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    I

    2

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    Introduo

    A

    j iucu?

    de

    cultura

    nus

    cincias sociais

    "O

    problema da

    cul tura ,

    ou ainda,d as

    culturas,

    passapor umaatualizao,tantonoplano

    inte-

    lectual, devido

    vitalidade

    do cul tra l ismo

    ame-

    r icano,

    quanto

    no

    planopoltico.

    N aFrana,ao

    menos ,

    nunca

    se

    falou tanto

    d e

    cultura quanto

    -

    hoje

    (com

    relao

    mdia ,juven tude ,ao s

    imi-

    grantes) e

    esta utilizao

    da palavra, po r mais

    se m

    controle qu e

    seja,

    constitui por simesma

    umdado

    etnolgico."

    Marc

    A U G E

    [1988]*

    A

    noo decultura c inerente reflexo

    das

    cincias sociais.

    Ela

    necessria,

    de^cerf

    manejra,para pensariaunidadeda umartiatl

    lia diversidade almdos

    questo dadiferena entreos povos,uma vez

    que aresposta"racial" est cada ve ^mais desa-

    creditada,

    medida

    que h

    avanos

    da

    gentica

    da spopulaes humanas.

    O

    homemj

    essencialmente um ser decul-

    tu|_._0

    longo^

    processo

    de hpminizao,come-

    adohmaisoumenos quinze milhesdeanos,

    * A s referncias

    entre

    colchetes

    remetem

    bibli-

    ografia no final

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    consistiu

    fundamenta lmente

    >assaeem de

    _ *-*

    meio

    ambienfeTiatlf

    _ cuIturalJAolongo dest~vo-

    luo,

    queresultanoHomo sapiens sapiens,o

    primeiro homem, houveumaformidvelregres-

    j

    go gs.instintQs,. siibsttudos""progrcssvamen-

    ^te_pela

    cul tura / is to,

    poresta adaptao imagi-

    nad a

    e

    controlada

    pelo

    homem

    que se

    revela

    muito mais funcional

    que a

    adaptao gentica

    por ser

    muito mais

    flexvel,

    mais fcil

    e

    rapida-

    mente transmissvel. A cultura permite ao '

    homem no somente adaptar-se a seu meio,

    jnas ja rnb_m_adaptar este meio j aojpropnpTio

    1

    "

    jnenUa

    suas necessidades

    e

    seus projetos.

    Em

    s u m a ,

    a cultura torna possvel atransformao

    da

    natureza.

    Se todas

    as

    "populaes" humanas pos-

    s u e m a mesma carga gentica, elas se diferen-

    ciam

    po r

    suasescolhasculturais, cada

    um a in -

    ventando solues originais para os problemas

    que lhe so

    colocados.

    N o

    entanto, estas diferen-

    as no so irredutveis umas s outras pois,

    considerando

    a

    unidade gentica

    da

    humanida-

    de,elas

    representam

    aplicaes de princpios

    culturais universais, princpios

    .suscetveis

    de

    evolues e at de transformaes.

    A

    noo

    deculturaserevela entooins-,

    trumento adequadopara acabar

    com a s

    cxplica-

    jges;naturalizantes doscomportamentos hu ma -

    nosj -A natureza,n o homem, e^inTifmenfeTn-

    terpretada pela cultura.Asdiferenasqu e pode-

    riam

    parecer

    mais ligadas

    a

    propriedades biol-

    gicas particulares como,porexemplo,adiferen-

    a de sexo, no podem ser

    jamais

    observadas

    "e m estado bruto" (natural) pois,

    p or

    assim

    d i-

    zer, aculturas eapropria delas" imedia tamente":

    adiviso sexualdospapise dastarefasnas so-

    ciedades

    resulta fundamentalmente

    da

    cultura

    e

    porisso variade umasociedadepara outra . .

    N a da

    puramente natural no homem.

    M e s m o as funes humanas que correspoiT'

    d e m a

    ncc^ssiaa'3rHsiofgicgs,como_

    a

    tome,

    ~"sono,

    odeseio.sgxu^^tc^, s^o

    informados

    pel"cultura:-associedadesno doexatamen-

    te asmesmas respostas aestas necessidades. ,4

    d omn iosem que no h constran-

    gimento biolgico,'os comportamentos so

    orientados pela cultura.

    Por

    isso,aordem;

    "Seja

    natura l" ,

    freqentemente fei ta

    s

    crianas,

    em

    particular

    nos

    meios

    burgueses,

    significa,

    n a

    realidade:"Aja

    de

    acordo

    com o

    modelo

    da

    cul-

    tura

    qu e

    lhe

    fo i

    transmitido".

    A

    noo de cultura, compreendida em seu

    sentido vasto,

    que

    remete

    aos

    modos

    de

    vida

    e de

    pensamento, hoje bastante aceita, apesar da

    existnciadecertas ambigidades.Estaaceitao

    ne m

    sempre

    existiu. Desde seu

    aparecimento

    no

    scio

    XVIII,aJd taJiiQdegl^^u

    1

    suscitou

    constantemente debates

    acirradosjjualquerque

    seja

    osentido precisoquepossatersido dado

    palavra - e no faltaram definies de cultura-

    sempre subsistiram desacordos

    sobre

    suaaplica-

    o aestaouquela realidade.O uso danoode

    cultura

    leva diretamente ordem simblica,ao

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    que se refere ao sentido, isto , ao

    ponto sobre

    o

    qual maisdifcilde entrar em acordo.

    As

    cincias sociais, apesar de seu desejo de

    autonomia epistemolgica, nunca foram comple-

    tamente independentes dos contextos intelec-

    tuais

    e

    lingsticos

    em que

    elaboram

    seus

    esque-

    m as tericos

    e

    conceituais. Esta

    a

    razo

    pela

    qualo

    exame

    do

    conceitocientfico

    de

    cultura

    implicao estudo de suaevoluo histrica, dire-

    tamente ligada gnese social da idia moderna

    de cultura.

    Esta

    gneserevela que, sob as diver-

    gnciassemnticas sobre a justadefinio a ser

    dada

    palavra, dissimulam-se desacordos sociais

    e nacionais (captulo I). As lutas de definio so,

    em realidade, lutas sociais,e osentidoa serdado

    s palavras revelam questes socjaisjtmdamen-

    tais.

    Como

    Assim

    se

    pode

    rctraar paralelamentehistria

    da semntica,isto, gnesed asdiferentes sig-

    nificaes

    danoo

    de

    cultura,ahistria social

    destas significaes:

    as

    mudanas semnticas,

    apa ren temen te

    d enatureza puramentesimbli-

    ca ,

    correspondem em realidadeamudanasd e

    um a

    outra ordem. Correspondem

    a

    mudanas

    na estruturada srelaes de

    fora

    entre,de um

    lado,os grupos sociais no seio de uma mesma

    sociedade e, deoutro

    lado,

    as

    sociedades

    em re -

    lao

    de interao, isto , mudanas nas posi-

    esocupadas pelos d i fe ren tesparceiros inte-

    ressados em

    definies

    diferentes de

    cultura

    [1987,p.25 ] .

    Apresen ta remos em seguida a inveno

    propriamente ditad oconceito

    cientfico

    decul-

    tura,implicando

    a

    passagem

    de uma

    definio

    n o rma t iva

    a u m a definio descritiva.

    Contra- ;

    riamente

    ^nocp

    de^oTiTlctg>masoujasnos

    riyainomesmo campo semntico,

    a

    noo

    de

    cultura se

    aplica unicamente ao que humano.

    Eelaoferece apossibilidadede conceber auni-

    dade do homem

    .na

    diversidade de seus modos

    de

    vida

    e de

    crena, enfatizando,

    de

    acordo

    com

    os pesquisadores, jajunidade^iHi a diversidade

    (captulo II).

    Desde a introduo do conceito nas cin-

    cias

    dohomem, assiste-se a umnotvel desen-

    volvimento das pesquisas sobre a questo das

    variaes culturais, particularmente nas cin-

    cias sociais americanas por razes que no

    acontecem

    por

    acaso

    e que so

    analisadas aqui.

    Pesquisas sobre sociedades extremamente di-

    versas fizeram aparecer a

    coerncia

    simblica

    ( jamais absoluta, no entanto) do

    con junto

    das

    prticas (sociais, econmicas, polticas, religi-

    osas, etc.) de uma coletividade particular ou de

    um grupo de indivduos (captulo III).

    O

    estudo_atento

    do encontro das culturas

    ^revela

    q ue

    esteencontre-serealiza segundom o-

    __daldadesmuitorariad^aj e^lea^a^jesultadosex -

    ^ ^ ^

    tremamente

    contrastados,

    segundo as situaes

    de contato,As pesqusa_s

    sobre

    a

    "aculturao"

    permitiram ultcapassai-vrias idias

    preconcebi

    da ssobre as propriedades da cj.ilturae renovar

    pro fund amen te

    oconceito decultura.AaculuT

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    rao aparece no como um fenmeno ocasi-

    l,jde^efeitos.

    deyastadres,jmas_^rrip um a

    jas_madalid_ade habituais

    O

    encontro

    das

    cu l tu ras

    no se produz

    so-

    mente entre sociedades globais, mas tambm

    entre grupos sociais pertencentes a uma mesma

    sociedade complexa. Como estes grupos so

    hierarquizados entre

    si,

    percebe-se

    que as hi-

    erarquias sociais determinam

    as

    hierarquias cul-

    turais, o que no significa que a cultura do

    grupo dominante determine o carter das cultu-

    ras dos grupos socialmente dominados. As cul-

    turasdas classes populares no so desprovidas

    de

    autonomia

    nem de

    capacidade

    de

    resistncia

    (captulo

    V).

    A

    .defesa

    da au tononi

    ia

    cultural muitoli-

    gada Dreser^ap^daJdentida^^leivT^COl^

    _tura

    "e

    "identidade

    "sp^conceitos qu e

    remetem

    a

    um a

    m e s m a

    realidade,

    .vista

    po r dois

    ngulos

    .*

    i n

    W

    TTT Jor BiH*,-- aw rs

    J TOI> _;a_

    r

    - 4 *

    dife rentes . Uma

    concepo, essencialista

    da

    identidade noresiste mai sa um exame do que

    um a

    concepo essencialistad acultura,A iden-

    tidade

    culturalde umgn^Q

    r

    s^ad&-secj:pjn;.

    ""preelidida

    ao^se^estudaj"

    suas

    relaes

    co m

    og

    grupos vizinhos (captulo VI).

    "-" yjj jisg u , conserva, atualmente,

    todaa sua

    pertinncia

    e se

    revela sempre apta

    a

    dar conta das lgicas simblicas em jogo no

    m u n d ocontemporneo, desde que no se negli-

    genciem os ensinamentos das cincias sociais.

