A MODERNIDADE - maria joão cantinho

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  • 8/13/2019 A MODERNIDADE - maria joo cantinho

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    A MODERNIDADE

    Sob a influncia de Saturno, como o apresenta o seu amigo Gershom Scholem, nasua bela obraWalter Benjamin e o seu Anjo,Benjamin deixou-se fascinar pela

    modernidade, como tantos autores da sua poca. Sentimento ambguo, tecidoduplamente pelo fio de um horror (o ual sentimos perpassar na sua obra!, uecorresponde ao reconhecimento das formas degeneradas e decadentes - ue tm o seucorrespondente nas figuras da prostitui"#o, da flnerie,do jogo, do trapeiro, do homem-sand$ich, da mercadoria, da moda - e pelo fio do encantamento, ue se constr%i noapelo & compreens#o da decadncia, da morte, do eterno retorno.

    'arcadamente moderno, alter Benjamin n#o deixou por m#os alheias essauest#o crucial ue foi a temati)a"#o da experincia moderna, entendida

    comoexperincia vivida do choque [Chockerlebnis !* lamento de uma experinciaarruinada e em crise perpassou a sua obra, con+ertendo-se num objecto fundamental dasua an lise. s figuras da modernidade, aleg%ricas por excelncia, ocupam-lhe o pensamento, no sentido em ue se constituem como concreti)a" es dessa perda deexperincia, ou seja, congregam em si, ao mesmo tempo, a fantasmagoria alucinada docolecti+o e a conscincia hiperl/cida da imers#o da hist%ria na cat strofe.

    0oderamos mesmo afirmar ue o fascnio de Benjamin nasce da necessidade decompreender, submergindo no seu objecto, procurando determinar a lei oculta de umdeterminado procedimento esttico ue te+e a ui, nesta poca, o seu clmax e ue foi,com efeito, o procedimento aleg%rico. 1 deste esfor"o, ue procurou le+ar a cabo, uenasceu a sua obra fundamental2 As "assa#ens! 3al como uma obra ar uitect%nica,4reflectindo5 (no pensamento! a estrutura ar uitect%nica da cidade de 0aris e

    das #alerias1 francesas do sculo 676, ela contruda a partir de um mtodo a ueBenjamin chama om$todo da monta#em, "assa#ens pretende-se como uma an lise doselementos fundamentais ue constituem a essncia da modernidade, pri+ilegiando-se,sobretudo, o caso paradigm tico (at mesmo para a compreens#o da alegoria! deBaudelaire e da sua lrica, tomando fundamentalmente a sua obra As %lores do &al , emespecial '(pleen e )d$al*.

    3rata-se a ui de encontrar afinidades entre os autores estudados por alterBenjamin e o seu pr%prio pensamento aleg%rico. 8, ad+irtamos o leitor, n#o por acaso

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    ue alter Benjamin lan"a m#o dos autores tidos como exemplos radicais da arte e daliteratura moderna. Baudelaire (o ual ser predominantemente analisado!, '. 0roust,9af:a, bem como os autores surrealistas, s#o esses homens-estandarte ue Benjaminescolheu, para se encontrar com eles, mas tambm seria injusto es uecer o di logo comBlan uis e ;iet)sche, 'arx, os uais surgem a todo o instante, lembrando-nos a 4crise5dos fundamentos e da experincia, a 4crise5 do historicismo, o ual representa a hist%riaem toda a sua decadncia.

    nidos pela concep"#o barroca da hist%ria, unidos igualmente por um saber ue n#o capa) de encontrar a sua saciedade, auto-absor+endo-se nessa remiss#o infinita uen#o conhece o seu repouso, a alegoria barroca ressurge na modernidade. 0or isso, & lu)dessa comunidade, e tambm & lu) de uma diferencia"#o interna ue de+e ser entendidaa rela"#o entre a alegoria barroca, a modernidade e o pr%prio pensamento - aleg%rico -de alter Benjamin.

    O CASO BAUDELAIRE

    Sem d/+ida ue Baudelaire ocupa o lugar mais proeminente na galeria benjaminianados autores e das obras liter rias. *utras figuras, igualmente importantes, est#o tambmcontempladas ao longo de toda a sua obra. 0orm, sobre o ?caso@ Baudelaire, ou melhordi)endo, sobre'o abismo sem estrelas*de Baudelaire, Benjamin debru"ou-se mais

    demoradamente, resultando desse esfor"o textos admir +eis. alter Benjamin ter , possi+elmente, encontrado nessa imagem o reflexo da +ertigem do seu pr%prio pensamento. * lamento, o horror perante a decadncia da tradi"#o e dos +alores, aurgncia do pensar perante a +iolncia nihilista da experincia moderna, mas tambm anostalgia baudelaireana relati+amente &s correspondncias origin rias, eis os aspectos

    ue condu)iram alter Benjamin & partilha incondicional com a obra radical deBaudelaire. 1 ao longo de obras como "assa#ens, Charles Baudelaire, entralpark,ueos temas ue ser#o abordados ir#o aparecendo.

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    primeira ra)#o pela ual Baudelaire ocupa uma posi"#o importante na galeria deautores pri+ilegiados por alter Benjamin, de+e-se ao facto de Baudelaire, facto /nicoe mpar na literatura do seu tempo (embora na sua obra Benjamin cite tambm Blan uis,Aictor ugo, 'arcel 0roust, Camartine e tantos outros!, personificar a figura do?aleg%rico@ e do saber barroco e saturnino por excelncia, encontrando na sua lrica o?lugar natural@ da alegoria.

    8ntender o gesto aleg%rico, o-abismo. baudelaireano - abismo do espa"o, mastambm alegoria do abismo do tempo2-, tentando pDr & +ista a estrutura essencial da suaobra (obra ue, em si mesma, uer deixar +er esse es ueleto, surgindo destinada aoolhar aleg%rico!, tornou-se um objecti+o fundamental para Benjamin, ue pretendia a

    re+alori)a"#o desse procedimento esttico.

    obra fundamental abordada, nesta parte do trabalho, ser As "assa#ens, posto ueela central. presentada segundo o ue Benjamin entende como o paradigma daescrita filos%fica, o da apresenta"#o filos%fica & maneira de um tratado3, cuja fun"#o ade preser+ar a tradi"#o, "assa#ens, possui uma estranha e fascinante ar uitect%nica,obedecendo ao mtodo programado na/ri#em 4 ue Benjamin designar posteriormentede'monta#em liter0ria*5, deixando-nos com as m#os repletas de ri ue)as e decaminhos por desbra+ar, inesgota+elmente. 'ostrar, prestar justi"a, render homenagem,lutando por 4sal+ar5 o ue outros pensaram e disseram.

    inda ue a obra existente n#o seja a uela ue foi pensada por alter Benjamin,tendo sido construda a partir das anota" es e do projecto ue por ele foi deixado emes ueleto, no entanto, o ue +erdadeiramente importante o modo como se concreti)a- e da a sua originalidade - a descontinuidade anunciada desde a sua obra sobre

    a /ri#em! * li+ro das "assa#ens consagra um mtodo e um objecto filos%ficos, deforma indita e por isso ela ad uire esse peculiar fascnio.

