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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação - 1 - A ORGANIZAÇÃO TÓPICA EM CONVERSAS INSTANTÂNEAS Monia Cavalcanti de Souza 1 (SEDUC-PE) Resumo: No sentido de ampliar as discussões acerca dos gêneros digitais e especialmente aprofundar estudos já iniciados sobre o gênero chat, o presente trabalho pretende descrever o gênero chat, mostrar a complexidade na estruturação tópica que o gênero apresenta e discutir as estratégias de construção textual em conversas instantâneas, analisando o papel da organização tópica para a continuidade temática do texto. Palavras-chave: Organização tópica, chat, gêneros digitais. Abstract: In order to broadening the discussions about digital genres, specially that ones related to chat, this paper intends to describe chat as a genre, to show the complexity involved in its topical organization and to discuss the strategies of textual construction, analysing the role of the topical organization in the thematic continuity of a text. Keywords: topical organization, chat, digital genres. Introdução Uma abordagem da organização textual-interativa em ambiente virtual requer um minucioso trabalho na análise dos dados, dada a complexidade de fatores envolvidos na comunicação humana em qualquer situação. Porém, no ambiente virtual essa tarefa torna-se ainda mais árdua, uma vez que a comunicação apresenta elementos tanto na modalidade oral quanto na escrita da língua e este fenômeno se configura de maneira peculiar no contínuo de gêneros na comunicação digital mediada por computador1, pois encontramos a quase simultaneidade entre a elaboração e a manifestação do discurso. Ainda que este seja posto de forma escrita, não podemos questionar a grande velocidade dos diálogos nos ambientes virtuais que chegam a ser bem próximos aos diálogos presenciais. Segundo Marcuschi (2008), “os bate-papos virtuais ocupam a base que 1 Marcuschi,L. A. PRODUÇÃO TEXTUAL, ANÁLISE DE GÊNERO E COMPREENSÃO, São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

A ORGANIZAÇÃO TÓPICA EM CONVERSAS INSTANTÂNEAS … · 1 Marcuschi,L. A. PRODUÇÃO TEXTUAL, ANÁLISE DE GÊNERO E COMPREENSÃO, São Paulo: Parábola Editorial, 2008. Universidade

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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação

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A ORGANIZAÇÃO TÓPICA EM CONVERSAS INSTANTÂNEAS

Monia Cavalcanti de Souza1 (SEDUC-PE)

Resumo: No sentido de ampliar as discussões acerca dos gêneros digitais e especialmente aprofundar estudos já iniciados sobre o gênero chat, o presente trabalho pretende descrever o gênero chat, mostrar a complexidade na estruturação tópica que o gênero apresenta e discutir as estratégias de construção textual em conversas instantâneas, analisando o papel da organização tópica para a continuidade temática do texto. Palavras-chave: Organização tópica, chat, gêneros digitais. Abstract: In order to broadening the discussions about digital genres, specially that ones related to chat, this paper intends to describe chat as a genre, to show the complexity involved in its topical organization and to discuss the strategies of textual construction, analysing the role of the topical organization in the thematic continuity of a text. Keywords: topical organization, chat, digital genres.

Introdução

Uma abordagem da organização textual-interativa em ambiente virtual

requer um minucioso trabalho na análise dos dados, dada a complexidade de

fatores envolvidos na comunicação humana em qualquer situação. Porém, no

ambiente virtual essa tarefa torna-se ainda mais árdua, uma vez que a

comunicação apresenta elementos tanto na modalidade oral quanto na escrita da

língua e este fenômeno se configura de maneira peculiar no contínuo de gêneros na

comunicação digital mediada por computador1, pois encontramos a quase

simultaneidade entre a elaboração e a manifestação do discurso. Ainda que este

seja posto de forma escrita, não podemos questionar a grande velocidade dos

diálogos nos ambientes virtuais que chegam a ser bem próximos aos diálogos

presenciais. Segundo Marcuschi (2008), “os bate-papos virtuais ocupam a base que

1 Marcuschi,L. A. PRODUÇÃO TEXTUAL, ANÁLISE DE GÊNERO E COMPREENSÃO, São Paulo: Parábola

Editorial, 2008.

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em certo sentido corresponde à situação da comunicação face a face, com diversas

possibilidades apontadas em relação a serem comunicações grupais ou

interindividuais.”

O objetivo deste trabalho é discutir as estratégias de construção textual em

conversas instantâneas, analisando o papel da organização tópica para a

continuidade temática do texto. O texto é aqui entendido como “evento

comunicativo para o qual convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas”,

segundo Marcuschi (2008). Todo evento comunicativo e social tem um produtor que

mobiliza variados meios para transmitir a seu interlocutor suas ideias, seu modo de

percepção do mundo, sua ideologia. Para tanto, ele se vale de mecanismos que

corroboram para trazer ao texto o efeito desejado. Um desses elementos é a

organização tópica.

Por sua natureza interativa, a conversa instantânea nos parece um Corpus

interessante e atual para a observação de vários tipos de organização tópica. Para

tal investigação, observaremos duas conversas de MSN.

As análises realizadas neste trabalho buscarão esclarecer a configuração

interna das conversas instantâneas, observando como os interlocutores tentam

estabelecer um tópico discursivo em ambiente virtual. Embora, em muitos

momentos, essa organização não pareça evidente, constataremos que ela de fato

existe, mas funciona com características diferentes da organização de uma

conversação face a face. Observaremos ainda a importância do uso de recursos

linguísticos, extra linguísticos e hipertextuais numa conversa mediada por

computador.

