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Ana Paula Cabrita Natal de Brito Boto Licenciada em Ensino da Matemática Mestre em Administração Pública (MPA) - Especialização em Administração da Educação A Mediação e a Mediatização das Políticas Educativas: O Papel da Imprensa Escrita na Iniciativa Novas Oportunidades Dissertação para obtenção do Grau de Doutor em Ciências da Educação na Especialização em Educação, Sociedade e Desenvolvimento Orientadora: Professora Doutora Mariana Teresa Gaio Alves, Professora Auxiliar com Agregação, Faculdade de Ciências e Tecnologia/Universidade Nova de Lisboa Júri Presidente: Prof. Doutor António Manuel Dias de Sá Nunes dos Santos Arguentes: Prof. Doutor Almerindo Janela Gonçalves Afonso Prof.ª Doutora Paula Cristina da Encarnação Oliveira Guimarães Vogais: Prof.ª Doutora Mariana Teresa Gaio Alves Prof.ª Doutora Antónia do Carmo Anjinho Barriga Prof.ª Doutora Maria do Carmo Pereira de Campos Vieira da Silva Prof. Doutor João José Carvalho Correia de Freitas Junho / 2016 A Mediação e a Mediatização das Políticas Educativas: O Papel da Imprensa Escrita na Iniciativa Novas Oportunidades Ana Paula Natal 2016

A Mediação e a Mediatização das Políticas Educativas: O ... · l Agregação, Faculdade de Ciências e Tecnologia/Universidade Nova de Lisboa Ana Paula Cabrita Natal de Brito

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  • Ana Paula Cabrita Natal de Brito Boto

    Licenciada em Ensino da Matemtica Mestre em Administrao Pblica (MPA) - Especializao em Administrao da Educao

    A Mediao e a Mediatizao das Polticas Educativas: O Papel da Imprensa Escrita na Iniciativa Novas

    Oportunidades

    Dissertao para obteno do Grau de Doutor em Cincias da Educao

    na Especializao em Educao, Sociedade e Desenvolvimento

    Orientadora: Professora Doutora Mariana Teresa Gaio Alves, Professora Auxiliar com Agregao, Faculdade de Cincias e Tecnologia/Universidade Nova de Lisboa

    Jri

    Presidente: Prof. Doutor Antnio Manuel Dias de S Nunes dos Santos

    Arguentes: Prof. Doutor Almerindo Janela Gonalves Afonso Prof. Doutora Paula Cristina da Encarnao Oliveira Guimares

    Vogais: Prof. Doutora Mariana Teresa Gaio Alves Prof. Doutora Antnia do Carmo Anjinho Barriga

    Prof. Doutora Maria do Carmo Pereira de Campos Vieira da Silva Prof. Doutor Joo Jos Carvalho Correia de Freitas

    Junho / 2016

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    2016

  • Ana Paula Cabrita Natal de Brito Boto

    Licenciada em Ensino da Matemtica Mestre em Administrao Pblica (MPA) - Especializao em Administrao da

    Educao

    A Mediao e a Mediatizao das Polticas Educativas: O Papel da Imprensa Escrita na Iniciativa Novas

    Oportunidades

    Dissertao para obteno do Grau de Doutor em Cincias da Educao

    na Especializao em Educao, Sociedade e Desenvolvimento

    Orientadora: Professora Doutora Mariana Teresa Gaio Alves, Professora Auxiliar com Agregao, Faculdade de Cincias e Tecnologia/Universidade Nova de Lisboa

    Jri

    Presidente: Prof. Doutor Antnio Manuel Dias de S Nunes dos Santos

    Arguentes: Prof. Doutor Almerindo Janela Gonalves Afonso Prof. Doutora Paula Cristina da Encarnao Oliveira Guimares

    Vogais: Prof. Doutora Mariana Teresa Gaio Alves Prof. Doutora Antnia do Carmo Anjinho Barriga

    Prof. Doutora Maria do Carmo Pereira de Campos Vieira da Silva Prof. Doutor Joo Jos Carvalho Correia de Freitas

    Junho / 2016

  • A Mediao e a Mediatizao das Polticas Educativas: O Papel da Imprensa Escrita

    na Iniciativa Novas Oportunidades

    Copyright Ana Paula Natal e FCT/UNL, Faculdade de Cincias e Tecnologia da

    Universidade Nova de Lisboa

    A Faculdade de Cincias e Tecnologia e a Universidade Nova de Lisboa tm o direito,

    perptuo e sem limites geogrficos, de arquivar e publicar esta dissertao atravs de

    exemplares impressos reproduzidos em papel ou de forma digital, ou por qualquer outro

    meio conhecido ou que venha a ser inventado, e de a divulgar atravs de repositrios

    cientficos e de admitir a sua cpia e distribuio com objetivos educacionais ou de

    investigao, no comerciais, desde que seja dado crdito ao autor e editor.

  • III

    Ao meu pai, in memoriam

    minha me

  • IV

  • V

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo em primeiro lugar minha orientadora, a Professora Doutora Mariana Gaio Alves, pelo apoio e disponibilidade sempre manifestados, pelos seus conselhos sbios e pertinentes que me

    estimularam durante estes anos a manter uma atitude de constante questionamento e aprendizagem

    reflexiva decisiva na concretizao deste projeto de investigao.

    Aos meus colegas do Programa de Doutoramento em Cincias da Educao agradeo a ateno e o carinho que dispensaram nesta ltima etapa e que em muito me ajudaram a concluir este projeto.

    minha famlia que pacientemente resistiu a tantos estados de alma inquietos, o meu profundo

    agradecimento.

    O meu agradecimento vai tambm para os meus amigos que estiveram ao meu lado quotidianamente e me encorajaram a prosseguir; para aqueles que, embora distantes, souberam

    manter-se sempre presentes nos momentos mais difceis, enviando uma palavra amiga de carinho e

    incentivo, deixo o meu muito sincero Obrigada.

  • VI

  • VII

    RESUMO

    Esta investigao, centrada na interao dos meios de comunicao social com as polticas de

    educao e formao desenvolvidas em Portugal a partir de 2005 em torno da aprendizagem ao

    longo da vida, tem em vista contribuir para clarificar alguns aspetos da construo das polticas

    educativas que se prendem com os processos de mediao e mediatizao dessas polticas.

    Considerando que num contexto de governana da educao os processos de regulao das

    polticas educativas so necessariamente afetados pelas interpretaes veiculadas pelos meios de

    comunicao social, contribuindo desse modo para as especificidades dos sistemas educativos

    nacionais, o quadro terico de referncia que se construiu compreende uma abordagem ao conceito

    de governana da educao, num contexto de globalizao e de polticas de aprendizagem ao longo

    da vida que destaca os diversos nveis de regulao, bem como uma perspetiva compreensiva dos

    processos de mediao e de mediatizao das polticas.

    No plano emprico fixou-se como objetivo geral perceber qual foi o papel desempenhado

    pela imprensa escrita nos processos de mediao e mediatizao da Iniciativa Novas Oportunidades

    (INO). Recorrendo anlise do discurso e anlise de contedo procurou-se identificar e

    compreender a complexidade de interaes que se estabeleceram no processo de mediao e

    mediatizao da INO, e conhecer e interpretar as perspetivas em jogo. Neste sentido, apresenta-se

    um quadro complexo que visa contribuir para aprofundar o conhecimento sobre as polticas de

    aprendizagem ao longo da vida e sobre o papel dos meios de comunicao social na construo

    dessas polticas.

    Os resultados obtidos mostram que apesar das diferenas significativas na forma como a

    INO foi interpretada por trs jornais, Pblico, Correio da Manh e Expresso, a educao e

    formao de adultos esteve no centro das atenes. Porm, as vozes, esporadicamente de cientistas

    da educao ou de cientistas sociais, revelaram preocupaes, ambiguidades e tenses em torno de

    aspetos cruciais desta poltica educativa.

    Termos-chave: Polticas Educativas, Aprendizagem ao Longo da Vida, Iniciativa Novas

    Oportunidades, Discursos, Mdia, Mediatizao.

  • VIII

  • IX

    ABSTRACT

    This investigation, focused on the interaction of the media with the education and training policies

    over lifelong learning which were developed in Portugal since 2005, aims at contributing to clarify

    some aspects of educational policy making relating to the processes of mediation and mediatization

    of these policies.

    Whereas in a context of education governance the regulation processes of educational

    policies are necessarily affected by the interpretations publicised by the media, thus contributing to

    the specificities of national education systems, the theoretical framework of reference that we built

    includes an approach to the education governance concept, in a context of globalization and of

    policies for lifelong learning that highlights both the various levels of regulation and a

    comprehensive perspective of the processes of mediation and mediatization of policies.

    On the empirical level, we established as general objective perceiving the role of the press

    in the processes of mediation and mediatization of Iniciativa Novas Oportunidades (INO). Using

    discourse analysis and content analysis, we sought to identify and understand the complexity of

    interactions that were established in the mediation process and mediatization of the INO, as well as

    get to know and interpret the perspectives at stake. In this regard, we present a complex picture

    whose aim is to improve knowledge on the policies of lifelong learning and on the role of the

    media in the construction of these policies.

    The results obtained show that despite the significant differences in the way INO was

    interpreted by three newspapers, Pblico, Correio da Manh and Expresso, adult education and

    training took center stage. However, there were voices, occasionally of educational or social

    scientists, revealing concerns, ambiguities and tensions around crucial aspects of this educational

    policy.

    Keywords: Keywords: Educational policies, lifelong learning, Iniciativa Novas Oportunidades,

    Media, Mediation, Mediatization.

