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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ
DEPARTAMENTO DE LETRAS DO CERES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS
A PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL:
PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO COM O GÊNERO MEMÓRIAS
José Aurélio da Câmara
CURRAIS NOVOS/RN
2015
JOSÉ AURÉLIO DA CÂMARA
A PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL:
PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO COM O GÊNERO MEMÓRIAS
Dissertação apresentada ao Mestrado
Profissional em Letras em Rede Nacional
(PROFLETRAS), da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (Campus Currais
Novos), como exigência parcial para obtenção
do grau de Mestre em Letras. Área de
concentração - Linguagens e Letramentos.
Linha de pesquisa - Leitura e Produção
Textual: diversidade social e práticas docentes.
Orientadora:
Profa. Dra. Josilete Alves Moreira de Azevedo
CURRAIS NOVOS/RN
2015
Divisão de Serviços Técnicos
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial de Currais Novos
Câmara, José Aurélio da. A produção textual no ensino fundamental: processo de
retextualização com o gênero memórias / José Aurélio da Câmara. –
Currais Novos, RN, 2015.
119 f : il.
Orientadora: Profa. Dra. Josilete Alves Moreira de Azevedo.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em Mestrado Profissional em Letras.
Centro de Ensino Superior do Seridó. Departamento de Ciências Sociais e
Humanas.
1. Retextualização – Dissertação. 2. Oralidade – Escrita –
Dissertação. 3. Gênero Memória – Dissertação. 4. Língua portuguesa –
Ensino – Dissertação. I. Azevedo, Josilete Alves Moreira de. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
CDU 811.134.3:37
A PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL:
PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO COM O GÊNERO MEMÓRIAS
JOSÉ AURÉLIO DA CÂMARA
Dissertação apresentada ao Mestrado
Profissional em Letras em Rede Nacional
(PROFLETRAS), da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (Campus Currais
Novos), como exigência parcial para obtenção
do grau de Mestre em Letras. Área de
concentração - Linguagens e Letramentos.
Linha de pesquisa - Leitura e Produção
Textual: diversidade social e práticas docentes.
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª Josilete Alves Moreira de Azevedo Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Presidente
Profª Drª Valdenides Cabral de Araújo Dias Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Membro Interno
Profª Drª Maria Elisa de Freitas do Nascimento Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN
Membro Externo
Prof. Dr. Mário Lourenço de Medeiros Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Suplente Interno
Profª Drª Crígina Cibelle Pereira Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN
Suplente Externo
Aos meus pais, que construíram as perspectivas
para eu estudar e buscar novos horizontes de
vida.
AGRADECIMENTOS
Ao Senhor, guia de firmeza e de luz nessa minha custosa caminhada.
Aos meus pais, pelo incentivo, pelo amor e pelo zelo a mim dedicados em todas
as épocas de minha vida.
Aos meus irmãos, pela compreensão e pelo apoio em vários momentos da minha
vida, principalmente à Maria Auxiliadora (in memoriam), a qual me inseriu na vida
escolar. Dedicou parte de sua vida a ensinar-me os caminhos da pesquisa e do
conhecimento.
À professora Dra. Josilete Moreira Alves de Azevedo, pelas orientações e a
confiança depositada em mim. Guiou-me com decisivos passos para a obtenção dessa
pós-graduação em nível de mestrado. Muito grato por tudo.
À Kássius Araújo e a Valdenira Barbosa, amigos especiais, que me incentivaram
a investir em pós-graduação (especialização e mestrado), como também pela paciência
em compartilhar comigo algumas leituras e reflexões sobre aspectos relativos à redação
desta dissertação.
À Clécio Paiva e Antônio Cassiano, amigos especiais, que contribuíram para a
organização da minha vida profissional no tocante ao tempo e ao espaço que dediquei a
esta pesquisa. Compartilhamos momentos de alegrias e angustias nesta aguerrida
missão.
Às colegas de Pós-Graduação, Maria Marlene, Maria das Vitória e Gisélia, pelo
companheirismo das longas e cansativas viagens semanais para a UFRN em Currais
Novos/RN. Além dos momentos em que mantivemos trocas de conhecimentos.
À colega Maria Ângela Lima Assunção pelo constante incentivo, preocupação e
pelas trocas de informações e conhecimentos acadêmicos que mantivemos durante esta
longa jornada.
Aos professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com os quais
cursei as disciplinas como mestrando no PROFLETRAS (Mestrado Profissional em
Letras), pelos conhecimentos construídos e reconstruídos em cada uma delas.
Aos demais colegas da Pós-Graduação, pelos bons momentos vivenciados
dentro e fora das salas de aula, como também pelas ocasiões nas quais partilhamos
momentos descontraídos, informações, conhecimentos, parcerias, realizações, angústias,
além de outros elos emotivos tão importantes nesse processo.
À direção da Escola Estadual Senador João Câmara, por ter aceitado que eu
realizasse a intervenção pedagógica nesse estabelecimento de ensino, bem como pela
cordial disponibilidade dos dados fornecidos para compor este trabalho.
Aos alunos do nono ano vespertino do ensino fundamental maior, elementos
singulares para a realização desta pesquisa. Com eles compartilhamos aprendizados e
reflexões quanto ao envolvente e prazeroso estudo da Língua Portuguesa.
Ao Grupo de Idosos do Município de Bento Fernandes/RN que foi solícito e
atencioso em contribuir com as entrevistas orais (memórias) para a construção do
corpus desta pesquisa.
A PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL:
PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO COM O GÊNERO MEMÓRIAS
RESUMO
O ensino de Língua Portuguesa nas escolas públicas no Brasil, na maioria das
vezes, limita-se, ainda, ao estudo de fragmentos textuais descontextualizados, à
memorização de nomenclaturas e ao culto às normas gramaticais. Nessa perspectiva, ao
considerarmos a língua como prática social e cultural, cuja nascente emerge na
interação entre os sujeitos é que buscamos, através deste estudo, propor uma
intervenção pedagógica que priorizasse os processos de retextualização da fala para a
escrita a partir do gênero memórias, visando à melhoria das competências discursivas
do educando. Assim, atentando para essas inquietações e na tentativa de contribuir com
a melhoria do ensino de Língua Portuguesa no ensino fundamental, elegemos como
locus privilegiado uma turma do 9º ano do ensino fundamental de uma escola estadual
em Bento Fernandes/RN, cujo corpus de análise foi formado por textos produzidos e
retextualizados pelos alunos a partir de relatos orais de idosos da comunidade local.
Nesse intento, buscamos compreender o que é memória, sua importância para o registro
da língua falada e da cultura locais, bem como realizar ações didáticas que
favorecessem a aprendizagem dos alunos nas atividades de produção textual. À luz das
perspectivas teóricas das relações linguístico-discursivas e tomando por base o contínuo
da relação entre oralidade e escrita propostas por Marcuschi (1993, 1997, 2001, 2002,
2006, 2008, 2010) e nas discussões propostas por Antunes (2003, 2014), Alves Filho
(2011), Koch (2012), Bakhtin (1992, 2011), procuramos compreender, com base na
análise das memórias retextualizadas, como estas práticas se complementam nesse
processo de oralidade e escrita. No que tange à proposta das sequências didáticas, o
estudo foi norteado pelas orientações de Dolz e Scheneuwly (2004), e acerca das
memórias, nos estudos de Coracine e Ghiraldelo (2011), Le Goff (2010, 2013). Nessa
direção, este trabalho seguiu as orientações da pesquisa-ação, numa abordagem
qualitativa, considerando o professor (o pesquisador) como um agente ativo envolvido
no processo de produção de conhecimento em sua própria prática pedagógica, podendo,
assim, interferir na mediação, na produção do conhecimento e na sua disseminação no
contexto particular da sala de aula, locus privilegiado da construção e transformação do
conhecimento. Muito há de ser pesquisado nesta área de retextualização, embora,
verificamos que esta intervenção pedagógica pautada nos operadores discursivos de
retextualização viabilizou-se como um eficiente caminho para nós professores
trabalharmos as peculiaridades de usos e funções dos gêneros textuais nas modalidades
orais e escritas de uma língua sem pautarmo-nos em dicotomias entre ambas. Isto nos
credenciou a fortalecer o discurso que desfaz vários mitos ainda presentes nessa ordem,
principalmente, aquele que causa maior dano para os aprendizes da Língua Portuguesa:
o de que a escrita é uma representação da fala.
PALAVRAS-CHAVE: Retextualização. Oralidade e escrita. Gênero memória.
ABSTRACT
TEXTUAL PRODUCTION IN ELEMENTARY SCHOOL:
RETEXTUALIZATION PROCESS WITH MEMOIRS AS A TEXTUAL GENRE
Teaching Portuguese language in Brazilian public schools is still limited mostly to
studying decontextualized text fragments, memorizing classifications and cult of
grammar rules. Considering the language as a social, cultural practice which emerges
from the intersubjective interaction, we sought to propose an educational intervention
that prioritizes the retextualization processes from speech to the writing of memoirs as a
textual genre, so as to contribute for improving learner’s discursive performances.
Therefore, paying attention to these concerns and in attempt to contribute for improving
the teaching of Portuguese language in elementary school, we chose as privileged locus
a 9th grade class from a state school in Bento Fernandes, RN. The corpus is formed by
texts produced and retextualized by students from the elders’ oral reports within local
community. We sought thus to understand what memory is, its importance for
registering local spoken language and culture, as much as to carry out didactic actions
that favor students’ learning in the activities of textual production. In light of the
theoretical overviews about linguistic-discursive relations, based on Marcuschi’s (1993,
1997, 2001, 2002, 2006, 2008, 2010) conception of oralitiy-writing continuum and the
debates proposed by Antunes (2003, 2014), Alves Filho (2011), Koch (2012) and
Bakhtin (1992, 2011), we aimed to understand, by analyzing the retextualized memoirs,
how these practices complement each other within the process of orality and writing. As
for the proposal of didactic sequences, the study has been oriented by Dolz and
Scheneuely (2004); as for the memoirs, by the guidelines of Coracine and Ghiraldelo
(2011) and Le Goff (2010, 2013). In this way, this work followed the action-research
methodology in a qualitative approach, considering the teacher (researcher) as an active
agent involved in the process of knowledge production in his own educational practice,
so as to interfere in the mediation, knowledge production and its dissemination in
classroom context, which is the privileged locus for constructing and transforming
process. There is much to be research within the area of retextualization. Yet we
verified that this educational intervention, based on discursive operators of
retextualization, has been proven viable as an efficient path so that we teachers can
work the peculiarities of usages and functions of textual genres in oral and written
modalities of a language, without grasping both as a dichotomy. This accredited us to
strengthen a discourse that undoes many myths still present in that order, especially the
one that causes more damage for the learners of Portuguese language – that writing is a
representation of speech.
KEYWORDS: Retextualization. Orality and writing. Memoirs.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
MEC Ministério da Educação e Cultura
OD Operações Discursivas
ONLP Olimpíada Nacional de Língua Portuguesa
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
PISA Programa Internacional de Avaliação de Alunos
RF Retextualização Final
RI Retextualização Inicial
T Transcrição
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Classificação dos gêneros ................................................................... 24
Quadro 02 Fala e escrita no contínuo dos gêneros................................................ 29
Quadro 03 Modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto
oral para o texto escrito........................................................................
52
Quadro 04: Sequência didática............................................................................... 65
Quadro 05: Transcrição e Produções textuais *Rafael........................................... 73
Quadro 06: Transcrição e produções textuais *Pedro......................................... 75
Quadro 07: Transcrição e produções textuais *Carlos........................................... 76
Quadro 08: Transcrição e produções textuais *Luís............................................... 79
Quadro 09: Transcrição e produções textuais *Luíza............................................. 81
Quadro 10: Transcrição e produções textuais *Joana............................................. 83
Quadro 11: Transcrição e produções textuais *Sinara............................................ 84
Quadro 12: Transcrição e produções textuais *Sofia............................................. 86
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12
2 GÊNEROS TEXTUAIS NA ORALIDADE E NA ESCRITA:
APONTAMENTOS TEÓRICOS.......................................................................
19
2.1 ESTUDOS SOBRE GÊNEROS DO DISCURSO A PARTIR DE BAKHTIN.... 20
2.2 ORALIDADE X ESCRITA: INTERFACES DE PRÁTICA PEDAGÓGICA .... 28
2.3 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA ATRAVÉS DOS GÊNEROS
TEXTUAIS ...........................................................................................................
32
2.4 OS PCN E O ENSINO COM GÊNEROS TEXTUAIS......................................... 36
2.5 O GÊNERO TEXTUAL MEMÓRIAS ................................................................. 40
2.5.1 Sobre memórias.................................................................................................... 40
2.6 PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO EM ATIVIDADES ESCOLARES .... 47
2.7 SEQUÊNCIA DIDÁTICA..................................................................................... 57
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS..................................................................... 61
3.1 ABORDAGEM DA PESQUISA........................................................................... 61
3.2 AMBIENTE DA PESQUISA ............................................................................... 61
3.3 CARACTERIZAÇÃO DOS INFORMANTES .................................................... 63
3.4 INSTRUMENTOS DA PESQUISA ..................................................................... 64
3.5 SEQUÊNCIA DIDÁTICA EM PROJETO DE CLASSE.................................... 65
3.6 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE ..................................................................... 70
4 ANÁLISES DOS RESULTADOS ..................................................................... 72
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 92
REFERÊNCIAS................................................................................................... 95
ANEXOS
12
1 INTRODUÇÃO
[...] compreender não é um ato passivo (um mero
reconhecimento), mas uma réplica ativa, uma
resposta, uma tomada de posição diante do texto.
(Carlos Alberto Faraco)
A dicotomia estrita entre a fala e a escrita, tão expandidas nos manuais didáticos
e nos discursos dos professores do ensino fundamental, surge, em paralelo as
deficiências dos alunos em leitura e escrita como desafios do ensino de Língua
Portuguesa das escolas brasileiras. Para superarmos tal dicotomia entre a fala e a escrita
no ensino de língua se faz necessário entendermos a visão imanentista, que engendrou
grande parte das gramáticas pedagógicas ainda em uso. Esta perspectiva voltada para o
código deu origem ao prescritivismo que determinou a norma culta como única e padrão
para o ensino da língua materna e a dividiu com características opostas em língua escrita
e língua falada.
Por conseguinte, a visão imanentista ignora os aspectos dialógicos e discursivos
da língua e foca a separação entre forma e conteúdo, entre língua e uso, gerando uma
perspectiva divisória em dois extremos. Fato que leva o ensino de Língua Portuguesa,
na maioria das escolas públicas e privadas do Brasil, ao estrito e puro ensino de
nomenclaturas e regras gramaticais. Dessa forma, essa prática engessada, inflexível e
sem vida do estudo da língua, distancia e dificulta a compreensão que os aprendizes
fazem entre a língua ensinada e aprendida na escola, daquela usada no contexto das suas
práticas sociais que ocorrem no trabalho, escola, cotidiano, família, lazer, entre outros.
No campo linguístico, vários pesquisadores da área desenvolveram estudos e
comprovaram que um ensino de língua para ser eficiente, e de fato fazer sentido para o
aprendiz, deve contemplar os mais diversos gêneros textuais nas modalidades escrita e
oral. De forma que essa língua atenda às necessidades de interação comunicativa do
usuário falante nos mais diversos contextos sociais.
Apontando para a melhoria da qualidade de ensino, Geraldi (2006), há várias
décadas, orientava o estudo do texto em sala de aula como o meio mais adequado e fácil
para o ensino de Língua Portuguesa. Nessa perspectiva, diante do fracasso escolar que
se desenhara no Brasil, Ministério da Educação – MEC elaborou e adotou na década de
13
90, esta orientação proposta pelo autor, nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN,
que se configura como o documento oficial do país que passou a orientar o trabalho
pedagógico em sala de aula, tentando quebrar os paradigmas que norteavam, até então, a
prática escolar.
