A Matriz Departamental de Kalecki

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A Matriz Departamental de Kalecki

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  • Ensaios FEE, Porto Alegre, 9(1) 39-53, l

    A MATRIZ DEPARTAMENTAL DE KALECKI: UM EXERCCIO

    DE CONSTRUO PARA O BRASIL*

    Carlos Eduardo Frickmann Young* Antnio Henrique Pinheiro da Silveira *

    1 Introduo Uma das caractersticas marcantes ao longo da extensa obra desenvolvida por

    Michal Kalecki foi a constante preocupao com a verificao, a nvel de realidade econmica, de seus modelos tericos. Como exemplo, pode-se citar o acompanha-mento emprico, em termos de economia norte-americana, que Kalecki fez questo de incluir em sua Teoria da Dinmica Econmica.

    O objetivo deste trabalho , justamente, a tentativa de aplicar realidade bra-sileira o modelo departamental de Kalecki. Tem, portanto, a inteno de promover a integrao entre teoria e empiria em um exerccio que, em termos do objetivo proposto, pioneiro para o Brasil. Este texto foi, assim, dividido em duas partes. Na primeira, referente ao modelo terico de Kalecki, optou-se por fazer uma apresenta-o sucinta dos esquemas de reproduo, a fim de expor as equaes bsicas que so analisadas na seo seguinte.

    Na segunda parte trata-se, propriamente, da construo da matriz departamen-tal. Iniciando-se pelos problemas tericos que tornam essa elaborao to complica-da, justificam-se a seguir os motivos pelos quais se optou pela utilizao da Matriz de Relaes Litersetoriais de 1970 e descrevem-se as hipteses implcitas metodo-logia usada.

    Agradecemos as sugestes e crticas elaboradas por Manuel Alcino da Fonseca, Mario L. Pos-sas e, em especial, a Jos Ricardo Tauile, que concebeu este projeto e nos incentivou desde o incio. Gostaramos tambm de agradecer a Alexis loribio Dantas e Antnio Jos Alves Jr., sem os quais este trabalho no se realizaria. No entanto os possveis erros contidos so de nossa inteira responsabilidade. Este trabalho foi elaborado em dezembro do 1987.

    Mestrando e pesquisador da UFRJ/IEI.

  • 2 Os esquemas de reproduo de Kalecki Em seu artigo As Equaes Marxistas de Reproduo e a Economia Moderna,

    Kalecki (1977, cap. 1) impe algumas mudanas de ordem firncional aos esquemas marxistas de reproduo. O Departamento I passa a ser visto como supridor do va-lor total do investimento bruto, incluindo as matrias-primas utilizadas apenas na produo deste setor. O setor produtor de bens de consumo desdobrado em dois departamentos, o Departamento II, responsvel pelos bens de consumo para os capi-talistas, e o Departamento III, que representa os bens de consumo para os trabalha-dores, adotando-se o mesmo procedimento de incluir as matrias-primas necessrias produo em cada departamento respectivo. Assim, cada departamento se torna auto-suficiente, integrando verticalmente a economia.

    D l D11 DIII TOTAL

    Pi ^2 h P Wj W2 W3 w

    I Cc Cw Y

    O mercado intercapitalista passa a ser melhor especificado atravs da separao entre investimento bruto e consumo capitalista, e a hiptese de manuteno dos sa-lrios ao nivel de subsistncia, sintetizada por "os trabalhadores gastam o que ga-nham", tambm observada. Deriva da que o montante total dos salrios pagos aos trabalhadores envolvidos na produo para o mercado intercapitalista idntico ao excedente de bens de consumo para trabalhadores produzido no Departamento III, ou seja,

    P3 = Wj + W2 (1)

    As concluses iniciam-se por verificaes acerca dos resultados, garantindo sua consistncia para efeito de simulaes. Os indcios positivos encontrados justificam o exerccio efetuado a cerca dos efeitos do processo de concentrao de renda ocorri-do na primeira metade da dcada de 70, aplicando-se os resultados obtidos e proceden-do algumas adaptaes nos dados referentes a 1975. Conclui-se, finalmente, que tal con-centrao de renda, ao contrrio de efeitos benficos, implicou o aumento menos que proporciona da renda em relao s categorias de demanda final, levando, as-sim, necessidade de taxas de investimento cada vez maiores para garantir o mesmo nvel de crescimento.

