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5/28/2018 A ONTOLOGIA DA POTNCIA EM AGAMBEN.docx
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A ONTOLOGIA DA POTNCIA
Ento, o que seria potencialidade? No texto On Potentiality, que tem porbase a obra Potentialities, Agamben explica que Aristteles distingue - ao opor
potencialidade e atualidade (dynamis e energeia) - duas formas de potencialidade, a
saber: uma a potencialidade genrica, por exemplo, a potencialidade de uma criana
aprender ou se tomar chefe de Estado; a outra a denominadaexisting potentiality1,
por exemplo, a potencialidade de um poeta escrever um poema ou, como exemplifica
Aristteles, ... a arte de construir.2A diferena, todavia, refere-se ao fato de que, no
primeiro caso, uma alterao precisa ser sofrida para que a potencialidade se torneatual, enquanto, no segundo caso, a potencialidade j est l.
Nesse sentido, ao tratar da potencialidade existente, para DANIEL
HELLER-ROAZEN, ela est presente e, ainda assim, ... do not appear in the form of
present things3 - que interessa ambos Aristteles e Agamben4, precisamente porque
qualquer um que tenha potencialidade existente ter tambm a possibilidade de no a
trazer ao ato, a despeito de que, embora, ela j exista na atualidade.
Agambem explica que a potencialidade existente is a potentiality that isnot simply the potential to do this or that thing but potential to not-do, potential not to
pass into actuality.5 Dessa forma, segundo o filsofo em comento, trata-se de
autonomia absoluta da potencialidade em relao ao ato, de modo que essa
potencialidade no tem a tarefa de passar ao ato, da mesma forma que o ser humano,
em sua pura potencialidade, tambm no tem qualquer tarefa messinica ou trabalho
divino a completar, ou ainda algum determinado destino a cumprir, em ateno a
experincia tica agambeniana, livre de quaisquer tarefas ou obrigaes.
1 AGAMBEN, Giorgio. On potentiality. In: HAMACHER, Werner; WELBERY, David (ed.).Potentialities. Traduo de Daniel Heller-Roazen. Stanford: Stanford University Press, 1999, p. 179.2ARISTOTELES.Metafsica. v. II, 2 ed. Traduo de Giovanni Reale. So Paulo: Edioes Loyola, 2005,
p. 397.3HELLER-ROAZEN. Daniel. Editorintroduction: To read what was never written. In: HAMACHER,Werner; WELBERY, David (ed.). Potentialities. Traduo de Daniel Heller-Roazen. Stanford: StanfordUniversity Press, 1999, p. 14.4Bruno GULLI. Op. cit., p. 222. O prprio Agamben dir que o primeiro caso acima exemplificado nointeressa a Aristteles. In: On Potentiality. In: HAMACHER, Werner; WELBERY, David (ed.).
Potentialities. Traduo de Daniel Heller-Roazen. Stanford: Stanford University Press, 1999, p. 179.5 AGAMBEN, Giorgio. On Potentiality. In: HAMACHER, Werner; WELBERY, David (ed.).Potentialities. Traduo de Daniel Heller-Roazen. Stanford: Stanford University Press, 1999, p. 180
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Aristteles leciona que Impotncia ou impotente privao contrria a
essa potncia. Portanto, para a mesma coisa e segundo a mesma relao toda
potncia se contrape a uma impotncia.6Com efeito, Agamben compartilha do
mesmo entendimento e salienta que a compreenso da potencialidade demanda a
conceituao de impotencialidade, ou melhor, a potencialidade de no (adynamia) -, o
que, primeira vista, poderia parecer a contraparte negativa da potencialidade, mas
que, em sua doutrina, algo completamente distinto.
Assim, a potencialidade de no em Agamben no a ausncia de
potencialidade, mas aquilo sem a qual a essncia da prpria potencialidade, na sua
origem, no poderia ser pensada. Poder-se-ia dizer que ela a outra metade da
histria:
Por isso, para que, digamos, a potncia no se esvanea a cada vez
imediatamente no ato, mas tenha uma consistncia prpria, preciso que
ela possa at mesmo no passar ao ato, que seja constitutivamente
potncia de no (fazer ou ser)... Ela se mantm em relao com o ato na
forma de suspenso, pode o ato podendo no realiz -lo, pode
soberanamente a prpria impotncia.7
Por tal razo, a potencialidade de no ainda a prpria potencialidade,
porquanto indica a possibilidade de um acuamento positivo do ato. Isto porque se a
potencialidade fosse sempre a potncia de ser ou fazer, tudo que potencial j teria
sido necessariamente convertido em ato, j que no haveria a faculdade de no ser ou
no fazer, ou seja, todo potencial j teria sido trazido atualidade, e a potencialidade a
fortiori nunca existiria como tal: ... quem est de p dever ficar sempre de p e
quem estsentado dever ficar sempre sentado.8
Para melhor demilminar o raciocnio do seu pensamento, Agamben
trabalha com a ideia de existncia ou experincia da viso em relao escurido, no
6ARISTTELES.Metafsica. v. II, 2 ed. Traduo de Giovanni Reale. So Paulo: Edies Loyola, 2005,p.397.7
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Traduo de Henrique Burigo. BeloHorizonte: Editora UFMG, 2002, p. 52.8ARISTTELES. Metafsica. Op. cit., p. 403.