    JVo

    basta tomar emprestado destas

    cincias

    a

    pnr^

    dade,queesconde freqentemente uma tentati-

    va

    teJ

    n

    iP

    ^ls

    m

    feUS

    e

    J

    a

    n

    campo pol-

    tico ou religioso, na empresa ou em relao aos

    imigrantes,

    a cultura no se decreta; ela no

    pode ser manipulada como um instrumento vul-

    gar, pois ela est relacionada a processos extre-

    m a m e n t e

    complexos

    e, na

    maior parte

    das ve-

    zes, inconscientes (captulo VII).

    No seria

    possvel, no contexto desta

    obra,

    apresentar todos

    os

    usos

    que foram feitosda no-

    o de cultura nas cincias humanas e sociais.A

    sociologia e a antropologia

    foram

    ento privile-

    giadasmas, outras disciplinas recorrem

    t a mb m

    ao

    conceito

    de

    cultura:

    a

    psicologia

    e

    sobretudo

    a

    psicologia social,

    a

    psicanlise,

    a

    lingstica,

    a

    histria, a economia,

    etc.Alm

    das

    cincias so-

    ciais, a noo igualmente utilizada, em particu-

    la r

    pelos filsofos. Por no poder ser exaustivo,

    pareceu-me legtimo concentrar o estudo sobre

    um

    certo nmero de aquisies fundamentais

    da anlisecultural.

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    Gnese SocialdaPalavrae da

    Idia de

    Cultura

    As palavras"tm"~uma

    histria e, de certa

    maneiratambm,

    aspalavrasfazem ahistria.Se

    isto

    verdadeiro

    para todas

    as

    palavras,

    parti-

    cularmente verificvelnocasodotermo "cultu-

    ra".

    O"peso da s

    palavras",

    para retomaruma ex -

    presso

    da

    mdia,

    grandemente influenciado

    po resta relaoc o m ahistria,ahistriaque as

    fez e ahistria para aqual elas contribuem.

    S -

    A spalavras aparecem para responder a

    al-

    fumas

    interrogaes,

    a

    certos

    problemas

    que se

    Y

    colocam

    em

    perodos histricos determinados

    C _ em contextos sociais epolticos especficos.

    Nomea r

    aomesmo tempo colocar oproblema

    e, decerta

    maneira ,

    jresolv-lo.

    A

    inveno

    da

    noo

    de

    cultura

    em s i

    m e s m areveladora de um

    aspecto fundamental

    da

    culturanoseiod aqual pde se r

    feita

    estain -

    veno e que chamaremos,po r

    falta

    de um ter-

    m o

    mais adequado,

    a

    cultura ocidental. Inversa-

    ment e ,significativoque a

    palavra

    "cultura"no

    t enha equivalente,na maior parte das lnguas

    oraisdassociedades quedos

    etnlogos

    estudam

    habitualmentejlsto noimplica, evidentemente

    (ainda

    qu eesta evidnciano sejauniversalmen-

    tecompartilhada ) queestas sociedadesno te-

    nham

    cultura,

    mas que

    elas

    no se

    colocam

    a

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    questo

    de

    saber

    se tm ou no uma

    cultura

    e

    ajnclmenosdeclhnirsu^aria

    cultura,^

    Por esta

    razo, se

    quisermos compreender

    o

    sentido atual

    doconceitode

    cultura

    e seu uso

    nas cincias sociais, indispensvel que se re-

    constitua

    sua

    gnese

    social,sua

    genealogia.

    Isto

    , trata-sedeexaminar como fo i

    formada

    apala-

    vra,

    e emseguida,oconceito cientficoquedela

    depende, logo, localizar sua origem e sua evolu-

    o semntica. No se trata de se entregar aqui a

    um a anlise

    lingstica, m as de

    evidenciar

    os la-

    os que

    existem entre

    a

    histria

    da

    palavra "cul-

    tura"

    e a

    histria

    das

    idias.

    A

    evoluo

    de uma

    palavra deve-se,de fato, ainmeros fatores qu e

    no so todos de ordem lingstica. Sua herana

    semnticacriaumacerta dependncia emrela-

    o aopassadonosseus usos contemporneos.

    D o

    itinerrioda palavra "cultura" tomare-

    mos apenas os aspectos que esclaream a for-

    mao do

    conceito

    tal

    como

    utilizado

    nas

    cincias sociais.Apalavra foi,econtinua aser,

    aplicada a realidades to diversas (cultura da ter-

    ra, cultura microbiana, cultura fsica...) e com

    tantos sentidos diferentesque quase imposs-

    ve l rctraar-^aqui

    su a

    histria completa.

    Evoluo

    da

    palavra

    na lngua f rancesa

    daIdade

    Mgjlia^

    aoseculoX1X_

    legtimo analisarmos particularmente o

    exemplo francs do uso de

    "cultura",

    pois pare-

    ce que a evoluo semntica decisiva da palavra

    i

    -que permitir em seguida a inveno do con-

    ceito -

    sejjroduziu

    na lngua francesa do sculo

    das

    Luzes,

    antes de se difundir por emprstimo

    lingstico

    em

    outras lnguas vizinhas (ingls,

    alemo).

    Se

    o

    sculo

    XVIII

    pode

    ser

    considerado

    comooperodode

    formao

    do

    sentido

    moder-

    nodajgalavra,cm1700.noentanto,"cultur"j

    umapalavra antiga no vocabulrio francs. \

    jolatim

    cultura

    que ^

    dispensado

    aocampoou ao agp^cla aparece

    nos finsdosculoXIIIpara designaru m aparcc-

    la_dg_terra

    cultivada (sobre este ponto

    e os se-

    guintes ,ver Bnton,[1975]).

    N o

    comeo

    d osculo XVI,ela no

    signifi-

    ca

    maisumestado(dacoisa cultivada),mas uma

    ao, ou

    seja

    o

    fato

    de cultivar a terra. Somente

    no

    meio

    d o

    sculo

    XVI se

    f o r m a o _sentido

    fgu-

    :-radg e _"cul tura"pode designarento

    a

    cultura

    deumafaculdade,isto , ofatode trabalhar para

    ..desenvolv-la.,

    Maseste

    sentido figurado ser

    poucoconhecidoat a metade do sculo XVII,

    obtendo pouco reconhecimento acadmico e

    no figurando na maior parte dos dicionrios

    da

    poca.

    A t

    o sculo XV IILa evoluo do conte-

    do semntico da palavra se deve principalmen-

    te, movimento naturalda

    lngua

    e no aomo-

    vjmentQ das idias,taue procede, por um lado

    a

    cultura como estado

    cul-

    tura como ao), por outro lado

    Cdacultura daterra cultura do esprito'), imi-

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    tando nisso seu modelt

    Cultura,

    consa-

    gradopelo latimclsgipjlQ-gentido figurado^

    O

    termo

    "cultura"no

    sentido

    figurado

    mea a seimporjiojculo

    XVIII.

    Ele faz sua en-

    trada

    com-este sentido no

    Dicionrio

    da

    Acade-

    mia

    Frahcesa

    (edio

    de

    1718)

    e

    ento quase

    sempre seguido

    de um

    complemento:fala-se

    da

    "culturada sartes",da"culturadasletras",da"cul-

    tura dascincias",como se fosse preciso que a

    coisa cultivada estivesse explicitada.

    Apalavra

    fa z

    parte

    do

    vocabulrio

    dajm-

    gua doL-Duminismo^

    sern^ser, no entanto, muito

    utUJzada_Rglosflsofos^AEnciclopdia, que re-

    serva

    um

    longo artigo para

    a

    "cultura

    das

    terras",

    no dedica nenhum artigo especfico ao sentido

    figurado de"cultura".Entretanto, ela no o igno-

    ra,poisoutilizaem outros artigos ("Educao",

    "Esprito","Letras","Filosofia","Ci ncias").

    Progressivamente, "cultura" se libera de

    jeuscomplementos

    e

    acaba

    por serempregada

    s .para designar a

    "formao

    ", a "educao"do

    ^esprito.

    fepois, em ummovimento inversoao

    observado anteriormente; pjagsa-se

    de

    "cultura"

    _ como ao(aodejnstruir) a"cultura" comc^es-

    tadojestado

    do

    esprito^

    cultivado

    ggbjnstru-

    co^estado

    do indivduo "que tem

    cultura^

    Este

    uso consagrado,no fim do sculo, pelo Dici-

    onrio da Academia (edio de1798)que estig-

    matiza "um

    nhandocom esta expressoa oposio concei-

    tuaientre"natureza"e"cultura.".

    Esta

    oposio

    r

    fundamentalpara ojsjjensadores

    do

    I luminismo"

    20

    jque

    concebema cultura como um Carter distin-

    1 tirod aespcieihumana.A_ cultura,paraeles, a

    Jsoma dos saberes acumulados e transmitidos

    pela humanidade, considerada como totalidade,

    olongo de sua histria.

    Nojrculo

    XVHI."

    cultura"sempre empre-

    gadanosingular,o querefleteouniversalismo e

    o humanismodosfilsofos:acultura prpria

    do H o m e m (com maiscula),almde toda_dis-

    tinode

    povos

    ou de

    classes. "CultunTse

    ins-

    creve ento plenamente na ideologia do

    Ilumi-

    nismo:aj)a^waa^s^aad^sjdias

    de

    progres-

    so,

    de

    evoluo,deeducao,derazoqueesto

    no centro_doj?ensamentoda

    rjoa.

    gg_Q_movi-

    mento

    Uurainista

    nasceu na Inglaterra,ele

    j?n-

    controu

    sua

    lngua

    e seuvocabulrio^na

    Francai,

    eleteruma

    granderepercusso

    em

    toda

    a Eu-

    ropa

    Ocidental, sobretudo nas grandes metr-

    poles como

    Amste rd am,

    Berlim,Milo, Madri,

    Lisboa

    e at So Petersburgo.A idia de cultura

    participa do otimismo do momento, baseado na

    conf iana

    no

    futuro

    perfeito do serhumano.O^

    progrejSj^aacc^ajnstmcG.isto . dacultura,

    cada

    vezm^s_abrangente.

    " jjra^_jgst

    ento muito

    grxima de

    um apalavraquevai ter um grande sucesso (at

    maiorque o de"cultura")novocabulrojran-

    cs do

    sculo

    XVIII:

    "civilizao"4A sduas

    pala-

    vras pertencem ao mesmo campo semntico^rei

    f l e tem osjTiesmas

    cgn^epcgsjiindamentaisj

    s

    vezesassociadas,elas no so, no entanto, equi-

    valentes."Cultura"evoca

    prncipalmcntejjs

    pr

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    13/130

    gressosindividuais,"civilizao",osprogressos

    coletivos. Como sua homloga "cultura c pelas

    mesmas

    razes, "civilizao" um conceito uni-

    trio.es usado ento no singular. Ela

    sejibc-

    rajapidamente,

    juntoaos

    filsofos

    reformistas,

    de seu

    sentido

    original recente (a palavra apare-

    cesomentenosculo XVlII)^quedes^gna^^afl.-

    namento^dos

    costumes,

    e sjgnjflrpara

    elesjx

    processo

    cia"e dairracionalidade.preconizando

    esta nova

    acepo

    de

    "civilizao",

    os

    pensadores burgue-

    ses reformadores, utilizando-se de sua

    influncia

    poltica,impem

    seu

    conceito

    de

    governo

    da

    sociedade qu, segundo eles, deve seapoiarna

    razoe nosconhecimentos.