Com esse objetivo, o estudo da organização tópica das conversas

instantâneas aqui desenvolvido pretende:

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1. Identificar as unidades tópicas (a noção de tópico aqui adotada, tal como

sugerido por Brow & Yule, 1983 apud Marcuschi, 2008) seria aquilo sobre

o que se está falando no discurso;

2. Observar aspectos relevantes na constituição do discurso na interação

virtual como, por exemplo, como se dá a troca de turnos, como ocorrem

as trocas de tópicos, e especialmente observar como se estabelece a

compreensão quando ocorrem falhas na continuidade tópica;

3. Finalmente, tentaremos esboçar os traços característicos de cada

organização tópica para que possamos verificar a formação de vários

tipos de combinações da estrutura tema-rema, para observar como se dá

a organização tópica nesse gênero digital.

Justificativa

Alguns autores como Batista (1998), Xavier & Santos (2000, 2000a), Komesu

(2001), Abreu (2002), Marcuschi (2002, 2002a) e Araújo (2002) 2 tem se ocupado em

produzir estudos acerca dos gêneros digitais. Contudo, a literatura linguística

abordando gêneros digitais ainda é escassa no Brasil, talvez pelo caráter emergente

dos gêneros e pela velocidade do surgimento de novos gêneros na esfera digital.

No sentido de ampliar as discussões acerca dos gêneros digitais e

especialmente aprofundar estudos já iniciados sobre o gênero chat. O presente

trabalho pretende descrever o gênero chat e mostrar a complexidade na

estruturação tópica que o gênero apresenta.

A progressão textual, como diz Koch (2006), está intimamente ligada a dois

grandes movimentos, um de retroação e outro de prospecção. Esses movimentos

são comparados por esta autora à ação de tricotar, ou seja, para a composição da

tessitura textual, necessitamos realizar repetidos movimentos de avanço e recuo

para que falante e ouvinte estabeleçam uma conversação estruturada e coerente.

2 In Araújo (2003, p. 14)

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Mas discutir a organização tópica em ambiente virtual nos faz refletir sobre

alguns aspectos relevantes na conversa, vejamos:

“... a relação de interdependência entre os turnos pode ser movida pela preocupação dos falantes em se entrosarem, procurando manter a conversação em torno de um conjunto de referentes comuns, que se

constituem como foco da interação verbal.” (JUBRAN et al. 2002)

Deste modo, a proposta de pesquisa aqui apresentada é importante na

medida em que discute as mudanças na organização tópica ocorridas em ambiente

virtual, pois temos outro modo de interação e com isso novas formas de

estruturação tópica. Uma vez que o ambiente virtual nos garante outras

possibilidades como a própria linguagem diferenciada, o internetês, sem falar nos

emotions, links, músicas e tudo mais que pode permear uma conversa instantânea

na WEB.

O presente trabalho visa ainda contribuir para a Linguística confirmando o

caráter interativo da linguagem, enfocando a importância do estudo da organização

tópica do discurso de natureza escrito-dialogada. Tendo em vista que o texto

produzido nesse ambiente apresenta características específicas a serem

observadas.

Referencial teórico

Análise da conversação

Estudiosos como Sacks, Schegloff e Schiffrin3 que iniciaram os estudos da

conversação e se dedicaram a observar as características constitutivas desse

gênero, nos fornecem elementos essenciais para pensar sobre essa nova estrutura

da conversa, o bate-papo on line.

3 In Marcuschi (2003)

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Marcuschi (1986, p. 15) elenca cinco características básicas que constituem a

organização elementar da conversação, são elas:

(a) Interação entre pelo menos dois falantes, de modo que não possa

caracterizar outros gêneros, como o monólogo, por exemplo;

(b) Ocorrência de pelo menos uma troca de falantes;

(c) Presença de uma sequencia de ações coordenadas;

(d) Execução numa identidade temporal significa que a interação, mesmo em

espaços diferentes, precisa ocorrer durante o mesmo tempo;

(e) Envolvimento numa “interação centrada”, ou seja, para caracterizar uma

conversação é fundamental que exista algo sobre o que conversar.

Diante dessas características básicas da conversação, partiremos dos estudos

de Sacks, Schegloff e Jefferson41974 que estruturaram um modelo elementar para

conversação, baseados no sistema da tomada de turno. Esta ideia consiste numa

regra básica de toda a conversação que seria “cada um fala em sua vez” e

sugeriram algumas técnicas para seu funcionamento. Esse sistema seria válido para

interações espontâneas, informais e sem hierarquia de falantes. Assim, as

conversações seguiriam algumas condições, são elas:

(a) A troca de falantes recorre ou pelo menos ocorre;

(b) Em qualquer turno, fala um de cada vez;

(c) Ocorrências com mais de um falante por vez são comuns; longas pausas e

sobreposições extensas são a minoria;

(d) Transições de um turno a outro sem intervalo e sem sobreposição são

comuns; longas pausas e sobreposições extensas são a minoria;

(e) A ordem dos turnos não é fixa, mas variável;

4 Ibdem

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(f) O tamanho do turno não é fixo, mas variável;

(g) A extensão da conversa não é fixa nem previamente especificada;

(h) O que cada falante dirá não é fixo nem previamente especificado;

(i) A distribuição dos turnos não é fixa;

(j) O número de participantes é variável;

(k) A fala pode ser contínua ou descontínua;

(l) São empregadas diversas unidades construidoras de turno: lexema,

sintagma, sentença etc.;

(m) Certos mecanismos de reparação resolvem falhas ou violações nas

tomadas.5

Estas condições fazem da tomada de turno um elemento essencial para toda

conversação, no entanto, não tomaremos aqui o turno como unidade central para

nossa investigação. Enquanto na conversação face a face a tomada de turno é mais

complexa, pois, determinar o momento propício para que ocorra a troca de turno,

nem sempre é fácil.