  • F E E - C E D O C

    BIBLIOTECA

    Como conseqncia, Kalecki mostra que o lucro total determinado apenas no mercado intercapitalista '"os capitalistas ganham o que gastam" atravs de

    P = I + Cc (2)

    Tomando-se a proporo salrio/produto em cada departamento como par-

    metro (w^ = Wj/I, = W2/Cce W3 = Wj/C,^), o consumo dos trabalhadores pas-

    sa tambm a ser determinado no mercado intercapitalista, resultando, finalmente, em

    Y = I + C ^ + Wjl +W2C^ (3)

    I - W 3

    Assim, chega-se concluso de que a renda nacional tambm deteiminada exclusivamente pelo dispndio capitalista, internalizando a trajetria da reproduo do sistema ao mercado intercapitalista. O sentido de determinao dado pela con-siderao do investimento e do consumo dos capitalistas como resultante de decises tomadas no passado: o primeiro, pela defasagem temporal entre a encomenda e a entrega do equipamento de capita , e o segundo, por acompanhar adaptativamente as mudanas nos lucros. Supondo-se que tal acompanhamento se d em termos pro-porcionais, conclui-se que o consumo dos capitalistas guarde uma relao estvel com o investimento, de forma que Cc = f(I). Logo, tal qual na macroeconomia keynesia-na, o investimento torna-se o elemento privilegiado na determinao da demanda efetiva. Porm Kalecki enfatiza a importncia dos efeitos macroeconmicos da dis-tribuio de renda e do relacionamento interdepartamental, aspectos no explicita-dos por Keynes.

    Por exemplo, uma expanso real do nvel de investimento ou do consumo dos capitalistas implica, na hiptese de manuteno do perfil de distribuio de renda, a elevao dos srios pagos no Departamento 1 ou no Departamento IL Com isso, torna-se necessria uma expanso no Departamento IH, salvo a existncia de capaci-dade ociosa neste departamento, de modo a ampliar o seu excedente (caso contr-rio, uma inflao de demanda processar-se-ia no Departamento III, culminando com a depreciao lelativa dos salrios reais).

    Da mesma forma, uma melhoria da estrutura de distribuio de renda para os assalariados implica, sob as mesmas hipteses, uma expanso do Departamento l l (e, conseqentemente, melhora das condies de vida dos trabalhadores) sem de-primir o montante total dos lucros da classe capitalista (que teria diminuda apenas sua participao relativa).

    3 A construo da matriz departamental 3.1 Aspectos iniciais

    Apesar de a matriz departamental tratar-se de um modelo terico bastante co-nhecido e divulgado, no se constatou a existncia de qualquer trabalho anterior

  • 3.2A utilizao da Matriz de Relaes Intersetoriais-~1970

    O sistema utilizado foi a Matriz das Relaes Intersetoriais (MRI): Brasil 1970. No ser aprofundado aqui qualquer tipo de discusso acerca de sua elaborao ou de suas limitaes (para isto, ver IBGE, 1979, p. .3-60), cabendo apenas discutir sua apli-cabilidade para o objetivo proposto.

    As matrizes de relaes intersetoriais inspiradas nos trabalhos de Leontief (1983) tm por objetivo de anlise o processo de produo em si, explicitando a in-terdependncia setorial atravs da produo e do consumo correntes. Diferentemen-te dos esquemas originais de insumo-produto, onde a produo desagregada ao n-

    que fornecesse resultados empricos relacionados economia brasileira. Dessa for-ma, a busca de um mtodo para se estimar tal matriz tornou-se o objetivo central (e tambm a dificuldade maior ) deste trabalho.