Sob esse novo olhar, os alunos seriam coautores do conhecimento, refletiririam
sobre a língua, seja na modalidade escrita ou oral, objetivando o desenvolvimento de
diversas competências. Ademais, considerar-se-ia a diversidade de textos que poderiam
ser lidos, ouvidos e produzidos nas mais diversas situações de interação.
Diante dessa perspectiva, destacamos a grande atuação de Marcuschi (2010),
linguista e pesquisador, com a obra (Da fala para a escrita: atividades de
retextualização), a qual serviu como âncora e norte para o desenvolvimento da
intervenção pedagógica, uma vez que propiciou aos alunos e ao docente, envolvidos
nesse estudo, fazerem uma reflexão quanto à importância de uso sociointeracional da
fala e da escrita dentro de uma língua. Como também, oportunizaria que essa língua se
concretiza em gêneros textuais que percorrem uma gradação comunicativa em usos
formais, informais, orais e escritos para atender às necessidades de interação e
comunicação nas diversas áreas de atividades humanas.
A linguagem constitui-se e concretiza-se dentro dessas atividades humanas, que
por sua vez evoluem, transformam-se, modernizam-se dentro de contextos sócio-
histórico, econômico e cultural. Isso corrobora o fato de que a língua está para atender
as necessidades comunicativas do falante materializada em textos orais e escritos que
requerem a realização de atividades cognitivo-discursivo.
A obra de Marcuschi (2010), como foi mencionada, trata de nove operações de
retextualização da fala para a escrita e segue nesta linha que sustenta essa intrínseca
relação entre a linguagem e as atividades humanas. Esses operadores ocorrerão em
atividades propostas e desenvolvidas pelos sujeitos envolvidos na pesquisa numa
situação real de comunicação. Tais atividades, favoreceram o estudo de textos orais e
escritos em situações concretas de interação comunicativa numa língua contextualizada,
viva, mutante e inserida na vida social dos falantes.
De fundamental importância para esta pesquisa, ressaltamos a grande
contribuição do Círculo de Bakhtin que foi pioneiro nos estudos dos gêneros discursivos
ao sustentar que a língua é interação. E essa se realiza através de enunciados com e para
o outro. Essa visão embasou e credenciou os PCN, cuja indicação orienta que o
professor precisa realizar ações didáticas que privilegiem a diversidade de gêneros
14
textuais para a prática de leitura e produção de textos orais e escritos numa perspectiva
de uso da linguagem como meio de interação social.
Essa contribuição do Círculo bakhtiniano revela a identidade de um gênero
discursivo sobre três aspectos: o conteúdo temático, o que é dito; a estrutura
composicional, a organização do que foi dito e do estilo, no que se refere aos meios
linguísticos que foram operados para a realização da comunicação.
A grande importância dos gêneros textuais é facilitar a comunicação verbal, em
situação real de comunicação com sujeitos participantes do processo social no qual
estão inseridos. Isso se contrapõe ao equívoco de gramáticos tradicionalistas que
estudam a língua como algo imutável e estanque, sem levar em conta a vivência
contextual, social, histórica e política desses sujeitos.
A criação dos PCN, documento curricular oficial, e a sua posterior divulgação
para as escolas brasileiras caracteriza-se como motivação e agregação de novos saberes
e novas práticas pedagógicas para o ensino de Língua Portuguesa. Essas nortearão as
atividades realizadas por especialistas, pesquisadores e professores dessa área com
embasamento teórico focados na interação do conhecimento trabalhado em sala de aula
e nas suas transversalidades com outras áreas do conhecimento.
Dentre os incontáveis gêneros textuais circulantes nas interações humanas onde
se demande a linguagem, selecionamos o gênero memórias para trabalharmos os
processos de retextualização. Pois, entendemos que é, por excelência, um dos mais
adequados para esse intento. Sobretudo, por ser propício ao trabalho com produção
textual nas modalidades escrita e oral da língua com alunos dos anos finais do ensino
fundamental.
Além do mais, a escolha se justifica, também, pelas experiências exitosas da
Olímpiada de Língua Portuguesa (ONLP) – Escrevendo o futuro, evento de cunho
nacional organizado e divulgado pelo Ministério da Educação que mobiliza a maioria
das escolas públicas brasileiras. Abrange todas as faixas etárias dos ensinos
fundamental e médio. Nesse concurso, o gênero textual memórias é o indicado para se
trabalhar atividades de produção textual com os alunos do nono ano.
A memória sempre esteve atrelada à vivência do homem para se guardar
informações, vestígios e reminiscências de acontecimentos e fatos passados, seja no
campo individual, seja no campo coletivo. Para isso, o homem usa de suas funções
psíquicas, o que de fato o diferencia de outras espécies animais, para atualizar, para
rememorar para construir ou desconstruir a sua evolução histórica no campo das
15
ciências humanas. A memória se completa não só por lembranças e recordações, mas,
também por esquecimentos.
Conforme Meudlers, Brion e Lieury (1971, p. 785-791) e Florès (1972), o estudo
da memória abarca a psicologia, a psicofisiologia, a neurofisiologia, a biologia e, quanto
às perturbações, das quais a amnésia é a principal, a psiquiatria.
As narrativas humanas que sempre permearam as relações sociais do homem
ocorrem graças à auto-organização da memória. Decorrendo daí uma estreita ligação
dessa memória com a linguagem. Conforme corrobora, Henri Atlan (1927, p. 461)
A utilização de uma linguagem falada, depois escrita, é de fato uma
extensão fundamental das possibilidades de armazenamento da nossa
memória que, graças a isso, pode sair dos limites físico do nosso corpo
para se interpor quer nos outros, quer nas bibliotecas. Isso significa
que, antes de ser falada ou escrita, existe uma certa linguagem sob a
forma de armazenamento de informações na nossa memória.
A memória coletiva humana é composta de vestígios, esses que por sua vez, são
apresentados pelo homem com outras releituras que podem acarretar em silêncios,
esquecimentos, antecipações, retardamento ou distorções quanto aos registros de acordo
com os interesses das classes e ou grupos de indivíduos que detêm o poder, dominaram
e ou dominam as sociedades históricas.
Após justificarmos as várias razões para se trabalhar o gênero textual memórias
em processos de retextualização, da fala para a escrita, nesta pesquisa, apontamos como
um dos problemas do ensino de Língua Portuguesa das escolas públicas e privadas
brasileiras a pouca ênfase que se dar ao estudo de gêneros textuais nas modalidades oral
e escrita. O primeiro, raramente se ensina; o último, quando muitos professores
acreditam que estão realizando, dar-se de forma distorcida e equivocada, pois, na
maioria das vezes, usam o texto como pretexto para se decorar regras e nomenclaturas
gramaticais.
Poucos são os docentes de Língua Portuguesa neste país, seja no ensino
fundamental, seja no ensino médio que, de fato, exploram os mais diversos gêneros
textuais para o ensino de leitura, de escrita e da oralidade considerando os aspectos
linguísticos, interacionais e composicionais presentes no texto. O aluno não encontra
sentido em estudar uma língua quase sem funcionalidade: mecânica, abstrata e
descontextualizada da sua vivência, do seu uso e da sua interação social. Este educando
apresentará pouca competência linguística em leitura e produção de textos em situações
16
que lhe requeira localizar tempo, espaço e referenciar pessoas e objetos situados no
texto.
Aprenderá uma língua artificial, estratificada, restrita à escola que nada ou pouco
acrescentará em suas reais situação de comunicação. Exceto, para responder a avaliação
que lhe é cobrado bimestralmente. Pouco importando, se tudo aquilo é esquecido em
pouco tempo.
Como consequência, não é surpresa constatar ainda, um elevado índice de
cidadãos analfabetos e analfabetos funcionais, que embora frequentem ou frequentaram
a escola persistam em compor oficialmente as estatísticas negativas educacionais do
Brasil. Isto, quando se trata de alunos que se submetem a simples testes de
competências que abrangem conhecimentos de leitura, escrita e produção textual.
Mais agravante ainda, são aqueles alunos brasileiros que concluíram o ensino
fundamental (nove anos de estudo), continuarem apresentando sérias deficiências de
conhecimentos científicos e um baixo nível de letramento diante de situações que
exijam o uso da escrita e da oralidade em textos simples. Conforme dados atestados
pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), cujo objetivo é avaliar
alunos de 15 anos, idade média de conclusão da educação básica dos países
participantes, nossos alunos sempre ocuparam as últimas posições do ranking quando
são avaliados em conhecimentos de ciências, matemática e leitura.
O baixo desempenho desses alunos, com raras exceções, acompanhará a sua
vida escolar durante todo o ensino médio, comprometerá a sua possível e futura vida
acadêmica, enfraquecerá a sua qualificação profissional, diminuirá a sua atuação crítica
e cidadã diante da conjuntura política, econômica e social. Enfim, será um ser que quase
sempre precisará de escoras para decisões inerentes ao mundo e a vida.
Os alunos dos ensinos fundamental e médio da Escola Estadual Senador João
Câmara em 2014 não difere da situação exposta. Chegam alfabetizados nas séries finais
do fundamental, mas apresentam um baixo nível de letramento. O ensino desses alunos,
raras vezes, é contemplado com um planejamento ou um projeto político pedagógico da
Escola que na prática associe os conteúdos de aprendizagem à sua linguagem e ao seu
meio de interação cultural e social. Nas poucas oportunidades que esses alunos
trabalham textos, geralmente, os do livro didático, exploram dados contidos na
superfície textual, fazem recortes de frases descontextualizados como pretexto para se
estudar gramática. Pouco é o tempo destinado para se trabalhar o texto quanto à sua
estrutura composicional, função, estilo e situação de comunicação em que ele foi
17
produzido, enunciador, destinatário(s), escolha do léxico, as diversas nuances e efeitos
de sentido que as palavras (na sintaxe e na semântica) podem alterar ou provocar.
Diante dessa realidade, nota-se que a vida escolar desse aluno, como leitor e
produtor de textos foi sempre atravessada por obstáculos nas aulas de Língua
Portuguesa, acarretada por desestímulos e apatias ao ensino da língua materna. Como
bem afirmou Antunes (2003) “Tem uma pedra no meio do caminho das aulas de Língua
Portuguesa”, pois a escola desperdiça a oportunidade de instigar e despertar nesses
alunos o prazer envolvente que um verdadeiro e significativo estudo da língua pode
lhes proporcionar.
A partir de 2013 até a atualidade, quando passamos a trabalhar na Escola
Estadual Senador João Câmara, constatamos que essas pedras estavam presentes de
forma cristalizada em cada turma na qual realizávamos atividades que contemplavam
leitura, escrita e oralidade nos mais diversos gêneros textuais. Fator que nos
impulsionou a realizar este trabalho, o qual vem sendo construído e continuará sempre,
visto que ele é um processo inacabado.
Em paralelo a esta pesquisa está o fato dessa escola participar das Olimpíadas de
Língua Portuguesa que abrange os níveis de ensinos fundamental e médio com
produções textuais de poesia; textos predominantemente narrativos (memórias), esses
adequados ao nível de ensino cuja intervenção pedagógica se realiza; e os textos
argumentativos (artigo de opinião) dentro da temática “O lugar onde vivo.”. Nossas
inquietações com este cenário escolar desencadearam algumas questões norteadoras:
1) Como os alunos e o professor envolvidos nesta pesquisa concebem o ensino
da escrita através de textos nas modalidades faladas e escrita?
2) Qual a reflexão dos alunos e do professor envolvidos nesta pesquisa sobre a
importância de textos orais e escritos para o estudo da Língua Portuguesa?
3) O processo de retextualização é possível e útil para o ensino de Língua
Portuguesa?
4) Todos os gêneros textuais podem ser retextualizados?
O objetivo geral desta pesquisa foi analisar a importância do ensino de Língua
Portuguesa a partir dos gêneros textuais com ênfase na retextualização da fala para a
escrita no gênero – memórias.
Para ampliarmos essa discussão, contemplamos como objetivos específicos:
18
1) apropriar-se do gênero textual - memórias – nas modalidades escrita e
oral;
2) identificar as peculiaridades que ocorrem nas modalidades escrita e oral
nos gêneros textuais;
3) verificar a concepção de gêneros textuais pelo professor e alunos
envolvidos nesta pesquisa;
4) elevar a competência linguística dos alunos em escrita e oralidade;
5) analisar os processos de retextualização – da fala para a escrita - do
gênero textual (memórias) produzidos pelos alunos;
6) perceber que as modalidades linguísticas (fala e escrita) ocorrem em um
contínuo de maior ou menor formalidade, desde que adequadas aos
propósitos interacionais e comunicativos dos interlocutores;
7) refletir que a modalidade escrita não prevalece sobre a oralidade e vice-
versa.
A dissertação está organizada e estruturada da seguinte forma, no primeiro
capítulo destacamos os aportes teóricos, no segundo, os aspectos metodológicos, no
terceiro capítulo, a análise e, finalmente, as considerações finais.
19
2 GÊNEROS TEXTUAIS NA ORALIDADE E NA ESCRITA:
APONTAMENTOS TEÓRICOS
Para falarmos sobre linguista textual e a visão interacionista da língua devemos
considerar, a princípio, a contribuição da escola estruturalista embasada nas propostas
pioneiras de Ferdinand de Saussure. As novas escolas linguísticas pós-estruturalistas,
embora enfatizem a interação como um suporte fundamental para o estudo dos gêneros
textuais de uma língua, reconhecem essa como uma estrutura ou um sistema, sendo
missão do linguista estudar e analisar a organização e o funcionamento dos seus
elementos constituintes.
Para Saussure (1975), a língua é um conjunto de unidades que obedecem certos
princípios de funcionamento, construindo um todo coerente a partir de um sistema de
regras que internalizamos socialmente desde cedo para concretizarmos a comunicação.
Para o estruturalismo a língua é forma (estrutura) independente da substância da
qual ela se manifeste, de forma que a língua deve ser estudada em si mesma e por si
mesma. Desse modo, despreza toda manifestação extralinguística excluindo todas as
relações sociais, culturais, geográficas, artísticas etc com a língua.
A dicotomia entre língua e fala prepondera no estruturalismo, uma vez que este
autor considera a linguagem como o lado social, a língua como sistema depositado
virtualmente no cérebro de cada indivíduo de uma comunidade, enquanto a fala está
para o lado individual que requer do falante vontade e inteligência. Ainda de acordo
com Saussure, a língua é condição da fala, uma vez que, quando falamos, estamos
submetidos ao sistema estabelecido de regras que corresponde à língua.
Muito do que temos no ensino de Língua Portuguesa nas escolas brasileiras
está atrelada a concepção estruturalista, isso, justifica o porquê de se usar tanto os
gêneros escritos em detrimento dos orais.
Considerando as repercussões das pesquisas linguísticas nas práticas
pedagógicas e suas implicações para o ensino de língua materna, direcionamos nosso
estudo para reflexão sobre as atividades de produção textual no contexto de sala de aula
do ensino fundamental.
Nesse sentido, procuramos focalizar a relação fala / escrita, propondo uma
intervenção pedagógica na qual fossem desenvolvidas ações didáticas que
privilegiassem o processo de retextualização a partir do gênero textual memórias.
20
Para consecução deste propósito fundamentamo-nos nas orientações contidas na
proposta educacional vigente, que aponta para os textos (orais e escritos), como objeto
de ensino de Língua Portuguesa, como também na diversidade de gêneros que circulam
no âmbito social. Além disso, buscamos aprofundar a discussão teórica sobre gêneros e
mais especificamente sobre a produção textual, e o processo de retextualização que
envolve a oralidade e a escrita.
Nesta seção pretendemos reconstruir o aparato teórico que embasou as reflexões
sobre o ensino da produção textual e dos gêneros, ancorado nas investigações
linguísticas desenvolvidas por pesquisadores tais como Bakhtin (1992), Marcuschi
(2002), dentre outros, que contribuíram para a construção do entendimento que temos,
hoje, sobre a relevância do texto e dos gêneros na sala de aula.
2.1 ESTUDOS SOBRE GÊNEROS DO DISCURSO A PARTIR DE BAKHTIN.
A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque
são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e
porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de
gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se
desenvolve e se complexifica um determinado campo.