  • X

  • XI

    ndice de Matrias

    Introduo ..................................................................................................................................... 1

    PARTE I: Os Mdia num Quadro de Governana e de Polticas de Aprendizagem ao Longo da

    Vida. ................................................................................................................................ 13

    Captulo I: A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao ..................................... 13

    1.1 Do Estado ao mercado: Novas formas de globalizao .................................................... 13

    1.2 Entre o Estado e o mercado: Novos modos de governao dos Estados e da

    educao.........................................................................................................................17

    1.3 A governana da educao no espao europeu ................................................................ 21

    1.4 A regulao nacional e a regulao local ......................................................................... 25

    Captulo II: O Papel dos Mdia nos Processos de Microrregulao das Polticas ........................... 29

    2.1 A esfera pblica nas sociedades democrticas atuais ....................................................... 29

    2.2 Processos de construo dos problemas pblicos ............................................................ 32

    2.2.1 O discurso no espao pblico e o espao de opinio da imprensa escrita ............... 34

    2.2.2 O papel dos mdia numa sociedade democrtica ................................................... 37

    2.3 A mediao e a mediatizao da poltica e das polticas .................................................. 40

    2.3.1 A mediatizao segundo Shaun Rawolle ............................................................... 44

    2.3.2 A mediatizao segundo Winfried Schulz ............................................................. 50

    2.3.3 Agenda-setting, priming e framing........52

    2.4 Seleo e construo das notcias .................................................................................... 57

    2.4.1 Do conceito de gatekeeper aos processos de gatekeeping e de newsmaking ........... 57

    2.4.2 Os valores de notcia e as rotinas produtivas ......................................................... 59

    2.4.3 As fontes .............................................................................................................. 62

    Captulo III: Os Contextos Macro e Meso da INO ........................................................................ 67

    3.1 A aprendizagem ao longo da vida: Breve nota histrica ................................................... 67

    3.2 Aspetos relevantes da educao de adultos em Portugal at 2004 .................................... 70

    3.3 Momentos marcantes do ensino secundrio em Portugal at 2004 ................................... 78

    3.4 A Iniciativa Novas Oportunidades................................................................................... 82

  • XII

    3.4.1 O eixo de ao Adultos ......................................................................................... 84

    3.4.2 O eixo de ao Jovem ........................................................................................... 88

    3.5 Reflexo crtica sobre os principais resultados da INO .................................................... 90

    3.6 Reflexo educativa sobre os temas subjacentes INO ..................................................... 93

    3.6.1 A Aprendizagem ao longo da vida ........................................................................ 94

    3.6.2 O processo de RVCC ............................................................................................ 97

    PARTE II: A Mediao e a Mediatizao da INO ...................................................................... 101

    Captulo IV: Construo da Problemtica e Opes Metodolgicas ............................................ 101

    4.1 Objetivo e questes da investigao .............................................................................. 102

    4.2 Constituio do corpus de anlise ................................................................................. 104

    4.3 Metodologia de anlise dos textos da imprensa escrita .................................................. 108

    4.3.1 A anlise do discurso e os textos da imprensa escrita .......................................... 110

    4.3.2 A anlise de contedo e os textos da imprensa escrita ........................................ 113

    Captulo V: As Vozes dos Agentes e os Contextos de Produo ................................................. 117

    5.1 Panormica geral sobre os dados recolhidos .................................................................. 117

    5.2 A notcia e a opinio em textos de dimenso reduzida ................................................. 122

    5.3 O debate e a argumentao em torno da INO: O espao de opinio da imprensa escrita . 131

    5.3.1 As vozes dos opinion makers e dos agentes entrevistados .................................. 132

    5.3.2 As vozes dos leitores ......................................................................................... 141

    5.4 Os textos dos jornalistas em torno da INO: A notcia e a reportagem .......................... 147

    5.4.1 A INO no semanrio Expresso ............................................................................ 148

    5.4.2 A INO no jornal C.M. ......................................................................................... 155

    5.4.3 A INO no jornal Pblico ..................................................................................... 165

    Discusso Geral e Concluso ..................................................................................................... 195

    Referncias..209

    Anexo A: Constituio do corpus de pesquisa por ano de publicao, gnero e jornal ......... 221

    Anexo B: Temas centrais, temas enquadradores e respetivas categorias, e agentes citados ou

    referidos ...................................................................................................................... 223

  • XIII

    Anexo C: Anlise textual efetuada a dois artigos de opinion makers e a uma entrevista ....... 227

    Anexo D: Anlise textual efetuada a duas Cartas ao Diretor/a ............................................. 237

    Anexo E: Anlise textual efetuada a sete artigos do gnero jornalstico notcia e reportagem..

    .241

    Anexo F: Constituio do corpus de pesquisa por data de publicao, jornal, seco, gnero

    jornalstico, autor e ttulo do artigo (em CD)..257

    Anexo G: Anlise textual efetuada a 126 artigos (em CD)........ 271

  • XIV

  • XV

    ndice de Grficos

    Grfico 3.1: Literacia-alfabetizao na Europa, 1850-1970........................................................... 71

    Grfico 5.1: Percentagem de artigos que integram o corpus de pesquisa publicados por gnero

    dentro de cada jornal .................................................................................................................. 118

    Grfico 5.2: Nmero de artigos de opinio exclusivamente de opinion makers que integraram o

    corpus de pesquisa, publicados por ano em cada jornal .............................................................. 119

    Grfico 5.3: Visibilidade dada INO por cada jornal e pelo conjunto dos trs jornais, com destaque

    para ........................................................................................................................................... 121

    Grfico 5.4: Contextos em que a INO foi abordada em textos de curta dimenso ........................ 122

  • XVI

  • XVII

    ndice de Tabelas

    Tabela 5.1: Nmero de textos por jornal e por gnero jornalstico............................................... 117

    Tabela 5.2: Nmero de artigos que foram analisados mediante o mtodo de anlise do discurso,

    distribudos por jornal e por gnero jornalstico .......................................................................... 121

    Tabela 5.3: Nmero de artigos que foram analisados mediante o mtodo de anlise de contedo,

    distribudos por jornal e gnero jornalstico ................................................................................ 122

    Tabela 5.4: Viso panormica por temas enquadradores ............................................................. 123

    Tabela 5.5: ndices por categoria de contedo no tema INO: A Poltica ...................................... 124

    Tabela 5.6: ndices por categoria de contedo no tema INO: Implementao/Operacionalidade . 125

    Tabela 5.7: ndices por categoria de contedo no tema INO: Avaliao e alteraes .................. 126

    Tabela 5.8: Viso apresentada por cada jornal sobre a INO ........................................................ 126

    Tabela 5.9: Viso do PBLICO por tema enquadrador e categorias dentro do tema INO: A poltica

    .................................................................................................................................................. 127

    Tabela 5.10: Viso do C.M. por tema enquadrador e categorias dentro do tema INO: A poltica . 128

    Tabela 5.11: Viso do Expresso por tema enquadrador e categorias dentro do tema INO: Avaliao

    e alteraes ............................................................................................................................... 129

    Tabela 5.12: Viso apresentada por cada grupo de atores............................................................ 130

    Tabela 5.13: Distribuio dos 18 artigos de opinio por jornal, data e autor ................................ 133

    Tabela 5.14: Identificao das cartas dos leitores por data de publicao e autor ......................... 141

    Tabela 5.15: Nmero de artigos em que se fizeram ouvir as vozes de cada agente tipo ............... 149

    Tabela 5.16: Descritores de superfcie e organizao estrutural e os temas/objetos dos textos do

    semanrio Expresso ................................................................................................................... 154

    Tabela 5.17: Nmero de artigos em que se fizeram ouvir as vozes de cada agente tipo ............... 157

    Tabela 5.18: Descritores de superfcie e organizao estrutural e temas/objetos dos textos do jornal

    C.M. .......................................................................................................................................... 162

    Tabela 5.19: Nmero de artigos do corpus de pesquisa por tipo jornalstico e ano de publicao 165

    Tabela 5.20: Tipo e frequncia de assuntos abordados em torno da INO ..................................... 167

    Tabela 5.21: Agentes e o respetivo nmero de artigos, publicados no perodo de 2005 a 2008, em

    que as suas vozes se fizeram ouvir ............................................................................................. 168

  • XVIII

    Tabela 5.22: Os agentes e o respetivo nmero de artigos, publicados em 2009, em que as suas

    vozes se fizeram ouvir ............................................................................................................... 173

    Tabela 5.23: Os agentes e o respetivo nmero de artigos, publicados em 2010, em que as suas

    vozes se fizeram ouvir ............................................................................................................... 175

    Tabela 5.24: Os agentes e o respetivo nmero de artigos, publicados entre 2011 e 2013, em que as

    suas vozes se fizeram ouvir ........................................................................................................ 176

    Tabela 5.25: Descritores de superfcie e organizao estrutural e os temas/objetos dos textos do

    PBLICO .................................................................................................................................. 187

  • XIX

    Siglas

    AGEE Agenda Globalmente Estruturada para a Educao

    ALV Aprendizagem ao Longo da Vida

    ANDE Associao Nacional de Dirigentes Escolares

    ANEFA Agncia Nacional de Educao e Formao de Adultos

    ANQ Agncia Nacional para a Qualificao

    ANPEFA Associao Nacional de Profissionais de Educao e Formao de Adultos

    ANQEP Agncia Nacional para a Qualificao e o Ensino Profissional

    BE Bloco de Esquerda

    CDS-PP Centro Democrtico Social Partido Popular

    CEF Curso de Educao e Formao

    CEMC Cultura Educacional Mundial Comum

    C.M. Correio da Manh

    CNAES Comisso Nacional de Acesso ao ensino Superior

    CNE Conselho Nacional de Educao

    CNO Centro Novas Oportunidades

    CQEP Centros para a Qualificao e o Ensino Profissional

    CRSE Comisso de Reforma do Sistema Educativo

    EEE Espao Europeu da Educao

    EFA Educao e Formao de Adultos

    ENDS Estratgia nacional de Desenvolvimento Sustentvel

    FENPROF Federao Nacional dos Professores

    IEFP Instituto do Emprego e Formao Profissional

    INO Iniciativa Novas Oportunidades (programa)

    IST Instituto Superior Tcnico

    ME Ministrio da Educao

    MTSS Ministrio do Trabalho e da Solidariedade Social

    OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    PCP Partido Comunista Portugus

    PIRLS Progress in International Reading Literacy Study

    PISA Programme of International Student Assessment

    PNACE Plano Nacional de Ao para o Crescimento e Emprego

    PNE Plano Nacional de Emprego

    POPH Programa Operacional Potencial Humano

    PS Partido Socialista

  • XX

    PSD Partido Social Democrata

    PT Plano Tecnolgico

    QREN Quadro de Referncia Estratgica Nacional

    RVCC Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    TIC Tecnologias de Informao e Comunicao

    TIMSS Trends in International Mathematics and Science Study

    UE Unio Europeia

    UI Unidade de informao

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura

  • 1

    Introduo

    O trabalho realizado no mbito da dissertao que se apresenta centra-se na interao dos meios de

    comunicao social com as polticas de educao e formao desenvolvidas em Portugal, a partir

    de 2005, em torno da ideia de aprendizagem ao longo da vida. Neste texto introdutrio comea-se

    por explicitar as motivaes pessoais que levaram a autora a realizar este trabalho de investigao e

    o seu interesse cientfico e social; posteriormente, clarifica-se a abordagem metodolgica que se

    privilegiou e a organizao geral desta dissertao.