    A

    civilizao

    ento

    definida_Qrnp um

    processo

    de

    melhoria das,

    instituies,dajegis-

    "Jao,daeducao.

    Acivilizao

    ummovimen-

    to

    longe

    dej star_acabadp^q.ue_e.preciso apoiar

    e que

    afeta

    a socidade

    comojum

    todo,comean>

    ___

    *

    ~- "

    -n-- __

    i"

    dopelo Estado,que deve se

    liberaf_dc

    tudoo

    j]ue

    ncl"

    irracionalem seu func ionamen tOj

    Finalmente, a civilizao r>odcc deve se esten-

    der atodosospovosquecompem ahumani-

    dade. Se alguns povos esto mais

    avanados-que

    Doutros neste movimento, se alguns (a Frana

    particularmente) esto

    to

    avanados

    que j po-

    demserconsiderados como "civilizados", todos

    os povos, mesmo os mais

    "selvagens",

    tm voca-

    o para entrar no mesmo movimento de civili-

    zao,

    e os mais avanados tm o dever de aju-

    dar os mais atrasados a diminuir esta defasagem.

    "Civilizao"

    to

    ligada

    a

    esta concepopro-

    gressista dahistriaque os que semostramc-

    tcos^com relao a

    ela, como Rousseau

    ou

    Voltaire,evitaro utilizar este termo

    por

    serem

    jmnoritris^feno

    estarem

    emcondiesde im-

    por uma outra concepo mais relativista.

    OJJSQ

    de "cultura"c

    de "civilizao"nos-

    culcOCVIII

    marca

    novaconcepo( sga craliz3ida

    3>fa-(daJiistQriaj-se-libera._dajeologia (da hist-

    ria). As idias otimistas de progresso, inscritas

    nas

    noes

    de

    "cultura"

    e

    "civilizao "podem

    ser

    consideradas como

    u m a

    form a deCsucedneo*

    de

    esperana religiosa. A partir

    de

    ento,

    o

    homem

    est colocado

    no

    centro

    da

    reflexo

    e nocentro

    do

    universo. Aparece

    a

    idia

    da possi5iir3g~ae

    jjma^ciencia doh o m e m " ;aexpresso empre-

    gada pela primeiravez porDiderot ern^l755(no

    artigo "Enciclopdia"

    da Encyclopdi) . E, em

    1787,

    Alexandre

    deChavannes

    cria

    o

    termo "et-

    nologia"

    ^estuda

    a

    "histria

    dos

    progressos

    dos

    povos

    cm

    direo

    O debate francoaleniio sobre acultura

    ou a

    im tteseVcu ltura

    - civilizao

    (sculo

    X IX

    -incio

    dosculo

    XX )

    Kulturno

    sentidof iguradoaparece

    na

    ln-

    gua

    alem

    no

    sculoXVIII

    epareceser atrans-

    posioexta da palavra

    francesa.;O

    prestgio

    dalngua francesa- o uso do francsentoa

    23

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    14/130

    marca distintivada s classes superiores naAle-

    manha

    - e ain f lunc ia do

    pensamento

    Iluminis-

    taso

    muito grandes

    na

    poca

    e

    explicam este

    emprstimo lingstico.

    N oentanto,Kulturvai evoluir muito rapi-

    damenteem umsentido mais restritivoque sua

    homloga francesae vaiobter,desdeasegunda

    metade dosculoXVIII,um

    sucesso

    de pblico

    que "cultura" no teria ainda, j que "civilizao"

    era a

    preferida

    no

    vocabulrio

    dos

    pensadores

    franceses. Conforme

    explica

    Norbert El ias

    [19391,

    este

    sucesso c deyjdQ__adQco doter-

    mo pela burgucsiaintelectual alem

    e

    ao uso

    la

    f a z d e lc ^ n a s u a

    oposio

    aristocracia

    ^dacorte^De'iato,

    contrariamentesituao

    fran-

    cesa,

    burguesia

    e

    aristocracia

    no tm

    laos es-

    treitos na Alemanha. A nobreza relativamente

    isolada em relao s classes mdias, as cortes

    principescassomuito fechadas,aburguesia

    afastada,em certa medida, da qualquer ao

    po-

    ltica.

    Esta

    distncia social alimenta um

    certo

    ressentimento,sobretudo entre muitos intelec-

    tuais que,

    na

    segunda metade

    do

    sculo,

    vo

    opor os valores chamados "espirituais", ba-

    seados

    na

    cincia,

    na

    arte,

    nafilosofia e

    tambm

    na religio,aos

    valores

    "corteses"daaristocracia.

    Aseus olhos,somente os primeiros so valores

    autnticos, profundos; os outros so superficiais

    e desprovidos de sinceridade.

    Estes

    intelectuais, freqentemente sados

    domeio universitrio, criticamosprncipes que

    governam os diferentes Estados alemes, por

    abandonaras

    artes

    e a

    literatura

    e

    consagrar

    a

    maior

    parte

    de seu tempo ao cerimonial da cor-

    te, preocupados demais em imitar as maneiras

    "civilizadas"

    da corte francesa. Duas palavras

    v o

    lhes pmTiitirLrlffinir

    esta-ftj^-^o"cITjnteis

    sistemas

    de

    valores: tudo

    o que

    autntico

    e

    que Contribui"prao enriquecimento intelec-

    tual e espiritual ser considerado como vindo

    d~cltUfa; ao contrrio,

    OTjue

    somente pa"-

    TncJa"brilhante,leviandade,ref inamentosuper-

    ficial, pertence acivilizao*A cultura se

    ope

    ento

    civilizao corno

    a

    profundidade

    se

    ope

    superfcialidade. Para

    a intelligentsia

    burguesa alem, a nobreza da corte, se ela ci-

    vilizada,

    tem

    singularmente

    uma

    grande

    faltade

    cultura. Como

    o

    povo simples tambm

    no tem

    esta cultura, aintelligentsiase considera de cer-

    ta maneira investida da misso de desenvolver e

    faze rirradiaracultura alem.

    Por esta tomada de conscincia, a nfase

    da anttese

    cultura"^-

    "civilizac^se desfocar

    pouco apoucodaoposio socialp a r a a o p o s f -

    o

    nacional [Elias, 1939]^Diversos fatos con-

    vergentes

    vo

    permitir este deslocamento.

    De

    um

    lado,

    refora-se

    a

    convico

    dos

    laos estrei-

    tos queunemos costumescivilizados das cor-

    tes alems vida de corte

    francesa,

    e isto ser

    denunc iadocomo urna

    fo rma

    de alienao. Por

    outro lado, aparece cadavezmaisavontadede

    reabilitar a lngua alem (a vanguarda intelec-

    tualseexpressa somente nesta lngua)e de de-

    finir, nodomniodoesprito,o que especifica-

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    15/130

    mente alemo. Como

    a

    unidade nacional alem

    noestava ainda realizadae noparecia possvel

    ento no plano poltico, a intelligentsia que

    t em u m aidia cadavezmaisfor ted e"missona-

    cional",vai procurar esta unidade no plano da

    cultura.

    A ascenso progressiva desta camada

    so-

    cial

    anteriormente

    sem

    influncia

    que

    conse-

    guiu fazer-se reconhecer como porta-voz da

    conscincia nacional alemt ransformaento

    os

    dados e a escala do problema da anttese "cultu-

    ra" -

    "civilizao".

    Na

    Alemanha,

    s

    vsperas

    da

    Revoluo Francesa,

    olei

    su aconotao

    aristocrtica alem e passa a evo-

    car a Frana

    e

    "de uma mheira~geral ,as potn-

    cias

    ocidentais

    Da mesma maneira,

    a

    "cultura",

    de marca distintiva da burguesia intelectual ale-

    m nosculo XVIII,vaijscr"convertida,no scu-

    lo

    XIX,

    ejfrTinarca

    distintiva

    da

    nao alem intei-

    "rTNps traos carcterstST

    da classe intelc-

    ^-

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    16/130

    cepode cultura caracterizada pela desconti-

    nmdade^que

    nocxcluaT^oentant, iimjTps^

    svel__c_omunicao_entre-Qs

    w

    ovos,e ra baseada

    em Uma outra f i losof ia

    da

    histria(ttulo de

    se u livro

    de 1774).

    dife_rent_e,da_filpsofa.

    do

    Ilu-

    minismoyigpr

    isso,Herder pode

    ser

    consider37

    comj

    ustia,prccursTd

    conceito relatvistaide

    "cultura";"Foi Herder quemnosabriuosolhos

    sobre as culturas" [Dumont,1986,p.

    134].

    Depois da derrota na batalha de lena, em

    1806,

    e a

    ocupao

    das

    tropas

    de

    Napoleo,

    a

    conscincia alem

    vai

    conhecer

    uma

    renovao

    do

    nacionalismo

    que se

    expressar atravs

    de

    uma acentuao da

    jnterpretao

    particularista-

    dacjuitucLalerfla.jp

    esforo para definir

    o"car-

    te r

    alemo"se

    intensifica.

    No__somente

    a

    origi-

    nalidade,na_singularidade absoluta, da cultura

    alem que

    afirmada,

    mas tambm sua supe-

    L*___

    __

    '

    . - . _*_

    rioridadex Desta afirmao, certos idelogos

    concluem que existe uma misso especfica do

    povo alemo com relao humanidade.

    A idia alem de cultura evolui ento pou-

    co no sculo X E K sob a influncia do nacionalis-

    mo. Ela se liga cada vez mais aoconceitode"na-

    _o".

    A

    cultura

    vem d a

    alma,

    d o

    gnio

    de um

    povo.Anao culturalprecedeechamaanao

    poltica.

    A-^eultura.

    aparece como unLcontunto

    de^conquistas

    Artsticas, intelectuais

    e

    morais

    que^constituem

    o patrimnio" de uma

    .nao,

    considerado corifi^dquirido definitivamentee

    fundadorde suaunmacle."X

    Estasconquistasdoespritonodevemser

    confundidas

    com as realizaestcnicas,ligadas

    ao progresso industrialeemanadasde umraci-

    onalismosem alma. De maneira cada vez mais

    marcad aao longo do sculo XIX, os autores ro-

    mnticos alemes opem a cultura,

    expresso

    da alma profunda de um povo, civilizao de-

    finida

    a partir de ento pelo progresso material

    ligadoaodesenvolvimento

    econmico

    etcni-

    co. Esta idia essencialista e particularista da

    cultura est

    em

    perfeita adequao

    com o

    con-

    ceito tnico-racial

    de

    nao

    -

    comunidade

    de in-

    divduos

    de mesma origem - que se

    desenvolve

    no

    mesmo momento

    na

    Alemanha

    e que

    servir

    de

    fu n da men to

    constituio do

    Estado-nao

    alemo [Dumont, 1991].

