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Ana Paula Cabrita Natal de Brito Boto
Licenciada em Ensino da Matemtica Mestre em Administrao Pblica (MPA) - Especializao em Administrao da Educao
A Mediao e a Mediatizao das Polticas Educativas: O Papel da Imprensa Escrita na Iniciativa Novas
Oportunidades
Dissertao para obteno do Grau de Doutor em Cincias da Educao
na Especializao em Educao, Sociedade e Desenvolvimento
Orientadora: Professora Doutora Mariana Teresa Gaio Alves, Professora Auxiliar com Agregao, Faculdade de Cincias e Tecnologia/Universidade Nova de Lisboa
Jri
Presidente: Prof. Doutor Antnio Manuel Dias de S Nunes dos Santos
Arguentes: Prof. Doutor Almerindo Janela Gonalves Afonso Prof. Doutora Paula Cristina da Encarnao Oliveira Guimares
Vogais: Prof. Doutora Mariana Teresa Gaio Alves Prof. Doutora Antnia do Carmo Anjinho Barriga
Prof. Doutora Maria do Carmo Pereira de Campos Vieira da Silva Prof. Doutor Joo Jos Carvalho Correia de Freitas
Junho / 2016
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2016
Ana Paula Cabrita Natal de Brito Boto
Licenciada em Ensino da Matemtica Mestre em Administrao Pblica (MPA) - Especializao em Administrao da
Educao
A Mediao e a Mediatizao das Polticas Educativas: O Papel da Imprensa Escrita na Iniciativa Novas
Oportunidades
Dissertao para obteno do Grau de Doutor em Cincias da Educao
na Especializao em Educao, Sociedade e Desenvolvimento
Orientadora: Professora Doutora Mariana Teresa Gaio Alves, Professora Auxiliar com Agregao, Faculdade de Cincias e Tecnologia/Universidade Nova de Lisboa
Jri
Presidente: Prof. Doutor Antnio Manuel Dias de S Nunes dos Santos
Arguentes: Prof. Doutor Almerindo Janela Gonalves Afonso Prof. Doutora Paula Cristina da Encarnao Oliveira Guimares
Vogais: Prof. Doutora Mariana Teresa Gaio Alves Prof. Doutora Antnia do Carmo Anjinho Barriga
Prof. Doutora Maria do Carmo Pereira de Campos Vieira da Silva Prof. Doutor Joo Jos Carvalho Correia de Freitas
Junho / 2016
A Mediao e a Mediatizao das Polticas Educativas: O Papel da Imprensa Escrita
na Iniciativa Novas Oportunidades
Copyright Ana Paula Natal e FCT/UNL, Faculdade de Cincias e Tecnologia da
Universidade Nova de Lisboa
A Faculdade de Cincias e Tecnologia e a Universidade Nova de Lisboa tm o direito,
perptuo e sem limites geogrficos, de arquivar e publicar esta dissertao atravs de
exemplares impressos reproduzidos em papel ou de forma digital, ou por qualquer outro
meio conhecido ou que venha a ser inventado, e de a divulgar atravs de repositrios
cientficos e de admitir a sua cpia e distribuio com objetivos educacionais ou de
investigao, no comerciais, desde que seja dado crdito ao autor e editor.
III
Ao meu pai, in memoriam
minha me
IV
V
AGRADECIMENTOS
Agradeo em primeiro lugar minha orientadora, a Professora Doutora Mariana Gaio Alves, pelo apoio e disponibilidade sempre manifestados, pelos seus conselhos sbios e pertinentes que me
estimularam durante estes anos a manter uma atitude de constante questionamento e aprendizagem
reflexiva decisiva na concretizao deste projeto de investigao.
Aos meus colegas do Programa de Doutoramento em Cincias da Educao agradeo a ateno e o carinho que dispensaram nesta ltima etapa e que em muito me ajudaram a concluir este projeto.
minha famlia que pacientemente resistiu a tantos estados de alma inquietos, o meu profundo
agradecimento.
O meu agradecimento vai tambm para os meus amigos que estiveram ao meu lado quotidianamente e me encorajaram a prosseguir; para aqueles que, embora distantes, souberam
manter-se sempre presentes nos momentos mais difceis, enviando uma palavra amiga de carinho e
incentivo, deixo o meu muito sincero Obrigada.
VI
VII
RESUMO
Esta investigao, centrada na interao dos meios de comunicao social com as polticas de
educao e formao desenvolvidas em Portugal a partir de 2005 em torno da aprendizagem ao
longo da vida, tem em vista contribuir para clarificar alguns aspetos da construo das polticas
educativas que se prendem com os processos de mediao e mediatizao dessas polticas.
Considerando que num contexto de governana da educao os processos de regulao das
polticas educativas so necessariamente afetados pelas interpretaes veiculadas pelos meios de
comunicao social, contribuindo desse modo para as especificidades dos sistemas educativos
nacionais, o quadro terico de referncia que se construiu compreende uma abordagem ao conceito
de governana da educao, num contexto de globalizao e de polticas de aprendizagem ao longo
da vida que destaca os diversos nveis de regulao, bem como uma perspetiva compreensiva dos
processos de mediao e de mediatizao das polticas.
No plano emprico fixou-se como objetivo geral perceber qual foi o papel desempenhado
pela imprensa escrita nos processos de mediao e mediatizao da Iniciativa Novas Oportunidades
(INO). Recorrendo anlise do discurso e anlise de contedo procurou-se identificar e
compreender a complexidade de interaes que se estabeleceram no processo de mediao e
mediatizao da INO, e conhecer e interpretar as perspetivas em jogo. Neste sentido, apresenta-se
um quadro complexo que visa contribuir para aprofundar o conhecimento sobre as polticas de
aprendizagem ao longo da vida e sobre o papel dos meios de comunicao social na construo
dessas polticas.
Os resultados obtidos mostram que apesar das diferenas significativas na forma como a
INO foi interpretada por trs jornais, Pblico, Correio da Manh e Expresso, a educao e
formao de adultos esteve no centro das atenes. Porm, as vozes, esporadicamente de cientistas
da educao ou de cientistas sociais, revelaram preocupaes, ambiguidades e tenses em torno de
aspetos cruciais desta poltica educativa.
Termos-chave: Polticas Educativas, Aprendizagem ao Longo da Vida, Iniciativa Novas
Oportunidades, Discursos, Mdia, Mediatizao.
VIII
IX
ABSTRACT
This investigation, focused on the interaction of the media with the education and training policies
over lifelong learning which were developed in Portugal since 2005, aims at contributing to clarify
some aspects of educational policy making relating to the processes of mediation and mediatization
of these policies.
Whereas in a context of education governance the regulation processes of educational
policies are necessarily affected by the interpretations publicised by the media, thus contributing to
the specificities of national education systems, the theoretical framework of reference that we built
includes an approach to the education governance concept, in a context of globalization and of
policies for lifelong learning that highlights both the various levels of regulation and a
comprehensive perspective of the processes of mediation and mediatization of policies.
On the empirical level, we established as general objective perceiving the role of the press
in the processes of mediation and mediatization of Iniciativa Novas Oportunidades (INO). Using
discourse analysis and content analysis, we sought to identify and understand the complexity of
interactions that were established in the mediation process and mediatization of the INO, as well as
get to know and interpret the perspectives at stake. In this regard, we present a complex picture
whose aim is to improve knowledge on the policies of lifelong learning and on the role of the
media in the construction of these policies.
The results obtained show that despite the significant differences in the way INO was
interpreted by three newspapers, Pblico, Correio da Manh and Expresso, adult education and
training took center stage. However, there were voices, occasionally of educational or social
scientists, revealing concerns, ambiguities and tensions around crucial aspects of this educational
policy.
Keywords: Keywords: Educational policies, lifelong learning, Iniciativa Novas Oportunidades,
Media, Mediation, Mediatization.