(Mikhail Bakhtin, 2001, p. 262)
Sabemos que toda e qualquer discussão sobre linguagem envolve
necessariamente a interação, não havendo como conceber aquela sem levar em conta as
relações que se constituem entre os sujeitos no momento em que se comunicam em
diferentes esferas humanas. Desse modo, nos alinhamos com Antunes (2014, p. 23),
quando afirma:
[...] se a linguagem, por natureza, é interativa, qualquer língua,
também, se constitui, essencialmente, como atividade de interação, em
que duas ou mais pessoas, reciprocamente, se empenham em cumprir
algum propósito comunicativo numa dada situação social.
Sendo assim, a comunicação através da linguagem abrange todas as relações
sociais contidas em diferentes campos das atividades humanas, por isso podemos
afirmar que o sujeito se constitui e é constituído pela linguagem, pois todo e qualquer
21
discurso requer a presença do falante (locutor), de um enunciado e de um ouvinte
(interlocutor, passível de revezamento de turnos), que implica uma resposta.
Partindo do princípio de que o sujeito se constitui por meio da linguagem nas
diversas esferas comunicativas, todo o processo de ensino e aprendizagem da língua
materna deve partir e caminhar numa estreita relação com os espaços para que esse
sujeito possa apropriar-se da língua; com os processos de construção e reconstrução de
conhecimentos, como também com a vida política, social e cultural desse sujeito.
Para Geraldi (1997), a interação encontra-se alicerçada nos seguintes
constituintes: a) a situação histórico-social que é o meio no qual acontecem às
interações entre os sujeitos; b) uma relação entre um eu e um tu; c) a relação
interlocutiva compartilhada pelos sujeitos por meio de operações discursivas; d) os
efeitos de sentidos produzidos são significativos porque requerem a presença de sujeitos
ativos e; e) o trabalho social e histórico de produção de discurso desenvolvido
continuamente por meio da língua enquanto sistema aberto.
Seguimos esse raciocínio, acordados a Bakhtin (2009, p. 177) quando destaca a
importância da orientação da palavra em função do interlocutor, uma vez que, “na
realidade toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que
procede de alguém, como pelo fato que se dirige para alguém. Ela é constitutivamente o
produto da interação do locutor e do ouvinte”. Sendo assim, o estudo do discurso entre
sujeitos nas diversas esferas discursivas ocorre por meio da linguagem, tendo em vista
que essa é constitutiva de uma realidade social de caráter político e ideológico.
Vale salientar que no processo interacional que se realiza entre os interlocutores
“a língua efetua-se em forma de enunciado (orais e escritos) concretos e únicos,
proferidos pelos integrantes” (BAKHTIN, 2011, p. 261), além disso, estes enunciados
se realizam em gêneros que se adequam à multiplicidade de situações comunicativas e
práticas sociais.
Segundo Bakhtin (2011, p. 262), os gêneros discursivos são caracterizados em
seus planos de composição, conteúdo e estilo, conforme especificamos:
a) Plano composicional, com destaque para os elementos de composição
estrutural para determinado texto. Quando pensamos, por exemplo, num gênero
discursivo como um conto de suspense narrativo, logo esperamos um texto que
apresente a seguinte composição: um enredo (como), personagens (quem), tempo
(quando), espaço (onde) e o conflito que determinará as partes do enredo (apresentação,
complicação, clímax e a conclusão)
22
b) O conteúdo temático refere-se ao tema esperado no tipo de produção em
destaque. Se tratarmos do gênero textual memórias narrativas, por exemplo, esperamos
um texto com expressões em primeira pessoa usadas pelo narrador ‘eu me lembro’,
verbos que remetem ao passado ‘lembrar’, palavras em desuso usadas na época como
‘esfrego’, participação de outros personagens na narrativa e;
c) O estilo que engloba o tema e o conteúdo sempre atrelado a determinadas
unidades temáticas e, principalmente, a determinadas unidades composicionais.
Exemplo, o estilo de formalidade linguística exigido no gênero textual memorial
acadêmico não é o mesmo que se exige para memórias narrativas. Os três juntos, a
composição, o conteúdo e o estilo é que definem e diferenciam um determinado gênero
discursivo de acordo com as especificidades de um determinado campo da
comunicação.
Sendo assim, o discurso só se constitui enquanto tal nos enunciados dos sujeitos,
que trazem sempre a necessidade de serem respondidos. Nessa direção, Bakhtin (2011,
p. 272) defende que todo enunciado deve ser constituído levando em consideração o
interlocutor a que se endereça; uma resposta desse destinatário imbuída de uma atitude
responsiva e a alternância dos sujeitos do discurso. Tal atitude responsiva implica na
compreensão do significado linguístico do discurso que obrigará o ouvinte a assumir
uma posição de concordância ou não concordância parcial ou total do seu interlocutor.
Desse modo, o falante ao assumir um discurso não espera somente uma resposta tácita
das suas ideias, ele é um respondente tanto quanto o ouvinte.
O autor assevera, ainda, que todo e qualquer enunciado criado pelo sujeito
carrega uma gama, em maior ou menor grau, de outros enunciados já proferidos, logo, o
falante não foi o primeiro a falar, uma vez que o seu discurso é entrelaçado numa
corrente de enunciados alheios. Isso não minimiza o valor do seu enunciado
concretizado por meio da linguagem para atender uma solicitação das práticas sociais
que naquele instante torna-se único e inerente a tal falante numa unidade real de
comunicação.
Nessa perspectiva, seguimos Bakhtin (2011), visto que o discurso só se realiza
na forma de enunciados concretos e singulares proferidos por sujeitos discursivos dentro
de uma esfera das mais variadas atividades humanas em que se requer comunicação.
Em realidade, porém, só há enunciado se houver o destinatário (o outro), uma
vez que tais enunciados se efetivam em contextos concretos de comunicação dos seres
humanos em práticas discursivas. Tais enunciados necessariamente aguardam uma
23
futura resposta dos interlocutores reais ou virtuais num constante diálogo que se utiliza
da linguagem. Ou seja, cada situação comunicativa é produzida e constituída por
enunciados. Esses que são permeados de signos valorados e, segundo Bakhtin (2011, p.
271-272),
[...] toda compreensão da fala viva, do enunciado é de natureza
ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante
diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela
forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante. [...] toda
compreensão plena real é ativamente responsiva e não é senão uma
inicial preparatória da resposta seja qual for a forma que ela se dê.
Desse modo, partindo do princípio de que todo enunciado é vivo, dinâmico,
heterogêneo, dialógico, necessita de resposta e se encadeia em elos com outros
enunciados proferidos anteriormente, há de se convir que o próprio falante, precisa do
discurso do outro para posicionar-se em diferentes situações comunicativas das
atividades humanas.
Nessa situação, se faz necessário o acabamento (conclusibilidade) do discurso
pelo falante, de forma que o enunciatário acredite que o tema foi esgotado, pelo menos
momentaneamente. Por conseguinte, o interlocutor assumirá uma posição ativamente
responsiva de compreensão em que se requer uma resposta, momentânea ou não, de
forma que se alternem os discursos entre os sujeitos envolvidos, haja vista que “os
limites de cada enunciado como unidade da comunicação discursiva são definidos pela
alternância dos sujeitos do discurso” (Bakhtin, 2011, p. 275). Essa alternância de
interlocutores configura-se como uma das principais características concretas de um
enunciado.
A alternância dos sujeitos, a conclusibilidade e a vontade discursiva (essa que se
efetiva pela escolha de um gênero discursivo nas esferas comunicativas humanas)
constituem as peculiaridades do enunciado, segundo o círculo de Bakhtin.
Bakhtin ainda diz que (2011, p. 262), “os gêneros discursivos são tipos
relativamente estáveis de enunciados”. Seguindo essa linha, concordamos com o autor,
pois se os gêneros discursivos por meio dos enunciados estão atrelados às atividades
humanas e essas são heterogêneas e irregulares por natureza, as formas de linguagem
produzidas em toda e qualquer situação de comunicação não podem ser conduzidas por
sistema fixo de estruturas padronizadas da língua.
24
Desse modo, “[...] A diversidade de gêneros é determinada pelo fato de que eles
são diferentes em função da situação, da posição social e das relações pessoais de
reciprocidade entre os participantes da comunicação [...]” (BAKHTIN, 2011, p. 283).
Além disso, os gêneros são instrumentos que possibilitam a organização e a
compreensão dos discursos das pessoas nas mais diversas esferas de comunicação, por
isso tornam-se, relativamente permanentes por razões sócio-históricas, uma vez que
podem sofrer modificações.
Bakhtin (2011, p. 263-264) caracteriza os gêneros discursivos como
heterogêneos, classificando-os em primários e secundários, cujas especificidades
apresentamos a seguir:
Quadro 01: Classificação dos gêneros.
Gêneros Primários Gêneros Secundários
. Situações voluntárias
. Sem Planejamento meticuloso
. Espontâneos
. Marcas da escrita
. Uso de formas padronizadas de organização
. Formalização das práticas sociais
Fonte: Bakhtin (2011, p. 263-264)
Todavia, o autor revela que um gênero discursivo secundário pode comportar
partes de gêneros primários, o que nos faz perceber a existência de gêneros híbridos,
haja vista a evolução e a transformação das práticas sociais.
Ainda de acordo com Bakhtin (2011), os gêneros discursivos são estabelecidos
por coerções entre as atividades humanas e o uso da língua. Os sujeitos em suas
alternâncias linguísticas, orais ou escritas, constroem sentidos e significados em suas
práticas discursivas constituídas por conhecimentos prévios, papéis sociais e a situação
específica de comunicação.
Vale salientar que nos estudos sobre os gêneros, Bakhtin (1992) categoriza-os
como “gêneros discursivos”, enquanto Marcuschi (2002) denomina-os de gêneros
textuais. Nesta pesquisa adotaremos gêneros textuais por acompanharmos a linha de
pensamento de Marcuschi quando trata de processos de retextualização – da fala para a
escrita.
Os gêneros textuais sempre foram fenômenos históricos atrelados à vida social e
cultural, haja vista que estabilizam, com certa flexibilidade, as atividades comunicativas
diárias. De acordo com Bakhtin (1997), “são relativamente estáveis”, portanto, são
eventos maleáveis, dinâmicos e plásticos. Dessa forma, afirma que os gêneros são
25
rotinas construídas socialmente por estarem diretamente entrelaçados às atividades
sócio-culturais, podendo em decorrência do tempo, numa determinada língua,
apresentarem redução de uso, serem estabilizados, incorporados a outros, sumirem e ou
evoluírem de acordo com as necessidades mais urgentes e funcionais dos falantes.
Para Bronckart (1999, p.103), “a apropriação dos gêneros é um mecanismo
fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas
humanas”, dessa forma, afirmamos que os gêneros textuais agem em determinados
contextos, como meio de autenticação do discurso.
Se atentarmos para a evolução histórica dos gêneros, vamos perceber que havia
nas sociedades primitivas a predominância dos gêneros orais1, mas após a expansão da
escrita, das culturas impressa e eletrônica surgiram a multiplicação, a expansão e a
explosão de novos gêneros orais e escritos.
Marcuschi (2002), afirma ser difícil uma definição formal para os gêneros
textuais,2 pois, esses são contemplados por usos pragmáticos e caracterizados como
práticas sobre o mundo. Segundo o autor, utilizamos a expressão gênero textual como
uma ideia intencionalmente instável para apresentar os textos concretizados que
encontramos em nosso cotidiano e que apresentam características sociocomunicativas
estabelecidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição, sendo os
gêneros textuais incontáveis.
Marcuschi (2002, p. 22) defende, ainda, que os gêneros textuais são os reflexos
de estruturas sociais recorrentes e típicas de cada cultura, fundando-se em critérios
externos (sócio comunicativos discursivos), enquanto os tipos textuais baseiam-se em
critérios internos (linguísticos e formais) e são usados para definir uma condição de
construção teórica definida pela essência linguística de sua composição (aspectos
lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). São compostos por cerca de meia
1 O Conto oral é definido por André Jolles, no livro Formas simples (1976, p. 195), “como uma forma
simples”, cuja linguagem “permanece fluida, aberta, dotada de mobilidade e de capacidade de renovação
constante”. Vale lembrar que o texto de Jolles é de 1930. “O memorável é a forma mais familiar na época
moderna: desde que o universo seja apreendido como uma coleção ou um sistema de realidades efetivas,
o memorável é o meio que permite fragmentar esse universo indiferenciado, estabelecer diferenças, torná-
lo concreto”. (JOLLES, 1976, p.179).
2 O trabalho com a produção e a compreensão textuais nas aulas de Língua Portuguesa ainda é tisnado
pela confusão que se faz entre gêneros e tipologias textuais. Embora ambos se completem na forma e
função da produção final de um texto, poucos docentes distinguem seus limites. Não raro, flagramos
muitas práticas pedagógicas que limitam o ensino com gêneros às tipologias textuais, além dos livros
didáticos que pouco contribui para sanar essa questão. Isto tolhe o vasto campo das práticas discursivas
que o falante poderia exercer por meio da linguagem.
26
dúzia de categorias sem perspectivas de alteração: narração, argumentação, exposição,
descrição, injunção e explicativo.
Marcuschi (2008, p.150) mostra-se bastante incisivo ao afirmar que, “todos os
gêneros textuais têm uma forma e uma função, bem como um estilo e um conteúdo, mas
sua determinação se dá basicamente pela função e não pela forma.”, visto que as
características funcionais dos gêneros textuais (comunicativas, cognitivas e
institucionais) se sobrepõem às propriedades linguistas e estruturais. Isso, não implica
em um abandono da forma e da estrutura linguística no ensino de produção textual,
visto que, essas também, em conjunto com o suporte e o ambiente se efetivarão na
composição e determinação comunicativa do texto.
Seguindo o raciocínio de Bakhtin (1997) que tratou da assimilação de um gênero
textual por outro quando usou o termo “transmutação”, Marcuschi (2010) cita os novos
gêneros textuais criados pelas novas tecnologias da comunicação como eventos
comunicativos não inovadores, uma vez que se firmam em gêneros textuais já
existentes. Como exemplo, citamos o email que embora possa ser definido como
suporte ou gênero textual carrega em suas funções e estrutura determinadas
características das cartas e bilhetes.
Esses ‘novos’ gêneros textuais muito presentes no atual contexto sócio-histórico
e cultural da sociedade, principalmente, entre os sujeitos mais jovens, apresentam, cada
vez mais, uma vasta gama de semioses compostos de uma linguagem plástica,
imagética e híbrida, corroborando com a quebra do mito que sempre insistiu em tratar
as modalidades orais e escritas em dois pólos opostos.
Nessa linha, Marcuschi (2003, p.17) defende que “oralidade e escrita são
práticas e usos da língua com características próprias, mas não suficientemente opostas
para caracterizar dois sistemas linguísticos nem uma dicotomia”. Uma das grandes
contribuições da linguística textual é reconhecer e apontar esse hiato existente entre a
oralidade e a escrita ainda presente no ensino de Língua Portuguesa. Contribuição essa
que não se limitando apenas em mostrar o problema, mas sugerir e indicar caminhos
para dirimi-lo.
Para Marcuschi (2002), não se pode conceber um estudo de língua sem levar em
consideração os textos nos seus aspectos discursivos e enunciativos, privilegiando a sua
natureza funcional e interativa em detrimento de aspectos formais e estruturais.
Outro importante fator para o estudo da produção textual são os domínios
discursivos que aparecem como compartimentos não físicos para comportar os gêneros
27
textuais, uma vez que são muito abrangentes para serem considerados textos ou
discursos. São esferas de atividades humanas no campo jurídico, jornalístico, cotidiano,
discurso religioso etc. Diferem dos suportes de gêneros, por estarem no campo de
instâncias discursivas.