    - ~

    N a

    Frana,

    a

    evoluo

    da

    palavra

    no

    scu-

    lo

    XD

    e um pouco diferente. Um

    certo

    interes-

    se nos crculos cultos pelafilosofia e as letras

    alemsm pleno desenvolvimento

    contfEli

    talvezpara ampliar a acepo da palavra france-

    sa ."Cultura" se enriqueceu com uma dimenso

    colejtivacn^ej;eferiajnais^somente

    aocesen-

    jTOtvimgnto

    intelectual

    do

    ^indivduo.Passou

    a

    designar tambm um conjunto

    decaracteres

    prprios

    deum '~cl>mumdade,

    mas em um sen-

    tidojej*almente vasto e impreciso. Encontra-se

    expresses como "cultura

    francesa"

    (ou alem)

    ou"culturad ahumanidade". Cul tura"est mui-

    to

    prximadapalavra "civilizao'e svezes

    substituvel p o r

    ela.

    ~ - - '

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    17/130

    Oconceito

    francs continua marcado pela

    -B

    HSa335SS? -

    ~

    ---a.,

    i

    .

    idiad e d f e

    dognero

    humano,,Entreos

    sculos XVin e XIX naFrana,h a

    cpntinuida-

    de do

    pensamento

    universalista.iA

    cultura,

    no

    sentido coletivo, antes de tudo a"culturada

    humanidade". Apesar

    da

    influncia

    a l em , a

    idiade unidade

    suplantada

    conscincia_da_di-

    versidade: almdasdiferenasque sepodeobT

    -

    jiervar

    entr^cultura

    alem"e"culturafrancesa^,

    ^h

    aunidade da"culturah u m a n a ". E m u m a cle-

    bre conferncia

    ]pro1runci 3nnsorbonne

    em

    1882,

    O que uma

    nao?,ErnestRenan afir-

    mava

    suaconvico:

    "Antes

    da

    cultura francesa,

    da

    cultura alem,

    da

    cultura italiana,existe

    a

    cul-

    tura humana."

    Os particularismos

    culturais

    so

    minimiza -

    dos.

    Oslntelectuais

    np^^m^nr^cncepo

    d e f u m a

    cultura nacional antes de tudo, assim

    como recusam a

    enjr^cujtura[^eji^ ___ __

    tfrancj^^da-cultura-acompanha aconcepo

    ,jelejtiva^de_naq surgida

    na

    Revoluo: perten-

    cem nao francesa, explicar Renan, todosos

    que se

    reconhecem

    nela, quaisquerque sejam

    suas origens.

    N o scuQ_-XX,AJivaldade

    dos

    nacionalis-

    _mos

    f rancs^e a lemo^e^seujenfrentament^Bru^

    talna

    gi^rlfS^delpl^^-Svoexacerbar o de-

    bate ideolgicontre as

    duas~lpcoT^

    ,_, _~nC~~

    ,

    ^

    _

    "cultura.

    A s

    palavras tornam-se^slgns_utili?ados

    _i*--~ t-

    ~

    como

    armas. Aosalemes,

    que

    dizem defender

    a

    cultura(nosentidoem queelesaentendem),os

    franceses replicam pretendendo ser os

    c a m-

    explica' ^ "

    clnio,noinci^dsculoXX,naFrana,do uso

    de"cultura"na suaacepocoletiva,poisaide-

    ologia nacionalista francesa deveria

    se

    diferen-

    ciar claramente,

    at em seu

    vocabulrio,

    de sua

    rival alem.

    No

    entanto,

    o

    conflito

    das

    palavras

    se

    prolongar

    atdepoisdo fim do

    conflito

    das

    armas, revelando umaoposio ideolgica

    pro-

    f und a que no sepode

    reduzir

    a uma

    simples

    propaganda deguerra.

    O debate ranco-alemo do sculo XVIII

    ao

    sculoXX

    /arquetpicoNdas

    duas concep-

    es

    decultura,um a^parfJtTtfarista, aoutra uni-

    versalista^que

    estonabasedas duas maneiras

    de

    definir

    o

    conceito

    de

    cultura

    nas

    cincias

    so-

    ciais contemporneas.

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    18/130

    AInveno

    do

    Conceito

    Cientfico deC ul tura

    Aolongo

    do sculo XIX, a adoo de um

    procedimentopositivonareflexo sobreo ho-

    mem

    e a sociedade resulta na criao da soci-

    ologiae daetnologia como disciplinas cientfi-

    cas. Tetniapor sua vez, vai tentar dar uma

    ensar a especifcffl3"hllmana

    ovos

    e

    dos"costuffi"es

    a

    '?To-

    Iham

    ummesmonosjA.jla.do:ojjostuladodauni-

    dade

    do

    homgrn,

    hermcj. ^dji ^^os j donimii-

    nismoj

    Paraeles,a dificuldade serentopensar

    a diversidade naunidade

    Mascom a

    questo

    colocada

    desta

    manei-

    ra ,eles

    no

    podem

    se

    contentar

    com uma

    res-

    posta

    biolgica. Se eles reivindicam uma nova

    cincia, para dar uma outra explicao diver-

    sidade humana, diferente da existncia de "ra-

    as"

    diferentes. Dois caminhos vo ser explora-

    dosjjirnultnea

    e

    CQ^correntemelTte^pcI^gtTr-

    logos:oqucrpYivjl^a aunjdad j m m m iza j . _ d i-

    versidade, reduzindo a uma diversidade

    "tempo-

    ^ BtKaeEH

    l " "l l.11.

    lm

    t

    --||||,,,*_

    rria",segundo um esquema evolucionista; e o

    Doutrocaminho que,ao

    contrrio,dTtda

    a

    inT"

    portncia

    diversidade,

    preocup

    ando-se"enTce

    r

    .

    _ ~or-ri w

    M_-riE ..

    -T

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    19/130

    monstrarque

    ela no contraditria com a uni-

    Umconceito

    vai emergir como instrumen-

    to

    privilegiado para

    pensar

    jgste_rjrpblema

    e ex-

    plorar

    as

    diferentes respostas

    j ossiveis

    ceito

    de

    "cultura".

    A

    palavra est em voga, mas

    utlfizcia, ria maior parte dos

    casos,

    tanto na

    Frana quanto na Alemanha, com um sentido

    jiQrjnatiyo.Os

    Jundadores^da

    .,gtngjoj^a_yjojhe

    dar umj:ontedoj3urjmiente descritivcr^Nojig

    trata,paraeles,jgsim

    com^pjraos

    flsobs, de

    dizer

    o aue

    deve

    ser a cultura, mas de

    descrever

    -- i..ll

    = *=,

    cjuiridaenodepende da hereditariedade biol-

    gica. No entanto, se a cultura

    origem

    ej>eu

    carter so,

    conscientes.

    SeTylor

    o

    primeiro

    a

    propor

    uma

    defini-

    o

    conceituai

    de

    cultura,

    ele no foi

    exatamen-

    te o

    primeiro

    a

    utilizar

    o

    termo

    em

    etnologia.

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    20/130

    El emesmo,

    no uso que faz

    desta palavra,

    foi in-

    fluenciado diretamente por

    etnlogos

    alemes

    que lera e, sobretudo por Gustave

    K l e m m

    que,

    de acordo com a tradio romntica germnica,

    utilizavaKulturcom um sentido

    objetivo,

    prin-

    cipalmente

    por se

    referir

    cultura material.

    Para

    Tylor,

    ahesitao entre "cultura"e"ci-

    vilizao"

    caractersticadocontextodapoca.

    S eele privilegia finalmente

    "cultura",

    por com-

    preender que "civilizao", mesmo se tomada

    emum sentido puramentedescritivo,perdeseu

    carterde conceitooperatrio desdeomomen-

    to

    em que aplicado ssociedades"primitivas".

    A etimologia

    da

    palavra civilizao remete

    constituiodascidadese osentidoque apala-

    vr a

    tomou nas cincias histricas designa prin-

    cipalmente as realizaes mater ia is ,pouco de-

    senvolvidas nessas sociedades. "Cultura", para

    Tylor,

    nanova def inio dada, t em avantagem

    de ser uma palavra neutra que permite pensar

    toda a humanidade e romper com uma certa

    abordagem dos

    "primitivos

    11

    que os transforma-

    va em

    seres

    parte.

    N o

    surpreendente

    que a

    inveno

    do

    conceitodeva-se

    a

    Edward

    Tylor,

    livre pensador,

    para quem sua condio minoritria de quaker

    fechara asportas dauniversidade inglesa.Ele t i-

    nha f na

    capacidade

    do

    homem

    de

    progredir

    e

    partilhava

    dos

    postulados evolucionistas

    de seu

    tempo.

    Ele no

    duvidava tampouco

    da

    unidade

    psquica da humanidade, que explicava as simi-

    litudes observadas em sociedades muito

    dife-

    rentes: segundo ele, em condies idnticas, o

    esprito humano operava em toda a parte de

    manei ra semelhante. Herdeiro do I luminismo,

    ele aderiu igualmente concepo

    universalista

    da cultura dos filsofosdo sculo XVIII.

    El e

    tentava conciliar

    e m u m a

    mesma expli-

    cao

    a evoluo da cultura e sua universalida-

    de. Em seu livroCulturaPrimitiva,lanado em

    1871 e logo em seguida traduzido em francs

    (em

    1876),

    obra considerada como

    o

    momento

    em que fundadaaetnologia enquanto cincia

    autnoma,Tylorexamina

    a s

    "origens

    d a

    cultura"

    (ttulo

    do primeiro tomo) e os mecanismos de

    su aevoluo.E lefoi oprimeiroetnlogoaabor-

    da r

    efetivamente

    os

    fatosculturais

    sob um a

    ti-

    ca geral e sistemtica. Ele foi tambm o primei-

    ro a se dedicar ao estudo da cultura em todos os

    tipos

    de

    sociedade

    e sob

    todos

    os

    aspectos,

    ma-

    teriais, simblicose at corporais.

    Aps um

    temporada passada

    no

    Mxico,

    Tylorelaborouse umtododeestudos daevolu-

    o da

    cultura pelo exame

    das

    "sobrevivncias"

    culturais.

    NoMxico,elepudera observar acoe-

    xistnciadecostumes ancestraisetraos cultu-

    rais recentes. Pelo estudo

    das

    "sobrevivncias",

    ele pensava que deveria ser possvel retornar ao

    conjuntocultural original e reconstitu-lo. Gene-

    ra l izandoeste

    princpio metodolgico, chegou

    concluso de que a cultura dos povos primiti-

    vos contemporneos representava g lobalmente

    acultura original dahumanidade:e la e ra um a

    sobrevivncia das primeirasfases da evoluo

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    21/130

    cultural ,fases pelas quais

    a

    cultura

    d os

    povos

    ci -

    vilizadosteria passado necessariamente.

    O

    mtodo

    de

    exame

    das

    sobrevivncias

    le-

    vava

    logicamente adoo do

    mtodo

    compara-

    tivo que

    lyior

    introduziu ento na etnologia.