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sentido de que se a viso no fosse uma potencialidade na atualidade da luz, ns nunca
poderamos experimentar a escurido, visto que ns temos a potencialidade de no
ver, e, portanto, a possibilidade da privao da potencialidade da viso. E mais
adiante, ele aponta que:
Other living beings are capable only of their specific potentiality; they
can only do this or that. But human beings are the animals who are
capable of their own impotentiality. The greatness of human potentiality is
measured by the abyss of human impotentiality.9
Esclarecida a natureza da potencialidade enquanto igualmente potenza di
non (fare o essere), como se d, ento, a sua passagem10 realidade em Agamben? A
resposta reside tambm na interpretao da Metafsica de Aristteles, para quem,
...algo em potncia se o traduzir-se em ato daquilo de que se diz ser ele em
potncia no implica nenhuma impossibilidade.11Neste passo, podemos afirmar que
a leitura do ... no implica nenhuma impossibilidade ou "there will be nothing
impotential extremamente desafiadora.
Logo, se verdade que a impotencialidade referida por Aristteles a
potencialidade de no, que pertence prpria potencialidade, ento essa
impotencialidade deve passar igualmente ao ato, assim como o faz a potencialidade.
Destarte, o there will be nothng impotential em Agamben no deve ser entendido
como uma impotencialidade que ficou para trs porque se realizou a potencialidade
positiva, mas como uma impotencialidade que igualmente teve sua completa
realizao na travessia ao ato. nesse sentido que restar nenhuma impotencialidade.
Em outras palavras, a potenzaagambeniana, em que pese sua autonomia e
relao ao ato, sempre mantm uma relao com a impotencialidade na passagem
atualidade, razo pela qual a prpria atualidade aparece no simplesmente como um
9 AGAMBEN. Giorgio. On potentiality. In: HAMACHER, Werner; WELBERY, David (ed.).Potentialities. Traduo de Daniel Heller-Roazen. Stanford: Stanford University Press. 1999, p.182.10 Segundo Eduardo C. B. BITTAR, essa passagem (movimento) em Aristteles no meramentequantitativa (deslocamento), mas qualitativa (alterao), como aumento ou diminuio. In: Curso defilosofia aristotlica: leitura e interpretao do pensamento aristotlico. Barueri: Manole, 2003, p. 551.11ARISTTELES. Metafisica. Op. cit., p. 403; ou ".. uma coisa capaz de produzir determinado efeitoquando a sua passa gem da potencia ao ato nao envolve nenhuma impossibilidade". In: ARISTO'TELES.Metaffsica. Traduo de Leonel Vallandro. Porto Alegre: Editora Globo, 1969, P. 194 ou A thing is said
to be potential if, when the act of which it is said to be potential is realized, there will be nothingimpotential. In: AGAMBEN, Giorgio. On potentiality. In: HAMACHER, Werner: WELBERY, David(ed.). Potentialities. Traduo de Daniel Heller-Roazen. Stanford: Stanford University Press, 1999, p.183.