    Anlise da poti a de Ba!delai"e e dos se!s ele#entos ale$%"i os& A

    idade o#o ele#ento #at"i ial da poesia l'"i a( o )l*ne!" e a )l*ne"ie+

    Seria imposs+el abordar a obra de Baudelaire, e alter Benjamin comprendeu-o bem, sem analisar os conceitos de flneur e de flnerie! 1 atra+s do olhar

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    do flneur ue a cidade de 0aris transfigurada poeticamente por Baudelaire, medianteo estadode spleen, , de ue se falar adiante.

    0aris, cidade ue Benjamin tanto amou, o objecto ar uitect%nico pri+ilegiado por

    ele e a ue o autor recorre constantemente, uer para situar Baudelaire, uer paracaracteri)ar e compreender a sua obra, do ponto de +ista da sua modernidade. no+acidade, ap%s a sua reconstru"#o, tal como foi le+ada a cabo por aussmann, no sculo676, era constituda por largas a+enidas e passeios amplos, ue permitiam ao parisienseuma no+a rela"#o com a cidade e com a ar uitectura. 8la foi inteiramente reconstrudamediante no+os tra"ados, com uma reestrutura"#o fundi ria, de constru"#o de infra-estruturas, assim como foi a constru"#o de e uipamentos e de espa"os li+res.

    es uemati)a"#o da no+a cidade cria uma cidade com lu), espa"o e re+alori)a,en uadrando, os monumentos- . maior parte do ue ser o al+o essencial da obra deBenjamin, as galerias, construiram-se nos uin)e anos a seguir a EF . ssociadas aoaparecimento da no+a ar uitectura e dos no+os elementos construti+os, o ferro e o+idro, surgem os precursores dos grandes arma)ns, a ue se chamam os arma)ns deno+idades. 8stes arma)ns e, por conseguinte, as galerias parisienses, con+erteram-senum p%lo de atrac"#o turstica, como afirma Benjamin, com base na leitura de um guiailustrado de 0aris nessa poca!*.

    * aparecimento das galerias coincide igualmente com o dos panoramas, os uais seconstituem, como'a express1o de um sentimento novo da vida!*/ 1 atra+s dos panoramas ue o citadino tenta introdu)ir o campo na cidade e neles (aspecto ue serimportante na an lise do tema do flneur e da flnerie! a +ida alarga-se &s dimens es deuma paisagem, desdobrando-se como tal ante o olhar do transeunte. Hessalte-se, ainda,

    como acontecimento significati+o e decisi+o o aparecimento da fotografia.

    Benjamin salienta ainda um factor ue ser de extrema importIncia para definir essapoca2 as exposi" es uni+ersais. 8stas desempenham um papel importante no ueBenjamin chamou a poca das fantasmagorias, referindo-se deste modo ao sculo 676,

    ue atesta o clmax do esprito burgus2'As exposi23es universais s1o os lu#ares de pere#rina21o da mercadoria como f$tiche*.10

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    s fantasias de Grand+ille d#o ao uni+erso este aspecto fantasmag%rico,moderni)ando-o, aparecendo todo ele como mercadoria, sendo nele ue os habitantes deSaturno, melanc%licos e entediados, se distraem do seu mal-estar.'/ anel de (aturnotorna4se uma varanda de ferro forjado onde os habitantes de (aturno vm tomar ar aocair da noite!*11

    ;esta ?no+a@ cidade, e ue corresponde tambm a um mundo em decadncia, deuma cultura derradeira e mortalmente ferida pelo fetiche da mercadoria12 e pelocapitalismo burgus, os seus passeios amplos con+ida+am agora & circula"#o, afastandoo medo ue toma+a o transeunte parisiense, na antiga cidade, e essa acti+idade(a flnerie5constitua a ocupa"#o pri+ilegiada do burgus ocioso (o flneur !13 , a uele

    ue sustenta+a a con+ic"#o da fecundidade da flnerie,de ue nos fala, n#o apenasBenjamin, nos seus estudos sobre Baudelaire, como tambm o pr%prio Baudelaire, nasua obra As %lores do &al .

    0ela primeira +e), e isso ocorre apenas com Baudelaire, a cidade de 0aris,essa'paisa#em composta de vida pura*,transforma-se emobjecto matricial da poesialrica, sendo disso a express#o esttica da alegoria14, en uanto modo de apresenta"#odessa transfigura"#o fantasmag%rica pr%pria do esprito burgus2'/ #$nio de Baudelaire, que encontra o seu alimento na melancolia, $ um #$nio ale#6rico! "ela primeira ve7 em Baudelaire, "aris torna4se objecto da poesia l8rica! 9!!!5 / olhar que o #$nio ale#6rico mer#ulha na cidade trai sobretudo o sentimento de uma profundaaliena21o! : o olhar de um flneur de que o #$nero de vida dissimula por detr0s deuma mira#em denfa7eja a an#;stia dos futuros habitantes das nossas metr6poles!*15

    nalisando, em "assa#ens, a no"#o de fantasmagoria, partindo de determinadas

    experincias ue patenteiam esse esprito transfigurador, tais como a experinciado flneur, do jogador, bem como a figura do coleccionador, do trapeiro, Benjamin pretende temati)ar determinados conceitos ue se lhe encontram intimamente ligados.S#o eles o conceito de aura , experincia e choque. 8ssas figuras aleg%ricas - a docoleccionador, do jogador, do flneur 1, - tm um pano de fundo, do ual emergem2 otdio1- e a melancolia, ue tanto marcaram a experincia do homem do sculo 676.