    Para

    ele, o estudo das culturas singulares no

    poderia ser feito sem a comparao entre elas,

    pois estavam

    l igadas

    umas

    s

    outras

    e m u m

    m o-

    vim ento de progresso cultural. Pelo mtodo

    comparat ivo,eletinha como objetivo estabele-

    cer ao menos uma escala grosseira dos estgios

    da evoluo dacul tura .Tylor

    desejava

    provar a

    continuidade entre

    a

    cultura primitiva

    e a

    cultu-

    ra

    mais avanada. Contra os que estabeleciam

    um a

    ruptura entre o homem selvagem e pago

    e o

    homem civilizado

    e

    monote s ta ,

    ele se

    esfor-

    ava

    para demonstrar o elo essencial que os

    unia

    e a inevitvel caminhada do selvagem em

    direo aocivil izado. Entreprimitivos e civiliza-

    dos,no h um adi ferena denaturezam assim-

    plesmente

    de

    grau

    de

    avano

    no

    caminho

    da

    cultura. Tylor combateu

    co m

    ardor

    a

    teoria

    da

    degenerescncia dos

    primitivos,inspirada

    por

    telogos que no podiam imaginar que Deus ti-

    vesse

    criado seres

    to

    "selvagens", teoria

    que

    permitia

    no

    reconhecer

    nos

    primitivos, seres

    h u m a n o scomo os outros.

    Para

    ele, ao contrrio,

    todos os humanos eram totalmente seres de cul-

    tura ,e a contribuio de cada povo para o pro-

    gressoem digna de estima.

    Pode-seperceberque o

    evolucionismo

    de

    Tylor

    n o

    exclua

    u m

    certo sentido

    d a

    relativida-

    de cultural,rarana suapoca.

    Alm

    domais,sua

    concepodo

    evolucionismo

    no era

    nada

    rgi-

    da: ele no estava totalmente persuadido que

    houvesse um paralelismo absoluto na evoluo

    cultural

    das diferentes sociedades. Por isso, ele

    considerava tambm, em

    certos

    casos, a hipte-

    se d i fus ionis ta .Um asimples

    similitude

    entre tra-

    os culturais de duas culturas diferentes no era

    suficiente,segundo ele, para provar que elas es-

    tivessem

    situadas no mesmo nvel da escala de

    desenvolvimento cultural: poderia ter havido

    um adifusode um a emdireo outra.D e u m a

    ma n e i r ageral,

    fiel

    a seu

    desejo

    de

    objetividade

    cientfica, ele semostrava prudente em suasin -

    terpretaes.

    Devidoa sua obra e suas

    preocupaes

    me-

    todolgicas, Edward

    Tylor

    considerado, com

    justia,o fundador da antropologia britnica.

    alis

    a ele que se

    deve

    o

    reconhecimento desta

    cincia como disciplina universitria: ee se tor-

    nariaem1883,na Universidade de Oxford, o pri-

    meiro

    titular

    de umactedrade antropologia na

    G r

    Bretanha.

    FranzBoas

    e aconcepo

    particuiarista

    de

    cu l tu r a

    Se Tylor o" inventor"do

    conceito cientfi-

    co de

    cultura, Boas ser

    o

    primeiro antroplogo

    afazer

    pesquisasin

    situ

    para observao direta

    e prolongada das culturas primitivas. Neste sen-

    t ido,

    ele oinventorda etnografa.

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    22/130

    Franz Boas

    (1858

    -1942) era oriundo de

    um a

    famliajudia alemdeesprito liberal. Sen-

    svel questo do racismo,e lemesmo fora vti-

    m a

    do anti-semitismodealgunsdeseus colegas

    de

    universidade. Estudou

    e m

    diversas universi-

    dades

    da

    Alemanha, primeiramente

    cursando

    f-

    sica,depois matemtica

    e

    finalmente geografia

    (fsicae

    humana).

    Esta

    ltima disciplina

    o

    levou

    antropologia. Em1883 -1884, el e participou

    de uma

    expedio entre

    aos

    Esquims

    da

    terra

    de

    Baffn.

    E le

    partiu como gegrafo,

    co m

    pre-

    ocupaes

    de

    gegrafo (estudar

    o efei to do

    meiofsico

    sobre

    asociedade esquim)e perce-

    beu que a organizao social era determinada

    maispela

    culturado que

    pelo

    ambiente fsico.

    Reto rnou

    Alemanha decidido

    a se

    consagrar,

    a

    part i r

    deento,

    principalmente

    antropologia.

    Em 1886, Boas partiu novamente para a

    Amrica doNorte, desta vez para realizar

    pes-

    quisas

    etnogrficas

    de

    camposobre

    os

    ndios

    da

    costa

    noroeste,na Colmbia

    Britnica.

    De1886

    a

    1889, passou longas temporadas entre os

    Kwakiut l ,

    os

    Chinook

    e osTsimshian .Em1887,

    decidiu estabelecer-se nos Estados Unidos e

    adotaranacionalidade americana.

    Toda aobra de Boas umatentativade

    pensar adiferena. Para

    ele,

    adiferena

    funda-

    m e n t a l entre os grupos humanos de ordem

    culturale noracial. Formadoem antropologia

    fsica,m ani fes tou um certo interesse por esta

    disciplina,

    mas dedicou-se adesmontar o que

    constitua,napoca,suaconceito central:ano -

    o de"raa".Em um estudo de grande reper-

    cusso,feito sobre uma populaodeimigran-

    teschegados aosEstados Unidos entre 1908 e

    1910 (nototal17 821pessoas), demonstrou,re-

    correndoaomtodo estatstico, aextrema

    rapi-

    dez (o

    espao

    de uma

    gerao apenas)

    da

    varia-

    o dos traos morfolgicos (em particular a

    f o r m adocrnio)sob apressode umambiente

    novo. Segundo ele,

    o

    conceito

    pseudocientfico

    de

    "raah umana" ,concebida como

    um

    conjun-

    to permanente detraosfsicosespecficos de

    umgrupo humano,

    no

    resiste

    a um

    exame

    rigo-

    roso.

    As

    pretensas "raas"

    no so

    estveis,

    no

    h caracteres raciais imutveis.ento imposs-

    ve ldefinir um a

    "raa"

    co m

    preciso, mesmo

    re-

    correndo

    a o

    chamado mtodo

    da s

    mdias.

    Aca -

    ractersticadosgrupos humanosnoplanofsico

    a sua

    plasticidade,

    sua

    instabilidade,

    sua

    mesti-

    agem.

    Por

    suas concluses,

    ele

    antecipava

    as

    descobertas

    posteriores

    dagenticadaspopula-

    eshumanas.

    Po routro lado, Boas tambm sededicou a

    mos t ra r

    oabsurdodaidiade umaligaoentre

    traos fsicos e traos mentais, dominante na

    pocaeimplcitananoode"raa".Para ele,era

    evidente que os dois aspectos dependiam de

    anlises completamente diferentes. E ,precisa-

    mente

    por se

    opor

    a

    esta idia,

    ele

    adotou

    o

    con-

    ceitodeculturaque lhepareciaomais apropria-

    do

    para

    dar

    conta

    da diversidade h u m a n a .

    Para

    ele,

    no h

    diferena

    de

    "natureza" (biolgica)

    entre primitivosecivilizados, somente diferen-

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    23/130

    as dec ultura, adquiridaselogo,no inatas.cla-

    ro que para B oas, contrariamente idia de mui-

    tos, o conceito de cultura no funciona como

    um eufemismo do conceito de "raa", pois ele

    o

    construiu precisamente para opor-se

    a

    esta

    idia.

    E le

    foi um dosprimeiros

    cientistas sociais

    a abandonar

    o

    conceito

    de"raa"n a

    explicao

    dos comportamentos humanos.

    Ao contrrio de

    Tylor,

    de quem ele havia

    no e ntanto tom ado a def inio de cul tura ,

    Boas

    t inha como objetivo o estudo "das culturas"e

    no "da Cultura". Muito reticente em relao s

    grandes snteses especulativas, em particular

    teoria

    evolucionista

    uni l inear ento dominante

    no campo intelectual, apresentou em uma co-

    municao de

    1896,o

    que considerava os

    "limi-

    tes do m todo co m parat ivo em ant ropologia".

    Ele

    recusa o c ompa ra t i smo imprudente da

    maioria dos autores evolucionistas. Para ele,ha-

    via pouca esperana

    de

    descobrir leis universais

    de funcion am ento das sociedades e das cul turas

    huma na s

    e

    ainda menos chance

    de

    encontrar

    leisgeraisd a evoluodas culturas.Ele fez uma

    crtica radical

    d o

    chamado mtodo

    de

    "periodi-

    zao" que consiste em reconstituir os

    diferen-

    te s

    estgios

    de

    evoluo

    da

    cul tura

    a

    partir

    de

    pretensas origens.

    Boas duvidava tam bm , e pelas m esmas

    rates,

    das teses difusionistas baseadas em re-

    construes pseudo-histricas.

    D e

    manei ra

    ge -

    ral,ele reje itava qualquer teoria que

    pretendes-

    se poder explicar tudo. Preocupando-se com o

    rigor cientfico,el erecusava qualque r generali-

    zao que no pudesse ser demonst rada empi-

    r icamente.

    Ctico, maisanalista

    do que

    terico,

    ele nu nca teve aambiode fundar um a esco-

    la

    de

    pensamento .

    \

    Pelo contrrio, ele ficar na histria da an-

    tropologia como

    fundador

    do mtodo indutivo

    e intensivo de campo. Boas concebia a

    etnolo-

    gia

    como

    um a

    cincia

    de

    observao direta:

    se -

    gundo ele, no estudo de um a cultur a particular,

    tudo deve se ranotado,at odetalhedo

    detalhe.

    Na

    su a preocupao de contato c om a realida-

    de, no

    apreciava muito

    o

    recurso

    a

    informan-

    tes.

    O

    etnlogo,

    se ele

    quer conhecer

    e

    com-

    preender

    um a

    cultura, deve aprender

    a

    lngua

    em

    uso.

    E, ao

    invs

    de

    apenas re alizar entrevis-

    ta s

    formais

    em

    maior

    ou

    m enor grau

    - a

    situao

    de entrevista pode modificarasrespostas- ,deve

    estar atento principalmente

    a

    tudo

    o que se diz

    nas conversas "espontneas",e acrescenta, at

    "escutar atrs das portas".Tudo isso supe que

    se perm anea por longo tem po

    j u n to

    popula-

    o cuja cul tura est sendo estudada.

    Em certos aspectos, Boas o inventor do

    mtodo monogrfico em ant ropologia . Mas,

    como ele levava ao extremo sua preocupao

    com o

    deta lhe

    e

    exigia

    um

    conhec imento

    exaustivo

    da

    cultura estudada antes

    de

    qualquer

    concluso geral, no realizou nenhuma mono-

    grafia

    no sentido pleno do termo. Ele chegava

    mesmo a

    pensar

    q ue

    toda de scrio sistem tica

    d e u m acul turacom porta necessar iamen teum a

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    24/130

    dose de especulao. E era precisamente isso

    que ele no se permitiafazer,apesar de ter ade-

    rido idia de que cada cultura

    fo rma

    um todo

    coerente efuncional.