Marcuschi (2002) aponta ainda, os gêneros textuais como entidades
comunicativas não formais, asseverando que são formas verbais de ação social
relativamente estáveis realizados em textos situados em comunidades de práticas sociais
em domínios discursivos específicos. Não devem ser definidos mediante propriedades
fixas, pois mesmo na ausência de parte dessas, continuam como gênero textual. Para
aclarar tal afirmação citamos o exemplo clássico de uma carta pessoal. Embora o
produtor deixe de assiná-la não perderá a autenticidade como gênero textual.
Pela dinamicidade, a maleabilidade e o hibridismo que sempre norteiam os
gêneros textuais há peculiaridades, por conseguinte, defendidas por Marcuschi (2002)
como a intertextualidade inter-gêneros, um gênero com a função de outro e a
heterogeneidade tipológica, um gênero textual com a presença de vários tipos. O autor
esclarece que no primeiro caso, podemos ter como exemplo o caso de uma sentença
judicial em forma de uma bula de medicamento. No segundo caso, bem mais comum,
podemos ter nessa mesma sentença judicial a presença das seguintes tipologias textuais
(argumentação, descrição, narração e explicação).
A esse respeito, Koch (2012) afirma que,
Construir um gênero textual com a forma de outro é um fenômeno que
passou a chamar a atenção dos estudiosos do texto na esteira das
pesquisas recentemente realizadas sobre gêneros textuais. Na verdade,
é um fenômeno muito comum na produção textual realizada, em
especial, no domínio da publicidade, em que há espaço privilegiado
para a expressão da criatividade do produto. Esse hibridismo costuma
causar um efeito muito maior se comparado ao que causaria o
convencionalmente aceito ou esperado em igual situação, por conter o
traço da inventividade, da criatividade, do ineditismo.
O hibridismo no atual contexto sócio-histórico tem uma forte presença nos
‘novos’ gêneros textuais propiciados pelos aparatos tecnológicos do século XXI que são
ligados às esferas de comunicação. Nesse sentido, a escola deixa de explorar parte das
competências discursivas dos alunos tão latentes em suas práticas sociais. Essas que se
transformam e se revestem numa celeridade pouco acompanhada nas aulas de Língua
Portuguesa do ensino básico e pelos manuais didáticos.
28
2.2 ORALIDADE X ESCRITA: INTERFACES DE PRÁTICA PEDAGÓGICA.
Embora na história da humanidade a fala tenha precedido à escrita e seja mais
constante nas relações sócio-culturais comunicativas dos usuários de uma língua, o
ensino de Língua Portuguesa sempre foi pautado, prioritariamente, na escrita.
Mesmo quando os professores levam para as suas aulas alguns exemplares de
textos orais, esses não são explorados para os alunos em sua essência, visto que, tais
produções são cooptadas, muitas vezes, a assumirem características inerentes à escrita.
Isto ocorre mesmo em situações em que se considere o contexto da interação
comunicativa, o ambiente e a situação sócio-histórica de produção textual.
Comumente, detectamos práticas pedagógicas que solicitam aos aprendizes da
língua a transformação de obras e textos orais da cultura popular em textos escritos de
acordo com a norma padrão. Essa modificação, além de não acrescentar autonomia e
autenticidade na competência discursiva do produtor textual, descaracteriza o texto.
Uma vez que esse foi produzido num determinado contexto regionalizado, num
ambiente propício àquela situação comunicativa para um determinado meio de
circulação.
Esse grande equívoco do ensino de língua só ajuda a perpetuar o mito de que a
escrita é mais prestigiada do que a fala, criando uma extremidade entre as duas.
Marcuschi, (2010, p. 28), explica que a perspectiva da dicotomia estrita tem o
inconveniente de considerar a fala como o lugar do erro e do caos gramatical, tomando a
escrita como o lugar da norma e do bom uso da língua. Nesse aspecto, o autor enfatiza
que as diferenças entre fala e escrita se dão dentro do contínuo tipológico das práticas
sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos opostos.
O gráfico seguinte mostra essa continuidade não linear que os gêneros textuais
assumem para atender o usuário da língua em suas diversas práticas sociais de
comunicação, em virtude da língua se constituir por enunciados e esses se materializarem
nas atividades humanas que por sua vez transformam-se, extinguem-se, evoluem-se, não
havendo como conceber uma língua homogênea, inflexível e padronizada.
29
Quadro 02: Fala e escrita no contínuo dos gêneros
Fonte: Marcuschi (2010, p. 38)
Pelo gráfico, GF1 assume o padrão de uma produção textual da fala, uma
conversa espontânea. Enquanto GF2, mesmo também, sendo um gênero textual falado
como uma entrevista pessoal desloca-se para o centro do gráfico por possuir um pouco
das características de um gênero textual escrito. E assim por diante, quanto mais se
afunila o gráfico dos gêneros falados, mais estes assumem características em se
aproximarem do gênero escrito. Um dos maiores estreitamentos de fala versus escrita se
dá a exemplo do gênero textual, conferência acadêmica, pois embora seja oral,
apresenta na sua composição um planejamento da forma e do conteúdo similar às
características da escrita. Invertendo a situação, seguimos o mesmo raciocínio para os
gêneros escritos postados acima da linha horizontal do gráfico. Podemos exemplificar
com o gênero textual artigo científico protótipo da escrita e longínquo das
características da fala. Ao afunilarmos o gráfico, o bilhete, gênero textual escrito passa
a possuir afinamentos com as características da fala. Neste ínterim, no centro do gráfico
situam-se aqueles gêneros textuais mistos que apresentam características da fala e da
escrita, a exemplo de noticiários de TV ou anúncios classificados.
Seguimos a linha do autor, ao concordarmos que a língua está atrelada às
atividades humanas de comunicação em toda sua heterogeneidade e variação, visto que
ela se concretiza em gêneros discursivos falados e escritos que permeiam todas as
situações de contextos comunicativos em situações sócio interacionais.
O gráfico seguinte, elaborado por Marcuschi (2010, p. 41), demonstra com riqueza
de detalhes a clara representação do contínuo dos gêneros textuais na fala e na escrita.
30
Fonte: Marcuschi (2010, p. 41)
Diante dessa perspectiva, vários linguistas ratificam o discurso de Marcuschi de
forma a descredenciar essa polaridade entre a oralidade e a escrita tão presentes e
arraigados no cotidiano do ensino de Língua Portuguesa. Antunes (2003, p. 99)
fortalece esse discurso quando diz:
Embora cada uma tenha as suas especificidades, não existem
diferenças essenciais entre a oralidade e a escrita, nem muito menos,
grandes oposições. Uma e outra servem à interação verbal, sob a
forma de diferentes gêneros textuais, na diversidade dialetal e de
registro que qualquer uso da linguagem implica.
Por sua vez Koch (2002), diz que há textos escritos que se situam mais próximos
da fala, a exemplo de uma piada, e há aqueles falados que se aproximam da escrita, a
exemplo de uma entrevista profissional para um alto cargo administrativo.
Segundo Bortoni-Ricardo (2004), a estilística permeia toda relação de interação
desde aquelas totalmente espontâneas até às previamente planejadas, o que requer muita
atenção do falante. Nas situações formais em que não temos intimidade com o
interlocutor há um maior monitoramento, enquanto o contrário ocorre se a relação é de
31
proximidade com esse interlocutor. Esse monitoramento da fala ocorre sempre em
função do “ambiente, do interlocutor e do tópico da conversa”.
Esta dicotomia tão difundida entre os textos orais e escritos presentes no ensino
de Língua Portuguesa nas escolas brasileira tem, claramente, interesses ideológicos das
classes sociais dominantes que insistem em propagar a supremacia da escrita sobre a
fala. Paradoxalmente, essa escola que deveria ser o palco para apaziguar ou amenizar
tais equívocos em relação ao ensino de língua, colabora para difundi-lo.
Vejamos o exemplo do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, uma
política educacional de distribuição do livro didático que abrange as escolas públicas
brasileiras. Os manuais didáticos de Língua Portuguesa contemplados no PNLD, com
raras exceções, ainda centram o estudo da língua materna, como se fosse, apenas, um
sistema linguístico fixo com destaque para regras e formas gramaticais. Esse
instrumento, na maioria das vezes, torna-se o único recurso do professor e dos alunos
para o ensino de língua materna.
Os textos escritos apresentados nesses livros são, quase sempre, superficiais em
relação à vivência cultural do aluno. Desse modo, terminam servindo para extração de
dados constantes na superfície textual e servem, sobretudo, como pretexto para se estudar
nomenclaturas e regras gramaticais. Em menor frequência, abordam textos orais, uma
vez que são produzidos com base fundamentada na língua padrão escrita. Ainda
observamos orientações nesses manuais, seguidas por alguns professores, tarefas
escolares que pedem para os alunos transformarem textos orais da cultura popular para
textos escritos na forma padrão da língua, como exemplo, tomamos a canção “Asa
Branca” de Luis Gonzaga.
Para Marcuschi (2010, p. 35), “O que conhecemos não são nem as
características da fala como tal nem as características da escrita; o que conhecemos são
as características de um sistema normativo da língua”. Isso parece levar os professores,
sem uma fundamentação teórica linguística, a acreditarem e a perpetuarem em suas
aulas a polarização entre textos orais e escritos.
De acordo com Sousa (2007), ao adentrar a escola, a criança já traz consigo
saberes da oralidade que proporciona sua interação social. Tais saberes, constituídos no
âmbito social e nos entrelaçamentos interacionais da criança servem de fundamento para a
construção de novos saberes adquiridos na escola, principalmente a língua escrita.
Considerando-se a ocorrência dos textos orais e escritos em práticas sociais
simultâneas de comunicação não há como caracterizá-los como duas propriedades de
32
sociedades variadas. Há uma postura ideológica fomentada, sobretudo no espaço
escolar, de elevar como prestígio social o domínio de textos na modalidade escrita em
detrimento de textos da oralidade.
2.3 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA ATRAVÉS DOS GÊNEROS
TEXTUAIS.
Antes de aprofundarmos a discussão teórica precisamos destacar que o ensino de
Língua Portuguesa é facilitado e mais prazeroso quando feito por meio de gêneros textuais.
O sujeito poderá até se alfabetizar num ensino sem eles, porém, apresentará dificuldades no
uso da linguagem para produzir e compreender textos, orais ou escritos, nas diversas
situações comunicativas de interação que a vida social exigir. Alves Filho (2001, p. 17)
reforça que aprender por meio de gêneros, “significa também aprender a se adequar a
contextos particulares e a oferecer respostas retóricas adequadas a situações bem
particulares”. Contudo, esse sujeito poderá alargar seus anos de estudo na língua, mas se
persistir a concepção de ensino puramente codificada da língua, continuará com sérias
dificuldades em associar a leitura e a produção de textos as suas práticas sociais.
Portanto, antes de qualquer trabalho pedagógico que envolva produção de textos,
o docente deve orientar os seus alunos a seguirem os caminhos apontados por Geraldi
(1991). Segundo o autor, ao produzir um texto, oral ou escrito, o aluno faz uma ‘proposta
de compreensão’ ao seu interlocutor (ouvinte/leitor). Geraldi (1991) assegura ainda que
discutir as atribuições das circunstâncias de produção na formação dessa oferta de
compreensão implica que o locutor deve: ter o que dizer e motivos para dizer o que se tem
a dizer; ter um interlocutor e estabelecer-se como locutor (sujeito que diz o que diz e para
quem diz) e por último, selecionar as estratégias para realizar tal proposta de
compreensão.
Para Schneuwly e Dolz (2004), o gênero é utilizado como meio de articulação
entre as práticas sociais e os objetos escolares, principalmente, no domínio da produção
de textos orais e escritos. Três pontos são discutidos nessa perspectiva: a noção de
gênero será situada em relação à prática de linguagem e de atividade de linguagem; seu
funcionamento no quadro escolar será examinado um caminho; um caminho será
esboçado para melhor conhecer e precisar esse funcionamento.
Alguns professores de Língua Portuguesa dos níveis de ensino fundamental e
médio das escolas brasileiras apresentam uma nebulosidade em definir uma concepção
33
teórica de ensino de língua através de gêneros textuais para as suas aulas. Por
conseguinte, com raras exceções, constatamos nessas aulas um ensino tácito ao que está
posto nos livros didáticos, e uma réplica do modelo tal qual aquele docente foi
alfabetizado. Alves Filho (2001, p. 73) é bastante enfático nessa questão: “precisamos
pensar e planejar, buscando apoio teórico relevante, as práticas que urgem tomar parte
do cotidiano escolar a fim de que orientemos os alunos a lidarem com a dinamicidade, a
concretude, a riqueza e a utilidade dos gêneros”. Embora, esses professores não
assumam, há uma concepção de ensino relacionada aos gêneros textuais subjacente que
permeia o seu fazer pedagógico.
Para falarmos da importância do ensino de língua através de gêneros textuais se
faz necessário enfocar os pressupostos enunciativos e discursivos bakhtinianos que
caracterizam tais gêneros a partir das esferas de atividades e de comunicação. Diante
dessa perspectiva, não faz sentido para os aprendizes da Língua Portuguesa, receber um
ensino limitado apenas nos aspectos formais e estruturais do texto. Inegavelmente, esses
têm o seu valor na composição final do texto. Porém, de maior relevância nessa
composição são os aspectos relacionados ao contexto sócio-histórico e cultural que
interferirão diretamente na fundamentação e compreensão das produções textuais.
Alves Filho (2011, p. 78) recomenda que o trabalho com os gêneros no contexto
escolar
[...] precisa, antes de tudo, ser realizado não a partir de e com textos
únicos, isolados e descontextualizados, mas com grupos de textos que
possuem características funcionais e retóricas comuns ou parecidas e
que podem nos ajudar a compreender como os grupos sociais
interagem através da linguagem e satisfazem suas necessidades
comunicativas.
O ensino pautado em gêneros textuais muito facilitará a compreensão e produção
textual dos alunos, caso esses sejam instigados a produzir a partir de critérios claros
como: a forma de dizer, para quem e o que dizer, definição clara do propósito
comunicativo, que gênero textual selecionar para atender tal objetivo comunicativo,
qual o ambiente de produção e de circulação, onde será publicado, se for o caso.
Concordamos com Alves Filho (2001), uma vez que o autor elenca alguns
equívocos que ainda ocasionalmente se fazem presentes em livros didáticos e práticas
34
de sala de aula pouco produtivas para o ensino de Língua Portuguesa através de gêneros
textuais. Passaremos aos equívocos:
a) Apenas diversificar os exemplos, não adianta, somente, expor para os alunos
uma grande diversidades de gêneros textuais, sem propor alterações na abordagem, nos
eventos deflagradores (que situação comunicativa social se faz necessário ou se pede o
uso de tal gênero), quais os gêneros textuais antecederam este em uso, nos propósitos
comunicativas e na seleção e reorganização dos textos, haja vista que pouco mudará a
competência genérica dos alunos caso persista o ensino de Língua Portuguesa através de
gêneros pautado somente na forma, no conteúdo (superfície do texto) e nas
classificações (agrupar gêneros por rótulos);
b) Segundo equívoco, Abordar de modo igual gêneros diferentes, a escola ao
trabalhar os gêneros textuais dessa forma acaba ignorando toda diversidade e
heterogeneidade existente neles. Embora, sejam relativamente estáveis como afirmou
Bakhtin (1997), não se orienta concebê-los e estudá-los de forma engessada sem
considerarmos aquilo que o caracteriza no seu propósito comunicativo e o seu
funcionamento. Um determinado tema nem sempre servirá como ponto de partida para a
produção textual de gêneros diferentes. Se há variedades de gêneros, consequentemente
ocorrerá variedade na forma de abordá-los nas atividades de leitura e de produção textual.
c) Terceiro equívoco, Reproduzir acriticamente modelos estruturais. Comumente,
se detecta práticas pedagógicas que se preocupam unicamente em classificar e reproduzir
modelos da composição do gênero, priorizando-o somente como estrutura. Isto nega os
aspectos cognitivos, interativos, sócio-históricos, contextuais e culturais tão necessários
na efetiva autenticidade dos gêneros textuais. Na abordagem de gêneros textuais a função
comunicativa sempre prevalecerá sobre a forma, nunca o contrário.
d) Quarto e último equívoco, Apegar-se excessiva e acriticamente à rotulação,
Embora os professores assumam que trabalham o ensino de Língua Portuguesa através
de gêneros textuais, frequentemente observamos nas práticas pedagógicas um grande
apego em classificar e rotular esses gêneros. Isso, apenas estanca um ensino a partir de
gêneros que muito teria a ser explorado. Dessa forma, deixa-se de analisar a sua
funcionalidade, o seu propósito comunicativo, a sua dinamicidade mutante, a sua
incorporação naqueles que o precederam, o seu evento deflagrador, o seu interlocutor, o
seu hibridismo, a sua plasticidade, etc. Enfim, a classificação e a rotulação de gêneros
são insuficientes para se esgotar o assunto.
