível” feitos para aqueles que já possuem um certo conhecimento e são avaliados para frequentarem turmas já iniciadas, conforme o nível de conhecimento, a partir do 2º. semestre. o número de alunos do curso registra uma média de 100 alunos por semestre.

Já antes de 1993, quando o curso foi oficialmente implementado, havia uma demanda de um público interessado em aprender e entender a cultura e a língua utilizada em terras japonesas e, por isso, aulas de língua japonesa eram ofertadas na própria ueCe através de professores nativos que estavam morando em Fortaleza.

inaugurado em solenidade, então em 1993, com a presença de autoridades locais e do cônsul do Japão em recife, o curso iniciou-se com uma turma de vinte alunos e dois professores; passou por vários momentos de indefinição, dificuldades, erros e acertos. por outro lado, essa trajetória histórica foi importante para que encontrássemos um caminho próprio, autônomo e particular. nesse percurso, desde 1993, devemos registrar dois apoios fundamentais para nosso curso: a Fundação Japão, com seu incentivo ao ensino e pesquisas sobre a língua e cultura japonesa, fornecendo-nos material didático, auxílios financeiros para seminários, organização de eventos, concursos de oratória, concursos de karaokê etc., além de oferecer vagas para programas de incentivo ao estudo da Língua e bolsas ao Japão, nas diversas modalidades. o segundo apoio foi o do Consulado geral do Japão em recife, que sempre acompanhou nossas atividades. Após dezoito anos de funcionamento ininterrupto do curso, as atividades e fatos, professores e alunos que passaram pelo curso, experiências obtidas com contribuições e apoios, problemas e dificuldades, não são apenas eventos passados, mas momentos que se vão atualizando no presente e se projetam no futuro. Houve problemas e dificulda-des, mas estes, por outro lado, nos empurraram para tentativas de soluções e um amadurecimento maior.

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3. proFessores, ALunos e o ensino – primeiros reLATos

neste ponto, traçaremos um histórico do perfil dos alunos e dos professores, abordando o processo de ensino-aprendizagem na forma como viemos encaminhando nossas práticas, sem deixar de relatar também os problemas e dificuldades.

3.1 perFiL dos esTudAnTes o perfil dos alunos do nosso curso mudou bastante do início para

cá. os primeiros alunos, com idade entre mais ou menos 18 e 40 anos, possuíam uma certa admiração pela cultura tradicional japonesa e, mo-tivados por isso, queriam aprender a língua. percebia-se também, em alguns alunos iniciantes, de exotismo em relação ao Japão. Com o passar do tempo, por volta do ano de 2000, o perfil dos alunos foi mudando para um grupo mais jovem, com interesse pela cultura mais contemporânea japonesa. Como dissemos, o curso é constituído na maioria por brasileiros não descendentes, embora tenhamos recebido alguns poucos com ascen-dência japonesa. essa composição é compreensível, em se tratando de uma cidade em que há poucos moradores nikkeis, ou de origem nipônica e, dentre esses, um número reduzido de falantes nativos de língua japo-nesa; assim, entre eles, prevalece a comunicação em língua portuguesa. por outro lado, o instituto que agrega a comunidade japonesa local, o instituto Cultural nipo-Brasileiro do Ceará, atesta que a colônia nipônica local cresceu muito nesses últimos anos, tendo, atualmente, mais de 200 famílias cadastradas. muitas dessas famílias são oriundas de regiões de grande concentração nikkei, como paraná e são paulo.

Curiosos com o novo perfil de alunos mais jovens, em geral entre 15 a 30 anos, questionamos deles, então, o porquê desse interesse pela aprendizagem da língua japonesa e verificamos que, entre os inúmeros motivadores para o início da aprendizagem do japonês, um elemento da cultura popular japonesa contemporânea se destacava: o gosto pela história em quadrinhos japoneses, conhecidos como man-gá, e os desenhos animados – animê. É curioso ressaltar, por exemplo, que em Fortaleza ocorre anualmente um evento denominado “super Amostra nacional de Animes”, em que há uma grande concentração

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de jovens, todos fãs de mangá e animê, chegando a atingir um público estimado em trinta mil pessoas, segundo a organizadora do evento. A motivação é um grande facilitador para a aprendizagem de uma língua, e o interesse inicial dos alunos em conhecer e fazer a leitura do man-gá em língua japonesa vai evoluindo para o interesse em conhecer e entender a cultura japonesa e fazer uso da língua para a comunicação. observamos também que a absorção da cultura do mangá e do animê pelo público jovem trouxe elementos da fala japonesa contemporânea para a sala de aula. o estudo de ueda e morales (2006) atesta que há uma tendência global de um crescimento de número de aprendizes sem ascendência nipônica, “manifesta inclusive onde não há um con-tingente significativo de descendentes japoneses”, [...] aprendizes esses que “têm como maior motivação para o estudo da língua japonesa o interesse por animê e mangá” (uedA; morALes, 2006, p. 89). Assim, percebe-se que a nossa realidade, aqui no Ceará, também acompanha essa tendência mundial.

3.2 os proFessores e o ensino:

proBLemAs enFrenTAdos

em termos de ensino, ao iniciarmos, definimos que o Curso de Conversação e escrita Japonesa se estruturaria em três semestres bási-cos. utilizávamos, então, o método audiolingual da JiCA, denominado Gijutsukenshûno tameno nihongo (shokyû 1~3), cujo ensino era por meio de audição e repetição de frases.

Ao final do ano de 1993, recebíamos da Fundação Japão, como doação, o material didático Nihongo Shohô e Nihongo Chûkyû, editados pela própria Fundação Japão, que foi adotado no curso logo em seguida.

A partir desse ano, mediante solicitação, recebemos, quase que anualmente, doações de material didático por essa instituição. Além disso, a instituição realizou também seminários itinerantes para pro-fessores de língua japonesa em salvador-BA em 1996, 1997 e 2004, dos quais participamos e que nos trouxeram orientações valiosas para a prática na sala de aula.

o material didático recebido da Fundação Japão também nos auxi-liou sobremaneira, tanto para a estruturação do curso, como também para definição do programa. o livro didático adotado veio mudando.

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Antes de 2004 fora adotado o Shin Nihongo no Kiso, e, posteriormente, mudamos para Minna no Nihongo, por sugestão da própria Fundação Japão. este último é uma nova versão do livro anterior, com a mesma metodologia, apenas diferindo na contextualização dos diálogos e exemplificações dos textos, no decorrer do livro. Atualmente, em 2011, estamos novamente mudando nosso livro didático, para Daichi, a partir dos primeiros semestres. o Daichi é uma atualização da versão anterior, com diálogos contextualizados mais próximos do cotidiano; também há mais exercícios voltados para a comunicação. para a prática da leitura e comunicação em sala de aula, os professores se servem de variado material didático para usarem nas suas aulas, desde vídeos, quadros, material de role-play, trazendo mais dinamicidade ao ensino do japonês.

Quanto à questão dos professores, as primeiras experiências já nos iam mostrando que deveríamos enfrentar problemas e dificuldades futuros. iniciamos o curso com dois professores: a professora efetiva da universidade, a própria autora deste, que assumiu a coordenação do curso, e um professor nativo do Japão, imigrante do Japão e radicado no Ceará, mas que no mesmo ano de início deixaria o curso, desgostoso com as condições da universidade. o problema de carência e de instabilidade de professores sempre nos acompanhou. A causa principal seria a própria estrutura do nLe, programa de extensão do Curso de Letras, que funciona como uma “escola de aplicação” para os próprios estudantes de Letras – Línguas estrangeiras (francês, inglês, espanhol) da mesma universidade. estes recebem uma bolsa mensal para lecionarem as línguas específicas. no entanto, como no caso do japonês não há ainda um vínculo acadêmico com a ueCe, um curso de graduação em língua japonesa, como o nosso curso não estaria dentro das condições do núcleo, o que dificultava a seleção de novos professores, bem como sua remuneração. Assim, para nos adaptarmos ao núcleo, uma das condições era que o professor possuísse vínculo como aluno, professor ou funcionário, com a própria universidade. desse modo, dois estudantes da ueCe, brasileiros não descendentes, conhecedores da língua japonesa por já terem estudado (um deles havia terminado o Curso de Japonês na ueCe), ingressaram como estagiários-professores do curso, em épocas diferentes. o envol-vimento deles com o curso foi surpreendente, pois mesmo diante dos problemas e condições precárias, como falta de estrutura organizacional da universidade, falta de salas de aula, e até a ocasional necessidade de improvisarem aula no jardim, embaixo de mangueiras, conseguiram

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achar nessas condições, por outro lado, incentivos a agirmos em prol do curso, e, apesar de remunerações simbólicas, se dedicaram ao máximo, implementando, assim, força e ânimo, envolvendo também os alunos no sentido de promover a continuidade. A necessidade de um professor, falante naqtivo de japonês, para que pudéssemos nos aproximar dessa fala, fez com que o núcleo abrisse exceções para sua contratação para o curso. seis pessoas, naturais do Japão, passaram pelo curso para ensinar, porém cada qual, por variados motivos, teve curta permanência. o núme-ro de professores que passaram pelo curso até 2004, em torno de doze pessoas, entre nativos e brasileiros não descendentes, confirma o quadro de instabilidade e indefinição de professores. e ainda, por determinação da Coordenação do núcleo de Línguas, em momento posterior, os que não possuíam vínculo com a ueCe foram dispensados, permanecendo apenas a coordenadora, única do quadro docente da universidade, e os professores-estagiários, estudantes da ueCe, um do Curso de Ciências sociais e outro de Letras. nessa época, recebemos uma professora falante nativa de japonês, que já morava no Brasil há três anos e veio tentar o Curso de mestrado em Linguística Aplicada na universidade. Consigo trouxe um novo ânimo para o curso e, com sua experiência de ensino da língua, além do incentivo para a comunicação em japonês através da sua fala autêntica, fez com que a prática oral, bem como a qualidade do ensino melhorassem consideravelmente. Foi a primeira vez que o curso recebia uma professora nativa que veio com a clara intenção de ensinar japonês e com permanência tão longa. Todas essas experiências acumu-ladas são partes da história do curso, contando sempre com a presença alegre do conjunto dos alunos que, de uma forma ou de outra, se en-volveram e muitos abraçaram a causa em prol da construção do curso.

devemos mencionar também que, no ano de 2004, no mestrado em Linguística Aplicada da nossa universidade, abrimos vaga para pesquisas sobre língua (e linguagem) japonesa e, nesse mesmo ano, um dos nossos professores de japonês ingressou no mestrado para iniciar seus estudos e pesquisa aplicada ao ensino da língua japonesa. no ano seguinte, uma das alunas do Curso de Japonês também se candidatou e ingressou no mestrado para desenvolver sua pesquisa sobre traduções do Haiku de Bashô. passado um tempo, no ano de 2007, também ingressaria no mestrado a professora acima menciona-da, graças a sua vontade e esforço nos estudos linguísticos, para sua investigação sobre a pronúncia dos professores de japonês do nosso

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curso. no ano de 2010, dois candidatos (um deles com experiência de ensino no Curso de Japonês e outro monitor do curso), ingressaram no mesmo mestrado, cujos projetos de pesquisa versam sobre o en-sino da língua japonesa no Curso de Japonês. Todos são oriundos do nosso Curso de Japonês. os que ingressaram primeiro já concluíram o mestrado com êxito mas, infelizmente, não continuaram seus estudos na área, principalmente devido às limitações do contexto local ainda desfavorável para desenvolvimento profissional e acadêmico na área de estudos japoneses. isso nos faz pensar na necessidade premente de um curso de graduação em Letras Japonesas na nossa universidade.

no próximo ponto, abrirei nova discussão para relatar o que con-sidero uma nova fase no curso.

4. o proCesso de ensino-AprendizAgem e o grupo de proFessores e moniTores

os anos subsequentes foram de uma certa estabilidade no quadro de professores. Como mencionamos, o crescimento do número de alunos já vinha ocorrendo gradualmente, graças principalmente ao fenômeno mangá e animê também bastante popular entre a juventude da cidade, e com isso, a mudança do perfil dos alunos do curso que, motivados por tais elementos da cultura popular japonesa, começam a estudar japonês. o estudo e a aprendizagem do japonês, por isso, podem ter um significado especial, o que os faz, talvez, permanecerem até os últimos anos. Também por isso, o ensino que se caracterizava mais formal e distante, foi mudando para um ensino que valoriza o processo de aprendizagem, cuja língua vai, aos poucos, sendo ad-quirida, numa prática compartilhada entre alunos e professores. Há um propósito comum entre os participantes do curso, o que facilita a interação entre eles e torna o processo de ensino/aprendizagem da língua japonesa bastante interessante e motivador.

Conforme o relato apresentado em um artigo nos anais do xVii enpuLLCJ, havia um ambiente interativo em que professores e alunos se engajavam em práticas discursivas e que a “Língua materna, no caso a Língua portuguesa, serve como apoio para a aquisição da Língua Japonesa” (iWAKAmi, 2007).

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Apesar desse ambiente favorável de ensino/aprendizagem, o problema estrutural de carência de professores era constante, devi-do, principalmente, à nossa condição semi-independente em relação ao núcleo, uma vez que o vínculo com a instituição se daria através do Curso de graduação em Japonês que ainda não existe. Ao mesmo tempo, nossos professores não possuíam formação em língua japone-sa, caracterizando uma condição “informal” de ensino dos mesmos. em 2006, quatro professores, incluindo a coordenadora, assumiam o curso que, naquele ano contava com sete turmas (incluía-se aí a turma denominada como Avançado i).

4.1 A CriAÇÃo do grupo de proFessores e moniTores do Curso de JAponês

A partir do pensamento de que é possível formar professores

do próprio curso a partir do próprio curso, tomamos a iniciativa de formar um grupo denominado grupo de professores e monitores do Curso de Japonês do nLe para superar a constante carência (e instabilidade) de professores que o curso enfrentava. mas o objetivo central era formar os próprios professores do curso, criando um am-biente de discussão onde se pudessem desenvolver conhecimentos linguísticos do japonês e refletir sobre como lidar com o ambiente sociodiscursivo da sala de aula.

A realidade do Curso de Japonês da ueCe, considerando a moti-vação dos estudantes em conhecer melhor a língua e cultura japonesa e a necessidade de criar um quadro de professores, para proporcionar oportunidade de estudos e projetos voltados para a formação de pro-fessores, levou-nos a buscar uma experiência através da aprendizagem pela prática na sala de aula de japonês e reflexões sobre essa prática, mesmo sem a formalização de um curso de formação de professores de japonês.

nessa proposta de formação de professores para a melhoria do ensino da língua japonesa, incluímos nossa expectativa de um futuro em que os professores e os alunos possam, de fato, usufruir da língua como meio de interação, meio para o conhecimento e produção de novas linguagens.

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Teoricamente, cabe discutir o aspecto processual do ensino/aprendizagem como conhecimentos em construção. os dois tipos de conhecimento, conforme classificação de moita Lopes (2002), “o conhecimento teórico sobre a natureza da linguagem em sala de aula e fora dela” e o “conhecimento sobre como atuar na produção de conhecimento sobre o processo de ensinar/aprender línguas” vão sendo trabalhados concomitantemente e construídos no decorrer do processo de ensino/aprendizagem, através da interação. o primeiro tipo de conhecimento implica na compreensão teórica sobre o uso da língua e conhecimento dos procedimentos de como fazer uso dessa língua em diversos contextos sociais. o professor que coloca o “uso” como enfoque na sala de aula possibilitará aos aprendizes uma prática discursiva significativa e consciente dos papéis sociais dentro e fora da sala de aula, tanto na escrita como na fala. o segundo tipo de conheci-mento dirá respeito diretamente ao professor e sua formação teórico-crítica e reflexiva do próprio trabalho. para além de um conhecimento adquirido em cursos de treinamento de professores, de novas técnicas de ensino de línguas, ou de um conhecimento objetivo da língua para ser aplicado em sala de aula, trata-se de aproveitar o espaço da sala de aula para buscar conhecimento na prática do uso da língua em que seus usuários-aprendizes concretizam seus significados. o professor, então, envolve-se com essa prática ao refleti-la, questionando, proble-matizando e buscando soluções para os problemas encontrados. Assim, o professor atuará também criticamente em sua prática pedagógica, assumindo-se como pesquisador de questões surgidas no cotidiano da sala de aula. Ao propor soluções para as questões assumidas como problemas, o professor em formação saberá que, no enfoque dado ao processo de ensino/aprendizagem, não haverá soluções definitivas, mas uma reflexão contínua do mesmo, buscando sempre conhecimentos de interesse necessários ao professor para sua atuação concreta na sala de aula. deve-se também levar em consideração os conhecimen-tos externos produzidos pelos teóricos especialistas no ensino com a condição de passarem pelo exame do professor atuante em sala de aula que terá autonomia para avaliar a adequação dos mesmos para a sua prática. Assim, o conhecimento não é um produto definido, acabado, alheio à prática do professor e do aprendiz, de renovação contínua e em construção constante, a partir da experiência prática do saber adquirido em sala e fora dela.

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4.2 As primeirAs reuniões do grupo nosso propósito, na formação do grupo, era a formação conjunta

de professores e monitores do Curso de Japonês da ueCe, para de-senvolver um ensino e aprendizagem mais produtivos, enfatizando o processo contínuo de ensino e aquisição do conhecimento da língua japonesa. As reuniões são espaços e momentos propícios para discus-sões de questões relevantes ao ensino, relatos de experiências, levanta-mento de problemas, críticas e reflexões. nesse sentido, importava-nos o acompanhamento e discussões sobre o ensino e aprendizagem dos professores e alunos do curso, o conhecimento teórico sobre a língua, seu ensino e seu uso, problemas e dificuldades em relação ao ensino/aprendizagem surgidas em sala.

Assim, por meio de critérios como interesse e desempenho no uso da língua nas salas de aula, foram selecionados os estudantes de japonês mais destacados, que cursavam os últimos semestres, os quais eram convidados a participar do grupo.

Com a presença de dez monitores e quatro professores, iniciamos as primeiras reuniões do grupo, em 2007, enfatizando a importância do processo de formação de monitores e o entendimento de que não devemos partir do pressuposto de que conhecemos o suficiente para o ensino, mas de que precisamos adotar uma postura humilde de estar-mos inseridos em contexto de contínua aprendizagem Também foi con-siderada a concepção de uma língua dinâmica e viva, que, por isso, deve ser não só conhecida mas também utilizada para a comunicação. Além disso, foi salientada a importância de auxiliar os alunos, conhecendo-os, percebendo e resolvendo possíveis dificuldades, o que facilitaria a aprendizagem. Foi decidido que cada monitor acompanharia as aulas dos professores, ou seja, uma turma conforme a disponibilidade de cada monitor. o passo seguinte seria o planejamento de aulas juntamente com os professores responsáveis, no qual poderiam incluir atividades interativas como jogos, canto, criar um cenário com diálogo etc.

nas reuniões seguintes, os monitores expuseram seus comentários acerca das experiências vivenciadas em salas de aula, apontando pontos positivos e/ou problemas observados. Alguns monitores já puderam assumir uma parte da aula, e se sentiram valorizados pela oportunidade de prática de ensino a eles oferecida, o que foi bastante positivo. os

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próprios monitores manifestaram interesse em fazer projetos culturais e didáticos que poderiam contribuir com o curso para melhor assimi-lação da língua e cultura japonesa. dentre os projetos apresentados, os que foram executados e tiveram continuidade são:

1. projeto KANJI – seu objetivo é a inclusão do ensino sistemático do kanji nas aulas de língua japonesa, uma vez que o seu ensino não era a maior prioridade, bastando que o aluno reconhecesse o kanji na leitura de textos em japonês. para tal, foi implementado o livro de kanji do livro didático Minna no Nihongo.

2. projeto grupo de dança Yosakoi Sôran – tem como objetivo principal a interação entre alunos e profes-sores de diversas turmas. sua apresentação de es-treia foi no Concurso regional de oratória em 2007 e continua ativo até hoje, apesar da mudança da maio-ria de seus membros.

outros dois projetos propostos não avançaram, apesar de igual-mente importantes: o projeto grupo coral do Curso de Japonês da ueCe e o projeto de música japonesa na sala de aula.

4.3 desenVoLVimenTo do grupo ATuAÇões e experiênCiAs

As discussões e as experiências nas reuniões semanais do grupo

se mostraram ricas e bastante dinâmicas. As atuações dos professores e monitores nas salas de aula são sempre questionadas criticamente, levando em conta a posição e a postura dos mesmos em relação aos alunos em sala. As funções do grupo iam desde a definição de turmas, programa de ensino, planejamento, horário, até organização de even-tos, seminários e atividades culturais. Tudo era discutido conjunta-mente, numa espécie de “reunião de colegiado do Curso de Japonês”. Todas as reuniões foram registradas em atas. Também foi criado um grupo virtual através do qual poderíamos discutir, comentar e sugerir propostas para avançar os encaminhamentos em relação às atividades do curso discutidos na própria reunião. essas práticas têm funcionado até os dias atuais. Tornamos acessíveis, também aos monitores, os livros

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e o material didático do nosso acervo, proporcionando, com isso, um planejamento conjunto de aulas que fosse além do uso do livro didático adotado, aproveitando também outros textos, figuras, jogos, quadros e material áudio visual, o que promoveu maior contato e conhecimento da língua japonesa e, ao mesmo tempo, maiores possibilidades de prática da língua em cada sala de aula. Consequentemente, obtivemos uma conscientização maior de como usar a língua.

os seminários são realizados esporadicamente, pelo menos uma vez ao mês, sobre assuntos pertinentes ao ensino, a partir de estudos e pesquisas feitos pelo professor ou pelo monitor, tendo como propósito auxiliá-los na compreensão de aspectos da língua e seu ensino. Alguns dos temas tratados eram: “A aula de japonês através da narrativa em quadrinhos mangá”; “As diferenças entre as partículas wa e ga da língua japonesa”; “sobre as onomatopeias japonesas”. “sobre o som da língua japonesa”, entre outros. parti-cularmente significativos foram os seminários sobre “interlíngua” e “Abordagem comunicativa” que interessaram sobremaneira na nossa concepção de uso e produção da língua.

Aos poucos, os monitores foram assumindo o ensino nas salas de aula, inicialmente sempre em duplas, em que um auxiliava o outro na condução de aulas. Além disso, os professores aprendizes contavam com o auxílio dos monitores em sala. deste modo, logo o número de professores aumentou, criando um quadro mais estável e oriundo do próprio curso de japonês, uma vez que o processo de formação se dava na própria atuação do professor em sala e nas reflexões e es-tudos em conjunto nas reuniões do grupo. em 2010, contabilizamos nove professores e mais de cento e cinquenta alunos matriculados no curso. essa experiência vivida no processo de formação dos próprios professores e monitores do curso, na atuação nos espaços da sala de aula e fora dela, nas reuniões, em diálogos e e-mails trocados em língua japonesa, gerou uma reflexão sobre esse processo e a busca por novos conhecimentos necessários para complementar a compreensão e aper-feiçoamento da língua e seu ensino que, por sua vez, pode gerar novas reflexões e buscas, num processo contínuo de busca de soluções para os questionamentos surgidos no ambiente de ensino/aprendizagem.

Formou-se um novo quadro de professores com um novo perfil. um perfil bastante identificado com o curso, que, por sua vez, foi se ajustando ao perfil dos professores e monitores. o processo de

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construção do conhecimento incluía a construção de um ambiente próprio, um espaço e um grupo com identidade própria configurada nos estudos adquiridos da língua japonesa, conforme as necessidades do curso. Cada membro do grupo e cada aluno do curso vem de vários pontos da cidade para construir um espaço de identificação em que o gosto e a prática da língua e cultura japonesas vão se somando às vivências brasileiras, formando uma mescla salutar de experiências culturais.

4.4 A ConQuisTA de BoLsAs pArA o JApÃo

provavelmente a maioria dos alunos dos cursos de língua ja-ponesa como língua estrangeira, como é o nosso caso, quer ir ao Japão. esta vontade acaba sendo outro grande motivador para o avanço na aprendizagem de língua japonesa. Assim, quando algum aluno ou professor ganha uma bolsa de estudos ao Japão, é motivo de muita alegria, pois interpretamos esse ganho como resultado de esforços e dedicação. Também de muita persistência para alguns. Ao todo, desde 2005 até o presente, foram 11 bolsas de estudo ao Japão, de várias modalidades, conquistadas por membros do grupo de professores e também de estudantes do curso. A Fundação Ja-pão foi a entidade que concedeu mais bolsas, totalizando 6 bolsas, 4 para didática do ensino do Japonês, 1 para aperfeiçoamento de língua japonesa para mestrandos, outro para visita de duas semanas concedida ao estudante mais destacado do curso. A província de mie, no Japão, concedeu 3 bolsas de estágio docência nas escolas japonesas de ensino Fundamental cujas crianças são filhos de tra-balhadores estrangeiros. 2 bolsas para mestrado foram fornecidas pelo ministério da educação no Japão. os cursos e estágios reali-zados por nossos professores e monitores foram bastante aprovei-tados por eles, o que pôde ser comprovado pelo avanço no nível de proficiência em língua japonesa, bem como nos seminários e na retomada das aulas de japonês, nos quais observamos uma mu-dança sensível na qualidade do ensino. Atualmente estão no Japão três bolsistas, sendo que todos os outros já retornaram ao Brasil e vêm contribuindo sobremaneira para o curso e para a melhoria da qualidade do mesmo.

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5. noVo momenTo – A pesQuisA-AÇÃo As discussões sobre formação do professor têm que avançar e

concretizar na prática. se nosso intuito era formar professores atra-vés da discussão, estudos e reflexões e aprendizagem sobre a prática de ensino nas salas de aula do japonês, não bastava simplesmente a discussão e reflexão nas reuniões do grupo. era preciso, então, voltar nossos olhos para a prática e investigar problemas e dificuldades que, porventura, pudessem existir para buscar soluções possíveis.

desde o início, os monitores identificaram certos problemas, como alunos que se recusavam a falar ou a realizar uma atividade oral, bem como dificuldade de assimilação de um tópico. Também era ressaltada a importância da observação e registro de cada aula, identificando problemas e levantando pontos positivos.

Assim, se o ponto positivo levantado foi o aspecto da interação que ocorria entre alunos e professores em sala e fora dela, e, como salienta-mos, priorizava-se o “uso” da língua japonesa, então era necessário um ensino voltado mais para as produções orais e comunicativas. Assim, nosso objetivo de um usufruto maior da língua como meio de interação e produção de novas linguagens possivelmente seria alcançado.

em nosso curso, o aspecto da produção oral ainda não tinha sido trabalhado de forma sistemática.

Apresentamos, então, um projeto de pesquisa cujo enfoque era a formação continuada de professores, voltado para o ensino comunicati-vo nas produções orais em língua japonesa, orientado pela metodologia da pesquisa-ação.

5. 1 o proJeTo de pesQuisA

nessa interação entre alunos e professores, para produzir a fala em língua japonesa, percebemos alguns problemas e dificuldades nos alunos. As dificuldades eram decorrentes principalmente do conheci-mento reduzido de vocabulário. Além disso, verificamos que também os problemas de pronúncia, entonação e frases inadequadas nas pro-duções orais poderiam trazer dificuldades de compreensão.

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os questionamentos para a pesquisa foram os seguintes:

• A prática comunicativa oral é trabalhada no contexto da sala de aula de língua japonesa? Como ela é tra-balhada?

• Quais são os problemas e dificuldades para a prática oral comunicativa em língua japonesa?

Como propósito, pretendemos seguir a prática da investigação através da pesquisa-ação, num trabalho conjunto entre pesquisador e professor da/na sala de aula através do acompanhamento e observação do desempenho comunicativo da prática oral em língua japonesa nas salas de aula do nosso curso de japonês. Assim, nosso trabalho se dará em conjunto com os professores, de forma acompanhada e contínua, para que problemas e dificuldades sejam sanados continuamente. desse modo, poderemos contribuir concretamente para a melhoria da prática no processo de ensino-aprendizagem da língua japonesa e para que os professores atuem de modo reflexivo e crítico na perspectiva de uma nova orientação em que possam, autonomamente, dar continuidade ao processo de formação.

A visão de formação de professores não será mais pautada, única e simplesmente, no treinamento de técnicas e aplicação de novas teorias de ensino, mas do ponto de vista da construção do saber, necessitará do envolvimento do professor num processo de reflexão teórico-crítica, questionando, problematizando e buscando alternativas para solucio-nar e repensar sua prática no contexto da sala de aula. portanto, essa visão, longe de prescrever como se deve ensinar ou aprender, aposta no professor autônomo em sua busca e descoberta de soluções para os problemas que surgem no cotidiano do ambiente de ensino. essa postura pedagógica requer uma investigação própria de um pesqui-sador. A pesquisa será importante porque através dela avança-se no conhecimento necessário para a atuação em sala.

Como método de investigação, a pesquisa-ação poderá trazer alternativas para a mudança na prática do professor em formação, a partir da identificação de problemas específicos no seu trabalho. no dizer de pinheiro de souza (2007), pesquisa-ação é investigação da ação, do que acontece numa determinada atividade. Continua explicando a sua aplicação:

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Aplicada ao ensino-aprendizagem de línguas, pesquisa-ação é, pois, o método de investigação em que o pro-fessor é o pesquisador principal de sua própria ação na sala de aula e não um mero consumidor de pesquisas realizadas por quem está fora de sua realidade pedagógi-ca. Com essa abordagem, o professor passa a refletir so-bre seu próprio desempenho, baseado em observações realizadas por ele mesmo em suas próprias aulas, com o objetivo precípuo de encontrar meios para solucionar problemas práticos que possam surgir no dia-a-dia da sala de aula de línguas (souzA, 2007, p. 22).

no caso do Curso de Japonês do núcleo de Línguas da ueCe, sendo um curso de extensão e não havendo, ainda, um curso de graduação em Letras – Língua Japonesa, será bastante instigadora a aplicação da pesquisa-ação, pois assumindo para si a responsabilidade de formação de professores do próprio curso, a pesquisa vai requerer a participa-ção ativa do professor no engajamento em busca de soluções para os problemas, a partir de estudos e pesquisas. nesse sentido, no que tange ao aspecto da melhoria qualitativa na aquisição da competência comunicativa da língua japonesa, julgamos adequada a adoção da me-todologia da pesquisa-ação no atual contexto de ensino-aprendizagem do japonês no nLe. será um desafio assumir esse projeto que, por si, já possui um caráter inovador quando se trata da pesquisa-ação, cujo objeto não é pré-definido, mas vai sendo descoberto à medida da in-vestigação e da necessidade de ver os problemas solucionados.

A partir de um objetivo geral de formação qualitativa dos pro-fessores do Curso de Japonês da ueCe no que tange ao ensino co-municativo, buscando a melhoria da competência comunicativa dos mesmos, seguem-se os objetivos específicos, como oferecer minicurso de pronúncia japonesa, curso de aperfeiçoamento didático, curso de conversação, de aperfeiçoamento didático, avaliar em conjunto com o professor a atuação deste no ensino comunicativo em sala de aula, pesquisar as possíveis causas para os problemas encontrados e propor soluções intervindo na sala de aula.

A produção de conhecimentos, para Thiollent (2009) é gerada a partir de ações de investigação científica, que vai da observação de situações para a ação sobre os fatos ou de transformação sobre os mesmos. nesse processo, será importante articular um quadro de refe-

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rências teóricas da área de investigação com a problemática levantada, pois auxiliará na compreensão da situação-problema, orientando o direcionamento da pesquisa. Também os seminários são importantes para debates, teorizações, relatos, orientar ações, divulgar resultados. os pontos a serem trabalhados pela pesquisa-ação são, em geral: semi-nários, minicurso, observação e registro das aulas de japonês, registro detalhado ou gravação de vídeo e/ou áudio das aulas, discussão teórica com participantes, interpretação dos dados com os participantes, pro-blematizações, planejamento de ações de intervenção, aplicação das ações, registro das ações e resultados, relatório de pesquisa e divulga-ção dos resultados, continuidade ao projeto com novas problematiza-ções, novo ciclo etc. deste modo, o projeto é autogerado para novas ações e novas problematizações, num processo contínuo de formação de professores de japonês, o que possibilitará um avanço gradativo na qualificação do professor no processo ensino/aprendizagem do japonês e no ensino comunicativo, como um amadurecimento na reflexão e na concepção de ensino dos professores.

5.2 resuLTAdos e perspeCTiVAs Como o objetivo da pesquisa é trabalhar com os professores do

Curso de Japonês na formação de professores, inicialmente resolvemos centrar nossas investigações nos professores em seu ensino voltado para a comunicação oral em sala. mas envolvemos todos os membros do grupo para a pesquisa quando apresentamos nosso projeto em primeiro seminário. Com a concordância e aceitação de todos em acompanhar e participar da pesquisa, resolvemos dar o prosseguimento. Atualmente são quatro professores e onze monitores, totalizando quinze membros. Além desses, contamos com uma professora voluntária da JiCA1 que chegou do Japão em julho do ano de 2010 para nos dar um suporte ao ensino da língua japonesa.

no ano que passou, foi ofertado um minicurso de quinze horas sobre “pronúncia da língua japonesa” pela professora japonesa nativa, falante de japonês, que ensinava há cinco anos no Curso de Japonês do nLe e estava concluindo o seu curso de mestrado em Linguística Aplicada. este minicurso foi considerado como parte da pesquisa em

1 sigla em inglês: Japan International Cooperation Agency.

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andamento, uma vez que se tratava da pronúncia do japonês e sua conscientização, necessário para uma fala sem ambiguidades.

em relação à pesquisa, viemos fazendo reuniões entre voluntários pesquisadores, com os quais discutimos os objetivos e, posteriormen-te, gravamos duas aulas para serem analisadas juntamente com as próprias professoras, no grupo de professores. Foram feitas algumas observações sobre a parte que tratava da produção oral na tentativa de apontar melhorias no ensino comunicativo. porém, a pesquisa foi suspensa neste ponto, pois logo viria o término das aulas letivas, sem podermos dar a continuidade devida. Já neste ano de 2011, foi inicia-do um curso de aperfeiçoamento didático por iniciativa da professora voluntária da JiCA, juntamente com um dos professores que havia vol-tado do Japão, onde cursou o programa de aperfeiçoamento didático da língua japonesa graças à bolsa de estudos concedida pela Fundação Japão. esse curso, oferecido aos professores e monitores, tem auxiliado sobremaneira na compreensão didática e metodológica do ensino da língua, enfocando, principalmente, a abordagem comunicativa.

As reuniões de pesquisa neste ano têm acontecido sem uma regularidade semanal. no entanto, já realizamos entrevistas com a maioria dos participantes que, responderam sem problemas às ques-tões relativas a posicionamentos sobre ensino, perspectivas pessoais, questões de identidade, problemas e dificuldades etc. Ao perguntar, por exemplo, sobre a prática de ensino do professor na sua sala aula, todos os entrevistados revelaram gostar muito de ensinar, e a maioria procura um ensino mais voltado para a abordagem comunicativa. para isso, procuram dinamizar as aulas com jogos, diálogos, entrevistas, encenações. Também observamos as aulas de um dos professores, mas ainda não tivemos uma reunião com ele para discutir sua atuação, definir problemas e realizar estudos para depois agir sobre o problema na tentativa de aperfeiçoá-lo.

em um próximo relato, em momento oportuno, devemos divulgar os primeiros resultados da pesquisa, pois teremos dados mais comple-tos da atuação do professor após o reconhecimento da problemática, o que será válido no sentido de promover uma melhora crescente na competência e no ensino comunicativo dos atores em sala de aula.