X
XI
ndice de Matrias
Introduo ..................................................................................................................................... 1
PARTE I: Os Mdia num Quadro de Governana e de Polticas de Aprendizagem ao Longo da
Vida. ................................................................................................................................ 13
Captulo I: A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao ..................................... 13
1.1 Do Estado ao mercado: Novas formas de globalizao .................................................... 13
1.2 Entre o Estado e o mercado: Novos modos de governao dos Estados e da
educao.........................................................................................................................17
1.3 A governana da educao no espao europeu ................................................................ 21
1.4 A regulao nacional e a regulao local ......................................................................... 25
Captulo II: O Papel dos Mdia nos Processos de Microrregulao das Polticas ........................... 29
2.1 A esfera pblica nas sociedades democrticas atuais ....................................................... 29
2.2 Processos de construo dos problemas pblicos ............................................................ 32
2.2.1 O discurso no espao pblico e o espao de opinio da imprensa escrita ............... 34
2.2.2 O papel dos mdia numa sociedade democrtica ................................................... 37
2.3 A mediao e a mediatizao da poltica e das polticas .................................................. 40
2.3.1 A mediatizao segundo Shaun Rawolle ............................................................... 44
2.3.2 A mediatizao segundo Winfried Schulz ............................................................. 50
2.3.3 Agenda-setting, priming e framing........52
2.4 Seleo e construo das notcias .................................................................................... 57
2.4.1 Do conceito de gatekeeper aos processos de gatekeeping e de newsmaking ........... 57
2.4.2 Os valores de notcia e as rotinas produtivas ......................................................... 59
2.4.3 As fontes .............................................................................................................. 62
Captulo III: Os Contextos Macro e Meso da INO ........................................................................ 67
3.1 A aprendizagem ao longo da vida: Breve nota histrica ................................................... 67
3.2 Aspetos relevantes da educao de adultos em Portugal at 2004 .................................... 70
3.3 Momentos marcantes do ensino secundrio em Portugal at 2004 ................................... 78
3.4 A Iniciativa Novas Oportunidades................................................................................... 82
XII
3.4.1 O eixo de ao Adultos ......................................................................................... 84
3.4.2 O eixo de ao Jovem ........................................................................................... 88
3.5 Reflexo crtica sobre os principais resultados da INO .................................................... 90
3.6 Reflexo educativa sobre os temas subjacentes INO ..................................................... 93
3.6.1 A Aprendizagem ao longo da vida ........................................................................ 94
3.6.2 O processo de RVCC ............................................................................................ 97
PARTE II: A Mediao e a Mediatizao da INO ...................................................................... 101
Captulo IV: Construo da Problemtica e Opes Metodolgicas ............................................ 101
4.1 Objetivo e questes da investigao .............................................................................. 102
4.2 Constituio do corpus de anlise ................................................................................. 104
4.3 Metodologia de anlise dos textos da imprensa escrita .................................................. 108
4.3.1 A anlise do discurso e os textos da imprensa escrita .......................................... 110
4.3.2 A anlise de contedo e os textos da imprensa escrita ........................................ 113
Captulo V: As Vozes dos Agentes e os Contextos de Produo ................................................. 117
5.1 Panormica geral sobre os dados recolhidos .................................................................. 117
5.2 A notcia e a opinio em textos de dimenso reduzida ................................................. 122
5.3 O debate e a argumentao em torno da INO: O espao de opinio da imprensa escrita . 131
5.3.1 As vozes dos opinion makers e dos agentes entrevistados .................................. 132
5.3.2 As vozes dos leitores ......................................................................................... 141
5.4 Os textos dos jornalistas em torno da INO: A notcia e a reportagem .......................... 147
5.4.1 A INO no semanrio Expresso ............................................................................ 148
5.4.2 A INO no jornal C.M. ......................................................................................... 155
5.4.3 A INO no jornal Pblico ..................................................................................... 165
Discusso Geral e Concluso ..................................................................................................... 195
Referncias..209
Anexo A: Constituio do corpus de pesquisa por ano de publicao, gnero e jornal ......... 221
Anexo B: Temas centrais, temas enquadradores e respetivas categorias, e agentes citados ou
referidos ...................................................................................................................... 223
XIII
Anexo C: Anlise textual efetuada a dois artigos de opinion makers e a uma entrevista ....... 227
Anexo D: Anlise textual efetuada a duas Cartas ao Diretor/a ............................................. 237
Anexo E: Anlise textual efetuada a sete artigos do gnero jornalstico notcia e reportagem..
.241
Anexo F: Constituio do corpus de pesquisa por data de publicao, jornal, seco, gnero
jornalstico, autor e ttulo do artigo (em CD)..257
Anexo G: Anlise textual efetuada a 126 artigos (em CD)........ 271
XIV
XV
ndice de Grficos
Grfico 3.1: Literacia-alfabetizao na Europa, 1850-1970........................................................... 71
Grfico 5.1: Percentagem de artigos que integram o corpus de pesquisa publicados por gnero
dentro de cada jornal .................................................................................................................. 118
Grfico 5.2: Nmero de artigos de opinio exclusivamente de opinion makers que integraram o
corpus de pesquisa, publicados por ano em cada jornal .............................................................. 119
Grfico 5.3: Visibilidade dada INO por cada jornal e pelo conjunto dos trs jornais, com destaque
para ........................................................................................................................................... 121
Grfico 5.4: Contextos em que a INO foi abordada em textos de curta dimenso ........................ 122
XVI
XVII
ndice de Tabelas
Tabela 5.1: Nmero de textos por jornal e por gnero jornalstico............................................... 117
Tabela 5.2: Nmero de artigos que foram analisados mediante o mtodo de anlise do discurso,
distribudos por jornal e por gnero jornalstico .......................................................................... 121
Tabela 5.3: Nmero de artigos que foram analisados mediante o mtodo de anlise de contedo,
distribudos por jornal e gnero jornalstico ................................................................................ 122
Tabela 5.4: Viso panormica por temas enquadradores ............................................................. 123
Tabela 5.5: ndices por categoria de contedo no tema INO: A Poltica ...................................... 124
Tabela 5.6: ndices por categoria de contedo no tema INO: Implementao/Operacionalidade . 125
Tabela 5.7: ndices por categoria de contedo no tema INO: Avaliao e alteraes .................. 126
Tabela 5.8: Viso apresentada por cada jornal sobre a INO ........................................................ 126
Tabela 5.9: Viso do PBLICO por tema enquadrador e categorias dentro do tema INO: A poltica
.................................................................................................................................................. 127
Tabela 5.10: Viso do C.M. por tema enquadrador e categorias dentro do tema INO: A poltica . 128
Tabela 5.11: Viso do Expresso por tema enquadrador e categorias dentro do tema INO: Avaliao
e alteraes ............................................................................................................................... 129
Tabela 5.12: Viso apresentada por cada grupo de atores............................................................ 130
Tabela 5.13: Distribuio dos 18 artigos de opinio por jornal, data e autor ................................ 133
Tabela 5.14: Identificao das cartas dos leitores por data de publicao e autor ......................... 141
Tabela 5.15: Nmero de artigos em que se fizeram ouvir as vozes de cada agente tipo ............... 149
Tabela 5.16: Descritores de superfcie e organizao estrutural e os temas/objetos dos textos do
semanrio Expresso ................................................................................................................... 154
Tabela 5.17: Nmero de artigos em que se fizeram ouvir as vozes de cada agente tipo ............... 157
Tabela 5.18: Descritores de superfcie e organizao estrutural e temas/objetos dos textos do jornal
C.M. .......................................................................................................................................... 162
Tabela 5.19: Nmero de artigos do corpus de pesquisa por tipo jornalstico e ano de publicao 165
Tabela 5.20: Tipo e frequncia de assuntos abordados em torno da INO ..................................... 167
Tabela 5.21: Agentes e o respetivo nmero de artigos, publicados no perodo de 2005 a 2008, em
que as suas vozes se fizeram ouvir ............................................................................................. 168
XVIII
Tabela 5.22: Os agentes e o respetivo nmero de artigos, publicados em 2009, em que as suas
vozes se fizeram ouvir ............................................................................................................... 173
Tabela 5.23: Os agentes e o respetivo nmero de artigos, publicados em 2010, em que as suas
vozes se fizeram ouvir ............................................................................................................... 175
Tabela 5.24: Os agentes e o respetivo nmero de artigos, publicados entre 2011 e 2013, em que as
suas vozes se fizeram ouvir ........................................................................................................ 176
Tabela 5.25: Descritores de superfcie e organizao estrutural e os temas/objetos dos textos do
PBLICO .................................................................................................................................. 187
XIX
Siglas
AGEE Agenda Globalmente Estruturada para a Educao
ALV Aprendizagem ao Longo da Vida
ANDE Associao Nacional de Dirigentes Escolares
ANEFA Agncia Nacional de Educao e Formao de Adultos
ANQ Agncia Nacional para a Qualificao
ANPEFA Associao Nacional de Profissionais de Educao e Formao de Adultos
ANQEP Agncia Nacional para a Qualificao e o Ensino Profissional
BE Bloco de Esquerda
CDS-PP Centro Democrtico Social Partido Popular
CEF Curso de Educao e Formao
CEMC Cultura Educacional Mundial Comum
C.M. Correio da Manh
CNAES Comisso Nacional de Acesso ao ensino Superior
CNE Conselho Nacional de Educao
CNO Centro Novas Oportunidades
CQEP Centros para a Qualificao e o Ensino Profissional
CRSE Comisso de Reforma do Sistema Educativo
EEE Espao Europeu da Educao
EFA Educao e Formao de Adultos
ENDS Estratgia nacional de Desenvolvimento Sustentvel
FENPROF Federao Nacional dos Professores
IEFP Instituto do Emprego e Formao Profissional
INO Iniciativa Novas Oportunidades (programa)
IST Instituto Superior Tcnico
ME Ministrio da Educao
MTSS Ministrio do Trabalho e da Solidariedade Social
OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico
PCP Partido Comunista Portugus
PIRLS Progress in International Reading Literacy Study
PISA Programme of International Student Assessment
PNACE Plano Nacional de Ao para o Crescimento e Emprego
PNE Plano Nacional de Emprego
POPH Programa Operacional Potencial Humano
PS Partido Socialista
XX
PSD Partido Social Democrata
PT Plano Tecnolgico
QREN Quadro de Referncia Estratgica Nacional
RVCC Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias
TIC Tecnologias de Informao e Comunicao
TIMSS Trends in International Mathematics and Science Study
UE Unio Europeia
UI Unidade de informao
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura
1
Introduo
O trabalho realizado no mbito da dissertao que se apresenta centra-se na interao dos meios de
comunicao social com as polticas de educao e formao desenvolvidas em Portugal, a partir
de 2005, em torno da ideia de aprendizagem ao longo da vida. Neste texto introdutrio comea-se
por explicitar as motivaes pessoais que levaram a autora a realizar este trabalho de investigao e
o seu interesse cientfico e social; posteriormente, clarifica-se a abordagem metodolgica que se
privilegiou e a organizao geral desta dissertao.
A mediao das controvrsias no espao pblico em torno de assuntos respeitantes
educao pelos meios de comunicao uma rea que h alguns anos despertou o nosso interesse
seja pelo percurso profissional da autoraprofessora do ensino bsico e secundrio que durante
mais de uma dcada desempenhou funes na direo de uma escola secundria pblica, seja
pela pesquisa que realizou com vista obteno do grau de Mestre em Administrao Pblica na
especialidade de Administrao da Educao, realizada no Instituto Superior de Cincias Sociais e
Polticas e concluda em 2011. Nessa investigao, subordinada ao tema Entre os Problemas
Pblicos e a Agenda Poltica: O Papel dos Opinion Makers em torno do Novo Modelo de
Avaliao de Desempenho Docente (2007-2009), sob a orientao do Prof. Doutor Fernando
Humberto Santos Serra, a autora confirmou, entre outros aspetos substantivos relativamente
forma como esta medida de poltica educativa foi interpretada pelos colunistas/opinion makers de
dois jornais de referncia portugueses, a centralizao da argumentao em tpicos de natureza
vincadamente social e poltica, e a continuidade do fechamento do espao de opinio da imprensa
escrita que j Figueiras (2005) e Barriga (2007) haviam constatado nas suas pesquisas. Essa
investigao veio despoletar a necessidade de aprofundar as problemticas que emergem da
interao entre os campos sociais da educao e dos meios de comunicao social (mdia).