    O grande problema metodolgico concentrou-se na conceituao dos departa-mentos utilizada por Kalecki para dividir a economia. Como cada departamento se constitui no s da produo total de todos os bens finais, mas tambm de todas as matrias-primas respectivas em todas as fases do processo produtivo, pressupe-se que esteja verticalmente integrado. Ou seja, todas as etapas intermedirias da pro-duo devem ser associadas ao uso final do ltimo bem a que elas se destinam.

    Essa hiptese, necessria para a construo do quadro departamental, , po-rm, totalmente estranha s formas convencionais de levantamento e tabulao dos agregados macroeconmicos. Diverge, particularmente, do sistema de Contas Nacio-nais, que se apresentava como ponto de partida do trabalho, mas que, carregando um estreito vnculo com a teoria keynesiana tradicional na qual foi articulado, se mostrou bastante distante do objetivo pretendido.

    Surgiram, assim, dois possveis caminhos para a elaborao da matriz: partir das informaes a nvel de cada gnero de atividade produtiva, confor-

    me o respectivo Censo Econmico, e, observando sua estrutura de demanda final, formular hipteses relativas a cada uma destas atividades de forma a se poder agregar cada departamento;

    - adaptar algum sistema de agregao j existente, estabelecendo hipteses que o simplificassem como um todo at um resultado minimamente compatvel com a proposio terica.

    A prori, a primeira alternativa mostrou-se mais correta na medida em que to-do o sistema seria construdo objetivando-se alcanar a matriz. Porm, da decorre-ria que a necessidade de se formular hipteses especficas para se partilhar, a nvel de uso final, a produo em cada gnero de atividade implicaria uma quantidade muito grande de tais simplificaes, possibilitando o risco de se elevarem considera-velmente as arbitrariedades implcitas neste trabalho.

    Dessa forma, optou-se pelo segundo caminho que, embora a princpio no fos-se o mais correto, se mostrou mais simples e de mais fcil compreenso em relao a suas simplificaes e restries.

  • vel de indstria "versus" indstria, obtendo-se, conseqentemente, uma matriz qua-drada, o IBGE adotou uma variante retangular, resultante do cruzamento produtos "versus" setores produtivos.

    Assim, o sistema do IBGE tem por base uma matriz U dos valores das transa-es intermedirias (quadro de insumos), indicando a destinao de produtos espe-cficos (vetores-linha) e a estrutura de insumos de cada setor (vetores-coluna), e uma matriz V dos valores de produo industrial (quadro de produtos), que indica a de-composio, ao nvel dos produtos especficos, dos valores de produo de cada se-tor. Tambm a demanda final, correspondente matriz E, desagregada ao nvel dos produtos especficos, e sua peculiar categorizao, discriminando o consumo pes-soal em classes de rendimento familiar, tornou a aplicao da MRI-70 extremamen-te atraente para a concluso deste trabalho.

    Outro aspecto importante, favorvel para tal aplicao, foi a restrio da clas-sificao dos setores produtivos s "atividades econmicas organizadas dentro do sis-tema capitalista, utilizando mo-de-obra assalariada e visando lucro" (IBGE, 1979, p. 4) , eliminando atividades voltadas para o autoconsumo ou relacionadas ao cha-mado mercado informal de trabalho, que no obedecem, obviamente, s mesmas re-gras de comportamento dos esquemas de reproduo.

    3 . 3 A construo dos departamentos

    o primeiro passo para a construo emprica da matriz, montada para uma economia fechada e sem governo, foi sua adaptao para uma economia aberta e com presena do governo. Assim, foi necessrio adicionar dois novos departamentos, D IV, representando receitas e despesas governamentais, e D V, representando o comrcio exterior. Como os demais departamentos, esses incluem no somente bens finais, mas tambm todas as matrias-primas respectivas em cada etapa do processo produ-tivo, e, assim, reconstri-se o quadro dos departamentos da seguinte forma:

    D l DII DIII D I V D V TOTAL

    Pl h P3 P4 P5 P Wj W2 W3 W4 W5 W

    Cc Cw G

    A crescente complexidade do sistema econmico, onde a inter-relao entre setores e a produo secundria (produo num determinado setor de produtos tpi-cos de outros setores) so cada vez mais importantes, especialmente na rea mdus-