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6. ConsiderAÇões FinAis

o longo relato sobre as atividades do curso e atuações do grupo de professores e monitores registram a história dos dezoito anos do curso. A continuidade do curso requer mais uma investida pela prá-tica da pesquisa-ação, o que será bastante animador, uma vez que os próprios professores estão dispostos a enfrentar quaisquer desafios para transformar continuamente a atuação no ensino, gerando sempre novas problemáticas que, por sua vez, serão sanadas, num processo contínuo de formação de professores. porém, será preciso refletir sobre o crescimento qualitativo de um curso de extensão que ainda ressente do problema de adequação ao núcleo de Línguas estrangeiras, que, como dissemos, em princípio tem sua estrutura voltada para o curso de Letras e seus cursos de línguas estrangeiras em nível de graduação. Conforme o tema da iii semana Brasil-Japão da ueCe, neste ano, terá que se empenhar em iniciar um movimento para a criação de um curso de Japonês na graduação de nossa universidade.

reFerênCiAs

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Capítulo 4

VAriAÇÃo LinguísTiCA de proFessores de LínguA JAponesA do BrAsiL: esTudo LinguísTiCo Tendo em VisTA os eFeiTos no ensino-AprendizAgem Como

LínguA esTrAngeirA1

Leiko matsubara morales

(universidade de são paulo)

RESUMO: este artigo tem como propósito examinar as ocorrências linguísticas das falas de professores de língua japonesa, tendo em vista suas aplicações no âmbito do ensino-aprendizagem de língua japonesa como Língua estrangeira (Le). os professores foram separados em na-tivos e não nativos, sendo os primeiros, os japoneses issei e os últimos classificados em descendentes nissei, sansei e em não descendentes. As amostras foram selecionadas a partir do elenco de cada grupo, e foram assinaladas semelhanças e sobreposições entre os mesmos. os métodos empregados foram o quantitativo, para delinear o universo dos professores, e o qualitativo, para a análise linguística. Foram excluídos do perfil de professores os nativos recém-chegados e os retornados brasileiros, por não fazerem parte do escopo deste trabalho, dadas as circunstâncias de aquisição da língua. o resultado revela que as ocorrências variam desde interlíngua, característica de aprendizes de Le (erros gramaticais, interferências, estratégias comunicativas), até aquelas de natureza sociolinguística e, no caso dos bilíngues, troca de códigos linguísticos.

PALAVRAS-CHAVE: interlíngua; desenvolvimento linguístico; Variação; Língua japonesa; Língua portuguesa.

1 este artigo é uma versão resumida do capítulo sobre as ocorrências linguísti-cas de professores de japonês da tese de doutorado, intitulada: Cem anos de imigração Japonesa no Brasil: o japonês como língua estrangeira (2009).

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ABSTRACT: This article examines the use of interlanguage and occur-rences of errors due to interference from portuguese in the spoken Japanese of Japanese language teachers in Brazil, with the aim of contributing to the teaching and learning of Japanese as a Foreign Language (FL). Teachers were divided into two groups, native and non-native, native being Issei or first-generation Japanese immigrants to Brazil, and non-native being second- and third-generation Japane-se descendants as well as non-descendants. samples were selected from each group’s repertoire, which showed similarities and overlap among the groups. The teacher participants are described quantita-tively, while their language data is analyzed qualitatively. newcomers and native Brazilians who had lived in Japan were excluded from this study in order to control the circumstances of language acquisition. it is found that instances of interlanguage and interference range from learner interlanguage features of FL (grammatical errors, interference, communication strategies) to matters of sociolinguistic usage and, in the case of bilinguals, code-switching. KEYWORDS: interlanguage; Language development; Variation; Japanese; portuguese.

1. inTroduÇÃo

A língua japonesa falada no Brasil, mais especificamente da variação lin-guística, já foi objeto de estudo de muitos pesquisadores, sobretudo na área da sociolinguística (doi,2002,2006; KAnAsHiro,2000;KuYAmA,2000; su-zuKi, 1995; TAKAno, 2002, entre outros), bilinguísmo (gArdenAL, 2008; morALes, 2009; nAWA, 1988) e ensino-aprendizagem de línguas (morA-Les, 2009 e nomoTo, 1978,2009).

no presente trabalho, apresentamos dados linguísticos coletados de professores de japonês, tendo em vista o quadro de perfil de nativos e não nativos (morALes, 2009, 2011a, 2011b). Foram selecionadas ocorrências linguísticas que potencialmente poderiam apresentar al-gum tipo de problema no âmbito de ensino-aprendizagem de japonês como Língua estrangeira (Le). o objetivo da coleta e descrição das ocorrências, do ponto de vista linguístico, é utilizá-las como parâmetros para conscientização sobre as variações linguísticas, aprimoramento

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na acuidade e adequação linguística. do ponto de vista didático, visa compreender os erros de natureza interlinguística com vistas à aplica-ção no ensino-aprendizagem e também para promover autorreflexão dos próprios professores.

2. o uniVerso de proFessores de LínguA JAponesA no BrAsiL

segundo o Centro Brasileiro de Língua Japonesa, há cerca de 800 professores cadastrados no seu banco de dados. Baseando-nos em dados de 2004-2005, fizemos um levantamento sobre a geração, sexo, tipo de aquisição, nível de proficiência linguística da língua-alvo e formação acadêmica.

desses, obtivemos informação de 627 professores (78%), dos quais 86% são mulheres; 181 são nativos old comers2 (33%); 189 de segunda geração: nissei (34,8%); 86 de terceira geração: sansei (15,8 %); 9 da quarta geração: yonsei (1,6%); 19 de brasileiros não descendentes (3,5%); 26 de nativos japoneses: newcomers3 (4,7%); 33 não especificaram (6%).

em relação ao tipo de aquisição de língua, 248 têm o japonês como L14 (40%); 257 como Língua de Herança5 (41%); 97 não responderam (15%); 20 aprenderam o japonês como Língua estrangeira6 (3%); 4 são brasileiros retornados, com formação escolar no Japão (1%).

2 em contraste a newcomers, costuma-se empregar o termo old comers para os chamados issei, nativos japoneses que chegaram logo após a retomada da imigração pós-guerra, de 1953 até a década de 1980.

3 o conceito de newcomers pode variar de acordo com os pesquisadores. no nosso entendimento, abrange os nativos que vieram ao Brasil a partir da década de 1990.

4 primeira Língua. A L1 é a língua materna ou nativa de uma pessoa, a língua que uma pessoa aprende por meio de aquisição natural.

5 o conceito de LH pode se referir à língua transmitida de pai para filho em situação de bilinguismo, como língua minoritária frente à língua oficial falada majoritariamente no país em que a criança nasceu ou para o qual emigrou. no caso em estudo, trata-se de descendentes japoneses, filhos de imigrantes japoneses que nasceram no Brasil e que vivem em comunidade de japoneses, falavam a língua dos ancestrais. o termo pode, ainda, referir-se à primeira língua da criança que se muda para outro país, uma vez que, em contato com um novo ambiente linguístico, terá de aprender uma nova língua, mas sem deixar de falar a primeira (que, no caso, poderá ser denominada de LH). Assim, o termo é coextensivo àqueles que nasceram no Brasil e aprenderam o japonês num contexto comu-nitário e familiar, mas, também, àqueles que para cá vieram e trouxeram sua primeira língua. Há vários pontos de intersecção entre LH e L2: enquanto a primeira tem a possibilidade de realização linguística reduzida por estar em outro país, a L2 é a língua majoritária do novo ambiente linguístico e é um termo abrangente para dizer que se trata de uma segunda língua que não seja a primeira.

6 o conceito de Le refere-se àquela que é aprendida pelo aluno em situação de sala de aula. muitas vezes, o estudo se limita à gramática e à conversação funcional em sala de aula, e o aluno não está no país em que se fala a língua em questão. A língua não é o meio de comunicação direta no seu dia a dia, sendo os insumos linguísticos controlados por ser em ambiente de sala de aula.

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em termos de formação acadêmica, 332 possuem nível superior completo (52,9%); 11 (1,7%) são graduandos; 184 completaram o ensino médio (29,3%); 51 terminaram o ensino Fundamental (8,1%). desses, os que se formaram em Letras são 79 (23,7%), mas não necessariamente em Letras – Japonês. diante dessas informações, constata-se a neces-sidade de preparar melhor as pessoas envolvidas no ensino de japonês para a profissionalização.

Quanto à aprovação no exame de proficiência em Língua Japonesa (Nihongo Nôryoku Shiken), 254 (41%) nunca prestaram; 124 são aprovados no nível 1, o mais elevado nível de dificuldade (20%); 95 não respon-deram (15%); 94 são aprovados no nível 2 (15%); 52, no nível 3 (8%); 8, no nível 4 (1%). A alta taxa de pessoas que nunca prestaram deve-se ao fato de serem nativos e o exame ser voltado para estrangeiros.

ressalta-se o fato de que no Brasil, por conta da imigração no perío-do pré e pós-guerra, há nativos e descendentes que falam fluentemente o idioma japonês, e que, por conta dessa característica, ocorre no ima-ginário da comunidade nipo-brasileira que para ser professor de japonês basta falar a língua. É necessário, no entanto, desenvolver competências sociolinguísticas e conhecimento sobre bilinguismo para que o professor que seja nikkei7 consiga desenvolver-se plenamente como professor de japonês. Além do fato de que no caso de nikkei, em decorrência do tipo de aquisição da língua, há ainda a formação de crenças sobre o processo de ensino-aprendizagem que podem interferir na prática didática.

para a coleta de dados dos não nativos, usamos como critério professores aprovados no nível igual ou superior a 2 do exame de proficiência em Língua Japonesa8. em relação aos nativos, foram esco-lhidas pessoas que tiveram, no mínimo, o ensino médio completo no Japão. os informantes foram separados por geração, por conta do tipo de aquisição da língua, sendo uma variável importante para a análise. Foram excluídos desse estudo os nativos newcomers e os brasileiros retornados, por possuir um repertório linguístico atualizado, dado contato intenso propiciado pela vivência no país da língua-alvo. seguem abaixo o agrupamento dos informantes:

7 no presente estudo, o termo nikkei inclui japoneses nativos e seus descendentes.8 no nível 2, estima-se que o candidato tenha passado por, no mínimo, 600 horas de estudo, com

conhecimento de cerca de 1.000 caracteres logográficos e nível intermediário para leitura de textos. só a título de comparação, no nível 1, o grau mais elevado, estima-se cerca de 900 horas de estudo, exigindo-se 2.000 caracteres logográficos, com competência plena para acompanhar aulas de nível universitário em língua japonesa.

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• professores não nativos/não descendentes (pnnnd);• professores não nativos/descendentes de segunda geração (pnnd-2);• professores não nativos/descendentes de terceira geração (pnnd-3);• professores nativos old comers (pnoC)9.

3. soBre os Termos

em termos de aquisição de línguas, no presente artigo, empre-gamos o conceito de L1 para os japoneses que nasceram e cresceram no Japão, tendo recebido a educação formal em japonês, cujo tipo de aquisição ocorreu em condições naturais de vivência no país da língua-alvo, com ensino formal regular e com os insumos linguísticos no dia a dia, o que vai ser o caso de imigrantes issei (os chamados old comers), que vieram ao Brasil entre as décadas de 1950 e 1970.

o termo segunda Língua (L2)10 será aplicado para descrever uma língua diferente da primeira língua, mas que passa a ocupar um papel preponderante na vida do falante, uma vez que todas as operações inte-lectuais passam a ser desenvolvidas nessa língua, além da comunicação do dia a dia, que é o caso de crianças brasileiras que foram ao Japão e aprenderam o idioma em situação de imersão no contexto japonês, diferentemente da situação de pessoas que aprendem o japonês no Brasil, seja em situação de LH ou Le.

o termo LH pode se aplicar à primeira língua de filhos de imigran-tes que se mudaram de país ou de ambiente linguístico. neste artigo, o termo é coextensivo para referir-se à língua japonesa falada por descen-dentes nascidos no Brasil, que se trata de ser a L1 em contexto familiar e muitas vezes em extensão ao meio onde se vive. em comparação ao Japão, mesmo os insumos linguísticos ficando limitados na aquisição de L2, pode se considerar que são mais abundantes do que Le.

por último, o termo Le refere-se à língua cujo contato se restringe ao contexto da sala de aula, mediado por livros e materiais didáticos

9 Japoneses nativos, normalmente imigrantes do pré-guerra ou do pós-guerra que chegaram ao Brasil até a década de 1980, quando se encerra a imigração japonesa ao Brasil.

10 Há uma distinção, na literatura, sobre o ambiente linguístico de uma língua em aquisição. normal-mente, a L2 refere-se a uma língua com a qual o aprendiz tem contato no dia a dia, como meio de comunicação, mesmo não sendo a sua primeira língua. É o caso dos brasileiros que estão no Japão aprendendo o japonês como L2. no presente trabalho, o termo será coextensivo aos descendentes japoneses que vivem no Brasil, em virtude de eles terem crescido em comunidades que tinham o japonês como língua de comunicação, mesmo havendo redução na qualidade dos insumos linguís-ticos, se comparados aos que estão no Japão.

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somente, sem uma vivência linguística no dia a dia (sKuTnABB-KAngAs, 1981).

A seguir, apresentamos as tabelas por geração e por tipo de aquisi-ção de línguas para melhor apreender o perfil do professor de japonês do Brasil. Como mostram os números, a comunidade de professores é constituída de grande parte nikkei, com aquisição natural de língua japonesa, seja como L1 ou LH.

QuAdro 3.1: AsCendênCiA do proFessor

mestiço 1 0,1%não descendente 13 2%não especificado 43 7%nativos e descendentes 587 91%Total 644 100%

morales (2009) Fonte dos dados: Centro Brasileiro de Língua Japonesa – guia escolar 2004.

QuAdro 3.2: Tipo de AQuisiÇÃo dA LínguA JAponesA

LH (descendentes; japonês como L2 em comunidade) 257 41%

L1 (nativos japoneses) 248 40%

não especificado 97 15%

Le 20 3%

Brasileiros retornados (kikokushi) 4 1%

Total 626 100%

morales (2009) Fonte dos dados: Centro Brasileiro de Língua Japonesa – Censo para certificação de professores 2004-2005.

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4. mÉTodos de CoLeTA

os dados linguísticos da primeira fase foram coletados, mediante a observação participante, entre os anos de 2005 e 2008, durante os seminários realizados em todo o Brasil: Belém (pA)11, salvador (BA)12, Cuiabá (mT)13, Brasília (dF)14, rio de Janeiro (rJ), nas cidades paranaenses de Curitiba, maringá e Londrina15, na capital de são paulo e no interior de são paulo16, e nas cidades próximas de são paulo, região do ABC, mogi das Cruzes, suzano, indaiatuba e Atibaia, durante a realização dos seminários, enquanto a pesquisadora neles participou como pales-trante. os dados ainda foram coletados em entrevistas individuais e em grupos pequenos, com questionários livres e com gravador iC recorder.

os primeiros contatos com os professores foram feitos por co-ordenadores regionais e conhecidos nossos, o que proporcionou um clima sem tensão para realização das primeiras entrevistas. Foram entrevistados oitenta professores, dos quais cerca de 20% apresentou algum tipo de ocorrência que tinha potencial de apresentar problemas no âmbito do ensino-aprendizagem.

5. deFiniÇÃo de VAriAnTes e pArÂmeTros de AnáLise LinguísTiCA

A pesquisadora bilíngue, brasileira, que tem contatos com a comu-nidade nipo-brasileira, usou como parâmetro seu próprio conhecimento linguístico de japonês e português; quando havia dúvidas, consultou dois nativos que nasceram e cresceram na província de Tóquio, cuja vivência não era superior a dez anos no Brasil.

11 os seminários dessa região incluem professores da região norte do Brasil, a saber: manaus (Am), são Luís (mA), porto Velho (ro), Boa Vista (rr).

12 os seminários dessa região incluem professores do recife (pe), interior da Bahia, onde houve uma migração interna de japoneses graças ao subsídio da JiCA nos anos 1980, como as cidades de Barreiras, Colônia JK do estado da Bahia.

13 incluem-se nesse, particularmente, as cidades de dourados (ms), Cuiabá (mT) e Campo grande (ms). 14 incluem-se professores do distrito Federal, Tocantins, goiás, rio de Janeiro, minas gerais e espírito

santo.15 nas três principais cidades do paraná, realizam-se seminários itinerantes de periodicidade anual

que perdura mais de vinte anos. nas cidades paranaenses como maringá e Londrina, no norte do paraná, há mais escolas comunitárias em que se ensina o japonês como LH.

16 incluem-se marília, Araçatuba, presidente prudente e adjacências, que são cidades que cresceram ao longo das antigas linhas ferroviárias paulistas. Atualmente, houve um acentuado declínio no número de descendentes que estudam o japonês, mas também há aumento de interesse pelos não descendentes.

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para a definição do termo koroniago, recorremos a doi (2002) que o define como uma variedade do japonês, resultante do contato e mistura dos diferentes dialetos de imigrantes que vieram ao Brasil e aqui constituíram uma nova comunidade17, e, também, como a soma de variante do português popular em contato com os trabalhadores rurais. doi (op. cit.) acrescenta que a essas misturas, ainda somavam-se os empréstimos do português feito pelos nissei, que os nativos enxer-gavam como falta de proficiência.

Há de mencionar até onde o termo koroniago alcança para se referir às variantes existentes no Brasil, já que os neologismos criados por falantes da comunidade nipo-brasileira decorrem de vários fatores e motivações diversas.

6. AnáLise LinguísTiCA

para análise linguística, foram tomados os parâmetros da socio-linguística, do bilinguismo e do contato de línguas. devido à especi-ficidade brasileira, por conta da presença da comunidade japonesa resultante do processo migratório, o parâmetro nativo e não nativo não é suficiente para categorizar as diferenças de nativo e não nativo, sendo importante verificar também a ascendência. no caso dos des-cendentes, por ser a maioria bilíngue, foram divididos em segunda e terceira gerações (nissei e sansei, respectivamente) e a variável “contato com os membros da comunidade nikkei” ilustra a sua influência no desenvolvimento da língua japonesa.

Há, ainda, outro grupo que se soma a esse pelas características étnicas, mas que teve formação totalmente diferente, o dos brasileiros retornados do Japão. esses, muitas vezes, podem ser da quarta geração de descendentes ou até mesmo mestiços. do ponto de vista da naciona-lidade, são brasileiros, mas, culturalmente, comportam-se como japone-ses. do ponto de vista bilinguístico, a língua dominante é o japonês, em detrimento do português. Assim, no presente trabalho, foram excluídos tais casos, ficando somente aqueles cuja vivência tenha sido na maior parte de suas vidas no Brasil. os dados dos bilíngues foram analisados do ponto de vista dos empréstimos linguísticos, troca de códigos co-

17 Tuten (2007) define este tipo de processo de mistura de dialetos ou variedades de língua mutuamente inteligíveis como Koinezation, que vem do termo Koine, do grego, que significa “compartilhamento mútuo”.

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nhecido como fenômeno de code-switching (no nível intersentencial ou intrassentencial) e também como erros característicos de interlíngua em fase de aprendizagem de uma língua, já que esses podem interferir no controle e na qualidade linguística em sala de aula, no que diz respeito ao emprego das línguas-alvo (japonês) e de intermediação (português).

A seguir, apresentaremos os dados linguísticos de cada grupo.

6.1 A LínguA FALAdA por proFessores nÃo nATiVos nÃo desCendenTes (pnnnd)

A análise dos professores não nativos não descendentes (dora-vante pnnnd) tomou por base os estudos de interlíngua e aquisição-aprendizagem de L2, porque tais informantes estudaram japonês, após a idade crítica, entre 11 e 12 anos18, e, para alguns pesquisadores, isso constitui um marco relevante do ponto de vista da aquisição da língua; e, portanto, estudaram japonês como Le. Além disso, os pnnnds tive-ram contato diferente dos descendentes que cresceram em comunidade de fala19, tendo recebido menos insumos linguísticos da língua-alvo (japonês) em consequência de menor oportunidade de interação com os falantes daquela língua, mas, em contrapartida, podem ter passado por um ensino formal de japonês como Le.

As ocorrências mais significativas para este grupo foram a falta de acuidade gramatical, que vão desde o emprego de partículas, flexões verbais, estruturas frasais, adquiridas normalmente nos estágios de nível básico para o intermediário, como também erros de adequação. o termo “erro” empregado aqui não representa uma acepção negativa, uma vez que as ocorrências são consideradas um percurso de aprendi-zado, um estado passageiro não sendo um produto imutável e acabado, mas, sim, um processo, em constante modificação dependendo do nível de percepção do usuário (cf. zHAnHong HAn, 2004).

o uso de partículas simples de caso (kakujoshi)20 também foi um tópico em que houve alta incidência de erros para aqueles que apren-

18 Trata-se de uma tese de que há uma idade limite para aprender a L1, cujo defensor é Lennerberg (1967). 19 no presente artigo, adotamos a definição de Labov, sociolinguista variacionista, que conceitua

comunidade de fala como um grupo de pessoas que partilha um mesmo sistema de normas e valores sobre as trocas linguísticas, sem haver estranhamento pelas partes envolvidas.

20 empregaremos o termo partícula para nos referir aos kakujoshi porque nos propusemos investigar como tais aparecem na fala dos professores no âmbito linguístico-pedagógico. na descrição do japonês em estudos linguísticos, encontramos termos como morfemas simples de caso ou morfemas relacionais.

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deram o japonês como Le. na modalidade oral, em alguns casos, tais partículas podem ser dispensadas, uma vez que as relações sintáticas ficam evidenciadas no contexto.

Apresentaremos as ocorrências que comprometeram o parâmetro da gramaticalidade e do uso da língua. elas foram transcritas literal-mente, acompanhadas de tradução de acordo com o japonês para evidenciar o estranhamento; as palavras ou trechos em questão estão destacados em itálico e as explicações foram indicadas no interior de parênteses duplos. em alguns casos, foram acrescentadas notas após os exemplos e a tradução para esclarecer os contextos de produção.

6.1.1 QuesTões grAmATiCAis6.1.1.1 uso inAdeQuAdo de pArTíCuLAs

nas ocorrências a seguir, (A) e (B), a partícula ni é posposta aos termos da cadeia sintagmática para marcar um momento exato no tempo, como datas e horas pontuais. o erro incide no fato de que se trata de expressões de periodicidade e duração, tais como “todos os anos”, “todas as manhãs”, “por dois anos”, “por trinta minutos” o que contraria a regra do tempo pontual, especifico.

(A) Watashi tachi maigakki ni karikyuramu tsukurinaoshi-te ireteirun desu. Tradução: nós, todos os semestres ((sem marcação de partícula espacial)), refazemos o currículo e colocamos ((algo)).

(B) Kôkô ninensei no toki ni sg de benkyô shihajimete, ninenkan de zutto benkyô shite. Tradução: Comecei a estudar no segundo ano do colégio em sg, estudei direto em ((sem marcação de partícula)) dois anos seguidos.

6.1.1.2 emprego de pArTíCuLAs de eFeiTo prAgmáTiCo (FuKuJosHi) e supressÃo de VerBos

na ocorrência (A) foi empregado dake por interferência linguística, uma vez que o advérbio “só” do português pode provocar essa nuan-

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ça. o informante empregou-o para dizer que “seu ônibus só sairia à meia-noite”, com a mensagem subliminar “há muito tempo até esse horário”. As partículas dake e shika regem um tipo de estruturação de frase, não podendo simplesmente inserir como elemento enfatizador.

na ocorrência (B), em (a), nota-se a falta de uma partícula de efeito pragmático mo, formando um sintagma “mô nan’nen mo mae no hanashi”. em ambos os casos, revela falta de domínio de uso de partículas de efeito pragmático.

(A) Boku wa basu ga 12-ji dake nanode g-san wa kocchi kara aruite 7-fun gurai 10-pun teido no sunde iru shi.Tradução: o ônibus só sai à meia-noite, e a senhora g deve fazer o percurso de 7 a 10 minutos a pé.

(B) p: og (nome de escola) de? og no seito-san dattan desu ne. dôshite nihongo o bennkyô- hajimetan desu ka?e: un ee to (pausa) mô nan’nen (a) mae kara no hanashi dakara mô wasureta ka na tte iu kanji.Tradução: p: em og? Você era aluno de og. Como come-çou a estudar japonês?e: Bem, (pausa), é uma história que já faz tantos anos que dá a impressão de que esqueci.

6.1.1.3 ComBinAÇÃo de VerBos, VerBos AuxiLiAres (HoJo-dôsHi) e AuxiLiAres VerBAis (JodôsHi): VerBo + VerBos

AuxiLiAres de BeneFíCio

A ocorrência a seguir refere-se ao emprego de verbos auxiliares de benefício, em que as escolhas dos mesmos revelam os sujeitos linguísticos, implícitos ou explícitos linguisticamente. mesmo sendo os sujeitos implícitos, os referentes vêm marcados com ni, como no caso de gakushûsha ni.

(A) (...) ima no nama-kyôzai o motte kitari sakki no anô shashin paneru o ((eliminação do verbo)) sô iu imêji kara demo ii desu shi, kanji o sagashite morau hômupêji o gakushûsha ni haitte kudasai to ka, ((eliminação do verbo)) oshiete kudasai to ka ((eliminação do verbo)).Tradução: Trazer este tipo de material autêntico, aqueles

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painéis de fotos de agora pouco, pode ser dessas ima-gens, pedir que eles procurem o kanji, peço aos aprendi-zes que entrem na homepage, ensinem para mim.

6.1.1.4 FLexÃo VerBAL

em (A), uketa mita (“tentei prestar”) está flexionado de forma incor-reta, já que o auxiliar verbal miru (“experimentar”) pede a flexão te e não ta, sendo a forma correta ukete + mita. o shirazu ni que, literalmente, é “sem saber” (forma flexionada de shiru [saber]) está indevidamente empregado, uma vez que no contexto, deveria ser o verbo (benkyô) suru, ou seja, sezu ni. A mudança da forma neste caso, não só causa estranhamento, mas sim uma mudança de sentido.

em (B), normalmente, a estrutura esperada seria oshierareru, com acréscimo de morfema de potencialidade reru. porém, veio expressa pela forma volitiva tai. no caso, a forma volitiva está presente no verbo da oração principal, corretamente empregada, e não deveria aparecer no verbo da oração subordinada.

(A) Ah, watashi 2-kyû uketa mita kedo, kotoshi wa jibun no benkyô wa shirazu ni gakkô no hô ga ganbatte imashita. Tradução: Ah, eu tentei prestei o nível 2, mas este ano não estudei e a acabei me empenhando nas coisas da escola.

(B) p: Sensei tte iu no wa don’na sensei desu ka?e: Mazu mazu chanto oshietai sensei ni naritai desu. Tradução: p: e a que tipo de professor você está se refe-rindo?e: em primeiro lugar, quero ser um professor que quer ensinar direito.

6.1.1.5 TrAnsiTiVidAde VerBAL

os erros ligados aos verbos transitivos e intransitivos aparecem com frequência, mesmo para os professores que possuem um nível avançado de japonês. Casos como os de verbos “começar”, que em português possui uma única forma, tanto para transitivo como para intransitivo, em japonês assume formas diferentes (hajimaru – verbo intransitivo – e hajimeru – verbo transitivo). em japonês, a raiz verbal é

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a mesma, cujo radical é representado graficamente por um só símbolo logográfico 始 de 始まる(haji-maru) e 始める (haji-meru). estes só se distinguem pela vogal temática: respectivamente, hajimAru e hajimE-ru. Hajimaru é verbo intransitivo, ao passo que hajimeru é transitivo direto, pedindo necessariamente um complemento verbal. As marcas de hesitação e da repetição em flexões diferentes reforçam também a falta de domínio da forma correta.

(A) Yappari sono torêningu ga hajimetari hajimete eee (es-panto) muzukashii to omotteta. Tradução: de fato, eu pensava que era difícil esse treina-mento ora começava, começou (espanto).

6.1.1.6 AspeCTo VerBAL

A estrutura to suru (ukeyô to suru) representa a “intenção de fazer algo”, cujo verbo é de ação instantânea, o que não se harmoniza com o aspecto acabado e nem representa a intenção do informante, que deseja relatar um estado no passado sobre sua proficiência linguística, sendo recomendável o emprego de verbo para marcar a duração no passado, como: “2-kyû no junbi o shite ita koro wa” (“na época em que eu me preparava para prestar o nível 2”) ou “2-kyû no benkyô o shite ita koro wa” (“na época quando eu estudava para o exame de nível 2”).

(A) Demo san ee ni-kyû o ukeyô to shita toki ni kekkô chatto ne chatto de shabetteta. Tradução: mas, quando eu pensei em prestar o nível dois do exame de proficiência, eu falava relativamente bem certinho.

6.1.1.7 esTruTurAs FrAsAis (BunKei)

devido à característica predominantemente aglutinante e às combinações com palavras flexionáveis, no ensino de Le predomina o conceito de bunkei, ou seja, a estrutura de frase ou estruturas de expressão como uma unidade comunicativa, em detrimento das pa-lavras isoladas. no ensino de expressões que denotem uma ideia de obrigação, por exemplo, introduz-se a forma shinakerebanarimasen. Tais palavras, ou melhor, o conjunto delas, são vistas como uma unidade/

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reFlexões e exPeriências de ensino e aPrendizageM

função comunicativa, enquanto que o mesmo na gramática escolar (Gakkô Bunpô) de nativos pode ser apresentado da seguinte explicação:

(1) shi – verbo irregular suru (fazer), flexão ren’yô21; (2) nakere – adjetivo nai (“não ter” ou “não haver”) fle-xionado na forma condicional chamada em japonês de kateikei (flexão condicional), com junção de morfema de condição ba22;(3) nari – verbo naru (“tornar-se”), tipo 5-dan23, flexão ren’yô; (4) mase – auxiliar verbal de polidez masu, flexão mizen24; (5) n – auxiliar verbal de negação, flexão shûshi25.

na perspectiva de Le, o conjunto shinakerebanarimasen significa

uma obrigatoriedade ou necessidade dependendo do caso, equivalendo em português a “ter de fazer algo”. As ocorrências listadas a seguir são corretas quanto à sua combinação, mas incorretas no contexto em que estão aplicadas, não respeitando a estrutura de superlativo absoluto e relativo.

(A) p: Don’na oshiekata ga ii oshiekata da to omoimasu ka? e: Ah...p: (Risos.)e: Ai ai ai iroiro aru ne, ichiban ii oshiekata aru ka na? Ho hotondo wa seito no purofairu kara mite oshiekata o kangaeru, dakara ii sugoku ii no wa mada wakaranai ne de kono turma ni sugoku yokatta hô ga tsugi no turma ni onaji koto yattemo son’na ni...Tradução: p: Que tipo de abordagem acredita seja a me-lhor para ensinar o aluno? e: Ah...p: (risos.)e: Ai ai ai, tem várias, não é mesmo? será que existe uma forma melhor? em quase todos os casos, observo o per-fil do aluno e depois penso em como ensinar, por isso,

21 Flexão verbal para conectar a outro predicador (verbo e auxiliar verbal). 22 Aqui, ainda pode ser desmembrado em nai, sofrer flexão naku (ren’yôkei), que se liga ao auxiliar

verbal de ligação aru, ficando naku + are, sofrendo eufonia para nakere e, depois, conecta-se a um morfema condicional ba.

23 Flexionável em todos os paradigmas a-dan, i-dan, u-dan, e-dan e o-dan, levando em conta a tabela de fonogramas japoneses a-i-u-e-o, ka-ki-ku-ke-ko e assim por diante.

24 Tipo de flexão verbal própria para se conectar a um morfema verbal de negação. 25 Tipo de flexão verbal própria para terminação de frase.

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ainda não sei qual é a melhor forma, então, quando uma coisa é melhor do que para uma turma, na turma seguinte, mesmo que faça a mesma coisa...

6.1.1.8 esTruTurA FrAsAL e semÂnTiCA

A palavra kagiri derivou-se do verbo kagiru (“restringir-se”, “limitar-se”), e encontra-se na forma de nominalização (meishikei). do ponto de vista da gramática pedagógica, essa palavra funciona como um elemen-to nominalizador que deve ser precedida de uma oração subordinada adjetiva, com ideia de “algo que está limitado porque depende de uma condição”, mas, pelo processo de gramaticalização, passou a ser um substantivo formal, perdendo seu significado original, incorporando uma função conectiva interoracional (cf. moriTA, 1989). mesmo ten-do se gramaticalizado, o termo conserva resquício dessa etimologia, de modo que os critérios de aceitabilidade das orações subordinadas seguem essa construção. no trecho abaixo, como se tratava no con-texto de sala aula, o professor deveria dizer “watashi no shitteiru han’i de kotaetai to omimasu”.

(A) Moshi shitsumon ga areba, watashi no shitteiru kagiri kotaetai to omoimasu. Tradução: se tiverem perguntas, gostaria de responder nas limitações do que eu sei.

6.1.1.9 inVersÃo dA posiÇÃo CAnôniCA enTre A orAÇÃo prinCipAL e A suBordinAdA

na ordem canônica, a oração principal é precedida de oração su-bordinada; no entanto, no discurso, as inversões dos enunciados são comuns, desde que as regras gramaticais sejam preservadas, como, por exemplo, a presença de substantivo formal no processo de no-minalização (koto, no, mono), que virá sucedido de partícula. no caso (A), a representação do verbo da oração principal aparece no meio da frase, e a oração subordinada é interrompida sem nenhuma marca de nominalização.

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(A) Dakara tanoshii no wa ichiban tanoshii no wa, sono kekka o miru ne, kinô mo mita, watashi no seito ga ee jû jû jûhassai no seito ga, ee kodomo no, Nihon no ne, ima gakkô ni iru hassai ka kyûsai no Nihon no ko ga iru, de kono jûhassai no seito ga sono ko to hanashita ((eliminação do substantivo formal koto e no)). Tradução: por isso, o que é mais divertido, o que é mais divertido, olhar para esse resultado, né, ontem também vi, meu aluno de dezoito anos, bem..., da criança, do Japão, né, agora tem uma criança com oito ou dez anos, da es-cola do Japão, aí, esse aluno de dezoito anos conversou com essa criança.

6.1.1.10 eLiminAÇÃo do nÚCLeo do sinTAgmA

A eliminação do núcleo do sintagma viola a regra gramatical.

(A) p: Ima made ichiban oshietete komatta koto nan desu ka? e: Komatta no wa ano chicchai ko to ka zenzen kyômi ga nai ((falta o substantivo formal)). Oya ni iwarete gakkô ni itteru ((falta substantivo formal)). Sore wa ichiban komaru ne.Tradução: p: Quais foram suas maiores dificuldades ao ensinar japonês? e: o mais complicado foi ensinar crianças pequenas, ou ((as crianças)) não têm nenhum interesse. Foram obriga-das pelos pais e por isso vão à escola. isso realmente traz problemas. nota: nesse caso, o colaborador não emprega o núcleo de sintagma (koto e no) na oração japonesa; a falta de seu emprego é considerada erro gramatical, já que quebra a expectativa do ouvinte nativo. A correção da frase acima pode ser feita da seguinte forma, em destaque sublinhado: e: Komatta no wa ano chicchai ko to ka zenzen kyômi ga nai ko desu ne. Oya ni iwarete gakkô ni itteru ko nado. Sore wa ichiban komaru ne.