Na interação virtual, as trocas de turno geralmente ocorrem quando

recebemos a mensagem. Isso não significa que essas trocas ocorram sem problemas

no meio virtual. O que acontece é que a tomada de turno obedece a padrões um

pouco mais simples que os da interação face a face. Uma das razões que justifica

tal afirmação seria a de que o próprio ambiente virtual favorece a regra geral e

prática da conversação que é: “fala um de cada vez”6. Em geral, na conversação

face a face um falante espera o outro concluir, mas em alguns momentos falam

todos ao mesmo tempo, na conversação mediada por computador, isso não ocorre7.

Marcuschi sugere uma distribuição de turnos num esquema linear e

sequenciado, que poderia ser esquematizado da seguinte forma:

5 In Marcuschi (1986, p.18)

6 Marcuschi (1986, p.19)

7 Ver capítulo II

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A: fala e pára;

B: toma a palavra, fala e pára;

A: retoma a palavra, fala e pára;

B: volta a falar e pára;

Há ainda as pausas e hesitações que em conversas face a face tomam a

forma de lacunas ou interrupções e não são poucas as vezes que essa regra é

violada, como diz Marcuschi (1986) “Seja como for, a regra básica é válida para a

maioria das línguas, culturas e situações.” De fato, pois notamos que essa “regra”

funciona muito bem em conversas virtuais.

Observando as características do sistema de turnos proposta por Sacks,

Schegloff e Jefferson, Marcuschi (1996) conclui que todas elas, direta ou

indiretamente, têm a ver com as estratégias de organização de turnos. Assim, o

turno seria uma das unidades centrais da organização conversacional. Deste modo,

a tomada de turno, por caracterizar a passagem de um turno a outro adquire um

papel fundamental na conversação.

Segundo Sacks, Schegloff e Jefferson8 a tomada de turno não se dá

caoticamente, mas obedece a regras, que segundo os teóricos citados apresentam

a seguinte estrutura:

Técnica I – O falante corrente escolhe o próximo falante, e este toma a

palavra iniciando o próximo turno.

Técnica II – O falante corrente para e o próximo falante obtém o turno pela

auto-escolha.

Marcuschi (1986) ressalta que o mecanismo que governa a tomada de turno é

um sistema localmente comandado, tendo um caráter essencialmente contextual.

8 In Marcuschi (1986).

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Por isso, o modelo aqui apresentado, baseado na cultura norte-americana, não

pode servir de orientação para outra cultura.

O modelo sugerido parece óbvio, já que a estruturação da conversação em

turnos ocorre com naturalidade. No entanto, analisar a operacionalização desse

sistema é um pouco mais complexo. Uma vez que, tanto a extensão do turno

quanto a progressão temática são regida por outras regras que não são

necessariamente a tomada de turno. Quando temos, por exemplo, mais de três

participantes, ocorre um fenômeno que Sacks, Schegloff e Jefferson9 chamam de

cisma gerando conversações paralelas. Esta possibilidade torna-se sistemática

quando há mais de quatro participantes.

Contudo, ao analisarmos a conversação virtual, encontramos também uma

série de fenômenos muito semelhantes aos que ocorrem na interação face a face. A

cisma, por exemplo, acontece com frequência, uma vez que o ambiente das

conversas on line propiciam esse fenômeno. Quanto às semelhanças com a

conversação face a face, é certo que, no ambiente virtual dispomos de mais

tempo, uma vez que podemos corrigir um equívoco ou outro antes de enviar a

mensagem. Isso não significa que o interlocutor receberá a mensagem sem falhas,

pois o tempo é um pouco maior que na interação face a face, mas muito menor que

dos outros meios de comunicação escrita, já que o interlocutor espera resposta

imediata.

Tendo em vista esta breve caracterização da conversação, passemos as

teorias que analisam de maneira mais detalhada alguns fenômenos da Organização

sequencial da conversação.

Caracterização dos chats

Concordamos com Araújo (2003) quando diz que o chat é um gênero que se

formou da transmutação do diálogo cotidiano (face a face) para uma esfera mais

9 Ibdem

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complexa, que é a Web. Alguns autores, como Marcuschi (2008), resistem a essa

classificação e caracterizam o chat como limítrofe da carta e uma variação do

telefonema. Embora, não possamos negar a existência de semelhança entre os

gêneros, sabemos que chat e o telefonema acontecem em condições de produção e

suportes físicos diferentes. Além disso, como afirma Araújo (2003), o chat usa

características da língua oral e escrita imbricadamente, enquanto o telefonema só

dispõe da oralidade.