    A mediao das controvrsias no espao pblico em torno de assuntos respeitantes

    educao pelos meios de comunicao uma rea que h alguns anos despertou o nosso interesse

    seja pelo percurso profissional da autoraprofessora do ensino bsico e secundrio que durante

    mais de uma dcada desempenhou funes na direo de uma escola secundria pblica, seja

    pela pesquisa que realizou com vista obteno do grau de Mestre em Administrao Pblica na

    especialidade de Administrao da Educao, realizada no Instituto Superior de Cincias Sociais e

    Polticas e concluda em 2011. Nessa investigao, subordinada ao tema Entre os Problemas

    Pblicos e a Agenda Poltica: O Papel dos Opinion Makers em torno do Novo Modelo de

    Avaliao de Desempenho Docente (2007-2009), sob a orientao do Prof. Doutor Fernando

    Humberto Santos Serra, a autora confirmou, entre outros aspetos substantivos relativamente

    forma como esta medida de poltica educativa foi interpretada pelos colunistas/opinion makers de

    dois jornais de referncia portugueses, a centralizao da argumentao em tpicos de natureza

    vincadamente social e poltica, e a continuidade do fechamento do espao de opinio da imprensa

    escrita que j Figueiras (2005) e Barriga (2007) haviam constatado nas suas pesquisas. Essa

    investigao veio despoletar a necessidade de aprofundar as problemticas que emergem da

    interao entre os campos sociais da educao e dos meios de comunicao social (mdia).

    Por outro lado, quer como cidad quer tambm pelo seu percurso profissional, o qual exige

    uma ateno particular s mudanas que ocorrem no nosso sistema educativo, a autora deu

    particular ateno forma como algumas medidas de poltica educativa adquiriram grande

    visibilidade no espao pblico e foram amplamente trabalhadas pelos meios de comunicao

    social, especialmente, no perodo de governao socialista (2005-2009 e 2009-2011). Uma dessas

    medidas foi o Programa Iniciativa Novas Oportunidades implementado em finais de 2005 pelo

    XVII Governo Constitucional de Portugal em torno da ideia de aprendizagem ao longo da vida

    (ALV). Este programa assentou em duas vertentes, uma dedicada aos jovens (eixo Jovem) e outra

    aos adultos (eixo Adultos), e teve como desgnio elevar o patamar de qualificao generalizada dos

    portugueses para o nvel do ensino secundrio. Constituindo-se como um pilar fundamental das

    polticas de emprego e formao profissional nos anos que se seguiram, a estratgia tinha como

    pressuposto uma relao positiva forte entre o investimento na produo de capital humano e o

    emprego, a economia, o atenuar das desigualdades sociais e a intensificao da coeso social.

  • Introduo

    2

    A Iniciativa Novas Oportunidades (INO) motivou o desenvolvimento de um conjunto de

    projetos de investigao que permitiram, entre outros aspetos, ajuizar acerca do seu real valor e do

    seu mrito, analisar criticamente as orientaes polticas que lhe estiveram subjacentes, discutir os

    desafios que se colocaram aos educadores de adultos no mbito deste programa e refletir sobre a

    forma como Portugal interpretou as orientaes da Unio Europeia (UE) e as integrou no seu

    sistema educativo. Os respetivos resultados tm sido traduzidos em dissertaes de mestrado e

    doutoramento e outras publicaes cientficas (vejam-se, por exemplo, Almeida, 2011; Canrio,

    Alves, N., Cavaco, e M. Marques, 2012; Carneiro et al., 2010; Fragoso & Guimares, 2010;

    Carvalho, ., 2011; Guimares, 2009, 2010; M. Marques, 2010; Pacheco, 2009; Ramalhal, 2010;

    Vieira, 2012), algumas das quais so consideradas na construo do quadro conceptual da

    investigao e na reflexo educativa sobre temas subjacentes INO.

    Para alm disso, a INO registou uma adeso significativa por parte da populao portuguesa

    e despertou a ateno dos mdia, os quais mantiveram o assunto em agenda durante um longo

    perodo de tempo. Sob a forma de notcias, reportagens e entrevistas os mdia divulgaram a ao

    do governo e dos respetivos ministrios, reconhecendo-se o recurso aos mdia como forma de

    divulgao de comunicados de imprensa sobre acordos ou negociaes entre o governo e parceiros

    sindicais ou associaes, mas especialmente nas estratgias de informao ou promoo de

    determinada poltica. As vozes do cidado comum, de representantes de estruturas mais ou menos

    formais da sociedade civil e de um conjunto de atores com prestgio no espao pblico

    comentadores/colunistas/opinion makersfizeram-se ouvir. Apresentando os seus pontos de vista,

    argumentaram a opinio emitida em torno da INO, sugeriram, recomendaram e, desse modo,

    influenciaram o poder poltico e as opinies pblicas.

    A ateno destacada dos meios de comunicao social INO , em si mesma, um indcio de

    alteraes no processo de governana da educao, no sentido em que as polticas educativas so

    cada vez mais o resultado de processos complexos que esto sujeito s influncias e aos

    constrangimentos que guiam a ao dos agentes e dos Estados em diversos nveis de deciso

    (Alves, M., 2010b; Barroso, Carvalho, L., Fontoura, & Afonso, 2007). Neste cenrio os processos

    de regulao das polticas educativas so necessariamente afetados pelas interpretaes fornecidas

    pelos mdia, particularmente no interior de cada Estado, contribuindo, deste modo, para as

    especificidades dos sistemas educativos nacionais. Saliente-se ainda que, num contexto de

    governana, os Estados assumem essencialmente funes de articulao, regulao e coordenao

    de uma diversidade de atores e grupos de interesse locais, nacionais e supranacionais que interagem

    ao longo do tempo em debates e disputas tcnicas, constroem subjetividades, (re)conceptualizam os

    problemas e definem a sua gravidade acentuando o carter complexo de construo das polticas

    educativas enquanto processo social.

    Assim sendo, este trabalho de investigao pretende contribuir para aprofundar a

    compreenso das polticas de ALV e explicitar os processos de interao entre os meios de

  • Introduo

    3

    comunicao social e essas mesmas polticas e, desse modo, clarificar alguns aspetos da construo

    social das polticas educativas, num quadro de multirregulao (Barroso, 2005a) dos sistemas

    educativos.

    A sua relevncia cientfica e social evidencia-se no seguinte: por um lado, sublinha-se o

    modo como as polticas de educao de adultos foram, durante a primeira dcada do sculo XXI,

    traduzidas em polticas de ALV no mbito das orientaes estratgicas da UE e, no caso portugus,

    enquadradas na INO; destaca-se, tambm, o modo como o recurso formao conferente de

    qualificao de dupla certificao serviu de legitimao para o combate excluso social, ao

    insucesso e abandono escolar, tendo em vista, nomeadamente a melhoria dos indicadores de

    Portugal em matria de educao e formao, a empregabilidade dos jovens e adultos e uma maior

    competitividade das empresas, prosseguindo em linha com a matriz ideolgica veiculada nas

    orientaes da UE; por outro lado, aprofunda-se o conhecimento sobre o papel dos mdia na

    construo social de polticas de ALV. Este ltimo aspeto referido especialmente pertinente, pois

    os mdia assumem um papel fundamental no processo poltico. Eles condicionam os temas em

    discusso, deixando alguns de fora, (re)conceptualizam os problemas de acordo com os interesses

    em jogo (McCombs, 2002; Tan & Weaver, 2010), moldam a forma como a opinio pblica reflete

    sobre os assuntos (McCombs, 1997; 2002; 2004/2009), influenciam as prticas dos agentes

    situados em campos sociais distintos (Rawolle, 2010a; Lingard & Rawolle, 2004), tm o poder

    discricionrio de falar e de decidir sobre quem pode ou no falar (Barriga, 2007, p. 37) pelo que,

    nesta medida, the media considerations increasingly affect education policy within the

    intermediate space between the sphere of formal political agency and the public (Rnnberg,

    Lindgren, & Segerholm, 2012, p. 1).

    Pelas funes de mediao que os mdia desempenhampermitindo que se estabelea uma

    dinmica de fluxos de produo, circulao, interpretao e receo, ainda que descontnuos e

    assimtricos (Couldry, 2008)e pelo seu envolvimento na mediatizao da poltica e das polticas,

    condicionam a formulao dos problemas, a interpretao e a implementao das polticas, e

    exercem um papel importante nos processos de obteno de poder por parte dos agentes, pessoas e

    instituies. O seu envolvimento altera e formata as relaes (Mazzoleni & Schulz, 1999; Rawolle,

    2010a; Strmbck, 2011; 2013), influencia as prticas dos agentes situados em campos sociais

    distintos (Rawolle, 2010b) e, por conseguinte, so um elemento poderoso na produo e

    reproduo das dimenses ideolgicas dos discursos pblicos. Por estas e outras razes que se

    apresentam no desenvolvimento desta dissertaono as tendo certamente esgotado, mas to s

    sublinhado as que se consideram como principaisos mdia so um ator a que devemos dar

    particular ateno no estudo das polticas educativas.

    Tendo em conta o enquadramento contextual e motivacional atrs sintetizados, estabeleceu-

    -se como objetivo geral da investigao perceber qual foi o papel desempenhado pelos mdia no

    processo de mediao e de mediatizao da INO. Com este objetivo, tomou-se como objeto de

  • Introduo

    4

    estudo os textos da imprensa escrita do gnero jornalstico notcia, notcia breve, reportagem, e

    outros de carter opinativo, como os editoriais, artigos de opinio, entrevistas, cartas do leitor ou

    ao diretor/a, e comentrios online reproduzidos em papel, publicados entre 2005 e 2013, cujo

    contedo versava a INO como tema principal, secundrio ou pontual. Assim, nesta pesquisa

    procurou-se identificar e compreender a complexidade de interaes que se estabeleceram no

    processo de mediao da INO, conhecer e interpretar as perspetivas dos respetivos autores.

    Para o alcance do objetivo geral da investigao concorreram as seguintes questes

    genricas:

    Como foi a INO apresentada e interpretada na imprensa escrita?