6.1.1.11 FALTA de sisTemATizAÇÃo dA esTruTurA FrAsAL e/ou dA FLexÃo VerBAL

no caso (a), o erro decorre da não sistematização da estrutura frasal, da flexão verbal ou de ambos. deve-se respeitar a estrutura de

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paralelismo mo...mo, mas, antes de apontar a falta de domínio da estru-tura, há também um erro de flexão verbal, sendo necessário concatenar as duas operações: oboetai hito mo ireba, oboetakunai hito mo..., além da necessidade de empregar em ambos os casos o auxiliar verbal de volição – tai). o esperado é que a estrutura seja: “oboetai hito mo ireba oboetakunai hito mo...”.

p: Demo kanji, oboetai desu ka, min’na? e: Ah, mâ. (a) oboeru hito ireba oboe...oboetakunai hito mo takusan imasu ne. Tradução: e: Bem, há muitos que aprendem e outros que não querem aprender.

6.2 grupo de proFessores nÃo nATiVos de segundA gerAÇÃo (pnnd-2)

neste grupo, composto por não nativos descendentes da se-gunda geração, (nissei), as ocorrências que mais se destacaram foram em relação à alta frequência de code-switching (Cs), tanto em termos quantitativos quanto em qualitativos, em todos os níveis de integração linguística (fonética, morfológica e sintática). Assim sendo, nesse tópico daremos destaque a essa característica.

embora o Cs já seja conhecido na literatura dos discursos entre os bilíngues, podemos destacar que, entre os próprios informantes do grupo pnnd-2, esse estratagema varia conforme o nível de pro-ficiência linguística desses falantes nas duas línguas, e, também, em diferentes situações comunicativas, podendo envolver, inclusive, nível de familiaridade e/ou intimidade a que se chega com o entrevistador, durante as entrevistas.

Há casos particulares de alguns informantes que pareceram não controlar registros linguísticos, misturando níveis de linguagem formal e informal. Há um caso em que o informante possuía fluência, sem apresentar qualquer imprecisão gramatical, mas não demonstrava desenvoltura no uso de partículas modalizadoras de final de sentença (shûjoshi), as quais são importantes no discurso e que se adquire em situação de interação com os interlocutores falantes daquela língua.

Há transferências pragmáticas, como os atos de fala e frases de efeito comunicativo, já consagrados na língua, como atos de falas

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de pedidos de desculpas. As transferências positivas no emprego de auxiliares verbais de benefício (kureru e morau), que modalizam os dis-cursos, e os pedidos de desculpas (gomen) frequentemente apareceram nas falas de diferentes informantes, caracterizando uma tendência. nas transferências negativas, as expressões espontâneas de recusa ocorreram com a presença da palavra “não” em português dentro do discurso em japonês, com e sem acomodação fonética (non e não). esse grupo foi também o que apresentou maior número de erros em português, característicos de monolíngues nativos, sobretudo de as-pectos fonéticos, da falta de concordância entre número e gênero dos substantivos e adjetivos, bem como de verbos. muitas vezes, em uma única palavra, verificavam-se duas realizações fonéticas diferentes, vindas do mesmo fone.

6.2.1 Code-sWiTCHing6.2.1.1 Code-sWiTCHing de Todos os níVeis LinguísTiCos

no trecho a seguir, em (a), há Cs de uma oração subordinada apositiva; em (b), o sujeito é separado, em japonês, por uma oração subordinada explicativa e, em seguida, retomado por um predicado em português. nota-se que a expressão portuguesa está imprecisa, já que seria comum usar a expressão “dar força”, nesse caso. em (c), nota-se um sintagma nominal de frequência; e, finalmente, em (d), um período simples, mas misturado com constituintes em japonês (de tempo e de frequência), sendo verbo e sujeito na sintaxe portuguesa, com emprés-timo lexical do japonês (shinia), por não existir um equivalente com a mesma acepção. para os estudiosos de Cs, o critério da aceitabilidade por parte de bilíngues é um ponto importante para a realização do Cs, pois não compromete o entendimento, nem causa estranhamento e/ou ruídos na comunicação, respeitando a combinação lexical dos sintagmas. o emprego de pronome relativo que em (b) e a sintaxe do português em (d) são de altíssimo nível de complexidade. Cabe frisar que os fenômenos de Cs em si não constituem um problema entre os discursos dos bilíngues, mas como eles aparecem em campo didático quando o bilíngue atua como professor.

(A) Conheceu? JICA no nihongo sen’monka? (a) primeira pes-soa que veio da JiCA A (nome da cidade), TM sensei, kiita

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koto nai? Ano kata ga kite... tsugi tsugi maitoshi kite, 2004-nen, 2003-nen. I-sensei ga. Sono kata ga P (nome da cidade) ni nihon gakkô ga nai kara, (b) que fez força, nihongo kyôshi ni shitai... dakara (c) cada dois anos, de A (nome da cidade) ne kotoshi kara kaette, (d) rainen mata vai vir outra shinia.

Tradução: Conheceu? A especialista da JiCA? Primeira pes-soa que veio da JICA A (nome da cidade), nunca ouviu falar da professora Tm? essa pessoa veio... veio uma atrás da outra todos os anos, em 2004, em 2003. A professora i. essa pessoa disse que como não havia escola japonesa em p (nome da cidade), (b) que fez força, queria que eu fosse professora de japonês, por isso, (c) a cada dois anos, e foi embora de A (nome da cidade), (d) no ano que vem vai vir outra sênior.

no próximo trecho, observam-se mais variedades de Cs, como in-terjeições em (a); conteúdo da oração integrante integral em português, mas marcada pela partícula de discurso indireto (tte), em (b); em (c) e (i), há uma divisão clara do final da oração subordinada condicional e da oração principal; em (d), (e), (g), a mudança de código parece estar ligada à força de expressão, já que houve mudança na entonação26 e, talvez por isso, a informante tenha dado preferência à língua japonesa para expressar suas sensações; em (f), há uma transferência de ideia – do japonês para o português; em (h), o artefato é típico do Brasil, o que pode tê-la motivado a falar em português, não encontrando o equi-valente em japonês; em (k), por não ser uma medida que se expresse em japonês no dia a dia, pode ter preferido falar em português; em (j) e (l), são todos objetos usados em escolas, podendo ser um Cs profis-sional ou tenha usado a estratégia de evitamento, já que se tratam de palavras estrangeiras com as quais os nikkei têm pouca familiaridade; em (f), há interferência fonética do r vibrante, som que a informante acaba pronunciando como um japonês nativo.

(B) (sobre sua decisão de ser professora de japonês.) Nihon-go kyôshi wa zettai yamenai tte, 3-nin demo 5-nin demo haji-meru tte itta toki, dakara oyatachi min’na, (a) ah, (b) então minha filha também vai estudar com sensei, aí não sei o que tte. Sono toki ie karita no ne, soshitara, watashi wa koku-ban katte ne, isu attara (c) dá para começar, não dá? (...)

26 dado suprassegmental que acreditamos ser importante assinalar.

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hito-heya karite, shita no ne, oyatachi (d) comprou reizôko, (e) vaquinha shite, isshoni soshite, ima mo sono sansha ittai tsuzuite... sansha ittai tte iu no wa sensei, (f) os pais, arunos, hitotsu no coração né, soshitara magunetto, kokuban, (g) não é qualquer lugar tem magunetto, vaquinha, carteira dakedo, kon’na janai, (h) universitária, aquela que tem braço, are wa 10-ko, sorekara, nandatta ka, kokuban wa watashi ga katte, tsukue attara, (i) dá para começar, watashi ga kaundatta no wa ima magunetto, (j) rádio gravador, soshitara kondo terebi, terebi wa ano koro (k) 14 polegadas de chiisai node hajimete, watashi no jugyô wa (l) áudio visual tte iu ka, mae kara shi-chôkaku kyôzai toka tsukattete ne, bideo wa watashi ga katta, terebi wa moratta...doko no oya ga nani tte.

Tradução: (relatando sua decisão de ser professora de japonês e como foi a organização de uma nova sala de aula.) não vou deixar de ser professora de japonês, quan-do eu disse que começaria mesmo com 3 ou 5 alunos, por isso, todas as mães disseram (a) ah, (b) então minha filha também vai estudar com sensei, aí não sei o quê. Aí, eu aluguei uma casa, né, e daí, eu comprei lousa, se tiver umas carteiras, (c) dá para começar, não dá? (...) aluguei uma sala, e os pais, (d) comprou geladeira, (e) fizeram va-quinha, juntos, e, até agora, continua os três pilares... os três pilares que eu digo, (f) a sensei, os pais, arunos, em um só coração né, daí, os ímãs, para a lousa, (g) não é qual-quer lugar tem imã, vaquinha, carteira, mas, não é assim, (h) universitária, aquela que tem braço, daquele lá umas dez, daí, como era mesmo? eu comprei quadro negro, se tiver carteira, (i) dá para começar, o que eu ia comprar agora eram os ímãs, (j) rádio gravador, depois a TV, a TV naquela época era (k) 14 polegadas começamos com uma pequena, como posso dizer a minha aula era baseada em (l), como posso dizer?, áudio-visual, desde antes eu vinha usando material didático audiovisual, quanto ao vídeo fui eu que comprei, e TV, eu ganhei, cada pai ia dando algo...

6.3 grupo de proFessores nÃo nATiVos desCendenTes de TerCeirA gerAÇÃo (pnnd-3)

os informantes deste grupo apresentaram características seme-lhantes aos de pnnd-2, em termos de falta de acuidade gramatical,

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fluência oral e competência comunicativa. As ocorrências encontradas nesse grupo foram causadas por motivos variados, que resultaram das diferentes formas de aquisição linguística, não apresentando homoge-neidade como nos grupos pnnnd e pnnd-2. dependendo da vivência linguística, houve quem apresentasse traços da segunda geração, como o falar característico da variante local (koroniago), como também havia ocorrências de aprendizes de Le, que são da ordem interlínguística, já se aproximando do pnnnd. no geral, o grupo pnnd-3 empregou estratégia comunicativa semelhante ao pnnnd, que aprendeu o japo-nês com Le.

Quanto ao uso de Cs, em comparação ao pnnd-2, há uma signi-ficativa diminuição em termos quantitativo e qualitativo. em compa-ração ao pnnnd, o grupo pnnd3 mostrou incomparavelmente maior domínio quanto ao uso de auxiliares verbais de modalização (jodôshi) e partículas finais (shûjoshi), por terem tido contato com falantes da língua-alvo, em situação de interação face a face.

percebe-se a importância do ambiente formal de estudo pelas diferenças apresentadas entre informantes que frequentaram cursos de japonês como Le, como por exemplo, em cursos de línguas em universidades japonesas, e aqueles que aprenderam nas escolas co-munitárias, estando no Brasil, com pouca vivência de situações sociais que requerem domínios de níveis linguísticos diferentes.

segue a seleção de algumas ocorrências para caracterizar o grupo.

6.3.1 FALTA de preCisÃo grAmATiCAL 6.3.1.1 domínio dA esTruTurA FrAsAL

os exemplos a seguir mostram a falta de domínio das estruturas e também das regras de nominalizações.

gakkô de oboe nai ne ato de jibun de benkyô shita ne. Tradução: não aprendi na escola, né, depois eu estudei sozinha. nota: o estranhamento vem da falta de emprego de ele-mento nominalizador e do uso de flexões verbais incor-retas; pelo contexto da frase, a forma correta deveria ser “gakkô de oboenakatta koto wa (...)”.

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p: Oshiete ite... komatteiru koto wa nan desu ka?e: Ah, kaiwa ne. Kaiwa no hô ga taihen ne min’na kiku wa daijôbu. Kaiwa no hô ga chotto komatte imasu. Tradução: p: Ao ensinar, em que mais sentiu dificuldades? e: Ah, é conversação, né? Conversação é mais complica-da, para ouvir tudo bem, mas em conversação, tenho passado apuros. nota: do ponto de vista gramatical, aos ouvidos do na-tivo, causa certo estranhamento, uma vez que o verbo “kiku” não foi nominalizado como deveria ser em “kiku no wa”. esse tipo de erro de interlíngua pode decorrer de uma estratégia comunicativa, já que “kiku” substituiu a palavra chôkai (listening), de natureza nominativa e não a lembrando o falante substitui por um verbo, mas acaba errando porque não nominalizou a forma verbal.

6.3.1.2 VerBo TrAnsiTiVo e inTrAnsiTiVo

e: Ima wa takusan nikkeijin wa imasu ne anô kaikan ga tsukete tsuite kara.Tradução: Agora tem bastante nikkei, agora fez kaikan. nota: há dois erros pré-sistemáticos – de escolha lexi-cal entre a forma verbal correta (tsukuru [fazer]), tsukeru [verbo acender] ou tsuku [verbo acoplar-se]), que pode representar a ideia de “construir” num nível lexical mais elementar e de não se lembrar com exatidão do verbo que caracterize efetivamente a ideia de “construir um prédio” (tateru).

6.3.1.3 VerBo + morFemA de AuxiLiAr VerBAL

(...) iroiro na método ga atte, anô kaiwa ni tsukareru no ga. Tsukawareru no ga nanka takusan deta shi (...). Tradução: (...) havia muitos métodos, para cansaço de kaiwa... Há muita coisa que apareceu que pode ser usada (...).nota: o erro apresentado na primeira parte da frase “tsukareru” (“cansar-se”) pode ser um lapso, já que em outros turnos do diálogo a informante empregou corre-tamente “tsukawareru”, contudo, a presença da forma in-correta não deixa de causar estranhamento.

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6.3.1.4 VerBo + FormA poTenCiAL (iKu – iKeru)

Watashi ga Nihon ni ikareta ((iketa)) toki wa (...). (lingua-gem honorífica)Tradução: Quando eu fui ao Japão... nota: neste caso, o verbo iku deve ser ikeru no infinitivo potencial, ou iketa, no tempo acabado.

6.3.1.5 proBLemAs de reLAÇÃo sinTAgmáTiCA enTre As pALAVrAs

Hontô wa suki michi janakatta.Tradução: não era o caminho que eu gostaria de ter se-guido. nota: a gramática exige que se empregue um morfema verbal de asserção entre os adjetivos inflexionáveis e o substantivo: suki na michi janakatta.

6.3.1.6 uso de LoCuÇões posposiTiVAs

(A) Watashi wa Niigata ken de anô kenshûsei tomo (toshite) Niigata ni ittemasu ne. Tradução: eu fui à província de niigata, como (na condi-ção de) estagiária de niigata. nota: há uso equivocado da locução pospositiva tomo, que deveria ser toshite.

6.3.2 oCorrênCiAs Com Code-sWiTCHing6.3.2.1 Code-sWiTCHing inTerorACionAL

p: Sensei wa seito tte dô yatte nihongo o oboete iku to omimasu ka?e: Mâ iron’na seito ga iru kara sono are dewa ienai kedo mas eu acho hum... não sei não é nem cem por cento gramáti-ca também não nê só decoreba das aa das situações demo nain da yo ne dakara eu acho que principalmente adulto eu acho que tem que ter um ponto de apoio e esse ponto de apoio eu acho que é gramática e a cultura japonesa.p: un...e: Nanka sore ga nai to todos não são temas que dá pra desenvolver dentro de sala de aula especialmente tem que pesquisar por conta própria iron’na mono ga nai to

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kawaisô janai?Tradução: p: Como a professora acha que os alunos vão aprendendo o japonês? e: Bom, tem vários tipos de alu-nos, por isso, bem, não dá para dizer... mas eu acho hum... não sei não, é nem cem por cento gramática também não nê só decoreba das aa das situações mas, não é assim, por isso, eu acho que principalmente adulto eu acho que tem que ter um ponto de apoio e esse ponto de apoio eu acho que é gramática e a cultura japonesa.p: Hum...e: se não tiver isso, todos não são temas que dá pra desen-volver dentro de sala de aula especialmente tem que pesquisar por conta própria tem de ter várias coisas, se não dá pena deles, não?

6.3.2.2 uso dA VAriAnTe KoroniAgo

(A) e: A (nome da cidade) de wa kodomo o adota suru no ga ôkatta desu.Tradução: em A (nome da cidade), muitos adotavam crianças.

(B) p: Aisukuriimu dô desu ka? e: Aa, watashi abacaxi dame… (mudança suprassegmen-tal) Tradução: p: Que tal um sorvete? e: Ah, abacaxi, eu não quero.

6.3.2.3 Cs + ConTrAÇÃo + VAriAnTe KoroniAgo

(A) Sô. Anô demo kai wa ima chotto komattoru ne. Sore ima gakkô no dake de funciona shitoru ne mada.Tradução: É, então, a associação está com dificuldades. Agora, o que está funcionando é só a escola mesmo. nota: há diversas ocorrências que merecem atenção, tais como, a forma dialetal komattoru, a junção da raiz verbal de “funcionar”, “funciona” + sufixo formador de verbo “suru” + contração ou dialeto regional.

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6.3.2.4 emprego do WATAsHi Como suJeiTo LinguísTiCo

observamos um uso exagerado do pronome da primeira pessoa do singular watashi.

(A) p: Kyôkasho wa nani o tsukattan desu ka? e: Watashi? Kyôkasho saisho amari shiranakatta ne, watashi saisho nihongo o oboeta toki “Atarashii Kokugo” o tsukatte ta ne. Tradução: p: Que livro didático usou? e: eu? Livro didático, no começo eu não sabia direito. Quando aprendi o japonês pela primeira vez, eu usava o Atarashii Kokugo.

6.3.2.5 emprego de LinguAgem de TrATAmenTo (Keigo)

(A) De anô minasan desu ne yoku kengaku ni kurun desu ne, de, ma nihongo kyôshi yatte mitai chotto kengaku sasete ita-dakitai to ka. Kô kurun desu keredomo, de kô ma mochiron beteran no sensei kô jyugyô miteru to anô tanoshisô desu ne. Tradução: então, as pessoas vêm frequentemente assistir às aulas, quem quer ser professor de japonês, quem quer permissão para assistir às aulas, mas, claro quando se as-siste a uma aula de professor veterano, tudo parece ser divertido, não é? nota: há uso indevido da linguagem de tratamento de modéstia, já que se trata de ações do interlocutor, não do falante, primeira pessoa do discurso.

(B) p: Ojiichan obâchan mukashi no imin deshô.e: Hai, mukashi no imin ni korareta ne. (forma de respeito)Tradução: p: seu avô e sua avó devem ser imigrantes an-tigos. e: sim, eles vieram como imigrantes antigos. nota: não se usa forma de respeito quando se refere às pessoas da mesma família com outros que não sejam do seu círculo de relações.

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6.3.2.6 A FormA ConTrAídA e A VAriedAde diALeTAL

(A) p: A (nome do lugar) no ho deshô. e: Hai, DIA (nome do lugar), Y-san tte shittoru desho.Tradução: p: Ah deve ser (nome do lugar). e: sim, é em diA (nome do lugar), você deve conhecer o sr. Y?

(B) (...) tomodachi ga itsumo naite denwa shiyotta ne. dekiru dake watashi ni denwa kakeyotta ne. (...) son’na toki nayan-da ne. (...) shinpai shitota ne kazoku (...). Tradução: (...) a minha amiga sempre chorava e me ligava. Fazia o possível de me ligar, né.. (...) eu não sabia o que fazer, (...) a família ficava preocupada (...). nota: há emprego da forma dialetal shiyotta, kakeyotta e shitotta.

6.4 grupo de proFessores nATiVos oLd Comers (pnoC)

neste grupo, foram entrevistados professores que estão no Brasil desde o período entre 1960 e 1970, não tendo voltado em definitivo ao Japão ou permanecido por lá por muitos meses, exceto para visitas familiares de curto tempo ou a turismo. são pessoas que já fixaram residência no Brasil, vivem em comunidades japonesas, usam a língua japonesa na maior parte do tempo como língua de comunicação e têm contato com a sociedade brasileira. os informantes que nos atenderam para a entrevista falaram a maior parte do tempo em japonês padrão e em registro formal, quando o tópico era ensino de língua japonesa, não empregando empréstimos lexicais do português ou usando a variante japonesa koroniago. destacamos dois episódios que foram emblemáti-cos para o uso da variante (tendência também observada em estudos de KuYAmA, 2000; nAWA, 1988).

o uso da variedade koroniago apareceu em duas situações distintas e com informantes também diferentes: no contato telefônico, quando a pesquisadora pediu informação sobre o trajeto até a escola, onde estava aguardando uma das informantes; e, em outra ocasião, ao desligar o gravador, no término de uma entrevista em que a informante sempre se dirigiu à pesquisadora com formalidade. essas duas passagens ilustram o quanto o seu uso está associado ao tipo de assunto e à situação de informalidade. Há de se assinalar também os casos de professores que

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indiscriminadamente usam a variante koroniago, mesmo em situações que requeiram um grau de formalidade maior, como falar publicamente ou numa conversa com nativos recém-chegados do Japão, que não dominam a mesma variante. Casos como esses merecem mais estudo no futuro.

6.4.1 uso dA VAriAnTe KoroniAgo 6.4.1.1 siTuAÇÃo e AssunTos inFormAis

(A) (Assim que finaliza a entrevista, desliga o gravador e o pesquisador agradece a entrevista:) p: S-sensei, kyô wa hontô ni arigatô gozaimashita. e: Iie, ie. Sensei, kyô karê tsukuttan desu kedo, issho ni dô desu ka? Kojinha ni aru node totte kimasu kara. Sugu desu yo. Tradução: professora, hoje eu fiz curry, vamos almoçar juntas. Tá lá na cozinha, vou pegar. É rápido.

(B) (Ao telefone, dando instruções de como chegar até a escola:) Ano semáforo o tôte, hûa o direta ni biira shite, massugu ittara, gakkô ga miemasu yo. Tradução: passe por aquele semáforo, vire a rua à direita, vá direto que vai conseguir ver a escola.

6.4.1.2 emprÉsTimo LexiCAL – suBsTAnTiVo

(A) Senzen no koro no sensei wa cadeia ni haitte, irerareta to iwarete imasu yo ne. Tradução: os professores que vieram no período anterior à guerra foram à cadeia, dizem que eles foram mandados para lá.

(B) Ah, kochira ni motte kimasu ne, sugoi bagunça shite imasu kara. Tradução: Ah, vou trazer para cá, porque aí está muito bagunçado. nota: Além do empréstimo da palavra bagunça, em japo-nês o termo foi transformado para a forma verbal.

(C) Gohan o tsukurinagara, o-hiruyasumi no 10-ji kara 11-ji no aida ni ginko ni itte pagamento shite...Tradução: enquanto é horário de almoço, entre dez e onze, vou ao banco, faço pagamento...

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6.4.1.3 Termos do CoTidiAno esCoLAr

(A) Kugatsu no mensaridâde ga 195, matorikkura ga 105. Zenbu haratte, matorikkura haratte.Tradução: A mensalidade de setembro era 195, a matrícula era 105, pagaram tudo, pagaram também a matrícula.

(B) Bunkyô ga kainyûshite, kai’in no hito ni desukonto se to itte kita. Tradução: o Bunkyô entrou no meio e mandou que desse desconto aos sócios. nota: há um emprego da forma imperativa não adequada para o uso feminino.

6.4.1.4 pronomes

(A) Koko ga kô iu fû ni hajimeta no wa Y-san ga haitte kara, ele mo isshoken’mei atsumatte. Tradução: Aqui começou assim, desde que o sr. Y entrou, ele também se reunia assiduamente. nota: em japonês atsumaru é reunir-se e atsumeru é jun-tar, reunir. Apesar da semelhança na forma, os verbos di-ferem na transitividade, o primeiro é intransitivo enquan-to que o segundo é transitivo.

6.4.1.5 AdVÉrBios

(A) Koko wa kuwâze 50-nin seito ga iru kara. Tradução: Aqui tem quase 50 alunos.

7. ConsiderAÇões FinAis

Vimos uma variedade significativa de ocorrências linguísticas (morfossintáticas e pragmáticas) em cada grupo, que foram divididos por geração e ascendência. os quatro grupos (nativos old comers; não nativos descendentes de segunda geração; não nativos descendentes de terceira geração; não nativos não descendentes), apresentaram um amplo espectro de variações, com pontos de intersecção e so-breposição, além de apresentar algumas diferenças em quantidade e

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qualidade. no geral, há um continuum que vai desde ocorrências de “erros” característicos de interlíngua de aprendizes de Le em fase de aprendizagem, até os típicos da língua materna em termos sociolin-guísticos, que são de variação, ou que marcam situações de línguas em contato, num contexto em que a língua minoritária recebe influências da língua majoritária.

os descendentes (nissei e sansei), por sua vez, por terem sido mem-bros ativos da comunidade de fala, foram privilegiados em aprender o japonês de forma natural, se comparados àqueles que tiveram somente o ambiente em sala de aula. Assim, os primeiros foram beneficiados na aquisição de certas formas linguísticas como expressões de trata-mento, por possuir maior oportunidade de interação com falantes da língua-alvo. no entanto, por ser uma situação específica de fala em comunidade de fala local, incorporaram variantes de menor prestígio, se comparados aos falantes que tiveram o japonês como L2 ou nati-vos recém-chegados. Além desse fato, os professores desse grupo são bilíngues por aquisição natural e, por dominar a língua, muitas vezes não passaram por situação de aprendizagem, o que os afasta da pos-sibilidade de olhar para a língua com maior objetividade.

A distinção estabelecida por nós entre descendentes e não descen-dentes confirmou a hipótese inicial de que determinadas ocorrências eram resultados de sua vivência linguística, no entanto, já começam a se verificar diferenças nos sanseis. o fato de ser segunda ou terceira geração não torna o grupo homogêneo em termos de proficiência linguística, uma vez que o que determina é o tipo de exposição que o falante teve com a língua-alvo. É necessário investigar qualitativamente os falantes para encontrar as causas de certas produções linguísticas.

pode-se afirmar que há um padrão geral, em graus diferentes, de que todos os grupos apresentaram algum tipo de ocorrência que pode trazer efeitos no âmbito do ensino e da aprendizagem de japonês como Le. Acredita-se que seja importante continuar coletando dados e estabelecer um banco de dados de erros comuns, que possam ser utilizados como parâmetro em futuros cursos de formação sociolin-guística tanto para os nativos como para os não nativos, como já o faz o inglês em escala mundial, em que há treinamentos para professores no sentido de aprimorar o domínio linguístico.

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Capítulo 5

Aprendendo LínguA JAponesA: CrenÇAs, AÇões e reFLexões de umA ALunA BrAsiLeirA de JAponês

Como LínguA esTrAngeirA1

Yûki mukai(universidade de Brasília)

mariney pereira Conceição(universidade de Brasília)

“ (...) ser humano é acreditar em algo, é construir saberes e teorias para interpretar o que nos cerca.” (BArCeLos, 2007, p. 30)

RESUMO: As pesquisas sobre a língua japonesa no âmbito da Linguística Aplicada (doravante LA) no Brasil têm crescido bastante e de forma significativa nos últimos anos (muKAi, 2007). no entanto, a variedade de subáreas/temas do ensino-aprendizagem de japonês como Língua estrangeira (doravante JLe) é restrita, havendo lacunas que não têm sido tratadas de forma acadêmico-científica. uma das subáreas não desenvolvidas diz respeito aos estudos de crenças dos aprendizes de JLe. diante do exposto, destaca-se a importância de se investigar as crenças em relação ao ensino-aprendizagem de JLe. sendo assim, a presente pesquisa de cunho interpretativista trata de crenças de uma estudante universitária brasileira de JLe, que acredita ter um “blo-queio” (termo empregado pela mesma) em relação à expressão oral em japonês. o que nos chamou a atenção foi o fato de ela mesma ter consciência desse bloqueio psicológico. os objetivos desta pesquisa são: (1) identificar crenças da participante sobre a língua japonesa e sua aprendizagem; (2) analisar as origens dessas crenças através do le-

1 este artigo é baseado na tese de pós-doutorado de um dos autores (Yûki mukai), escrita sob a orientação da profa. dra. mariney pereira Conceição e apresentada no programa de pós-graduação em Linguística Aplicada do departamento de Línguas estrangeiras e Tradução da universidade de Brasília, em 2011.

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vantamento de relatos de experiências de aprendizagem; (3) analisar as relações entre as crenças, ações e reflexões feitas pela aluna. para isso, baseamo-nos nos conceitos de crenças apresentados por dewey (1933), Kalaja (2006), pajares (1992), richards e Lockhart (1996), Barcelos (2001, 2004, 2006, 2007), miccoli (2010), Conceição (2004), Alvarez (2007), Coelho (2006), entre outros. neste estudo, conforme Barcelos (2006, 2007), compreendemos crenças como interativas e socialmente cocons-truídas a partir de nossas experiências anteriores e presentes, sendo configuradas com base na ação, interação e adaptação dos indivíduos a seus contextos específicos. para a coleta de dados, foram utilizados os seguintes instrumentos: questionário fechado, narrativa escrita e entrevista semiestruturada. A pesquisa revelou que a participante se preocupava extremamente com a habilidade de fala e possuía a crença de que devia saber falar bem japonês após seu estudo por três anos, o que lhe causou frustração, desmotivação e um bloqueio em relação à língua japonesa. Foi verificado, também, que, para ela, esse bloqueio é sinônimo de dificuldade em se expressar oralmente. para melhorar seu estado psicológico e acabar com as dificuldades de falar em japonês, a participante tomou ações, conforme o ciclo a seguir: (1) refletir sobre suas crenças a respeito da aprendizagem; (2) tomar uma decisão; (3) executar uma ação. sendo assim, faz-se necessário que não apenas os professores, mas principalmente os aprendizes sejam crítico-reflexivos para o ensino-aprendizagem de Le/L2 bem-sucedido.

PALAVRAS-CHAVE: ensino-aprendizagem de língua japonesa; Crenças; reflexões; Ações.

ABSTRACT: The research on Japanese language within the scope of Ap-plied Linguistics in Brazil has grown significantly in number in the last few years (muKAi, 2007). However, the variety of sub-areas/topics in the teaching-learning of Japanese as a Foreign Language (henceforth JFL) is limited, since there are gaps that have not been treated academically and scientifically. one of these unexplored sub-areas regards the study of the beliefs of JFL learners. Hence, the importance of investigating the beliefs regarding the teaching-learning of JFL was highlighted in this interpretative research in which the beliefs of a Brazilian university student of JFL were treated. What struck us was the fact that the stu-dent believes she has a “blockage” (term used by her) when speaking

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Japanese and that the student herself is aware of this psychological blockage. The aims of this research are: (1) to identify the participant’s beliefs concerning the Japanese language and her learning; (2) to ana-lyze the origins of these beliefs through her narratives on learning experiences; (3) to analyze the correlations among the beliefs, actions and reflections of the student. To achieve these aims, the concepts of beliefs presented by dewey (1933), Kalaja (2006), pajares (1992), rich-ards and Lockhart (1996), Barcelos (2001, 2004, 2006, 2007), miccoli (2010), Conceição (2004), Alvarez (2007), Coelho (2006), among others, were discussed. in this study, as in Barcelos (2006, 2007), beliefs are considered to be interactive and socially co-constructed upon our past and present experiences, with a configuration based on the action, interaction and adaptation of individuals to their specific contexts. To collect the data, the following instruments were used: closed question-naire, written narrative and semi-structured interview. it was revealed that the participant was extremely worried about her speaking skills and had the belief that she should speak Japanese well after having studied it for three years, which caused frustration, demotivation and a blockage regarding the Japanese language. it was also noted that to her, this blockage entails a difficulty in expressing herself verbally. in order to improve her psychological state and end her difficulty in speaking Japanese, the participant took the following steps: (1) reflecting upon her beliefs regarding learning; (2) making a decision; (3) carrying out an action. Therefore, it is necessary not only for teachers but especially also for students to be critical and reflective so that the teaching-learning of Foreign Language/second Language can be successful.

KEYWORDS: Japanese language teaching-learning; Beliefs; reflections; Actions.

1. inTroduÇÃo

o estudo de crenças no âmbito de ensino-aprendizagem de lín-guas estrangeiras (doravante Le) tem se tornado um dos campos de investigação mais férteis na Linguística Aplicada brasileira, como pode ser observado em inúmeros artigos e dissertações/teses, sistematiza-dos no artigo de silva (2010). isso demonstra que começamos a nos preocupar com as opiniões e ideias que alunos e professores têm a

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respeito dos processos de ensino e aprendizagem de línguas (BArCe-Los, 2001, p. 72).

segundo Barcelos (2004), o início do estudo de crenças coincide com uma mudança no foco dos estudos sobre ensino-aprendizagem de línguas. isso significa que começamos a nos preocupar não apenas com o ensino da língua propriamente dita, mas também com os fatores extralinguísticos inerentes ao processo de ensino e aprendizagem, tais como os fatores afetivos (consideração para com os aprendizes), cog-nitivos (estilos e estratégias de aprendizagem), socioculturais (crenças, identidades) e sociopsicológicos (motivação e atitude) na aprendizagem de Le/L2. nessa perspectiva, os aprendizes passam a ser concebidos não como sujeitos passivos, mas sim como agentes autônomos na aprendizagem de Le (sAsAKi, 2007, p. 23).

Apesar desse avanço nos estudos sobre crenças no Brasil, essa vertente de investigações é comumente criticada pelo fato de a maioria das pesquisas ser voltada para professores e alunos de língua inglesa (BArCeLos, 2007, p. 60). Ainda, a autora (op. cit.) ressalta que se en-contram poucos estudos de crenças que envolvem professores e alunos do ensino superior.

Além disso, apesar do crescimento de pesquisas sobre o ensino de língua japonesa no âmbito da Linguística Aplicada no Brasil, seus temas são restritos (muKAi, 2007) e faltam, por exemplo, pesquisas sobre crenças de alunos e professores de japonês. de fato, aqui no Brasil, não pudemos constatar artigos acadêmico-científicos em português2

que tratassem de crenças de aprendizes que estudam JLe no ensino superior.

desse modo, destaca-se a importância de se investigar as cren-ças de uma estudante universitária de JLe no Brasil. para a presente pesquisa, elegemos, como participante, uma aluna brasileira que cursa Letras-Japonês numa universidade pública do distrito Federal. A motivação inicial desta pesquisa se deu num processo seletivo interno de intercâmbio acadêmico para uma universidade particular japonesa que ocorre no final de cada ano na universidade em que ela estuda. A redação da referida aluna, aplicada nesse processo seletivo (cf. se-ção 7.3), nos chamou bastante atenção por ela acreditar que estava com um bloqueio psicológico quanto à expressão oral em japonês,

2 Até agosto de 2011, pudemos constatar, aqui no Brasil, apenas um artigo escrito em japonês, que trata de crenças de “professores” de japonês como Le (cf. muKAi, 2011a).

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além de ser uma aluna crítico-reflexiva. um aluno crítico-reflexivo, segundo Vieira-Abrahão (2006a), seria aquele que reflete, de forma crítica e consciente, acerca de suas crenças sobre a aprendizagem de Le (VieirA-ABrAHÃo, 2006a). percebe-se que este caso não é muito comum no ensino-aprendizagem de japonês como Le/L2.