Por outro lado, quer como cidad quer tambm pelo seu percurso profissional, o qual exige
uma ateno particular s mudanas que ocorrem no nosso sistema educativo, a autora deu
particular ateno forma como algumas medidas de poltica educativa adquiriram grande
visibilidade no espao pblico e foram amplamente trabalhadas pelos meios de comunicao
social, especialmente, no perodo de governao socialista (2005-2009 e 2009-2011). Uma dessas
medidas foi o Programa Iniciativa Novas Oportunidades implementado em finais de 2005 pelo
XVII Governo Constitucional de Portugal em torno da ideia de aprendizagem ao longo da vida
(ALV). Este programa assentou em duas vertentes, uma dedicada aos jovens (eixo Jovem) e outra
aos adultos (eixo Adultos), e teve como desgnio elevar o patamar de qualificao generalizada dos
portugueses para o nvel do ensino secundrio. Constituindo-se como um pilar fundamental das
polticas de emprego e formao profissional nos anos que se seguiram, a estratgia tinha como
pressuposto uma relao positiva forte entre o investimento na produo de capital humano e o
emprego, a economia, o atenuar das desigualdades sociais e a intensificao da coeso social.
Introduo
2
A Iniciativa Novas Oportunidades (INO) motivou o desenvolvimento de um conjunto de
projetos de investigao que permitiram, entre outros aspetos, ajuizar acerca do seu real valor e do
seu mrito, analisar criticamente as orientaes polticas que lhe estiveram subjacentes, discutir os
desafios que se colocaram aos educadores de adultos no mbito deste programa e refletir sobre a
forma como Portugal interpretou as orientaes da Unio Europeia (UE) e as integrou no seu
sistema educativo. Os respetivos resultados tm sido traduzidos em dissertaes de mestrado e
doutoramento e outras publicaes cientficas (vejam-se, por exemplo, Almeida, 2011; Canrio,
Alves, N., Cavaco, e M. Marques, 2012; Carneiro et al., 2010; Fragoso & Guimares, 2010;
Carvalho, ., 2011; Guimares, 2009, 2010; M. Marques, 2010; Pacheco, 2009; Ramalhal, 2010;
Vieira, 2012), algumas das quais so consideradas na construo do quadro conceptual da
investigao e na reflexo educativa sobre temas subjacentes INO.
Para alm disso, a INO registou uma adeso significativa por parte da populao portuguesa
e despertou a ateno dos mdia, os quais mantiveram o assunto em agenda durante um longo
perodo de tempo. Sob a forma de notcias, reportagens e entrevistas os mdia divulgaram a ao
do governo e dos respetivos ministrios, reconhecendo-se o recurso aos mdia como forma de
divulgao de comunicados de imprensa sobre acordos ou negociaes entre o governo e parceiros
sindicais ou associaes, mas especialmente nas estratgias de informao ou promoo de
determinada poltica. As vozes do cidado comum, de representantes de estruturas mais ou menos
formais da sociedade civil e de um conjunto de atores com prestgio no espao pblico
comentadores/colunistas/opinion makersfizeram-se ouvir. Apresentando os seus pontos de vista,
argumentaram a opinio emitida em torno da INO, sugeriram, recomendaram e, desse modo,
influenciaram o poder poltico e as opinies pblicas.
A ateno destacada dos meios de comunicao social INO , em si mesma, um indcio de
alteraes no processo de governana da educao, no sentido em que as polticas educativas so
cada vez mais o resultado de processos complexos que esto sujeito s influncias e aos
constrangimentos que guiam a ao dos agentes e dos Estados em diversos nveis de deciso
(Alves, M., 2010b; Barroso, Carvalho, L., Fontoura, & Afonso, 2007). Neste cenrio os processos
de regulao das polticas educativas so necessariamente afetados pelas interpretaes fornecidas
pelos mdia, particularmente no interior de cada Estado, contribuindo, deste modo, para as
especificidades dos sistemas educativos nacionais. Saliente-se ainda que, num contexto de
governana, os Estados assumem essencialmente funes de articulao, regulao e coordenao
de uma diversidade de atores e grupos de interesse locais, nacionais e supranacionais que interagem
ao longo do tempo em debates e disputas tcnicas, constroem subjetividades, (re)conceptualizam os
problemas e definem a sua gravidade acentuando o carter complexo de construo das polticas
educativas enquanto processo social.
Assim sendo, este trabalho de investigao pretende contribuir para aprofundar a
compreenso das polticas de ALV e explicitar os processos de interao entre os meios de
Introduo
3
comunicao social e essas mesmas polticas e, desse modo, clarificar alguns aspetos da construo
social das polticas educativas, num quadro de multirregulao (Barroso, 2005a) dos sistemas
educativos.
A sua relevncia cientfica e social evidencia-se no seguinte: por um lado, sublinha-se o
modo como as polticas de educao de adultos foram, durante a primeira dcada do sculo XXI,
traduzidas em polticas de ALV no mbito das orientaes estratgicas da UE e, no caso portugus,
enquadradas na INO; destaca-se, tambm, o modo como o recurso formao conferente de
qualificao de dupla certificao serviu de legitimao para o combate excluso social, ao
insucesso e abandono escolar, tendo em vista, nomeadamente a melhoria dos indicadores de
Portugal em matria de educao e formao, a empregabilidade dos jovens e adultos e uma maior
competitividade das empresas, prosseguindo em linha com a matriz ideolgica veiculada nas
orientaes da UE; por outro lado, aprofunda-se o conhecimento sobre o papel dos mdia na
construo social de polticas de ALV. Este ltimo aspeto referido especialmente pertinente, pois
os mdia assumem um papel fundamental no processo poltico. Eles condicionam os temas em
discusso, deixando alguns de fora, (re)conceptualizam os problemas de acordo com os interesses
em jogo (McCombs, 2002; Tan & Weaver, 2010), moldam a forma como a opinio pblica reflete
sobre os assuntos (McCombs, 1997; 2002; 2004/2009), influenciam as prticas dos agentes
situados em campos sociais distintos (Rawolle, 2010a; Lingard & Rawolle, 2004), tm o poder
discricionrio de falar e de decidir sobre quem pode ou no falar (Barriga, 2007, p. 37) pelo que,
nesta medida, the media considerations increasingly affect education policy within the
intermediate space between the sphere of formal political agency and the public (Rnnberg,
Lindgren, & Segerholm, 2012, p. 1).
Pelas funes de mediao que os mdia desempenhampermitindo que se estabelea uma
dinmica de fluxos de produo, circulao, interpretao e receo, ainda que descontnuos e
assimtricos (Couldry, 2008)e pelo seu envolvimento na mediatizao da poltica e das polticas,
condicionam a formulao dos problemas, a interpretao e a implementao das polticas, e
exercem um papel importante nos processos de obteno de poder por parte dos agentes, pessoas e
instituies. O seu envolvimento altera e formata as relaes (Mazzoleni & Schulz, 1999; Rawolle,
2010a; Strmbck, 2011; 2013), influencia as prticas dos agentes situados em campos sociais
distintos (Rawolle, 2010b) e, por conseguinte, so um elemento poderoso na produo e
reproduo das dimenses ideolgicas dos discursos pblicos. Por estas e outras razes que se
apresentam no desenvolvimento desta dissertaono as tendo certamente esgotado, mas to s
sublinhado as que se consideram como principaisos mdia so um ator a que devemos dar
particular ateno no estudo das polticas educativas.
Tendo em conta o enquadramento contextual e motivacional atrs sintetizados, estabeleceu-
-se como objetivo geral da investigao perceber qual foi o papel desempenhado pelos mdia no
processo de mediao e de mediatizao da INO. Com este objetivo, tomou-se como objeto de
Introduo
4
estudo os textos da imprensa escrita do gnero jornalstico notcia, notcia breve, reportagem, e
outros de carter opinativo, como os editoriais, artigos de opinio, entrevistas, cartas do leitor ou
ao diretor/a, e comentrios online reproduzidos em papel, publicados entre 2005 e 2013, cujo
contedo versava a INO como tema principal, secundrio ou pontual. Assim, nesta pesquisa
procurou-se identificar e compreender a complexidade de interaes que se estabeleceram no
processo de mediao da INO, conhecer e interpretar as perspetivas dos respetivos autores.
Para o alcance do objetivo geral da investigao concorreram as seguintes questes
genricas:
Como foi a INO apresentada e interpretada na imprensa escrita?
Quais os atores que se envolveram no debate?
Que perspetivas e interesses estiveram em jogo?
Apresenta-se, pois, um quadro complexo em torno de uma situao concreta, enquadrando-
-se esta investigao no paradigma da investigao qualitativa.