    Devemos

    aBoasaconcepo antropolgi-

    ca do

    "relativism o

    cultural", mesmo que no te-

    nh asido ele o primeiro a pensar a relatividade

    cul tura lnem o

    criador desta expresso

    que

    apa-

    recer apenas mais tarde. Para ele,

    o

    relativismo

    cul tura lantesdetudoumprincpio

    m etod o l -

    gico. A fim deescaparde qualquer forma de et-

    nocentrismo

    no

    estudo

    de uma

    cultura particu-

    lar,

    recomendava abord-la

    sem

    aprtori,

    sem

    aplicarsuas prprias categorias para interpret-

    la, se mcompar-la prematuramenteaoutras cul-

    turas.

    E le

    aconselhava

    a

    prudncia,

    a

    pacincia,

    os "pequenos passos" na pesquisa. Tinhacons-

    cincia

    da

    complexidade

    da

    cada sistema cultu-

    ra l

    e

    julgava

    que somente o exame metdico de

    um

    sistema cultural

    em s i

    mesmo poderia che-

    gar

    ao fundo de sua complexidade.

    Alm do princpio metodolgico, orelati-

    vismo cultural de Boas implicava tambm uma

    concepo

    relativista

    dacultura.Deorigem ale-

    m ,formado

    e m

    diversas universidades alems,

    ele nopoderia no tersidoinfluenciado pela

    noo partcularista alem de cultura. Paraele,

    cada

    cultura

    nica, especfica.

    Sua

    ateno

    era

    espontaneamente voltadapara o que

    fazia

    aori-

    ginal idade de uma

    cultura. Quase nunca, antes

    dele, as culturas particulares tinham sido objeto

    de tal tratamento autnomo por parte dos

    pes-

    quisadores. Paraele, cada cultura representava

    um a

    totalidade singular etodoseu esforo con-

    sistia

    e m

    pesquisar

    o que

    fazia

    su a

    unidade.

    Da

    su apreocupao de no somente descrever os

    fatos culturais,

    mas d e

    compreend-los jun t an -

    do-os

    a um

    conjunto

    ao

    qual eles estavam

    liga-

    dos. Um costume particular s

    pode

    ser explica-

    do se relacionado ao seu contexto cultural.Tra-

    ta-seassim de compreender como se formou a

    sntese original que representa cada cultura e

    que faz a sua coerncia.

    Cadacultura

    dotada

    de um

    "estilo" parti-

    cular

    que se

    exprime atravs

    da

    lngua,

    das

    cren-

    as, dos costumes, tambm da arte, mas no ape-

    nas desta maneira. Este estilo,

    este

    "esprito" pr-

    prio

    a

    cada cultura influi sobre

    o

    comportamen-

    to

    dos indivduos. Boas pensava que atarefado

    etnlogo era tambm elucidar o vnculo que

    liga

    o

    indivduo

    sua

    cultura.

    S em dvida h um vnculo estreito entre o

    relativismo cultural como princpio metodolgi-

    co ecomoprincpio epistemolgico levandoa

    um a

    concepo

    relativistada cul tura .

    A

    escolha

    do mtodo de observao sem preconceito,

    prolongada e sistemtica, de uma entidade cul-

    tural

    determinada

    leva

    progressivamente

    a

    con-

    siderar esta entidade como autnoma.

    A

    trans-

    f o rma o

    d e u m a

    etnografia

    de

    viajantes"que

    apenas passam"e m u m aetnografiadeestadade

    longa durao mo di f i c o u completamente a

    apreenso das culturas particulares.

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    25/130

    No fim da sua vida, Boas insistia emoutro

    aspecto

    do

    relativismo cultural.

    Um

    aspecto

    que

    poderia

    talvezser umprincpioticoque afirma

    a

    dignidadedecada culturaeexaltaorespeito

    e a

    tolerncia

    em

    relao

    aculturas diferentes.

    Na medida em que cada cultura

    exprime

    um

    modonicode serhomem,ela tem o direito

    estimae proteo,se estiverameaada.

    Considerando

    a

    obra

    de Boas em sua rica

    diversidadee nasinmeras

    hipteses

    sobreos

    fatos

    culturais

    que ela

    prope, descobre-senela

    oannciodetodaa

    antropologiaculturalnorte-

    americana que vir a serdesenvolvida.

    Ftnoeentiismo

    A

    palavra foi

    criada

    pelosocilogo amer icano

    Willian G .

    S u m m e r

    e

    apareceu pela pr imeira

    ve z

    em

    1906

    em seu

    livroFolkways. Segundo

    su adefinio"o

    etnoccntr ismo

    o

    termotcni-

    co

    par aesta viso

    da s

    coisas segundo

    a

    qual

    nosso prpr io grupo

    o

    centro

    de

    todas

    as

    coi-

    sas etodos osoutros grupos s om e d id o seava-

    liadosem r e laoa

    el e

    [...].Cada grupo alimen-

    ta

    seu

    prpr io orgulho

    e

    vaidade, considera-se

    superior, exalta suas prprias divindades

    e

    olha

    co m desprezo asestrangeiras. Cada gru po pen-

    sa que

    seus

    prpr ios costumes (Folkways) so

    os nicos vlidose se ele obse rvaque ou t ros

    grupos tm outros costumes,

    encara-os

    com

    desdm." (citado

    por

    S imon [1993,

    p.

    57])

    A a t i tude assim descr ita parece bem universal,

    so b fo rm a s diversas segundo as sociedades.

    Como escreveu Lvi-Strauss,

    os

    h o m e n s

    tem

    sempre dif iculdade de en cara r a diversidade

    das cu l tu r as como u m" f e n m e n o

    natural,

    resul-

    tante

    da s

    relaesdiretas

    ou

    indiretas entre

    as

    sociedades" [1952].Am aiocia-dospovos chama-

    dos de"primitivos" considera que a hum a nida -

    de acaba em suas f r on te i ras

    cnicas

    ou

    lings-

    ticas e por issoque elesse denominam f r e -

    qentemente usando um e tnnimo que signifi-

    ca ,segundo

    o

    caso,''os homens" ,

    "os

    excelen-

    tes" ou

    a inda

    "os verdadeiros", em oposio aos

    estrangeiros que no so reconhecidos com o

    seres humanos comple tos .

    Qu anto s sociedades cham adas "histricas" ,

    elas tm a m esm a d i f icu ldade par a concebe r a

    idia

    da

    unidade

    d a

    humanidade

    na

    diversidade

    cultural .

    O mundo greco-romano antigo qualificava de

    "brbaros "todos os que no par ticipavamd a

    cu l tu ra g r eco- romana. E m seguida, na Europa

    Ocidenta l ,oterm o "selvagem" ser util iz adono

    mesm o sen t ido , par a jogar par afora dacu l tu r a

    e, em

    ou t r aspalavras ,

    d a

    n a tu r e z a ,

    os que no

    per tenciam civilizao ocidental. Com

    esta

    a t i tude ,

    os

    "civilizados"

    se

    compor tam en to

    exa tamente como os "brbaros" ou os "selva-

    gens".

    No f inal das

    contas,

    n o

    estar amos

    no

    direito de pensar , como Lvi-Straussque "o br -

    baro p r im e i r a m e n t e o h o m e m que acredita

    na ba rbr ie " [1952]?

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    26/130

    O

    etnocentrismo pode

    tomar

    fo rmas ex t r emas

    de

    in tolerncia

    cultural, religiosa c atpoltica.

    Pode t ambm assumi r

    fo rmas

    sutis

    e racionais.

    No

    domnio

    da s

    cincias

    sociais,

    pode-se agir

    como se houvesse oreconhecimento do

    fen-

    meno da

    diversidade

    culturale aomesmo

    tem-

    po

    conceber

    a variedade das cul turas como

    um asimplesexpresso

    d as

    diferentes

    etapas de

    um nico

    processo

    decivil izao.

    Deste

    m o d o,

    o

    evolucionism o

    do

    sculoXIX,

    ao

    imaginar

    os

    "estgios"

    de um

    desenvolvimento

    social uniii-

    near,permit ia aclassificao da scu l tu r asparti-

    culares e m u m am e s m ae scala de civilizao. A

    diferena cultural, nesta perspectiva, era so-

    m e n t e u m a

    aparncia:

    e la estaria condenada a

    desaparecer ,

    cedo

    o u

    tarde.

    Em

    rup tur a

    total comesta concepo,a

    antro-

    pologia cultural introduz aidiaderelatividade

    da s

    cu l tu r as

    e de sua impossvel hierarquizao

    apriori.E ela recomenda ,paraescapara qual-

    queretnocentrismona pesquisa, a aplicao d o

    mtodode

    observao

    par t ic ipante.

    A

    idia de cul tura

    entre

    os

    fundadores

    daetnologia francesa

    E m

    relao

    a

    seus

    vizinhos, a

    Frana

    mani-

    f es ta

    umaoriginalidadenodesenvolvimentodas

    cincias sociais.

    na

    Frana

    que

    nasce

    a

    socio-

    logia

    como disciplina

    cientfica.

    Mas, paradoxal-

    mente, este pioneirismo

    vai

    provocar

    um

    atraso

    nafundaodaetnologia francesa.Em umpri-

    meiro momento, pode-se dizer que a sociologia

    ocupa todo

    o

    espao

    dapesquisa-sobreas

    soci-

    edades humanas.

    A

    etnologia

    -

    seria mais corre-

    to

    dizer

    aetnografa-

    est ento

    reduzidaaosta-

    tus deramo anexodasociologia.A"questo

    so-

    cial"

    domina e oblitera a "questo cultural".

    U m aconstatao: a

    ausncia

    do

    conceito

    cientifico

    de

    culturano

    incio

    da

    pesquisa

    francesa

    Na

    Frana, no sculo XIX e no comeo do

    sculo

    XX ,nas

    cincias sociais,

    os

    pesquisado-

    res seconformavamcom o usolingsticoen-

    to

    dominante

    e

    usavam correntemente

    o

    ter-

    mo "civilizao",j

    consagrado pelos

    historia-

    dores

    e

    praticamente nunca

    o

    termo "cultura"

    numsentido coletivo e descritivo. Apesar dees-

    tarem

    informados

    sobreostrabalhoscientficos

    alemes,

    eles recusavam geralmente a traduo

    de

    Kultur

    por sua

    homloga

    francesa e

    prefe-

    riam

    "civilizao".

    Do mesmo modo, a obra de

    Tylor,PrimitiveCulture

    teve

    uma

    certa reper-

    cusso

    na

    comunidade cientfica

    na

    Frana,

    mas

    o ttulodaverso

    francesa

    foi:La

    Civttisation

    Primitive(A Civilizao Primitiva).