  • trial, levou a uma especificao distinta de cada departamento. Estes deixam de ser entendidos como parties especficas da atividade econmica do tipo:indstria de bens de capital pertencente ao Departamento I, indstria de bens de consumo dur-veis pertencente ao Departamento II, indstria de bens de consumo no durveis pertencente ao Departamento III, etc. Cada departamento assume, porm, um signi-ficado mais abstrato, representando o montante total da produo destinada a cada uma das categorias de demanda final adaptadas do quadro de insumos dos setores pro-dutivos e demanda final, conforme a Tabela 2 da MRI-70 (IBGE, 1979), da seguinte forma:

    Departamento I formao bruta de capita; Departamento II consumo pessoal para famlias de rendimento superior a

    10 salrios mnimos (SMs); Departamento III consumo pessoal para famlias de rendimento at 10 sa-

    lrios mnimos; Departamento IV consumo do governo; Departamento V exportaes de bens de servios, Uma vasta gama de hipteses simplificadoras foi a introduzida, A mais im-

    portante refere-se ao tratamento de toda produo destinada ao consumo interme-dirio. Pela MRI-70 (IBGE, 1979, p . 19), o consumo intermedirio " ( . . . ) tomado como refletindo apenas requisitos tecnolgicos de produo" em termos de propor-es fixas que obedecem s variaes de demanda final.

    Partindo-se da premissa de que a preocupao de Kalecki se centrava no com-portamento da demanda final e no nas relaes intersetoriais, optou-se por descon-siderar a produo no relacionada diretamente a seu uso final, uma vez que o con-sumo intermedirio acompanharia necessariamente o movimento das categorias de demanda final.

    Estratgias alternativas, como agregar o consumo intermedirio ao Departa-mento I, hiptese sugerida pela conceituao de Marx, onde as matrias-primas inte-gram o capital constante, tiveram de ser abandonadas, pois, no modelo kaleckiano, incluram-se no "( . . .) departamento que produz esses bens (de consumo) as mat-rias-primas respectivas em todas as fases do processo produtivo" (Kalecki, 1977, p. 1). Logo, tais matrias-primas podem destinar-se a outros departamentos que no somente o Departamento I.

    Outra importante simplificao foi a diviso do consumo em consumo dos ca-pitalistas e consumo dos assalariados atravs das categorias de rendimento do consu-mo pessoal. Isso resulta de ser essa a nica forma encontrada para obter-se, a nvel agregado, uma separao do consumo pessoal que, a grosso modo,atendesse s exi-gncias do modelo, Ainda assim, acredita-se que supor remuneraes de at 10 sal-rios mnimos/ms como basicamente fruto do trabalho assalariado e remuneraes acima desta faixa como conseqncia das atividades de capitalistas no nos afasta da realidade brasileira.

    Para o Departamento IV, que introduziu o setor pblico no modelo, foram consideradas apenas as atividades tpicas de governo (administrao geral; sade e previdncia social; e defesa nacional), observadas somente em sua funo de consu-

  • C t D Q B I B L I O T E C A

    midoras de produto. Assim, tarito as demais atividades governamentais de prestao de servios sociedade quanto o chamado setor produtivo estatal, de considervel peso na economia brasileira, ficam excludos deste departamento.

    O Departamento V, correspondente ao comrcio exterior, ficou restrito s ex-portaes de bens e servios avaliados a preos FOB e no ao saldo da balana co-mercial. As importaes foram tratadas como insumos dos setores produtivos nacio-nais (logo, implcitos tambm nos demais departamentos), e considerou-se que as mesmas tiveram participao constante no consumo de cada setor. Tal hiptese, que desconsidera o processo de susbtituio de importaes, deriva da prpria MRI-70, devendo ser aceita juntamente com todas as demais hipteses implcitas no modelo de relaes intersetoriais e que, como j foi dito, no sero aqui abordadas.