Assim sendo, os objetivos deste estudo são: (1) identificar crenças de uma aluna de língua japonesa sobre este idioma e sua aprendiza-gem; (2) analisar as origens dessas crenças através do levantamento de relatos de experiências de aprendizagem; (3) analisar as relações entre as crenças, ações e reflexões feitas pela aluna. A partir dos objetivos acima propostos, procuramos responder às perguntas de pesquisa a seguir: quais são as crenças de uma aluna brasileira universitária de JLe em relação à aprendizagem? Qual é a origem dessas crenças? Como as crenças dessa aluna influenciam suas ações e reflexões?.

2. LínguA JAponesA

A língua japonesa é uma língua caracterizada como predominan-temente aglutinante – tal qual o coreano, mongol, turco, finlandês – que estabelece relações gramaticais por meio de relacionais (fuzokugo) como as partículas (joshi) e auxiliares verbais (jodôshi), diferentemente das línguas flexivas, como por exemplo, o português, que as determina através da ordem das palavras e flexões.

na língua japonesa, os nomes não têm gênero nem número; o número pode ser expresso pela posposição de sufixos de pluralidade ou pela repetição da palavra, mas, normalmente, a singularidade ou a pluralidade são extraídas do contexto (suzuKi, 1995, p. 18). os predi-cativos não têm número, pessoa, modo ou tempo; são flexíveis, mas sua flexão se dá na cadeia sintagmática, em função do tempo que se lhe segue: o número e a pessoa são definidos pelo sujeito da oração ou pelo contexto; o tempo e o modo são expressos por adjuntos adverbiais ou por auxiliares verbais (jodôshi) (suzuKi, id., ibid.).

morfologicamente falando, as partículas da língua japonesa são posposicionais, sendo colocadas depois de uma palavra ou sintagma nominal, como mostra o exemplo a seguir, em que a partícula “ga” indica o sujeito gramatical (caso nominativo), e “o”, o objeto direto (caso acusativo):

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a língua JaPonesa no Brasil

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[1] 私がパンを食べる。Watashi ga pan o taberu. [eu como pão.](Watashi ga = eu [sujeito]; pan o = pão [objeto direto]; taberu = verbo comer [predicado])

no caso do exemplo acima, o sintagma nominal “watashi ga” é composto do pronome pessoal “watashi [eu]” e da partícula “ga”, que marca o caso nominativo, enquanto que o sintagma nominal “pan o” é formado pelo substantivo “pan [pão]” e pela partícula “o”, que indica o caso acusativo. percebe-se que, do ponto de vista sintático, a ordem sintagmática canônica em japonês é soV, ou seja, o verbo vem no final da sentença.

Quanto ao sistema de escrita, utilizam-se três sistemas gráficos: hiragana (fonograma próprio da língua japonesa), katakana (fonograma usado para palavras de origem estrangeira) e kanji (ideogramas chine-ses). estes três sistemas gráficos são utilizados concomitantemente numa única sentença, conforme mostra o exemplo (1). nesse caso, os kanji são 私 (eu) e 食 (comer); os hiragana correspondem a が (partícula de caso nominativo), を (partícula de caso acusativo) e べる (sufixos flexíveis de “comer”, neste caso); e os katakana são パン (pão).

3. ensino de LínguA JAponesA no BrAsiL

A comunidade nipônica no Brasil possui um grande número de descendentes e uma longa história. o ano de 2008 foi marcado pelo centenário da imigração japonesa no Brasil. Historicamente, até o pré-guerra, o ensino de língua japonesa se situava como a língua materna dos descendentes (kokugo kyôiku), com o intuito de educar os filhos dos imigrantes que tinham o propósito de voltar para sua terra natal. no pós-guerra, o idioma japonês era utilizado como língua de herança (keishôgo kyôiku) entre os imigrantes e seus descendentes em sua co-munidade. Hoje, a língua japonesa é ensinada como língua estrangeira (gaikokugo kyôiku) (morALes, 2008), ou seja, seus aprendizes são não apenas os descendentes, mas também brasileiros que não têm ascen-dência japonesa.

Atualmente, ensina-se o japonês nas escolas públicas brasi-

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leiras, tais como nos três centros de línguas3 nos estados de são paulo, do paraná e em centros de ensino tecnológico, como em natal, no rio grande do norte. e a partir de 2011, os Centros inte-rescolares de Línguas (CiL) do distrito Federal começaram a ofere-cer o curso de japonês. Já no ensino superior, oito universidades4

oferecem o curso de graduação em Letras-Japonês como Le.Como se pode observar, o ensino de língua japonesa no Brasil

tem se desenvolvido de forma significativa nos últimos cem anos, mas como mukai (2007) afirma em seu artigo quanto à pesquisa nessa área, a variedade de subáreas/temas é ainda bastante restrita, sendo predo-minantes os seguintes temas: o ensino-aprendizagem de japonês como Le, gramática pedagógica, material didático (impresso e multimídia), metodologia, formação de professores. diante dessa realidade, preci-so destacar que ainda há uma carência enorme de pesquisas sobre o perfil e as crenças dos aprendizes e professores de JLe em relação ao ensino-aprendizagem do idioma no Brasil.

4. esTudos soBre CrenÇAs no ensino-AprendizAgem de Le/L2

Historicamente, o início da pesquisa sobre crenças na aprendiza-gem de línguas se deu em meados dos anos de 80 fora do Brasil, e em meados dos anos de 90, no Brasil (BArCeLos, 2004 p. 124). o interesse por crenças na LA surgiu de uma mudança do enfoque na linguagem e no produto para o enfoque no processo de aprendizagem (BArCeLos, op. cit., p. 126). neste processo, segundo a pesquisadora, o aprendiz passou a ocupar um lugar especial.

destaca-se, assim, a importância de se buscar desvendar o mundo dos aprendizes, isto é, “seus anseios, preocupações, necessidades, expectativas, interesses, estilos de aprendizagem, estratégias e, ob-viamente, suas crenças ou seu conhecimento sobre o processo de aprender línguas” (BArCeLos, 2004, p. 127). de fato, muitas pesquisas

3 A saber: Centro de estudos de Línguas (CeL-sp); Centro de Línguas estrangeiras modernas (CeLem-pr); Centro Federal de educação Tecnológica do rio grande do norte (CeFeT-rn). (Cf. <http://www.fjsp.org.br/lingua/instituicoes/index.htm>. Acesso em 17 de agosto de 2011.)

4 usp, 1964 (ano de implantação do curso); uFrJ, 1979; uFrgs, 1986; unesp-Assis, 1992; unB, 1997; uerJ, 2003; uFpr, 2008; uFAm, 2011. (Cf. <http://www.fjsp.org.br/lingua/instituicoes/index.htm>. Acesso em 17 de agosto de 2011.) no site da Fundação Japão, não consta a informação sobre o curso de Letras-Japonês da uFAm, pois o referido curso abriu em 2011.

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a língua JaPonesa no Brasil

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realizadas na década de 1990 no Brasil tratam das crenças dos alunos, conforme a sistematização dos estudos sobre este tema (siLVA, 2010).

As pesquisas sobre crenças tornaram-se férteis na LA brasileira nos últimos anos, contribuindo para o seu desenvolvimento e a sua consolidação na área (siLVA, op. cit., p. 25). segundo silva (op. cit., p. 59), podem-se dividir as pesquisas empíricas relacionadas a crenças em quatro grupos: a) crenças de professores; b) crenças de alunos; c) a relação entre crenças de professores e alunos; d) crenças de terceiros, tais como coordenador, diretor, dono de escolas. no presente artigo, serão focadas as crenças de uma aluna brasileira que aprende JLe em uma universidade pública do distrito Federal.

5. o ConCeiTo de CrenÇAs

pajares (1992) argumenta que o termo “crenças” tem sido bastan-te abordado na literatura sob diversas denominações como “atitudes, valores, julgamentos, axiomas, opiniões, ideologias, percepções, concepções, sistemas conceituais, preconceitos, disposições, teorias implícitas, teorias explícitas, teorias pessoais, processos internos mentais, estratégias de ação, regras de prática, princípios de práti-ca, perspectivas, repertórios de compreensão e estratégia social5”. Levando em conta esta realidade, Woods (1993) discute a questão da dificuldade em se definir o termo “crenças”, destacando que existe, nesse sentido, uma “floresta terminológica” para se referir a um mesmo construto.

independentemente da denominação, “crer” em algo é nossa atividade primordial para a construção de conhecimentos e rela-ções interpessoais. segundo Barcelos (2007, p. 30), “ser humano é acreditar em algo, é construir saberes e teorias para interpretar o que nos cerca.”

no entanto, o conceito de crenças não é específico da LA. É um conceito antigo em outras disciplinas como “antropologia, sociologia, psicologia e educação, e principalmente da filosofia, que se preocupa em compreender o significado do que é falso ou verdadeiro”, confor-

5 Texto original: “attitudes, values, judgments, axioms, opinions, ideology, perceptions, conceptions, conceptual systems, preconceptions, dispositions, implicit theories, explicit theories, personal theories, internal mental processes, action strategies, rules of practice, practical principles, pers-pectives, repertories of understanding, and social strategy”.

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me afirma Barcelos (2004, p. 129), que se baseou na teoria do filósofo americano dewey para estudar as crenças.

dewey, já se refere ao conceito de crenças no livro intitulado “How we think (Como nós pensamos)”, originalmente publicado em 1933 (1906). A definição de terceiro sentido de pensamento reflexivo trata do conceito de crenças:

(...) pensamento denota crença apoiada em alguma base, ou seja, conhecimento real ou suposto além do que está diretamente presente. (...) Algumas crenças são aceitas mesmo que seus fundamentos não sejam consi-derados. outras são aceitas porque seus fundamentos foram examinados. (...) nós expressamos crença de que algo é aceito, sustentado, aquiescido ou afirmado. mas, tais pensamentos podem significar uma suposição acei-ta sem referência a seus reais fundamentos. eles podem ou não ser adequados, mas o seu valor, em referência ao apoio que eles dão à crença, não é considerado. (deWeY, 2010 p. 7) (tradução nossa)6

segundo dewey, a formação de crenças se baseia em algum conhecimento, seja real, seja hipotético. independentemente de seus fundamentos serem considerados ou não, as crenças são aceitas, porque não são provindas de valores de julgamento de certo e errado.

Com base nessa linha de raciocínio, pajares (1992, p. 313) afir-ma que a crença é baseada na avaliação e julgamento do indivíduo. Barcelos (2006, p. 18), por sua vez, define crenças como “uma forma de pensamento, como construções da realidade, maneiras de ver e perceber o mundo e seus fenômenos, coconstruídas a partir de nossas experiências e resultantes de um processo interativo de interpretação e (re)significação”.

Ainda, Coelho (2006, p. 129) afirma que o termo crença é enten-dido como “as impressões que os professores e os alunos têm sobre si e seus pares e em relação um ao outro, dentro de um determinado

6 Texto original: “(...) thought denotes belief resting upon some basis, that is, real or supposed knowledge going beyond what is directly present. (…) some beliefs are accepted when their grounds have not themselves been considered, others are accepted because their grounds have been examined. (…) we express belief something is accepted, held to, acquiesced in, or affirmed. But such thoughts may mean a supposition accepted without reference to its real grounds. These may be adequate, they may not; but their value with reference to the support they afford the belief has not been considered.”

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contexto de atuação real ou dentro de um contexto imaginário”. um exemplo de contexto de atuação real seria a sala de aula. Já o contexto imaginário pode se referir a “um espaço que só pode ser imaginado, não fez e não faz parte de suas experiências pessoais, por isso só pode ser expresso através de experiências de terceiros” (CoeLHo, id., ibid.). nesse sentido, mesmo um aprendiz que nunca esteve no país onde se fala a língua-alvo pode acreditar ser melhor aprendê-la naquele país com base na opinião de terceiros que já estiveram lá.

Ainda na década de 1980, as crenças eram consideradas meramen-te como estáveis e imutáveis. Horwitz (1987) concebe crenças como ideias preexistentes, preconcepções que podem ser influenciadas pelas experiências culturais e experiências anteriores dos alunos a respeito da aprendizagem de Le/L2. Já para Wenden (1999), as crenças, que são sinônimos de conhecimento metacognitivo, são compreendidas como informações que os aprendizes adquirem a respeito da aprendizagem. nota-se que, para ambas, as crenças estão relacionadas a processos cognitivos, constituindo-se como estáveis e imutáveis. Assim, naquela época, era importante apenas identificar as crenças dos alunos sem considerar suas experiências do passado, ações e contexto social em que estavam inseridos.

Hoje, tanto para Barcelos (2006) quanto para Kalaja (1995), as crenças não devem ser consideradas apenas como processo cognitivo, mas sim como processo interativo e socialmente construído, ou seja, elas são vistas como não estáveis, sociais, dinâmicas, contextuais e paradoxais, uma vez que nascem de nossas experiências anteriores e presentes, que são configuradas com base na interação e adaptação dos indivíduos a seus ambientes (BArCeLos, 2006, 2007). em outras palavras, as crenças formam e são formadas interativa, contextual e socialmente, a partir do conhecimento transmitido pelos professores, conhecimento construído com base nas influências de outros colegas, experiências (educacionais) anteriores/presentes e contatos com pessoas influentes no âmbito pe-dagógico. Afinal, as crenças são conceitos cognitivos, mas vale ressaltar que são socialmente construídas (ALVArez, 2007, p. 200).

richards e Lockhart (1996) afirmam que o sistema de crenças dos aprendizes pode influenciar sua motivação para aprender uma Le/L2 e expectativas sobre a sua própria aprendizagem. Ainda na pesquisa de Lima (2005), foi também revelada uma estreita relação entre crenças e a motivação de professores e alunos de Le. Assim, no ensino-apren-

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dizagem de Le/L2, podemos destacar que as crenças dos aprendizes estão ligadas intimamente à sua motivação, ação, interação, expec-tativas, anseios, preocupações, necessidades, interesses, estilos de aprendizagem e conhecimento sobre o processo de aprender línguas.

Com relação às características das crenças, é preciso ressaltar que elas não são um componente fixo, mas “podem ser modificadas com o tempo, atendendo às necessidades do indivíduo e a redefinição de seus conceitos, se convencido de que tal modificação lhe trará benefícios” (ALVArez, 2007, p. 200), assim como elas “se modificam à medida que são verbalizadas, analisadas e discutidas” (nonemACHer, 2004, p. 81). desse modo, podemos afirmar que a noção de crenças é semelhante à de identidade, que “sempre permanece incompleta, está sempre ‘em processo’, sempre ‘sendo formada’ ” (HALL, 2006, p. 38).

neste estudo, conforme Barcelos (2006, 2007), concebemos cren-ças como interativas e socialmente coconstruídas a partir de nossas experiências anteriores e presentes, sendo ininterruptamente configu-radas com base na ação, interação e adaptação dos indivíduos a seus contextos específicos.

6. CrenÇAs, experiênCiAs, AÇões e reFLexões

Crenças e ações

Barcelos (2001) afirma que, ao investigarem-se as crenças dos alunos, é importante examinar a relação entre suas crenças e ações no contexto social. isso significa que, para compreender as crenças e ações de alunos (e professores), é preciso se levar em conta contextos específicos. Quanto à relação entre crenças e ações, pajares (1992) ressalta que as crenças podem influenciar comportamentos individuais e o modo como as ações são definidas.

na literatura, a relação entre crenças e ações de aprendizes refere-se à “maneira como as crenças podem influenciar a abordagem dos alunos em relação à aprendizagem” (BArCeLos, 2001, p. 73) e à maneira “como eles percebem e interpretam sua aprendizagem” (riCHArds; LoCKHArT, 1994, p. 58).

nesse sentido, Alvarez (2007, p. 196) sustenta que as crenças (de professores e alunos) têm uma relação intrínseca com as ações e atitudes

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e adverte que “o dizer das pessoas não necessariamente corresponde às suas ações”. dessa forma, quando investigarmos as crenças também seria necessário examinarmos as ações.

sendo assim, para que possamos compreender as crenças dos alunos de Le, faz-se necessário investigar suas ações concernentes à aprendizagem dentro de um determinado contexto. no entanto, não podemos afirmar que exista uma relação direta entre crenças e ações, uma vez que as ações do indivíduo não se baseiam apenas em suas crenças, mas também em suas experiências e reflexões.

Crenças, experiências e ações

Conceição (2004) ressalta que as experiências passadas dos apren-dizes influenciam suas ações atuais, como segue:

(...) as experiências, crenças e ações dos aprendizes, neste estudo, parecem interligadas entre si, numa relação em que as experiências passadas influenciam as crenças, que, por sua vez, influenciam as experiências presentes dos alunos, influenciando, também, suas ações na aprendizagem. (Con-CeiÇÃo, 2004, p. 239)

para se explicitar melhor essa relação, a mesma pesquisadora apresenta a seguinte figura:

FigurA 1: reLAÇões enTre experiênCiAs, CrenÇAs e AÇões

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miccoli (2010), que investigou a relação entre as experiências, crenças e ações de professores de inglês como Le, apresentou três processos em relação à formação de crenças como segue:

no primeiro, as experiências (...) levam ao desenvolvimento de crenças, que, por sua vez, influenciam as ações de pro-fessores. no segundo, uma crença pode levar a uma ação e essa a uma experiência diferente da anterior. no terceiro, uma ação leva a uma experiência e essa a uma nova crença. (miCCoLi, 2010, p. 161)

percebe-se que, tanto para Conceição (2004) quanto para miccoli (2010), existe uma relação estreita entre as experiências, crenças e ações. no modelo de miccoli, a autora discute também a relação entre “ações” e “experiências”, destacando que as ações também influenciam as experiências, ou seja, os três componentes (experiências, crenças e ações) estão interligados.

Crenças, ações e reflexões

Barcelos (2001) ressalta que as crenças não apenas influenciam as ações, mas também as reflexões dos aprendizes em relação à sua aprendizagem, as quais podem mudar e criar outras crenças futuramen-te. Com base nessa linha de raciocínio, elaboramos a figura a seguir:

FigurA 2: reLAÇões enTre CrenÇAs, AÇões e reFLexões

(figura nossa)

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Conforme discutido na seção anterior, as crenças são não estáveis, sociais, dinâmicas e contextuais, mas é importante frisar que, além das ações e contextos, as reflexões também contribuem para a criação ou alteração de crenças.

Barcelos (op. cit.) critica o fato de que existem poucos estudos em-píricos que levem os alunos a uma aprendizagem reflexiva e afirma que

A aprendizagem reflexiva, de maneira semelhante ao con-ceito de ensino reflexivo dos professores, diz respeito à conscientização dos alunos sobre como eles aprendem uma língua estrangeira. (BArCeLos, 2001, p. 86)

Vieira-Abrahão (2006a, p. 12) também defende que “cabe aos docentes, conscientizar os alunos da necessidade de eles, com a ex-periência e maior maturidade profissional, buscarem os caminhos da reflexão crítica e da emancipação”.

Assim, é importante frisar que, visando ao ensino-aprendizagem de Le bem-sucedido, os aprendizes precisam ser conscientizados pelos educadores e professores de que devem ser crítico-reflexivos, para que possam refletir, de forma crítica e consciente, a respeito de suas crenças sobre a aprendizagem de Le propriamente dita (o estilo de aprendizagem e a maneira de usar estratégias de aprendizagem), os objetivos, a profissão, além da personalidade, a atitude e a motivação.

Com base na discussão feita até agora, concebemos que o sistema de crenças influencia e é influenciado, em princípio, pelas experiên-cias anteriores e presentes, ações, reflexões e contextos, entre si, mas vale ressaltar que outros fatores (tais como a identidade, interação, motivação, entre outros) também contribuem para a coconstrução e transformação de crenças dos indivíduos.

7. meTodoLogiA

nesta seção, apresentaremos a natureza e os métodos de pesquisa aplicados no presente trabalho, assim como o contexto, a participan-te, os instrumentos utilizados na coleta de dados e os procedimentos para a análise.

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7.1 nATurezA e mÉTodo dA pesQuisA

o método da presente pesquisa é qualitativo. A pesquisa qualitativa se baseia em descrições cuidadosas e detalhadas (mACKeY; gAss, 2005, p. 162). segundo Larsen-Freeman e Long (1991, p. 11), na pesquisa qualitativa, os pesquisadores não buscam testar hipóteses, mas anali-sar, com focos específicos, o que está presente durante o decorrer da observação. Conforme denzin e Lincoln (2006, p. 17), trata-se de uma atividade situada que localiza o observador no mundo. Além dessas características, o método qualitativo possui a seguinte meta:

A última meta da pesquisa qualitativa é a de descobrir fenômenos tais como padrões de comportamento de L2 não previamente descritos, e de compreender aqueles fenômenos a partir da perspectiva dos participantes na atividade. (seLiger; sHoHAmY, 1989, p. 120) (tradução nossa)7

no entanto, o método qualitativo não é utilizado apenas para descobrir os fenômenos e compreendê-los, conforme destacam denzin e Lincoln (2006, p. 17):

(...) a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem natura-lista, interpretativa, para o mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem. (denzin; LinCoLn, 2006, p. 17)

o método qualitativo se configura como uma pesquisa interpretati-va, além de ser descritiva e naturalista. Assim, este método é adequado para a presente pesquisa, que tem como objetivo interpretar as crenças de uma aluna de JLe, além de buscar compreender as relações entre suas crenças, ações e reflexões.

no entanto, utilizamos, como suporte da análise, os dados quan-titativos obtidos através de um questionário fechado. de fato, como

7 Texto original: “The ultimate goal of qualitative research is to discover phenomena such as patterns of second language behavior not previously described and to understand those phenomena from the perspective of participants in the activity.”

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Larsen-Freeman e Long (1991, p. 14) afirmam, os dois paradigmas de métodos qualitativo e quantitativo estão ligados como uma forma de continuum. utilizamos os dados quantitativos com o intuito de reforçar a validade e a confiabilidade dos resultados da pesquisa.

Como este estudo enfoca as crenças de uma aluna brasileira de JLe no contexto acadêmico, sua natureza é um estudo de caso, o qual se situa na pesquisa qualitativa (denzin; LinCoLn, 2006, p. 17). segundo nunan (1992, p. 79), “um caso é um único exemplo de uma classe de objetos ou entidades, e um estudo de caso é a investigação desse único exemplo no contexto em que ele ocorre”8 (tradução nossa).

Johnson (1992, p. 76), por sua vez, destaca que, em um estudo de caso, “a unidade de análise pode ser um professor, sala de aula, escola, agência, instituição ou uma comunidade. (...) o número de casos é sempre pequeno porque a essência da abordagem de estu-do de caso é um olhar cuidadoso e holístico em casos particulares. o objetivo do estudo de caso é descrever o caso num contexto”9 (tradução nossa).

uma vez que as crenças são socialmente construídas (KALAJA, 1995; BArCeLos, 2006) e “fazem parte de uma determinada cultura e devem ser observadas in loco” (siLVA, 2004, p. 62), adotamos a abor-dagem contextual10, proposta por Barcelos (2001), na qual se utilizam, por exemplo, ferramentas etnográficas (observações de sala de aula, diários) e entrevistas para investigar as crenças através de afirmações e ações. segundo Barcelos (op. cit., p. 81), essa abordagem não tem como objetivo fazer generalizações sobre as crenças, mas compreender as crenças de alunos (ou professores) em contextos específicos (no nosso caso, numa sala de aula de japonês do nível intermediário do ensino superior). Barcelos (2001) afirma:

8 Texto original: “a case is a single instance of a class of objects or entities, and a case study is the investigation of that single instance in the context in which it occurs.”

9 Texto original: “The unit of analysis (i.e., the case) might also be a teacher, a classroom, a school, an agency, an institution, or a community. (…) The number of cases is always small, however, because the essence of the case-study approach is a careful and holistic look at particular cases. The purpose of a case study is to describe the case in its context”.

10 segundo Barcelos (2001), existem três abordagens principais de investigação a respeito das crenças sobre aprendizagem de línguas, a saber: abordagem contextual, abordagem normativa e metacog-nitiva. na abordagem normativa inferem-se as crenças através de um conjunto predeterminado de afirmações (questionário fechado). Já na abordagem metacognitiva, utilizam-se autorrelatos e entrevistas para inferir as crenças sobre aprendizagem de línguas.

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uma definição de crenças que leve em consideração o contexto seria essencial na compreensão do papel que as crenças exercem na experiência de aprendizagem de línguas dos alunos. (BArCeLos, 2001, p. 83)

7.2 o Curso de LeTrAs-JAponês

o curso de japonês da universidade pública que constituiu o ce-nário desta pesquisa compõe-se de dois níveis, básico e intermediário, distribuídos em nove semestres. A duração de cada aula é de 1 hora e 40 minutos, e cada disciplina é oferecida duas vezes por semana, num total de 30 aulas por semestre.

o nível básico corresponde ao período de quatro semestres, do primeiro até o quarto, e são oferecidas aulas teóricas (com enfoque na gramática, 3 horas e 20 minutos por semana) e práticas (com enfoque na expressão oral e escrita, 3 horas e 20 minutos por semana), de forma separada. o nível intermediário, por sua vez, tem início no quinto e termina no oitavo semestre, quando são oferecidas aulas compostas de teoria e prática, cumprindo uma carga horária de 3 horas e 20 minutos por semana, com um total de 100 horas por semestre. o nono semestre é destinado ao projeto de curso (vide apêndice A).

essa divisão corresponde aos níveis dos livros didáticos adotados pelo curso: “Nihongo Shoho (Japonês básico)” para os quatro primeiros semestres; “Nihongo Chûkyû 1 (Japonês intermediário 1)” para o quinto e sexto semestres; e “Nihongo Chûkyû 2 (Japonês intermediário 2)” para o sétimo e oitavo semestres, todos publicados pela Fundação Japão.

7.3 o ConTexTo dA pesQuisA

o contexto desta pesquisa foi uma sala de aula de língua japonesa do nível intermediário, do curso de licenciatura em Letras-Japonês de uma universidade pública do distrito Federal. A motivação inicial desta pesquisa se deu num processo seletivo interno de intercâmbio acadê-mico para uma universidade particular japonesa. o referido processo seletivo acontece ao final de cada ano. um dos pré-requisitos para a participação é ser aluno do curso supracitado (a partir do quinto se-

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mestre). sendo assim, embora haja apenas uma vaga, via de regra, entre dez e quinze alunos se candidatam a essa seleção, o que demonstra o interesse dos alunos em estudar japonês no Japão.

o último processo seletivo interno11, no qual se envolveu a pre-sente pesquisa, contou com as duas etapas eliminatórias a seguir: a primeira etapa, que ocorreu em novembro de 2010, foi uma análise de histórico escolar e redação12 com o tema “por que pleiteio a bolsa de estudo para a universidade ‘x’ (nome de uma universidade japonesa)” e a segunda etapa, que foi realizada em dezembro do mesmo ano, foi uma entrevista apenas para os aprovados na primeira etapa.

na primeira etapa do processo seletivo, a redação escrita por uma candidata nos chamou a atenção: ela se referiu à frustração e dificuldade em se comunicar oralmente em japonês e também ao fato de que essa dificuldade acabou se transformando em “bloqueio” e “vergonha de falar”. ou seja, ela acreditava ter um “bloqueio” psicológico quanto à expressão oral e avaliava, de forma crítica, a sua própria competência comunicativa.

Assim, elegemos essa aluna como participante única desta pes-quisa, com o intuito de investigarmos suas crenças em relação à difi-culdade em se comunicar oralmente, o que ela chamou de “bloqueio” (vide seção 8.1), suas ações e reflexões sobre sua aprendizagem de JLe.

7.4 A pArTiCipAnTe

A participante da presente pesquisa, Karina (nome fictício)13, tem 20 anos de idade, é brasileira, não descendente de japoneses, aluna de um curso de licenciatura em Letras-Japonês de uma universidade pública do distrito Federal. Quando a presente pesquisa foi realizada, ou seja, no segundo semestre letivo do ano de 2010, ela estava no sexto semestre e era aluna da disciplina de “Japonês 6” (nível intermediário), da qual um dos autores deste artigo estava encarregado.

Quando ela ingressou no curso de Letras-Japonês, não possuía conhecimento prévio da língua japonesa e nunca havia estado no

11 um dos autores deste artigo foi um dos membros da comissão examinadora desse processo seletivo interno.

12 Caracterização do processo: extensão mínima 15 linhas, máxima 30 linhas.13 por questões de ética, a identidade da participante da pesquisa será resguardada. ressaltamos,

ainda, que a pesquisa contou com o consentimento da participante.

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Japão. A aluna começou a aprender japonês como língua estrangeira pela primeira vez no ensino superior no primeiro semestre de 2008. Apesar de nunca ter almejado ser professora de língua japonesa, ela ingressou no curso de Licenciatura em Letras-Japonês porque, segundo ela, estava fascinada por tudo que estava relacionado ao Japão.

Como já dito na seção 7.3, Karina era uma das candidatas ao pro-cesso seletivo interno de intercâmbio acadêmico para uma universi-dade particular japonesa, mas não foi aprovada na primeira etapa. ela se candidatou a essa seleção, pois acreditava que, morando no Japão, conseguiria acabar com as dificuldades em se expressar oralmente, o que ela chamou de “bloqueio”. em sala de aula, Karina se mostrava como uma aluna bastante tímida e envergonhada e geralmente não tomava iniciativa de falar em japonês em sala de aula.

7.5 os insTrumenTos de CoLeTA de dAdos

A utilização de diversos instrumentos para a coleta de dados faz-se necessária, neste estudo, para promover a triangulação dos dados obtidos. Conforme seliger e shohamy (1989, p.123), na triangulação, “o mesmo padrão ou exemplo de comportamento é procurado em várias fontes”14 (tradução nossa).

richardson (1994), no entanto, defende que o mais adequado para a validação em textos pós-modernistas não é um triângulo – um objeto bidimensional fixo –, mas sim o cristal, em uma “cristalização”. segundo a interpretação de moura Filho (2005) concernente à posição teórica de richardson,

(...) é melhor ter como referência o cristal, que combina si-metria e essência com infinita variedade de formas, trans-mutações, multidimensionalidades e ângulos de aborda-gem. (...) A mudança da triangulação para a cristalização compreende sair da geometria plana e adotar a metáfora da luz, que envolve tanto ondas quanto partículas. (mourA FiLHo, 2005, p. 132)

14 Texto original: “in triangulation, the same pattern or example of behavior is sought in different sources”.

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os seguintes instrumentos de coleta de dados foram utilizados:

1. questionário fechado com itens em escalas (BALLi15 adaptado);2. narrativa escrita; 3. entrevista individual semiestruturada (gravada em áudio).

Cumpre ressaltar que utilizamos, também, a redação escrita pela participante (cf. seção 7.3) como análise preliminar.

na seção a seguir, explicitamos em detalhes cada instrumento de coleta de dados.

7.5.1 QuesTionário FeCHAdo Com iTens em esCALAs (BALLi AdApTAdo)

os questionários fechados com escalas tipo Likert envolvem questões predeterminadas apresentadas na forma escrita, nas quais são incluídas afirmações que devem ser assinaladas dependendo do grau de concor-dância ou discordância do participante (VieirA-ABrAHÃo, 2006b, p. 221).

A vantagem de utilização de questionários fechados é que “eles são menos ameaçadores que observações, são úteis se o pesquisador tem recursos limitados e pouco tempo” (BArCeLos, 2001, p. 78), além de serem facilmente tabulados e tratados estatisticamente (VieirA-ABrAHÃo, 2006b, p. 221).

no entanto, a desvantagem do uso deste tipo de questionário é, conforme Barcelos (2001, p. 78), que “os questionários tornam difícil garantir uma interpretação consistente pelos participantes, por causa de sua generalidade”, além de as crenças apresentadas no questionário poderem ser diferentes das crenças que os alunos acreditam ser signi-ficativas em sua aprendizagem. neste estudo, o questionário fechado foi utilizado apenas com o intuito de triangularmos seus dados com outros dados obtidos através de instrumentos diferentes, ou seja, narrativa escrita e entrevista semiestruturada.

originalmente, o BALLi é composto de 34 perguntas fechadas, as quais devem ser respondidas de acordo com o nível de concordância

15 Beliefs About Language Learning inventory (inventário de crenças sobre aprendizagem de línguas) (HorWiTz, 1987).

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e discordância do aprendiz se: (1) concorda plenamente; (2) concorda; (3) não tem opinião a respeito; (4) não concorda; (5) discorda comple-tamente. Como o BALLi foi desenvolvido para aprendizes de inglês como L2, buscamos adaptá-lo ao contexto de ensino-aprendizagem de japonês como língua estrangeira. o questionário foi, então, composto de 14 perguntas, do tipo escala likert, relacionadas às crenças sobre a habilidade de fala em língua japonesa (vide apêndice B).

7.5.2 nArrATiVA esCriTA

As narrativas são chamadas, também, de autorrelatos, estórias, biografias, autobiografias e histórias de vida (VieirA-ABrAHÃo, 2006b, p. 224). segundo a autora (op. cit.), as narrativas são “técnicas que buscam captar as histórias de professores e aprendizes para explicar com maior profundidade suas ações e respostas em sala de aula”, além de entender as suas origens. Barcelos (2006, p. 148), também, ressalta a importância do uso deste instrumento para a análise concernente à experiência do participante, afirmando que as narrativas são “instru-mento ou método por excelência que captura a essência da experiência humana e, consequentemente, da aprendizagem e mudança humana”. percebe-se que este instrumento é adequado para investigar a experi-ência pessoal referente à aprendizagem de línguas, às crenças e suas origens como nesta pesquisa.

Com o intuito de investigarmos a experiência anterior e atual referente à aprendizagem de língua japonesa da nossa participante, pedimos a ela que escrevesse sobre sua história de aprendizagem de japonês desde o início até o momento da investigação, com enfoque em suas sensações, expectativas, frustrações e ações (vide apêndice C).

7.5.3 enTreVisTA indiViduAL semiesTruTurAdA

As entrevistas semiestruturadas são caracterizadas por uma estrutura geral, i.e., roteiro preestabelecido, mas permitem maior flexibilidade (VieirA-ABrAHÃo, 2006b, p. 223) tanto a quem pergun-ta (pesquisador) quanto a quem responde (participante). segundo a autora, é um “instrumento que melhor se adequa ao paradigma qua-litativo por permitir interações ricas e respostas pessoais” (id., ibid.).

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A interação direta com a participante nos permitiu também esclarecer algumas dúvidas decorrentes das respostas coletadas no questionário e narrativa escrita.

Ainda, a entrevista foi realizada seguindo um roteiro preparado previamente (vide apêndice d) e gravada em áudio com a permissão da participante. em seguida, seu conteúdo foi transcrito. para a transcrição, não estabelecemos as normas detalhadas, mas procuramos realizar uma transcrição literal e fiel dos relatos da participante, não corrigindo possíveis desviantes de gramática em seus discursos.

7.6 A CoLeTA de dAdos

A coleta de dados foi realizada no segundo semestre letivo de 2010. pedimos à participante que nos entregasse, primeiramente, o questionário fechado. depois, uma narrativa escrita até meados de janeiro de 2011. por fim, realizamos a entrevista com a partici-pante no dia 20 de janeiro de 2011, em uma sala da universidade em que estuda. A entrevista teve duração de 42 minutos, das 19h às 19h42m.

7.7 proCedimenTo de AnáLise dos dAdos

Como procedimento de análise dos dados, utilizamos a análise que consiste de um conjunto de procedimentos: identificação, descrição, análise e interpretação (eLLis, BArKHuizen, 2005), para investigarmos as crenças, ações e reflexões de Karina.