Na anlise dos dados empricos optou-se, face ao tipo de dados que se recolheram, por um
conjunto diversificado de tcnicas mistas, qualitativas e quantitativas, ou seja:
Na anlise dos textos de dimenso reduzida, ou seja, textos com menos de 150 palavras, e
dos excertos de textos que abordavam pontualmente a INO, utilizaram-se tcnicas de anlise
de contedo. Estas implicaram a construo de categorias, recorrendo a um processo
iterativo de codificao e recodificao, e o respetivo recorte do texto em unidades de
informao; posteriormente procedeu-se a contagens e determinao de valores de ndices
visibilidade, orientao, parcialidade e impacto-tendncia/peso-tendncia, seguindo a
proposta apresentada por Lise Chartier (2003);
Na anlise dos textos de maior dimenso, mais de 150 palavras, cujo contedo se relacionava
com a INO, utilizou-se a anlise do discurso, seguindo, tanto quanto possvel, a proposta de
Anabela Carvalho (2000), a qual implicou a elaborao de anlises textuais e anlises
contextuais;
Na elaborao das anlises contextuais aplicaram-se, tambm, tcnicas de anlise de
contedo, tomando como ponto de partida seis dimensesdescritores de superfcie e
organizao estrutural, temas/tpicos, agentes, linguagem e retrica, estratgias discursivas
e posies ideolgicasque decorreram da tarefa de anlise textual realizada previamente.
A presente dissertao encontra-se estruturada em duas partes, subdivididas em captulos,
seces e subseces. O objetivo da primeira parte Parte I a construo do enquadramento
terico da investigao e a caracterizao do contexto supranacional e nacional em que surgiu a
INO. Na segunda parte Parte II constri-se o quadro geral da investigao, explicitam-se as
opes metodolgicas tomadas e apresenta-se o trabalho emprico realizado. Por ltimo, faz-se a
discusso geral dos resultados obtidos e apresentam-se as concluses. A dissertao finaliza com a
apresentao das Referncias s quais se seguem os Anexos ao trabalho de investigao.
Introduo
5
A Parte I Os Mdia num Quadro de Governana e de Polticas de aprendizagem ao Longo
da Vida est subdividida em trs captulos: Captulo I A Globalizao e Novos Modos de
Governao da Educao; Captulo II O Papel dos Mdia nos Processos de Microrregulao das
Polticas; e Captulo III Os Contextos Macro e Meso da INO. Os Captulo I e II encontram-se
divididos em quatro seces cada um e o Captulo III est dividido em seis seces.
Na primeira seco do Captulo I Do Estado ao mercado: Novas formas de globalizao
analisam-se, de forma bastante sinttica, algumas mudanas que estiveram na base da crise do
Estado Providncia e da crise de governabilidade que se seguiram ao final da II Guerra Mundial e
que originaram, nos anos 1980, o aparecimento de correntes polticas neoliberais e
neoconservadoras nos Estados Unidos da Amrica, Inglaterra e em alguns outros Estados. Estas
correntes de pensamento, por influncia de foras supranacionais e da globalizao da economia,
impuseram um novo modelo econmico, social e poltico a todos os Estados que estavam sob a
influncia dessas organizaes, designadamente a Portugal, provocando uma eroso progressiva
nas soberanias nacionais que conduziu redefinio do papel dos Estados e teve repercusses
assinalveis na construo das polticas educativas e na definio e priorizao dos problemas.
A segunda seco deste primeiro captulo Entre o Estado e o mercado: Novos modos de
governao dos Estados e da educao centra-se no novo conceito de governana que emergiu,
no incio deste novo milnio, no mbito de um novo paradigma de regulao social e econmica
que comprometeu os Estados num processo de governao global mas sem um governo global
(Castells, 2005, p. 25; 2008, p. 89) e que veio alterar a relao destes com a educao. Neste
sentido, sustenta-se a perspetiva de Dale (2004) formulada na Agenda Globalmente Estruturada
para a Educao. Nesta perspetiva o autor defende a existncia de uma agenda supranacional para
a educao. Assumindo como ideia central que aquilo que est em jogo a manuteno e
reproduo do sistema econmico e capitalista e a posio hegemnica que nele detm os estados
mais poderosos, como refere Afonso (2001, p. 40), esta tica sublinha as especificidades nacionais
que resultam de processos de regulao que atuam no interior dos Estados e que se articulam, de
forma mais ou menos (in)dependente, com os processos de regulao supranacionais; neste aspeto,
a Agenda Globalmente Estruturada para a Educao distancia-se de outras perspetivas
desenvolvidas no mbito da educao comparada que realam, por exemplo, a existncia de
modelos que os Estados-nao tendem a reproduzir de modo isomrfico, sujeitando de forma
determinante os seus sistemas educativos s orientaes emanadas supranacionalmente.
Na terceira seco do primeiro captulo A governana da educao no espao europeu
centra-se a ateno nos processos de governana da educao no espao europeu. A sistematiza-se
o modo como as alteraes que ocorreram neste espao nas duas ltimas dcadas, em termos de
governana, transformaram a UE num ator ativo e relevante na rea da educao, e como a ALV
surgiu como principal lema das polticas educativas europeias (Alves, M., 2010a, p. 9). Em
Introduo
6
coerncia como a perspetiva que se assumiu na seco anterior, toma-se como referncia as trs
fases desse processo que foram identificadas por Dale (2008).
Na quarta e ltima seco deste primeiro captulo A regulao nacional e a regulao
local aborda-se a forma como, no atual quadro de governana dos sistemas educativos, os
governos lidam em territrio nacional com os vrios tipos de regulaoregulao nacional e
regulao local ou microrregulaoseguindo a interpretao de Barroso (2005a; 2005b; 2006).
No segundo captulo da Parte I constri-se o quadro conceptual que permite compreender a
ao dos meios de comunicao social, num quadro de reconfigurao do papel dos Estados e de
crescente envolvimento da sociedade civil nos processos de construo das polticas pblicas e de
interveno no espao pblico.
Na primeira seco deste segundo captulo A esfera pblica nas sociedades democrticas
sublinham-se algumas das ideias contidas no modelo discursivo de espao pblico idealizado por
Jrgen Habermas no mbito da teoria democrtica deliberativa e destacam-se, por nos parecerem
bastante realistas, algumas das crticas que lhe foram sinalizadas por autores defensores da
perspetiva construcionista do discurso, nomeadamente por Nancy Fraser e por Solen Sanlin.
Na segunda seco deste captulo Os processos de construo dos problemas pblicos
subdividida em duas subseces, desenvolve-se a ideia de espao pblico numa sociedade
democrtica como um espao em permanente construo e reformulao onde os atores constroem
referenciais e imagens da realidade sobre a qual desejam intervir. Mas, sublinha-se, tambm, o
quanto este espao pblico est longe da gora ou da praa pblica onde os assuntos da vida
pblica e a governao eram discutidos, em virtude de atualmente ser um espao de luta pelo poder
social e pelo acesso ao discurso onde determinados agentes mais familiarizados com os cdigos e
prticas mais legtimas da cultura dominante parecem ter um acesso privilegiado. Neste contexto,
sintetizando vrios pontos de vista, interroga-se o papel dos mdia numa sociedade democrtica.
Assim, destacam-se quer perspetivas mais moderadas que veem os mdia como promotores do
dilogo entre aqueles que esto suficientemente informados para poderem participar e assegurar a
transparncia da governao, quer outras posies mais extremadas que os veem como uma forma
de poder que se impe a todas a outras estruturas democrticas.
A terceira seco do segundo captulo A mediao e a mediatizao da poltica e das
polticas est subdividida em trs subseces e tem como objetivo contribuir para a compreenso
dos conceitos de mediao e de mediatizao das polticas educativas. Nesta seco analisa-se a
forma como estes conceitos so entendidos por diversos autores no mbito da interao dos mdia
com a poltica e instituies polticas e, particularmente, com as polticas educativas. A
investigao na rea da educao tem sido influenciada nas ltimas dcadas pelos resultados
obtidos na pesquisa em diversas reas do conhecimento onde estes conceitos tm sido bastante
trabalhados. Uma parte das pesquisas tem procurando conhecer a forma como os mdia interagem
com a educao e quais os efeitos dessa interao nos processos de construo das polticas
Introduo
7
educativas no interior de cada pas. Todavia, apesar da proliferao de estudos em torno desses
conceitos, as perspetivas sobre cada um deles no so consensuais (Couldry, 2008; Morgan, 2011;
Rawolle, 2010a). Especialmente, o conceito de mediatizao tem sido analisado sob diversos
ngulos em estudos sobre comunicao, sociologia e ps-modernismo, e talvez, tambm por isso,
tenha admitido interpretaes diferentes (Rawolle, 2010a). Alm disso, o facto de, sobretudo, os
autores ingleses e americanos enfatizarem o papel da mediao, ao passo que os autores da Europa
continental do primazia mediatizao, como Strmbck (2013) constata, dificulta a clarificao
destes conceitos. Assim sendo, nas subseces desta terceira seco, sintetizam-se algumas
perspetivas e analisam-se as abordagens de Shaun Rawolle e de Winfried Schulz ao conceito de
mediatizao. O primeiro autor conceptualiza a mediatizao das polticas como um conjunto de
prticasjogo jogado num campo social temporriode que resultam efeitos cruzados do jogo da
prtica entre os agentes posicionados em campos distintos (Rawolle, 2010a). Por sua vez, Schulz
define a mediatizao como the role of mass media in a transforming society (Schulz, 2004, p.
98). A forma como este autor conceptualiza a mediatizao apresenta vrios pontos de conexo
com as abordagens aos conceitos de agenda-setting, priming e framing, pelo que se optou por
aprofundar o conhecimento sobre estes conceitos.
A quarta e ltima seco deste segundo captulo Seleo e construo das notcias
justifica-se nas palavras de Gustavo Cardoso (2009):
[] a mediao central nas nossas sociedades, mas a compreenso da mediao s pode
ocorrer se compreendermos como se produzem notcias e entretenimento (e quem as
produz), se percebermos como as audincias vivem a mediao e a incorporam no seu dia-a-
dia e como os media se esto a transformar, por via da mudana da mediao, e como eles
prprios influenciam a mudana social. (p. 7)
Sendo assim, exploram-se trs aspetos fundamentais no processo de seleo e construo das
notcias os quais foram extremamente valiosos no mbito da componente emprica desta pesquisa,
nomeadamente, pelo seu contributo para a compreenso das interaes entre o campo jornalstico e
o campo do poder poltico: (a) os processos de gatekeeping e de newsmaking, (b) os valores de
notcia e as rotinas produtivas, e (c) as fontes ou os canais de recolha das notcias.