Alguns autores como Fonseca e Marcuschi citados por Araújo (2003, p. 72),

formulam terminologias para classificação chats. Fonseca (2002) divide os chats em

três grupos: as videoconferências, os voice chats e os chats de texto. Nos chats

chamados de videoconferência, os participantes têm acesso ao som da voz e à

imagem uns dos outros. Os voice chats também oferecem acesso à voz, mas não a

imagem. Quanto aos chats de texto, a autora propõe três subclassificações: os

chats de texto livre, os chats de texto moderado e os chats de texto especial.

No primeiro o tema é livre e não apresenta moderador (alguém que faz a triagem

das mensagens). No segundo existe a presença do moderador e o tópico são

predefinidos. Já no terceiro, além de contarem com a presença de um moderador e

tópico predefinidos, ainda possui data e horário preestabelecidos.

Marcuschi (2002a) sugere cinco tipos distintos de chats: bate-papo virtual

aberto, bate-papo virtual reservado, bate-papo virtual ICQ10 (agendado), bate-

papo virtual em salas privadas e bate-papo virtual educacional. Adotaremos esta

classificação, mas entenderemos o bate-papo virtual reservado como MSN.

Como se organizam as sequências nas conversações on-line

A conversação espontânea apresenta normalmente turnos alternados, que

formam sequências em movimentos coordenados e cooperativos e algumas dessas

10

In Araújo (2003, p. 57) encontramos maiores informações sobre esses chats. A sigla ICQ faz alusão à

pronúncia da expressão inglesa I seek you ( aiciquiu), que seria equivalente a “eu procuro você”.

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sequências apresentam padrões de estruturação aos quais Schegloff 11 chamou de

pares adjacentes.

Esses pares adjacentes ou conversacionais é uma sequência de dois turnos e

tem por fim a organização local da conversação. Segundo Marcuschi, esses pares

apresentam uma coocorrência obrigatória, que dificilmente pode ser adiável, como

no caso dos cumprimentos. Observe:

A: oi Maria

B: oi Flávia

No entanto, quando observamos este fenômeno nas interações virtuais,

encontramos indícios de uma ruptura, ou melhor, encontramos um outro modo de

processamento desse tipo de organização. É o caso de K e R abaixo:

K .- http://blogkeylla.blogspot.com/ diz:

[c=6][b]R.[/b][/c] diz: oi mulher

K. - http://blogkeylla.blogspot.com/ diz: essa tu foto tá linda! se der fala com mais gente da nossa época

[c=6][b]R.[/b][/c] diz: vou ver se mando uns recados mas vamo falar com a galera de lá, pra ver como será a recepção

Como pudemos notar, o espaço em branco serviu como cumprimento, pois a

conversa começa exatamente nesse momento e assim que o interlocutor percebe a

mensagem vazia, responde como se houvesse a primeira parte do cumprimento.

11

In Marcuschi (1986, p. 35)

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Elementos de progressão textual

Os processos de construção textual envolvem uma complexidade de eventos

que nos colocam diante da difícil tarefa de eleger um ou outro aspecto a ser

discutido. Contudo não podemos perder de vista dois grandes processos de

ordenação textual: retroação e prospecção ou os movimentos de avanço e recuo,

de acordo com Koch (2003, p.121). A progressão textual tem a ver com esses

procedimentos que possibilitam a sequenciação entre os elementos do texto.

Segundo Jubram et al. (1996, p.361-365), a progressão tópica seria uma

porção do texto caracterizada por dois elementos básicos: centração e

organicidade.

A centração seria a unidade definidora do tópico e dentro de seu escopo

estaria à concernência, a relevância e a pontualização. A primeira ligada à

relação mútua de dependência semântica entre os enunciados; a segunda seria o

elemento de maior importância dentro do conjunto de referentes determinados no

segmento textual e a pontualização é a possibilidade de destacar desse conjunto

de referentes o ponto em que o evento focal aparece com maior evidência, através

das marcas linguístico-discursivas. Considerando a opinião dos autores seria

possível desenvolver vários temas e com isso vários tópicos num único texto e

dentro desse evento observar a organicidade expressa nas relações de assuntos em

quadros tópicos. Sendo assim, podemos observar como acontece a distribuição

desses quadros em conversas instantâneas.

Segundo Jubram et al (1996,p.363-366), a organicidade é observada através

da articulação entre um tópico e a sequência discursiva. Seria, então, a

organicidade baseada em dois níveis: no plano hierárquico (vertical) e no

sequencial (linear). No nível linear, teríamos dois segmentos: a continuidade e a

descontinuidade, de modo que no primeiro a abertura de um tópico só seria

iniciada após o fechamento do tópico anterior e o segundo seria caracterizado pela

quebra dessa linearidade, pois o tópico ainda não finalizado apresenta-se em

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partes no decorrer do texto. Já no plano hierárquico, a coerência se constrói pela

sobreposição de tópicos, ou melhor, pela subdivisão de tópicos, supertópicos e

subtópicos, de modo que o sentido se dá no nível vertical, já que no quadro tópico

a coerência se constrói à medida que subimos na hierarquia tópica. “Dessa forma,

cada nível hierárquico é recoberto por um superior e constituído por um inferior,

sendo que os limites dos diversos níveis são dados pelo grau de abrangência do

assunto em foco”, Koch (2003, p.129). Diante disso, podemos observar outros

modelos de organização tópica.