Aplicamos à participante, primeiramente, o questionário fe-chado (BALLi adaptado), a narrativa escrita e, depois, a entrevista individual semiestruturada, gravada em áudio. Após a coleta dos dados, buscamos identificar e descrever as crenças da participante a respeito da língua japonesa e sua aprendizagem. os dados coletados foram agrupados em categorias (CresWeLL, 2009), buscando-se analisar e interpretar as relações entre as crenças, ações e reflexões sobre a aprendizagem de JLe. Assim, a nossa análise dos dados seguiu o roteiro abaixo:

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1. Coleta dos dados no que se refere às crenças de Karina;2. identificação das crenças;3. descrição das crenças;4. Agrupamento das crenças;5. Triangulação (cristalização) dos dados;6. Análise e interpretação sobre as relações entre as crenças, ações e refle-

xões a respeito da aprendizagem de JLe.

8 resuLTAdos8.1 AnáLise preLiminAr: redAÇÃo

Convém lembrar que a motivação inicial para a realização desta pesquisa se deu em um processo seletivo interno de intercâmbio acadê-mico para uma universidade particular japonesa. Como já mencionado na seção 7.3, elegemos a participante Karina, porque a redação escrita por ela na primeira etapa do processo seletivo nos chamou bastante a atenção. A aluna utilizou palavras tais como “dificuldade, frustrada, vergonha de falar e bloqueio”, como segue:

[2] Por mais que eu estude e sempre obtenha uma boa nota na prova escrita, tenho dificuldade em me comunicar oralmente. Ultimamente, me sinto tão frustrada por ter um nível fraco de japonês que minha dificuldade em me comunicar acabou se transformando em “vergonha de falar”. Minha principal meta atualmente é a de acabar com esse bloqueio. (grifo nosso)

observa-se que Karina sentia muita dificuldade em se comunicar oralmente em japonês, o que lhe causou frustração e “vergonha de falar”. o “nível fraco de japonês” mencionado acima se refere, para ela, à competência comunicativa. ou seja, Karina estava extremamente preocupada com a habilidade de fala.

o que nos chamou mais atenção foi o fato de que ela mesma estava consciente de seu “bloqueio” psicológico quanto à expressão oral pelas razões supracitadas. em outras palavras, ela estava ciente das razões pelas quais estava com o filtro afetivo elevado (termo empregado por Krashen, 1987).

para acabar com a frustração e a dificuldade, ela acreditava que seria necessário morar no Japão, onde se fala esse idioma, conforme demonstra o seguinte trecho extraído da sua redação:

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a língua JaPonesa no Brasil

reFlexões e exPeriências de ensino e aPrendizageM

[3] Creio que essa bolsa para a (nome de uma universidade japo-nesa) é a melhor oportunidade que tenho para ficar mais próximo de realizar esse objetivo, eliminando esse obstáculo (...).

nesse trecho, observa-se aquela “velha crença” (BArCeLos; BATisTA; AndrAde, 2004) a respeito da aprendizagem de línguas: é mais fácil aprender uma língua “x” no país onde se fala a língua-alvo. de fato, verificamos que os demais candidatos também possuíam crença semelhante à de Karina. Como eles nunca estiveram no Japão, é interessante notar que tal crença não faz parte de suas experiências pessoais (CoeLHo, 2006), conforme destacamos na revisão teórica. Convém lembrar que não estamos discutindo se esta opinião dos alunos é certa ou errada, pois, conforme afirma dewey (1933), as crenças não são providas de valores de julgamento de certo e errado, mas fazem uma afirmação sobre algum fato, princípio ou lei.

embora Karina tenha a consciência de que a sua habilidade de fala não seja satisfatória, observa-se, no trecho abaixo, a sua atitude positiva em relação à futura profissão:

[4] (...) agora eu tenho uma ambição maior: a de ser professo-ra. O convívio com os professores da (nome da faculdade) me fez mudar de opinião sobre o que é ser docente. Porém, ser pro-fessora não é uma tarefa fácil. É necessário estudo e dedicação para exercer essa profissão.

Vimos que as crenças têm uma relação intrínseca com as ações e atitudes (ALVArez, 2007). Aqui, a participante demonstra uma atitude positiva em relação à aprendizagem de japonês e, com isso, afirma que deve se dedicar mais aos estudos desse idioma.

percebe-se, também, que o depoimento acima reflete a im-portância do papel do professor de Le/L2 concernente às crenças de seus alunos. Alvarez (op. cit., p. 204) afirma que, no âmbito do ensino-aprendizagem de Le/L2, os professores desempenham um papel fundamental em relação às crenças de seus alunos, pois eles influenciam o desenvolvimento afetivo dos alunos, sua motivação e desempenho na aprendizagem. Lembramos que as crenças são formadas, também, a partir da influência de terceiros. Assim sen-do, os professores devem ter consciência de que sua maneira de

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pensar e agir no âmbito pedagógico influi na formação de crenças dos alunos a respeito do ensino-aprendizagem de Le.

na seção a seguir, prosseguiremos nossas análises dos dados ob-tidos através do questionário fechado, narrativa escrita e entrevista semiestruturada, para que possamos entender melhor as relações entre suas crenças, ações e reflexões.

8.2 QuesTionário FeCHAdo “BALLi” AdApTAdo

no questionário BALLi adaptado, obtivemos resultados semelhan-tes aos de sua redação. ela marcou “concordo plenamente” nas questões no. (7) e (8): “É melhor aprender japonês no país onde ele é falado” e “É bom praticar as falas com os nativos”. (vide quadro [1] e apêndice B).

Ainda, ela concordou plenamente, também, com a afirmação “a língua japonesa é muito difícil” (cf. questão no. [2]) e, “para se falar japonês é necessário saber a gramática” (cf. questão no. [11]). por outro lado, não concordou que seja importante falar japonês com uma exce-lente pronúncia (cf. questão no. [3]). ou seja, para Karina, a gramática é mais importante que a pronúncia no ato da fala. Talvez esse seja um dos fatores ligados ao “bloqueio” (dificuldade) de falar em japonês mencionado pela participante.

os resultados das questões (9) e (12) parecem estar relacionados à origem das crenças de Karina a respeito da dificuldade em se expressar oralmente. ela concorda plenamente que se sente tímida ao falar com outros em japonês (cf. questão no. [9]), e não concorda que falar em japonês é mais fácil do que entender (cf. questão no. [12]). em resumo, parece que Karina é uma aluna tímida que tem medo de falar errado em japonês, o que foi demonstrado, também, na entrevista (vide de-poimento no. [9]).

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a língua JaPonesa no Brasil

reFlexões e exPeriências de ensino e aPrendizageM

QuAdro 1: resuLTAdos do QuesTionário FeCHAdo “BALLi” AdApTAdo

nível de concordância

Questionáriono.

(1) concordo plenamente

(2) concordo (3) não tenho opinião a respeito

(4) não concordo

(5) discordo completa-

mente

(2) A língua japonesaé muito difícil.

*

(3) É importante falar japonês com uma excelente pronúncia.

*

(5) não se deve dizer nada em japonês até que se possa falar corretamente.

*

(7) É melhor aprender japonês no país onde ele é falado.

*

(8) É bom praticar as falas com os nativos.

*

(9) eu me sinto tímido ao falar com outros em japonês.

*

(11) para falar japonês é ne-cessário saber a gramática.

*

(12) É mais fácil falar em japo-nês do que entender.

*

Conforme mostra o quadro acima, contudo, Karina marcou “não concordo” na questão no. (5): “não se deve dizer nada em japonês até que se possa falar corretamente”. ou seja, ela pensa que deve falar algo em japonês mesmo errando, mas, na realidade, parece não conseguir falar devido à vergonha e à dificuldade (bloqueio) que sente ao se ex-pressar oralmente. observa-se, aqui, uma contradição quanto às cren-ças de Karina sobre a fala. Convém lembrar que vimos que as crenças são dinâmicas, contextuais e paradoxais, uma vez que elas nascem de nossas experiências anteriores e presentes as quais são configuradas com base na interação e adaptação dos indivíduos a seus contextos (BArCeLos, 2006, 2007).

8.3 nArrATiVA esCriTA e enTreVisTA semiesTruTurAdA

nesta seção, para que possamos analisar e interpretar as relações entre as crenças, ações e reflexões da participante a respeito da apren-

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dizagem de JLe, agrupamos os dados coletados em três categorias: “desânimo”; “dificuldades e frustração”; “reflexão e ação”.

8.3.1 desÂnimo

na narrativa escrita, observamos que Karina começou a ficar de-sanimada com sua aprendizagem de japonês já no segundo semestre:

[5] 2º semestre: Nesse semestre, muitas pessoas da minha turma desistiram do japonês, e com isso a minha motivação também foi diminuindo. (...) As aulas eram todas iguais, e pareciam ser rotinas, (...). Isso começou a me deixar muito desanimada com relação ao estudo de japonês. (narrativa escrita)

[6] 3º semestre: Mais pessoas abandonaram o curso e o desânimo foi tomando conta da classe inteira. (narrativa escrita) (grifo nosso)

percebe-se que ela ficou desanimada devido ao método de ensino aplicado pelos professores e a um considerável número de seus cole-gas que desistiram do curso, o que lhe causou desmotivação. Ainda, devemos investigar, de maneira científica, a causa da desistência do curso pelos alunos, mas, através do depoimento acima, parece-nos que a causa é semelhante ao caso de Karina, ou seja, apresenta uma relação com as expectativas não atendidas em relação ao ensino-aprendizagem de JLe.

Ainda na entrevista, Karina mencionou o desânimo, mas por outra razão:

[7] [6º semestre] Bom, da matéria, porque eu estava desanimada, porque a professora ia falar comigo e eu não conseguia conversar com ela. (entrevista) (grifo nosso)

no estágio inicial, Karina ficou desanimada devido à desmotivação causada pelos fatores externos como o método de ensino e o número de desistentes do curso. Já no sexto semestre, ela perdeu o ânimo para aprender japonês devido aos fatores internos, no caso, à sua habilidade de fala insatisfatória. Como veremos na próxima seção, o desânimo de

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a língua JaPonesa no Brasil

reFlexões e exPeriências de ensino e aPrendizageM

Karina estava ligado às dificuldades e à frustração que a mesma sentia na aprendizagem da língua japonesa.

8.3.2 diFiCuLdAdes e FrusTrAÇÃo

na análise preliminar da redação, vimos que Karina sentia dificul-dade em se expressar oralmente em japonês. no seguinte trecho da narrativa escrita, podemos observar a origem dessa dificuldade:

[8] 5º semestre: (...) Até o 4º semestre não era dado muito des-taque na parte oral, e sempre quando podia eu evitava falar em japonês. Por causa desses motivos eu tive e ainda tenho muita di-ficuldade de falar em japonês. (narrativa escrita) (grifo nosso)

percebe-se que Karina mencionou novamente que o método de ensino utilizado pelos professores causou o desânimo e a dificuldade de falar em japonês, o que a levou a sentir vergonha de falar na língua-alvo. Com o depoimento acima, podemos considerar que, como destaca miccoli (2010), quando não há correspondência entre as expectativas de alunos e de professores, os alunos podem perder a motivação e isso pode levá-los a se sentirem desencorajados em dar continuidade ao processo de aprendizagem do idioma.

no seguinte trecho da entrevista, Karina se refere à causa/origem de seu “bloqueio” quanto à expressão oral:

[9] (...) porque eu já evitava falar japonês, né? E aí depois comecei a ficar com muita vergonha por falar errado. E aí, depois veio a professora [nativa do Japão que não sabe falar bem português] e não conseguia falar com ela. E aí, surgiu esse bloqueio. (entrevista) (grifo e palavras entre colchetes nossos)

É interessante notar que ela reconheceu o surgimento de seu blo-queio referente à expressão oral em japonês, somente quando teve o primeiro contato com uma professora nativa do Japão que não sabia falar bem português, o que gerou grande dificuldade de comunicação.

Karina demonstrou, também, uma extrema frustração quanto à sua competência comunicativa atual de japonês:

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[10] 5º semestre: (...) eu me sentia frustrada em não conseguir me expressar direito nas aulas. (narrativa escrita)

[11] 6º semestre: (...) eu me senti extremamente frustrada ao ponto de cogitar em desistir dessa matéria e até mesmo de-sistir do curso. Fiquei com depressão e passei a evitar ainda mais o uso da língua japonesa (...). (narrativa escrita) (grifo nosso)

Quanto ao sentimento de frustração, foi verificado também na redação que pedimos no processo seletivo de intercâmbio acadêmico: “Ultimamente, me sinto tão frustrada por ter um nível fraco de japonês que minha dificuldade em me comunicar acabou se transformando em ‘vergonha de falar’ ” (cf. depoimento [2]). só depois de aplicar a entrevista, per-cebemos que essa frustração se deve à seguinte origem da crença da participante:

[12] eu passei três anos estudando japonês, né? E então, na mi-nha cabeça, era para já estar falando muito bem japonês. (en-trevista)

nota-se que Karina está dando maior importância à habilidade da fala e acredita que deve falar bem japonês após três anos de estudo de japonês. em outras palavras, ela parece haver imposto a si mesma a aquisição de um nível idealizado de fala em japonês.

o depoimento acima corrobora novamente o fato de que: (1) a “aprendizagem de uma Le pressupõe a meta ‘fala’ ”, como destaca miccoli (2010, p. 151), o que pode ser verificado também na redação; e (2) o sistema de crenças dos aprendizes pode influenciar sua mo-tivação e expectativas sobre sua própria aprendizagem (riCHArds; LoCKHArT, 1996).

8.3.3 reFLexÃo e AÇÃo

Como se pôde observar, Karina ficou desanimada com o curso pelo fato de não terem sido atendidas suas expectativas em relação ao ensino-aprendizagem de JLe e, ficou, ainda, extremamente frustra-da com o nível de sua competência comunicativa, acreditando que o desenvolvimento dessa competência está sendo impedido devido a

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a língua JaPonesa no Brasil

reFlexões e exPeriências de ensino e aPrendizageM

seu bloqueio psicológico. Consideramos que, possivelmente, grande parte dos alunos de japonês que desistiram do curso se sentiam como Karina. no entanto, talvez diferentemente de outros alunos, diante da frustração e dificuldades que passavam no decorrer do curso, Karina refletiu sobre tudo o que estava se passando com ela em relação à aprendizagem de japonês:

[13] (...) eu refleti e percebi que não seria bom desistir de 3 anos de faculdade. (...) o que realmente quero é ser professora de Japonês. Agora estou tentando acabar com o meu bloqueio e tentar tornar a minha vontade [de ser professora] em reali-dade. (narrativa escrita) (grifo e palavras entre colchetes nossos)

[14] (entrevistador) Como você conseguiu se recuperar da depressão?(participante) Foi com meus amigos. (...) eles me motiva-ram muito. (entrevista)

nota-se que a participante repensou sobre a desistência do curso com a ajuda de seus amigos e, após sua reflexão, sua atitude negativa referente à aprendizagem de japonês mudou para uma atitude mais positiva. É importante notar que o apoio emocional de amigos da par-ticipante contribuiu para essa mudança de crenças. o seu pensamento positivo a levou a mencionar que futuramente desejaria se tornar pro-fessora desse idioma. Quanto a esse objetivo profissional, comentou também na entrevista:

[15] Na verdade quero ser professora, né? (...) Não precisava ser de japonês, mas como japonês é a coisa que mais gosto atual-mente, então meu objetivo agora é ser professora de japonês. (entrevista)

percebe-se, então, que, através da reflexão sobre sua própria aprendizagem de japonês, a autoestima de Karina começou a melho-rar, o que a levou a desejar ser professora do idioma. ela se referiu ao “bloqueio” na entrevista como segue:

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[16] Quero ser obrigada a falar japonês. Sendo obrigada, vou acabar com esse bloqueio. (...) [no Japão] você passa a convi-ver mais com japonês e aí, a pronúncia melhora, tudo melho-ra. (...) estou começando a assistir mais “dorama [seriados ja-poneses]” sem legenda e tentando pegar algumas expressões. (entrevista) (grifo e palavras entre colchetes nossos)

ela mesma estava ciente do que estava acontecendo em seu processo de aprender a língua, e, para lidar com as dificuldades de falar japonês, tomou as seguintes ações: (1) procurou refletir sobre suas crenças e atitudes a respeito da aprendizagem de japonês; (2) não abandonou o curso e; (3) para acabar com a dificuldade (bloqueio) em falar, procurou outras maneiras de aprendizagem, isto é, assistir mais seriados japoneses sem legenda para aprender expressões em japonês.

em todo esse processo de mudança psicológica, Karina estava consciente do que se passava com ela mesma no contexto escolar, ou seja, essa conscientização e reflexão sobre suas próprias crenças auxiliaram-na a melhorar seu estado psicológico (no caso, o desânimo e a desmotivação), levando-a a se motivar e a executar nova ação. Con-cordando com a posição de Lima (2005, p. 144), podemos afirmar que “as expectativas estão intrinsecamente ligadas à motivação, na medida em que estas são projeções futuras sobre as ações necessárias para se atingir um determinado fim”.

9. ConCLusões

na presente pesquisa, observamos que a participante Karina se preocupava extremamente com a habilidade de fala e possuía o pre-conceito de que devia saber falar bem japonês, uma vez que a mesma tinha estudado o idioma por três anos. ou seja, a participante criou uma imagem de aprendiz idealizado que sabe falar bem japonês. no entanto, como ela não conseguia falar da maneira desejada, pensou que estava com “bloqueio” para falar na língua-alvo. para Karina, esse “bloqueio” seria sinônimo de dificuldade de se expressar oralmente, e antônimo de falar fluentemente. Quando a participante pensou que não conseguiria atingir aquele nível idealizado preestabelecido, ficou ainda mais frustrada e desmotivada com a sua aprendizagem de japonês.

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no entanto, o que vale ressaltar nesta pesquisa é que a participan-te, para melhorar seu estado psicológico e acabar com as dificuldades de falar em japonês, tomou as ações, conforme o ciclo a seguir: (1) refletir (sobre suas crenças e atitudes a respeito da aprendizagem de japonês); (2) tomar uma decisão (não abandonou o curso); (3) executar uma ação (procurou outras maneiras de aprendizagem de JLe).

FigurA 4: CiCLo de TrAnsFormAÇÃo de CrenÇAs

(figura nossa)

Karina estava desmotivada e frustrada pelo fato de suas expectativas não terem sido correspondidas no decorrer do curso, razão pela qual sua crença (“x” acima) em relação à aprendizagem de japonês era negativa. no entanto, através do apoio emocional de terceiros e da reflexão sobre suas próprias crenças e preconceitos relacionados aos estudos desse idioma, essa crença mudou (“Y” da figura 4). Conforme discutido anteriormente, as crenças não são algo imutável, mas são passíveis de indagações e reconstru-ções futuras (ALVArez, 2007, p. 200). Ainda, como afirma Barcelos (2001), as crenças influenciam não apenas as ações, mas também as reflexões dos aprendizes sobre a sua aprendizagem. neste estudo, foi revelado que o ciclo de reflexão, decisão e ação executada pela participante contribuiu para a transformação de suas crenças de maneira positiva.

Conforme relatado pela participante (cf. seção 8.3.1), o número de desistentes do curso de Letras-Japonês é relativamente alto, sendo que, após ingresso de 26 calouros a cada semestre, no oitavo semestre (cf. apêndice A), registram-se apenas 4 alunos16 matriculados (dados do 2º semestre de 2011).

16 os dados foram acessados através da matrícula WeB da instituição. por questões de ética, não mencionaremos o nome da faculdade.

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diante dessa realidade, percebe-se a importância de que alunos e professores possam refletir, de forma crítica, a respeito de suas próprias crenças relacionadas ao ensino-aprendizagem de JLe e a maneira como essas crenças afetam suas ações em sala de aula, conforme Barcelos et al. (2004, p. 14).

nesse sentido, é importante ressaltar que o professor deve pro-curar conduzir seus alunos a se tornarem aprendizes crítico-reflexivos (BArCeLos, 2001; VieirA-ABrAHÃo, 2006a), para que eles possam revisar e analisar, de forma consciente, a sua própria atitude e ação em relação à aprendizagem da língua-alvo. em sala de aula, o professor deve conscientizar os alunos a questionarem e refletirem sobre suas crenças frente à aprendizagem (seu estilo de aprendizagem de Le/L2, sua maneira de usar estratégias de aprendizagem e de comunicação, suas metas), aos objetivos e à profissão, e, em especial, à sua atitude, motivação e expectativas em relação ao curso.

Conforme verificado neste estudo, foi o ato de refletir que levou Karina a tomar uma decisão e executar uma ação, o que contribuiu para a transformação de suas crenças (cf. figura 4). Assim, podemos concluir que as crenças dessa aluna foram moldadas pela reflexão, decisão e execução, realizadas no decorrer do ensino-aprendizagem de JLe.

sendo esta pesquisa ainda preliminar, limitamo-nos a investigar as crenças de uma aluna brasileira de JLe no ensino superior. sendo assim, como mencionamos anteriormente, não pretendemos generalizar os resultados desta pesquisa. no entanto, os resultados da presente pes-quisa corroboraram a importância de que o aprendiz tenha um papel crítico-reflexivo em relação à sua aprendizagem de JLe, principalmente no que se refere à transformação de suas crenças.

precisamos investigar as crenças de outros alunos brasileiros de JLe, para que possamos compreender melhor o sistema de crenças referentes ao ensino-aprendizagem por parte desses estudantes, considerando que poucos estudos se dedicaram a esse assunto. para tanto, podemos sugerir, como estudos futuros, as investigações sobre as crenças mais específicas de alunos de JLe com enfoque na habilidade de escrita e leitura em japonês, já que a dificuldade de muitos alunos de JLe parece se dever à utilização de três sistemas diferentes de escri-ta gráfica (cf. seção 2), tanto para escrever quanto para ler, conforme pesquisa em andamento (muKAi, 2011b).

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a língua JaPonesa no Brasil

reFlexões e exPeriências de ensino e aPrendizageM

esperamos que este trabalho contribua para suscitar, entre profes-sores e alunos de JLe, reflexões a respeito do ensino-aprendizagem do idioma, e, numa perspectiva mais ampla, possibilite uma compreensão mais clara do processo de ensino-aprendizagem da língua japonesa, que apenas recentemente começou a ser desvendado e discutido, de forma científica, no Brasil.

reFerênCiAs

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a língua JaPonesa no Brasil

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ApêndiCe AreLAÇÃo de disCipLinAs oBrigATóriAs e seus níVeis/ConTeÚdos/CArgA HoráriA no Curso de JAponês

Semestre Nível Disciplinas obrigatórias

Carga horária:semanal; semestral

Conteúdo

1ºelementar

Japonês 1 3 horas e 20 minutos; 60 horas

gramática

prática do Japonês oral e escrito 1

3 horas e 20 minutos; 60 horas

prática (oral e escrita)

Básico

Japonês 2 3 horas e 20 minutos; 60 horas

gramática

prática do Japonês oral e escrito 2

3 horas e 20 minutos; 60 horas

prática (oral e escrita)

3º Japonês 3 3 horas e 20 minutos; 60 horas

gramática

prática do Japonês oral e escrito 3

3 horas e 20 minutos; 60 horas

prática (oral e escrita)

4º Japonês 4 3 horas e 20 minutos; 60 horas

gramática

prática do Japonês oral e escrito 4

3 horas e 20 minutos; 60 horas

prática (oral e escrita)

intermediário

Japonês 5 3 horas e 20 minutos; 60 horas

gramática e prática

6º Japonês 6 3 horas e 20 minutos; 60 horas

gramática e prática

7º Japonês 7 3 horas e 20 minutos; 60 horas

gramática e prática

8º Laboratório de Língua Japonesa

3 horas e 20 minutos; 60 horas

gramática e prática

9º projeto de Curso 1 hora e 40 minutos; 30 horas

monografia

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reFlexões e exPeriências de ensino e aPrendizageM

ApêndiCe BQuesTionário FormAdo Com BAse no BALLi (HorWiTz, 1987),

reduzido e AdApTAdo pArA A presenTe pesQuisA

Leia cada sentença com atenção, reflita e então decida se você:

(1) concorda plenamente; (2) concorda; (3) não tem opinião a respeito; (4) não concorda (5) discorda completamente.

Quanto à questão 2, você deve marcá-la conforme indicado. não há questões certas ou erradas.

1. Algumas línguas são mais fáceis de aprender do que outras. ( 1 )

2. A língua japonesa é:a. muito fácil ( 5 ) b. fácil ( 4 ) c. moderada ( 3 )d. difícil ( 2 ) e. muito difícil ( 1 )

3. É importante falar japonês com uma excelente pronúncia. ( 4 )

4. É necessário saber sobre a cultura japonesa para se falar japonês. ( 2 )

5. não se deve dizer nada em japonês até que se possa falar corretamente. ( 4 )

6. É mais fácil para alguém, que já fala uma segunda língua estrangeira, aprender uma terceira língua. ( 1 )

7. É melhor aprender japonês no país onde ele é falado. ( 1 )

8. É bom praticar as falas com os nativos. ( 1 )

9. eu me sinto tímido ao falar com outros em japonês. ( 1 )

10. se for permitido aos iniciantes cometerem erros, será difícil para eles falarem mais tarde. ( 3 )

11. para falar japonês é necessário saber a gramática. ( 1 )

12. É mais fácil falar em japonês do que entender. ( 4 )

13. É mais fácil ler e escrever em japonês do que falar e entender. ( 4 )

14, para conseguir se expressar bem em japonês, é preciso ter domínio da língua. ( 2 )

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ApêndiCe CnArrATiVA esCriTA

escreva sobre sua história de aprendizagem de japonês desde o início até o presente momento, com enfoque em suas sensações, expectativas, frustrações e ações.

1º Semestre: Começo de tudo. entrei na universidade de Brasília só sabendo falar algumas coisas que aprendi assistindo anime, como por exemplo: “ohayou”, “daijoubu”, “Baka”, etc. Quando as aulas co-meçaram, eu me senti muito atrasada comparada com alguns de meus colegas de turma. A professora de Japonês oral e escrito 1, sempre quando tinha oportunidade, falava em japonês. no começo eu me sentia perdida, mas depois fui me acostumando com as frases que ela usava em japonês. ela repetia tanto essas frases que eu acabei aprendendo o significado delas. Alguns exemplos são: “futari de” quando ela pedia para que fizéssemos duplas, ou “suwatte” para que sentássemos nas cadeiras. As frases ou palavras que ela falava e que a gente não sabia o significado, através de gestos e mímicas ficava fácil a compreensão das mesmas. o 1º semestre foi o melhor semestre, eu conheci muitos amigos, a turma era muito unida. por causa disso tive muita inspiração e vontade de aprender japonês. eu treinava minha pronúncia usando os Cds que vinham junto com as apostilas (foi o único semestre que usei esses Cds, depois eles foram sendo deixados de lado), e fazia de tudo para que as provas orais fossem impecáveis. As provas orais eram “teatrinhos”: fazíamos uma pequena “peça teatral” usando algo do cotidiano combinado com as palavras e estruturas que aprendemos em sala de aula.

2º Semestre: nesse semestre, muitas pessoas da minha turma desistiram do japonês, e com isso a minha motivação também foi di-minuindo. As aulas começaram a ficarem chatas, e eu não sentia muita empolgação do professor ao dar as aulas. As aulas eram todas iguais, e pareciam ser rotinas, tanto nas aulas de prática 2 quanto nas de japonês 2. isso começou a me deixar muito desanimada com relação ao estudo de japonês. eu nunca estudava, somente estudava um dia antes da pro-va. Como a prova oral ainda era do tipo “teatrinho”, eu simplesmente fazia o roteiro da apresentação um dia antes, e no mesmo dia da prova

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eu decorava tudo. depois da apresentação e acabava esquecendo tudo o que havia decorado. o professor dava mais importância ao estudo do kanji do que a parte oral, e quando praticávamos a parte oral, quase sempre ficávamos presos ao que estava escrito na apostila.

3º Semestre: mais pessoas abandonaram o curso e o desânimo foi tomando conta da classe inteira. Tivemos aula com o mesmo professor do 2º semestre, mas foi um pouco diferente do semestre anterior. o professor começou a ficar mais próximo da turma, e as au-las melhoraram. praticávamos a parte oral do mesmo jeito que no 2º semestre, tirando a parte em que o professor tentou não ficar muito preso à apostila, na hora de dar aula. A diferença mais marcante nesse semestre foi nas provas orais, quando o professor deixou de usar o “teatrinho” e criou outras formas de aplicar a prova. por causa disso, tivemos que abandonar o “decorar e fazer a apresentação”, e fomos forçados a estudar de verdade, pois não sabíamos o que o professor iria perguntar na hora da prova. o que me decepcionou nesse semestre foram as aulas de Japonês 3. o professor não parecia estar preparado para tirar as dúvidas dos alunos. Quando tínhamos alguma pergunta, ele nunca conseguia nos responder direito, e acabávamos indo pra casa com a dúvida na cabeça.

4º Semestre: A professora de expressão oral 4 tinha a boa intenção de nos ensinar japonês, mas a turma não colaborava. ela levava mate-riais diferentes para as aulas, não utilizava muito a apostila, e tentava deixar as aulas menos cansativas, mas tudo era em vão. ninguém da turma, inclusive eu, colaborava para que a aula fosse proveitosa. nós praticamos muito pouco a parte escrita e auditiva, mas na parte oral ela conseguiu nos ensinar muitas coisas. se os conteúdos dados nesse semestre não fossem tão complicados e difíceis de se aprender, com certeza eu teria conseguido absorver muitas coisas nesse semestre. mas como o conteúdo era difícil e eu não fiz questão de me empenhar em estudar, acabei não aprendendo tudo o que deveria. As provas orais também não eram “teatrinhos”. Felizmente as provas orais eram super fáceis, e infelizmente na hora da prova eu ficava nervosa e errava pequenos detalhes. Já sobre a disciplina Japonês 4, não tenho o que reclamar. Às vezes eu me perdia na explicação da professora, mas era só estudar em casa que eu entendia o que ela explicou na sala de aula.

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5º Semestre: Tudo mudou. no momento em que tive que cursar a disciplina expressão oral 1, onde o foco da aula é a prática oral do japonês, fui obrigada a usar o japonês que aprendi sem o auxílio de uma apostila. não tem como decorar coisas para usar nessa aula por-que tudo é no improviso: você nunca sabe qual vai ser o tema a ser discutido na aula. Até o 4º semestre não era dado muito destaque na parte oral, e sempre quando podia eu evitava falar em japonês. por causa desses motivos eu tive e ainda tenho muita dificuldade de falar em japonês. As primeiras aulas de expressão oral 1 foram bem difíceis, e eu me sentia frustrada em não conseguir me expressar direito nas aulas. mas com o tempo percebi que meu japonês estava melhorando. Comecei a entender tudo o que a professora falava, e eu conseguia falar quase tudo o que eu queria. A professora de expressão oral 1 também lecionou no Japonês 5. ela tinha um ritmo de aula muito rápido, mas nada que atrapalhasse na aprendizagem. ela sabia explicar muito bem o conteúdo e forçava os alunos a estudarem. As provas eram muito difíceis até pra quem estudou muito. não dava pra fazer a prova so-mente decorando as lições da apostila. A professora induzia os alunos a raciocinarem mais. gostava muito do método de ensino dela, apesar de sempre tirar uma nota baixa na prova. esse foi o momento em que eu mais me senti feliz com o curso de Japonês, mas no 6º semestre esse sentimento sumiu.

6º Semestre: não tive coragem de cursar a disciplina expressão oral 2, então só me matriculei na expressão escrita 2. isso porque eu soube que quem iria ministrar a aula seria uma japonesa que não sabia português. Como meu Japonês ainda não era bom o suficiente para conversar com ela, e como eu sou um pouco tímida, fiquei com medo de cursar expressão oral. mas como essa professora também dava aula de expressão escrita, algumas vezes fui obrigada a conversar com ela. nessas poucas conversas que tivemos, percebi que o japonês que eu aprendi por durante 3 anos não é muita coisa. não conseguia entender praticamente nada do que ela falava na sala de aula, e em consequência não conseguia respondê-la. nesse semestre eu me senti extremamente frustrada ao ponto de cogitar em desistir dessa matéria e até mesmo desistir do curso. Fiquei com depressão e passei a evitar ainda mais o uso da língua japonesa (por ter vergonha de ter estudado durante 3 anos e mesmo assim não conseguir entender o que um japonês fala).

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Foi a partir disso que surgiu o meu bloqueio. na época em que estava pensando em sair do curso de japonês, eu refleti e percebi que não seria bom desistir de 3 anos de faculdade. então decidi continuar e co-loquei na cabeça a ideia de que “se eu não conseguisse me tornar uma professora de Japonês, pelo menos poderia me tornar uma professora de português”. mas me tornar uma professora de português é só se eu não tiver escolha, pois o que realmente quero é ser professora de Japonês. Agora estou tentando acabar com o meu bloqueio e tentar tornar a minha vontade em realidade. e para finalizar, graças ao apoio e a insistência de uma amiga, continuei cursando expressão escrita. Ainda não consigo entender nada do que a professora fala, mas isso já não me aflige mais.

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ApêndiCe droTeiro pArA A enTreVisTA

sobre a redação:

1. por que você sempre foi “fascinada por tudo que está relacionado ao Japão” e seu sonho é de conhecer o Japão?2. por que você não consegue “pensar em ter uma carreira que não esteja relacionada ao estudo de japonês”?3. por que agora você tem “uma ambição maior: a de ser professora”?4. por que e como o convívio com os professores da [nome da faculdade onde a participante estuda] a fez mudar de opinião sobre o que é ser docente?5. por que você acha que tem dificuldade em comunicar oralmente em japonês?6. por que ultimamente você se sente tão frustrada por ter um nível fraco de japonês que sua dificuldade em comunicar acabou se transformando em “vergonha de falar”?7. Como você gostaria de “acabar com esse bloqueio”?

sobre o questionário aplicado à participante:

8. por que você acha que algumas línguas estrangeiras são mais fáceis de aprender e a língua japonesa é muito difícil?9. por que você não concorda com o fato de que “é importante falar japonês com uma excelente pronúncia”?10. por que você não concorda com o fato de que “não deve dizer nada em japonês até que possa falar corretamente”?11. por que você pensa que “é melhor aprender japonês no país onde ele é falado”?12. por que você pensa que “é bom praticar as falas com os nativos”?13. por que você sente tímida ao falar com outros em japonês?14. por que você pensa que “para falar em japonês é necessário saber a gramática”?15. por que você não concorda com o fato de que “é mais fácil falar em japonês do que entender” nem com o fato de que “é mais fácil ler e escrever em japonês do que falar e entender”?

sobre a narrativa escrita:

16. Conte-me sua opinião em relação ao fato de que muitos seus colegas desistiram do Curso de Japonês no 2º e 3º semestre.17. por que você acha que “até o 4º semestre não era dado muito destaque na parte oral”, e sempre quando podia você evitava falar em japonês?18. por que você pensa que seu japonês ainda não era bom e suficiente para con-versar com a professora da expressão escrita 2, do 6º semestre?