No terceiro captulo, analisam-se os contextos macro e meso da INO. Esta Iniciativa surgiu
inserida num vasto conjunto de medidas de poltica educativa, de emprego e de modernizao
tecnolgica do pas que visavam dar resposta a alguns dos problemas internos de Portugal,
designadamente em matria de educao e formao, pois apesar dos progressos feitos nas ltimas
dcadas persistia o baixo desempenho de Portugal em indicadores de referncia estabelecidos pela
UE e pela Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE).
Introduo
8
Simultaneamente, essas medidas permitiram que a ALV se assumisse como um vetor fundamental
na produo de uma fora de trabalho mais produtiva e competitiva, honrando deste modo os
compromissos assumidos no mbito da construo de um Espao Europeu de Educao. Assim, a
INO, enquanto poltica educativa alicerada em polticas de ALV, assentou na ideia veiculada pelas
orientaes europeias que o investimento na qualificao das pessoas era a chave para a
produtividade e para o crescimento da economia (Fragoso & Guimares, 2010).
Na primeira das seis seces em que este captulo se encontra dividido Aprendizagem ao
longo da vida: Breve nota histrica apresenta-se uma breve aproximao forma como a ALV
assumindo novos significados que a afastavam do ideal de educao ao longo da vida, a qual
conferia centralidade educao tambm enquanto objeto de polticas sociais (Lima, 2011),
comeou a ser considerada uma questo prioritria e uma ideia-chave presente no discurso poltico
e nos documentos da UE, assumindo-se em 2005 como um dos vetores fundamentais na produo
de uma fora de trabalho mais produtiva e competitiva enquanto nica via para atingir os objetivos
de Lisboa (Dale, 2008). Para finalizar, destaca-se o ponto de vista de Nvoa (2013) sobre a forma
como a ALV foi interpretada no novo Programa de Educao e Formao 2020.
Nas duas seces seguintes Aspetos relevantes da educao de adultos em Portugal at
2004 e Momentos marcantes do ensino secundrio em Portugal at 2004 apresentam-se tpicos
importantes da educao de adultos e do ensino secundrio em Portugal que contextualizam o
panorama social e educativo que antecedeu e legitimou a implementao da INO. Como Lima
(2005) sublinha, desde a entrada de Portugal na Comunidade Europeia que o analfabetismo literal
deixou de ser assinalado como um problema educativo; as formas de educao no formal e
informal foram desvalorizadas e s em 2001 foram criados os centros de Reconhecimento,
Validao e Certificao de Aprendizagens os quais mantiveram uma expresso bastante reduzida
at implementao da INO. Portanto, durante largos anos, na sequncia da Lei de Bases do
Sistema Educativo, pese embora os esforos da Comisso de Reforma do Sistema Educativo, a
educao de adultos foi praticamente reduzida a formas escolares de educao (Fragoso &
Guimares, 2010; Lima, 2005), na modalidade de ensino recorrente, como segunda oportunidade,
e de um tipo de formao profissional subjugada s necessidades do mercado, ou seja uma
formao ps-escolar, dirigida a adultos pouco escolarizados e com claras finalidades de
adaptao e ortopedia social (Canrio, 2006, p. 168). Neste sentido, sublinha-se, em particular, no
que respeita ao primeiro tema, o carter intermitente (Lima, 2011, p. 32) das polticas de
educao e formao de adultos desde a revoluo de abril de 1974, registando-se perodos de forte
investimento neste domnio que alternaram com etapas de significativo desinvestimento. No
segundo tema, entre outros aspetos, destaca-se o aparecimento das primeiras escolas profissionais
no final da dcada de 1980. Cabendo a sua criao iniciativa local, esta medida de poltica
educativa insere-se no mbito da redefinio do papel do Estado na educao e de uma maior
interveno da sociedade civil na construo das polticas educativas (Afonso, 2002a). Mas, como
Introduo
9
este autor tambm sublinha (p. 55), esta medida assumiu caractersticas de uma poltica educativa
hibrida, pois, no obstante tratar-se de um exemplo da emergncia da ideologia neoliberal na
poltica educativa, ao Estado competiu um papel extremamente importante e decisivo na [sua]
gnese e desenvolvimento.
Na quarta seco A Iniciativa Novas Oportunidades sistematiza-se o programa INO
desenvolvendo, em duas subseces distintas, os objetivos e as metas definidos pelo XVII Governo
Constitucional e as medidas preconizadas em cada um dos seus dois pilares, Jovens e Adultos. Na
seco seguinte Reflexo crtica sobre os principais resultados da INO apresenta-se, tal como
o nome indica, uma reflexo crtica sobre os principais resultados desta poltica. Para esta anlise
convoca-se, no que respeita vertente dos adultos, a viso dos autores do Estudo de Avaliao
Externa levado a efeito pela Universidade Catlica Portuguesa, sob a coordenao de Roberto
Carneiro, no mbito do processo de avaliao externa do eixo de ao Adultos; focam-se os aspetos
positivos assinalados, os aspetos a melhorar, os desafios a ultrapassar e as recomendaes
apresentadas pelos autores do estudo. No respeitante ao eixo Jovem, apresentam-se as concluses
mais pertinentes mostradas no Relatrio Final resultante do Estudo de Avaliao Externa dos
Percursos Ps-formao dos Diplomados de Cursos Profissionais, realizado pelo Instituto de
Estudos Sociais e Econmicos, sob a coordenao de Catarina Pereira (2011). Na sequncia de
cada uma destas snteses que enfatizam alguns aspetos positivos, destaca-se um conjunto de pontos
crticos assinalados por Almeida (2011), Canrio et al (2012), Guimares (2010), Pacheco (2009) e
Pires (2007) em torno da INO e dos aspetos ideolgicos que, alguns destes autores consideram, que
estarem implcitos neste programa.
O terceiro captulo termina com uma seco Reflexo educativa sobre os temas
subjacentes INO a ALV e o Reconhecimento, Validao e Certificao de Aprendizagens
(RVCC). Entre outros aspetos, destaca-se o facto de a ALV ter vindo a assumir uma pluralidade de
sentidos (Alves, M., 2010a; Dale, 2008; Neves, 2010) e clarificam-se alguns conceitos que se
utilizaram na componente emprica em torno destas duas problemticas, especificamente os de
aprendizagem formal, informal e no-formal; alm disso analisam-se as lgicas subjacentes a cada
uma das dimensesformativa, e sumativa e formal, de validao e certificao, que o processo
de RVCC incorpora.
A segunda parte desta dissertao Parte II: A Mediao e a Mediatizao da INO
encontra-se dividida em dois captulos Captulo IV: Construo da Problemtica e Opes
Metodolgicas e Captulo V: Os Discursos dos Agentes e os Contextos de Produo cada um
deles comportando vrias sees e subseces. No primeiro captulo, numa seco, constri-se a
problemtica e definem-se as opes metodolgicas, apresentando os objetivos e as questes da
investigao; em outra seco define-se a lgica que presidiu constituio do corpus de pesquisa,
os respetivos fundamentos e as metodologias de anlise utilizadas, definindo-as, referenciando-as e
justificando-as.
Introduo
10
No Captulo V apresentam-se os resultados. Comea-se por mostrar um panorama geral
sobre os dados recolhidos e, numa fase posterior, sistematizam-se os dados e analisam-se os
resultados de modo parcelar, iniciando este processo pela apresentao e anlise dos (242) textos
de dimenso reduzida ou dos excertos que abordavam pontualmente a INO. Prosseguindo na
mesma linha, a terceira e quarta sees deste quinto captulo so dedicadas apresentao dos
resultados e anlise que incidiu sobre os (126) textos de maior dimenso. Assim, a terceira seco
(dividida em duas subseces) respeita aos textos de opinio, quer de opinion makers e editorias,
quer entrevistas sobre a INO (efetuadas por jornalistas) e cartas dos leitores. A quarta seo,
dividida em trs subseces, dedicadas a cada um dos trs jornais, Expresso, Correio da Manh e
Pblico, respeita s notcias e reportagens. Por uma questo de clareza e sistematizao dos
resultados, optou-se por apresentar as anlises contextuais elaboradas com base nas anlises
textuais previamente efetuadas aos 126 artigos. Cada subseco finaliza com uma sntese dos
principais resultados.
Na Discusso Geral e Concluso interpretam-se criticamente os resultados do trabalho
realizado remetendo para os objetivos da investigao e, simultaneamente, confrontando esses
resultados com estudos cientficos e resultados de pesquisas publicados.
Apesar das diferenas significativas na forma como a INO foi interpretada, os trs jornais
tiveram um papel importante na sua mediao e mediatizao, particularmente no que respeita
vertente dos adultos. Na investigao realizada, reuniram-se indcios de que o perodo que se
iniciou com a implementao da INO em 2005 e que decorreu at 2013 foi um tempo em que a
educao de adultos teve um protagonismo meditico assinalvel e repercusses na sociedade
portuguesa como no era observvel desde a segunda metade dos anos setenta do sculo transato.
Acresce o facto de, durante os primeiros anos de implementao da INO, a imprensa, ou pelo
menos parte dela, ter funcionado como plataforma ou elemento facilitador da formao da opinio
pblica e da interpretao da poltica associada INO, aspeto que pode tambm justificar a forte
adeso dos portugueses Iniciativa.