    3.4 Procedimento utilizado

    Algebricamente, determinou-se cada departamento como resultado do produ-to de duas matrizes. Esta operao pde ser processada sob duas ticas:

    partindo-se da diviso por produtos; - partindo-se da diviso por setores produtivos,

    A primeira matriz. A*, contm em cada coluna a participao do valor entre salrios (S), encargos sociais mais remuneraes pagas a trabalhadores em domiclio e rendimento de autnomos (N) e lucros (L), entendidos como resduo da subtra-o do valor adicionado das categorias acima, ou seja, o excedente operacional, para cada um dos produtos ou setores observados.

    A ^ ^

    U2 .. . .

    N N 2

    L i . .

    S i . . .

    N i , , ,

    Lm

    Sm

    Nm J 3xm

    onde Li +Si -I- Ni = valor adicionado de i

    A segunda matriz, B, contm os coeficientes de participao de cada categoria de demanda final em cada j-simo produto ou setor.

    B =

    IN

    IN2

    INj INm

    CKl

    CK2

    CKj CKm

    C2

    C22

    C2j C2m

    C5

    C5

    CIO, GO

    2 C5j C5m

    '1

    CIO2

    ClOj

    ClOm

    1

    GO2

    GOj GOm

    EXj

    EX2

    EXj EXm

    J mx7

    onde IN formao bruta de capital; CK - consumo pessoal acima de 10 SMs; C2 - consumo pessoal at 2 SMs;

  • C5 ^ consumo pessoal entre 2 e 5 SMs ; CIO consumo pessoal entre S e 10 SMs; GO consumo do goverilo; EX exportao de bens e servios.

    A matriz C resulta do produto A^B, indicando a participao de salrios, de-mais remuneraes do fator trabalho e lucros, conforme cada categoria de demanda final.

    L(IN) L(CK) L(C2) L(C.5) L(CIO) L(GO) L(EX) C=|S(IN) S(CK) S(C2) S(C.5) S(CIO) S(GO) S(EX)

    N(IN) N(CK) N(C2) N(C.5) N(CIO) N(GO) N(EX) J 3x7

    Finalmente, obtm-se a matriz departamental atravs das seguintes operaes na matriz C:

    - agregam-se aos salrios as demais remuneraes do trabalho em todas as ca-tegorias;

    agregam-se as colunas referentes s categorias de consumo pessoal abaixo de 10 SMs, criando o consumo do assalariado.

    Como para tais procedimentos foram necessrias adaptaes em ambas as for-mas de se operar, os resultados obtidos partindo-se da diviso por produtos apresen-taram pequena diferena dos obtidos partindo-se da diviso por setores.

    3.4.1 - Diviso por produtos

    Uma vez que os dados referentes diviso da renda na MRI-70 s foram for-necidos a nvel dos 86 setores produtivos - vetores-linha da Tabela 2 da MRl-70 (IBGE, 1979) no se poderia processar a multiplicao com a matriz BI dos coe-ficientes de distribuio dos 158 produtos por categorias de uso apresentados na Ta-bela 13 da MRI-70 (IBGE, 1979, p. 260-63). Assumiu-se, ento, a hiptese de pro-porcionalidade da participao da renda em relao ao valor produzido dentro de ca-da setor, isto , atividades produtivas do mesmo setor repartem a renda sob a mes-ma proporo. Assim, expandiu-se a matriz Aj de 86 para 158 colunas, discrimi-nando salrios, demais remuneraes do trabalho e lucros ao nvel dos produtos na mesma proporo que cada um destes participa relativamente ao total da produo do setor correspondente (conforme a classificao dos setores e produtos), utihzan-do os dados de produo da Tabela 1 da MRI-70 (IBGE, 1979, p. 97-113).

    Cabe ressaltar que, na matriz BI , uma vez que o consumo intermedirio foi posto de lado, a soma dos coeficientes de cada produto (vetores-linha) no alcana necessariamente a unidade. Tais coeficientes correspondem "normalizao dos ele-mentos das linhas da tabela 2 em relao ao total do valor de cada produto, exclusi-ve Variaes do Estoque e Erros e Omisses" (IBGE, 1979, p . 59).