    Quais os atores que se envolveram no debate?

    Que perspetivas e interesses estiveram em jogo?

    Apresenta-se, pois, um quadro complexo em torno de uma situao concreta, enquadrando-

    -se esta investigao no paradigma da investigao qualitativa.

    Na anlise dos dados empricos optou-se, face ao tipo de dados que se recolheram, por um

    conjunto diversificado de tcnicas mistas, qualitativas e quantitativas, ou seja:

    Na anlise dos textos de dimenso reduzida, ou seja, textos com menos de 150 palavras, e

    dos excertos de textos que abordavam pontualmente a INO, utilizaram-se tcnicas de anlise

    de contedo. Estas implicaram a construo de categorias, recorrendo a um processo

    iterativo de codificao e recodificao, e o respetivo recorte do texto em unidades de

    informao; posteriormente procedeu-se a contagens e determinao de valores de ndices

    visibilidade, orientao, parcialidade e impacto-tendncia/peso-tendncia, seguindo a

    proposta apresentada por Lise Chartier (2003);

    Na anlise dos textos de maior dimenso, mais de 150 palavras, cujo contedo se relacionava

    com a INO, utilizou-se a anlise do discurso, seguindo, tanto quanto possvel, a proposta de

    Anabela Carvalho (2000), a qual implicou a elaborao de anlises textuais e anlises

    contextuais;

    Na elaborao das anlises contextuais aplicaram-se, tambm, tcnicas de anlise de

    contedo, tomando como ponto de partida seis dimensesdescritores de superfcie e

    organizao estrutural, temas/tpicos, agentes, linguagem e retrica, estratgias discursivas

    e posies ideolgicasque decorreram da tarefa de anlise textual realizada previamente.

    A presente dissertao encontra-se estruturada em duas partes, subdivididas em captulos,

    seces e subseces. O objetivo da primeira parte Parte I a construo do enquadramento

    terico da investigao e a caracterizao do contexto supranacional e nacional em que surgiu a

    INO. Na segunda parte Parte II constri-se o quadro geral da investigao, explicitam-se as

    opes metodolgicas tomadas e apresenta-se o trabalho emprico realizado. Por ltimo, faz-se a

    discusso geral dos resultados obtidos e apresentam-se as concluses. A dissertao finaliza com a

    apresentao das Referncias s quais se seguem os Anexos ao trabalho de investigao.

  • Introduo

    5

    A Parte I Os Mdia num Quadro de Governana e de Polticas de aprendizagem ao Longo

    da Vida est subdividida em trs captulos: Captulo I A Globalizao e Novos Modos de

    Governao da Educao; Captulo II O Papel dos Mdia nos Processos de Microrregulao das

    Polticas; e Captulo III Os Contextos Macro e Meso da INO. Os Captulo I e II encontram-se

    divididos em quatro seces cada um e o Captulo III est dividido em seis seces.

    Na primeira seco do Captulo I Do Estado ao mercado: Novas formas de globalizao

    analisam-se, de forma bastante sinttica, algumas mudanas que estiveram na base da crise do

    Estado Providncia e da crise de governabilidade que se seguiram ao final da II Guerra Mundial e

    que originaram, nos anos 1980, o aparecimento de correntes polticas neoliberais e

    neoconservadoras nos Estados Unidos da Amrica, Inglaterra e em alguns outros Estados. Estas

    correntes de pensamento, por influncia de foras supranacionais e da globalizao da economia,

    impuseram um novo modelo econmico, social e poltico a todos os Estados que estavam sob a

    influncia dessas organizaes, designadamente a Portugal, provocando uma eroso progressiva

    nas soberanias nacionais que conduziu redefinio do papel dos Estados e teve repercusses

    assinalveis na construo das polticas educativas e na definio e priorizao dos problemas.

    A segunda seco deste primeiro captulo Entre o Estado e o mercado: Novos modos de

    governao dos Estados e da educao centra-se no novo conceito de governana que emergiu,

    no incio deste novo milnio, no mbito de um novo paradigma de regulao social e econmica

    que comprometeu os Estados num processo de governao global mas sem um governo global

    (Castells, 2005, p. 25; 2008, p. 89) e que veio alterar a relao destes com a educao. Neste

    sentido, sustenta-se a perspetiva de Dale (2004) formulada na Agenda Globalmente Estruturada

    para a Educao. Nesta perspetiva o autor defende a existncia de uma agenda supranacional para

    a educao. Assumindo como ideia central que aquilo que est em jogo a manuteno e

    reproduo do sistema econmico e capitalista e a posio hegemnica que nele detm os estados

    mais poderosos, como refere Afonso (2001, p. 40), esta tica sublinha as especificidades nacionais

    que resultam de processos de regulao que atuam no interior dos Estados e que se articulam, de

    forma mais ou menos (in)dependente, com os processos de regulao supranacionais; neste aspeto,

    a Agenda Globalmente Estruturada para a Educao distancia-se de outras perspetivas

    desenvolvidas no mbito da educao comparada que realam, por exemplo, a existncia de

    modelos que os Estados-nao tendem a reproduzir de modo isomrfico, sujeitando de forma

    determinante os seus sistemas educativos s orientaes emanadas supranacionalmente.

    Na terceira seco do primeiro captulo A governana da educao no espao europeu

    centra-se a ateno nos processos de governana da educao no espao europeu. A sistematiza-se

    o modo como as alteraes que ocorreram neste espao nas duas ltimas dcadas, em termos de

    governana, transformaram a UE num ator ativo e relevante na rea da educao, e como a ALV

    surgiu como principal lema das polticas educativas europeias (Alves, M., 2010a, p. 9). Em

  • Introduo

    6

    coerncia como a perspetiva que se assumiu na seco anterior, toma-se como referncia as trs

    fases desse processo que foram identificadas por Dale (2008).

    Na quarta e ltima seco deste primeiro captulo A regulao nacional e a regulao

    local aborda-se a forma como, no atual quadro de governana dos sistemas educativos, os

    governos lidam em territrio nacional com os vrios tipos de regulaoregulao nacional e

    regulao local ou microrregulaoseguindo a interpretao de Barroso (2005a; 2005b; 2006).

    No segundo captulo da Parte I constri-se o quadro conceptual que permite compreender a

    ao dos meios de comunicao social, num quadro de reconfigurao do papel dos Estados e de

    crescente envolvimento da sociedade civil nos processos de construo das polticas pblicas e de

    interveno no espao pblico.

    Na primeira seco deste segundo captulo A esfera pblica nas sociedades democrticas

    sublinham-se algumas das ideias contidas no modelo discursivo de espao pblico idealizado por

    Jrgen Habermas no mbito da teoria democrtica deliberativa e destacam-se, por nos parecerem

    bastante realistas, algumas das crticas que lhe foram sinalizadas por autores defensores da

    perspetiva construcionista do discurso, nomeadamente por Nancy Fraser e por Solen Sanlin.

    Na segunda seco deste captulo Os processos de construo dos problemas pblicos

    subdividida em duas subseces, desenvolve-se a ideia de espao pblico numa sociedade

    democrtica como um espao em permanente construo e reformulao onde os atores constroem

    referenciais e imagens da realidade sobre a qual desejam intervir. Mas, sublinha-se, tambm, o

    quanto este espao pblico est longe da gora ou da praa pblica onde os assuntos da vida

    pblica e a governao eram discutidos, em virtude de atualmente ser um espao de luta pelo poder

    social e pelo acesso ao discurso onde determinados agentes mais familiarizados com os cdigos e

    prticas mais legtimas da cultura dominante parecem ter um acesso privilegiado. Neste contexto,

    sintetizando vrios pontos de vista, interroga-se o papel dos mdia numa sociedade democrtica.

    Assim, destacam-se quer perspetivas mais moderadas que veem os mdia como promotores do

    dilogo entre aqueles que esto suficientemente informados para poderem participar e assegurar a

    transparncia da governao, quer outras posies mais extremadas que os veem como uma forma

    de poder que se impe a todas a outras estruturas democrticas.

    A terceira seco do segundo captulo A mediao e a mediatizao da poltica e das

    polticas est subdividida em trs subseces e tem como objetivo contribuir para a compreenso

    dos conceitos de mediao e de mediatizao das polticas educativas. Nesta seco analisa-se a

    forma como estes conceitos so entendidos por diversos autores no mbito da interao dos mdia

    com a poltica e instituies polticas e, particularmente, com as polticas educativas. A

    investigao na rea da educao tem sido influenciada nas ltimas dcadas pelos resultados

    obtidos na pesquisa em diversas reas do conhecimento onde estes conceitos tm sido bastante

    trabalhados. Uma parte das pesquisas tem procurando conhecer a forma como os mdia interagem

    com a educao e quais os efeitos dessa interao nos processos de construo das polticas

  • Introduo

    7

    educativas no interior de cada pas. Todavia, apesar da proliferao de estudos em torno desses

    conceitos, as perspetivas sobre cada um deles no so consensuais (Couldry, 2008; Morgan, 2011;

    Rawolle, 2010a). Especialmente, o conceito de mediatizao tem sido analisado sob diversos

    ngulos em estudos sobre comunicao, sociologia e ps-modernismo, e talvez, tambm por isso,

    tenha admitido interpretaes diferentes (Rawolle, 2010a). Alm disso, o facto de, sobretudo, os

    autores ingleses e americanos enfatizarem o papel da mediao, ao passo que os autores da Europa

    continental do primazia mediatizao, como Strmbck (2013) constata, dificulta a clarificao

    destes conceitos. Assim sendo, nas subseces desta terceira seco, sintetizam-se algumas

    perspetivas e analisam-se as abordagens de Shaun Rawolle e de Winfried Schulz ao conceito de

    mediatizao. O primeiro autor conceptualiza a mediatizao das polticas como um conjunto de

    prticasjogo jogado num campo social temporriode que resultam efeitos cruzados do jogo da

    prtica entre os agentes posicionados em campos distintos (Rawolle, 2010a). Por sua vez, Schulz

    define a mediatizao como the role of mass media in a transforming society (Schulz, 2004, p.

    98). A forma como este autor conceptualiza a mediatizao apresenta vrios pontos de conexo

    com as abordagens aos conceitos de agenda-setting, priming e framing, pelo que se optou por

    aprofundar o conhecimento sobre estes conceitos.