Salienta-se que uma perspetiva otimista baseada na crena de que a INO teria reflexo nas
vidas profissionais dos formandos, na empregabilidade, na economia e no desenvolvimento e na
modernizao do pas dominou, em termos de notcia e de reportagem, pelo menos at meados de
2008. Mas, sublinha-se tambm que esta perspetiva coexistiu, nos discursos veiculados pela
imprensa escrita, com uma outra lgica: a de que a INO tambm daria um contributo para a justia
social, pela oportunidade que oferecia aos portugueses de ascender socialmente. Esta situao que
se encontra associada ao processo de mediao da INO evidenciou tambm uma certa dependncia
do campo poltico em relao ao campo dos mdia no que respeita ao spin dos polticos, ou seja, ao
modo como estes atores usam o seu capital simblico para controlar a forma como o pblico recebe
as polticas (Stack, 2010).
Introduo
11
Mostra-se, tambm, como, uns anos mais tarde e num registo diferente deste, a luta
discursiva encetada pelo semanrio Expresso em torno da lei de acesso ao ensino superior destacou
o poder dos mdia no processo de regulao das polticas educativas e evidenciou, uma vez mais, o
papel da imprensa na mediatizao das polticas.
Com a INO, a poltica educativa em Portugal valorizou as componentes no formais e
informais da ALV, ao assumir os processos de RVCC como uma das vias de qualificao; neste
aspeto, considera-se notvel a visibilidade dada pela imprensa escrita a esta poltica,
particularmente vertente dos Adultos, registando-se, por vezes, um envolvimento claro tambm
de jornalistas em torno da educao e da formao de adultos e da sua credibilizao. O forte
impacto que a educao e formao de adultos teve nos mdia teve a sua expresso mxima entre
2011 e 2013, como se de uma espcie de canto do cisne1 da INO se tratasse. Neste perodo a
ateno nos trs jornais dirigiu-se, em tom crtico, para as alteraes na educao de adultos e para
o modo como estas foram introduzidas pelo XIX Governo Constitucional, evidenciando os pontos
crticos desta poltica e os desafios que se colocam no mbito do paradigma da aprendizagem ao
longo da vida.
Por ltimo, reflete-se sobre a necessidade da anlise das questes educativas surgir menos
empolada por questes polticas e de governao, como por vezes se verificou, bem como sobre a
importncia da imprensa escrita recorrer com mais frequncia a vozes de especialistas em educao
que quase no se fizeram ouvir sobre a INO ou sobre temas educativos subjacentes a esta poltica.
Noutros termos, sublinham-se alguns aspetos do processo de mediao das polticas educativas
que, do nosso ponto de vista, podem melhorar na forma como as questes educativas so
trabalhadas no espao pblico mediatizado pela comunicao social.
No obstante o facto de se terem deixado em aberto vrios aspetos do processo de mediao
e mediatizao das polticas educativas que necessitam de um maior aprofundamento e de um
tratamento emprico diverso, as concluses a que se chegou merecem, no nosso entender, a ateno
das Cincias da Educao mas, tambm, de outros ramos do conhecimento, nomeadamente das
Cincias da Comunicao.
Em anexo a esta dissertao apresentam-se: (a) a constituio do corpus de pesquisa por ano
de publicao dos artigos, gnero e jornal; (b) exemplos da anlise textual efetuada a 126 artigos do
gnero notcia, reportagem e opinio de cada um dos jornais que integraram o corpus de pesquisa e
com base nos quais se efetuaram as vrias anlises contextuais; e (c) o conjunto de grelhas
construdas no mbito do processo de anlise de contedo aplicada aos 242 excertos de notcias e
1 Expresso anteriormente utilizada por Rui Canrio (2006, p. 177) a respeito do Plano Nacional de Alfabetizao e Educao de Base de Adultos o qual visava o relanamento de uma poltica de educao
popular mas que, segundo o autor, nunca passou do papel, represent[ou]ando o fim de um ciclo
desencadeado com o 25 de Abril.
Introduo
12
textos de dimenso reduzida, as quais compreendem os temas centrais em torno dos quais a INO
foi referida pontualmente, os temas enquadradores do discurso, as categorias de contedo e a
respetiva descrio, assim como uma tipologia dos agentes citados ou referidos.
Ainda em anexo, mas apenas em CD, apresenta-se a constituio integral do corpus de
pesquisa, organizada por data de publicao, jornal, seco, gnero jornalstico, autor e ttulo,
assim como a anlise textual efetuada aos 126 artigos.
13
PARTE I
Os Mdia num Quadro de Governana e de Polticas de Aprendizagem
ao Longo da Vida
Captulo I: A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao
Os desafios colocados pela globalizao dos ltimos 30 anos aceleraram as mudanas e criaram
ambientes caracterizados pela incerteza e complexidade dos problemas, multiplicidade de atores e
interesses envolvidos. As profundas mudanas econmicas, polticas e sociais que estiveram na
origem do desmoronar do estado social democrtico do ps-guerra fizeram emergir novas
problemticas no mbito da governao dos Estados obrigando a uma reconfigurao do seu papel.
O modo como se fez sentir a globalizao na construo dos problemas da educao e nos
sistemas educativos de um modo geral, e a forma como o novo papel dos Estados veio alterar a sua
relao com a educao, particularmente no que respeita ao espao europeu no qual as alteraes
que ocorreram nas duas ltimas dcadas em termos de governana transformaram a Europa num
ator ativo e relevante na rea da educao, so aspetos abordados ao longo deste captulo.
1.1 Do Estado ao mercado: Novas formas de globalizao
O projeto de desenvolvimento iniciado aps o final da II Guerra Mundial, que tinha o Estado-
-nao como espao privilegiado de construo do ideal da modernidade, conduziu a uma
integrao econmica global que fez deslocar os termos do desenvolvimento de uma questo
dominantemente nacional para uma questo progressivamente global (Teodoro, 2001, p. 148). Por
um lado, a globalizao crescente da economia e as alteraes na natureza da competio
econmica conduziram ao aumento de poder das corporaes multinacionais e consequente
reduo da capacidade de superviso e controlo dos governos. Por outro lado, o desenvolvimento
da tecnologia, a deslocao do investimento para novos setores geogrficos e a diminuio da
implementao de polticas econmicas de relanamento, aceleraram o esboroar das fronteiras
econmicas (Ball, 1998; Brown & Lauder, 1997) e conduziram construo de novas alianas
procuradas dentro e fora dos limites de cada Estado. Neste contexto, os Estados perderam o
monoplio da proviso de bens e servios, e da deciso no processo de construo das polticas,
originando o desmoronar do estado social democrtico do ps-guerra e o surgimento de novas
problemticas no mbito da sua governao que se prendem com a gesto da complexidade da
mudana, a rentabilizao dos recursos e o assegurar da legitimidade poltica. Assim, o novo papel
do Estado e a redefinio das suas funes foram questes que comearam a adquirir centralidade
nas dcadas de oitenta e noventa do sculo XX.
Noutros termos, o contrato social nacional, enquanto paradigma de legitimidade de
governao, de bem-estar e de segurana, subjacente aos Estados democrticos europeus, foi
A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao
14
fortemente criticado a partir dos anos setenta2 por no ser capaz de dar resposta crescente
complexidade dos problemas sociais e culturais (Fontoura, 2008). Como consequncia, o Estado
perdeu a sua legitimidade e comeou a dar sinais de esgotamento do seu aparelho poltico-
administrativo, centralizado, hierarquizado e tcnica e culturalmente homogneo. Por sua vez, a
crise de legitimidade do Estado Providncia deu lugar a uma crise de governabilidade, conduzindo
a uma reduo do papel do Estado na rea econmica, na rea das polticas de bem-estar social,
segurana social e identidade cultural (Fontoura, 2008).
Apesar das alternativas que se desenharam visarem sobretudo redefinir o papel do Estado,
principalmente para com as polticas socias, despoletaram novos problemas sociais a que o
projeto poltico e social, designado terceira via, procurou responder a partir de meados dos anos
noventa (Peroni, Oliveira, & Fernandes, 2009, p. 761).
Ora, neste contexto de crise do Estado social de bem-estar, adquiriram relevncia, nos anos
oitenta, nomeadamente em Inglaterra e nos Estados Unidos da Amrica, correntes polticas
neoliberais e neoconservadoras. Nesta perspetiva, os problemas que os estados capitalistas
democrticos enfrentavam, como sejam a inflao, o elevado desemprego, a recesso econmica e
os distrbios sociais, eram uma consequncia das polticas Keynesianas, redistributivas, da defesa
de valores como a igualdade de oportunidades e direitos sociais para todos. Deste modo, em
Inglaterra, a Nova Direita, com M. Thatcher no poder, defendeu o retorno ao mercado e a
redefinio das funes do Estado como forma de ultrapassar estes problemas. Em contrapartida,
promoveu o incremento de grande flexibilidade de mercado, a reduo das despesas sociais e do
poder dos sindicatos, a privatizao de servios pblicos e o desmantelamento do Estado
Providncia. Na educao foram introduzidos mecanismos de mercado, designadamente, o recuo
do Estado relativamente ao fornecimento de servios, a introduo de polticas de livre escolha das
escolas, de avaliao das escolas com base nos resultados dos alunos e na respetiva publicitao,
entre outros mecanismos de competio e de iniciativa individuais.
A formao passou, tambm, a ser assegurada por meio de mecanismos de mercado,
responsabilizando cada indivduo quer pela escolha quer pelos custos, no pressuposto de que,
assim, atravs de uma espcie de mo invisvel, seria assegurado um melhor cruzamento entre a
oferta e a procura de trabalhadores com formao, aumentando a eficincia e a afetao de mo de
obra qualificada (Brown & Lauder, 1997).
Em suma, nesta nova conceo poltica e econmica, o Estado, para responder aos
problemas de acumulao, coeso social e legitimao, viu-se obrigado a introduzir mudanas nos
2 Segundo Fontoura (2008), Boaventura de Sousa Santos (2006) assinala o ponto de viragem em 1975, com a
publicao do relatrio sobre a crise da democracia da autoria de Crozier, Hungttinton e Watanuki (1975),
pela Comisso Trilateral.
A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao
15
processos de regulao dos seus sistemas educativos, deslocando o cerne desses mesmos problemas
para outros agentes e organizaes.