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sendo ou fazendo, mas como um no no-sendo e um no no-fazendo. Nesta esteira,
... o potente pode passar ao ato somente no ponto em que depe a sua potncia de
no ser (a sua adynama)12, e a atualidade aparece como uma negao da
impotencialidade ou a negao da negao.13
A partir desse ponto que Agamben exemplifica a relao entre ato e
potncia no processo de criao de uma obra:
O ato de criao no , na realidade, segundo a instigante concepo
corrente, um processo que caminha da potncia para o ato para nele se
esgotar, mas contm no seu centro um ato de descriao, no qual o que foi
e o que no foi acabam restitudos sua unidade originria na mente de
Deus, e o que podia no ser e foi se dissipa no que podia ser e no foi.14
Foroso concluirmos que, para Agamben, a potencialidade no desaparece
ou anulada na passagem a realidade, bem como na prpria realidade. Pelo contrrio,
ela se preserva como tal e, confundindo-se com o ato, torna-se dele indistinta. 15
Tal pensamento no pacificamente aceito pela doutrina. Para fins de
registro, GULLI entende que a interpretao agambeniana merece ser desenvolvida:
I do not disagree with this interpretation, but I think it need to be
qualified and developed. What Agamben is here pointing to is the modality
of the could, but he does not name it, for he begins this essay by asking:
What do I mean when I say: can, I cannot?, and he remains within the
framing of this question, within the can modality. Yet, as both Duns Scotus
and Deleuze show, it is from the perspective of the could, the open series
of disjunctions (or...or...or...or...), the plurality of possibilities, that true
potentiality become evident. The could allows for a could have, a
perfective, which is logically and ontologically forbidden to the can. This
12AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Traduo de Henrique Burigo.Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, p. 53.13Catherine MILLS. The philosopby of Agamben. McGill-Queen's University Press, 2008, p. 3.14AGAMBEN, Giorgio. Estncias: a palavra e o fantasma na cultura ocidental. Traduo de Sevino JoseAssmann. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007, p. 252.15Since, in addition, the passage from potentiality to actuality can be said to involve not the destructionof potentiality (as impotentiality) but rather its conservation, the distinction between potentiality and
actuality disappears... Rather than potentiality and actuality being distinct modes of being, then, they
enter a zone of indistinction. AGAMBEN, Giorgio. Whatever Politics. In: CALARCO, Matthew:DECAROLI, Steven (ed.). Giorgio Agamben: sovereignty and life. Stanford, California: StanfordUniversity Press, 2007, p. 76.
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could have, which neutralizes itself in determination, is what show forth in
Agamben's interesting interpretation of Aristotle's definition: this could
have is the impotentiality that 'does not lag behind actuality but passes
fully into it as such'... The essential relation between potentiality and the
potentiality not to is not a relation between two elements of an absolute
constitution - it is not an either/or - but rather, it is the open indeterminacy
that precedes the act, that can even neutralize the act.16
Para Bruno Giulli, todavia, a potencialidade entendida como uma
indeterminao entre possibilidade e atualidade, sendo que a potencialidade
agambeniana parece flutuar entre essas duas determinaes. E continua o crtico de
Agamben:
To cause what one is also able not to cause is certainly a definition, not
only of contingency, but also what Agamben calls the essence of
potentiality, that is, the relation between potentiality and potentiality not
to. Once the causing is accomplished and potentiality passes over into
actuality, the I can and I cannot of now becomes an I did and I could
have not; it is in this latter form that impotentiality also passes fully into
actuality and is preserved as such... All that this says is that we act in the
midst of absolute indeterminacy, in the neutrality or neither/nor of the
potential17
Verifica-se, desse modo, que a estrutura ontolgica do neither/nor18, ou
no/nem, ou non/n- como visto, uma absoluta indeterminao -, nomeia, portanto, o
conceito de potencialidade em Agamben. No por outra razo o pensamento de
Agamben enfatiza duas figuras fundamentais e conectadas: a estrutura do no/nem e o
conceito de exceo, sendo que, ao menos assim nos parece, na estrutura do
no/nem que a exceo encontra seu fundamento.
Como veremos abaixo, a estrutura da potencialidade corresponde quela
da operao da soberania em Agamben, pois, para o filsofo italiano, a fora
particular do soberano em relao exceo que ele se mantm indefinidamente em
16
GULLI, Bruno. Op. cit., p. 223.17GULLI, Bruno. Op. cit., p. 224.18GULLI, Bruno. Op cit., p. 220.
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sua prpria potencialidade, ou seja, sua prpria no-passagem atualidade. Isso
significa que o problema da soberania retoma a filosofia jurdico-poltica
ontologia19, porquanto The passage from potentialily to sovereignty is accomplished
through the structure of exception20. E essa conceituao de potencialidade que
possibilitar a compreenso da dupla figura da exceo: o potere sovrano e la nuda
vita.21
19To understand sovereignty and the sovereign ban, then, it is necessary to think potentiallity withoutany relation to actuality. The long-standing distinction between potentiality and actuality must be
abandoned, and instead a potentiality must be conceived as a form of actuality and vice versa .EDKTNS, Jenny. Whatever Politics. In: CALARCO, Matthew; DECAROLI, Sieven (ed.). GiorgioAgamben: sovereignty and life. Stanford, California: Stanford University Press, 2007, p 77.20GULLI, Bruno. Op. cit.. p. 225.21 Segundo JENNY EDK1NS, o banimento soberano e a estrutura da potencialidade so intimamente
relacionadas uma vez que, assim como o banimento soberano se aplica a exceo ao no mais se aplicar,a potencialidade mantm-se em relao com a atualidade por meio de sua habilidade de no ser. Op. cit.,
p. 76.