    A quarta e ltima seco deste segundo captulo Seleo e construo das notcias

    justifica-se nas palavras de Gustavo Cardoso (2009):

    [] a mediao central nas nossas sociedades, mas a compreenso da mediao s pode

    ocorrer se compreendermos como se produzem notcias e entretenimento (e quem as

    produz), se percebermos como as audincias vivem a mediao e a incorporam no seu dia-a-

    dia e como os media se esto a transformar, por via da mudana da mediao, e como eles

    prprios influenciam a mudana social. (p. 7)

    Sendo assim, exploram-se trs aspetos fundamentais no processo de seleo e construo das

    notcias os quais foram extremamente valiosos no mbito da componente emprica desta pesquisa,

    nomeadamente, pelo seu contributo para a compreenso das interaes entre o campo jornalstico e

    o campo do poder poltico: (a) os processos de gatekeeping e de newsmaking, (b) os valores de

    notcia e as rotinas produtivas, e (c) as fontes ou os canais de recolha das notcias.

    No terceiro captulo, analisam-se os contextos macro e meso da INO. Esta Iniciativa surgiu

    inserida num vasto conjunto de medidas de poltica educativa, de emprego e de modernizao

    tecnolgica do pas que visavam dar resposta a alguns dos problemas internos de Portugal,

    designadamente em matria de educao e formao, pois apesar dos progressos feitos nas ltimas

    dcadas persistia o baixo desempenho de Portugal em indicadores de referncia estabelecidos pela

    UE e pela Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE).

  • Introduo

    8

    Simultaneamente, essas medidas permitiram que a ALV se assumisse como um vetor fundamental

    na produo de uma fora de trabalho mais produtiva e competitiva, honrando deste modo os

    compromissos assumidos no mbito da construo de um Espao Europeu de Educao. Assim, a

    INO, enquanto poltica educativa alicerada em polticas de ALV, assentou na ideia veiculada pelas

    orientaes europeias que o investimento na qualificao das pessoas era a chave para a

    produtividade e para o crescimento da economia (Fragoso & Guimares, 2010).

    Na primeira das seis seces em que este captulo se encontra dividido Aprendizagem ao

    longo da vida: Breve nota histrica apresenta-se uma breve aproximao forma como a ALV

    assumindo novos significados que a afastavam do ideal de educao ao longo da vida, a qual

    conferia centralidade educao tambm enquanto objeto de polticas sociais (Lima, 2011),

    comeou a ser considerada uma questo prioritria e uma ideia-chave presente no discurso poltico

    e nos documentos da UE, assumindo-se em 2005 como um dos vetores fundamentais na produo

    de uma fora de trabalho mais produtiva e competitiva enquanto nica via para atingir os objetivos

    de Lisboa (Dale, 2008). Para finalizar, destaca-se o ponto de vista de Nvoa (2013) sobre a forma

    como a ALV foi interpretada no novo Programa de Educao e Formao 2020.

    Nas duas seces seguintes Aspetos relevantes da educao de adultos em Portugal at

    2004 e Momentos marcantes do ensino secundrio em Portugal at 2004 apresentam-se tpicos

    importantes da educao de adultos e do ensino secundrio em Portugal que contextualizam o

    panorama social e educativo que antecedeu e legitimou a implementao da INO. Como Lima

    (2005) sublinha, desde a entrada de Portugal na Comunidade Europeia que o analfabetismo literal

    deixou de ser assinalado como um problema educativo; as formas de educao no formal e

    informal foram desvalorizadas e s em 2001 foram criados os centros de Reconhecimento,

    Validao e Certificao de Aprendizagens os quais mantiveram uma expresso bastante reduzida

    at implementao da INO. Portanto, durante largos anos, na sequncia da Lei de Bases do

    Sistema Educativo, pese embora os esforos da Comisso de Reforma do Sistema Educativo, a

    educao de adultos foi praticamente reduzida a formas escolares de educao (Fragoso &

    Guimares, 2010; Lima, 2005), na modalidade de ensino recorrente, como segunda oportunidade,

    e de um tipo de formao profissional subjugada s necessidades do mercado, ou seja uma

    formao ps-escolar, dirigida a adultos pouco escolarizados e com claras finalidades de

    adaptao e ortopedia social (Canrio, 2006, p. 168). Neste sentido, sublinha-se, em particular, no

    que respeita ao primeiro tema, o carter intermitente (Lima, 2011, p. 32) das polticas de

    educao e formao de adultos desde a revoluo de abril de 1974, registando-se perodos de forte

    investimento neste domnio que alternaram com etapas de significativo desinvestimento. No

    segundo tema, entre outros aspetos, destaca-se o aparecimento das primeiras escolas profissionais

    no final da dcada de 1980. Cabendo a sua criao iniciativa local, esta medida de poltica

    educativa insere-se no mbito da redefinio do papel do Estado na educao e de uma maior

    interveno da sociedade civil na construo das polticas educativas (Afonso, 2002a). Mas, como

  • Introduo

    9

    este autor tambm sublinha (p. 55), esta medida assumiu caractersticas de uma poltica educativa

    hibrida, pois, no obstante tratar-se de um exemplo da emergncia da ideologia neoliberal na

    poltica educativa, ao Estado competiu um papel extremamente importante e decisivo na [sua]

    gnese e desenvolvimento.

    Na quarta seco A Iniciativa Novas Oportunidades sistematiza-se o programa INO

    desenvolvendo, em duas subseces distintas, os objetivos e as metas definidos pelo XVII Governo

    Constitucional e as medidas preconizadas em cada um dos seus dois pilares, Jovens e Adultos. Na

    seco seguinte Reflexo crtica sobre os principais resultados da INO apresenta-se, tal como

    o nome indica, uma reflexo crtica sobre os principais resultados desta poltica. Para esta anlise

    convoca-se, no que respeita vertente dos adultos, a viso dos autores do Estudo de Avaliao

    Externa levado a efeito pela Universidade Catlica Portuguesa, sob a coordenao de Roberto

    Carneiro, no mbito do processo de avaliao externa do eixo de ao Adultos; focam-se os aspetos

    positivos assinalados, os aspetos a melhorar, os desafios a ultrapassar e as recomendaes

    apresentadas pelos autores do estudo. No respeitante ao eixo Jovem, apresentam-se as concluses

    mais pertinentes mostradas no Relatrio Final resultante do Estudo de Avaliao Externa dos

    Percursos Ps-formao dos Diplomados de Cursos Profissionais, realizado pelo Instituto de

    Estudos Sociais e Econmicos, sob a coordenao de Catarina Pereira (2011). Na sequncia de

    cada uma destas snteses que enfatizam alguns aspetos positivos, destaca-se um conjunto de pontos

    crticos assinalados por Almeida (2011), Canrio et al (2012), Guimares (2010), Pacheco (2009) e

    Pires (2007) em torno da INO e dos aspetos ideolgicos que, alguns destes autores consideram, que

    estarem implcitos neste programa.

    O terceiro captulo termina com uma seco Reflexo educativa sobre os temas

    subjacentes INO a ALV e o Reconhecimento, Validao e Certificao de Aprendizagens

    (RVCC). Entre outros aspetos, destaca-se o facto de a ALV ter vindo a assumir uma pluralidade de

    sentidos (Alves, M., 2010a; Dale, 2008; Neves, 2010) e clarificam-se alguns conceitos que se

    utilizaram na componente emprica em torno destas duas problemticas, especificamente os de

    aprendizagem formal, informal e no-formal; alm disso analisam-se as lgicas subjacentes a cada

    uma das dimensesformativa, e sumativa e formal, de validao e certificao, que o processo

    de RVCC incorpora.

    A segunda parte desta dissertao Parte II: A Mediao e a Mediatizao da INO

    encontra-se dividida em dois captulos Captulo IV: Construo da Problemtica e Opes

    Metodolgicas e Captulo V: Os Discursos dos Agentes e os Contextos de Produo cada um

    deles comportando vrias sees e subseces. No primeiro captulo, numa seco, constri-se a

    problemtica e definem-se as opes metodolgicas, apresentando os objetivos e as questes da

    investigao; em outra seco define-se a lgica que presidiu constituio do corpus de pesquisa,

    os respetivos fundamentos e as metodologias de anlise utilizadas, definindo-as, referenciando-as e

    justificando-as.

  • Introduo

    10

    No Captulo V apresentam-se os resultados. Comea-se por mostrar um panorama geral

    sobre os dados recolhidos e, numa fase posterior, sistematizam-se os dados e analisam-se os

    resultados de modo parcelar, iniciando este processo pela apresentao e anlise dos (242) textos

    de dimenso reduzida ou dos excertos que abordavam pontualmente a INO. Prosseguindo na

    mesma linha, a terceira e quarta sees deste quinto captulo so dedicadas apresentao dos

    resultados e anlise que incidiu sobre os (126) textos de maior dimenso. Assim, a terceira seco

    (dividida em duas subseces) respeita aos textos de opinio, quer de opinion makers e editorias,

    quer entrevistas sobre a INO (efetuadas por jornalistas) e cartas dos leitores. A quarta seo,

    dividida em trs subseces, dedicadas a cada um dos trs jornais, Expresso, Correio da Manh e

    Pblico, respeita s notcias e reportagens. Por uma questo de clareza e sistematizao dos

    resultados, optou-se por apresentar as anlises contextuais elaboradas com base nas anlises

    textuais previamente efetuadas aos 126 artigos. Cada subseco finaliza com uma sntese dos

    principais resultados.

    Na Discusso Geral e Concluso interpretam-se criticamente os resultados do trabalho

    realizado remetendo para os objetivos da investigao e, simultaneamente, confrontando esses

    resultados com estudos cientficos e resultados de pesquisas publicados.

    Apesar das diferenas significativas na forma como a INO foi interpretada, os trs jornais

    tiveram um papel importante na sua mediao e mediatizao, particularmente no que respeita

    vertente dos adultos. Na investigao realizada, reuniram-se indcios de que o perodo que se

    iniciou com a implementao da INO em 2005 e que decorreu at 2013 foi um tempo em que a

    educao de adultos teve um protagonismo meditico assinalvel e repercusses na sociedade

    portuguesa como no era observvel desde a segunda metade dos anos setenta do sculo transato.

    Acresce o facto de, durante os primeiros anos de implementao da INO, a imprensa, ou pelo

    menos parte dela, ter funcionado como plataforma ou elemento facilitador da formao da opinio

    pblica e da interpretao da poltica associada INO, aspeto que pode tambm justificar a forte

    adeso dos portugueses Iniciativa.