Em 1983, os baixos nveis de desempenho acadmico obtidos pelos seus estudantes
americanos em testes internacionais e em matrias consideradas fundamentais questionaram a
capacidade de competio econmica do pas, face a outros pases com melhores resultados, e
despoletaram na opinio pblica dos Estados Unidos da Amrica a necessidade de investir numa
fora de trabalho educada. Neste sentido, foi introduzida uma alterao radical na poltica
educativa a qual passou a assentar em valores e ideologias neoconservadoras que deram nfase a
tecnologias de responsabilizao individual, prestao de contas e competio entre escolas
(Afonso, 2002b).
Em 1989, o Consenso de Washington3 sublinhou a necessidade de ajustar o novo papel dos
Estados passando por assegurar[em] as regras do jogo entre interesses sectoriais (Fontoura, 2008,
p. 10). Assim, na sequncia destes trabalhos, foram adotados, um pouco por toda a parte,
programas de desenvolvimento seguindo as diretrizes emanadas de foras supranacionais, como o
Banco Mundial, o Fundo Monetrio Internacional, a OCDE e a UE. Na opinio de Fontoura (2008,
p. 11), a influncia destas organizaes supranacionais conduziu a uma eroso progressiva das
soberanias nacionais e obrigou redefinio do papel dos Estados, fatores que tiveram
repercusses na construo das polticas educativas e na definio e priorizao dos problemas. De
entre os efeitos sentidos, destacam-se a implementao gradual de medidas favorveis
privatizao da educao, designadamente o cheque-ensino, a importao de valores e conceitos
associados como o de cliente, competio, qualidade total, escolha, concorrncia e incentivo, e,
ainda, a generalizao ao setor pblico de formas de gesto e administrao baseadas no conceito
de Gesto da Qualidade Total caractersticas do setor privado.
Em Inglaterra, a conjugao desta ideologia neoliberal com a introduo da dimenso mais
conservadora da Nova Direita que no se opunha aco do Estado mas apenas aos efeitos das
polticas sociais que tendam a enfraquecer a iniciativa individual ou a responsabilidade da famlia,
teve como consequncia um emaranhado de elementos contraditrios (ou aparentemente
contraditrios) (Afonso, 2002b, p. 117). O objetivo era conjugar a coexistncia de um Estado
forte, com maior poder de presso e controlo, com um Estado mnimo, reduzido nas suas funes,
obrigando assim reformulao das relaes do Estado com o setor privado, a adopo de novos
modelos de gesto pblica preocupados com a eficcia e a eficincia (Afonso, 2002b, p. 118).
Como consequncia para a educao, este autor assinala:
3 Expresso pela qual ficaram conhecidas as concluses do encontro, em Washington que, no mbito da
filosofia poltica do governo de Regan e de M. Tatcher, reuniu economistas de perfil liberal latino-
americanos, de instituies financeiras como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos
Estados Unidos e do governo norte-americano. Neste encontro ficaram definidos, por consenso, dez pontos
que visaram restringir o papel do Estado e expandir o papel dos mercados (Bilhim, 2008).
http://pt.wikipedia.org/wiki/FMIhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Banco_Mundialhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Departamento_do_Tesouro_dos_Estados_Unidoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Departamento_do_Tesouro_dos_Estados_Unidos
A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao
16
[] o ataque aos mtodos pedaggicos centrados nos educandos, a tentativa de reduo da
formao dos professores s componentes curriculares da especialidade, e a desconfiana em
relao sociologia e s cincias da educao, bem como a revalorizao do papel
socializador da familia e do ensino da religio nas escolas, paralelamente ao incremento de
um ensino mais nacionalista da histria e mudana nas polticas de administrao e
gesto dos estabelecimentos de ensino. (Afonso, 2002b, pp. 117, 118)
Entretanto, em meados dos anos noventa, impulsionado por governos de centro-esquerda
surgiu, nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Frana, um novo projeto poltico e social que
Giddens designou terceira via. Este projeto apostava numa sociedade renovada, numa comunidade
interventiva e numa harmonia social, como Giddens (1999/2012) sublinha na seguinte passagem:
Temos de deixar de pensar que a sociedade composta apenas por dois setores: o Estado e o
mercado, ou o setor pblico e o setor privado [] A democratizao da democracia depende
do fomento de uma profunda cultura cvica. (p. 17)
Assim, este projeto preconizava um Estado mnimo com poderes reforados que tinha de
atuar em parceria com a sociedade civil que se pretendia ativa, responsvel, reflexiva e prestadora
de servios para que o mercado funcionasse. A terceira via defendia, tambm, uma nova forma de
relao Estado-Mercado e Estado-Cidado e colocava a nfase nas mudanas dos modos de
regulao dominantes. Para isso, o Estado, forte, necessitava de se descentralizar, democratizar e
tornar-se mais transparente e regulador, e, aparentemente de forma paradoxal, precisava de
enfraquecer.
Apesar da terceira via ter procurado quebrar com as concees neoliberais acabou por adotar
muitos aspetos fundamentais do neoliberalismo, ainda que, numa verso menos ortodoxa (Groppo
& Martins, 2008). Embora tenha proposto uma nova configurao poltica que tinha subjacente a
viso de uma sociedade competitiva, atravessada por uma cultura de aprendizagem onde o
conhecimento, as competncias e as perspetivas da populao eram a chave da prosperidade, a
educao foi concebida de modo tecnicista (Groppo & Martins, 2008).
Em suma, quer a educao quer a formao estiveram, e esto, neste projeto poltico-social
profundamente implicadas em conseguir responder questo da competitividade; coube-lhes
desenvolver a economia e reduzir o desemprego, sendo o indivduo e no o coletivo ou a sociedade
o responsvel pela sua formao enquanto condio essencial para a empregabilidade, valorizando,
desta forma, os princpios da teoria do capital humano. Contudo, do ponto de vista de Canrio et al
(2012, p. 8) esta teoria surge com uma conceo revisitada, pois enfatiza sobretudo o papel da
educao profissionalizante na resoluo dos problemas econmicos.
A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao
17
Pensando sobretudo no que sucedeu ao nvel europeu, a ordem de prioridades do Estado
alterou-se; da centralidade nos problemas de legitimao e coeso social, que impunham uma
interveno do Estado e nos quais a educao estava profundamente empenhada, passou-se para o
problema de apoio ao processo de acumulao, omnipresente nos discursos associados economia
do conhecimento (Dale, 2010).
Em finais do sculo XX, apesar de se verificarem exemplos de correspondncia na relao
entre a educao e o desenvolvimento econmico, na realidade registavam-se contradies e
ambiguidade na forma como estas vias estavam a ser incorporadas nas polticas de cada pas
(Brown & Lauder, 1997). As reformas da educao pblica implementadas em Portugal nas
dcadas de oitenta e noventa so um exemplo do carter hbrido, ou mitigado (Lima & Afonso,
2002, p. 14) que na sequncia das orientaes supranacionais marcaram algumas das decises
tomadas pelos sucessivos governos durante esse perodo, como ilustra a obra destes autores.
1.2 Entre o Estado e o mercado: Novos modos de governao dos Estados e da
educao
Com o virar do sculo, a vertente neoliberal mais radical atenuou-se e procurou-se um equilbrio
entre o Estado e o mercado (Barroso, 2005a; Groppo & Martins, 2008). Cabendo ainda aos
Estados-nao um papel relevante na definio das polticas, os desafios colocados pela
globalizao dos ltimos 30 anos aceleraram as mudanas e criaram ambientes caracterizados pela
incerteza e complexidade dos problemas, multiplicidade de atores e interesses envolvidos,
conduzindo a novas formas de governar os Estados assente no conceito de governana4. A
governana surge como um novo paradigma de regulao constitudo por trs agentes-chave: o
Estado, o Mercado e a Comunidade.
Segundo Guerra (2006, p. 16), a ideia de governana resultou quer de uma vontade de
questionar a inpcia das polticas tradicionais quer da necessidade de apelar ao envolvimento e
participao de atores indispensveis ao processo de mudana social e, desse modo, aproximar os
mecanismos de gesto da rapidez e da flexibilidade exigvel pelos processos de mudana.
Contudo, Guerra chama a ateno para os desafios que este conceito comporta. Identificando trs
deles, gesto da complexidade, necessidade da eficcia e legitimidade das decises, refere
que, dependendo do tipo de governo ou do jogo de foras, a sua valorizao pode diferir de pas
para pas e no interior de cada um destes (2006, p. 17).
Na opinio de Castells (2005, p. 25; 2008, p. 89), os Estados esto agora comprometidos
num processo de governao global mas sem um governo global. Como tal, os Estados
4 O termo governana ou governao, expresso tambm utilizado por alguns autores com o mesmo
significado, a traduo e adaptao do francs gouvernance ou do ingls governance e distingue-se de
governo government.
A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao
18
aumentaram a partilha de soberania e comprometeram-se em instituies formais e informais,
internacionais e supranacionais que, realmente, governam o mundo (Castells, 2005, p. 25). Do
ponto de vista de Dale (2009, p. 124) tal significa que the state now governs through means other
than policy and in concert with a range of other institutions rather than alone.
Segundo Boaventura de Sousa Santos (2001, p. 44), a governana tem subjacente um novo
modelo de regulao social e econmica assente em parcerias governamentais e outras formas de
associao entre organizaes governamentais, para-governamentais e no-governamentais, nas
quais o aparelho do Estado tem apenas tarefas de coordenao, enquanto primus inter pares.
Assim sendo, o Estado, no seu novo papel, articula, regula e coordena, ou seja, assume a definio
dos contextos, condies e parmetros para a negociao e confronto de interesses sociais
(Antunes, 2006, p. 68). Noutros termos, o Estado desempenha o papel de elaborador de agenda,
reunindo volta da mesma mesa os jogadores apropriados e os parceiros certos, facilitando,
negociando, mediando solues para os problemas pblicos, muitas vezes atravs de parcerias entre
o pblico, o privado e o chamado terceiro sector (Bilhim, 2008, p. 120), mas transferindo o
controlo direto para outras entidades e atores, como agncias de avaliao, certificao ou de
acreditao, como Antunes (2006, p. 88) sublinha.