A Progressão temática

As relações entre os segmentos textuais como, já dissemos, se dá

basicamente em dois níveis (hierárquico e sequencial), mas o estabelecimento da

articulação no interior do enunciado tem como objeto central a ligação tema-rema

que influi diretamente na organização tópica do texto.

Segundo Marcuschi (2008), o tópico discursivo não seria um dado, uma

informação apenas, mas uma construção realizada interativa e negociadamente.

Assim, em qualquer interação verbal espontânea entre indivíduos em qualquer

situação da vida diária, apesar de alguém sempre propor um tópico, este alguém

nunca terá a certeza de conduzir o tópico até o final por conta própria, pois

sempre haverá que contar com a participação do outro. Marcuschi diz ainda, que

quando se analisa o tópico discursivo, não se trata de uma simples análise de

conteúdo, mas dos procedimentos para encadear os conteúdos

Nesta perspectiva, adotaremos a noção de tópico discursivo como tema

discursivo, como os “abautness” de que falam Brown & Yule (1983)12. Eles formam

um conjunto demarcado sobre o que se está falando no discurso. Assim, o processo

de centração, constitui, ao lado de outros dois processos, a organicidade e

delimitabilidade a base da noção do tópico Discursivo (TD).

12

In Marcuschi (2008)

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O tópico decorre de um processo que envolve colaborativamente os participantes do ato interacional na construção da conversação, assentada num complexo de fatores contextuais, entre os quais as circunstâncias em que ocorre o intercâmbio verbal, o conhecimento reconhecimento recíproco dos interlocutores, os conhecimentos partilhados entre eles, sua

visão de mundo, o background de cada um em relação ao que falam, bem como suas pressuposições. (JUBRAN et al. 1992,p.344)

Contudo, observaremos também, outro modelo de estruturação tópica,

proposta por Heinemann & Viehweger (1991)13que se baseava na perspectiva

funcional da frase. Nessa perspectiva, a estrutura frasal compreende que os textos

estariam organizados à semelhança das frases. Os termos mais utilizados nesta

teoria seriam tema e rema. Segundo Koch (2003, p.124), “A informação temática é

normalmente dada, enquanto a remática constitui, em geral, informação nova”.

Mesmo constituindo uma perspectiva limitada e redutora do texto, esta visão

de tópico, pode contribuir para evidenciar que a progressão textual acontece em

suas subunidades de maneira ordenada e não caótica.

Desse modo, é possível usar vários tipos de combinações na articulação

tema-rema (progressão com tema constante, progressão linear, progressão por

subdivisão do rema, progressão com salto temático).

Tema constante

Na progressão por tema constante, a articulação tema-rema deve apresentar

informações que completem a informação inicial gradativamente para que o texto

mantenha uma progressão sequencial (linear).

De acordo com Koch (2003, p.125), a organização da progressão textual tem

a ver com o tipo de texto produzido, a modalidade (oral ou escrita) utilizada e com

os propósitos e atitudes do produtor.

13

Ibdem

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Pensando nisso, compreendemos que a progressão com tema constante não é

privilegiada na construção de conversas mediadas por computador, pois o processo

dessa organização tópica limita o assunto e exige uma ligação direta e gradual

entre os segmentos do texto.

Isso não significa, porém, que a progressão por tema constante não deva ser

usada em partes significativas das conversas, pois, conforme Koch (2003, p.125): “É

preciso ressaltar que dificilmente se encontra em um texto um único tipo de

comentário tema-rema. Eles se combinam para dar ao texto a organização

desejada”.

Progressão por subdivisão do rema

Esse tipo de organização tópica caracteriza-se por introduzir informações

novas na sequência textual. A cada rema apresentado, há um retorno para que o

assunto seja aprofundado. Isso que faz com que haja sempre coerência entre os

segmentos do texto.

Progressão por Salto Temático

A progressão com salto temático é comum a vários tipos de textos e pode ter

um importante papel nas conversas instantâneas, pois permite que o texto progrida

sem que haja quebra da sequência textual. A introdução de rema não exige uma

progressão do tema. Essa possibilidade faz com que o escritor realize construções

em que a ligação tema/rema não seja afetada. Na verdade, nesse tipo de

progressão toda a informação conhecida é usada com o objetivo de preparar o

interlocutor para a entrada do rema.

O emprego de articuladores é também garantia de continuidade temática, na medida em que ficam explicitadas as relações entre os segmentos textuais que interligam, quer as de tipo lógico-semântico, quer as de caráter discursivo-argumentativo. KOCH (2003, p.128)

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A Progressão tópica

Um texto compõe-se de uma rede de informações que direta ou

indiretamente relacionam-se com o tema ou tópico discursivo. Já foram

mencionados alguns exemplos das diferentes organizações entre os segmentos

textuais e que essa relação se dá no âmbito da articulação tema-rema.

Quanto à organicidade, temos que levar em conta a natureza das

articulações entre um tópico e os outros dentro da sequência discursiva. A

organicidade reflete uma relação hierárquica entre os tópicos textuais, pois está

dividida em dois segmentos: a continuidade e a descontinuidade. Segundo Koch

(2003, p.130), a continuidade pode se ligar ao tópico de duas formas - no nível

sequencial ou hierárquico, como já dissemos anteriormente - mas para que haja a

continuidade tópica, é preciso que não ocorram rupturas definitivas ou muito

prolongadas do tópico em andamento. Então, se o produtor do texto decidir

realizar digressões ou interrupções, faz-se necessário o uso de algum tipo de

justificativa para que o sentido do texto não seja comprometido.