    Salienta-se que uma perspetiva otimista baseada na crena de que a INO teria reflexo nas

    vidas profissionais dos formandos, na empregabilidade, na economia e no desenvolvimento e na

    modernizao do pas dominou, em termos de notcia e de reportagem, pelo menos at meados de

    2008. Mas, sublinha-se tambm que esta perspetiva coexistiu, nos discursos veiculados pela

    imprensa escrita, com uma outra lgica: a de que a INO tambm daria um contributo para a justia

    social, pela oportunidade que oferecia aos portugueses de ascender socialmente. Esta situao que

    se encontra associada ao processo de mediao da INO evidenciou tambm uma certa dependncia

    do campo poltico em relao ao campo dos mdia no que respeita ao spin dos polticos, ou seja, ao

    modo como estes atores usam o seu capital simblico para controlar a forma como o pblico recebe

    as polticas (Stack, 2010).

  • Introduo

    11

    Mostra-se, tambm, como, uns anos mais tarde e num registo diferente deste, a luta

    discursiva encetada pelo semanrio Expresso em torno da lei de acesso ao ensino superior destacou

    o poder dos mdia no processo de regulao das polticas educativas e evidenciou, uma vez mais, o

    papel da imprensa na mediatizao das polticas.

    Com a INO, a poltica educativa em Portugal valorizou as componentes no formais e

    informais da ALV, ao assumir os processos de RVCC como uma das vias de qualificao; neste

    aspeto, considera-se notvel a visibilidade dada pela imprensa escrita a esta poltica,

    particularmente vertente dos Adultos, registando-se, por vezes, um envolvimento claro tambm

    de jornalistas em torno da educao e da formao de adultos e da sua credibilizao. O forte

    impacto que a educao e formao de adultos teve nos mdia teve a sua expresso mxima entre

    2011 e 2013, como se de uma espcie de canto do cisne1 da INO se tratasse. Neste perodo a

    ateno nos trs jornais dirigiu-se, em tom crtico, para as alteraes na educao de adultos e para

    o modo como estas foram introduzidas pelo XIX Governo Constitucional, evidenciando os pontos

    crticos desta poltica e os desafios que se colocam no mbito do paradigma da aprendizagem ao

    longo da vida.

    Por ltimo, reflete-se sobre a necessidade da anlise das questes educativas surgir menos

    empolada por questes polticas e de governao, como por vezes se verificou, bem como sobre a

    importncia da imprensa escrita recorrer com mais frequncia a vozes de especialistas em educao

    que quase no se fizeram ouvir sobre a INO ou sobre temas educativos subjacentes a esta poltica.

    Noutros termos, sublinham-se alguns aspetos do processo de mediao das polticas educativas

    que, do nosso ponto de vista, podem melhorar na forma como as questes educativas so

    trabalhadas no espao pblico mediatizado pela comunicao social.

    No obstante o facto de se terem deixado em aberto vrios aspetos do processo de mediao

    e mediatizao das polticas educativas que necessitam de um maior aprofundamento e de um

    tratamento emprico diverso, as concluses a que se chegou merecem, no nosso entender, a ateno

    das Cincias da Educao mas, tambm, de outros ramos do conhecimento, nomeadamente das

    Cincias da Comunicao.

    Em anexo a esta dissertao apresentam-se: (a) a constituio do corpus de pesquisa por ano

    de publicao dos artigos, gnero e jornal; (b) exemplos da anlise textual efetuada a 126 artigos do

    gnero notcia, reportagem e opinio de cada um dos jornais que integraram o corpus de pesquisa e

    com base nos quais se efetuaram as vrias anlises contextuais; e (c) o conjunto de grelhas

    construdas no mbito do processo de anlise de contedo aplicada aos 242 excertos de notcias e

    1 Expresso anteriormente utilizada por Rui Canrio (2006, p. 177) a respeito do Plano Nacional de Alfabetizao e Educao de Base de Adultos o qual visava o relanamento de uma poltica de educao

    popular mas que, segundo o autor, nunca passou do papel, represent[ou]ando o fim de um ciclo

    desencadeado com o 25 de Abril.

  • Introduo

    12

    textos de dimenso reduzida, as quais compreendem os temas centrais em torno dos quais a INO

    foi referida pontualmente, os temas enquadradores do discurso, as categorias de contedo e a

    respetiva descrio, assim como uma tipologia dos agentes citados ou referidos.

    Ainda em anexo, mas apenas em CD, apresenta-se a constituio integral do corpus de

    pesquisa, organizada por data de publicao, jornal, seco, gnero jornalstico, autor e ttulo,

    assim como a anlise textual efetuada aos 126 artigos.

  • 13

    PARTE I

    Os Mdia num Quadro de Governana e de Polticas de Aprendizagem

    ao Longo da Vida

    Captulo I: A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao

    Os desafios colocados pela globalizao dos ltimos 30 anos aceleraram as mudanas e criaram

    ambientes caracterizados pela incerteza e complexidade dos problemas, multiplicidade de atores e

    interesses envolvidos. As profundas mudanas econmicas, polticas e sociais que estiveram na

    origem do desmoronar do estado social democrtico do ps-guerra fizeram emergir novas

    problemticas no mbito da governao dos Estados obrigando a uma reconfigurao do seu papel.

    O modo como se fez sentir a globalizao na construo dos problemas da educao e nos

    sistemas educativos de um modo geral, e a forma como o novo papel dos Estados veio alterar a sua

    relao com a educao, particularmente no que respeita ao espao europeu no qual as alteraes

    que ocorreram nas duas ltimas dcadas em termos de governana transformaram a Europa num

    ator ativo e relevante na rea da educao, so aspetos abordados ao longo deste captulo.

    1.1 Do Estado ao mercado: Novas formas de globalizao

    O projeto de desenvolvimento iniciado aps o final da II Guerra Mundial, que tinha o Estado-

    -nao como espao privilegiado de construo do ideal da modernidade, conduziu a uma

    integrao econmica global que fez deslocar os termos do desenvolvimento de uma questo

    dominantemente nacional para uma questo progressivamente global (Teodoro, 2001, p. 148). Por

    um lado, a globalizao crescente da economia e as alteraes na natureza da competio

    econmica conduziram ao aumento de poder das corporaes multinacionais e consequente

    reduo da capacidade de superviso e controlo dos governos. Por outro lado, o desenvolvimento

    da tecnologia, a deslocao do investimento para novos setores geogrficos e a diminuio da

    implementao de polticas econmicas de relanamento, aceleraram o esboroar das fronteiras

    econmicas (Ball, 1998; Brown & Lauder, 1997) e conduziram construo de novas alianas

    procuradas dentro e fora dos limites de cada Estado. Neste contexto, os Estados perderam o

    monoplio da proviso de bens e servios, e da deciso no processo de construo das polticas,

    originando o desmoronar do estado social democrtico do ps-guerra e o surgimento de novas

    problemticas no mbito da sua governao que se prendem com a gesto da complexidade da

    mudana, a rentabilizao dos recursos e o assegurar da legitimidade poltica. Assim, o novo papel

    do Estado e a redefinio das suas funes foram questes que comearam a adquirir centralidade

    nas dcadas de oitenta e noventa do sculo XX.

    Noutros termos, o contrato social nacional, enquanto paradigma de legitimidade de

    governao, de bem-estar e de segurana, subjacente aos Estados democrticos europeus, foi

  • A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao

    14

    fortemente criticado a partir dos anos setenta2 por no ser capaz de dar resposta crescente

    complexidade dos problemas sociais e culturais (Fontoura, 2008). Como consequncia, o Estado

    perdeu a sua legitimidade e comeou a dar sinais de esgotamento do seu aparelho poltico-

    administrativo, centralizado, hierarquizado e tcnica e culturalmente homogneo. Por sua vez, a

    crise de legitimidade do Estado Providncia deu lugar a uma crise de governabilidade, conduzindo

    a uma reduo do papel do Estado na rea econmica, na rea das polticas de bem-estar social,

    segurana social e identidade cultural (Fontoura, 2008).

    Apesar das alternativas que se desenharam visarem sobretudo redefinir o papel do Estado,

    principalmente para com as polticas socias, despoletaram novos problemas sociais a que o

    projeto poltico e social, designado terceira via, procurou responder a partir de meados dos anos

    noventa (Peroni, Oliveira, & Fernandes, 2009, p. 761).

    Ora, neste contexto de crise do Estado social de bem-estar, adquiriram relevncia, nos anos

    oitenta, nomeadamente em Inglaterra e nos Estados Unidos da Amrica, correntes polticas

    neoliberais e neoconservadoras. Nesta perspetiva, os problemas que os estados capitalistas

    democrticos enfrentavam, como sejam a inflao, o elevado desemprego, a recesso econmica e

    os distrbios sociais, eram uma consequncia das polticas Keynesianas, redistributivas, da defesa

    de valores como a igualdade de oportunidades e direitos sociais para todos. Deste modo, em

    Inglaterra, a Nova Direita, com M. Thatcher no poder, defendeu o retorno ao mercado e a

    redefinio das funes do Estado como forma de ultrapassar estes problemas. Em contrapartida,

    promoveu o incremento de grande flexibilidade de mercado, a reduo das despesas sociais e do

    poder dos sindicatos, a privatizao de servios pblicos e o desmantelamento do Estado

    Providncia. Na educao foram introduzidos mecanismos de mercado, designadamente, o recuo

    do Estado relativamente ao fornecimento de servios, a introduo de polticas de livre escolha das

    escolas, de avaliao das escolas com base nos resultados dos alunos e na respetiva publicitao,

    entre outros mecanismos de competio e de iniciativa individuais.

    A formao passou, tambm, a ser assegurada por meio de mecanismos de mercado,

    responsabilizando cada indivduo quer pela escolha quer pelos custos, no pressuposto de que,

    assim, atravs de uma espcie de mo invisvel, seria assegurado um melhor cruzamento entre a

    oferta e a procura de trabalhadores com formao, aumentando a eficincia e a afetao de mo de

    obra qualificada (Brown & Lauder, 1997).