    Ji)er perda de experincia significa falar daexperincia dochoque [Chockerlebnis ,+isto ue toda a experincia do homem do sculo 676 nos

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    aparece & lu) dessa impossibilidade de uma experincia autntica[

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    isso, ela n#o comunic +el25, como o a experincia autntica, marcada pelacontinuidade, fruto do trabalho2, . experincia vivida do choque,como se ircompreender seguidamente, corresponde ao efeito de uma transfigura"#o do espa"o e dotempo, inerente a uma )ona onrica, da ual o seu melhor exemplo , sem d/+ida, aar uitectura das galerias parisienses. ;a %ptica de Baudelaire, o herosmo2- do homem,na modernidade, corresponde, sem d/+ida, ao (re!conhecimento desse desencanto e perda de experincia autntica.

    fantasmagoria do flneur , a uela ue ir ser analisada em primeiro lugar, tomada como acti+idade propiciadora de uma embriague)2. ou, mesmo, de um xtase peculiar (comparada fre uentemente & embriague) pro+ocada pelo uso do haxixe!, , ao

    mesmo tempo, a express#o de uma situa"#o dialctica2/ ue se encontra na rai) da lricaaleg%rica de Baudelaire.30

    ;o seu bre+e ensaio, 4'archandise et 'odernit. ;otes sur eine et Benjamin5,lbert Bet), comparando a obra de eine e Benjamin e analisando a alegoria

    baudelaireana como um procedimento esttico resultante da corrup"#o nsita &modernidade - a tirania da mercadoria sobre o mundo das coisas -, afirma2'(e#undo Benjamin, porque se encontra dominado pelas fantasma#orias, a modernidadeencontrou em Baudelaire a pr6pria express1o l8rica= ele reencontra os tra2os dereifica21o e de aliena21o at$ na constru21o dos versos!*31

    8sta posi"#o exprime o essencial da compreens#o benjaminiana de Baudelaire,tomada como o seu ponto de partida essencial e ue importa nunca es uecer. Benjamin4l5 e interpreta a obra de Baudelaire, com um fito essencial2 o de redescobrir no poetaa experincia +i+ida de uma modernidade cuja caracterstica fundamental radica na

    reifica"#o e, por ue n#o di)-lo, na deifica"#o alienat%ria da mercadoria e das rela" esmercantilistas com as coisas, concreti)ando-se nos mo+imentos ue presidem &sexposi" es uni+ersais, lugares de peregrina"#o da burguesia.

    Benjamin identifica em Baudelaire algumas dessas experincias, ue se constituemno seu sentido mais lato como aexperincia vivida do choque, as fantasmagorias deuma poca, o sculo 676, +endo nela a express#o de um 4sono colecti+o5, imersa uese encontra a conscincia colecti+a na sua'rverie* fantasmag%rica2'/ s$culo >)>,um espa2o de tempo [ eitraum 9um sonho de tempo [ eit4traum 5, no qual a

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    conscincia individual se mant$m cada ve7 mais na reflex1o, ao passo que aconscincia colectiva se afunda num sono cada ve7 mais profundo!*32

    8ste estado de 4sonolncia colecti+a5, como a uela conscincia ue espera ser

    desperta, di) respeito ao lado infantil de uma poca e ele encontra o seu espa"oMtempo pri+ilegiado nas galerias33. ;as galerias parisienses era permitido, & uele ue nelas se passea+a, anular otedium vitae34, perdendo-se com seguran"a nesses mundos emminiatura35, sob cus transparentes de +idro, ue reprodu)iam, artificiale fantasma#oricamente, o cu natural. 1 sobretudo neste mundo en+idra"ado,constitudo por transparncias e por espelhos, ue decorre o dia-a-dia do flneur!3,

    8+ocando ainda, a este prop%sito (ainda ue n#o seja contemporInea de Baudelaire!,Benjamin destaca a ar uitectura de Ce Lorbousier 3- , como o clmax futuro dessaatmosfera ar uitect%nica, ue ser+e de ref/gio ao aborrecimento e & solid#o do citadino,

    ue se refugia nas multid es2'/ flanur procura um ref;#io na multid1o! A multid1o $o v$u, atrav$s do qual a vida familiar se move para o flneur, em fantasma#oria*!3.

    promessa de uma aura, de umalonjura, e a paisagem +i+a e em mo+imento,acena-lhe. N maneira de um ca"ador, o flneur segue-lhe os ?+estgios@3/ , tentando

    decifrar o ue a paisagem labirntica40 e impenetr +el, tem para lhe oferecer. 0or essara)#o, Benjamin afirma2'(abe4se que na flnerie, os lon#8nquos 4 quer se tratem de pa8ses ou de $pocas 4 irrompem na paisa#em e no instante presente*!41

    dialctica apresenta-se, tambm, sob esta forma, ao flneur! proximar-se da uiloue se lhe escapa continuamente, perseguindo o al+o. 1 desse modo, em toda a sua

    paradoxalidade, ue se desdobra a cidade e a sua multid#o, ante o olhar do flneur , &

    maneira de um panorama de Jaguerre.42

    8ssa constata"#o toma como ponto de partida fundamental a aproxima"#o entreBaudelaire43 e 8dgar . 0oe, nomeadamente a sua obra/ homem das &ultid3es!3alcomo o personagem principal de 0oe, o flneur de Baudelaire empreende o mesmointuito em 0aris, perdendo-se na massa. 8ssa aproxima"#o , ali s, alargada a + riosautores ingleses (Lhesterton, Jic:ens! e franceses (Jumas, Aictor ugo, Oola! dosculo 676, mas ue tem por pioneiro o poeta.

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    Lomo o detecti+e44 ue persegue a sua +tima, o flneur o ue est no centro domundo - na multid#o - e o ue est , ao mesmo tempo, protegido, dissimulando-se, aoabrigo dos olhares. 8ssa dialctica -lhe inerente, de+endo ser tomada como a suacondi"#o 4natural52'?ial$ctica da @flnerie = por um lado, o homem que se senteolhado por tudo e por todos, como um verdadeiro suspeito, por outro, o homem quen1o se che#a a encontrar, o que est0 dissimulado 9!!!5*.45

    Lomo Benjamin o afirma, o flneur um estudioso da nature)a humana4, . Sob aaparncia de um olhar desatento e distrado, esconde-se algum cuja +ol/pia reside nadecifra"#o dos sinais e das imagens2 algo ue pode ser re+elado por uma pala+radeixada ao acaso, uma express#o capa) de fascinar o olhar de um pintor, um rudo ue

    espera o ou+ido de um m/sico atento. *s conceitos de flneriee de %cio de+em, ent#o,ser aproximados, tomando o segundo como a inaparente condi"#o do trabalho poticomais fecundo4- . tente-se nas pala+ras de Benjamin, uando afirma4. ue todo otrabalho de Baudelaire se desen+ol+ia, n#o na sua residncia (de onde eram banidos osobjectos usuais de trabalho4/ !, mas sim na acti+idade de atento flneur , o ue lhe permitia aprender a +er os seus poemas como'une sucession ininterrompue deminuscules improvisations*!0or isso, reconhecemos ue o olhar do flneuresconde a

    mais profunda agita"#o interior 50

    e esse facto ue le+a tambm Benjamin aafirmar2'9!!!5A maioria dos homens de #$nio foram #randes flneurs9!!!5*51.