35
Schneuwly e Dolz (2004, p. 74) afirmam ser “através dos gêneros que as práticas
de linguagem materializam-se nas atividades dos aprendizes”, uma vez que eles se
constituem ponto de comparação que situa tais práticas. Por sua vez Bakhtin (1992), diz
que os gêneros podem ser considerados como instrumentos que fundamentam a
possibilidade de comunicação assumindo formas relativamente estáveis.
Três aspectos fundamentais asseguram a definição do gênero como suporte de
uma atividade de linguagem, quais sejam: a) Os conteúdos e os conhecimentos que se
tornam dizíveis por meio deles; b) Os elementos das estruturas comunicativas e
semióticas; c) As configurações específicas de unidades de linguagem, traços da posição
enunciativa do enunciador e dos conjuntos particulares de sequências textuais e de tipos
discursivos que formam a sua estrutura, isto é, a sua heterogeneidade nas práticas de
linguagem, ou seja, regularidade de uso.
A partir dessa visão, a aprendizagem da língua efetiva-se no espaço situado entre
as práticas e as atividades de linguagem, tomando por base que o gênero se define como
um ‘megainstrumento’ nas situações comunicativas.
Segundo Schneuwly e Dolz (2004), a escola desagrega a função primordial dos
gêneros textuais por não o conceber somente com instrumento da comunicação, mas,
também, como objeto de ensino e aprendizagem. Em muitos casos, a comunicação
desaparece em benefício da objetivação e o gênero passa a ter como objetivo principal
as propriedades puramente da forma linguística. Consequentemente, as relações
sociointerativas dos gêneros textuais com as práticas sociais são prejudicadas por uma
separação, visto que as produções de textos assumem uma forma sequencial repetitiva
voltada para as tipologias de textos (narração, descrição, dissertação, injunção).
A forma como a escola conduz o ensino da apropriação dos gêneros textuais
para os alunos nem sempre apresenta uma situação adequada de comunicação
sociointerativa, visto que, mesmo apresentando a necessidade de criações de objetos
escolares para um processo de ensino e aprendizagem eficaz de gêneros, realiza-o numa
progressão linear, do simples para o complexo, definido por meio do objeto descrito
numa abordagem puramente representacional, não comunicativa. Além disso, foca o
sentido da escrita nas particularidades das situações escolares e sua utilização em
processos de aprendizagem, mas desconsidera e não utiliza os modelos externos não
modelizados das formas de linguagem, evidenciando as contribuições das práticas de
referência, mas negando as particularidades das situações escolares como lugares de
comunicação que transformam tais práticas.
36
Para o desenvolvimento da linguagem no tocante aos gêneros escolares devemos
conceber os instrumentos de trabalho, considerando os seguintes aspectos: 1) Toda
introdução de um gênero na escola é o resultado de uma decisão didática que visa
objetivos precisos de aprendizagem, os quais se definem como aprender a dominar o
gênero e melhor compreendê-lo; 2) O gênero sofre transformação por funcionar em
outro lugar social.
Para Schneuwly e Dolz (2004, p. 82), o trabalho didático com gêneros exige três
princípios básicos: o princípio da legitimidade (referência aos saberes teóricos ou aos
saberes elaborados por especialistas); o princípio da pertinência (referência a
capacidade dos alunos, às finalidades e aos objetivos da escola, aos processos de ensino-
aprendizagem e o princípio da solidarização (tornar coerente os saberes em função dos
objetivos visados).
Nesta intervenção pedagógica partimos do princípio de que a escola é o contexto
no qual as diversas situações com a escrita tornam-se necessárias. Dessa forma, as
situações de comunicação devem ser geradas como uma prática na qual o gênero é
aprendido através de circunstâncias próprias à situação e às interações entre os falantes.
2.4 OS PCN E O ENSINO COM GÊNEROS TEXTUAIS 3
Atualmente, nas escolas brasileiras de educação básica, por mais longínqua e
carente que seja não há desculpas para deixar de conceber o ensino sem levar em
consideração as orientações curriculares propostas pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais. Primeiro, pelo fato do Ministério de Educação e Cultura - MEC
disponibilizar esse material para todas as escolas; em segundo, porque em todas as
formações e capacitações de professores os PCN estão presentes como referencial
teórico; em terceiro, pela viabilidade prática desse material em unificar o discurso
curricular em todas as áreas do conhecimento. Essas orientações criadas pelo MEC a
partir de meados da década de noventa se estabeleceram como um norte pedagógico em
prol da qualidade do ensino.
3 Embora a concepção de linguagem presente nos PCN evidencie a natureza discursiva do texto pautado nas ideias
difundidas por Bakhtin (1992), o termo que se encontra registrado no texto oficial é equivocadamente, gênero textual.
Esse último, usado por Marcuschi (2003), não para opor-se ao primeiro, uma vez que, segundo o Autor, comunicar-se
por meio de algum gênero do discurso é utilizar obrigatoriamente algum tento, por isso ele passa a utilizar o termo
gêneros textuais como uma necessidade na identificação de fenômenos específicos.
37
A meta principal do MEC ao estabelecer os PCN foi fomentar uma política de
qualidade do ensino que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão
participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres.
Para atingirmos tais propósitos, um dos caminhos seria proporcionar a esse
aluno um efetivo domínio da língua materna que simultaneamente envolva a forma e a
funcionalidade dos textos em uso. Ou seja, o domínio do código linguístico, o domínio
da leitura e da escrita de textos orais e escritos, o domínio em saber moldar e adequar o
uso da linguagem considerando o contexto de comunicação, o interlocutor, o espaço, o
momento, a situação e o propósito comunicativo daquela produção textual.
O domínio da linguagem e a competência do maior número de letramentos estão
presentes dentre os vários objetivos indicados pelos PCN para o ensino fundamental nas
diversas áreas do conhecimento, porém, destacam-se como eficientes e adequados para
o ensino de Língua Portuguesa.
Segundo os PCN (BRASIL, 1998, p. 7 e 8),
Posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas
diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de
mediar conflitos e de tomar decisões coletivas; utilizar as diferentes
linguagens – verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal - como
meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e
usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados,
atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação.
Ao considerarmos que a linguagem se impregna em todas as atividades humanas
em que se faça necessário o uso da comunicação e que os gêneros textuais se
concretizam em tais atividades, há de se convir que quanto maior for o domínio desses
gêneros nos aspectos formais e funcionais, maior será o domínio de leitura, da escrita e
de letramentos sociais. Para os PCN (BRASIL, 1998, p. 26), “Os gêneros são
determinados historicamente. As intenções comunicativas, como parte das condições de
produção dos discursos, geram usos sociais que determinam os gêneros que darão
formas aos textos.” Isso corrobora em afirmarmos que todo falante de uma língua tem
arraigado em sua linguagem em maior ou menor grau de conhecimentos, uma noção
mesmo inconsciente dos usos, formas e funções dos gêneros textuais.
A orientação dos PCN no tocante ao ensino de Língua Portuguesa através de
gêneros textuais segue a proposta de Bakhtin (1992) desenvolvida por Bronckart e
Schneuwly (1999), ao afirmarem que os textos são organizados no interior de um
determinado gênero e concretizam-se em formas relativamente estáveis de enunciados
38
na cultura dos falantes. Embora dividam algumas características comuns, são
heterogêneos e incontáveis. Firmam-se em três pilastras indispensáveis para a sua
concretude: conteúdo temático, estilo e construção composicional.
Os PCN seguem afinados à linha de raciocínio de Marcuschi (2008) ao
defenderem que um autêntico ensino de língua não apresenta dicotomia nem polaridade
nas produções textuais na modalidade escrita e na modalidade falada. Essas se realizam
dentro de um contínuo dos gêneros textuais numa gradação que considera os aspectos
relacionados ao uso formal e informal da língua.
A escola, geralmente, equivoca-se em considerar nas suas aulas de Língua
Portuguesa a perpetuação extrema entre textos falados e textos escritos. Por
conseguinte, consideramos mais agravante, as práticas pedagógicas de ensino da língua
que insistem em considerar a escrita como uma adaptação da fala. Para Marcuschi
(2008, p.208) “Não há equívoco mais inconveniente do que tratar a escrita como mera
transposição da fala para o papel na forma gráfica. A escrita não é a representação
gráfica da fala”.
De igual modo, a proposta educacional orienta que as atividades escolares com a
linguagem não podem ater-se apenas numa visão estreita de ensino de língua materna
que atenta e privilegia a escrita, desvalorizando a fala. Nesse aspecto, os PCN (1998)
aponta que isso só aumenta o mito e o preconceito de que existe uma única forma certa
de falar, de que a fala certa é aquela que se aproxima da escrita, de que o brasileiro fala
mal, de que se deve consertar a fala do aluno para evitar que ele escreva errado.
Nesse sentido, Bagno (1997, p. 57) considera que
O ensino tradicional da língua, no entanto, quer que as pessoas falem
sempre do mesmo modo como os grandes escritores escreveram suas
obras. A gramática tradicional despreza totalmente os fenômenos da
língua oral, e quer impor a ferro e fogo a língua literária como a única
forma legítima de falar e escrever, como a única manifestação
linguística que merece ser estudada.
Por outro lado, Marcuschi (2008), acredita faltar critérios mais claros na
proposta educacional vigente para caracterizar distinções entre textos na modalidade
falada e textos na modalidade escrita.
Partindo dos princípios dos PCN e ao considerarmos toda heterogeneidade dos
gêneros textuais disponíveis na cultura dos falantes, não há como dispensar do ensino
de Língua Portuguesa a imensa diversidade textual que existe fora dos muros da escola
39
que deverão ampliar o leque de conhecimento letrado do aluno. A escola jamais poderá
ignorar o conhecimento social, cultural e os muitos letramentos que o aluno traz consigo
ao adentrá-la.
Isso não implica em diminuir a importância da aquisição da escrita alfabética,
uma vez que segundo os PCN (BRASIL, 1998, p. 34) “A capacidade de decifrar o
escrito é não só condição para a leitura independente como – verdadeiro rito de
passagem – um saber de grande valor social”. Por conseguinte, a escola deve propiciar
um fazer pedagógico que alie essa alfabetização simultaneamente aos letramentos
sociais.
Dessa forma, percebemos que a unidade central do ensino será sempre o texto,
seja oral ou escrito, uma vez que precisamos perseguir o objetivo principal do ensino de
Língua Portuguesa que é expandir a competência dos alunos em produzir e interpretar
textos. Com isso desfaz um grande equívoco que ainda perpetua no ensino de Língua
Portuguesa, que é a centralização do estudo de língua partindo de unidades menores
como a letra, a sílaba, a palavra, a frase de modo descontextualizada até chegar ao texto.
Ora, tal prática pedagógica não se sustenta, nem garante que esse aluno seja um
eficiente leitor e produtor de textos em sua língua, visto que o texto não se caracteriza,
apenas, pela sua extensão. Tomemos o exemplo de um cartaz na porta de um hospital
onde ler-se a palavra ‘silêncio’. Se tomarmos o ambiente de circulação, o propósito
comunicativo, o interlocutor, o locutor e o suporte onde foi veiculado esse enunciado
não há como deixar de considerar essa única palavra como um texto. Porém, se o
professor pede como tarefa de casa que os alunos recortem e tragam palavras iniciadas
com a letra ‘s’, e nessa atividade surge a mesma palavra ‘silêncio’. Isso não se
caracteriza texto nem parte dele, pois não se concebe como nenhuma situação
comunicativa de fato.
Outro equívoco apontado pelos PCN no ensino de Língua Portuguesa é a prática
pedagógica de simplificar e diminuir os textos para as crianças, objetivando atraí-las
para o mundo da leitura e da escrita. Empreitada, com pouco êxito. O que de fato
deveria ocorrer é ofertar para os alunos textos ricos, significativos e de qualidade,
independentemente da extensão, pois haveria um maior interesse pela leitura à medida
que o leitor se apropria dos textos.
A partir destas considerações sobre o ensino de língua materna pautada no
objetivo de desenvolver a competência discursiva e comunicativa dos alunos e como
objeto didático o texto em suas manifestações orais e escritas, numa vertente que
40
considera a linguagem como prática social, os gêneros textuais discursivos devem tomar
espaço no contexto da sala de aula. Dessa modo, como elegemos esta perspectiva para
o desenvolvimento de uma prática pedagógica, enfocamos o gênero memórias sobre o
qual refletimos a seguir.
2.5 O GÊNERO TEXTUAL MEMÓRIAS
Tudo o que era guardado à chave
permanecia novo por mais tempo. Mas
meu propósito não era conservar o
novo, e sim renovar o velho.
Walter Benjamin
Para a realização da intervenção pedagógica selecionamos o gênero memórias
por apresentar características de produção textual que simultaneamente envolve a língua
nas modalidades escrita e oral. Oportunidade em que transformamos experiências
vividas, lembradas e relatadas em textos narrativos, tendo em vista que se enquadra
entre os gêneros de narrativas que propiciariam aos alunos e ao professor envolvido na
pesquisa desenvolverem os processos de retextualização - da fala para a escrita –
objetivo central deste estudo.
Outra razão para a escolha deste gênero envolve paralelamente os aspectos
metodológicos adotados pela Olimpíada Nacional de Língua Portuguesa (ONLP) com
os desenvolvidos nesta intervenção pedagógica. Considerando que tal concurso mesmo
não sendo de caráter obrigatório, capta uma grande adesão quanto à participação das
escolas públicas, o certame indica o gênero memórias para se trabalhar produção textual
nos anos finais do ensino fundamental.
2.5.1 Sobre memórias
Para melhor compreensão, das ações didáticas empreendidas, definimos alguns
conceitos sobre memória que no geral, está inerente a produções textuais discursivas
orais ou escritas usadas para resgatar vivências, recordar épocas baseados em
lembranças pessoais repletas de relatos inventivos ou reais para contar a própria vida ou
de outrem.
41
Relatos vinculados em sociedades que podem ter uma memória de cunho
estritamente oral ou de cunho estritamente escrito. Fator que denota importante
diferença entre ambas, uma vez que ocorrem as fases de transição da oralidade à escrita
que Jack Goody (1977, p. 29-52) nomina de “a domesticação do pensamento
selvagem”, e, por conseguinte, Jacque Le Goff (2013, p. 390) caracteriza tais fases em
cinco graus sucessivos da memória no processo histórico, a saber:
a) Primeira fase - A memória étnica nas sociedades sem escrita, ditas selvagens:
memória coletiva com ênfase na existência das etnias ou das famílias – mitos de origem;
Interesse pelos conhecimentos práticos, técnicos, de saber profissional; Transmissão de
conhecimentos secretos; Existência de especialistas da memória, homens-memória; Não
necessidade de uma rememorização exata, palavra por palavra; Com exceção para o
canto, há mais liberdade e mais possibilidades criativas.
b) Segunda fase - O desenvolvimento da memória: da oralidade à escrita, da Pré-
História à Antiguidade: Profunda transformação da memória coletiva; Surgimento de
figuras ‘mitogramas’ paralelo à mitologia que se desenvolve na ordem verbal;
Desenvolvimento de duas formas de memória: A comemoração, a celebração através de
um monumento comemorativo de um acontecimento memorável e o documento escrito
num suporte especialmente destinado à escrita.
c) Terceira fase - A memória medieval no Ocidente: Cristianização da memória
e da mnemotécnica; Repartição da memória coletiva entre uma memória litúrgica
(Antigo e Novo Testamentos) girando em torno de si mesma e uma memória laica de
fraca penetração cronológica; Desenvolvimento da memória dos mortos; Papel da
memória no ensino que articula o oral e o escrito e o surgimento de tratados de
memória.
d) Quarta fase - Os progressos da memória escrita e figurada da Renascença aos
nossos dias: Revolução pela imprensa, Memória social da Antiguidadade embutida nos
livros; Rápida dilatação da memória coletiva; Destaque para a memória técnica,
científica e intelectual e o Romantismo literário.
e) Quinta e última fase - Os desenvolvimentos contemporâneos da memória,
Surgimento da máquina de calcular durante a segunda guerra; Surgimento da memória
eletrônica e a substituição da memória arquivista pelo banco de dados.