    O termo "cultura" para os pesquisadores

    franceses

    continuava geralmente ligado

    a sua

    acepo tradicional no campo intelectual naci-

    onal:

    elese

    referia

    unicamenteaocampodoes-

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    27/130

    pritoe s era compreendido em um sentido eli-

    tista restrito

    e em um

    sentido individualista

    (a

    cultura de uma pessoa "culta").

    evidente que o contexto ideolgicopr-

    prio da Frana do sculo XIX bloqueou o surgi-

    mento do

    conceito

    descritivo de

    cul tura .

    So-

    cilogos

    e

    etnlogosestavamelesmesmos mui-

    to impregnados do universalismo abstrato do

    Iluminismo para pensar a pluralidade cultural

    nas sociedades humanas dissociada da refern-

    cia

    "civilizao". certo que o contexto hist-

    rico no levava a uma interrogao sobre esta

    questo.Aepopia colonialsefazia emnomeda

    misso"civizatria"daFrana.Arivalidadee os

    conflitos

    com a

    A lema n ha

    opunham dois

    na-

    cionalismos que se

    serviam

    das

    noes

    de

    Kultur

    e de

    "civilizao "como armas

    de

    propa-

    ganda.Enf im,o Estado-nao francs,confronta-

    do ao rpido desenvolvimento da imigrao es-

    trangeira no ltimo tero do sculo XIX, adota-

    va uma poltica cultural claramente assimila-

    cionista

    destas populaes,de

    acordo

    com o

    modelo centralista que j havia produzido seus

    efeitossobre as culturas regionais do pas.

    N aetnologia francesa iniciante, o que cha-

    m a

    a

    ateno

    a

    ausncia

    de

    conceito

    de

    cultu-

    ra .

    Seria necessrio atingir o desenvolvimento

    de uma etnologia de campo, nos anos trinta,

    para que seu uso comeasse a aparecer, espe-

    cialmente entre os pesquisadores africanistas,

    como Mareei

    Griaule

    ouMichelLeiris.Aetnolo-

    gia adquire naqueles anos uma certa autonomia

    em relao sociologia e constri seus prprios

    instrumentosconceituais.Aconfrontao direta

    e prolongada com a

    alteridade

    e a pluralidade

    dasculturas favoreceosurgimentodo conceito

    de

    cultura atravs

    da

    introduo

    de umcertore-

    lativismo

    cultural.

    Ma s este

    surgimento

    do

    conceito

    se d

    apenas progressivamente na Frana e, inclusive

    na

    literatura etnolgica, "civilizao" resistir

    e

    chegar,s vezes, a ser utilizadaindistintamente

    com o termo cultura, at os anos sessenta. A

    obra clssica de

    Ru th

    Benedict,

    Pattems o f

    Culture seria traduzido em 1950 com o ttulo

    (infeliz sob

    qualquer

    pontode

    vista)

    de

    Amos-

    tras de civilizaes.

    Durkheim e aabordagem

    imitam

    dos

    fatos

    de

    cultura

    EmileDurkheim (1858 - 1917), por uma

    curiosa coincidncia, nasceu no mesmo ano

    que Franz Boas. Como Boas na

    antropologia

    amer icana ,

    Durkheim ocupar uma posio

    "fundadora"

    na antropologia francesa.Mais so-

    cilogo do que etnlogo, Durkheim no deixa-

    va ,

    no entanto, de desenvolver uma sociologia

    com

    orientao antropolgica.

    De fato,

    tinha

    como

    ambi o

    compreender osocialemtodas

    as

    suas dimensese sob

    todos

    osseus aspectos,

    inclusive

    na dimenso cultural, atravs de todas

    as f o r m as

    de

    sociedade.

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    28/130

    Com acriaoem 1897 da revista O Ano

    Sociolgico,

    Durkheim

    contribuiu para

    fundar

    a

    etnologia francesa e assegurar seu reconheci-

    mento nacional

    e

    internacional.

    A

    revista publi-

    couem suas sucessivas edies, numerosas m o-

    nografias

    etnogrficas e diversas resenhas de

    obras etnolgicas,

    em

    geral estrangeiras.

    Durkheim

    no

    utilizava quase nunca

    o

    conceito

    de cultura. Em sua prpria revista,"cul-

    tura" em lngua estrangeira era quase sempre

    traduzida

    por

    "civilizao

    71

    .

    Mas,se ele

    recorria

    apenas excepcionalmente aoconceitode cultu-

    ra ,no era por se desinteressar pelos fenme-

    nosculturais. Para ele,osfenmenos sociaistm

    necessariamente uma dimenso cultural pois

    so tambm fenmenos simblicos.

    D urkh e im contribuiu muito para extrair

    do

    conceito

    de civilizao os pressupostos

    ideolgicos implcitos

    em

    maior

    ou

    menor grau.

    Em uma

    "Nota sobre

    a

    noo

    de

    civilizao",

    re-

    digida

    conjuntamente

    com

    Mareei

    Mausse

    lan-

    ada em 1913, ele se esforava para

    propor

    uma

    concepoobjetiva e no normativa da civiliza-

    o que inclua a idia da pluralidade das civili-

    zaes

    sem

    enfraquecer,

    com

    isso,

    a

    unidade

    do

    homem. Para ele,nohavia dvidade que a hu-

    manidadeuma,quetodasascivilizaes parti-

    culares contribuem para a civilizao humana.

    Ele no concebia diferenas de natureza entre

    primitivos

    e civilizados. Mauss, que partilhava

    do

    pensamento

    de

    Durkheim

    com

    quem manti-

    nhauma estreita colaborao, era ainda mais ex-

    plcito desde 1901:

    A civilizaode um povo no c nada alm de

    um conjuntodeseus fenmenos sociais;e falar

    depovos incultos, "semcivilizao", de povos

    "naturais"(Naturvlker),

    falar

    decoisas qu e

    n o

    existem

    (O

    Ano Soc io lg ico , tomo IV

    1901,p.

    141).

    O famoso artigo,escritopor Durkheime

    Maussem

    1902,

    Algumas formas

    primitivasde

    classi f icao,

    pretendia demonstrar

    que os

    pri-

    mitivos

    so perfeitamente aptos para o pensa-

    mento lgico. Durkheimnomudaraarespeito

    deste ponto.

    Mais

    tarde, em

    As

    Formas elemen-

    tares da vida religiosa,ele confirmar sua posi-

    o inicial,recorrendo pela primeira vez no-

    o decultura:

    [...],o pensamento conceituai contempor-

    neo da humanidade. Ns nos recusamos ento

    av-locomou mprodutod e u m aculturatardia

    em maioroumenor

    grau

    [1912].

    SeDurkheim

    partilhava de

    certos aspectos

    da teoria evolucionista, ele recusava, no entan-

    to, suas teses mais redutoras

    e

    sobretudo

    a

    tese

    do

    esquema

    unilinear

    deevoluoqueseria co-

    m um

    a

    todas

    a s

    sociedades.

    E m u m a

    resenha

    de

    um

    livro alemo que tratava da "psicologia dos

    povos", cincia ento muitoem vogan aAlema-

    5

    2

    >

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    29/130

    nh a ,Durkheim escreveria,

    em

    desacordo

    com a

    tese central daobra queapresentava aidiade

    um futuro idntico para toda ahumanidade:

    Nada

    no sautorizaaacreditarque osdiferentes

    tipos

    de

    povos

    vo

    todos

    no

    mesmo

    sentido;al-

    guns seguem caminhos muito diversos. O de-

    senvolvimento humano deve se r ilustrado n o

    sob a

    fo rma

    de uma

    l inha

    em que associedades

    viriam secolocar umas depoisdasoutras como

    se asmais avanadasn ofossem seno aconti-

    nuao e aseqncia das

    mais

    rudimentares,

    m as

    como

    uma

    rvore

    com r amos

    mltiplos

    e

    divergentes. N ada nos diz que acivilizao de

    a m a n h

    ser apenas oprolongamentod a

    exis-

    tente

    atualmente para

    u m a

    mais elevada;

    talvez,

    ao contrrio, ela ter como agentes povos que

    ns ju lgamos infer iores

    como

    a

    China,

    po r

    exemplo,e que lhedaroumadireo novae

    inesperada (OAno

    Sociolgico

    tomo XII, 1913,

    p. 60-61).

    OpensamentodeDurkheimeraentoim-

    pregnadode uma grande sensibilidade emrela-

    o relatividade cultural,que provinha de sua

    concepo

    geral

    da

    sociedade

    e da

    normalidade

    social.

    Eleabordava

    esta questo adotando

    um a

    atitude

    relativista:

    anormalidaderelativaacada

    sociedade e ao seu nvel de desenvolvimento.

    Sua

    concepo

    danormalidade pretendia ser pu-

    ramente descritivaebaseadaem umaespciede

    "mdia"prpriaacada tipode sociedade.

    Anos mais tarde,

    em

    1929,

    em um

    estilo

    maispolmicoemais explcito, Mauss prolonga-

    ria opensamento deDurkheim,em umaconfe-

    rncia

    sobre

    "as civilizaes":

    Oshomensde Estado,osfilsofos,opblico,e

    sobretudo os jornalistas,falam da

    civilizao.

    Em perodo nacionalista,a civilizao, sem-

    pre a

    sua cultura,

    a de sua

    nao, poiseles

    ig-

    noram geralmente acivilizao do soutros.Em

    perodo racionalista

    e

    geralmenteun iversalista

    e cosmopolita [...]aCivilizao constituium a

    espciede

    estado

    de

    coisasideal

    e

    real

    ao

    mes-

    m otempo, racionai

    e

    natural simultaneamente,

    causaie final num mesmo momento,que seria

    liberado

    aos

    poucos

    por um

    progresso

    indubi-

    tvel[...].

    Esta

    perfeita essncia nunca fo inada alm de

    um mito, de uma representao coletiva. Esta

    crena universalis ta

    e

    nacionalista

    ao

    mesmo

    tempo

    um

    trao

    denossascivilizaes inter-

    nacionais

    e

    nacionais

    do

    Ocidente

    Europeu e

    da

    Amrica n oindgena

    [1930,

    p. 103 -104].

    Para

    mantersua

    prpria

    lgica, Durkheim

    chegou

    a

    privilegiar

    um uso

    flexvel

    da

    noo

    decivilizaoque elefaziafuncionar comoum

    conceito

    "de

    geometria varivel".

    N a

    Nota sobre

    a noo de

    civilizao,

    escrita comMauss,ele

    se

    dedicava

    a

    tirar

    a

    noo

    da

    generalidade

    im-

    precisa

    que a

    caracterizava ento

    e a

    dar-lhe

    um acontedo

    conceituai

    operatrio:"a"civiliza-

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    30/130

    co no se

    confunde

    com a

    humanidade

    e seu

    fu turo ,

    tampouco

    c o m u m a

    nao

    em

    particu-

    lar;o queexiste,o que sepode observareestu-

    dar,

    s o diferentes civilizaes.E preciso en-

    tender "civilizao" como um conjunto de

    f e n m e n o s

    sociaisque no

    esto ligados

    a um

    organismo socialpar ticular ;estes fenmenosse

    estendem sobre reasque ultrapassamumter-

    ritrio nacional,ou aindase desenvolvem em

    perodosde tempoque ultrapassamahistria

    de uma ssociedade

    [1913,

    p.47].