    * conceito ue permite, com efeito, estabelecer uma media"#oentre flnerie,en uanto acti+idadeMexperincia vivida do choque[Chockerlebnis propiciadora da experincia potica, %cio52 e produ"#o o demedita"#o melanc%lica, a uela ue a condi"#o essencial e sem a ual n#o existiria

    ual uer produ"#o esttica (entenda-se aleg%rica! em Baudelaire. Jesde logo, na +is#omoderna e baudelaireana da experincia, parece ressaltar essa hiperlucide) +ertiginosa

    ue inere & compreens#o da +is#o dialctica e +iolenta ue coube em sorte aosmodernos mais radicais.

    ;#o se trata a ui do olhar de um pensador 53 ingnuo e iludido, mas sim sarc stico e parasita, glido, & maneira de um olhar barroco (tal como +imos j na primeira partedeste trabalho!, o ual inflecte sobre si mesmo, mediante o acto darememora21o54 e ue

    constr%i imagens poticas. 1 ainda de uma inflex#o ue falamos, da ordem de umensimesmamento, de um saber reflexi+o ue pode condu)ir o homem aos seus limites e,

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    mesmo, como j +imos no+rauerspiel,& loucura e & bestialidade, por +ia de uma ueda+ertiginosa no ?abismo@ daacedia,impelindo-o & estranhe)a, & aliena"#o e conse uenteimpossibilidade absoluta de agir 55. Palamos do 4cismati+o5, 4massa5 da ual feita ocar cter aleg%rico, a uele ue se coloca saturninamente sob o signo darememora21o2

    '9!!!5 A situa21o do cismativo [ r bler $ a de um homem que possuiu a solu21o do #rande problema, mas que a esqueceu de se#uida! < a#ora ele medita, menos sobre acoisa do que sobre a reflex1o que ele levou a cabo sobre o seu sujeito! / pensamentodo cismativo $ ent1o colocado sob o si#no da rememora21o! / cismativo e o ale#orista s1o feitos da mesma madeira!5,

    'A rememora21o do cismativo disp3e da massa desordenada do saber morto! "araele, o saber humano $ fra#ment0rio num sentido particularmente pre#nante= ele re;ne9!!!5 e contr6i um pu77le! Dma $poca que $ inimi#a da medita21o, conservou o #esto no pu77le!

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    transmuta"#o daexperincia vivida do choque em imagem potica, construda pelaimagem aleg%ricaMlrica! Benjamin, na sua +is#o aguda e fulminante, apreende essegesto, extraindo dele as conse uncias mais frteis, e estabelecendo a analogia daseguinte forma2' /s poetas encontram o refu#o da sociedade na rua e o seu sujeitoher6ico com ele! ?esta forma, a ima#em distinta do poeta parece produ7ir uma ima#emmais vul#ar que deixa transparecer os tra2os do trapeiro, deste trapeiro de que seocupou frequentemente Baudelaire!*5.

    *u, ainda de uma forma mais clara2

    '/ trapeiro $ a fi#ura mais provocat6ria da mis$ria humana! Fumpenprolet0rio

    num sentido duplo= vestido de velhos trapos, ele ocupa4se de trapos! @

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    exposta. Lomo o afirma 7r+ing ohlfarth, no seu ensaio 48t Letera= Je l@historiencomme chiffonnier52'/ trapeiro n1o jo#a o jo#o, desmascara4o! H1o tendo nada a perder, ele usufrui do privil$#io dos va#abundos= ele pode tro2ar! %i#ura doinassimil0vel, este terr8vel simplificador sabe assimilar tudo!

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    como pe uenos cho ues ue anulam a falsa continuidade da experincia, fa)endoexplodi-la do seu interior.

    rememora21o,representa esse gesto transfigurador e 4al umico5 do poeta, ue

    le+a a cabo a alegoria, como bem o nota alter Benjamin, distinguindoclaramenterememora21o de mem%ria uanto &s fun" es respecti+as a cada uma,seguindo as pisadas da teoria psicanaltica e, em especial, de 3heodor Hei:2'9!!!5Humanecessidade de claridade, n6s formularemos de uma maneira esquem0tica a oposi21oentre mem6ria e rememora21o= a mem6ria9!!!5@tem por fun21o prote#er as impress3es,a rememora21o visa desinte#r04las! A mem6ria $ essencialmente conservadora, arememora21o $ destrutiva !*,.

    3omando como ponto de partida as in+estiga" es freudianas e, sobretudo, o tema dorecalcamento, Benjamin uer estabelecer claramente a distin"#o entre o ue da ordemda mem%ria (amem6ria inconsciente! e a estrutura ue se encontra na base do procedimento aleg%rico e ue, em parte, a explica2 a rememora"#o[

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    podemos afirmar. S% desta forma poderamos entender a ani uila"#o, no gestoaleg%rico, preparando o teor de reden"#o nas coisas por ela ani uiladas.

    * gesto aleg%rico n#o pertence, pois, como j +imos, & mem%ria, pois esta efectua

    antes uma tarefa de conser+a"#oMselec"#o da experincia, protegendo o indi+duo da brutalidade das impress es sofridas (como ocorre, por exemplo, no caso dorecalcamento freudiano!, e n#o de estilha"amento, como o compreendeu de modo penetrante 3heodor Hei:e, em ?er berraschte "sJcholo#e,e cuja opini#o Benjaminclaramente partilhou. passagem Q9, F, R descre+e com clare)a essa distin"#o, &maneira de um prolongamento e, simultaneamente, uma explicita"#o da anterior, como pode +er-se2 4@+er uma experincia vivida 9erleben5 $ dominar psiquicamente uma

    impress1o t1o forte que n6s n1o pudemos medir na altura

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    ela menos escolhida do ue'reencontrada*! 8st fora do alcance da mem%ria+olunt ria ou da nossa inteligncia a possibilidade de uma reconstru"#o fiel e essa parece ser a condi"#o pr+ia da rememora"#o, mas o termo 4escolhido5 (bem como otermo li+re! tambm n#o con+m inteiramente & rememora"#o, no sentido em ue n#ose escolhe, mas se 4reencontra5 (ou n#o! esse passado. * ue fica bem claro, no entanto, ue ela n#o obedece aos critrios, como bem o entende 'os s, de causalidade eanalogia. ;o ensaio benjaminiano um Bild "rousts, Benjamin aborda o tema darememora"#o proustiana da seguinte forma2'(abe4se que, na sua obra, "roust n1odescreveu uma vida tal como ela foi, mas uma vida tal como ela permanece namem6ria daquele que a viveu! < esta f6rmula permanece ainda demasiadoaproximativa e #rosseira! "orque o que desempenha aqui o papel essencial, para oautor que se evoca as suas lembran2as, n1o $ de forma al#uma o que ele viveu, mas otecido das suas lembran2as, o trabalho de "en$lope da sua memori7a21o!*-,