  • F E E - C E D O C

    BIBLIOTECA

    3.4.2 - Diviso por setores produtivos

    A matriz A2 foi obtida diretamente dos vetores-linha da tabela dos setores produtivos e de demanda final. Mais complicada foi a matriz B2 dos coeficientes. Pa-ra tal, agregou-se, em cada setor, todos os produtos dele componentes e, posterior-mente, extraiu-se a participao relativa de cada categoria de demanda final sobre o total da produo por setor. Para garantir a coerncia com a matriz BI (e com o pr-prio modelo terico), excluram-se suprimentos de sucata e resduis reciclveis de estoque, bem como erros e omisses.

    Em relao variao de estoques, para garantir um controle sobre a hiptese de sua restrio, constituiu-se a matriz B3, que se diferencia da anterior apenas pelo fato de que a variao de estoques adicionada formao bruta de capital. Tam-bm nas matrizes B2 e B3, a soma dos coeficientes em cada linha no necessaria-mente igual a 1,

    3 . 5 - Resultados obtidos

    A matriz Cl , obda atravs do clculo por produtos, apresentou os seguintes resultados:

    Matriz Cl (Cr$ 1 000)

    IN CK C2 C5 CIO GO EX TOTAL

    15 776 9 823 7 108 8 431 6 650 9 349 3 596 2 217 2 821 2 366 1 924 1 716 1 215 1 486 1 196

    1 709 3 181 52 677 L 1 190 1 441 22 980 S

    628 427 8 592 N

    27 048 15 135 10 539 12 738 10 213 3 527 5 048 82 248

    Correspondendo ao seguinte quadro departamental:

    Matriz Ml

    D

    18,73 13,38

    32,11

    DII

    11,66 6,31

    17,96

    DIII

    26,34 13,41

    39,75

    DIV

    2,03 2,16

    4,19

    D V

    3,78 2,22

    5,99

    TOTAL

    62,53 37,47

    100,00

    (%)

    p w

    Cc Cw X

  • A matriz C2, obtida atravs do clculo por setores produtivos,mas desconside-rando variaes de estoque, apresentou os seguintes resultados:

    Matriz C2

    CCr$ 1 000)

    IN CK C2 C5 CIO GO EX TOTAL

    15 692 9 141 6 715 7 944 6 209 1 849 9 317 3 222 2 045 2 591 2 147 1 334 1 912 1 619 1 195 1 445 1 147 642

    3 307 50 857 L 1 374 22 030 S

    429 8 389 N

    26 921 13 982 9 955 11 980 9 503 3 825 5 109 81 257

    Correspondendo matriz departamental M2:

    Matriz M2

    D l DII DIII D IV D V TOTAL

    19,31 13,82

    11,25 5,96

    25,68 13,01

    2,27 2,43

    4,07 2,22

    62,57 37,43

    P W

    33,12 17,20 38,68 4,71 6,29 100,00

    Cc Cw X

    A Matriz C3, com a variao de estoques adicionais formao bruta de ca-pital apenas para efeito de controle, apresentou o seguinte quadro:

    Matriz C3 (Cr$ 1 000)

    Dl CK C2 C5 CIO GO EX TOTAL

    15 663 9 141 6 715 7 944 6 209 1 842 3 307 50 827 L 9 380 3 222 2 045 2 591 2 147 1 334 1 374 22 097 S 1 944 1 619 1 195 1 445 1 147 642 429 8 420 N

    26 986 13 982 9 955 11 980 9 503 3 825 5 109 81 341 Y

    As teraes percebidas ao nvel departamental foram insignificantes.