Passaremos agora a explorar os aspectos mais abrangentes da progressão

tópica que se caracteriza pela centração e organicidade, conceitos já explicitados

anteriormente. A partir do corpus escolhido, classificaremos essas propriedades

definidoras do tópico.

Falas simultâneas e sobreposições

Após descrevermos e analisarmos as semelhanças entre o bate-papo virtual e

a conversação face a face, passaremos à análise da organização tópica da

conversação virtual.

Na interação on line ocorre um fenômeno que se assemelha ao que acontece

na interação face a face no momento em que todos falam ao mesmo tempo. Ocorre

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que, enquanto um interlocutor está comentando o tópico anterior, o outro

interlocutor já inicia outro tópico e a mensagem parece sem sentido, uma vez que

não há relação entre os enunciados. Observe:

174- Cris diz (21:36):

minha linda

flor do meu jardim

preciso ir agora 175- Sté diz (21:36):

Ok

176- Cris diz (21:36):

o sono tá acabando comigo 177- Sté diz (21:36):

amanha é dia

178- Cris diz (21:36):

amanha estarei aqui

dia de me ferrar* 179- Sté diz (21:36):

cmg tbm tava

No segmento 174 uma das interlocutoras inicia a despedida e em 176 explica

o motivo da finalização da conversa, “o sono tá acabando comigo”. Enquanto a outra

interlocutora (Sté), no segmento 177, completa o segmento anterior, afirmando

que deveriam se despedir, pois o dia seguinte seria de trabalho “amanha é dia”.

Mas, no segmento 178, percebemos que a interlocutora (Cris) ainda não havia

concluído o enunciado e na mesma mensagem completa sua ideia e responde ao

segmento 177.

Notamos neste caso, uma forte evidencia do fenômeno que ocorre na

conversação face a face: as falas simultâneas e sobreposições. No momento em

que ocorre a fala simultânea, na interação face a face, alguns mecanismos

reparadores entram em ação, como os marcadores metalinguísticos: “espera aí”,

“deixa eu falar”, “é a minha vez”. Segundo Marcuschi (1986, p. 25) um dos casos

mais comuns de sobreposições de vozes é o que se dá na passagem de um turno a

outro. No caso das conversas on line, como a tomada de turno é feita toda vez que

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o interlocutor envia a mensagem, percebemos muitas mensagens enviadas ao

mesmo tempo, o que caracterizaria a sobreposição.

Pausas, silêncios e o uso do “ooow”

Assim como a tomada de turno e as sobreposições ganham uma configuração

diferente no ambiente virtual, também as pausas ou silêncio, são organizadores

importantes, podendo configurar inúmeras possibilidades de significação. Vejamos:

Ex. 1

62- Cris diz (20:08):

pq meu msn é mto recente

63- Sté diz (20:08):

64- Cris diz (20:08):

daí tow mandando direto as mensagens e elas voltam

Ex. 2

77- Sté diz (20:15):

só acreditei pq t conheco

essa p*

bastou ficar online

q deu essa zica

78- Cris diz (20:15):

79- Sté diz (20:16):

alguém me mandou

e eu fui "fisgada"

80- Cris diz (20:17):

uauuu amiga, tow a fim de bjar

Ex. 3

121- Sté diz (20:58):

quero comprar todos e montar um salao

posso nao ficar rycha

mass

terei uma manicure quase particular pra passar essas lindezas nas nails

122- Cris diz (20:58):

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123- Sté diz (20:59):

hahaha

tou quase igual o kra da paida

Ex. 4 188- Cris diz (21:37):

vai ver se eu tow na eskina

189- Sté diz (21:37):

190- Cris diz (21:37):

inté amanha 191- Sté diz (21:37):

Inté

192- Cris diz (21:37):

bjoooo e se cuida aí 193- Cris diz (21:38):

com esses esmaltes suspeitos

194- Sté diz (21:38):

ooow

Na conversação face a face, em geral, as hesitações ou pausas servem como

momentos de organização e planejamento interno do turno e dão tempo ao falante

de se preparar. Marcuschi (1986) explica que reduplicação de artigos, de

conjunções ou mesmo de sons não lexicalizados como “ah ah ah” ou “ ah eh”,

entre outros. Às vezes funcionam para o ouvinte como um pedido de socorro. Nas

conversas on line, esses sons foram substituídos por outros como no segmento 194

“ooow”, que possui um significado muito amplo, pois é usado em várias situações,

indicando às vezes concordância, outras ênfase ou ironia. Enfim, trata-se de uma

expressão carregada de significado, que nas conversas on line funciona como um

verdadeiro leque de possibilidades.

Quanto aos espaços em branco dos segmentos 63, 78 e 169, poderíamos

classificá-los como simples equívocos dos interlocutores que enviaram mensagens

vazias. No entanto, a recorrência do fenômeno e as situações em que ocorrem nos

fazem refletir sobre a intenção do interlocutor no momento em que utiliza tal

recurso. Nas conversas face a face, o silêncio pode significar que o interlocutor não

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concorda com enunciado proferido, ou pode ser tomado como um turno, entre

outras possibilidades. Na conversação virtual, a mensagem em branco equivale ao

silêncio da conversação face a face e também se configura como um turno. Em

algumas situações, a mensagem em branco pode significar um simples equívoco do

interlocutor, e algumas vezes, pode haver a intenção de ter um sentido retórico,

quando acompanhado de perguntas que não exigem resposta.