    'ais pr%xima do 4es uecimento5 do ue da mem%ria, como nos ad+erte o autor, otexto proustiano constr%i-se como uma entretecedura, um tecido2'este trabalho dememori7a21o espontnea, onde a recorda21o $ a embala#em e o esquecimento oconte;do!*-- seguirmos o rasto do seu pensamento, poderamos concluir, com toda a

    legitimidade, ue nesse tecido se entrela"am es uecimento e mem%ria (lembran"a!,dando-se ambos numa rela"#o dialctica e d/plice, & maneira de um rosto jInico. 'ais, poderamos acrescentar ue se trata de uma rela"#o d/plice, tambm no sentido em uen#o poderamos retirar a en+oltura sem destruirmos o seu conte/do, ou melhor di)endo,sem destruir o tecido, na sua constitui"#o intrnseca e essencial, como tecelagem ouentretecedura. 8le nasce de uma con+ergncia, ue tem a sua origem numaheterogeneidade essencial, a dos fios ue o constituem. 8ssa heterogeneidade -lhe, em

    absoluto, fundamental e, se uisermos entender as pala+ras de alter Benjamin,de+eremos, antes de mais, respeitar a met fora, aceitando todas as suas implica" es ecaractersticas ue lhe s#o pr%prias.

    Sem d/+ida, podemos ainda concluir ue essa rela"#o, entre presente e passado,rela"#o dialctica ue pode, ainda, ser +ista & lu) do seu desdobramento nsito(es uecimentoMmem%ria!, ad uire a sua m xima tens#o em textos particulares,determinadas passagens (a ui referidas, tais como o efeito da 4madalena5 sobre o

    narrador ou, ainda, as passagens sobre o despertar nocturno e o esfor"o conse uente de

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    reencontrar os lugares, como poderamos, ainda, falar do caso paradigm tico damem%ria de Balbec e de LombraT!, da ue a essa tens#o dialctica-. apenas possacorresponder, com efeito, a sua concentra"#o - & maneira benjaminiana, entendidacomo s8mile 4numa imagem de car cter aleg%rico.

    3rata-se de +er, como Benjamin o entendeu e como j o dissemos, o mesmo princpio construti+o (e aleg%rico! em 0roust, constituindo-se a alegoria comomodusoperandi,transfigurando a experincia +i+ida do cho ue atra+s darememora21o,apresentando-a mediante imagens, constituindo-se a rememora"#o como um elemento+erdadeiramente ino+ador -/ , ue estabelece uma rela"#o totalmente diferente entre presente e passado, tal como ela pensada natural e habitualmente.

    ssim, a no"#o de rememora"#o ad uire um car cter +erdadeiramente incompar +elna obra benjaminiana e, em especial, na an lise do mundo moderno aleg%rico, justamente por ue ela se configura como o paradigma por excelncia dodespertar ,elemento antittico (como o seu aspecto dialctico! da no"#o de fantasma#oria ou de4sonho colecti+o52 '?e facto, o despertar $ o paradi#ma da rememora21o, o caso emque che#amos a rememorar o que $ mais pr6ximo, mais banal, mais manifesto!*.0

    Jo ue nos fala Benjamin= * ue se entende a ui pelo 4mais pr%ximo5 ou o 4mais banal5 ou, ainda, o 4mais manifesto5= 1 poss+el, com efeito, a+an"ar com algumasexplica" es, mas o pr%prio Benjamin ad+erte- nos, nessa mesma passagem, para osaber-ainda-n#o-consciente do/utrora! hist%ria irrompe numa semi-obscuridade uese encontra latente na nossa experincia do dia-a-dia, ainda ue oculta, disfar"ada oumascarada pelas fantasmagorias colecti+as da sociedade. *s sonhos fantasmag%ricosdo flneur , do jogador, do coleccionador constituem-se como esse saber inconsciente,

    um'saber sonhado* (permitam-nos a express#o! ue procura constantemente es uecer-se, e+itando, ele pr%prio, o momento doloroso do 4despertar5. Joloroso, sem d/+ida, por ue a hist%ria aparece sempre marcada pela morte e pela runa, pela'cat0strofe em permanncia*! 8ssa cat strofe.1 (caracterstica de uma concep"#o barroca da hist%ria!ressurge com outros aspectos na modernidade2 sob a forma de cho ue, de repeti"#oinfernal ou de eterno retorno, despoletadores da melancolia do homem moderno e, porconseguinte, da +is#o aleg%rica, t#o pr%xima do barroco.

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    Benjamin foi mais longe ainda, designando o sculo 676, n#o apenas como umespa"o de tempo, mas como um'sonho de tempo* [ eit4traum ,ou seja, entendendoesse espa"o de tempo como uma fantasmagoria colecti+a, toda ela decorrente entreespa"os e ar uitecturas fantasmag%ricas (essa , sem d/+ida, a fun"#o pr%pria dasgalerias parisienses no tecido urbano!, express#o do sonho colecti+o, ou melhor, do pesadelo profundo do ual partilha toda a sociedade burguesa.

    8sta passagem de+e obrigar-nos a reflectir no paradoxo por ela enunciado. Se, porum lado, a conscincia colecti+a parece, cada +e) mais, embrenhar-se nas suasfantasmagorias, por outro, como o pr%prio autor nos di), a conscincia indi+idual parece, numa rela"#o de pura contraposi"#o, afundar-se cada +e) mais no

    ensimesmamento. Lada um dos p%los decorre justamente um do outro, numa rela"#o aue con+m chamar dialctica, com todo o prop%sito. ;um esfor"o de clarifica"#o,

    de+emos retomar o tema, j atr s abordado, do saber aleg%rico como a uele uecorresponde ao saber docismativo.2 ou doensimesmado (utili)ando para este efeito o pr%prio termo benjaminiano der bler5. *s p%los dessa contraposi"#o aparecem-nos,ent#o, duma forma mais clara, no sentido em ue, se, por um lado, se reconhece nafantasmagoria a express#o do sono colecti+o, por outro, reconhecemos no outro p%lo o

    saberensimesmado, imerso no desespero do reconhecimento dacat0strofe em permanncia. 8ssa , sem d/+ida, a conscincia indi+idual a ue Benjamin se refere,referindo a conscincia do indi+duo ue mergulha, cada +e) mais no tdio e no mal-estar e ue se afunda no 4abismo das significa" es5 ou no'abismo sem estrelas* deBlan uis , obrigando-nos a reencontrarmo-nos, no+amente, com o paradoxo da situa"#odo homem no sculo 676. * sentimento decat0strofe em permanncia, o4enfronhamento5 cada +e) maior no sono colecti+o da conscincia (+tima das

    fantasmagorias do mundo capitalista!, exige a sua anttese, remetendo-nos naturalmente para a exigncia duma ruptura brutal com esse estado de coisas, pois o adormecimentonatural exige como a sua conse uncia mais ine+it +el o despertar, en uanto condi"#odialctica ue lhe ine+it +el.