    Em suma, nesta nova conceo poltica e econmica, o Estado, para responder aos

    problemas de acumulao, coeso social e legitimao, viu-se obrigado a introduzir mudanas nos

    2 Segundo Fontoura (2008), Boaventura de Sousa Santos (2006) assinala o ponto de viragem em 1975, com a

    publicao do relatrio sobre a crise da democracia da autoria de Crozier, Hungttinton e Watanuki (1975),

    pela Comisso Trilateral.

  • A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao

    15

    processos de regulao dos seus sistemas educativos, deslocando o cerne desses mesmos problemas

    para outros agentes e organizaes.

    Em 1983, os baixos nveis de desempenho acadmico obtidos pelos seus estudantes

    americanos em testes internacionais e em matrias consideradas fundamentais questionaram a

    capacidade de competio econmica do pas, face a outros pases com melhores resultados, e

    despoletaram na opinio pblica dos Estados Unidos da Amrica a necessidade de investir numa

    fora de trabalho educada. Neste sentido, foi introduzida uma alterao radical na poltica

    educativa a qual passou a assentar em valores e ideologias neoconservadoras que deram nfase a

    tecnologias de responsabilizao individual, prestao de contas e competio entre escolas

    (Afonso, 2002b).

    Em 1989, o Consenso de Washington3 sublinhou a necessidade de ajustar o novo papel dos

    Estados passando por assegurar[em] as regras do jogo entre interesses sectoriais (Fontoura, 2008,

    p. 10). Assim, na sequncia destes trabalhos, foram adotados, um pouco por toda a parte,

    programas de desenvolvimento seguindo as diretrizes emanadas de foras supranacionais, como o

    Banco Mundial, o Fundo Monetrio Internacional, a OCDE e a UE. Na opinio de Fontoura (2008,

    p. 11), a influncia destas organizaes supranacionais conduziu a uma eroso progressiva das

    soberanias nacionais e obrigou redefinio do papel dos Estados, fatores que tiveram

    repercusses na construo das polticas educativas e na definio e priorizao dos problemas. De

    entre os efeitos sentidos, destacam-se a implementao gradual de medidas favorveis

    privatizao da educao, designadamente o cheque-ensino, a importao de valores e conceitos

    associados como o de cliente, competio, qualidade total, escolha, concorrncia e incentivo, e,

    ainda, a generalizao ao setor pblico de formas de gesto e administrao baseadas no conceito

    de Gesto da Qualidade Total caractersticas do setor privado.

    Em Inglaterra, a conjugao desta ideologia neoliberal com a introduo da dimenso mais

    conservadora da Nova Direita que no se opunha aco do Estado mas apenas aos efeitos das

    polticas sociais que tendam a enfraquecer a iniciativa individual ou a responsabilidade da famlia,

    teve como consequncia um emaranhado de elementos contraditrios (ou aparentemente

    contraditrios) (Afonso, 2002b, p. 117). O objetivo era conjugar a coexistncia de um Estado

    forte, com maior poder de presso e controlo, com um Estado mnimo, reduzido nas suas funes,

    obrigando assim reformulao das relaes do Estado com o setor privado, a adopo de novos

    modelos de gesto pblica preocupados com a eficcia e a eficincia (Afonso, 2002b, p. 118).

    Como consequncia para a educao, este autor assinala:

    3 Expresso pela qual ficaram conhecidas as concluses do encontro, em Washington que, no mbito da

    filosofia poltica do governo de Regan e de M. Tatcher, reuniu economistas de perfil liberal latino-

    americanos, de instituies financeiras como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos

    Estados Unidos e do governo norte-americano. Neste encontro ficaram definidos, por consenso, dez pontos

    que visaram restringir o papel do Estado e expandir o papel dos mercados (Bilhim, 2008).

    http://pt.wikipedia.org/wiki/FMIhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Banco_Mundialhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Departamento_do_Tesouro_dos_Estados_Unidoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Departamento_do_Tesouro_dos_Estados_Unidos

  • A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao

    16

    [] o ataque aos mtodos pedaggicos centrados nos educandos, a tentativa de reduo da

    formao dos professores s componentes curriculares da especialidade, e a desconfiana em

    relao sociologia e s cincias da educao, bem como a revalorizao do papel

    socializador da familia e do ensino da religio nas escolas, paralelamente ao incremento de

    um ensino mais nacionalista da histria e mudana nas polticas de administrao e

    gesto dos estabelecimentos de ensino. (Afonso, 2002b, pp. 117, 118)

    Entretanto, em meados dos anos noventa, impulsionado por governos de centro-esquerda

    surgiu, nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Frana, um novo projeto poltico e social que

    Giddens designou terceira via. Este projeto apostava numa sociedade renovada, numa comunidade

    interventiva e numa harmonia social, como Giddens (1999/2012) sublinha na seguinte passagem:

    Temos de deixar de pensar que a sociedade composta apenas por dois setores: o Estado e o

    mercado, ou o setor pblico e o setor privado [] A democratizao da democracia depende

    do fomento de uma profunda cultura cvica. (p. 17)

    Assim, este projeto preconizava um Estado mnimo com poderes reforados que tinha de

    atuar em parceria com a sociedade civil que se pretendia ativa, responsvel, reflexiva e prestadora

    de servios para que o mercado funcionasse. A terceira via defendia, tambm, uma nova forma de

    relao Estado-Mercado e Estado-Cidado e colocava a nfase nas mudanas dos modos de

    regulao dominantes. Para isso, o Estado, forte, necessitava de se descentralizar, democratizar e

    tornar-se mais transparente e regulador, e, aparentemente de forma paradoxal, precisava de

    enfraquecer.

    Apesar da terceira via ter procurado quebrar com as concees neoliberais acabou por adotar

    muitos aspetos fundamentais do neoliberalismo, ainda que, numa verso menos ortodoxa (Groppo

    & Martins, 2008). Embora tenha proposto uma nova configurao poltica que tinha subjacente a

    viso de uma sociedade competitiva, atravessada por uma cultura de aprendizagem onde o

    conhecimento, as competncias e as perspetivas da populao eram a chave da prosperidade, a

    educao foi concebida de modo tecnicista (Groppo & Martins, 2008).

    Em suma, quer a educao quer a formao estiveram, e esto, neste projeto poltico-social

    profundamente implicadas em conseguir responder questo da competitividade; coube-lhes

    desenvolver a economia e reduzir o desemprego, sendo o indivduo e no o coletivo ou a sociedade

    o responsvel pela sua formao enquanto condio essencial para a empregabilidade, valorizando,

    desta forma, os princpios da teoria do capital humano. Contudo, do ponto de vista de Canrio et al

    (2012, p. 8) esta teoria surge com uma conceo revisitada, pois enfatiza sobretudo o papel da

    educao profissionalizante na resoluo dos problemas econmicos.

  • A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao

    17

    Pensando sobretudo no que sucedeu ao nvel europeu, a ordem de prioridades do Estado

    alterou-se; da centralidade nos problemas de legitimao e coeso social, que impunham uma

    interveno do Estado e nos quais a educao estava profundamente empenhada, passou-se para o

    problema de apoio ao processo de acumulao, omnipresente nos discursos associados economia

    do conhecimento (Dale, 2010).

    Em finais do sculo XX, apesar de se verificarem exemplos de correspondncia na relao

    entre a educao e o desenvolvimento econmico, na realidade registavam-se contradies e

    ambiguidade na forma como estas vias estavam a ser incorporadas nas polticas de cada pas

    (Brown & Lauder, 1997). As reformas da educao pblica implementadas em Portugal nas

    dcadas de oitenta e noventa so um exemplo do carter hbrido, ou mitigado (Lima & Afonso,

    2002, p. 14) que na sequncia das orientaes supranacionais marcaram algumas das decises

    tomadas pelos sucessivos governos durante esse perodo, como ilustra a obra destes autores.

    1.2 Entre o Estado e o mercado: Novos modos de governao dos Estados e da

    educao

    Com o virar do sculo, a vertente neoliberal mais radical atenuou-se e procurou-se um equilbrio

    entre o Estado e o mercado (Barroso, 2005a; Groppo & Martins, 2008). Cabendo ainda aos

    Estados-nao um papel relevante na definio das polticas, os desafios colocados pela

    globalizao dos ltimos 30 anos aceleraram as mudanas e criaram ambientes caracterizados pela

    incerteza e complexidade dos problemas, multiplicidade de atores e interesses envolvidos,

    conduzindo a novas formas de governar os Estados assente no conceito de governana4. A

    governana surge como um novo paradigma de regulao constitudo por trs agentes-chave: o

    Estado, o Mercado e a Comunidade.

    Segundo Guerra (2006, p. 16), a ideia de governana resultou quer de uma vontade de

    questionar a inpcia das polticas tradicionais quer da necessidade de apelar ao envolvimento e

    participao de atores indispensveis ao processo de mudana social e, desse modo, aproximar os

    mecanismos de gesto da rapidez e da flexibilidade exigvel pelos processos de mudana.

    Contudo, Guerra chama a ateno para os desafios que este conceito comporta. Identificando trs

    deles, gesto da complexidade, necessidade da eficcia e legitimidade das decises, refere

    que, dependendo do tipo de governo ou do jogo de foras, a sua valorizao pode diferir de pas

    para pas e no interior de cada um destes (2006, p. 17).

    Na opinio de Castells (2005, p. 25; 2008, p. 89), os Estados esto agora comprometidos

    num processo de governao global mas sem um governo global. Como tal, os Estados

    4 O termo governana ou governao, expresso tambm utilizado por alguns autores com o mesmo

    significado, a traduo e adaptao do francs gouvernance ou do ingls governance e distingue-se de

    governo government.

  • A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao

    18

    aumentaram a partilha de soberania e comprometeram-se em instituies formais e informais,

    internacionais e supranacionais que, realmente, governam o mundo (Castells, 2005, p. 25). Do

    ponto de vista de Dale (2009, p. 124) tal significa que the state now governs through means other

    than policy and in concert with a range of other institutions rather than alone.

    Segundo Boaventura de Sousa Santos (2001, p. 44), a governana tem subjacente um novo

    modelo de regulao social e econmica assente em parcerias governamentais e outras formas de

    associao entre organizaes governamentais, para-governamentais e no-governamentais, nas

    quais o aparelho do Estado tem apenas tarefas de coordenao, enquanto primus inter pares.