Reparações e correções

Na conversação face a face, tudo que se faz é definitivo. Assim, passamos a

corrigir a nós mesmos ou aos outros através de processos que se convencionou

chamar de mecanismos de correção. De acordo com os estudos de Sacks, Schegloff

e Jefferson14, há a seguinte tipologia geral para o mecanismo da correção:

a) Autocorreção iniciada: é a correção feita pelo próprio falante, logo após

a fala;

b) Autocorreção iniciada pelo outro: é a correção feita pelo falante, mas

estimulada pelo seu parceiro;

c) Correção pelo outro e autoiniciada: o falante inicia a correção, mas

quem o faz é o parceiro;

d) Correção pelo outro e inicada pelo outro: o falante comete a falha e

quem corrige é o parceiro.

É certo, que quando escrevemos dispomos de mais tempo e podemos voltar

atrás, corrigir os equívocos, eliminando o que é desnecessário, enfim, polindo o

texto. No entanto, nas conversas on line, mesmo utilizando o recurso da escrita,

não contamos com tempo suficiente para trabalhar o texto. Então, encontramos

muitos dos recursos utilizados nas correções de conversas face a face. Porém, o

14

Apud Marcuschi (1986, p. 29)

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recurso mais utilizado é a autocorreção iniciada, pois, geralmente, o próprio

interlocutor faz a correção. Observe:

Ex. 1

1- Sté diz (20:02):

me enchia o sacao

saco*

mas, enfim

Ex. 2

152- Sté diz (20:53):

mass

até pelas fotos dápraver q é pikebno

pikeno*

Organização tópica

Até aqui já pudemos observar que uma conversação não é formada

aleatoriamente, mas organizada por estratégias de formação e coordenação.

Concordamos com Marcuschi (1986) quando diz que é a natureza do funcionamento

desta coordenação que é problemática, uma vez que se dá cooperativamente e não

por decisão unilateral.

Segundo Coulthard (1977 apud Marcuschi 1986, p.77), quando falamos em

organização tópica, a primeira questão a decidir é que tipo de coisas podem formar

tópicos na conversação, pois de acordo com Marcuschi, a conversação seria

marcada pelo que ele chama de princípio da parcimônia, que diz não ser

conveniente falar aquilo que se supõe sabido pelo parceiro. O autor explica

também, que uma conversação fluente é aquela em que a passagem de um tópico

a outro se dá com naturalidade, mas reconhece que é comum a passagem de um

tópico a outro ser marcada.

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Na segmentação do primeiro corpus15, encontramos 194 segmentos,

geralmente curtos. Entre os segmentos, há os que juntos formam um único tópico,

pois como a conversação on line exige velocidade, na digitação do caracteres, o

tópico é subdividido para permitir maior dinamicidade ao diálogo. Esta primeira

conversa acontece entre duas estudantes do ensino médio, cuja faixa etária está

entre 17 e 19 anos. O que as coloca dentro do grupo da Gnet (geração nascida na

Era da Internet), o que propicia grande desenvoltura das interlocutoras no

ambiente virtual. A conversa está repleta de links que completam o sentido dos

tópicos em discussão, pois em muitos momentos esses links constituem o próprio

tópico discursivo.

No que diz respeito à progressão da conversação, dois fenômenos básicos caracterizam a distribuição de tópicos na linearidade discursiva: a continuidade e a descontinuidade. A continuidade decorre de uma organização sequencial dos segmentos tópicos, de forma que a abertura de um apenas se dá após o fechamento do outro, precedente. A

descontinuidade se define, então, ou pela suspensão definitiva de um tópico, ou pela cisão de um tópico em partes, que se apresentam de forma não adjacente na linearidade discursiva, em decorrência da intercalação de segmentos não atinentes ao tópico cindido. (JUBRAN et al. 1992, p.346)

Vejamos esta sequência conversacional ( corpus 1):

10- Sté diz (19:14):

omeu tá sem limite

ia ficar na vontade

kk

tas no meebo?

pq tas com fto

11- Cris diz (19:15):

tô usando a versão super ultra megar hiper atual do msn

o 7.0

acredito q até o final desse mês eu consiga baixar o msn atual...

15

Ver anexos-chat 1

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viu o vídeo

vê aí

http://www.youtube.com/watch?v=cdg4Exd4wcc#

12- Sté diz (19:16):

qual video?

13- Cris diz (19:16):

tais vendo o link?

14- Sté diz (19:16):

Sim

15- Cris diz (19:17):

Assista

Podemos facilmente observar a descontinuidade no discursivo das

interlocutoras, pois no segmento 10 a interlocutora (Ste) conta o episódio da perda

de seu cartão de crédito, na verdade, há uma troca de cartões por engano. Logo

em seguida, a outra interlocutora abandona o tópico anterior e passa a comentar

sobre seu novo programa de mensagens instantâneas e envia um vídeo que passa a

ser o novo tópico conversacional. Essa descontinuidade na linearidade discursiva

não atrapalha em momento algum a compreensão da conversação, mesmo porque

essa descontinuidade está presente em muitas partes da conversa. Isso significa

que a conversação é fluente, pois a passagem de um tópico a outro se dá com

naturalidade, como já explicitamos anteriormente.