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19. por que você se sentiu extremamente frustrada ao ponto de cogitar em desistir dessa matéria e até mesmo desistir do curso?20. o que lhe causou depressão no 6º semestre?21. Como surgiu seu bloqueio quanto às falas em japonês?22. o que a motivou a refletir e como percebeu que não seria bom desistir do curso?23. por que o que você realmente quer é ser professora de japonês? Como você conseguiu se recuperar da depressão?24. Como você está tentando acabar com o seu bloqueio e tornar a sua vontade em realidade?

muito obrigado pela colaboração.

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Capítulo 6

o ensino dos ideogrAmAs sino-JAponeses e o TAo

Cecilia Kime Jo shioda(universidade estadual paulista – Campus Assis)

renato da Fonseca Brandão(universidade estadual paulista – Campus Assis)

RESUMO: desde o momento que um professor de japonês se debruça sobre os vários materiais didáticos para escolher qual melhor satisfaça suas necessidades, ele percebe que cada método de ensino de kanji utiliza sua própria teoria para apresentar o ideograma, tomando por base critérios os mais variados. isso invariavelmente lança tanto ao professor quanto ao aluno a questão: qual a interpretação mais cabível para a razão de ser de cada ideograma? neste trabalho, tentaremos mostrar que a perda de certos valores agregados ao longo dos séculos ao ideograma, também conhecidos como Dô (parte final de 武士道 /Bushidô/ – Caminho do guerreiro), é causada por interpretações que não levam em consideração os fatores extralinguísticos que compõem o ideograma e ultrapassam o plano da escrita. nossa análise sistemática pretende mostrar que o Tao – pensamento que permeia toda a vida de um oriental – está presente em cada ideograma, mesmo que, com o seu uso, não o percebamos.

PALAVRAS-CHAVE: ideograma; interpretação; Tao; material didático.

ABSTRACT: once a professor of Japanese looks at the various edu-cational materials to choose which best fits their needs, he realizes that each method of teaching kanji uses his own theory to present the characters, based on the most varied criteria. This invariably put both teacher and student in the question: which is the appropriate interpre-tation for the reason of being of each ideogram? in this work, we will

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try to show that the loss of certain value-added over the centuries to the ideogram, also known as Dô (final part of 武士道 / Bushidô / - path of the Warrior), is caused by interpretations that do not take into con-sideration the factors that extralinguistic make up the characters and writing beyond the plan. our systematic review aims to show that the Tao - thinking that permeates the entire life of an oriental - is present in each ideogram, even though, with its use, do not realize it. KEYWORDS: ideogram; interpretation; Tao; Teaching materials.

1. inTroduÇÃo

para ser possível discutirmos um tema tão amplo quanto este, estabelecemos, inicialmente, alguns pressupostos coerentes com a discussão. partimos, então, da noção de que os diversos sistemas de escrita da humanidade surgiram, entre outros fatores, como consequ-ência direta da necessidade humana em registrar os acontecimentos ao longo da história das sociedades; é natural, portanto, que suas origens sejam as mais variadas e que tais mecanismos reflitam, de forma mais ou menos direta, valores sociais, culturais ou políticos, e até conceitos como os de beleza, representatividade linguística e tradições dos povos.

nossa intenção não é propor qualquer discussão sobre tais teorias, contudo, é de extrema necessidade a compreensão delas para uma correta interpretação da ideia aqui proposta. pois como os diferentes povos nos primórdios da humanidade nem sempre compartilhavam territórios, e levando em consideração as teorias de que o homem é produto do meio em que vive, a diversidade de culturas pode ter origem e ser explicada, pelo menos em parte ou influência, pelo dis-tanciamento geográfico. não que esta seja a única explicação, mas constitui base para pensarmos na maneira como os homens, desde que inseridos em determinado grupo, se encaram, encaram os outros e interagem perante as informações do meio onde vivem, criando, inclusive, a noção de “si próprio”.

isso se evidencia principalmente no fato de que tanto a existência das diferentes línguas quanto a maneira escolhida para grafá-las é di-versificada ao redor do globo até os dias de hoje. para complementar

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tal explanação, é possível comentar sobre outras influências determi-nantes na fixação dos povos, dentre as tantas existentes, tais como: as diferenças climáticas entre as regiões onde os homens se instala-ram quando deixaram de ser nômades – o que, num contexto amplo, pode ou não influenciar na língua e cultura de um determinado povo; a abundância ou falta de alimento e caça – que, dentre outras coisas, pode determinar o valor tradicional e cultural de certos alimentos e, inclusive, influenciar na escolha, invasão ou tomada de territórios; e a ocorrência ou não de intempéries climáticas (furacões, terremotos, vulcões etc.) – catástrofes muitas vezes encaradas, por alguns povos primitivos, como manifestações divinas, “castigos” (ou bênçãos, con-forme a situação) dos deuses, entre outros fatores formadores dos alicerces de uma sociedade.

Cada cultura possui meios próprios de registro desses e de outros acontecimentos (inclusive orais), o que origina e garante a evolução na-tural, conforme necessidades específicas, dos vários modos de escrita.

Quando se fala sobre a evolução das línguas escritas, não se pode, sobremaneira, deixar de citar a influência de um povo sobre outro, de uma cultura sobre a próxima. Aqui, podemos traçar um paralelo entre a difusão do alfabeto romano e a “apropriação” feita pelos japoneses dos caracteres chineses: assim como na europa, onde o domínio e influência de outros povos por parte do império romano se estendeu à escrita, inclusive ao alfabeto, a China, no oriente, era a fonte e ins-piração para vários usos e costumes da cultura japonesa. nada mais natural, então, que a escrita e outras manifestações culturais japonesas também sofressem esta influência.

Levando tais fatores em consideração, decidimos por manter nosso foco durante esta exposição nos kanji chineses que são utilizados pelos japoneses na formação de seu léxico. portanto, não serão incluídos na questão aqueles ideogramas criados posteriormente pelos próprios japoneses (seja pela necessidade de grafar um termo sem equivalente na língua chinesa, seja pela evolução ou modificação proposital de um ideograma já existente), mesmo os derivados de kanji chineses, como 畑, /hatake/ campo cultivado.

Juntamente com o aluno renato, iniciamos uma pesquisa que parte da comparação de alguns materiais didáticos que visam à compreensão e ao ensino do idioma japonês no Brasil, baseando-nos em teorias de ordem filosófica e linguística, e que têm como objetivo futuro evidenciar

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o grau de influência da filosofia contida nos oitenta e um poemas deixa-dos por Lao Tse, considerado o fundador do taoísmo, na escrita chinesa.

o material poético ao qual nos referimos servirá, quase que ex-clusivamente, como ponto de partida e base teórica cultural para a análise de alguns caracteres chineses utilizados na língua japonesa porque nosso objetivo é buscar no taoísmo a interpretação cabível para a razão de ser de cada ideograma; as influências quando da concepção dos caracteres formadores dessa escrita, consequentemente, seriam assim também reveladas. Tal levantamento invariavelmente nos levanta a dúvida que será nosso alvo: se o Tao influenciou tanto assim na criação desse sistema de escrita, e se essa influência foi diluída ao longo dos anos, então seria possível fazermos o caminho inverso desta evolução do kanji e explicar sua estrutura através do Tao? e o quanto a perda de certos valores culturais, religiosos ou filosóficos, antes inerentes à sociedade japonesa, pode se refletir, de alguma maneira, na escrita?

2. primeiros pAssos

É evidente que tratar do ensino de japonês como língua estrangeira no Brasil nos leva a um emaranhado de questões referentes ao método de ensino. É sabido que cada aluno interessado pela língua tem seus próprios motivos e pretende um uso diferente para este conhecimento, e o perfil deste público é tão diverso quanto possível: há os descenden-tes de japoneses, cujo contato com a língua vem desde o berço; aqueles que, mesmo possuindo descendência, não se interessavam pela língua no passado ou não receberam dos pais, família ou comunidade (por não considerarem tal conhecimento importante ou vantajoso) o incentivo necessário aos estudos; e aqueles, dentre esses os considerados não descendentes, que pouco ou nenhum contato anterior tiveram, entre outros (os que precisam aprender por causa de seu trabalho; os que o fazem única e exclusivamente por hobby; os que pretendem, a partir desse conhecimento, realizar pesquisa em outra área).

portanto, desde o momento que um professor de japonês – ou a Coordenação pedagógica de uma escola, por exemplo – se debruça sobre os vários materiais didáticos para escolher qual melhor satis-faça suas necessidades – e a de seus alunos – ele percebe que cada método de ensino de kanji utiliza sua própria teoria para apresentar o ideograma.

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isso talvez explique, pelo menos em parte, a perda de certos va-lores agregados ao longo dos séculos ao ideograma no Japão, também conhecidos como Dô (parte final de 武士道 /Bushidô/ – Caminho do guerreiro), que pode ser causada por interpretações que não levam em consideração certos fatores extralinguísticos que compõem o ide-ograma e ultrapassam o plano da escrita.

o aluno que não recebe orientação correta quanto a esses as-suntos extralinguísticos, em nossa opinião, mesmo que venha a se tornar proficiente na língua, não terá a oportunidade de entender a cultura do povo que a utiliza, o que deixa seu aprendizado deficiente e incompleto. nossa análise não se trata, de maneira alguma, de uma teoria definitiva e “fechada”, mas quer ser apenas uma referência às contribuições do Tao – pensamento que, presumimos, permeia toda a vida de um oriental – dentro desse sistema de escrita. ele está presente em cada um dos belos ideogramas que compõem o léxico da língua, mesmo que, com a familiaridade de seu uso, não o percebamos.

Alguns fatos sobre o tema são imutáveis, tais como: o taoísmo não é uma religião, como o budismo; não é simplesmente uma filosofia de vida, como o zen (e seus desdobramentos, inclusive de cunho mais religioso que filosófico); nem pretende ser um parâmetro para os go-vernos, como fora o confucionismo chinês. É, antes de tudo, obra de um grande mestre que percebeu certas peculiaridades da vida, e reza a lenda taoísta que, desta observação, formulou poemas – deixados com certo guarda de fronteira – que mais tarde se tornaram fonte de inspiração para uma gama de outros pensadores.

Foi tão grande sua influência que podemos encontrá-la inclusive na introdução do Hagakure, pequena compilação de textos onde se considera existirem indicações sobre a conduta idônea dos samurais japoneses: “uma pessoa, usando apenas a razão, pode ficar sem rumo. Já a intuição baseada na sinceridade e na orientação moral nos leva de volta às raízes, à verdade das coisas, ao fundamental”, em outras palavras, ao Tao (WiLson, 2006, p. 11).

É sabido que tais ideais influenciaram o modo de vida oriental como um todo, portanto podemos traçar um paralelo entre tais te-orias – ou doutrinas filosóficas, como preferem alguns – e a escrita, e mais, é possível até pensarmos sobre o equilíbrio dos traços – por parte de quem os escreve – e o melhor entendimento da mensagem pelo leitor. não discorro aqui sobre a caligrafia perfeita, pois isso me

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remeteria a estudos sobre shodô; a proposta se concentra, entre outras coisas, na postura das novas gerações quanto a valores e costumes de uma sociedade milenar; esta depende não só de interesse pessoal, mas também do entendimento inerente e necessário sobre os valores que o Tao busca na sua essência.

Como já foi dito, existem vários materiais disponíveis que interpretam, desconstroem e sugerem origens diferentes para um mesmo ideograma ou o associam livremente com um elemento da natureza, objeto ou conceito pré-estipulado. entretanto, nossa visão não se baseia unicamente na pretensão da assimilação imediata – objetivo muitas vezes primário de um material didático – mas sim na convicção de que tais interpretações, apesar de bastante válidas, não capturam a mentalidade nipônica, que tem como valores, entre tantos outros, o孝 /kô/ devoção filial, sentimento de dever e gratidão aos pais e ancestrais, o忠 /chû/, sentimento de fidelidade ao imperador e o 義 /gi/, sentimento de justiça, o de ser justo com todos, sem desigualdades.

segundo Arthur Waley, no texto introdutório à sua tradução do Tao Te Ching para o inglês, “estar em harmonia com e não em rebeldia contra as leis fundamentais do universo é o primeiro passo para o caminho do Tao” (TreVisAn, 2009, p. 167), e percebemos que nem sempre esta harmonia acontece ou é praticada conscientemente.

para melhor entendermos todo este panorama de diversas variáveis, partimos então para uma análise comparativa com o português do Brasil, através da qual pudemos observar empiricamente o processo de leitura e assimilação de significado.

Ao lermos uma palavra nesta língua, nossa assimilação ocorre por meio de três estágios acumulativos: comumente, e quanto mais lemos, esse raciocínio se torna praticamente imperceptível de tão rápido. no primeiro estágio, reconhecemos as formas mostradas (representações gráficas dos sons) e, isoladamente, as reconhecemos como letras de nosso alfabeto; após isso, “juntamos” esses símbolos formando uma unidade significativa (palavra) – cabe salientar, aqui, que o português padronizou o “espaço” como caractere de marcação de palavras, ou seja, existe uma distância em branco entre uma unidade de significado e outra, o que nem sempre ocorre em outras línguas, como japonês; no estágio final, relacionamos esta palavra a um conceito do nosso universo biossocial, a um conjunto de significados.

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Tomemos como exemplo a palavra Caminhos: a fração Camin é radical, o “mínimo essencial” que carrega carga semântica; a vogal O aqui é indicativo de gênero, neste caso masculino, enquanto o S nos indica o número plural. mesmo quando não há indicativo de gênero, a linguística costuma afirmar que a própria ausência serve como indi-cativo, e adota o símbolo Ø.

Fig. 1: desconstrução pessoal da palavra Caminhos

Tal desconstrução linguística é mais complicada de se fazer quando tratamos do kanji: 道, /michi/ (caminho), não possui indicativo de gênero nem de número, mas podemos encontrar nele um radical – talvez com função diversa de seu correspondente em português, por exemplo, visto que este, sozinho, não é capaz de transparecer a definição do ideograma da mesma maneira que o é aquele radical em língua portuguesa, mas atua, invariavelmente, como parte essencial na construção do significado, e que nesse caso nos remete à ideia de movimento.

Fig. 2: michi. (gakushu Kanji zukai Jiten, 1977, p. 31).

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Cabe ainda salientar que existem dois pontos de vista possíveis inseridos neste tema: a primeira abordagem refere-se ao ideograma que, isoladamente, como unidade autossuficiente, tem um ou mais sig-nificados ou, em outros termos, conceitos de nosso universo biossocial representados por apenas um ideograma; outra, que também engloba a questão da leitura de um ideograma, é a interação necessária para que esses mesmos conceitos sejam expressos – portanto, palavras cuja formação depende da utilização de dois kanji.

inicialmente, trataremos apenas do primeiro caso, visto que desta maneira é possível realizar associações e comparações mais diretas com o português do Brasil.

A estrada que consta na ilustração do livro Gakushu Kanji Zukai Jiten (1977, p. 31) está presente para sugerir o traço à direita ou o referido radical do kanji que, por sua estrutura intrínseca, remete de maneira mais direta ao objeto ou conceito representado por ele em nossa mente; ao visualizá-lo, não passamos por um desses três estágios de assimilação necessários em qualquer língua (pois ele não é formado por representações gráficas de sons emitidos pela fala humana; sua composição tem outras bases e é tão diversa quanto interpretável ou passível da atribuição de “leituras”).

o reconhecimento da representação gráfica de um conceito, quando exposto desta maneira, é imediato, e por esta relação mais direta entre significante e significado é que dizemos que sua essência está evidente.

Caminho, aliás, é um conceito que só pode ser apreendido por intuição. Assim como o Tao, também representado por 道, que não é só um caminho físico e espiritual, pois ganhou um sentido amplo, relacionado ao Absoluto, à origem de todas as coisas que existem, aos princípios que regem o universo. dele também vieram os opostos/complementares Yin e Yang, a partir dos quais todas as “dez mil coisas” que existem no universo foram criadas.

portanto, antes de apresentarmos nossa visão, pensemos em alguns métodos de ensino de kanji, suas características e materiais didáticos disponíveis no Brasil: segundo granet,

(...) os méritos da escrita chinesa são de ordem (...) prá-tica, não intelectual. essa escrita pode ser utilizada por

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populações que falam dialetos – ou mesmo idiomas – diferentes, com o leitor lendo à sua maneira o que o es-critor redigiu pensando em palavras do mesmo sentido (grAneT, 1997, p. 38).

mesmo com a adaptação feita pelos japoneses para a utilização do caractere chinês em seu idioma (onde são conjugados os verbos, por exemplo, ao contrário do ocorrido na língua chinesa), o essencial na palavra – sua significação original – continua exclusivamente expresso com o kanji, essas variações não interferem diretamente no significado do ideograma, apenas o inserem com adaptações num idioma diferente do original, neste caso o japonês.

nestes casos, além de outra leitura, os ideogramas como um todo passam a representar um novo universo: utilizados por outro grupo de pessoas, podem ou não serem encarados da mesma forma que a população original; existem infinitas possibilidades, atribuições de sentido, deformações inclusive, que devem ser levadas em conta durante e após esta transposição.

É bom ressaltar que, no caso de escritas que fazem uso do alfabeto romano, algo parecido – porém em outro nível – acontece: o leitor utiliza os mesmos sinais gráficos quando escreve em italiano, alemão ou inglês, mas é impossível a um falante (e leitor) de uma língua com-preender o que está escrito em outra por não conhecer o significado daquilo que lê, mesmo tendo conhecimento sobre as representações (alfabeto). A não ser quando tratamos dos números.

3. reLAÇões enTre porTuguês, KAnJi e JAponês

michael rowley, em seu livro Kanji pictográfico (2006), relaciona o kanji a uma imagem, e parece seguir a teoria de que

para o sábio [Confúcio], uma representação [escrita] pode ser adequada sem procurar reproduzir todas as caracterís-ticas próprias do objeto. ela o é [adequada] quando, de um modo estilizado, faz surgir uma atitude julgada caracterís-tica ou significativa de um certo tipo de ação ou de rea-ções. o mesmo se dá com as ideias figuradas. este autor busca, através de imagens “aleatórias”, associar o kanji a um

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conceito que considera relevante, dizendo que o emblema gráfico registra (ou pretende registrar) um gesto estilizado. Tem um poder de evocação correto, pois o gesto que repre-senta (ou pretende representar) provoca um fluxo de ima-gens que permite uma espécie de reconstrução etimológica de noções (grAneT, 1997, p. 7).

Assim como no livro de rowley, outros também utilizam imagens para dar significado ao ideograma, como o KANJI-1,000 – Japanese Kanji book for beginners (1993, p. 13), cujas ilustrações, mesmo sem associação direta, tomam como base o Tao, não por questões de interpretação, mas porque o kanji se originou a partir dele (Tao).

Como exemplo, podemos citar o número Cinco, pois até o dicio-nário, como um todo, associa-o aos Cinco elementos da natureza: o fogo, terra, metal, água e madeira.

A figura 4 parte do pressuposto do entendimento desses elemen-tos, chamados também de 五行 /wǔxíng/ no chinês, para construir o processo de assimilação. Tais elementos não são somente os materiais aos quais os nomes se referem, mas servem como metáforas e símbolos para descrever como o universo interage; estão relacionados, cada um deles, a órgãos do corpo humano, à astrologia, a cores primárias e às estações do ano.

pode parecer contraditório associar cinco elementos às estações do ano, mas os chineses associam o elemento Terra a um curto período de tempo entre o verão e o outono, contando as estações da seguin-

Fig. 3: ROWLEY, 2006, p.72 Fig. 4: EZOE, 1993, p.1 Fig. 5: KANO, 1990, p.20

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te maneira: primavera (madeira), verão (fogo), período entre verão e outono (terra), outono (metal) e inverno (água). esse ciclo representa o equilíbrio da natureza e não necessariamente é contado em meses subdivididos igual e proporcionalmente.

poderíamos até supor que esta variedade de interpretações que apresentam o kanji ao estudante exista pelo fato de o próprio Tao ser de difícil acepção, ou melhor, impossível de definir apenas com palavras, como sugerem os dois primeiros versos do Tao Te King: “O Tao que pode ser nomeado não é o Eterno Tao; O nome que pode ser dito não é o Eterno nome” (Tse, 2007, p. 3).

podemos concluir, mediante tais observações, ainda desprovidas de extrema profundidade, que não existe, sobremaneira, um referen-cial ideal para uma correta interpretação (seja ela etimológica ou que tenha com enfoque na assimilação) dos ideogramas, pelo contrário, todas as abordagens adotadas hoje no Brasil para o ensino do idioma japonês são válidas desde que seu objetivo esteja claro e determinado.

Talvez por isso os números matemáticos possam ser chamados também, de certa maneira, ideogramas. isso porque o raciocínio tanto na concepção quanto na utilização deles seja o mesmo que permeou a criação dos kanji, nos seguintes termos:

Quando escrevemos qualquer símbolo matemático, o raciocínio feito pelo leitor é semelhante ao de alguém que se depara com um kanji isolado. inicialmente, reconhecemos aquela forma mostrada (for-ma esta que não é letra, e por isso não está presente no alfabeto), e a ela damos um som, transliterado em signos linguísticos (ou seja, uma leitura); em seguida, associamos aquele símbolo a um conceito ou ideia

QuAdro 1: reLAÇões enTre esCriTA e LeiTurA

Japonês Chinês português inglês

símbolo 一 一 1 1

Leitura いち /ichi/ Yi um one

significado o primeiro dos números é o início, único, absoluto.

Como a tabela demonstra, os símbolos matemáticos podem ser o conceito ocidental mais próximo da noção de ideograma dos japoneses,

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até porque são largamente utilizados e conhecidos em todos os países do chamado “oriente”, o que inclui Japão e China; mas esta noção não se resume só aos números: a matemática, hoje presente em todo o globo, universalizou o “+” como símbolo de adição e o “–” como o representante da subtração em fórmulas matemáticas e no dia a dia. mesmo que suas leituras variem conforme a língua.

por outro lado, Lao Tse escreve, no poema 42:

“o Tao dá origem a umum dá origem a doisdois dá origem a TrêsTrês dá origem a todas as coisasTodas as coisas possuem Yin e contêm Yang Atraindo juntos o Chi em harmoniao que o mundo odeia são a viúva e o órfão desamparados mas os senhores e os governantes nomeiam-se como tais não busque o ganho em perder, nem a perda em ganharo que o povo ensina, depois da discussão, torna-se doutrinaos que excedem em força não prevalecem sobre a morteeu usaria isso como o pai do ensinamento”(CHiA; TAo, 2004, p. 268)

Fig. 6: CHiA; TAo, 2004, p.268

em princípio, interpretando as palavras utilizadas, podemos sugerir que, a partir do Tao, surgiu o grande universo, representado no número um por seu traço (一/ichi/).

este, por sua vez, gerou o Céu e a Terra, vistos no número dois (二/ni/), também representados pelas energias Yin e Yang mencionadas no quinto verso e simbolizadas por .

Tais energias geraram toda a humanidade, considerando que estavam em equilíbrio pleno naquele momento. essa edificação do homem está explícita e representada pelo traço central do número Três (三/san/). Ao realizarmos a união desses três traços (三), geramos o ideograma de rei (王, /ô/).

nossas pesquisas apontam total relação entre essa linha de racio-cínio e a construção do referido ideograma, pois tanto do ponto de vista do Tao quanto em outras culturas, é sabido que a figura de um

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rei não pode simplesmente exercer o papel de senhor soberano de um país; precisa, antes disso, ter a capacidade de se anular como ser humano para agir em prol de seu povo e unir as energias do Céu e da Terra (王), atingindo o estado da serenidade (que segue o esquema Céu – ser Humano – Terra). sem tais capacidades, este rei torna o contrário do que deveria ser.

Fig 7: rei, autoria própria

somente assim, poder-se-á dizer que o ser humano atingiu seu estado máximo de sabedoria e saúde. pois, segundo o próprio Tao, “A principal lei que rege o universo é a da interação dos contrários, da sucessão de ciclos e do eterno retorno” (Tse, p. 32).

A ideia de que algo se transforma no seu oposto quando atinge certos extremos está presente o tempo todo na obra de Lao Tse, pois constantemente existem referências, como “A reversão é o movimento do Tao” (Tse, p. 32).

e, guardadas as devidas proporções, este raciocínio interconectivo feito aqui com os números permeia todo kanji, pois eles são ricos em sugestões práticas, como toda língua aglutinante – caso do japonês.

perante isso, para efeitos de ensino de língua japonesa no Brasil, é possível concluir que os números matemáticos são o mais perto que o ocidental, no uso comum de sua escrita (baseada no alfabeto latino) pode se aproximar do conceito dado a um kanji pelo oriental (que utiliza mais de um alfabeto) – e que, por causa desse contexto que buscamos no Tao, os ideogramas são uma expressão do conceito filosófico de beleza para o povo que utiliza, e partir desta comparação entre con-ceitos de diferentes disciplinas chegarmos a um resultado favorável.

Claro que existe também a possibilidade de se expandir este ideal para níveis maiores, fazendo-se outras comparações e suposições, e assim poderíamos até considerar a existência de outros símbolos con-

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vencionados do nosso dia a dia que teriam faculdades, num contexto similar, senão semelhantes, talvez próximas do kanji em seu uso.

A confirmação disso vem quando notamos a possibilidade de se trocar as palavras “cruzamento de vias” por “intersecção de ruas”, sem perda de sentido da placa: “rua” e “via” não são conceitos exatamente iguais, assim como “um” e “único” nem sempre representam a mesma ideia; comparando possibilidades, percebemos que, na matemática, o símbolo 1, “one”, “um”, não pode ser lido como “only”, “único”, apesar de talvez englobar este conceito.

sendo assim, chegaríamos à avaliação de que existam outros conceitos próximos ao do kanji no léxico ocidental. porém, existirá sempre um determinante excludente para tais aproximações: como no caso das placas de sinalização, por exemplo, que não possuem uma leitura expressa num alfabeto fonético, são indicativos interpretáveis racionalmente como “local onde é proibido estacionar”, “velocidade máxima permitida”, “cruzamento de vias” entre outras situações onde o uso e o contexto (local onde estão afixadas) determinam o signifi-cado imediato (e justamente por isso é que são utilizadas) e a leitura é feita sem o que chamamos, no início do texto, de segundo estágio de assimilação.

de igual maneira, percebemos que alguns kanji, geralmente per-tencentes ao grupo das pictografias, são representações estilizadas de alguns objetos físicos, como nas figuras a seguir:

Fig. 8: seios (roWLeY, 2006, p. 83) Fig. 9: mãe (roWLeY, 2006, p. 83)

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no exemplo do livro acima, existe preocupação em mostrar, nos kanji formados por dois ou mais ideogramas, os radicais de cada um deles, indicando sua composição antes da frase que o interpreta – a parte inferior do kanji da figura 8 contém outro ideograma, 子 /kodo-mo/, criança. percebemos pelas ilustrações que um mesmo elemento (os seios) pode ser, segundo rowley, interpretado de várias maneiras, pois ele diz fornecer “dispositivos mnemônicos na forma de texto e desenhos”.

Considerando que o objetivo básico dos mnemônicos é criar associações (…) Você se depara com cada kanji e cria uma história na sua cabeça que pode ser mentalmente ‘as-sociada’ ao kanji para ajudar a lembrar do significado quan-do encontrá-lo no futuro. (roWLeY, 1992, p. 10).

na primeira ilustração, apenas um dos mamilos foi suficiente para adquirir a significação de “seios” (parte direita do ideograma), enquanto na Figura 9, ambos os mamilos estão presentes, além da figura que faz alusão a uma mulher.

Contudo, segundo nossa linha de pensamento, 母, はは /haha/, mãe, seria interpretada percebendo sua essência, não associando o kanji à figura materna que ele representa.

o símbolo-base da nossa interpretação, o Tai-Chi ( ), serve como base da visão de mundo de um oriental. ele está dividido em duas metades de cores opostas: o Yin é energia feminina, em preto, enquanto o Yang é energia masculina, em branco.

esta bipolaridade simboliza o equilíbrio das forças da natureza, da mente e do físico, pois as duas metades estão integradas em um movimento contínuo de geração mútua. A realidade observada através de nossos olhos flui em constante mutação, segundo a perspectiva da filosofia chinesa tradicional; portanto, tudo que existe contém tanto o princípio Yin quanto o Yang, conceito representado por este símbolo.

desde os primeiros tempos, os dois polos arquetípicos da natureza foram representados não apenas pelo claro e pelo escuro, mas igual-mente pelo masculino e pelo feminino, pelo inflexível e pelo dócil, pelo “acima” e pelo “abaixo”. Todavia, como em outros aspectos filosóficos

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orientais, esses indicativos não podem ser tratados como conceitos denotativos, ou seja, literais – apenas servem como referenciais análo-gos: não incluem qualquer juízo de valor, e não há qualquer hierarquia entre eles. Assim, referir-se a Yang como positivo apenas indica que ele é positivo quando comparado com Yin, que será, então, negativo.

Fig 10: Construção de Kanji, autoria própria

o Yang, o poder criador era associado ao céu e ao sol, enquanto o Yin corresponde à Terra e à Lua. mas cada um deles tem um pouco do outro – há uma esfera negra na metade branca, e vice-versa – sugerindo que a falta de equilíbrio pode transformar um em outro, assim como, sem o sol, a Lua não teria aquele brilho majestoso e, sem ela, não per-ceberíamos que o sol ainda está lá, iluminando a outra metade da Terra.

esta nossa interpretação se baseia no fato de que

dentre todas as noções chinesas, a ideia de Tao é, não a mais obscura, decerto, mas aquela cuja história é mais difícil de estabelecer, (...) o costume de chamar de Taoístas (...) os de-fensores de uma doutrina considerada muito definida expõe ao risco de levar a crer que a noção de Tao pertence a uma determinada escola [pois] (...) As mais antigas exposições co-nhecidas sobre o yin e yang estão contidas no Hi zi, pequeno tratado anexado ao i Ching (grAneT, 1997, p. 190).

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este pensamento permeia toda a cultura japonesa que, apesar de altamente híbrida, tem seus pilares básicos oriundos do budismo e do confucionismo chinês transportados para o Japão Antigo.

não se pode esquecer, contudo, que tais pilares estão fortemente impregnados pelo Tao, sobre cuja base se construiu inicialmente todo o edifício cultural chinês e, posteriormente, o japonês. isto contribuiu para a formação de uma mentalidade nipônica com valores como 孝, /kô/, a devoção filial; 忠, /chû/ a lealdade ao imperador; 義, /gi/, senso de justiça, já citados anteriormente, e o ideograma母 /haha/ que, segundo a filosofia taoísta, expressa a existência das duas mães que temos: a que nos dá a vida, nossa figura materna, e nossa energia vital, vinda do universo, sem a qual não sobreviveríamos.

4. ConCLusÃo

esta nossa teoria não está ligada a desenhos associativos como os de rowley, e é mais pertinente em uma interpretação acadêmica e no ensino em sala de aula, pois leva em consideração toda a filosofia presente na concepção do ideograma (pois, como dito no início desse texto, é con-traproducente aprender a língua sem entender a cultura de um povo).

segundo saussure, esta é uma relação que beira a dicotomia, porque “dois elementos opostos entre si [a energia, em forma de vida, dada pela mãe ao feto durante a gestação, e a energia do universo que cerca esse feto desde sua concepção] estabelecem uma relação de interdependência e se completam” (sAussure, 1969, p. 47).

Ao estudar tais apontamentos, temos como objetivo chegar a um raciocínio tanto para a identificação quanto à análise dessas influências que permeiam a concepção e utilização dos kanji na escrita japonesa, buscando uma nova maneira de explicar o ideograma que venha, num cenário composto por outras leituras, contribuir para uma análise mais aprofundada de todos os conceitos que englobam a criação da escrita chinesa e, por conseguinte, a japonesa.

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Capítulo 7

repensAndo o ensino de FonoLogiA num Curso de FormAÇÃo de proFessores de LínguA JAponesA

Alice Tamie Joko(universidade de Brasília)

“[...] um professor que sai de um Curso de Letras tem que ser, antes de tudo, um linguista.”Cagliari (2006)

RESUMO: o tema deste trabalho é o ensino de fonologia em um curso de formação de professores de japonês como Língua estrangeira – Le. Busca-se aqui trazer para discussão um dos pontos nodais pouco dis-cutidos na academia e argumentar em favor de um ensino sistemático dessa disciplina desde o nível inicial de aprendizagem. defendo ainda que esse ensino deva transpor a dicotomia segmental/suprassegmental e abarcar ambos os traços em favor da fluência e precisão na comu-nicação oral. Antes, porém, de entrar nas questões de fonologia, faço um traçado geral sobre a mudança de paradigma ocorrido no ensino de línguas estrangeiras com a globalização. mostro ainda que o ensino/aprendizagem só será possível, de um lado, com o professor instruindo de forma explícita e bem focada o conteúdo bem planejado e contextua-lizado e, de outro, o aluno responsável pela própria aprendizagem, com autocontrole fonético crítico para pronunciar de maneira satisfatória os sons da língua que aprende. Baseada em pesquisas anteriores e no conhecimento empírico, apresento alguns temas tanto de segmentos, como o fenômeno de desvozeamento de certas vogais, quanto de pro-sódicos, como o ritmo e a entoação. são alguns dos temas que reputo imprescindíveis para constar no conteúdo programático de ensino de fonologia do japonês, para alunos que tenham o português do Brasil – pB como língua materna. os exemplos dados pretendem ser práticos e

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aplicáveis no cotidiano de uma sala de aula. o trabalho é também uma tentativa de despertar a curiosidade e suscitar o interesse dos alunos para a pesquisa nesta área tão carente de estudos.

PALAVRAS-CHAVE: pronúncia do japonês; Fonologia do japonês; ensino de pronúncia em Le; Conteúdo de Fonologia no curso de licenciatura em Letras-Japonês.

ABSTRACT: The theme of this work is the instruction of phonology in undergraduate-level courses for teachers of Japanese as a foreign language (JAFL). We seek to bring one of nodal points discussed in academia to the table, and argue for a systematic instruction in this discipline from the first levels of learning. We also argue that instruc-tion should incorporate the segmental-suprassegmental dichotomy, encompassing both traits in favor of accuracy and fluency in oral com-munication. But before entering in matters of phonology, we trace the general paradigm shift which has occurred in foreign language instruc-tion arising from globalization. We also show that learning is possible only while, on the one hand, the teacher provides explicit, well-focused, and contextually well-planned content, and on the other, the student assumes responsibility for their own learning in a self-critical manner, to pronounce satisfactorily the sounds of language being learned. Based on previous research and empirical knowledge, some themes of both the segments are presented, such as the phenomenon of devoicing of certain vowels, rhythm, and intonation. These are some of the issues that we consider essential to the curriculum for teaching Japanese phonology to students whose mother tongue is Brazilian portuguese. The examples given are intended to be practical and applicable in daily life in a classroom. The work is also an attempt to arouse curiosity and excite the interest of students for research in this area very much in need of further study.

KEYWORDS: Japanese pronunciation; Japanese phonology; Teaching pronunciation in Le; Contents of phonology in undergraduate-level courses for teachers of Japanese.

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1. inTroduÇÃo

o ensino de línguas estrangeiras é um campo dinâmico no qual novos espaços e perspectivas estão em desenvolvimento. os novos conhecimentos resultantes da pesquisa sobre a língua em si, a comu-nicação e outros tópicos afins alimentam a teoria de ensino e apren-dizagem e refletem na prática da sala de aula de língua estrangeira.