    0or isso, perante essa dicotomia, a resposta surge clara, & maneira de umaultrapassagem dialctica, de um no+o estado de sntese (pensado & maneira hegeliana por alter Benjamin, e ue se encontra exposto de forma es uem tica e assa) clara no

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    final da obra "assa#ens.3 !, urgindo o 4depertar5 desse pesadelo em ue o conscientecolecti+o se encontra mergulhado.

    0or isso, arememora21o, en uanto gesto ue destr%i e rompe com essas

    fantasmagorias, esbofeteando a sociedade afim de a despertar, poder ainda ser descritacomo um gesto tico, o /nico ue se pode reali)ar. Lom toda a legitimidade, poderemos perguntar-nos como opera esse gesto o 4despertar5 e de ue forma poder ou tentar o4anjo aleg%rico5 sal+ar-nos da cat strofe.4 em permanncia da hist%ria, preparar areden"#o humana=

    rememora21odo spleen inscre+e-se, sem d/+ida, nesse esfor"o de reden"#o da

    hist%ria humana, restando apenas a alegoria (en uanto processo dialctico! como a/nica forma de petrificar a hist%ria e o tempo85 a partir do reconhecimento da suadestrui"#o. 8sfor"o her%ico, sem d/+ida, surgindo das profunde)as da fantasmagoria,rompendo-lhe o crculo, transfigurando-a, fustigando-a mediante essasmin;sculasimprovisa23es de ue Benjamin nos fala a prop%sito de Baudelaire, tomando por princpio transfigurador e operati+o o procedimento aleg%rico. 8, ainda a este prop%sito, poderemos finalmente compreender as pala+ras do autor, uando nosafirma2')nterromper o curso do mundo 4 era o desejo mais profundo de Baudelaire! /desejo de Qosu$! H1o era tanto um desejo prof$tico, pois ele n1o pensava num retorno! : deste desejo que nascem a sua violncia, a sua impacincia e a sua c6leraG foi dele,i#ualmente que sur#iram as tentativas sempre renovadas para atin#ir o mundo nocora21o, ou para o adormecer no seu canto! : por causa deste desejo que eleacompanha os encorajamentos da morte nas suas obras!*.,

    ;o cerne da sua 'raiva destrutiva*, ue tudo atinge, mortificando, ani uilando,

    parece habitar um desejo secreto, o de'interromper o curso do mundo*, ue t#o bemalter Benjamin entendeu, e ue concentra todo o dinamismo da obra baudelaireana.

    inten"#o baudelaireana consagra-se, pois, nesse gesto redentor, nessecantosecreto ueadormece e 4a uieta5 o mundo, petrificando-o ou coagulando-o imageticamente atra+sda sua poesia.

    0oderamos, mesmo, relacionar esta passagem de Benjamin, com a passagem daobra sobre o+rauerspiel,onde o autor afirma2'/ que persiste $ o detalhe bi7arro das

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    re#ras ale#6ricas= um objecto de saber, que se esconde no edif8cio de ru8nasintelectualmente elaboradas!*.-

    8sta afirma"#o p e a nu esse desejo secreto de ue falamos a ui,

    consubstanciali)ando em si a pretens#o redentora, descobrindo nas runas o 4objecto desaber5, a bele)a dur +el.

    Seguindo atentamente o pensamento benjaminiano, e a ttulo de conclus#o, poderemos finalmente di)er ue, se por um lado, se destr%i e se estilha"a a +ida e aorganicidade do +i+ente, ani uilando-a nos seus elos internos, por outro, esse procedimento n#o fa) mais do ue preparar a sua reden"#o, inscre+endo-as numa

    ordem, como j o dissemos, de significa"#o. ni uila"#o e mortifica"#o constituem-secomo momentos ue preparam o pr%prio acto de saber, +isto ue p em & +ista oes ueleto, a estrutura essencial da uilo ue se pretende conhecer.

    Kustamente por isso, se aproxima o acto aleg%rico do acto crtico, acto demortifica"#o das obras, para aceder ao seu +erdadeiro conheciment.. o. 8 tambm poressa ra)#o ue Benjamin assume o mtodo 4aleg%ricoMcrtico5 como o seu procedimentoeleito, tomando-o como a'pedra de toque* do seu mtodo crtico, bem como a sua

    forma de compreender a hist%ria. 1 bem esse o significado da express#o de enri'eschonic2 'A ale#oria como m$todo, e como forma de alcance, fa7 o m$todo damonta#em em Walter Benjamin!*./

    ;o ue respeita ao procedimento crtico e & crtica das obras de arte, dessainten"#o ue nos fala alter Benjamin, em Afinidades

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    lu) sobre a alegoria en uanto procedimento esttico peculiarU intrnseco a uma forma de pensar a hist%ria (sobretudo no caso do+rauerspiele no caso da hist%ria naturali)ada! ea uma +is#o do mundo na sua decadncia, do ponto de +ista da perda da experinciaautntica e, conse uentemente, da emergncia da experincia +i+ida do cho ue (emBaudelaire, em 0roust!U e a alegoria como mtodo por excelncia ou procedimentometodol%gico, utli)ado por alter Benjamin, e ue se expressar em toda a sua obra,

    uer na sua +is#o da hist%ria, uer na sua an lise hist%rico-crtica das obras de arte.

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    Notas&

    QER *ptamos por tradu)ir a pala+ra "assa#ens (referente a uma estrutura ar uitect%nica! por galerias. 0arece-nos ser o termo mais ade uado.

    Q R 7bidem , QK VF, R,!( ., A, E, p. WX 2'A prop6sito do @abismo , @profunde7a doespa2o, ale#oria da profunde7a do tempo *.

    QYR/ri#em, !(!, E, Band 7, pp. ZF- Z[.

    QWR 7bidem , p. W. ;esta passagem, alter Benjamin fala-nos da uest#o da apresenta"#ocomo modelo da escrita filos%fica.

    Q\R "assa#ens,Q; Ea, FR,!( ., A, E, p. \VW2'/ m$todo deste trabalho= a monta#emliter0ria!

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    temati)ando a 4experincia do cho ue5, experincia ue corresponde & +i+nciadesencantada do homem moderno. 3oda a sua obra aleg%rica se fundar , ent#o, sobreeste pressuposto.