O segmento 29 apresenta uma mudança de tópico marcada “aaaa/deixa eu t

contar o babado/o primo do teu primo/me add no kukut” (modo particular pelo

qual a interlocutora se refere ao Orkut. A partir deste ponto, os segmentos 30 a 43

formam subtópicos para o grande tópico “primo Douglas”. O segmento 44,

apresenta progressão por tema constante, pois a articulação tema-rema apresenta

informações que completam gradativamente a informação inicial e o texto mantém

uma progressão sequencial (linear).

No segmento 49 encontramos uma progressão por salto temático, pois como

já comentamos anteriormente, permite que o texto progrida sem que haja quebra

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da sequência textual. Deste modo, introdução de rema não exige uma progressão

do tema.

Notamos em toda conversação o princípio da pontualização e da relevância

muito marcado em todo o texto, pois percebemos em segmentos como os 128 e do

144 ao 177 temos a possibilidade de destacar o evento focal. Já o princípio da

concernência não aparece com muita freqüência, já que os enunciados nem sempre

guardam forte relação de dependência.

A segunda conversa acontece entre um estudante de mestrado e uma

estudante de doutorado. O primeiro estuda literatura e educação e a segunda

ocupa-se do estudo da teoria literária, então ambos possuem uma boa formação

acadêmica na área da linguagem. Outro fator importante é a faixa etária dos

interlocutores que estão entre 29 e 35.

O diálogo não apresenta muito uso de “internetês”, talvez por serem

professores de língua portuguesa cujo hábito de obedecer à norma culta os

constranja a não falar mais livremente na rede. Notamos que não há uma

preocupação exagerada dos falantes com o uso da norma culta, mas se

compararmos esse diálogo ao de qualquer adolescente da Gnet(Geração Nascida

com a Internet) perceberemos facilmente que ele apresentará mais desenvoltura

no uso do “internetês” (linguagem usada nas conversas on line) e maior

preocupação com a velocidade do diálogo.

Logo no início do diálogo temos muitos exemplos de dêiticos, quando R. diz:

“oi mulé!!!!/tava comendo e voltei/tás aí ainda?” Neste momento o interlocutor

usa a expressão ‘aí’ que mostra seu interesse em saber se sua interlocutora está

presente do outro lado da tela para que continuem o diálogo interrompido, uma

vez que ele pergunta se ela está aí ainda. Nas conversas estabelecidas por

mensagens instantâneas é frequente o uso de dêiticos de lugar para situar o

interlocutor, recurso menos usado na interação face a face, uma vez que o

interlocutor não tem dificuldade de perceber a presença do outro.

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Considerações Finais

As análises realizadas neste trabalho buscaram esclarecer a configuração

interna de uma conversa mediada por computador, para que a partir das

observações dessas construções seja feita uma análise de como se dá o processo de

construção da estrutura textual.

De acordo com Koch (2003, p.132) “pode-se afirmar que [...] há uma relação

de inclusão: a progressão textual é garantida, em parte, pela

progressão/continuidade tópica; esta engloba a progressão /continuidade temática

que, por sua vez, repousa fortemente na progressão/continuidade referencial”.

Essa articulação entre os vários níveis dos segmentos textuais nos coloca diante das

inúmeras possibilidades para garantir a continuidade e coerência textual, pois cada

segmento textual é de fundamental importância para a compreensão do conjunto

temático, ou melhor, para a construção de estratégias específicas para a

elaboração de enunciados que se articulam coerentemente.

Por fim, é importante ratificar que adotamos a noção de tópico discursivo

para nortear esse estudo. Entre os resultados identificamos traços de semelhança

entre a conversação face a face e o bate-papo on line. Com isto, temos critérios

para afirmar que assim como a conversa espontânea a conversa mediada por

computador não é um simples amontoado de enunciados, pois há uma estruturação

organizada, existem “padrões” próprios que estudos mais aprofundados poderão

identificar com maior precisão.

Referências

ARAÚJO, J. C. R A. de. Chat na Web: um estudo de Gênero Hipertextual. Dissertação

(Mestrado em Linguística). Universidade Federal do Ceará (UFC), 2003.

DIONÍSIO, A.P. Análise da Conversação. In: MUSSALIN, F. BENTES. A. C. (orgs). Introdução à

Linguística: Domínios e Fronteiras. 2ª Ed. São Paulo: Cor tez, 2001.

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JUBRAN. C.C. A. S. ET AL. Organização Tópica da Conversação. In: ILARE. R. (org.)

Gramática do Português Falado: Níveis de análise Linguística. Campinas, Editora da

UNICAP, V. II, 1992.

KOCH, I. G. V. Desvendando os Segredos do Texto. São Paulo: Cortez, 2002

MARCUSCHI, L. A. A Produção Textual, Análise de Gênero e Compreensão, São Paulo:

Parábola Editorial, 2008.

______. Análise da Conversação. São Paulo, Ática, 1986.

1 Monia, SOUZA . Profa. ESPECIALISTA

Secretaria de Educação (SEDUC -PE) [email protected]