    Estadefinio levava

    teoria difusionista

    a

    noo

    de"rea"e ao

    mesmo tempo, introduzia

    na

    teoria evolucionista a noo de "perodo",

    mes-

    mo que Durkheim se opusesse sreconsttuies

    histricas imprecisas

    das

    duas escolas. Preocupa-

    do em

    fundar

    um

    mtodo rigoroso

    de

    estudo

    dos

    fatos

    sociais, ele apenas reconhecia como vlido

    o procedimento emprico erecusava qualquer

    f o r m a

    de

    comparatismo especulativo.

    N o se deve procurar junto a Durkheim

    um ateoria sistemticad acultura.S uareflexo

    sobre

    a

    cultura

    n o

    f o r m a

    um

    conjunto unifica-

    do.A

    preocupao central de sua obra era deter-

    minar a natureza do vnculo social. No entanto,

    su a

    concepo

    da sociedade como totalidade

    orgnica determinava suaconcepode cultura

    ou de civilizao: para ele, as civilizaes consti-

    tuem "sistemas complexos

    e

    solidrios".

    Contra as

    teses

    individualistas que ele refu-

    tava

    por

    serem dominadas

    pelo psicologismo,

    Durkheim

    afirmava

    a prioridade da sociedade

    sobre

    o

    indivduo.

    Sua

    concepo

    dos

    fenme-

    nos erafeita,noentanto,domesmo holismome-

    todolgico.

    E m

    As

    Formas Elementares

    da

    Vida

    Religiosa, sobretudo,

    mas

    desde O Suicdio

    (1897),eledesenvolviaumateoriada"conscin-

    cia coletiva" que uma

    f o r m a

    de teoria cultural.

    Para ele, existe em todas as sociedades uma

    "conscincia

    coletiva",

    feita

    dasrepresentaes

    coletivas,

    dos

    ideais,

    dos

    valores

    e dos

    sentimen-

    tos

    comuns

    a

    todos

    os

    seus indivduos.

    Esta

    conscincia coletiva

    precede

    o indivduo,im-

    pe-seaele,exterioretranscendente aele:h

    descontinuidade

    entre

    a

    conscincia coletiva

    e

    a

    conscincia individual, e a primeira "supe-

    rior" segunda, por ser mais complexa e inde-

    terminada. a conscincia coletiva que realiza a

    unidadee acoesode uma sociedade.

    As

    hipteses de Durkheim

    sobre

    a cons-

    cincia coletiva seguramente exerceram uma

    influncia sobreateoriadacultura como "super

    organismo" de

    Alfred

    Kroeber

    [1917].

    Pode-se

    tambm fazeruma aproximao entre a noo

    de

    conscincia coletiva

    -

    qual Durkheim atri-

    bua caractersticas espirituais - e as noes de

    patternculturale de"personalidade bsica" pr-

    prias

    aos

    antroplogos

    culturalistas

    americanos.

    O prprio Durkheimuti l izavasvezesaexpres-

    so "personalidade coletiva", em um sentido

    muito prximo da "conscincia coletiva".

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    31/130

    Se o conceito de cultura praticamente

    ausente

    da

    antropologia

    de D urkh e im ,

    isto

    no

    o impediude

    propor

    interpretaes dos

    fen-

    menos freqentemente chamados de "culturais"

    pelas cincias sociais.

    Lvy-Bruhle a abordagem

    diferencial

    Ainda que a obra de

    Lucien

    Lvy-Bruhl

    (1857

    -

    1939)

    no

    tenha tido

    a

    mesma

    repercus-

    so

    ou

    exercido

    a

    mesma influncia

    que a

    obra

    de

    Durkheim, pode-se observar

    que na seu

    in-

    cio,

    atravs de dois de seusfundadores ,a

    etno-

    logia

    francesa hesitava entre duas

    concepes

    de cultura, uma unitria, a outra, diferencial. A

    confrontao destas duasconcepes

    em um

    debate cientfico s vezes acirrado, contribuiria

    muito para

    o

    desenvolvimento

    da

    etnologia

    francesa. legtimo considerar

    Lvy-Bruhl

    como

    um dos fundadores da disciplina etnolgica na

    Frana. De

    fato,

    ele foi um dos

    primeiros

    pesqui-

    sadores a consagrar uma grande parte de seus

    trabalhos

    ao

    estudo

    das

    culturas primitivas.

    Alm

    do mais, no plano institucional, a ele que

    devemos a criao, em 1925, do Instituto de Et-

    nologia da Universidade de Paris, onde ser for-

    mada a primeira gerao de etnlogos de cam-

    po sob a

    responsabilidade

    de

    Mareei

    Mausse de

    PaulRivet,a quem ele confiou o secretariado ge-

    ra ldo Instituto.

    Desde 1910,

    com o

    livroAsFunes Men-

    tais

    nas

    Sociedades

    Infer iores, Lvy-Bruhlcolo-

    ca a diferena cultural no centrode sua

    refle-

    xo.

    Ele

    se interroga sobre

    as

    diferenas

    de

    "mentalidade"que podem existir entre os po-

    vos.

    Esta

    noo de"mentalidade"no eramuito

    distante daacepoetnolgica de "cultura", ter-

    mo que ele

    praticamente

    noutilizava.

    Todo esforo

    de

    Lvy-Bruhlconsistia

    em

    re futara teoria doevolucionismo uni l ineare a

    tesedoprogressomental. De uma maneira ge-

    ral, ele se opunha prpria idia de "primiti-

    vos", ainda

    que ele

    mesmo tivesseutilizadoeste

    termo vrias vezes ,devido

    ao

    contexto

    da

    po-

    ca .Para ele, os indivduos das sociedades de cul-

    tura oral no eram "crianas grandes" que teriam

    omesmo tipodeinterrogaes que os"civiliza-

    dos",vistos como adultos, dando

    a

    estas

    ques-

    tesrespostas ingnuas,

    "infantis".

    Na

    Mental i-

    dadePrimitiva,ele

    afirmava:

    [Sc] aatividadem e n t a l do sprimitivos [no fo r

    mais j interpretadaapriori comou m a f o rma ru -

    d i m e n t a r danossa, como infantil equase pato-

    lgica. [...]

    el a

    aparecera

    ao

    cont r r io ,

    como

    n o r m a lnascondiesem que exercida, como

    complexa edesenvolvida suamaneira [1922,

    p.15-16].

    Lvy-Bruhl

    contestava tambm

    uma

    certa

    concepo de

    unidade

    do psiquismo

    humano

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    32/130

    que implicava um modo nico de

    func ionamen-

    to. Ele no partilhava dastesesdeTylorsobre o

    animismo

    dos primitivos (paraTylor, o animismo

    constitua a

    fo rma

    mais antiga de crena

    religio-

    sa ,isto

    , a

    crena

    na

    existncia

    e na

    imortalida-

    de da alma e, logo, em seres espirituais, baseada

    na interpretao dossonhos):elecriticava sua

    insistncia

    excessiva para demonstrar

    o

    carter

    "razovel" desta crena. Pelas mesmas

    razes, ele

    discordava

    de

    Durkheim,criticando-o

    por

    que-

    rer provar que os homens tm, em todas asso-

    ciedades,

    uma mentalidade "lgica" que obede-

    ceria necessariamente s mesmas leis da razo.

    Por outro lado,

    Durkheim

    no admitia a

    distino

    que Lvy-Bruhl

    estabelecia entre

    "mentalidade primitiva" e "mentalidade civiliza-

    da".

    Mas a

    crtica

    que ele

    fazia

    em

    1912,

    em s ua

    resenha, para

    OAno Sociolgico,

    do primeiro li-

    vro de Lvy-Bruhl

    sobre esta questo,

    foi

    marca-

    da por um evolucionismo bastante redutor:

    Estasduasfo rmas dem enta l idadehumana,po r

    maisdiferentesqu e sejam, ao invsd ederivar

    de

    origensdiferentes ,nasceram

    uma da

    outra

    e

    so

    dois

    momentos

    de umamesma evoluo.

    Estas

    discordncias

    entre Lvy-Bruhl e

    seus pares eram apenas a expresso de um de-

    bate cientfico muito animado sobre a questo

    da alteridade e da identidade culturais.A este de-

    ba te ,Lvy-Bruhltrouxe uma importante contri-

    buio.Pode-se ento perguntar as razes que

    levaram esta contribuio a ser mal compreen-

    dida,deturpada, rejeitada e finalmente esqueci-

    da em sua maior parte.

    D omin ique Merlli [1993] respondea es-

    ta pergunta

    e

    prope

    uma

    nova leitura,

    sem o

    a

    prori,deste autor. Contrariamenteapresen-

    tao

    que

    comumente feita

    de sua

    obra,

    ela

    no etnocentrista. Foi assim qualificada para

    sermais desacreditada enquanto todooesforo

    de Lvy-Bruhlconsistia justamenteem u m aten-

    tativade pensar a diferena a partir decatego-

    rias adequadas. Mas esta tentativa entrava em

    contradio

    com o

    universalismo (abstrato)

    do

    Iluminismoe

    seus princpios ticos

    que

    serviam

    de refernciamaioriadosintelectuais

    france-

    ses doinciodosculo.

    O que chamamos de

    tese

    de Lvy-Bruhl

    era apresentada por ele mesmo como uma"hi-

    ptese detrabalho", como noslembra Merlli.

    Seele tentava dar conta da diferena das menta-

    lidades,

    isto

    no o

    impedia

    deaf i rmara

    unidade

    psquica humana.

    Para

    ele,

    a

    unidade

    da

    humani-

    dade era maisfu n da men ta lque a diversidade. O

    conceito

    de

    "mentalidade

    primitiva"

    ("pr-lgi-

    ca") no era nada alm de um instrumento para

    pensar a diferena. Seu procedimento, que se

    servia explicitamentedaspesquisasde campo,

    era tudo, exceto dogmtico.

    Alis,segundo este autor, a diferena no

    exclui a comunicao entre os grupos h uma-

  • 7/26/2019 A noo de cultura nas Ciencias Sociais.pdf

    33/130

    nos,

    que

    continua possvel devido

    ao

    fato

    de

    pertencerem a u m ahumanidade comum.N o

    h

    ento um corte absoluto entre as diferentes

    "mentalidades", que no

    so

    feitas de

    lgicas

    contraditrias.

    O que

    difereentre

    os

    grupos

    so

    os modos

    de

    exerccio

    do

    pensamento

    e no

    suasestruturas psquicas

    profundas

    .

    Lvy-Bruhl

    pensava tambmque"mentali-

    dadepr-lgica"e "mentalidade lgica" no so

    incompatveis e coexistem em todas as socieda-

    des; mas a preeminncia de uma sobre a outra

    pode

    variar segundo

    os

    casos,

    o que

    explica

    a di-

    versidade de culturas. Recorrendo ao conceito

    de

    "menta l idade",

    ele noafi