Mesmo com o surgimento das novas tecnologias na sociedade contemporânea, a
memória, paralelamente, não perdeu o seu espaço nessa sociedade seja no campo da
oralidade, seja no campo da escrita.
42
Destacamos que nem sempre a veracidade de datas e acontecimentos narrados é
prejudicial para darmos vida e voz aos relatos que constituirão as memórias. Nesse
sentido, Bosi (1994, p. 419) reforça que “Às vezes, há deslizes na localização temporal
de um acontecimento...Falhas de cronologia se dão também com acontecimentos
extraordinários da infância e da juventude...uns e outros sofrem um processo de
desfiguração, pois a memória grupal é feita de memórias individuais”.
Outro fator que enriquece a vivacidade dos relatos na formação das memórias é
a imparcialidade do entrevistador quanto às ideologias e posicionamento político do
idoso entrevistado.
Para Bosi (1994, p. 458-459)
Não me cabe aqui interpretar as contradições ideológicas dos sujeitos
que participaram da cena pública. Já se disse que ‘paradoxo’ é o nome
que damos à ignorância das causas mais profundas das atitudes
humanas… Explicar essas múltiplas combinações (paulistismo de
tradição mais ademarismo; ou tenentismo mais paulistismo mais
comunismo; ou integralismo mais getulismo mais socialismo) é tarefa
reservada a nossos cientistas políticos, que já devem ter-se adestrado a
estes malabarismos. O que me chama a atenção é o modo pelo qual o
sujeito vai misturando na sua narrativa memorialista a marcação
pessoal dos fatos com a estilização de pessoas e situações e, aqui e ali,
a crítica da própria ideologia.
Dessa forma, há de se conceber que a imparcialidade política e ideológica do
entrevistador, em relação ao pensamento do entrevistado, é fator preponderante para que
os relatos possam fluir.
Para Smolka, Laplane & Braga (2008),
[...] as lembranças emergem dinamicamente, permeadas e constituídas
pelos sentimentos, conhecimentos, emoções. Em certas circunstâncias,
fragmentos ou traços significativos para o sujeito podem ser
lembrados ou esquecidos. As recordações têm, em geral, uma
qualidade nebulosa, confundindo e condensando imagens, lugares,
espaço, tempo [...]
As memórias sempre despertaram muitas curiosidades em todos os tempos e
sociedades pelo alto grau de exposição de fatos pessoais, principalmente, quando se
trata de relatos envolvendo celebridades ou pessoas de destaque social. Ainda para o
43
senso comum, a memória também pode ser associada à mente de sujeitos inteligentes,
conforme destacamos no conceito dicionarizado,
Memória (Do lat. Memoria) S.f 1. Faculdade de reter as ideias,
impressões e conhecimentos adquiridos anteriormente [...] 2.
Lembrança, reminiscência, recordação [...] 3. Celebridade, fama,
nome. 4. Monumento comemorativo. 5. Relação, relato, narração [...]
(Dicionário da Língua Portuguesa, Novo Aurélio, séc. XXI, 1986,
p. 1117)
Por outro lado, no campo científico a memória é constantemente objeto de
estudos, tanto na área das ciências humanas quanto na área das ciências médicas.
Especificamente, abrange pesquisas nos setores da história, da educação, da filosofia, da
psicologia e da linguística etc., havendo uma constante preocupação da comunidade
acadêmica e científica em fomentar esses estudos relacionados à preservação da
memória, visto que, seguindo em direção contrária, os novos aparatos tecnológicos
disponíveis em massa no século XXI parecem distanciar e diminuir o valor atribuído à
memória pela sociedade usuária de tais tecnologias. Coracine e Ghiraldelo (2011)
ampliam tal discussão ao afirmarem que,
[...] o mito do novo do jovem, do moderno, do presente parece apontar
para a desvalorização da História, do passado, da memória, do povo,
marcada nas ruas, na arquitetura, nas artes em geral, na culinária, nos
costumes, nas falas, nas (auto) biografias, o que parece apontar para a
cisão do sujeito e de sua natureza própria dos tempos denominados
(pós) modernos.
Esse apego desmedido da sociedade pelas novas tecnologias fez surgir um ser
cada vez mais individualista dominado pelo exibicionismo e pelo deslumbramento de
consumo capitalista. Há, neste século XXI, claramente, um isolamento dos indivíduos
no tocante ao diálogo face a face, seja no meio profissional, familiar, conversas
cotidianas de bares, de restaurantes e de reuniões familiar. Esse novo e isolado sujeito
que dispõe de todas as facilidades tecnológicas de comunicação busca, paradoxalmente,
o outro como forma de autoconhecimento e identificação através de autobiografias.
Essas se realizam, não só na concepção histórica do gênero textual, mas também, em
perfis, relatos e imagens expostos nas redes sociais.
44
Isso retoma, mesmo que inconscientemente, o caminho de volta para a própria
história, haja vista que esse sujeito busca falar de si para não cair no anonimato de uma
sociedade que ostenta o consumo impulsionado pela globalização e nega o singular de
um indivíduo que acima de tudo tem a sua história e o seu diferencial. Esse clamor
individual do sujeito reflete uma forma de eternizar na memória os seus traços pessoais
como forma de deixar a sua herança.
Coracine e Ghiraldelo (2011) fazem abordagens histórica, psicológica,
discursiva, psicanalítica e desconstrutivista da memória, visto que, tais abordagens são
inerentes à linguagem, ao sujeito e à história.
As autoras enfatizam que a abordagem histórica concebe a memória fazendo
uma relação ao povo, às nações e à coletividade. Isso reflete fazer uma retrospectiva à
memória histórica da Grécia antiga que, ainda hoje, influencia nos costumes e vivências
do homem moderno. Sociedade marcada pela mitologia e pela memória através da
oralidade, de tal maneira que os grandes atributos para selecionar mestres ou filósofos
naquela sociedade eram o excelente raciocínio e o conhecimento da verdade transmitido
por interlocutores face a face. A posteriori, essas verdades expandiam-se para a
memória da coletividade.
Com a passagem desses relatos para a escrita passou-se a duvidar dessas
verdades uma vez que não havia interlocutores para argumentar ou debater possíveis
dúvidas e equívocos postos na escrita. Isso se constituía como uma permanência das
ideias daqueles que proferiam tais verdades e discursos.
Depreendemos nessa situação uma semelhança com grupos pertencentes às
sociedades atuais que usam o discurso ideológico como forma de perpetuarem-se no
poder. Temos observado que este discurso ideológico e conservador nas aulas de
Língua Portuguesa das escolas brasileiras que insistem em manter um ensino restrito à
gramática da norma padrão.
Admitimos que essa evolução da escrita, muito contribuiu para poupar a memória
humana, como também para facilitar os agendamentos, os registros, os documentos, a
produção de trabalhos científicos, a narração de fatos, notícias e reportagens, seja em
tempo real ou posteriormente, tendo, por conseguinte, a opção de arquivá-los ou apagá-
los. Ações que no século XXI se expandem com maior facilidade pelos novos recursos
tecnológicos da comunicação. Para Coracine e Ghiraldelo (2011, p. 27),
45
[...] a escrita permitiu que muito do passado, inacessível por outras
vias, chegasse até nós, transformado, sem dúvida alguma, mas
portando a ilusão do mesmo, do acesso a um tempo que não vivemos,
mas que nos precede e, como tal, nos anuncia e deixa o seu legado. É
o que denominamos memória histórica [...] os textos escritos garantem
a permanência dos autores e de suas supostas intenções na memória
dos vivos.
A escrita que constitui a memória na íntegra passa por acréscimos, subtrações,
correções e transformações, e isso faz com que seja permitida a abertura de
questionamentos sobre a sua veracidade.
Quanto à abordagem psicológica cognitiva, as autoras asseveram que este tipo
relaciona a memória com o comportamento individual e social, e com o desempenho
cognitivo, ou com o conhecimento, que é inferido de objetos da percepção passada ou
de emoções passadas, sentimentos e estado de consciência, pressupondo, portanto, um
sujeito do conhecimento.
A cognição gera no sujeito uma memória consciente conquistada no contexto
social permitindo ser efetuada por meio de ações que se repetem. Tomamos o exemplo
das ações e procedimentos que um habitual passageiro com bagagens deve seguir em
um aeroporto: Chegar com uma hora de antecedência do voo, imprimir o bilhete,
despachar as bagagens, embarcar e seguir as normas de procedimentos de voo da
companhia aérea. Essa última não precisa ser exaustivamente explicada, pois o
passageiro já tem na mente esse conjunto de conhecimentos necessários para a
compreensão daquela situação. Na memória desse passageiro basta acionar uma palavra
desse campo semântico para ele descortinar o conhecimento neste conjunto de ações.
A abordagem discursiva desloca a ideia de memória como lembrança ou
recordação de algo supostamente ocorrido como forma do sujeito se dizer e dizer ao
mundo. Vale destacar a distinção entre a memória institucional (jurídica, familiar,
religiosa, militar etc) e a memória discursiva. Enquanto a primeira centra o foco no
resgate de valores e eventos priorizando serem lembrados; a memória discursiva é
constituída por esquecimentos.
Isso não implica dizer que a memória institucional mantenha-se inalterada,
podemos citar o exemplo das constantes transformações na composição da atual
constituição da família do século XXI comparada àquela de séculos passados. Já para a
memória discursiva caracterizada por interpretações e centrada no esquecimento diz
respeito à existência histórica de enunciados em práticas discursivas que marcam a
46
relação do homem com a linguagem. Dessa forma, a memória discursiva estaria
materializada pela e na linguagem sendo remetida à história e a historicidade do sujeito.
Para adentrarmos na abordagem psicanalística da memória se faz necessário
evidenciarmos a diferença com a abordagem psicológica da memória. Enquanto essa
última toma a memória como um ato consciente, de gestos associativos a partir de
estímulos ou de um desejo consciente; a primeira defende que a memória não é
rememoração nem dela necessita porque ela já se acha registrada no corpo que organiza
a relação deste com o real. Sendo assim, a ideia da memória como lembrança é
deslocado para centrá-la na constituição dos sujeitos e dos discursos, postulando a
memória e a percepção como acontecimentos inconscientes.
Por último, a abordagem desconstrutivista da memória que é construída por
esquecimentos. Afinal, lembramos porque esquecemos. Esse movimento sempre
retroage em busca de fragmentos que formam o inconsciente, verdadeiro arquivo de si.
Nele são depositados acontecimentos traumáticos ou não, cruzados com recalques ou
traços significantes responsáveis pela construção da subjetividade e que respondem pela
singularidade de cada um.
Nesse sentido, a memória desconstrutivista está pautada em transformações,
invenções e acréscimos realizados nas histórias que acreditávamos estarem esquecidas
ou apagadas.
Partindo do princípio de que as abordagens discursivas, desconstrutivista e
psicanalítica sobre a memória guardam suas peculiaridades, há nelas um ponto de
equilíbrio em comum que convergem para afirmar que a memória se faz ou se dá
também pelo esquecimento; a memória se faz no e pelo outro, no outro de si,
caracterizando-se concomitantemente como social e singular.
Acreditamos ser dificultoso credenciarmos a memória como gênero textual, uma
vez que é um tema bastante abrangente envolvendo estudos das ciências humanas e
médicas. Smolka, Laplane e Braga (2008, p. 30), argumentam “que a linguagem não é
apenas instrumental na (re)construção das lembranças; ela é constitutiva da memória,
em suas possibilidades e seus limites, em seus múltiplos sentidos, e é fundamental na
construção da história.”
Por outro lado, partindo dos princípios bakhtinianos sobre gêneros, podemos
considerar memórias como uma atividade humana que requer o uso da linguagem
interacional do sujeito cumprindo um propósito comunicativo numa dada situação
social. Nessas memórias há presença de uma composição, de um conteúdo e de um
47
estilo que torna o seu enunciado relativamente estável. Isso nos credencia a
defendermos memórias como um gênero textual.
Diante de todas as abordagens expostas, a psicológica é a que mais se afina com o
nosso propósito de nominarmos memórias de narrativas de vidas como gênero textual.
Isso se sustenta a partir do evento social comunicativo que se deu pelo encontro entre os
adolescentes e os idosos de uma mesma comunidade com o objetivo de resgatarmos
lembranças, histórias, vestígios e reminiscências da localidade e da vida daqueles idosos.
Esse resgate foi ativado através de objetos como fotografias e pertences pessoais
entre outros, previamente solicitados, que de alguma forma despertavam a memória
cognitiva desses idosos para impulsionar os relatos dos acontecimentos passados.
Além do trabalho de coleta dos relatos produzidos pelos idosos, em nossa
intervenção pedagógica dentro desta pesquisa, privilegiamos as atividades de
retextualização, propondo a transformação do texto oral para o escrito.
2.6 PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO EM ATIVIDADES ESCOLARES
Neste trabalho, seguimos a orientação teórica de Marcuschi (2010) pautados na
obra Da fala para a escrita: atividades de retextualização, uma vez que nosso objetivo
maior era que os alunos do ensino fundamental compreendessem, praticassem e
refletissem como se deu os processos de transformação de textos (gênero memórias) da
modalidade oral para a modalidade escrita dentro da mesma língua.
Antes de nominarmos este processo de retextualização tal como denominado por
Marcuschi (2010), destacaremos algumas concepções propostas por vários autores. Desse
modo, percebemos que o próprio autor afirma que o termo foi citado pela primeira vez na
tese de doutorado de Neusa Travaglia (1993) com uma abordagem diferente, haja vista
que a autora usou a palavra retextualização para fazer referência à tradução de uma língua
para outra. Além disso, o termo retextualização poderia ser substituído por expressões
como refacção e reescrita usados por Raquel S. Fiad e Maria Laura Mayrink-Sabison
(1991) e Maria Bernadete Abaurre et al (1995), as quais trataram de reescrita (escrita para
escrita) no interior de um mesmo texto. Porém, essa reescrita tratada pelas autoras não
envolveram as operações de retextualização – da fala para a escrita – propostas por
Marcuschi (2010), visto que quando se trata de reescrita age-se no mesmo texto, enquanto
a retextualização dar-se de uma modalidade oral para a escrita.
48
Depreendemos, portanto, que a retextualização é mais abrangente do que a
reescrita, enquanto essa última ocorre dentro da mesma modalidade, a primeira pode
alterar-se de uma modalidade para outra. Caso típico de nossa intervenção, objeto desta
pesquisa a qual analisamos a passagem de uma entrevista oral para um texto narrativo
escrito do gênero memórias. A partir dessa perspectiva, compactuamos com Andrea e
Ribeiro (2006, p. 66) ao afirmarem que “toda retextualização é reescrita, mas nem toda
reescrita gera uma retextualização”.
Seguindo essa linha os PCN (1997) asseguram que o processo de refacção
textual caracteriza-se como uma revisão feita pelos competentes escritores em suas
próprias produções textuais com o objetivo de modificá-los para desfazer-se de
possíveis confusões, ambiguidades, redundâncias e incompletudes.
Como tratamos nessa intervenção pedagógica de analisar os processos de
retextualização - da fala para a escrita - em produções textuais, consideramos
pertinentes abordar alguns estudos já realizados nesta área que sempre permearam a
progressão teórica desse trabalho.