Quais são, então, os temas atuais de ensino de língua estrangeira que um professor deve incorporar a sua práxis? este trabalho é uma tentativa de responder a esta pergunta no que se refere ao ensino da pronúnica, no ambiente específico de curso de formação de professores de língua japonesa.

na primeira parte do meu texto, apresento as questões gerais que envolvem o ensino de língua estrangeira em um curso de formação de professores. na segunda parte, destaco os temas de fonologia que julgo relevantes para o ensino de língua japonesa. parto de questões que envolvem os segmentos: vogais, semivogais e consoantes. em seguida, descrevo os traços suprassegmentais que exigem a cognição na sua aprendizagem. mora, ritmo, acento, entoação e foco receberam destaque. Assim, o tratamento dado ao tema deste artigo abrangerá tanto aspectos microestruturais, como fonemas e sílabas, quanto macroestruturais, como entoação e foco, que são componentes fono-lógicos importantes a nível do discurso.

no ensino de japonês como Le, há certamente outros assuntos ligados à fonologia que merecem destaque, mas, em virtude do caráter sucinto deste texto, fiz esse recorte, o qual apresenta uma amostragem de temas que nos convidam para estudos futuros que possam contribuir para um ensino/aprendizagem eficaz de japonês no Brasil.

2. A CompeTênCiA de ensinAr LínguA esTrAngeirA

A grande mudança de paradigma no ensino de línguas estrangeiras ocorreu, sem dúvida, com a valorização do método comunicativo, resul-tante da preocupação crescente em relação à eficiência de métodos de ensino excessivamente prescritivos praticados até então. esses métodos tradicionais revelaram-se inadequados por não atenderem as novas demandas geradas por um público-alvo cada vez mais heterogêneo

Novo
Realce
Novo
Nota
pronúncia
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por força da globalização social. para um ensino eficiente, tornou-se necessário traçar planos e metas que levassem em consideração essas diferentes demandas por parte do público a ser atingido. nesse per-curso, surge a abordagem interativista, que coloca a sala de aula e o aluno em evidência no processo de ensino/aprendizagem da Le, até então centrado na figura do professor.

dentro de tal contexto múltiplo de ensino, torna-se necessário fazer reflexão sobre as habilidades que um professor de língua estran-geira precisa para atuar profissionalmente. A formação de professores de língua estrangeira no atual cenário exige um ensino integrado das múltiplas habilidades envolvidas no uso da língua: ouvir, falar, ler e escrever.

A complexidade do aprender a falar em outra língua é refletida em um grande número de subcomponentes inerentes à produção oral. em qualquer conversa, o sujeito participante depende não só de sua habilidade de falar mas também de compreender o que está sendo dito pelo outro. Assim, para ser bem sucedido, além do domínio de elemen-tos morfossintáticos, lexicais e pragmáticos, o sujeito deve também dominar o sistema sonoro e a prosódia da língua em que se expressa.

o sucesso de uma interação oral depende muitas vezes da quali-dade de produção do falante, que envolve a fluência e precisão. para mcCarthy & o’Keeffe (2004), em termos metodológicos, a aprendizagem indutiva é mais apropriada que a técnica de apresentação – prática – produção, abordagem adotada em livros de orientação estruturalista. pesquisas recentes reconhecem o papel da cognição na aprendizagem de línguas estrangeiras no que diz respeito tanto à precisão quanto à fluência na produção oral. sem a instrução dada de forma explícita e focada, além da ampla exposição à língua-alvo, o aluno não apresentará o desenvolvimento necessário para a produção oral, o que inclui as estratégias de comunicação significativa utilizadas pelo falante nativo em situações de uso real.

nesse sentido, em sala de aula, o papel do professor é essencial para a aprendizagem da pronúncia de uma segunda língua. o aluno também deve participar ativamente de seu aprendizado e ser respon-sável na aquisição de uma boa pronúncia e, para tanto, Cagliari (1978) acredita ser fundamental que, antes de se expressar oralmente, o aluno seja exposto a um treinamento para que possa falar de forma correta e tenha consciência do que diz e de como diz. ou seja, o aluno precisa

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de autocontrole fonético crítico para pronunciar de maneira satisfatória os sons da língua que aprende. Tal consciência crítica no aprendizado da pronúncia é indispensável, uma vez que a tendência natural é que o aluno transporte os hábitos linguísticos adquiridos no uso de sua língua materna para a aprendizagem de outra língua. A consciência ativa dos alunos, em termos de pronúncia, é adquirida por meio da construção de uma consciência fonética dos mecanismos da fala e da audição, bem como pelo conhecimento prático dos sons da língua e de seu valor fonológico. em última análise, é importante que o aluno saiba das realidades fonéticas e fonológicas da língua que pretende aprender e, futuramente, ensinar (no caso específico dos cursos de formação de professores de língua estrangeira, assunto deste texto).

os estudos da década de 1990 levaram os pesquisadores a concluí-rem que a exposição a uma língua estrangeira e sua prática oral permitia que os alunos alcançassem a fluência nessa língua. no entanto, estudos porteriores demonstraram que, na prática, esse desenvolvimento da fluência não era acompanhado por exatidão sintática e lexical na pro-dução oral (sWAin, 1991). esse e muitos outros estudos demonstraram que, apesar de poderem falar fluentemente e com facilidade, os alunos expostos a essa metodologia produziam um discurso com inúmeros erros gramaticais, lexicais e pragmáticos.

essa conclusão levou a várias modificações metodológicas no ensino de Le, voltadas às tentativas de integração entre fluência e precisão, especialmente no âmbito das abordagens comunicativas centradas em tarefas (FoTos, 2002). de acordo com ellis (2003), a tarefa cuidadosamente planejada pode fomentar o desenvolvimento de diversos aspectos da produção oral em Le. uma das vantagens do uso de tarefas no ensino da produção oral é o fato de o ensaio (ou repetição de tarefas) dar aos alunos oportunidades para acomodar as demandas cognitivas de precisão, fluência e complexidade linguística. o planejamento antecipado e os ensaios de conteúdo e formulação, isto é, o que dizer e como dizê-lo, levam a melhorias substanciais na quantidade de fala e na precisão gramatical, lexical e articulatória.

A nova concepção da linguagem, focada na interação interpessoal, levou também à mudança de perspectivas sobre o ensino da pronúncia. A meta, que antes era chegar à pronúncia mais próxima possível de um falante nativo, passou a ser a inteligibilidade, isto é, o grau em que o ouvinte compreende a enunciação. de acordo com essa perspectiva, o

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ensino da pronúncia tem o objetivo de ajudar os alunos a alcançar essa inteligibilidade, em vez de tentar uma modificação drástica de seu há-bito articulatório com a finalidade de levar os alunos a se adaptarem à pronúncia da língua que querem aprender (mCKAY, 2002). para esse fim, o ensino se direciona às questões de clareza dos segmentos (por exem-plo, a articulação de sons específicos), acento e prosódia, entre outros.

A abordagem centrada na interação, para o ensino da pronúncia, é geralmente fundamentada em três princípios: (a) ensino da pronúncia e entoação em situações contextualizadas e em conjunto com habilida-des oral; (b) ênfase do ensino da pronúncia com fins comunicativos; e (c) ensino de pronúncia e entoação com base em modelos reais e não em modelos de linguagem com falas idealizadas (CHun, 2002). Como conclusão, pode-se afirmar que o professor de Le deve adquirir, durante a sua primeira formação e durante sua formação continuada, não só conhecimentos, mas também competência e desempenho relativos aos padrões de fala considerados inteligíveis para falantes dessa língua. isso envolve o trabalho com características acústicas e articulatórias, a capacidade de avaliação e análise da produção oral dos alunos, bem como a realização de intervenções adequadas às necessidades de cada aluno, quando necessárias.

3. reCorTe de ALguns TemAs de FonoLogiA no ensino de JAponês Como Le

3.1. VogAis, semiVogAis e ConsoAnTes

Além da dificuldade proveniente da diferença articulatória, a di-ficuldade resultante da diferença fonológica merece atenção especial.

3.1.1 desVozeAmenTo de VogAis o desvozeamento, fenômeno também conhecido como ensurdeci-

mento, consiste na perda da sonoridade ou da vibração laríngea (pregas vocais) do som, no ato da emissão. em japonês, isso pode ocorrer com as vogais, e essa alternância é sincrônica, ou seja, o fenômeno ocorre em função de variações combinatórias.

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As regras de desvozeamento das vogais em japonês são as seguintes:

a) As vogais /i/ e /u/ perdem a sonoridade quando se encontram entre as consoantes surdas /k,s,t,h,p/. Quando a sílaba que contém essas vogais for tônica, pode não ocorrer esse fenômeno. Há uma questão de variação geográfica envolvida, pois em algumas regiões do Japão pode não ocorrer o desvozeamento, típico da variante dialetal de Tóquio, em virtude de diferenças referentes à tonicidade silábica. É o caso da palavra tsuki (lua), que é desvozeada em Tóquio mas não em osaka. isso reforça a teoria de que o ambiente mais propício para a ocorrência desse fenômeno é aquele de sílaba átona, como nos exemplos abaixo:

kuchi [kti]boca; fukai [kai]fundo; hito[çi˳to] pessoa.

em outras palavras, pode-se dizer que as vogais das sílabas átonas ki, ku, shi, su, chi, tsu, hi, fu, pi, pu, kyu, shu, chu, hyu e pyu ensurdecem quando seguidas de sílabas de ka gyô1, sa gyô, ta gyô, ha gyô e pa gyô.

b) A vogal u []2 dos morfemas finais da sentença desu [des] e masu [mas] desvozeia, como nos exemplos:

arimasu [arimas], existe; tsukuedesu [ʦɯkɯedesɯ̥], É mesa.

3.1.2 VogAis LongAs Como TrAÇo disTinTiVo

em japonês, todas as vogais podem ser breves ou longas. A trans-crição fonética adotada neste texto é vogal seguida de [ː]. A regra para a transcrição fonológica é repetição da vogal em questão ou uso do arquifonema, que pode ser /r/ ou, às vezes, /H/, sendo este último,

1 Gyô é nome dado a cada coluna do silabário japonês, disposta na ordem das vogais /a,i,u,e,o/ ou uma consoante ou semivogal seguida dessas vogais. o nome de cada gyô é dado pela sílaba com a vogal /a/.

2 o uso do símbolo fonético [ɯ] é mais uma convenção do que a descrição real, uma vez que /u/ pode ser levemente labializado. usa-se esse símbolo para mostrar que é menos labializado que o /u/ do inglês ou do português, por exemplo.

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menos usado. os pares mínimos apresentados a seguir são ilustrativos da importância de se pronunciar e ouvir corretamente a diferença entre as vogais breves e longas:

obasan [obasan], tia vs. obaasan [oba:san], avó; ojisan [o ʤ isan], tio vs. ojiisan [o ʤi:san], avô; kuki [kki], haste vs. kuuki [k:ki], ar;kote [kote], espátula, vs. kootee [ko:te:], processo; koto [koto] fato, vs. kootoo [ko:to:], oral.

do ponto de vista diacrônico, todas as vogais longas do japonês

resultam do processo de assimilação, uma vez que o japonês era língua cuja estrutura silábica coincidia com a unidade de duração (mora), mas a vogal longa é contada como duas moras. entretanto, esse processo fonológico3 de assimilação não ocorre aleatoriamente, mas é motiva-do, ou seja, há contextos que propiciam a ocorrência do fenômeno. isso explica a ocorrência ou não da assimilação em uma sequência de vogais, como no caso da vogal /o/ seguida de /u/ e da vogal /e/ seguida de /i/, o que pode ou não resultar, respectivamente, nas vogais longas [oː] e [eː]. o fator que determina as diferentes realizações é de ordem morfológica ou lexical, o que implica dizer que o professor precisa estar atento à pronúncia dos alunos, uma vez que a informação sobre essa diferença deverá ser assimilada cognitivamente. exemplos:

e + i : sensei [senseː] professor. neste caso, “see” é um morfema, de origem chinesa (kango4)ei [ei] raia; hei [hei] muro; mei [mei] sobrinha. esses itens lexicais, cujas vogais não sofreram a assimilação, são ge-nuinamente japoneses (wago5) kaseide [kaseide] ganhar dinheiro com o trabalho; maneite [maneite] convidando; tokimeite [tokimeite] palpitando. Tanto o radical do verbo quanto o conector “te” são wago e distintos morfologicamente.

os exemplos a seguir, demonstram bem como a interpretação

fonológica depende de fatores lexicais e morfológicos:

3 modificações sofridas pelos segmentos em diversas circunstâncias. 4 Vocábulos de origem chinesa assimilados pelos japoneses.5 Vocábulos genuinamente japoneses.

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QuAdro 1:exempLo de diFerenTes reALizAÇões dA seQuênCiA

de VogAis

transcrição pronúncia traduçãoou [oː ] único morfema (kango) reiou [oɯ] verbo (wago) perseguiroou [oːɯ] dois morfemas: oo +u topônimooou [oːɯ] verbo (wago) cobriroou [ooː] radical do verbo +auxiliar ‘- u’ hei de perseguir

3.1.3 seQuênCiA de VogAis

em uma sequência de duas vogais ou mais em um vocábulo em japonês, não há ditongação nem a realização como tritongo. enquanto um ditongo é uma sílaba cuja vogal muda de timbre no curso de sua emissão, cada vogal em japonês constitui uma sílaba com a duração de uma mora, ou seja, o hiato não é desfeito:

kaisha [kaiʃa], empresa. A palavra possui três sílabas ka – i – sha, cada uma com a duração de uma mora. aoi [aoi], azul é também uma palavra de três sílabas e três moras.

3.1.4 ConsoAnTes geminAdAs

Também denominadas consoantes duplas, as consoantes gemina-das são, na verdade, consoantes longas, porque não ocorre a repetição da consoante em questão. A diferença está na duração no momento da realização. em japonês, as diferenças de duração consonântica ocorrem com as oclusivas surdas e a fricativa /s/ e têm valor fonológico, isto é, resultam na diferenciação entre morfemas e palavras. Com as oclusivas, o que ocorre é a manutenção do fechamento do canal vocal em certos limites. Já com a fricativa, a duração do sopro ou a expiração do ar é mais longa do que ocorre com a correspondente breve. o alongamento pode ocorrer também com algumas outras consoantes surdas ou sonoras, em palavras de origem estrangeira, como no caso de beddo, cama; handoba-

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ggu, bolsa feminina; guzzu, do inglês goods, mercadoria, produto; bajji, do inglês badge, crachá; Bahha, Bach, nome próprio e mahha, do alemão mach, uma unidade de medida de velocidade.

A transcrição fonética pode ser feita com a repetição da consoante, e a fonológica é representada pelo arquifonema /Q/:

saka [saka], ladeira, vs. sakka [sakka], escritor; kata [kata], ombro, vs. katta [katta], comprou ; supai [sɯpai], espião, vs. suppai [sɯppai],azedo; hasan [hasan], falência, vs. hassan [hassan], emissão.

na orientação, o professor deve ter o cuidado de explicar a di-

ferença entre a consoante geminada e a vogal desvozeada, como no exemplo a seguir:

nettai [nettai], trópico, vs. nekutai [nekɯ̥tai], gravata A primeira palavra tem três sílabas (net-ta-i) e quatro moras (ne-

t-ta-i), ao passo que a segunda tem quatro sílabas (ne-ku-ta-i) e igual número de moras.

3.1.5 As nAsAis ConsTiTuinTes de umA síLABA FeCHAdA

em japonês, há sons nasais no início da sílaba, com traços distin-tivos ente si: /m/ [m], /n/ [n] e [ɲ]:

hama [hama], praia; hana [hana], flor; han’nha [haɲɲa], do sânscrito Prajñā, sabedoria.

essas diferenças, porém, são neutralizadas no final de uma sí-

laba, constituindo o que é representado pelo arquifonema /n/. suas realizações são, exceto no final da palavra, marcadas por assimilação regressiva, ou seja, por influência do som seguinte: [m] diante de m, p e b, [ɲ] diante de nh [ɲ ], [ŋ] diante de k e g, e [n] diante de demais consoantes. no final da palavra, a realização é [ɴ]. o que é importante para sua produção é a duração, que equivale a uma mora. portanto, as sílabas fechadas com a nasal são contadas com a duração de duas moras:

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ashi [aʃi], pé, vs. anshin [anʃiɴ], tranquilidade; ama [ama], religiosa budista vs. anma [amma], massagista; ika [ika], lula, vs. Inka [iŋka], inca;koya [ koja], barraco, vs. kon’ya [koɲja], esta noite.

A nasal final da sílaba passou a constituir uma mora ainda no pe-

ríodo Heian, razão pela qual figura-se no quadro Gojûonzu6, após todas as demais letras (vogais ou sílabas formadas por consoante + vogal) serem encaixadas em colunas dan e gyô.

note-se que, na variante oral de Tóquio, um nasal silábico pode aparecer no início das palavras como no caso de uma, cavalo e ume, ameixa, nas realizações [mma] e [mme]. mesmo nesses casos, a con-tagem é de duas moras.

muitas palavras também sofrem mudanças eufônicas com a inclu-são de /n/ ou com a substituição de uma sílaba por /n/:

mina → min’na [minna] todos; amari → anmari [ammari], demais;onaji → on’naji [onnaʤi], igual.

A mudança pode ocorrer também pela substituição de uma sílaba

por um som nasal, fenômeno encontrado principalmente com as sílabas de ragyô. na substituição citada, a mora permanece, mas o número de sílabas é alterado:

tsumaranai → tsuman’nai [ʦɯmannai], tedioso. Alteração de cinco para quatro sílabas, porém as moras não sofrem a alteração: tsu-ma-ra-na-i (5) e tsu-ma-n-na-i (5).yamerarenai → yameran’nai [jamerannai], impossível parar de fazer. redução de seis para cinco sílabas (ya-me-ra-re-na-i e ya-me-ran-na-i), porém mantém o número de mo-ras: ya-me-ra-re-na-i (6) e ya-me-ra-n-na-i (6).

A nasal moraica também pode ser resultante de desvocalização de uma sílaba iniciada com a consoante nasal:

kono → kon, este mono → mon, coisa

6 Quadro de sílabas kana dispostas na ordem predeterminada em colunas verticais e horizontais.

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3.1.6 As semiVogAis

na fonologia do português, os fonemas /y/[j], também denomi-nado iode, e/w/[ɰ] denominado vau, não constituem base de sílaba. Como não ocupam a posição de núcleo da sílaba, associam-se a uma vogal para formarem uma sílaba. Quando se trata de iode ou consoante aproximaste palatal, o fonema pode ser representado pela letra i (pai [paj]), e (mãe [mãj]), m (amém [amɛj]) e n (hífen [ife͂j]). por sua vez, o vau ou o aproximante labiovelar pode ser representado pelas letras u, o, l e m (ex. pau [paɰ], pão [pãɰ], sinal [sinaɰ] e somam [somãɰ]. Como ocorrem somente nos ditongos e tritongos, os alunos podem transferir essa regra fonológica ao pronunciar as semivogais do japonês. isso traz problemas porque, em japonês, as duas semivogais existem como fonemas, entendidos aqui como unidade menor do sistema fonológico de uma língua com qualquer dos traços distintivos de um som da fala, capaz de diferençar uma palavra de outra. seguidos de vogais breves (para a aproximante palatal — a, u e o — e para a labiovelar, somente a vogal a, quando não for estrangeirismo), constituem uma mora. essa diferença deve ser assimilada reflexivamente pelos alunos, para se evitar que produzam seguimentos como io em yoru [joru], noite, ou uwa em watashi [ɰataʃi] eu, porque, do contrário, os japoneses entenderão o que foi dito como uma sequência de duas moras, o que pode prejudicar a compreensão.

3.1.7 seQuênCiA de ConsoAnTe, semiVogAL e VogAL

o empréstimo lexical do chinês na língua japonesa (kango) causou mudanças na estrutura silábica original do japonês, até então consti-tuída somente de uma vogal ou uma consoante seguida de uma vogal. Foram introduzidas sílabas fechadas com a final nasal ou com a conso-ante geminada. Foi introduzida também a estrutura silábica consoante + semivogal + vogal, que se consolidou no sistema fonológico do japonês no período muromachi7. posteriormente, as sílabas com a se-mivogal /w/ passaram a ser assimiladas pela vogal seguinte, que sempre era a vogal /a/, e a representação gráfica dessa semivogal foi retirada da lista na reforma ortográfica de 1946. Atualmente, pode-se notar a

7 período entre 1338 a 1573.

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presença da semivogal /w/ após a consoante nas palavras estrangeiras introduzidas no japonês a partir do século xix.

Como foi visto acima no 3.1.6, a não existência de fonemas /y/ e /w/ na língua materna dos alunos de japonês faz com que a duração da consoante seguida de aproximante palatal seja um pouco mais longa que a dos demais segmentos, realização que pode ser interpretada, por falantes nativos de japonês, como consoante + vogal + semivogal seguida de vogal. pode, ainda, novamente, ser interpretada como uma sequência de duas moras, o que levaria à neutralização, por exemplo, da diferença entre riyô [ɾijō], aproveitamento, e ryô [ɾjō], alojamento. A primeira palavra apresenta duas sílabas e três moras, e a segunda, uma sílaba e duas moras.

3.2 TrAÇos prosódiCos

pelo nosso conhecimento empírico, sabemos que o domínio dos segmentos não é suficiente para um bom desempenho na interação. para sermos compreendidos, temos que recorrer à prosódia. Cagliari (1992) afirma que os elementos prosódicos podem exercer, no discurso, pelo menos onze funções linguísticas distintas:

1) fonológica (fonêmica);2) fonológica (geradora de processos4);3) morfológica (lexicalização5);4) sintática (categorias e funções);5) discursiva (coesiva);6) dialógica (turnos conversacionais);7) semântica (conotações, subentendidos);8) pragmática (atitudes do falante);9) identificação do falante ou da língua;10) reestruturação da produção da fala;11) fonética (fatos físicos).

o ser humano busca a interação por meio de atos de fala. As

emoções, sentimentos e intenções são revelados pela prosódia ou por traços suprassegmentais que coexistem com os traços segmentais, em um nível diferenciado. Alguns desses traços, como o acento e a

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entoação, serão tratados aqui em mais detalhe. outros, como o foco e a pausa, serão apenas mencionados brevemente.

3.2.1 o riTmo

neste segmento, faço uma breve descrição da organização rítmica do japonês, com atenção especial à organização moraica (ou mórica) na definição do ritmo nessa língua.

o ritmo, na Linguística, segundo massini-Cagliari (1992, p. 11) é relacionado à maneira “como as manifestações linguísticas dos seres humanos são organizadas no tempo ao serem pronunciadas”, ou seja, vai além de mera repetição de padrões, de acentos ou durações, “mas abrange a noção de expectativa de uma eventual repetição de algum parâmetro no tempo”. em termos de tipologia rítmica, o português do Brasil é considerado uma língua de ritmo misto, ou seja, ritmo acentual e silábico. o japonês, por sua vez, é frequentemente definido como língua de base moraica (mora-timed language).

entretanto, ao se observar a fala dos japoneses, percebe-se que o que determina o ritmo não é a repetição em tempo regular de cada mora, senão vejamos: as moras são agrupadas de acordo com certas regras: a) se um segmento é constituído de duas moras, forma-se uma única unidade de ritmo; b) se o segmento for de três moras, serão duas unidades, de duas mais uma, desde que a sequência seja de sílabas abertas ou se a primeira sílaba for fechada. se a sílaba fechada for segunda, o ritmo será de uma mora primeiro e seguida de sequência de duas moras; e c) no caso de cinco moras, o ritmo será de duas unidades de duas moras cada e uma terceira de uma mora, mas essa combinação só vai ocorrer nessa sequência se as sílabas forem todas abertas. ou seja, quando há uma sílaba fechada, essa formará uma só sequência com a mora anterior, alterando assim a combinação 2-2-1.

Vejamos, então, como são formados esses grupos rítmicos. os exemplos a seguir não se limitam a itens lexicais isolados pois repre-sentam uma unidade sintática:

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QuAdro 2: exempLos de FormAÇÃo de grupos ríTmiCos

Ôsutoraria [oːsutoɾaɾia] ô - suto – rari - a (2-2-2-1) Austráliakon’nichiwa [koɲɲiʧiɰa] kon – nichi – wa ( 2-2-1) boa tardeHajimemashite [haʤimemaʃite] haji – me – mashi –te (2-1-2-1) prazer em co-

nhecershôgakkôniwa [ʃoːgakkoːɲiɰa] shô – gak – kô – niwa (2-2-2-2) na escola pri-

máriakôn [koːɴ] kôn (3) milhoYametaindesu [jametaindesɯ̥] yame – tain – desu (2-3-2) quero desistir

o que se pode notar no caso de hajimemashite é a existência de um

alinhamento da fonologia com a morfologia, tendo em vista que, em ter-mos lexicais, tem-se a unidade lexical hajime seguida de outra, mashite, o que resulta no isolamento da sílaba/mora me, que não se associa à sílaba/mora ma seguinte, o que teria gerado a unidade rítmica haji-mema-shite. em relação à formação de unidade rítmica, as sílabas travadas e as vogais longas agrupam-se em uma só unidade, conforme os exemplos acima. A única unidade rítmica composta de três moras é a sílaba fechada com nasal, quando precedida de uma vogal ou consoante e vogal longa.

uma vez compreendida a configuração da unidade rítmica ou pé (foot) do japonês, é possível perceber que ela se aplica também à for-mação de palavras abreviadas usadas pelos japoneses ou à formação de unidades de dias de semana, entre outras, como demonstrado a seguir.

a) abreviações• Pokketo monsutâ, pokemón → pokemon (2-2);• Gêmu sentâ, casa de fliperama → gêsen (2-2);• Rimôto kontorôru, controle remoto → rimokon (2-2 e não rimôkon,

que resultaria em 1-2-2);• Pâsonaru kompyuutâ, pC → pasokon (2-2 e não pâsokon, que resultaria

em 2-1-2);• Mêru adoresu, endereço eletrônico → meruado/meado (2-2/1-2).

Quando a mora coincide com a consoante dupla ou a vogal longa, a tendência é a sua supressão, o que torna breve a sílaba, agora com a consoante ou a vogal simples.

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b) dias de semanaGetsu – kâ – sui – moku – kin – dô – nichi

nota-se que uma vogal foi acrescentada às sílabas “ka” e “do” para que tivessem o mesmo ritmo dos demais dias da semana. no caso de “do”, o alongamento só não aparece na combinação donichi, sábado e domingo, talvez por ser esta já considerada uma palavra composta com o significado único de “fim de semana”.

c) números paresnii – shii – roku – hachi – jû

As palavras “ni”, dois e “shi”, quatro, não têm alongamento quando pronunciados separadamente. Aqui foram alongados para dar unifor-midade ao ritmo.

d) números de telefone, contas corrente etc.03-3213-1578 (zero- san-no- san- nii- ichi- san-no- ichi- gô –nana- hachi)

nesse caso, todos os números foram ajustados para que conti-

vessem duas moras, a exemplo de ni e go, que, originalmente, são constituídos de uma mora.

3.2.2 o ACenTo

uma grande diferença que existe entre a Lm dos nossos alunos e

a língua japonesa em relação à pronúncia é, certamente, o acento. em português, o acento cai em uma sílaba. Já em japonês, a unidade de acento é a mora. o português é língua intensiva, pois possui o acento de intensidade, enquanto, em japonês, é a altura que cria um contraste na emissão das moras.

Toda (2010) relata que, em uma experiência de pronúncia feita com alunos estrangeiros de nível avançado, os avaliadores aponta-ram o uso de acento de intensidade e a unidade de acentuação na sílaba como motivos da falta de “naturalidade” de certo informante,

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inclusive com o comentário “sente-se interferência que parece ser de português”. Toda comenta ainda que os desvios, no nível de fo-nema, diminuem com o avanço nos estudos da Le, mas os problemas relacionados com a prosódia são observados mesmo no nível avan-çado. A autora levanta ainda a possibilidade de um aluno de nível avançado, que não tenha o conhecimento apropriado das regras de acentuação, receber do falante de LJ uma avaliação, no que se refere à sua pronúncia, mais negativa do que alunos do nível iniciante que tiveram orientação prévia sobre essas regras e, portanto, consciência ativa sobre o assunto.

A seguir, passo a arrolar o que julgo ser o conteúdo mínimo relativo ao acento no contexto da programação de uma disciplina acerca da fonética e fonologia do japonês, em um curso de formação de professores. os exemplos citados nesta seção foram extraídos de Kubozono (2010).

A função básica do acento é culminativa, mas ele ainda possui duas funções suplementares, que são a demarcativa e a distintiva.

para a função distintiva, Kubozono (2010) dá os exemplos a seguir:

a) わたしの 好きな食べ物は「かれー」です。(カレー)Watashi no suki na tabemono wa karee desu.A comida que eu gosto é “karê”.b)わたしの 好きな食べ物は「かれー」です。(カレイ:鰈)Watashi no suki na tabemono wa karee desu.A comida que eu gosto é karee (pleuronectidae, nome de um pescado).

para a função demarcativa, o mesmo autor dá os seguintes

exemplos:

a) それはわたしが もうしました。(もう、しました) b a b a a b a b

Sorewa watashiga mooshimashita.isso eu já fiz.

b) それはわたしが もうしました。(申しました)b a b a a b a b

Sorewa watashiga mooshimashita.isso fui eu que disse.

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reFlexões e exPeriências de ensino e aPrendizageM

em japonês, há muitas palavras lexicais homófonas, que apresen-tam, inclusive, a mesma acentuação. isso ocorre, principalmente, com palavras sino-japonesas (kango). nesse caso, a distinção do significado depende do contexto da enunciação. por essa razão, pode-se dizer que a função mais importante do acento em japonês é a demarcativa. isso é percebido quando o tom (pitch), que caiu uma vez, sobe novamente. Como, em uma palavra, o tom sobe apenas uma vez, se há duas subidas em um só segmento, a segunda deve ser interpretada como início de uma nova palavra.

Aqui, deve-se chamar a atenção para a diferença entre palavra lexical ou morfológica e palavra fonológica. A primeira é identi-ficada por sua classe morfológica como substantivo, verbo etc. A segunda se identifica pela presença do acento. palavras como Burajiria, Brasília, e daigaku, universidade, enquanto palavras lexi-cais, possuem, cada uma, o seu próprio núcleo tonal8. entretanto, quando se quer dizer Burajiria Daigaku, universidade de Brasília, tem-se uma palavra fonológica com acentuação própria. segue-se a regra segundo a qual cada palavra, nesse caso fonológica, contém apenas uma subida de tom. o conhecimento dessa regra ajuda não só na enunciação, mas também na compreensão auditiva, uma vez que, em palavras fonológicas assim formadas, a função do acento é unicamente demarcativa.

no japonês padrão, entendido aqui não como a variante de Tóquio, mas aquele considerado língua comum (kyôtsûgo)9, tem-se a seguinte regra de acentuação:

a) se a primeira mora é alta, a partir da segunda, o tom vai per-manecer baixo, já que a queda de tom ocorre uma única vez dentro de uma palavra. deve-se tomar cuidado com as vogais longas na sílaba inicial, porque há alteração do tom durante a sua emissão, uma vez que o acento incide sobre a mora. esse tipo de acento leva o nome de atamadaka, cabeça alta ou mora inicial tônica. esque-matizando, tem-se: A B, ABB, ABBB, ABBBB etc., sendo A tom alto e B, tom baixo.

8 A última mora tônica dentro de uma palavra. A mora imediatamente seguinte é átona.9 kyôtsûgo: língua comum, unidade linguística ideal.

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b) se a primeira mora é baixa, necessariamente ocorre elevação do tom na segunda. nesse caso, a altura pode permanecer até o fim, o que é mais comum, ou pode cair a qualquer momento. Quando o acento perma-nece até o final, a sequência é percebida como não acentuada e recebe o nome de heibangata, tipo plano ou átono. entretanto, se o tom sofre queda dentro da palavra, o nome dado é nakadaka, elevação de tom no meio.

c) mesmo que o tom não caia até o final da palavra, a queda pode acontecer na partícula pospositiva. nesse caso, como o núcleo tonal está na última mora, tem-se o nome de odakagata, elevação no final ou última mora tônica. isso significa que duas palavras homófonas, mo-nossilábicas e constituídas de uma mora podem apresentar diferença ao serem pronunciadas.

ex. hi, sol e fogo mais a partícula ga b a a b

higa (heiban) para o sol e higa (atamadaka) para o fogo. Kubozono (2010) informa que, das palavras monossilábicas mo-

nomoraicas, cerca de 70%, são BA quando seguidas de partícula. ele oferece ainda dados estatísticos referentes à tendência de ocorrência de moras acentuadas com vocábulos nominais seguidas de partícula, até quatro moras, ou seja, até cinco moras incluindo a partícula. esses dados são apresentados a seguir em forma de quadro. o autor usa expressões como ‘cerca de’, ‘pouco mais de’ e ‘pouco menos de’, que, no quadro, represento por + (mais de), (- menos de ) e ± (cerca de). por isso, o total nem sempre é 100%.

QuAdro 3:oCorrênCiAs de morAs ACenTuAdAs segundo KuBozono

moras AtamadakaAB, ABB, ABBB,

ABBBB

odakagataBAB, BAAB,

BAAAB

nakadakagataBABB, BABBB

HeibangataBA, BAA, BAAA,

BAAAA

1 70% (-) 30% (+)

2 65% (±) 20% (-) 15% (+)

3 40% (-) 5% (+) 10% (-) 50% (±)

4 10% (-) 5% (±) 10% (+) 70% (-)

Novo
Realce
Novo
Nota
A B deslocados
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É possível estabelecer, assim, duas regras de acentuação em japonês:1) nunca há coincidência de tom entre a primeira e a segunda mora de uma palavra;2) em uma palavra, o tom cai apenas uma única vez.

o acento em japonês é livre, o que significa que o aluno terá que aprendê-lo palavra por palavra, tal como ocorre em português. Algu-mas tendências, no entanto, podem ser observadas: no que se refere a palavras de quatro moras, pode-se afirmar que 70% delas têm acento plano. Como a língua japonesa apresenta alta presença de palavras de quatro moras, esse pode ser um bom começo para a aprendizagem voltada à distinção do tipo de acento.

mesmo sendo livre, há certas tendências que podem ser chamadas de regras de acentuação e podem ajudar na aprendizagem. isso ocorre com os substantivos de origem estrangeira, os chamados gairaigo.

3.2.3 A ACenTuAÇÃo dos GAIRAIGO, dA CATegoriA de nomes

o léxico japonês, grosso modo, compõe-se de elementos wago (ver-naculares), kango (palavras de origem chinesa introduzidas no japonês há mais de mil anos) e gairaigo (palavras de origem estrangeira, excetu-ando os kango). nessa última categoria, há maior regularidade no uso de acentos. nos exemplos a seguir, para efeito de visibilidade da mora, as vogais longas serão transcritas com a repetição da vogal alongada.

exemplos b a a b b b a b b a b b ba a a a b b

a) chokoreeto, chocolate; orenji, laranja; banana, banana; aisukuriimu, sorvete. b a b b b b a a b b b a b b b

b) Karendaa, calendário; badominton, badminton; sakkaa, futebol; kaaten, cortina. b a a a b a a a b a a a

c) Itaria, itália; Amerika, estados unidos; maronie, marronnier (fr., nome de uma planta); b a a a b a a a b a a a

konsome, (fr. consommé) consomê, sutereo, estéreo; Ejiputo, egito.