Do ponto de vista de Barroso (2006, p. 65) o novo papel de um Estado que deve equilibrar a
aco das diversas foras em presena e continuar a garantir a orientao global e a
transformao do prprio sistema [educativo], assente na ideia de governance e de
metagovernance, traduz-se no desempenho do papel de coordenador das coordenaes
passando de burocrata e garante da ordem universal a regulador das regulaes e compositor da
diversidade local e individual.
De que modo este novo papel do Estado no processo de governana veio alterar a sua relao
com a educao? Em que medida se faz sentir a influncia da globalizao na educao nos
diferentes Estados? A pertinncia destas questes tem preocupado a comunidade acadmica e tem
incentivado o desenvolvimento da investigao no mbito da educao comparada, existindo hoje
uma diversidade de perspetivas que variam tambm consoante os enfoques5. Dale (2004) fornece
uma abordagem comparada bastante pormenorizada de duas dessas perspetivas: a Agenda
Globalmente Estruturada para a Educao (AGEE), defendida por Dale, e a Cultura Educacional
Mundial Comum (CEMC)6, de Meyer, que, de resto, tm em comum o facto de ambas enfatizarem
a influncia de fatores supranacionais no desenvolvimento dos sistemas educativos nacionais.
5 Nvoa (1995), no seu texto Modles danalyse en ducation compare: Le champ et la carte apresenta o
mapeamento do campo da educao comparada com sete configuraes correspondentes aos principais
modelos adotados pelos autores da segunda metade do sculo XX.
6 A abordagem da relao entre globalizao e educao pela teoria do grupo liderado por John Meyer,
CEMC, assenta na existncia de uma cultura mundial comum, ou seja, na existncia de modelos que os
A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao
19
A perspetiva da AGEE defende a existncia de uma agenda supranacional que se traduz em
alteraes de padrocombinao de escalas, supranacional ou transnacional, nacional e
subnacional ou locale de formas governanapadro e forma de regulao compatveis com a
forma de coordenao de mercadoinduzidos por efeitos indiretos na governana da educao
(Dale, 2004; 2010). A ideia central da AGEE a de que o que est em jogo a existncia de foras
econmicas que operam globalmente no sentido de romper, ou ultrapassar, as fronteiras
nacionais (Dale, 2004, p. 426). Neste sentido, a globalizao conceptualizada como um projeto
econmico, cultural e poltico que se guia pela necessidade de manter a reproduo do sistema
capitalista (Dale, 2004, p. 436) e a posio hegemnica que nele detm os estados mais
poderosos (Afonso, 20011, p.40). Assim sendo, a globalizao um processo complexo
frequentemente contraditrio que gira em torno de trs grandes reas poltico-econmicas, ou trs
grandes capitalismos transnacionais, Europa, Amrica e sia, que partilham a preocupao
com o controlo e concordam sobre certas regras do jogo cujo motor a procura do lucro (Dale,
2004, pp. 436, 437) . Ora, a AGEE discute os processos que levam os Estados a interpretarem e a
responderem a uma agenda comum, imposta por alguns Estados sobre outros, e que tem efeitos,
ainda que indiretos, na governana da educao (Dale, 2004). Este modelo admite que se discutam
as especificidades nacionais que resultam dos processos de regulao que atuam no interior dos
Estados e que necessariamente se articulam com os processos de regulao supranacionais
(Afonso, 2001, p. 40).
Pese embora as orientaes e decises tomadas supranacionalmente priorizem os problemas
e possa at admitir-se, em linha com outras perspetivas, que por vezes e em parte, definem um
mandato para a educaoaspetos mais evidentes em alguns pases da Unio Europeia,
nomeadamente da periferia ou semiperiferia, incentivados pela proliferao de estudos e projetos
comuns e partilhadosesse eventual mandato no explcito, pois no funciona, pelo menos nos
pases centrais do sistema mundial, como uma imposio de uns Estados sobre outros7. A sua ao
faz-se geralmente de forma indireta, lenta e difusa e por mediao dos Estados nacionais, pois
trata-se de uma globalizao de baixa intensidade (Santos, B. S., 2001, p. 91), conceito que
Teodoro (2001) reivindica para caracterizar as polticas educativas, tomando como exemplo o caso
portugus no contexto europeu.
Alguns estudos no mbito da educao comparada tm vindo a centrar mais a sua ateno
nos modos de regulao dos sistemas educativos nacionais, assinalando a existncia de uma
convergncia nestes processos de regulao que aponta no sentido da presena de uma regulao
Estados-nao tendem a reproduzir de modo isomrfica, sujeitando de forma determinante os seus sistemas
educativos s orientaes emanadas supranacionalmente.
7 Por contraste com o que acontece, por exemplo em frica, onde a relao entre a globalizao e educao
se faz por institucionalizao da influncia internacional e descontextualizados (Teodoro, 2001).
A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao
20
transnacional. o caso, por exemplo, das concluses obtidas na investigao, coordenada por
Barroso (2005a), que foi realizada em cinco pases europeus, Portugal, Inglaterra, Frana, Hungria
e Blgica, no mbito do projeto Reguleducnetwork (Changes in regulation modes and social
production of inequalities in educational systems: a European comparison). Neste estudo registou-
se uma convergncia em torno de dois referenciais de regulao distintos: o Estado avaliador e o
quase-mercado. No entanto, as polticas educativas nesses estados no eram idnticas. Como os
autores sublinham, grande parte da influncia externa se centra mais no processo de tomada de
deciso poltica e controlo da sua execuo, do que propriamente na imposio de modelos e
solues comuns para a organizao e funcionamento dos sistemas educativos (Barroso, 2006, p.
48). Nesta mesma linha, os trabalhos de M. Alves (2010a), Seixas (2001), Teodoro e Estrela
(2010), mostram como as organizaes internacionais, nomeadamente a OCDE e a UE, exercem
uma funo reguladora, de controlo e influncia, sobre os sistemas educativos nacionais que, na
perspetiva de Teodoro (2001, p. 151), deixam muitas vezes um leque diminuto de opes aos
Estados nacionais. Nesta ordem de ideias, as organizaes supranacionais criam constrangimentos
e oportunidades para o desenvolvimento de polticas educativas, quer atravs de programas como o
PISA (Programme of International Student Assessment), o TIMSS (Trends in International
Mathematics and Science Study), o PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study), ou
de outras medidas especficas e respetivo financiamento8, quer mediante a construo de
indicadores utilizados numa perspetiva normativa e de definio de metas, como sucede atualmente
no mbito do processo de construo de um Espao Europeu de Educao. Partilhando este ponto
de vista, Antunes (2001, p. 193) afirma que as opes e prioridades polticas ao nvel da UE, tm
um efeito selectivo forte quer induzindo a, ou criando um contexto indutor da, orientao no
sentido de determinadas intervenes quer reforando e viabilizando algumas polticas e inibindo
ou tendo um papel dissuasor no desenvolvimento de outras. Por conseguinte, estes processos tm
necessariamente implicaes importantes na reduo da centralidade e da responsabilidade dos
Estados nacionais. Neste sentido, as orientaes supranacionais e os resultados obtidos em testes
internacionais socomo anteriormente eram as solues tcnicas propostas por peritos
internacionaisuma fonte de legitimao para a implementao de determinadas polticas
curriculares, de avaliao e administrao educacional ou de formao, bem como para justificar o
sucesso ou o insucesso de outras. Alis, na opinio de Barroso (2005b, p. 68) o recurso sistemtico
a referncias internacionais visto, nomeadamente por alguns autores defensores da teoria dos
8 Por exemplo, Antunes (2001) referindo ao caso portugus, afirma que as escolas profissionais emergem
em simultneo com a possibilidade de acesso a financiamentos comunitrios, para o ensino e formao
profissional de jovens (p. 193) mas, por outro lado, a expanso da educao pr-escolar [] no foi
objecto de apoio financeiro comunitrio, j que se encontrava completamente fora do mbito de aco e
prioridades polticas definidas para a Comunidade Europeia, sofreu uma completa paralisao no perodo
compreendido entre 1987 e 1994. (p. 192)
A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao
21
sistemas sociais auto-referenciais, como a fonte principal de legitimao de polticas nacionais,
suprimindo assim, na retrica do discurso poltico, a insuficincia ou deficincia dos exemplos
nacionais.
1.3 A governana da educao no espao europeu
O que est em causa a sustentabilidade do sistema econmico capitalista e o reforo da
capacidade dos Estados mais poderosos para controlarem um jogo que no pode ser jogado
individualmente (Afonso, 2001; Dale, 2004) e, por isso, a resposta da Europa globalizao, aps a
Agenda de Lisboa, no teve em vista apenas a competio global mas a competio com jogadores
especficos (Dale, 2004).
As alteraes que ocorreram no espao europeu nas duas ltimas dcadas, em termos de
governana, transformaram a Europa num ator ativo e relevante na rea da educao. A Cimeira de
Lisboa teve um papel decisivo na ideia de construo de uma nova entidade, um Espao Europeu
da Educao (EEE) e uma Poltica Educativa Europeia que, do ponto de vista de Dale (2009, p.
122), are qualitatively distinct from Member States national systems, in terms of their scope,
mandate, capacity and governance.
Tendo como preocupao compreender as mudanas que ocorreram na governana da
educao no mbito do desenvolvimento do processo de construo do EEE, aspeto relevante para
o estudo emprico que se pretende desenvolver, apresenta-se de seguida uma sua sistematizao
tomando como referncia trs fases desse processo, tal como foram identificadas por Dale (2008).