    QE\R "assa#ens, p. \W.

    QEXR Gostaramos de remeter o leitor para a obra de Pran"oise Loblence, Fe ?andJsme,obli#ation d.incertitude, e, em especial, para a segunda parte, intitulada 4BarbeTd@ ure+illT, Baudelaire - 3Tpes romanti ues et hros modernes5. ;esta obra, a autoraanalisa o dandismo en uanto fen%meno emergente do sculo 676, em 7nglaterra, ecompara os + rios tipos de dandismo e figuras tpicas, estudando igualmente odesen+ol+imento posterior desse fen%meno em 0aris. Loblence fa) e ui+aler o dandTao flneur,identificando este /ltimo como uma +ariante do dandT ingls, em ue amultid#o desempenha um papel fundamental (como se +erificar no nosso estudo!.7nteressante a conclus#o da autora, relati+amente & fun"#o do dandTsmo na sociedademoderna, +endo no dandT (e, por conseguinte, no flneur5 o her%i da sociedademoderna, lutando contra o tdio e contra a pobre)a da experincia moderna.

    afinidade entre odandJ e o flneur aparece fre uentemente na obra benjaminiana, "assa#ens, sobretudo nos captulos sobre flInerie e sobre Baudelaire.

    QEVR Holf-0eter Kan), in 48xprience mTthi ue et exprience histori ue au 676e Si cle5,in Walter Benjamin et "aris, p. W\X, salienta claramente essa rela"#o ue de+e serimediatamente estabelecida2'(e as "assa#ens parisienses Qreferindo-se &obra "assa#ens consa#ram um cap8tulo ao t$dio, $ principalmente porque o seuaparecimento $ o sintoma de uma dram0tica perda de experincia!*

    QEFR 7bidem , p. W\F.

    QE[R 7bidem2'

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    Q \R :crits %ran2ais,4Ce ;arrateur5, p. ZX, em ue Benjamin nos fala do regresso dossoldados da frente, na primeira Guerra mundial, mudos e incapa)es de comunicar a suaexperincia.

    Q XR "assa#ens,4*ciosidade5, Qm Ea, YR e Qm a, WR,!(!, Band A, , pp. [X , [XW.

    Q VR Lf. Loblence, Pran"oise, op. cit., p. E[X2'Hascido da acedia, como o dem6nio da perversidade, o dandJsmo, permite ele o triunfoI (er0 que ele pode vencer esta doen2amortal que toma o nome de desespero, melancolia, triste7a, t$dio, spleenI 9!!!5"ara BarbeJ d.AurevillJ como para Baudelaire, o dandJ $ o filho do t$dio, mas tipo her6ico,ele $ mobili7ado para triunfar sobre o t$dio! +al $ a problem0tica que a passa#em dodandJsmo E escrita mete em evidncia, j0 que $ a escrita que trabalha para a suadetermina21o!*. Lf. tambm a p. \.

    Q FR Aer 7bidem , Cetra ', 4* PlIneur5, !(!, A, E, pp. \ W-\ \, onde Benjamin p e &+ista, claramente, esse aspecto2'Dma embria#ue7 apodera4se daquele que caminhoudurante muito tempo e sem fim pelas ruas 9!!!5

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    QY R "assa#ens,Q9 E, WR,!( ., A, E, pp. W[E-W[ .

    QYYR 7bidem, Q9 E, ER,!( ., A, E, p. W[Z.

    QYWRCharles Baudelaire,40aris do Segundo 7mprio em Baudelaire5,!(!, , Band 7, p.

    \Y[, ': neste mundo que o flneur se reconcilia9!!!5 < ele pr6prio encontra aqui orem$dio infal8vel contra o t$dio 9!!!5*. 8ste tema reaparece, em "assa#ens, como sendo objecto, por si s%, de um captulointeiro da obra, 4* tdio, 8terno Hetorno5,!( ., A, E, pp. E\XMEVF. * olhar entediado,a uele ue n#o sabe o ue espera QJ , VR,!( ., A, E, p. EXE, alcan"a a sua forma maisdesesperada na passagem em ue Benjamin nos fala da pe uena hist%ria sobre o mimoJeburau QJ Ya, WR, (!( ., A, E, p. EX\!2'/ t$dio come2a a espalhar4se como umaepidemis nos anos de MTUV! Famartine teria sido o primeiro a exprimir este sofrimento,que desempenha o seu papel numa pequena hist6ria em que se refere ?$burau, oc$lebre mimo! Dm #rande especialista de nervosrecebe um dia no seu #abinete parisiense que ele nunca viu e que se queixa da doen2a do s$culo, do seu escasso #osto pela vida, do seu humor enfadado, do seu t$dio! @H1o tendes nada de #rave, di7 om$dico ap6s um exame aprofundado! ?ever8eis somente descansar, distrair4vos um pouco! )de ver uma noite ?eburau, e vereis de outra forma a vida! @&as, doutor,respondeu o paciente, eu sou ?eburau!5

    QY\R Gaston Bachelard, na sua obra "o$tica do

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    QY[R 1 necess rio, desde j , atentar num aspecto fundamental e ue a rela"#o entre aura e+estgio. 8n uanto ue a aura nos remete para o longn uo, algo ue, mesmo ue nos pare"a pr%ximo, nos remeta para a lonjura, o +estgio indicia o ue est pr%ximo, poroposi"#o & aura. ;a sua carta a 3heodor dorno, em Z[ME ME[YF, Benjamin afirmaclaramente ao seu amigo2'(obre o plano filos6fico, a no21o de @vest8#io $

    determinada por oposi21o E de aura!* Aeja-se, tambm, in "assa#ens,Q' EXa,WR,!( ., A, E, p. \XZ2' est8#io e aura! / vest8#io $ a apari21o de uma proximidade, por lon#8nqua que possa ser o que o deixou! A aura $ a apari21o de um lon#e, por pr6xima que possa ser aquilo que a evoca! Com o vest8#io n6s acercamo4nos da coisaGcom a aura $ ela que se apodera de n6s!*

    QWZR "assa#ens,Q' Xa, WR,!( ., A, E, p. \WE2'A cidade $ a reali7a21o do anti#o sonho dahumanidade, o labirinto! / flneur consa#ra4se, sem o saber, a estarealidade!*! Lomparar esta passagem com Q' EX, YR,!( ., A, E, p. \\[.

    QWER 7bidem , Q' , WR,!( ., A, E, pp. \ F-\ [.

    QW R 7bidem, 48xposs5,!( ., A, E, p.WF.

    QWYR 1 necess rio n#o es uecer ue foi Baudelaire o tradutor da obra de 0oe em Pran"a,tendo contribudo para a introdu"#o de um no+o gnero liter rio.