Primeiro, não há como separar em polos opostos a fala da escrita dentro de uma
língua, pois, mesmo havendo peculiaridades entre ambas, as semelhanças preponderam
tanto nos aspectos linguísticos quanto nos aspectos sociocomunicativos. Consideramos
ser bem mais producente, concebermos a funcionalidade concreta dessas modalidades
da língua dentro de um contínuo nos gêneros textuais. Através desse contínuo
atestamos a ocorrência de similaridade, de aproximação ou de distanciamento de
gêneros textuais das duas modalidades nas práticas sociais dos falantes.
Ressaltamos que as diferenças entre a língua falada e a língua escrita estão mais
presentes nas propriedades da língua como a contextualização/descontextualização entre
outros. Todas as diferenças linguísticas da fala e da escrita estão caracterizadas dentro
do contínuo, uma vez que tais características não são categóricas nem exclusivas.
Faz-se oportuno salientar que a fala e a escrita seguem em maior ou menor grau a
normatização da língua. Não é pelo fato da fala apresentar enunciados incompletos ou possuir
excesso de repetições e hesitações que deverá ser considerada como o lugar da desordem da
língua. Ambas as produções textuais falados e escritos são constituídos de múltiplos sistemas
expressivos da comunicação. Enquanto a prosódia, a gestualidade, a mímica etc, servem a
fala; a cor, o tamanho, a forma das letras e dos símbolos servem a escrita.
A maior característica da escrita em relação à fala em uma língua dar-se na
ordem ideológica sócio-política. O domínio da escrita caracteriza-se nas sociedades
49
como uma forma de perduração do poder das classes dominantes. As duas mesmo
apresentando diferenças estão no mesmo patamar a serviço do usuário da língua nas
relações sócio-interativas cotidianas.
Para esta intervenção pedagógica, adotamos a passagem ou transformação do
texto falado para o texto escrito utilizando alguns operadores discursivos de forma que
os sujeitos envolvidos reflitam sobre a não existência de superioridade linguística e
funcional entre ambas, mas que as duas atendem aos propósitos comunicativos do
usuário como ordens diferentes que se complementam para respeitar as necessidades de
interação do usuário da língua.
Ao referir à retextualização, Marcuschi (2010, p. 46) afirma que
[...] não é um processo mecânico, já que a passagem da fala para a
escrita não se dá naturalmente no plano dos processos de
textualização. Trata-se de um processo que envolve operações
complexas que interferem tanto no código como no sentido e
evidenciam uma série de aspectos nem sempre bem compreendidos da
relação oralidade-escrita.
Um dos fatores de maior importância para que haja um proveitoso processo de
retextualização é a compreensão do texto original que será transformado. Isso independe
do posicionamento das ordens (fala - escrita, fala – fala, escrita – fala, escrita – escrita).
No geral, fazemos retextualização em nossa vida diária quase sem atentarmos para os
complexos processos linguísticos que empregamos nessa comunicação. Como
exemplo, citamos o simples cotidiano de vários eventos comunicativos da língua em
que somos imbuídos de repassarmos um acontecido, uma informação, um documento a
outro, etc, seja usando a língua independente da posição das ordens da fala e da escrita.
A escrita, mesmo sendo descoberta pela humanidade numa fase posterior à fala,
impregnou-se em quase todas as práticas sociais nas sociedades onde adentrou. Nessas
sociedades, mesmo aqueles indivíduos considerados analfabetos fazem, de alguma
forma, leituras por estarem envolvidos em eventos e práticas sociais de letramentos.
Podemos citar o exemplo de indivíduos sem o domínio da escrita, mas que conseguem
manusear perfeitamente a moeda local ou identificam transportes coletivos locais.
Tratando-se de letramentos, isto, pode ser o mínimo, mas, geralmente, essas práticas
sociais são marginalizadas pelo ensino escolar que prioriza unicamente o letramento da
escrita normativa.
50
A escola desperdiça uma grande chance de alfabetizar nossas crianças
concomitantemente ao letramento, deixando de oferecer a esse aprendiz o domínio dos
mais diversos letramentos orais e escritos em práticas sociais nas quais ele está
culturalmente inserido. Seja em contextos sociais do cotidiano, da familiar, da religião,
da escola, do trabalho entre outros.
Consequentemente, não é difícil vermos alunos afirmarem que a sua língua
usada no cotidiano não serve para a escola, tampouco ele tem noção da serventia e
utilidade daquela que ele aprende na escola.
Marcuschi (2010) argumenta que embora não haja uma dimensão do valor que
damos à escrita e à oralidade na vida cotidiana, devemos admitir que, as duas estão
alicerçadas a partir de dois pressupostos: primeiro o de que as duas são atividades
comunicativas e práticas sociais situadas; segundo, de que em ambos os casos temos um
uso real da língua.
Diante dessa perspectiva, vale destacar a importância dos usos da oralidade e da
escrita em nossa sociedade atentando para os seus valores funcionais dentro da língua,
discernindo os seus papéis, contextos de uso sem preconceito contra aqueles que falam
diferente da variedade prestigiada.
Embora reconheçamos a importância da alfabetização, jamais devemos
fortalecer o discurso do mito que equipara a alfabetização com o desenvolvimento e
com o raciocínio lógico e abstrato. Isto, não pode ser visto como uma questão simplória,
uma vez que a escrita no seu percurso histórico não segue uma linearidade junto ao
desenvolvimento da humanidade. Na maioria das vezes, ela está subjacente aos
propósitos, às ideologias e aos objetivos dos grupos dominantes. Ou seja, há interesses
escusos dessa valorização exacerbada da escrita sobre a oralidade nas aulas de Língua
Portuguesa. Há de se lamentar, que parte dos professores, profissionais diretamente
responsáveis para desmitificar tais equívocos, perpetua ingenuamente esse mito. Seja
por concordância a ideologia dominante, seja por faltar aquisição de uma concepção
teórica e consistente de ensino da língua.
Nesse aspecto, Antunes (2003, p. 20) afirma que essa prática pedagógica que
privilegia a escrita ainda persiste nos fazeres dos docentes que se reflete no desprazer de
estudar a própria língua. Assim,
[...] o quadro nada animador (e quase desesperador) do insucesso
escolar, que se manifesta de diversas maneiras. Logo de saída,
51
manifesta-se na súbita descoberta, por parte do aluno, de que ele ‘não
sabe português’. De que ‘o português é uma língua muito difícil’.
Posteriormente, manifesta-se na confessada (ou velada) aversão às
aulas de português e, para alguns alunos, na dolorosa experiência da
repetência e da evasão escolar.
Não são poucos os casos onde a escola rejeita o falar comunitário e familiar que
o aluno traz consigo ao adentrá-la. Consideramos que esse falar deve ser levado em
conta, para que a partir ou em paralelo a ele, ensine-lhe outros usos orais de variedades
da língua que se adequem a outras instâncias públicas de comunicação. De forma que
leve esse aluno a refletir que a sua linguagem provincial seria insuficiente para abranger
outras práticas sociais mais complexas de comunicação. Isto inclui contextos de
comunicação conforme o grau de formalidade, o assunto tratado, a relação de
aproximação entre os interlocutores e dos propósitos comunicativos daquela interação.
O fato de a escola persistir em um ensino de língua que polariza a
funcionalidade entre textos escritos e textos orais pouco ou nada acrescenta ao aprendiz
em tornar-se um eficiente produtor de textos, visto que essa polarização só fomenta
mitos que atrapalham o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno.
Para Tanner (1982) as estratégias marcantes da oralidade podem ser encontradas
em um texto escrito em prosa, como também, podem ser encontradas estratégias
comumente utilizadas na escrita em texto oral formal. Para a autora, as diferenças
formais ocorrem em função do gênero e do registro linguístico, e não em função da
modalidade oral e escrita.
Já para Koch (2002), há textos escritos que se situam mais próximos da fala, a
exemplo de inscrições em paredes; ao mesmo tempo há textos falados que se
aproximam da escrita formal, a exemplo de conferências acadêmicas. A autora cita
ainda que podem ocorrer os gêneros mistos, quando os textos se concretizam entre a
grafia e a oralidade, a exemplo de um noticiário de TV.
Para Rojo (1998, p. 122) “Os pesquisadores de aquisição de linguagem oral
tendem hoje a reconhecer que o processo de letramento encontra-se em estreita relação
com a construção social do discurso oral (sobretudo narrativo).”
As condições de produção desiguais que sugerem o grau de intensidade e de
dependência do contexto, a intensidade do grau de planejamento e uma maior ou menor
submissão às regras gramaticais são fatores determinantes das diferenças entre as
modalidades oral e escrita da língua.
52
Para Marcuschi (2010), o contínuo dos gêneros é que diferencia ou
correlaciona os textos nas modalidades escrita e oral de uso da língua. Nesse contínuo
de variação, devem ser levados em consideração, aspectos como as estratégias de
formulação, a seleção lexical, o estilo, o grau de formalidade etc. Dessa forma, seja oral
ou escrito as semelhanças e distinções entre eles irão surgir.
Por sua vez Scarpa (1987) afirma que, embora haja um ininterrupto processo
entre a aquisição e o desenvolvimento de linguagem oral e a aprendizagem da escrita,
esse não ocorre de forma linear. Sobretudo, por ser um processo que envolve
necessariamente a presença do sujeito, do outro, do mundo e a própria linguagem, em
interação e inter-relação.
Tendo como panorama fazer uma reflexão do contínuo em interseção entre a
língua falada e a língua escrita, o presente trabalho constitui-se como uma proposta de
intervenção pedagógica, organizada a partir de sequências didáticas, que contemplem os
processos de retextualização, no qual os alunos desenvolvam atividades de produção
textual seguindo os operadores discursivos propostos por Marcuschi (2010), percebendo
como se dá a passagem da oralidade para escrita.
Para aclarar nosso entendimento, expomos o modelo das operações textuais-
discursivas na passagem do texto oral para o escrito proposto por Marcuschi (2010)
Quadro 03: Modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral para o texto escrito
Fonte: Marcuschi (2010, p. 75)
53
Tais operadores podem ser divididos em dois grandes grupos: o primeiro,
comporta da primeira a quarta operação que remetem as regras de regularização e
idealização, substanciam-se nas estratégias de eliminação e inserção, mas não há de fato
uma transformação por completo; o segundo grupo, comporta da quinta a nona operação
e as operações especiais, caracterizam-se como ponto fundamental nas regras de
transformação envolvendo mudanças no texto original. Grupo com maior poder nos
processos que se concretizam a retextualização.
Para o autor, as atividades de retextualização são corriqueiras e automatizadas
no nosso cotidiano, mas não são mecânicas. Elas se dão nas sucessivas reformulações
do mesmo texto numa emaranhada variação de registros, gêneros textuais, níveis
linguísticos e estilos.
A retextualização se faz presente em várias práticas sociais de uso da língua a
exemplo de uma redação de uma ata por uma secretária ao final de uma reunião, alguém
contar ao outro uma notícia que acabou de ler num jornal, alguém relatar para outro o que
acabou de ouvir no noticiário da TV, alguém resumir para outro o que se viu em um
filme, numa peça teatral ou num acontecido cotidiano da comunidade, anotações por parte
dos alunos de uma aula expositiva, uma sentença jurídica ditada por um juiz para um
escrevente, a escrita de uma súmula pelo árbitro ao final de uma partida de futebol, etc.
Os processos de retextualização podem ocorrer nos seguintes casos: a) Da fala
para a escrita (entrevista oral para a entrevista impressa); b) Da fala para a fala
(conferência para tradução simultânea); c) Da escrita para a fala (texto escrito para
exposição oral) e d) Da escrita para a escrita (texto escrito para um resumo escrito).
Neste estudo, detemo-nos na retextualização da fala para a escrita, a partir dos relatos
orais dos idosos, gravados e transcritos para uma produção textual escrita do gênero
textual memórias.
Vale ressaltar que, diante das nove operações textuais discursivas citadas na obra
de Marcuschi (2010), analisamos aquelas mais recorrentes nos textos. Serão dispensadas
das análises as duas últimas operações, quais sejam “a reordenação tópica do texto e
reorganização da sequência argumentativa, de estruturação argumentativa,” bem como “o
agrupamento de argumentos condensados as ideias, estratégia de condensação,” por tratar-
se de operadores adequados para sequências textuais argumentativas de pouca incidência
na forma e no conteúdo no gênero memórias analisado neste trabalho, haja vista que
possui sequência tipológica predominantemente narrativa.
54
As operações especiais apesar de constarem no modelo das operações textuais-
discursivas na passagem do texto oral para o texto escrito proposto pelo autor, também
foram dispensadas das análises pelo fato de optarmos, nesta intervenção pedagógica,
por uma produção textual narrativa do gênero memórias com pouca ênfase na presença
de turnos dialogados.
Embora, reconheçamos que os objetos, fotografias, pertences de estimação e a
própria memória dos idosos foram fios condutores para o desencadeamento das
entrevistas, os alunos participantes foram orientados para que durante a retextualização
condensassem o texto final do gênero memórias sem a topicalização de perguntas.
Elencamos as operações textuais-discursivas propostas por Marcuschi (2010)
escolhidas para o fim a que se propõe este trabalho, a saber:
a) A primeira operação - Eliminação de marcas estritamente interacionais,
hesitações e partes de palavras (estratégias de eliminação baseada na idealização
linguística). Nessa estratégia, buscamos eliminar os elementos linguísticos
tipicamente de marcas da oralidade ausentes em textos escritos.
b) A segunda operação - Introdução da pontuação com base na intuição fornecida
pela entoação das falas (estratégias de inserção em que a primeira tentativa
segue a sugestão da prosódia). Nessa operação, se fez necessário analisar o uso
da pontuação para um claro entendimento do texto escrito. Assim sendo, na
pontuação nas produções textuais dos alunos levamos em conta a entoação da
fala, uma vez que o objeto de aplicação do processo de retextualização são
relatos orais.
c) A terceira operação – Refere-se à retirada de repetições, reduplicações,
redundâncias, paráfrases e pronomes egóticos (estratégia de eliminação para
uma condensação linguística), conforme Marcuschi (2001), considerando-se que
a oralidade se caracteriza por uma sucessiva repetição. Isso ocorre tanto no
campo lexical quanto no sintagmático, concorrendo para um exagero de
construções paralelas.
d) A quarta operação - Introdução da paragrafação e pontuação detalhada sem
modificação da ordem dos tópicos discursivos (estratégia de inserção). Nessa
operação, buscamos depurar dois constituintes desse processo, a pontuação e o
parágrafo, cuja natureza remete à idealização linguística.
55
e) A quinta operação - Introdução de marcas metalinguísticas para referenciação de
ações e verbalização de contextos expressos por déitico (estratégia de
reformulação objetivando explicitude). Para essa operação, elegemos uma das
características principais da oralidade que é utilizar-se sistematicamente do
contexto físico, notadamente para uma operação espacial. Nesse aspecto,
buscamos eliminar esse contexto físico em detrimento de informação que possa
recuperar aquilo que foi verbalizado.
f) A sexta operação - Reconstrução de estruturas truncadas, reordenação sintática,
encadeamentos (estratégia de reconstrução em função da norma escrita). Essa
etapa constitui-se como uma das mais importantes do ponto de vista da
normatização da escrita e irá envolver diversos aspectos linguísticos textuais,
como, por exemplo, acréscimos informacionais, substituições lexicais, entre
outras.
g) A sétima operação – Tratamento estilístico com seleção de novas estruturas
sintáticas e novas opções léxicas (estratégia de substituição visando uma maior
formalidade). Essa operação revela aspecto de fundamental importância na
retextualização, compreendendo o fenômeno cognitivo da interpretação referente
à compreensão textual. É fato que, esse é um aspecto delicado, uma vez que para
transformar é necessário compreender o texto, a fim de evitar uma
retextualização falseada.