    Assim sendo, o Estado, no seu novo papel, articula, regula e coordena, ou seja, assume a definio

    dos contextos, condies e parmetros para a negociao e confronto de interesses sociais

    (Antunes, 2006, p. 68). Noutros termos, o Estado desempenha o papel de elaborador de agenda,

    reunindo volta da mesma mesa os jogadores apropriados e os parceiros certos, facilitando,

    negociando, mediando solues para os problemas pblicos, muitas vezes atravs de parcerias entre

    o pblico, o privado e o chamado terceiro sector (Bilhim, 2008, p. 120), mas transferindo o

    controlo direto para outras entidades e atores, como agncias de avaliao, certificao ou de

    acreditao, como Antunes (2006, p. 88) sublinha.

    Do ponto de vista de Barroso (2006, p. 65) o novo papel de um Estado que deve equilibrar a

    aco das diversas foras em presena e continuar a garantir a orientao global e a

    transformao do prprio sistema [educativo], assente na ideia de governance e de

    metagovernance, traduz-se no desempenho do papel de coordenador das coordenaes

    passando de burocrata e garante da ordem universal a regulador das regulaes e compositor da

    diversidade local e individual.

    De que modo este novo papel do Estado no processo de governana veio alterar a sua relao

    com a educao? Em que medida se faz sentir a influncia da globalizao na educao nos

    diferentes Estados? A pertinncia destas questes tem preocupado a comunidade acadmica e tem

    incentivado o desenvolvimento da investigao no mbito da educao comparada, existindo hoje

    uma diversidade de perspetivas que variam tambm consoante os enfoques5. Dale (2004) fornece

    uma abordagem comparada bastante pormenorizada de duas dessas perspetivas: a Agenda

    Globalmente Estruturada para a Educao (AGEE), defendida por Dale, e a Cultura Educacional

    Mundial Comum (CEMC)6, de Meyer, que, de resto, tm em comum o facto de ambas enfatizarem

    a influncia de fatores supranacionais no desenvolvimento dos sistemas educativos nacionais.

    5 Nvoa (1995), no seu texto Modles danalyse en ducation compare: Le champ et la carte apresenta o

    mapeamento do campo da educao comparada com sete configuraes correspondentes aos principais

    modelos adotados pelos autores da segunda metade do sculo XX.

    6 A abordagem da relao entre globalizao e educao pela teoria do grupo liderado por John Meyer,

    CEMC, assenta na existncia de uma cultura mundial comum, ou seja, na existncia de modelos que os

  • A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao

    19

    A perspetiva da AGEE defende a existncia de uma agenda supranacional que se traduz em

    alteraes de padrocombinao de escalas, supranacional ou transnacional, nacional e

    subnacional ou locale de formas governanapadro e forma de regulao compatveis com a

    forma de coordenao de mercadoinduzidos por efeitos indiretos na governana da educao

    (Dale, 2004; 2010). A ideia central da AGEE a de que o que est em jogo a existncia de foras

    econmicas que operam globalmente no sentido de romper, ou ultrapassar, as fronteiras

    nacionais (Dale, 2004, p. 426). Neste sentido, a globalizao conceptualizada como um projeto

    econmico, cultural e poltico que se guia pela necessidade de manter a reproduo do sistema

    capitalista (Dale, 2004, p. 436) e a posio hegemnica que nele detm os estados mais

    poderosos (Afonso, 20011, p.40). Assim sendo, a globalizao um processo complexo

    frequentemente contraditrio que gira em torno de trs grandes reas poltico-econmicas, ou trs

    grandes capitalismos transnacionais, Europa, Amrica e sia, que partilham a preocupao

    com o controlo e concordam sobre certas regras do jogo cujo motor a procura do lucro (Dale,

    2004, pp. 436, 437) . Ora, a AGEE discute os processos que levam os Estados a interpretarem e a

    responderem a uma agenda comum, imposta por alguns Estados sobre outros, e que tem efeitos,

    ainda que indiretos, na governana da educao (Dale, 2004). Este modelo admite que se discutam

    as especificidades nacionais que resultam dos processos de regulao que atuam no interior dos

    Estados e que necessariamente se articulam com os processos de regulao supranacionais

    (Afonso, 2001, p. 40).

    Pese embora as orientaes e decises tomadas supranacionalmente priorizem os problemas

    e possa at admitir-se, em linha com outras perspetivas, que por vezes e em parte, definem um

    mandato para a educaoaspetos mais evidentes em alguns pases da Unio Europeia,

    nomeadamente da periferia ou semiperiferia, incentivados pela proliferao de estudos e projetos

    comuns e partilhadosesse eventual mandato no explcito, pois no funciona, pelo menos nos

    pases centrais do sistema mundial, como uma imposio de uns Estados sobre outros7. A sua ao

    faz-se geralmente de forma indireta, lenta e difusa e por mediao dos Estados nacionais, pois

    trata-se de uma globalizao de baixa intensidade (Santos, B. S., 2001, p. 91), conceito que

    Teodoro (2001) reivindica para caracterizar as polticas educativas, tomando como exemplo o caso

    portugus no contexto europeu.

    Alguns estudos no mbito da educao comparada tm vindo a centrar mais a sua ateno

    nos modos de regulao dos sistemas educativos nacionais, assinalando a existncia de uma

    convergncia nestes processos de regulao que aponta no sentido da presena de uma regulao

    Estados-nao tendem a reproduzir de modo isomrfica, sujeitando de forma determinante os seus sistemas

    educativos s orientaes emanadas supranacionalmente.

    7 Por contraste com o que acontece, por exemplo em frica, onde a relao entre a globalizao e educao

    se faz por institucionalizao da influncia internacional e descontextualizados (Teodoro, 2001).

  • A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao

    20

    transnacional. o caso, por exemplo, das concluses obtidas na investigao, coordenada por

    Barroso (2005a), que foi realizada em cinco pases europeus, Portugal, Inglaterra, Frana, Hungria

    e Blgica, no mbito do projeto Reguleducnetwork (Changes in regulation modes and social

    production of inequalities in educational systems: a European comparison). Neste estudo registou-

    se uma convergncia em torno de dois referenciais de regulao distintos: o Estado avaliador e o

    quase-mercado. No entanto, as polticas educativas nesses estados no eram idnticas. Como os

    autores sublinham, grande parte da influncia externa se centra mais no processo de tomada de

    deciso poltica e controlo da sua execuo, do que propriamente na imposio de modelos e

    solues comuns para a organizao e funcionamento dos sistemas educativos (Barroso, 2006, p.

    48). Nesta mesma linha, os trabalhos de M. Alves (2010a), Seixas (2001), Teodoro e Estrela

    (2010), mostram como as organizaes internacionais, nomeadamente a OCDE e a UE, exercem

    uma funo reguladora, de controlo e influncia, sobre os sistemas educativos nacionais que, na

    perspetiva de Teodoro (2001, p. 151), deixam muitas vezes um leque diminuto de opes aos

    Estados nacionais. Nesta ordem de ideias, as organizaes supranacionais criam constrangimentos

    e oportunidades para o desenvolvimento de polticas educativas, quer atravs de programas como o

    PISA (Programme of International Student Assessment), o TIMSS (Trends in International

    Mathematics and Science Study), o PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study), ou

    de outras medidas especficas e respetivo financiamento8, quer mediante a construo de

    indicadores utilizados numa perspetiva normativa e de definio de metas, como sucede atualmente

    no mbito do processo de construo de um Espao Europeu de Educao. Partilhando este ponto

    de vista, Antunes (2001, p. 193) afirma que as opes e prioridades polticas ao nvel da UE, tm

    um efeito selectivo forte quer induzindo a, ou criando um contexto indutor da, orientao no

    sentido de determinadas intervenes quer reforando e viabilizando algumas polticas e inibindo

    ou tendo um papel dissuasor no desenvolvimento de outras. Por conseguinte, estes processos tm

    necessariamente implicaes importantes na reduo da centralidade e da responsabilidade dos

    Estados nacionais. Neste sentido, as orientaes supranacionais e os resultados obtidos em testes

    internacionais socomo anteriormente eram as solues tcnicas propostas por peritos

    internacionaisuma fonte de legitimao para a implementao de determinadas polticas

    curriculares, de avaliao e administrao educacional ou de formao, bem como para justificar o

    sucesso ou o insucesso de outras. Alis, na opinio de Barroso (2005b, p. 68) o recurso sistemtico

    a referncias internacionais visto, nomeadamente por alguns autores defensores da teoria dos

    8 Por exemplo, Antunes (2001) referindo ao caso portugus, afirma que as escolas profissionais emergem

    em simultneo com a possibilidade de acesso a financiamentos comunitrios, para o ensino e formao

    profissional de jovens (p. 193) mas, por outro lado, a expanso da educao pr-escolar [] no foi

    objecto de apoio financeiro comunitrio, j que se encontrava completamente fora do mbito de aco e

    prioridades polticas definidas para a Comunidade Europeia, sofreu uma completa paralisao no perodo

    compreendido entre 1987 e 1994. (p. 192)

  • A Globalizao e Novos Modos de Governao da Educao

    21

    sistemas sociais auto-referenciais, como a fonte principal de legitimao de polticas nacionais,

    suprimindo assim, na retrica do discurso poltico, a insuficincia ou deficincia dos exemplos

    nacionais.

    1.3 A governana da educao no espao europeu

    O que est em causa a sustentabilidade do sistema econmico capitalista e o reforo da

    capacidade dos Estados mais poderosos para controlarem um jogo que no pode ser jogado

    individualmente (Afonso, 2001; Dale, 2004) e, por isso, a resposta da Europa globalizao, aps a

    Agenda de Lisboa, no teve em vista apenas a competio global mas a competio com jogadores

    especficos (Dale, 2004).

    As alteraes que ocorreram no espao europeu nas duas ltimas dcadas, em termos de

    governana, transformaram a Europa num ator ativo e relevante na rea da educao. A Cimeira de

    Lisboa teve um papel decisivo na ideia de construo de uma nova entidade, um Espao Europeu

    da Educao (EEE) e uma Poltica Educativa Europeia que, do ponto de vista de Dale (2009, p.

    122), are qualitatively distinct from Member States national systems, in terms of their scope,

    mandate, capacity and governance.

    Tendo como preocupao compreender as mudanas que ocorreram na governana da

    educao no mbito do desenvolvimento do processo de construo do EEE, aspeto relevante para

    o estudo emprico que se pretende desenvolver, apresenta-se de seguida uma sua sistematizao

    tomando como referncia trs fases desse processo, tal como foram identificadas por Dale (2008).