  • Matriz M3

    D l

    19,26 13,92

    33,18

    I

    DII

    11,24 5,95

    17,19

    Cc

    DIII

    25,66 12,99

    38,65

    Cw

    DIV

    2,27 2,43

    4,70

    D V

    4,06 2,22

    6,28

    TOTAL

    62,49 37,51

    100,00

    (%)

    P W

    4 Concluses 4.1 Anlise dos resultados

    Os resultados obtidos mostraram-se compatveis com os agregados fornecidos di-retamente pela MRI-70. Tanto a participao relativa de cada agregado na demanda fi-nal, conforme o quadro dos insumos dos setores produtivos (IBGE, 1979, p . 52), quan-to a participao de salrios e excedentes em termos do valor adicionado mostram-se bastante prximas dos resultados obtidos nas matrizes Ml e M2 (Quadros 1 e 2).

    Quadro 1

    DEMANDA FINAL MATRIZES

    Ml M2

    MRI-70

    Formao Consumo dos Consumo dos Governo Exportaes de Capital Capitalistas Assalariados

    32,11 33,12 29,95

    17,96 17,20 17,35

    39,75 38,68 40,65

    4,19 4,71 4,35

    5,99 6,29 7,69

    Quadro 2

    MATRIZES

    Ml M2

    MRL70

    VALOR ADICIONADO

    Salrios Lucros

    37,47 37,43 37,19

    62,53 62,57 62,81

  • Outra importante constatao foi obtida atravs da verificao acerca da hip-tese utiHzada por Kalecki de que a classe assalariada no poupa, fundamental para o desenvolvimento posterior do modelo. No caso deste trabalho, ela deve expressar uma relao de identidade entre o excedente do Departamento III (P3) e os salrios pagos nos demais departamentos (W1-W2-W44W5). Como pode-se ver no Quadro 3, tambm estes esto bem prximos:

    Quadro 3

    MATRIZES P3 Wl + W2 + W4 + W5

    Ml 23,34 24,07 M2 2.5,68 24,48

    Os coeficientes de distribuio da renda por departamento foram assim calcu-lados:

    Quadro 4

    rW/Y de 1970->

    MATRIZES wl w2 w3 w4 w5 w

    Ml 0,417 0,351 0,337 0,515 0,370 0,375 M2 0,417 0,346 0,336 0,516 0,353 0,374

    Percebe-se uma ntida disperso da distribuio de renda conforme os depar-tamentos. O Departamento IV, produtor de bens de consumo do governo, apresen-tou a maior participao dos salrios no valor adicionado, seguido pelo Departamen-to I, produtor de bens de produo, atividade que exige mo-de-obra mais qualifi-cada (e tambm com maior poder de barganha) e, por isso, pode fazer maiores exi-gncias salariais.

    Numa faixa intermediria, encontra-se o Departamento V, responsvel pelas exportaes, que so bastante dispersas por todas as atividades econmicas.

    Finalmente, nos nveis de pior distribuio funcional de renda, acham-se os departamentos produtores de bens de Consumo. No Departamento II, a presena mais forte do setor produtor de bens de consumo durveis pode explicar sua melhor posio em relao ao Departamento III. Este, caracterizado por atividades tecnica-mente mais simples, apresenta no somente o pior quadro agregado de distribuio de renda entre salrios e lucros, como provavelmente o pior salrio mdio, j que nas atividades mais tpicas do Departamento III se concentra grande parte da Populao Economicamente Ativa.

  • Com os resultados do Quadro 4, pode-se exprimir a equao de determinao de renda (adieionando-se, como exgenos, o consumo do governo e as exportaes), anloga equao (3):

    Ml= Y = I +Cc +G +X+0,417.I+0,351.Cc+0,515.0+0,370 x

    (1 - 0,337)

    ou

    Y = 1,629.1 +1,529. Cc +1,777. G + 1,558 x

    M2= Y = I + C C + G + X +0,417. I + 0 ,346.Cc+0,516.0 + 0,353, X (1 - 0,336)

    ou Y = 1,628.1 + 1,526. Cc + 1,777. G + 1,532. x

    que se vai sintetizar, para efeito de simulaes, em

    ' (4) Y = 1,63. L + 1,53. Cc + 1,78. G + 1,53 x

    4.2 Efeitos macroeconmicos da concentrao de renda

    A equao (4) de determinao de renda permitiu um exerccio acerca dos efeitos macroeconmicos da concentrao de renda ocorrida na primeira metade da dcada de 70.