    QWWR inda ue nos pare"a existir uma oposi"#o ntida entre o olhar do detecti+e - olharacutilante e l/cido - e o do flneur , atente-se no facto de existir entre eles um pontocomum, no ponto de +ista benjaminiano, constituindo-se ambos como fantasmagorias.

    QW\R "assa#ens,Q' EW a, ER,!( ., A, E, p. \\X. Lompare-se, tambm, com a passagem Q', FR, !( ., A, E, p. \ [.

    QWXR 7bidem , Cetra ', 4* PlIneur5, Q' Za, ER, !( ., A, E, pp. \XV-\XF. * pr%prioBaudelaire toma para si este princpio, como bem o defende lbert Bet), inWalter Benjamin et "aris, p. E\F.

    QWVR ;o caso da poesia de Baudelaire flagrante essa rela"#o. Holf 3iedemann, na suaobra :tudes sur la "hilosophie de Walter Benjamin, pp. EZF, EZ[, ad+erte-nos para aexperincia de Baudelaire como matri) da sua poesia. Kustamente por ue essaexperincia ue permite descobrir o cho ue como o princpio potico por excelncia.

    8ssa rela"#o de+e ser, desde j , posta & +ista, para se entender a constru"#o potica baudelaireana, do ponto de +ista benjaminiano. 3al como afirma 3iedemann, citandoBenjamin,'Qamais Baudelaire n1o @se encarre#a de transfi#urar as coisas ! 4 Adaptando4se E experincia da massa9!!!5ele muda o modo de existncia da arte! Benjamin definiu esta mudan2a como decl8nio da aura*

    QWFRCharles Baudelaire, 40aris do Segundo 7mprio em Baudelaire5, !(!, , Band 7, p.\VY.

    QW[R Heferimo-nos aos depoimentos, referidos por alter Benjamin, de amigos deBaudelaire, nomeadamente de 0rarond.

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    Q\ZR 7bidem , !(!, , Band 7, p. \WY2'(e o flneur se torna, mau #rado, um detective, estatranforma21o vem para ele, a prop6sito social, pois ela justifica a sua ociosidade! A sua indolncia n1o $ sen1o aparente! "or detr0s dela esconde4se a vi#ilncia de umobservador!5

    Q\ER "assa#ens,4* PlIneur5, Q' Z a, ER,!( ., A, E, pp. \XV-\XF.Q\ R ;o captulo consagrado & ociosidade, in "assa#ens, passagens Qm W a, R, Qm Wa,

    WR,!(!, Band A, , pp. [XF, [X[! Benjamin esclarece essa rela"#o entre ociosidade e produ"#o esttica, no primeiro caso estabelecendo a rela"#o entre ociosidade e solid#o,en uanto condi" es ou re uisitos fundamentais de produ"#o, no segundo caso, a rela"#oentre ociosidade e produ"#o, no seio do mundo capitalista.

    Q\YR 8ssa distin"#o estabelecida de uma forma muito clara, mediante a introdu"#o doconceito de mem%ria e derememora21o, posi"#o ue o fa) aproximar Baudelaire de'arcel 0roust. 3al como Benjamin o afirma, em "assa#ens,4Baudelaire5, QK V[a,ER, !( ., A, E, p. WX\,'/ que distin#ue radicalmente o cismativo [ r bler do pensador, $ que ele n1o medita somente sobre uma coisa, mas sobre a sua reflex1onesse sujeito 9!!!5*.

    Q\WRCharles Baudelaire, 4Oentralpar:5, !(!, , Band 7, p.XFE. Gostaria de recorrer &s pala+ras de Benjamin, afim de explicitar, desde j , a ntima rela"#oentrerememora21o e experincia +i+ida QChockerlebnisR2'A rememora21o $ ocomplemento da experiKencia vivida!

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    QX R "assa#ens,4Baudelaire5, QK VV a, FR,!( ., A, E, pp. WXE-WX . ;esta passagem,Benjamin estabelece a distin"#o entre o gesto aleg%rico, marcado pelo gosto do enigma,e o gesto simb%lico, ue se pauta pelo mistrio2'A ale#oria apresenta numerososeni#mas, mas n1o tem mist$rio! / eni#ma $ um fra#mento que, junto a outro fra#mento, lhe conv$m, forma um todo! / mist$rio, pelo contr0rio, foi sempre evocado

    pela ima#em do v$u, esse velho c;mplice do lon#8nquo! / lon#8nquo aparece velado!*!QXYRCharles Baudelaire, 40aris do Segundo 7mprio em Baudelaire5,!(!, , Band 7,

    p.\FY.

    QXWR * pr%prio Benjamin adopta este processo, a ue ele chamar de'monta#emliter0ria*e ue se encontra expresso na obra "assa#ens,Q; Ea, FR,!( ., A, E, p.\VW2'/ m$todo deste trabalho= a monta#em liter0ria!

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    QVWR 7bidem , 4Lidade de sonho e casa de Sonho, Sonhos de Puturo5, Q9 Fa, ER,!( ., A, E, pp. \ZF-\Z[.

    QV\R 'os s, Stphane, F.An#e de l.Ristoire, pp. EVF, EV[. Se atentarmos ao ue 'os s di)de alter Benjamin acerca da rela"#o em uest#o, parece-nos ue essa rela"#o n#o de

    liberdade - como o di) 'os s -, mas sim de 4obedincia5 & irradia"#o da uela coisaonde guard mos a nossa +ida passada, e o (re!encontro dessa coisa n#o o resultado daliberdade (e de um uerer !, mas antes o resultado de um econtro casual.

    QVXR!(!, E, Band 77, p. YEE.

    QVVR 7bidem.

    QVFR 1 de relembrar, a ui e com todo o prop%sito, os textos benjaminianos ue foramanalisados na primeira parte deste trabalho e ue remetem para essa tens#o dialctica

    ue apenas pode ser posta & +ista pelo procedimento aleg%rico.

    QV[R

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    social, desejadas pela conscincia, sa8das do inconsciente 9!!!5 A cat0strofe en#endra o seu contr0rio, revela o desejo, a manifesta21o de uma outra ordem!9!!!5/ elementodeterminante $, ele pr6prio, um s8mbolo, que pode ajudar a especificar o sentido #en$rico de cat0strofe, ou seja, o dom8nio onde se podem produ7ir a cat0strofe e odespertar!5

    QF\RCharles Baudelaire, 4Sobre alguns temas baudelaireanos5,!(!, , Band 7. ui,Benjamin fala-nos, mesmo, da existncia de um tempo reificado pelo spleen2'9!!!5otempo reificou4seG os minutos en#oliram o homem como flocos!