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no item a), o núcleo tonal é a terceira mora de trás para frente, como a proparoxítona do português brasileiro, caso fosse sílaba. entre-tanto, os exemplos em b) mostram que, se a mora for /n/, /Q/ ou /r/, o núcleo desloca-se para a quarta mora a contar da última. Finalmente, nos casos em c), não ocorre queda de tom até o final da palavra se ela tiver quatro moras e a mora final for uma vogal a, e ou o ou uma consoante mais essas vogais. essa última regra se aplica a cerca de 10% dos estrangeirismos. o conhecimento dessa regra facilita o domínio do acento das gairaigo de três moras ensinadas no nível inicial, como terebi, televisão, rajio, rádio e kamera, máquina fotográfica, entre outras, e de quatro moras, como Burajiru, Brasil, e Furansu, França, que seguem a regra acima. Assim pode-se evitar, de certa forma, que o aluno recorra ao acento da palavra de origem que não é o mesmo do japonês.

3.2.4 o ACenTo nA pALAVrA FonoLógiCA FormAdA de

duAs ou mAis pALAVrAs LexiCAis

nas palavras compostas por mais de um vocábulo lexical, os ele-mentos formadores perdem os acentos individuais para que o conjunto receba um acento único.

3.2.4.1 umA ou duAs morAs

a) o núcleo tonal é, em geral, a última mora do primeiro elemento da composição. b a a b

ex. Chiyoda, topônimo mais ku, distrito → Chiyodakub) quando a última mora for /n/,/r/ ou /Q/, há deslocamento do núcleo tonal para a mora anterior. b a a bb b

ex. undoo, esporte mais kai, reunião → undookai, gincana esportiva

exceções: a) palavras como neko, gato, biru, edifício e kashi, doce, quando é o segundo elemento da composição, conservam o acento original, ou seja, a queda de altura dá-se da mesma forma que na palavra original.

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b) quando o segundo elemento é odakagata, em que a queda se dá na última mora, ou quando o segundo elemento é uma palavra sino-japonesa (kango), excepcionalmente pode não haver núcleo tonal, o que resulta em palavra composta átona (heibangata).

b a b b a

ex. iroga, cor mais partícula ga → midoriiroga, a cor verde...

a b b b a

tooga, o partido político (kango) → jimintooga, partido Liberal democrático É importante observar que a tendência acima é válida quando o

primeiro elemento tiver três ou mais moras. se o primeiro elemento tiver apenas uma ou duas moras, a previsão se torna difícil. geralmente, acaba ocorrendo o modelo de acento de uma palavra isolada, como foi mencionado anteriormente.

3.2.4.2 o segundo eLemenTo Tem Três ou QuATro morAs

nesse caso, há grande regularidade no comportamento tonal. A conservação do núcleo tonal do substantivo original depende do tipo do acento: quando o acento está na mora inicial ou medial, conserva-se a mora original; quando está na última mora ou quando não há queda, surge um novo núcleo na primeira mora do segundo elemento.

ex. a) segundo elemento com mora nuclear no início da palavra: a núCleo tonal

kamera, máquina fotográfica → dejitaru k a mera

b) segundo elemento com mora nuclear no meio da palavra: núCleo tonal núCleo tonal

hi k o oki, avião → jettohi k o oki, avião a jato c) segundo elemento com mora nuclear no final: núCleo tonal núCleo tonal

musu m e, filha → hitori m u sume, filha única

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d) segundo elemento sem queda da altura: núCleo tonal

yakyuu, beisebol → puro y a kyuu, beisebol profissional

3.2.4.3 o segundo eLemenTo É de CinCo morAs ou mAis

nesse caso, regra geral, o núcleo tonal do segundo elemento é preservado.

3.2.5 o ACenTo dos AdJeTiVos do Tipo rAdiCAL + i

o adjetivo do tipo radical + i tem regra de acentuação bastante simples na sua forma não flexionada. independentemente da quanti-dade de moras da palavra, são duas as possibilidades: o núcleo tonal é a penúltima mora ou a palavra não apresenta queda de tom. A exceção é o adjetivo ooi, numeroso, cujo núcleo tonal é a antepenúltima mora. nesse caso, a presença de vogal longa na penúltima mora deve ter provocado o deslocamento do núcleo tonal. Quando esse adjetivo se junta ao substantivo, tem-se um sintagma nominal, que, como palavra fonológica, apresenta uma única queda de tom no conjunto.

Quando flexionado, se o adjetivo for do tipo tonal, o núcleo tonal vai cair na penúltima mora da raiz. os adjetivos sem a queda de tom, ao serem flexionados, apresentam núcleo tonal na última mora da raiz, com a exceção da flexão em –ku, que permanece átona. entretanto, mesmo no caso de adjetivos tônicos, exceto na flexão com – ku, é possível também que o tom ocorra na última mora da raiz, tendência essa que aponta para a neutralização das duas formas atuais.

3.2.6 o ACenTo dos VerBos

os verbos também apresentam sistema de acentuação bastante limitado nas suas formas não flexionadas. salvo algumas exceções, ocor-rem apenas dois tipos: os tônicos, com núcleo tonal na penúltima mora, e os átonos. Ambos ocorrem na língua quase na mesma proporção.

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exemplos de acento na penúltima mora:

QuAdro 4: ACenTo dos VerBos

duas moras Três moras Quatro moras

a b

miru, ver b a b

hanasu, falar b a a b

atsumaru, reunir-se

para os verbos tônicos de três moras, há exceções, como hairu,

entrar e tooru, passar. As exceções podem ser explicadas pela mora, que, originalmente levaria o acento, coincidir com a mora /i/ hiato ou /r/ (vogal longa). nesses casos, o acento é deslocado para a mora imediatamente anterior.

3.2.6.1 VerBos sem A QuedA de Tom

QuAdro 5: ACenTo dos VerBos - 2

duas moras Três moras Quatro moras

b a

iku, ir b a

tomaru, parar b a

oshieru, ensinar

embora a regra seja simples, é preciso aprender em qual dos dois tipos é classificado cada verbo, pois não há como prever essas classi-ficações. A exceção são os verbos com a mora final tsu, casos em que, invariavelmente, o acento cai na penúltima mora.

para o acento dos verbos na forma flexionada, assim como ocorre com os adjetivos, o fator que determina o núcleo tonal é o acento na forma verbal não flexionada. isso vale dizer que, também nas formas flexionadas, os verbos se dividem em dois grupos.

a) Verbos que, na forma não flexionada, possuem acento na pe-núltima mora:

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QuAdro 6: ACenTo dos VerBos

moras não flexionada Forma -nai Forma -te/de Forma -ba

duas moras a b

miru, ver a b

yomu, ler

a b

minaib a b

yomanai

a b

mitea b

yonde

a b

mirebaa b yomeba

três moras b a b

hanasu, falarb a b

hanasanaib a b

hanashiteb a b

hanaseba

quatro moras b a b

sodateru, criarb a a b

atsumaru, reunir-se

b a b

sodatenai b a b

atsumaranai

b a b

sodateteb a b

atsumatte

b a b

sodaterebab a a b

atsumareba

o quadro acima mostra o seguinte comportamento do acento: o núcleo tonal vem imediatamente antes de –nai, e duas moras ante-riores no caso de -te/de e -ba. no caso de miru, que possui uma radical monossilábica, o núcleo tonal será a mora “mi”.

b) Verbos sem queda de tom na forma não flexionada: os verbos continuam sem a queda tonal, mesmo com o acréscimo de –nai e -te/de. Ao se juntar a -ba, o núcleo tonal cai na mora anterior a -ba.

por sua vez, na forma -masu, presente na aula de japonês desde o nível inicial, a queda de tom ocorre invariavelmente no –su final. ou seja, o núcleo tonal vai ser sempre a mora ma. Como foi exposto anteriormente, o -su da sequência masu, tende a desvozear. Quando o aluno brasileiro escuta o ma tônico, pode interpretá-lo como uma sílaba com acento de intensidade e juntá-la à forma su desvocalizada. nesse caso, teria, assim, a sílaba –más, o que o levaria a pronunciar ikimás, tabemás etc., e traria prejuízo à acurácia.

importante orientar o aluno também em relação à palavra fono-lógica constituída de verbo mais nome (substantivo) ou verbo mais verbo. no caso da sequência formada de verbo mais nome, ou no caso de verbo seguido de outro verbo, se o primeiro verbo não tiver queda de tom até o final, o substantivo ou o verbo que a ele se junta também permanecem no mesmo tom, independente do acento original. A queda

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tonal vai ocorrer ou não obedecendo ao tipo de acento do segundo elemento da composição.

b a b a b b a b

ex. hataraku, trabalhar ... + otoosan’ni, ao pai →hatarakuotoosan’ni, ao pai que trabalha

b a b a b b a b

Asobini, para me divertir + ikimasu, vou → asobini’ikimasu, vou sair para me divertir

os verbos compostos apresentam a tendência de unificar a forma de acentuação, independentemente da forma original do verbo ante-cedente e do verbo seguinte. em quase todos os casos, na sua forma não flexionada, o núcleo tonal é a penúltima mora.

b a b b a b b a b

ex. aruku, andar + tsukareru, cansar-se → arukitsukareru, cansar de andar

b a b b a b a b

aruku, andar + tsuzukeru, continuar → arukitsuzukeru,continuar an-dando b a b a b a b

ou, perseguir + nuku, passar na frente → oinuku, ultrapassar

3.2.7 o ACenTo nAs pArTíCuLAs

As partículas têm a importante função de estabelecer a relação sintáti-ca entre as partes de uma sentença. sendo vocábulo funcional, as partículas só aparecem na forma posposta ao vocábulo lexical. em relação à pronún-cia, a maior parte delas segue o tom do vocábulo ao qual se pospõe. isso significa que só haverá queda de tom após palavras que apresentem altura plana até a última mora, mas se tornam o núcleo da palavra composta ao se juntarem à partícula. As partículas que têm duas ou mais moras possuem acento próprio quando pronunciadas isoladamente, mas esse acento será neutralizado quando houver junção da partícula com outra.

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3.2.7.1 A pArTíCuLA no

A partícula no tem comportamento especial que a distingue das demais. essa partícula apaga o núcleo do vocábulo lexical que a precede e se junta ao vocábulo seguinte com a altura elevada. Assim, forma uma palavra fonológica de sintagma nominal do tipo: qualificador mais a palavra qualificada.

do que foi visto até aqui, é possível concluir que a fonologia está em relação estreita com a sintaxe e com a semântica, pois a palavra fonológica é uma unidade de significado com acento tonal próprio. Conhecer essa relação é importante para o aluno tanto para a sua pro-dução oral quanto para sua compreensão auditiva, ou seja, é necessária para que fale corretamente e também compreenda adequadamente o que lhe está sendo dito.

3.3 enToAÇÃo

no ato de enunciação, estamos pensando simultaneamente em “o que comunicar”, “com que intenção” ou mesmo “qual palavra se relaciona com qual palavra”, entre outras questões. para que isso seja transmitido através do som, usamos recursos como a altura, intensidade ou duração. nesta sessão, tratemos de entoação, que é o elemento prosódico da variação da altura melódica.

no ato comunicativo com um falante nativo de japonês, a pronún-cia, o acento e a entoação são fatores que determinam a impressão causada pelo falante não nativo, mais do que a competência gramatical. entre esses elementos, a entoação é o mais impactante na interação. em uma simples pergunta, como Kore, nandesuka (o que é isto?), a elevação ou não da mora final motiva reações totalmente diversas do outro (ouvinte). se a entoação final for descendente, o japonês vai se sentir questionado mesmo que não seja essa a intenção do falante. A falta de conhecimento sobre a elevação de tom no ka final ou a subida insuficiente do tom pode causar ruído na interação, um mal-entendido de que, muitas vezes, os envolvidos não se dão conta.

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3.3. 1 senTenÇA deCLArATiVA

em uma sentença declarativa, a entoação é decrescente. o pico de acento (yama) cai na primeira mora e desce ou começa na segunda mora e continua até o núcleo tonal. em seguida, continua baixo até o segundo núcleo tonal. A partir da mora seguinte, cai mais um pouco até o próximo núcleo tonal, e assim vai baixando gradativamente até o final da enunciação.

3.3.2 senTenÇA inTerrogATiVA

se a interrogação for direta, haverá uma elevação do tom no final da sentença. se for do tipo “deshôka”, o tom desce no final da sentença.

os gráficos a seguir mostram, da esquerda para a direita, uma sen-tença declarativa com subida de tom a partir da segunda mora, outra, também declarativa, com o tom alto na primeira mora e a terceira, uma sentença interrogativa com as mesmas palavras da segunda sentença.

FigurA 1: enToAÇÃo de senTenÇA deCLArATiVA e senTenÇA inTerrogATiVA

Yamadasan ni aimasu. Satôsan ni aimasu Satôsan ni aimasuka?Vou me encontrar com Yamada. Vou me encontrar com sato. Vai se encontrar com sato?

Fonte - http://www.koryu.or.jp/nihongo/e23_graphics.nfs

ishii e outros (2001) classificam o tipo de entoação e a impressão que cada tipo causa no interlocutor, conforme os quadros abaixo:

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QuAdro 7: Tipos de enToAÇÃo e As impressões por eLes CAusAdAs, segundo isHii

tipo intenção impressão

ascendente longo pergunta, pedido de confirmação, recomendação, convite

gentil

ascendente curto pergunta, confirmação, yo de concordância informal

plano longo declarativa em geral calmo

plano curto declarativa em geral informal

plano fraco pergunta reticente, contra a expectativa do outro

monologal

longo descendente assentimento, descoberta, confirmação, dúvida, recomendação

convencimento, insatisfação, de-sapontamento

no que se refere à associação feita pelo interlocutor, ainda segundo ishii e outros (2001), quanto ao tipo de entoação e as características sensoriais, as relações são as seguintes:

QuAdro 8: Tipos de enToAÇÃo e As respeCTiVAs CArACTerísTiCAs sensoriAis, segundo isHii

geral final de sentença

altura força duração altura

longo ascendente elevada relativamente forte longa ascendente

curto ascendente elevada relativamente forte curta ascendente

longo plano baixa não é forte (longa) (plano)

curto plano baixa relativamente forte curta plano

fraco plano relativamente forte

enfraquece gradativamente

longa plano

longo descendente baixa fraca longa descendente

3.4 FoCo e prominênCiA

Foco é a parte destacada dentro de uma enunciação; geralmente, é uma informação nova que o falante fornece ao interlocutor. em japo-

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nês, se o foco aparecer no meio da sentença, formará um novo pico. nos exemplos a seguir, os picos mostram as partes da sentença que o falante quer salientar.

FigurA 2: piCos indiCAndo os FoCos de umA enunCiAÇÃo

Dôzo yoroshiku onegaishimasu. Muito prazer em conhecer.Fonte – http://www.koryu.or.jp/nihongo/e23_graphics.nfs

na figura acima, o que se quer reforçar é “yoroshiku”, mesmo por-que “dôzo” é apenas “por favor”. (Ao pé da letra, o significado é “por favor, seja benevolente comigo”).

Quando o foco recebe tratamento diferenciado de altura, inten-sidade, duração ou tom de voz para que partes da sentença sejam destacadas, diz-se que há prominência.

4. ConsiderAÇões FinAis

A gramática estrutural contribuiu enormemente para o conheci-mento da pronúncia em nível segmental. posteriormente, com a abor-dagem comunicativa, muita ênfase foi dada aos elementos prosódicos, considerados importantes para a fluência na comunicação oral. Hoje, sabe-se que ambos os níveis são importantes para o desenvolvimento de domínio e competência na comunicação em língua estrangeira. dessa forma, tanto o currículo quanto o livro didático de ensino da

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pronúncia voltado para alunos de licenciatura em Língua Japonesa devem refletir essa realidade, para que se ofereça um ensino de língua que seja realmente eficaz.

reFerênCiAs

AKAgi, H.; FuruiCHi,Y.; uCHidA, n. Mainichi renshû! Rizumude minitsuku nihongo no hatsuon (prática diária! Aquisição da pronúncia do Japonês através de ritmo), Tóquio: 3A network, 2010.

CAgLiAri, L. C. Fonética – Uma entrevista com Luiz Carlos Cagliari. revista Virtual de estudos da Linguagem – reVeL. v. 4, n. 7, p. 01-08, agosto de 2006.

imAisHi, m. (org.). Onsei kenkyû nyûmon (introdução à pesquisa em Fonologia). osaka: izumi shoin, 2005.

isHii, C. Y. et al. On the construction of a CALL system to train Japanese accent and intonation (in Japanese). disponível em <http://www.irc.atr.jp/~carlos/pdf/carlos-sp010125.pdf>. Acesso: 29 de setembro de 2011.

JoKo, A. T. grau de pertinência do japonês falado por estudantes brasileiros. in: encontro nacional de professores universitário de Língua, Literatura e Cultura Japonesa, 6., 1995, são paulo. Anais... são paulo: universidade de são paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Centro de estudos Japoneses, 1995, p. 41-47.

________. As dificuldades da aprendizagem da pronúncia japonesa por um aluno brasileiro. in: encontro nacional de professores universitário de Língua, Literatura e Cultura Japonesa, 2., 1991, são paulo. Anais... são paulo: universidade de são paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,pp. 34-45, 1991.

________. Análise contrastiva dos sistemas fonológicos do japonês e do português: subsídios para o ensino de japonês para falantes do português do Brasil. Brasília, 1987, 130 f. dissertação (mestrado em Linguística) – departamento de Linguística, Línguas Clássicas e Vernácula, universidade de Brasília. disponível em <http:// hdl. handle. net/10482/9595>.

mATsuzAKi, H. et al. Purosodiigurafu wo mochiita nihongo onsei kyôiku. (ensino da pronúncia japonesa utilizando “prosody graph”). disponível em <http:// www. tsukuba. ac.jp/ ~matsuzaki. hiroshi.tp/syllabus/syl.html> . Acesso: 22 de setembro de 2011.

ogAWArA, Y.; KAWAno, T. Nihongo kyôshino tameno ONSEI KYOUIKU wo kangaeru hon (Livro para o professor de japonês refletir sobre o ensino de FonoLogiA). Tóquio: ALC, 2009.

TAnAKA, s.; KuBozono, H. Nihongo no hatsuon kyôshitsu – riron to renshuu (introduction to Japanese pronunciation – Theory and practice), Tóquio: Kuroshio, 2010.

TodA, T. Komyunikêshon no tameno nihongo hatsuon ressun (Lições de pronúncia de japonês para a comunicação). Tóquio: 3A network, 2004.

________. (org.). Nihongo kyôiku to onsei (Japanese Language education and speech Communication), Tóquio: Kuroshio, 2010.

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posFáCio

Cem Anos de HisTóriA do ensino de LínguA JAponesA no BrAsiL

o ano de 2008 foi marcado pelo centenário da imigração japonesa no Brasil.

no dia 18 de junho de 1908, chega ao porto de santos o Kasato-maru, o navio que trouxe os primeiros imigrantes do Japão (burajiru nihon imin Shiryôkan, 2008, p. 12). eles vieram ao Brasil com o intuito de voltar triunfantes para sua terra natal, razão pela qual os filhos dos imigrantes terem sido educados como japoneses, sob o nacionalismo e a ideologia baseada na etnicidade e cultura homogêneas. para a construção de uma identidade unificada, o ensino da língua japonesa como língua materna (kokugo kyôiku) era imprescindível aos filhos dos imigrantes, principalmente para a formação como descendentes de japoneses. ou seja, os imigrantes tentaram criar seus filhos através do ensino da língua japonesa (moriWAKi, 2008, p. 235).

Com o passar do tempo, aumentou o número de imigrantes bem-sucedidos, não apenas na área de agricultura, mas também no comércio e na indústria, o que permitiu que eles se radicassem em terreno bra-sileiro. este fato levou os descendentes a perderem a sua identidade cultural como japoneses (moriWAKi, op. cit., p. 231).

percebe-se que as identidades culturais não são fixas, mudando ao longo do tempo (HALL, 2006) e sendo negociadas não apenas no interior do sujeito, mas também afetadas por fatores exteriores tais como a interculturalidade, a globalização, a diferença cultural, étnica, histórica, econômica, política, entre outros. Conforme Hall (2006, p. 13), a “identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia”, e ela “sempre permanece incompleta, está sempre ‘em processo’, sempre ‘sendo formada’ ” (HALL, op. cit., p. 38).

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no pós-guerra, o idioma japonês passou a ser utilizado como língua de herança1 (keishôgo kyôiku) entre os imigrantes e seus descendentes, que se estabeleceram em sua comunidade. e consequentemente, eles perceberam que aquela ideologia de criar seus filhos como “japoneses” já não era mais adequada para o contexto étnico-cultural onde eles viviam. Com a ascensão social e a mudança identitária dos descendentes que decidiram se enraizar no Brasil, eles buscaram criar “excelentes nipo-brasileiros”.

Após a década de 1980, muitos descendentes de japoneses se mudaram para as metrópoles em consequência da diversidade de pro-fissões e da realização do ensino superior, o que deixou a “fronteira” entre as comunidades nipônicas e a sociedade brasileira ficar ainda mais ambígua (moriWAKi, 2008, p. 290).

Hoje, a língua japonesa é ensinada como Língua estrangeira (dora-vante Le) (gaikokugo kyôiku) (morALes, 2008), ou seja, seus professores e aprendizes são não apenas os descendentes, mas também brasileiros que não têm ascendência japonesa. esse fato reflete a realidade de que hoje muitos alunos brasileiros começam a aprender japonês sem nenhum conhecimento prévio (YosHiKAWA, 2005, p. 45) tanto nas fa-culdades quanto nas escolas estaduais de ensino fundamental e médio.

A língua japonesa já não é mais “objeto” apenas dos imigrantes japoneses e de seus descendentes, mas também dos não descendentes que a ensinam ou a aprendem, além daqueles que estão envolvidos direta ou indiretamente no contexto onde se usa o mesmo idioma.

Atualmente, ensina-se o japonês nas escolas públicas brasileiras, tais como nos centros de línguas2 nos estados de são paulo, do paraná e em centros de ensino tecnológico, como em natal, no rio grande do norte. e a partir de 2011, os Centros interescolares de Línguas (CiL) do distrito Federal também começaram a oferecer o curso de japonês. Já no ensino superior, oito universidades3 oferecem o curso de graduação em Letras-Japonês como Le.

Como se pode observar, o ensino de língua japonesa no Brasil vem

1 Quanto à definição, vide capítulo 4 desta coletânea.2 A saber: Centro de estudos de Línguas (CeL-sp); Centro de Línguas estrangeiras modernas (CeLem-

pr); Centro Federal de educação Tecnológica do rio grande do norte (CeFeT-rn). (Cf. <http://www.fjsp.org.br/lingua/instituicoes/index.htm>. Acesso em 31 de janeiro de 2012.)

3 usp, 1964 (ano de implantação do curso); uFrJ, 1979; uFrgs, 1986; unesp-Assis, 1992; unB, 1997; uerJ, 2003; uFpr, 2008; uFAm, 2011 (Cf. <http://www.fjsp.org.br/lingua/instituicoes/index.htm>. Acesso em 31 de janeiro de 2012.) no site da Fundação Japão, não consta a informação sobre o curso de Letras-Japonês da uFAm, pois o referido curso abriu em 2011.

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mudando conforme a globalização e a mudança étnica e identitária dos imigrantes japoneses e de seus descendentes. Tem também se desenvolvido de forma significativa nos últimos cem anos. no entan-to, não podemos negar que existam algumas questões concernentes ao ensino da mesma língua no Brasil, conforme apresentadas nesta coletânea “A Língua Japonesa no Brasil: reflexões e experiências de ensino e aprendizagem”: a formação dos docentes de japonês das escolas es-taduais (cf. YosHiKAWA), a reforma curricular em Letras-Japonês (cf. seKino & JoKo), o curso de japonês em si (cf. iWAKAmi), o ensino-aprendizagem de japonês propriamente dito como Le (cf. morALes; sHiodA & BrAndÃo; JoKo), as crenças dos professores e alunos de japonês que ainda não têm sido tratadas de forma científico-acadêmica (cf. muKAi & ConCeiÇÃo).

Conforme exposto acima, o ensino-aprendizagem de língua japo-nesa no Brasil, bem como a língua em si e a identidade cultural não possuem padrão estático, fixo, totalmente unificado e idealizado, mas estão ininterruptamente em processo de mudança e de expansão. o que foi apresentado nesta coletânea é apenas um recorte dessa realidade dinâmica e diversificada do mesmo ensino-aprendizagem, que vem aumentando a passos largos a sua presença na Linguística Aplicada no Brasil.

prof. dr. Yûki mukaiuniversidade de Brasília

reFerênCiAs

BurAJiru nihon imin shiryôkan – Burajiru nihon imin Hyakushûnen Kinen Kyôkai Hyakunenshi Hensan iinkai4 (org.). Me de miru Burajiru Nihon imin no hyakunen (Cem anos da imigração japonesa no Brasil através de fotografias). Tóquio: Fûkyôsha, 2008.

HALL, s. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da silva e guacira Lopes Louro. 11. ed., rio de Janeiro: dp&A, 2006.

Lesser, J. A negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no Brasil. Tradução de patrícia de Queiroz Carvalho zimbres. são paulo: editora unesp, 2001.

4 museu histórico da imigração japonesa no Brasil, Associação para comemoração do centenário da imigração japonesa no Brasil – Comissão da compilação da historiografia dos 100 anos da imigração japonesa no Brasil.

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a língua JaPonesa no Brasil

reFlexões e exPeriências de ensino e aPrendizageM

morALes, L. m. Cem anos de imigração japonesa no Brasil: o japonês como língua estrangeira. são paulo, 2008, 313 f. Tese (doutorado em Linguística) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, universidade de são paulo.

moriWAKi, r. o ensino da língua japonesa no Brasil: seus fundamentos e evolução (nihongo kyôiku no rinen no hensen). in: moriWAKi, r.; nAKATA, m. História do ensino da língua japonesa no Brasil (Burajiru ni okeru nihongo kyôikushi: sono hensen to kinen no dôkô). Campinas, sp: editora unicamp, pp. 213-323, 2008.

YosHiKAWA, m. e. i. Tokusen chiikibetsu jôhô – Burajiru (especial: informações regionais – Brasil). Gekkan Nihongo. p. 20, maio, 2003.

________. Burajirujin ga nihongo wo oshieru jidai (A época dos brasileiros ensinarem japonês). Wochikochi. pp. 44-45, aug./sep., 2005.

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organizadores

soBre os orgAnizAdores e AuTores

Alice Tamie Jokopossui graduação em Letras (português - Japonês) pela universidade de

são paulo, mestrado em Linguística pela universidade de Brasília e atualmen-te faz doutorado em Linguística na universidade Federal de pernambuco. É professora da universidade de Brasília, atuando no curso de Licenciatura em Japonês. seus temas de pesquisa são: ensino de japonês como Le, formação de professores de japonês como Le, desenvolvimento de material de ensino de japonês como Le, sistema fonológico do japonês, estudos japoneses no Brasil.

Cecilia Kime Jo Shiodadesde 1993 atua como professor Assistente-doutor da unesp - universi-

dade estadual paulista “Júlio de mesquita Filho”, Campus de Assis, na Faculdade de Ciências e Letras, departamento de Letras modernas, Curso de Japonês, com pesquisa e docência com ênfase em língua e cultura japonesa; comparação do comportamento linguístico e paralinguístico entre os japoneses e nipo-brasileiros; estudo das interferências da língua japonesa na língua portuguesa falada pelos nipo-brasileiros - aspectos da concordância nominal e verbal; estudo da origem dos ideogramas sino-japoneses como um dos projetos de pesquisa até então. em uma outra linha de projeto a destacar-se, atualmente atua como líder do grupo de pesquisa do CnpQ cadastrado pela unesp: Abordagens em estudos de Artes, História, Linguística e Literatura Japonesas: tradução autóc-tone e tradição ocidental-europeia envolvendo, dentre outros trabalhos, o da complexidade na tradução de duas línguas tão diversas como o japonês e o português com o propósito de uma melhoria nessa área, seja em termos de condições de trabalho quanto na formação profissional – por meio de cursos de capacitação e outros eventos que possibilitem reflexão e avaliação.

Fausto Pinheiro Pereirapossui mestrado em estudos de área – ensino de Língua Japonesa (Lin-

guística Aplicada), pela Tokyo university of Foreign studies do Japão (2007), e licenciatura em Língua e Literatura Japonesa pela universidade de Brasília (2002). Atualmente é professor Assistente do departamento de Línguas es-trangeiras e Tradução (LeT) da universidade de Brasília. seus interesses de

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a língua JaPonesa no Brasil

reFlexões e exPeriências de ensino e aPrendizageM

pesquisa direcionam-se no ensino de língua japonesa como Língua estrangeira (em especial no desenvolvimento da expressão escrita), o ensino de línguas à distância, Terminologia, paremiologia, desenvolvimento de materiais didá-ticos, formação complementar de professores, entre outros.

Kyoko Sekinopossui graduação em Língua e Literatura inglesa pela university of The

sacred Heart em Tóquio e mestrado em Linguística Aplicada pela universidade de Brasília. Atualmente é professora assistente do departamento de Línguas estrangeiras e Tradução (LeT) da universidade de Brasília. Tem experiência na área de Linguística Aplicada, com ênfase em Tradução, atuando principal-mente nos seguintes temas: Tradução processual, pós-edição, Tradução de linguagem de especialidade e ensino de língua japonesa. Atualmente é dou-toranda em estudos de Tradução na pós-graduação em Linguística (posLin) na universidade Federal de minas gerais (uFmg).

Laura Tey Iwakamipossui graduação em Língua e Literatura Francesa e em Língua e Litera-

tura Vernácula pela pontifícia universidade Católica de são paulo (1978), mes-trado (1992) e doutorado (2003) em Comunicação e semiótica pela pontifícia universidade Católica de são paulo. É professora adjunto da universidade estadual do Ceará, onde atua no Curso de Letras - graduação e mestrado em Linguística Aplicada. Atualmente é coordenadora do Curso de extensão em Língua Japonesa no núcleo de Línguas estrangeiras da mesma universidade e desenvolve pesquisas na área de ensino, especificamente sobre o ensino de língua japonesa e formação de professores de japonês.

Leiko Matsubara Moralespossui graduação em Habilitação português (1993), Chinês (1995) e Ja-

ponês (1998), mestrado em Língua e Literatura Japonesa (2002) e doutorado em Linguística (2009), todos pela universidade de são paulo. Fez parte do pós-doutorado na universidade de sophia, Tóquio, Japão. É docente do Curso de Língua e Literatura Japonesa do departamento de Letras orientais da uni-versidade de são paulo, ministrando aulas na graduação e na pós-graduação. suas áreas de interesse são Linguística Aplicada e Bilinguismo, tendo como foco estudos sobre aquisição/aprendizagem de Japonês como Le/L2, formação de professores e gramaticologia. Coordena o projeto de pesquisa do Cnpq Bilinguismo e ensino-Aprendizagem de Línguas Japonesa e portuguesa como L2/Le no Brasil e no Japão. Atualmente, ocupa cargo de vice-diretora do Centro interdepartamental de Línguas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da universidade de são paulo.

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Maria Luisa Ortíz AlvarezFormada em Língua e Literatura russa e mestre em Ciências pedagó-

gicas pelo instituto superior pedagógico de moscou. Formada em Língua portuguesa pela universidade de Havana. possui doutorado em Linguística Aplicada pela universidade estadual de Campinas e pós-doutorado pela universidade Federal da Bahia. É professora da universidade de Brasília, instituição em que já ocupou os cargos de vice-chefe de departamento (LeT), coordenadora do programa de pós-graduação em Linguística Apli-cada e diretora do instituto de Letras. Tem participado da diretoria de várias associações acadêmicas, como sociedade internacional de português Língua estrangeira (sipLe), Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB) e Associação Brasileira de Fraseologia. publicou vários artigos, capítulos de livros e livros nas áreas de linguística, linguística aplicada e estudos fraseológicos.

Mariney Pereira Conceiçãodoutora em Linguística Aplicada pela universidade Federal de minas

gerais (uFmg), mestre em Linguística e especialista em Língua inglesa pela universidade Federal de uberlândia. É professora adjunto iii do departamento de Línguas estrangeiras e Tradução da universidade de Brasília. Tem experiência em Letras, com ênfase em Linguística Aplicada. suas áreas de atuação envolvem o ensino e a aprendizagem de línguas estrangeiras, com foco em crenças e experiências de aprendizagem de línguas e formação de professores, tendo publicado vários artigos e capítulos de livros na área.

Mayumi Edna Iko Yoshikawapossui graduação em Letras-Japonês pela universidade de são paulo

(1984) e mestrado em Area studies - university of Tsukuba (1993). Atual-mente é professora efetiva/coordenadora da Fundação Japão em são paulo. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Linguística Aplicada, atuando principalmente na área de ensino de língua japonesa.

Renato da Fonseca BrandãoCursou Letras - Japonês de 2007 a 2010 na unesp - universidade estadual

paulista “Júlio de mesquita Filho”, Campus de Assis, Faculdade de Ciências e Letras. desde a graduação interessava-se por pesquisas, sempre com ênfase em língua e cultura japonesa. Junto da profa. dra. Cecilia Kimie Jo shioda, recebeu apoio e orientação necessários para iniciar uma linha de projeto que vem se destacando hoje por sua ligação estreita com o Tao, talvez a mais antiga filosofia conhecida pelo homem. seus trabalhos já foram expostos e

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a língua JaPonesa no Brasil

reFlexões e exPeriências de ensino e aPrendizageM

publicados em congressos e universidades de renome, tais como a univer-sidade de são paulo (usp), universidade de Brasília (unB) e a universidade Federal do paraná (uFpr). Atualmente é bolsista da Tenri university, vivendo e estudando no Japão.

Ronan Alves Pereirapossui Bacharelado em sociologia e Antropologia pela universidade de

Brasília (1985), mestrado em Antropologia Cultural pela university of Tokyo (1988) e doutorado em Ciências sociais (Antropologia) pela universidade estadual de Campinas (2001). professor adjunto e ex-coordenador do núcleo de estudos Asiáticos (neAsiA) da universidade de Brasília, atualmente é o representante da área de Japonês do departamento de Línguas estrangeiras e Tradução desta universidade. Tem experiência na área de estudos Japoneses e no ensino da Língua portuguesa para estrangeiros. Lecionou em universi-dades no Brasil, estados unidos, Japão e nova zelândia. principais temas de pesquisa: imigração e religiosidade japonesas, estudos asiáticos na América Latina, transnacionalização religiosa, globalização e religião.

Yûki Mukaidoutor em Linguística Aplicada pela universidade estadual de Campinas

(unicamp) (2010) e mestre em Letras - Língua Japonesa - pela universidade de são paulo (usp) (2003). realizou o doutorado-sanduíche na área de pacific and Asian studies na university of Victoria, Canadá (2008). realizou, também, o pós-doutorado na área de Linguística Aplicada na universidade de Brasília (2011). Atualmente é professor adjunto do departamento de Línguas estran-geiras e Tradução da universidade de Brasília (unB), docente do Curso de Letras-Japonês e do programa de pós-graduação em Linguística Aplicada do mesmo departamento. seus interesses em pesquisa direcionam-se às áreas de Linguística Aplicada (ensino-aprendizagem de Le/L2 e crenças dos alunos e professores), gramática pedagógica e ensino de língua japonesa como Le.

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