    Como j foi visto no Quadro 1, os resultados agregados diretamente da MRI-70 aproximam de forma bastante razovel a participao relativa de cada departamento no valor adicionado. Do mesmo modo, tomando-se tais valores agregados em termos absolutos e aplicando-os equao (4), obteve-se:

    1,63. 47373 + 1,53. 27441 + 1,78. 6881 + 1,53. 12170 = 150193

    O resultado dessa operao (150.193) mostra-se, como era de se esperar, bas-tante prximo ao total do valor adicionado (150.936) apresentado pelo MRI-70.

    O mesmo procedimento e a mesma equao foram, ento, aplicados aos resul-tados apresentados pela viso preliminar da matriz de relaes intersetoriais de 1975, conforme a Tabela 2 de insumos produtivos e demanda final da Matriz Siderrgica: Brasil 1975 (IBGE, 1985). Ou seja, buscou-se obter uma aproximao para o valor adicionado, caso no houvessem ocorrido alteraes significativas na distribuio de renda ou no padro tecnolgico da produo,

    1.63, 299068 + 1,53. 193260 + 1,78. 38824 + 1,54, 70097= 960225

    O resultado obtido (960.225) foi, porm, bastante superior ao total do valor adi-cionado para 1975 (819.955), Como nesse perodo ocorreu um significativo processo de concentrao de renda, recalculou-se o coeficiente de participao dos salrios na renda gerada por cada departamento atravs da mesma proporo com que o montante total de salrios caiu relativamente (perda de 12,16% em relao aos coeficientes anteriores).

  • (W/Y de igVS)

    wl w2 w3 w4 w5 w

    0,366 0,306 0,300 0,453 0,318 0,329

    Aproximou-se uma equao de determinao da renda para 1975, levando-se em conta os novos coeficientes calculados.

    Y = 1,52. I + 1,43. Cc + 1,64. G + 1,45. x (4.1)

    Utilizando-se agora a equao (4.1), repetiu-se a operao de clculo do valor adicionado atravs dos agregados das categorias de demanda final apresentados pela MRI-75:

    1,52. 299068 + 1,43. 193260 + 1,64. 38824 -t- 1,45. 70097= 897236

    Apesar de o novo resultado ser ainda superior ao total do valor adicionado, tal diferena reduziu-se significativamente metade (cerca de 9%). Considera-se, assim, que o processo de concentrao de renda ocorrido entre 1970-75, tradicionalmente aceito como indispensvel para o crescimento econmico naquele perodo, implicou a necessidade de taxas de investimento (e de gastos em consumo de capitalista e do governo e em exportaes) cada vez mais elevadas, de forma a garantir o mesmo n-vel de crescimento do produto. Uma poltica de renda menos desfavorvel aos assa-lariados teria, portanto, reduzido a necessidade destes esforos, conforme atesta o nvel mais elevado de valor adicionado obtido a partir da manuteno do perfil dis-tributivo de 1970 em 1975.

    Para efeito de comparao, para garantir-se a mesma expanso do valor adicio-nado nessas circunstncias, teria sido necessrio, conforme a equao (4.1), um es-foro de elevar em 60% o montante total das exportaes brasileiras.

    Resta finalmente lembrar que este exerccio, ceteris paribus e com valores bas-tante aproximados para 1975, no levou em conta as significativas mudanas tecno-lgicas e da estrutura interdepartamental que certamente ocorreram na economia brasileira durante esse perodo de cinco anos. Em especial, deve-se ressaltar que se sups que o processo de concentrao de renda afetou, na mesma proporo, os coe-ficientes de participao dos salrios em cada departamento (por exemplo, caso este processo tenha se acentuado mais fortemente no Departamento III, os efeitos sobre a gerao da renda teriam sido ainda mais negativos).

    Quadro 5

  • B ' B L I O T C A

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