Destacamos que os processos de retextualização que tratamos nas análises das
produções textuais não implica a transformação de um texto falado com problemas de
compreensão, caótico e desordenado para um texto escrito formal, organizado e
ordenado. Mas, tratamos de retextualização da ordem falada para a ordem escrita. Faz-
se necessário ressaltar que os textos orais, utilizados como corpus para este trabalho,
apresentam uma ordem, uma organização e uma compreensão linguística em seu
contexto funcional de interação comunicativa.
Nesse sentido, é imprescindível que o aluno perceba e reflita que a fala e a
escrita são duas modalidades necessárias e complementares dentro de uma língua.
Comumente, ainda encontramos no contexto das salas de aula o desenvolvimento de
práticas pedagógicas pouco relevantes para o ensino da oralidade da Língua Portuguesa.
O educando, por conseguinte, pouco ou quase não estabelece relação da língua que ele,
56
de fato, faz uso em seu meio social com aquela vista na escola de forma, muitas vezes,
descontextualizada, concebida por imposição e distante das suas práticas sociais.
Nesse contexto de uso real da língua materna, pretendemos que os alunos
percebam, enquanto sujeitos sócio-históricos numa situação de comunicação e interação
social, que a modalidade escrita não prevalece sobre a oralidade e a recíproca se faz
verdade.
Desse modo, não há sentido em privilegiar uma posição extrema em considerar
a fala como concreta, contextual, de estrutura simples, lugar do caos e do erro. De igual
forma considerar a escrita como abstrata, elaborada, complexa, formal, uso da boa
forma e do bom uso da língua, quando, de fato, são duas ordens que se complementam
em uma gradação contínua de usos formais e informais atendendo aos propósitos
comunicativos dos interlocutores. E assim, faz-se necessário que os alunos admitam que
as duas modalidades (fala e escrita) estão a serviço dos usuários da língua no mesmo
patamar valorativo quanto aos usos e funções. Contudo é preciso entender que “Há
práticas sociais mediadas preferencialmente pela escrita e outras pela tradição oral”.
(MARCUSCHI, 2010, p. 36-37).
Destacamos que a supremacia da cultura escrita sobre a cultura oral se deve,
entre outros fatores, ao difundido prestígio na literatura erudita pela primeira, enquanto
a segunda ficou centrada na ideia popular.
Equivocadamente, a escola ainda persiste em conceber o ensino de Língua
Portuguesa numa visão dicotômica entre a fala e a escrita, fundada em concepções
tradicionais que nada contemplam a proposta educacional vigente no país.
Vale salientar que este tipo de ensino centrado na escrita e engessado no código
formal, assume uma visão preconceituosa em relação à oralidade, que tem sido relegada
nas atividades escolares. Isto, torna-se evidente em práticas pedagógicas, ainda,
adotadas pela escola como o não reconhecimento da verdadeira diversidade do
português falado no Brasil, da tentativa em obrigar o aluno a falar da forma que se
escreve ou associar o domínio da gramática para a perfeição do falar e da escrita.
Partindo do princípio de que devemos erradicar tais mitos, chega-se ao postulado
de que o uso da língua é heterogêneo e variável, distanciando-se da visão de sistema
único e abstrato, reforçando, assim, que o uso entre a modalidade oral e a modalidade
escrita, mesmo apontando diferenças, dá-se de forma gradual e escalar.
É preciso destacar que um dos pressupostos básicos para um eficiente processo
de retextualização é a boa compreensão do entrevistador daquilo que foi dito pelo
57
entrevistado. Compreensão que envolve não somente os aspectos linguísticos, mas a
situação contextual de interação a partir dos interlocutores, do propósito comunicativo e
do contexto de produção.
Esperamos que essa escrita se dê de forma interativa e significativa dentro de
uma prática social que tenha a oralidade, os relatos dos idosos, transformados em textos
escritos, atendendo ao formato e à função do gênero memórias. Nesse evento de
produção textual em que a cena enunciativa propiciou o encontro de gerações, os alunos
relacionaram o seu tempo e o seu ambiente com o das pessoas mais velhas, num
constante ir e vir, pois conforme corrobora Antunes (2003, p. 41) que “as línguas
funcionam como interação, e só uma concepção interacionista da linguagem, funcional
e contextualizada pode fundamentar um ensino de língua individual e socialmente,
produtivo e relevante”.
Tradicionalmente, a fala sempre foi vista pela escola como concreta, contextual
e de estrutura simples, enquanto a escrita sempre foi vista como abstrata, elaborada,
complexa e formal. Isso só aumentou o mito de que apenas a escrita deve ser aprendida
na escola, uma vez que a fala já nasce com o ser. Esta visão recebeu apoio de correntes
conservadoras que sempre pautaram o estudo a norma culta padrão distante de uma
língua centrada no uso. Para muitas instituições, pensadores e elaboradores dos livros
didáticos, a comunicação e o estudo da língua materna pauta-se, quase com
exclusividade, no domínio do código escrito.
Estudos linguísticos, claramente, derrubaram esse mito, pois, comprovaram que
há gêneros textuais na modalidade escrita, muito próximos da oralidade como, por
exemplo, o bilhete que é totalmente composto numa estrutura simples, contextual e
informal. Contudo, sabemos que há gêneros textuais da oralidade, tal como um discurso
oficial de posse de um executivo, por exemplo, que é altamente elaborado em uma
estrutura complexa e formal de uso da língua.
2.7 SEQUÊNCIA DIDÁTICA
Partindo do princípio de que o gênero textual memórias é de esfera social
literária de sequência tipológica predominantemente narrativa, buscamos, através desta
sequência didática, proporcionar meios que ajudassem aos alunos participantes a
adquirir habilidades da escrita e da fala para melhorar o desenvolvimento de sua
competência discursiva.
58
Nesse sentido, organizamos uma sequência didática com o gênero textual
memórias que proporcionou novas práticas de linguagem ainda não dominadas pelos
alunos quanto a esse gênero.
Dessa forma, elaboramos o planejamento da referida sequência,
fundamentando-nos na concepção de Schneuwly (1994) na qual esclarece que os
saberes escolares precisam de uma didatização, tendo em vista que, a essência do
processo de ensino e aprendizagem que é o saber, necessita de uma transposição
didática para que este objeto de ensino passe por planejamento e reformulação até
atingir os objetivos propostos.
Desse modo, entendemos que a aplicação desse procedimento didático, no
âmbito do ensino de Língua Portuguesa, corresponde à organização das aulas a partir de
um conjunto de atividades, tais como leitura, escrita, oralidade e análise linguística.
Assim sendo, apresentamos na próxima seção uma sequência didática que propiciou
aos alunos participantes desse estudo meios para um ensino e aprendizagem de
produção textual nas modalidades faladas e escritas da Língua Portuguesa com o
propósito de desenvolver as competências e habilidades dos alunos para que possam
alcançar a formação do perfil de aluno sugerido na proposta vigente de educação.
Nessa direção, resolvemos criar uma sequência didática para poder realizar
numa intervenção pedagógica na qual fosse possível acompanhar progressivamente o
aprendizado dos saberes adquiridos pelos alunos.
Sendo assim, elaboramos a sequência didática, seguindo as orientações de
Schneuwly e Dolz (2004), conforme especificamos a seguir.
Primeiro momento (apresentação da proposta):
Paralela às aulas de Língua
Portuguesa, o professor sempre detectava conversas dos alunos de forma intuitiva
que tentavam reproduzir falares de cotidianos passados dos pais ou avós, vizinhos
idosos da comunidade a qual pertencem.
O professor propõe aos alunos à necessidade de se construir uma coleta de
relatos de idosos;
Sugerir o gênero textual memórias para a turma como forma de atender essa
necessidade comunicativa;
Discussão e envolvimento da turma sobre o que são memórias e quais as
59
situações práticas da vida recorre-se ao uso desse gênero, o que ele nos remete;
Segundo momento (contato da turma com o gênero escrito)
Proporcionar aos alunos leitura do gênero, extraídas do manual das ONLP;
Propor aos alunos que, em uma conversa em casa com pessoas de maior
faixa etária (pais, avós, tios ou vizinhos), coletem informações referentes a um
fato marcante da infância ou juventude daquele parente. De posse desses dados
produzam intuitivamente, por escrito aqueles relatos.
Propor a turma outra produção textual escrita do gênero memórias a partir
de relatos orais de idosos da comunidade com a finalidade da confecção de uma
coletânea que será exposta para a comunidade escolar;
Explicar para a turma que a
produção escrita será feita após a coleta dos relatos orais (gravados) dos idosos.
Terceiro momento (levantamento de dados mediados pelo professor):
Encontro entre a turma e o
grupo de idosos da cidade;
Os alunos entrevistaram oralmente os idosos. Esses, de posse de fotos e
objetos de estimação, reativaram a memória da infância e da juventude;
As entrevistas foram gravadas em celular e posteriormente foram
transcritas na íntegra pelos alunos.
Quarto momento (Diferenças entre textos falados e textos escritos)
Mostrar as características que diferenciam um texto falado de um texto
escrito;
Mostrar e exercitar com a turma as situações de comunicação em que o
texto falado se aproxima ou se distancia do texto escrito;
Em que situações comunicativas devemos usar a retextualização de textos
falados para textos escritos ou vice-versa.
Quinto momento (primeira produção)
Primeira produção textual dos alunos a partir das transcrições – retextualizar da
fala para a escrita;
Os alunos devem seguir a seguinte tarefa: Após a entrevista e a gravação da fala
do idoso sobre as memórias da infância e da juventude, transcreva essa fala na
íntegra (ouça a gravação, repita se necessária).
Coloque o texto da transcrição na forma como ele poderia ter sido escrito
60
(transformação da fala para a escrita).
Identificação pelo professor das dificuldades reais de produção textual dos
alunos em relação à retextualização.
Sexto momento (apontar instrumentos para superar problemas na primeira
produção)
Selecionar um dos textos
produzidos pelos alunos para trabalhar os operadores discursivos propostos por
Marcuschi (2010);
Trabalhar as operações discursivas propostas por Marcuschi (2010) de
forma sistematizada em módulos de acordo com as deficiências mais recorrentes
nas produções textuais escritas dos alunos;
Produção final (individual) – os textos orais transcritos foram
retextualizados para a escrita no gênero textual memórias, após o trabalho com
os operadores discursivos;
Divulgação das produções
textuais numa coletânea ao público local.
A partir dos fundamentos teóricos elencados nesta seção, analisamos os
resultados obtidos na produção textual escrita dos alunos participantes desse estudo.
61
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS
Nesse capítulo reconstruímos o aparato referente à metodologia utilizada para o
desenvolvimento dos objetivos propostos. Para tanto, selecionamos os textos
produzidos e retextualizados a partir dos relatos orais de memórias dos idosos.
Os referidos textos pertencentes ao corpus dessa pesquisa, foram analisados a
fim de contemplar a proposta de intervenção que leva em conta o projeto de sala de
aula, numa sequência didática que considere algumas operações centrais do processo de
retextualização.
Além disso, apresentamos a abordagem e o ambiente da pesquisa, a
caracterização dos participantes e a sequência didática aplicada na intervenção
pedagógica.
3.1 ABORDAGEM DA PESQUISA
O presente estudo insere-se no contexto de Linguística Aplicada, haja vista que
seu objetivo de investigação situa-se em contextos relacionados ao processo de ensino e
aprendizagem de língua materna em sala de aula do ensino fundamental.
Conforme esclareceu Kleiman (1990), Santos (2002), estudar espaços onde
ocorrem práticas sociais cotidianas torna-se relevante porque neles são realizadas ações
docentes que se revelam como fator importante para o conhecimento de práticas
pedagógicas que trazem resultados eficazes do processo de ensino. E assim, partindo da
especificidade do objeto de pesquisa de Linguística Aplicada, centrado no estudo de
práticas de usos da linguagem em contextos escolares (SIGNORIN, 1998), focamos
nossa análise nas atividades de retextualização de textos orais para a escrita, a partir do
gênero textual memórias.
Nesse sentido, esse estudo caracteriza-se como uma pesquisa-ação, visto que foi
pautado na realização de uma intervenção pedagógica na própria sala de aula do autor
desta pesquisa e teve como culminância eficientes resultados no processo de ensino.
3.2 AMBIENTE DA PESQUISA
Um dos maiores desafios das escolas brasileiras de ensino fundamental é tornar
os alunos proficientes em leitura, produção textual e oralidade em Língua Portuguesa.
62
Vários trabalhos baseados na linha de pesquisa de Linguística Aplicada surgem como
aportes teóricos e grandes aliados dos professores e das instituições de ensinos para
amenizar ou superar tais obstáculos.
As Instituições formadoras de professores de Língua Portuguesa aderem e
orientam para um ensino de língua em que as produções textuais sejam focadas na
interação. Isto envolve um produtor textual que se preocupa com a sua escrita e o seu
possível leitor. Nesse processo envolve uma leitura daquilo que foi escrito e uma
reescrita num ininterrupto fluxo interacional entre escritor, texto, leitor. Assim,
Marcuschi (2011, p. 121) esclarece que a língua “é fundamentalmente um fenômeno
sociocultural que se determina na relação interativa e contribui de maneira decisiva para
a criação de novos mundos e para nos tornar definitivamente humanos”.
Para tanto, os gêneros discursivos surgem como elementos mais adequados
possíveis para fortalecer um estudo de língua materna que propicie aos aprendizes
fortalecer sua autonomia prática quanto ao processo de leitura e produção textual.
Desde que haja um planejamento que contemple na sua composição os seus propósitos
comunicativos e a sua função social.
Os dados construídos nesta pesquisa foram realizados na Escola Estadual
Senador João Câmara, da rede pública de ensino do Rio Grande do Norte, localizada na
Rua Tiradentes S/N, Centro do Município de Bento Fernandes.
Nesse ano de 2014 existiam aproximadamente quinhentos alunos matriculados
neste estabelecimento de ensino, que funciona em três turnos: matutino (anos iniciais do
Ensino Fundamental – do 1º ao 8º ano); vespertino (9º ano e o Ensino Médio) e noturno
(Ensino Médio diferenciado).
As turmas são divididas em sete do ensino fundamental e oito do ensino médio.
O quadro docente é composto de vinte e quatro professores efetivos e dois temporários
que atendem cento e oitenta alunos do ensino fundamental e duzentos e oitenta e nove
do ensino médio.
Em relação à estrutura física, esse estabelecimento de ensino dispõe de nove
salas de aula, uma biblioteca, um laboratório de informática, os espaços da direção, sala
dos professores e secretaria, uma cozinha, três banheiros, entre outros. Além disso, há
uma variedade considerável de recursos materiais que contribuem para a realização de
atividades variadas no processo de ensino-aprendizagem.
A direção da escola é escolhida por meio de eleição direta da qual participam
educandos, educadores, funcionários e pais a cada dois anos. Os professores efetivos
63
são preferencialmente os candidatos aptos a concorrer ao cargo. Uma vez eleitos e
assumindo a função, podem concorrer ao pleito, apenas, por mais um mandato seguido.
Segundo o que consta no regulamento estabelecido pela Secretaria Estadual de
Educação.
Essa escola é a única que oferece ensino médio para a população local e para os
estudantes pertencentes aos assentamentos rurais. Comunidades, bastante comum na
região. A maioria dos estudantes depende de transporte escolar.
3.3 CARACTERIZAÇÃO DOS INFORMANTES
Os sujeitos da pesquisa são alunos matriculados em uma turma do nono ano do
turno vespertino, composta de 24 alunos divididos em 12 do sexo masculino e 12 do
sexo feminino, numa faixa etária que varia dos 13 aos 17 anos dos quais um terço são
moradores da zona rural do Município de Bento Fernandes/RN. São alfabetizados,
contudo apresentam um baixo nível de letramento quando se trata de domínio dos
gêneros discursivos mais complexos. Dados constatados in loco pelo próprio professor
que além de ser o autor dessa pesquisa e sujeito participante, configura-se, também,
como aquele que desenvolveu a intervenção pedagógica em sua turma.
Constituem-se, ainda, como sujeitos da pesquisa um grupo de aproximadamente
30 idosos que se reúnem semanalmente em sede própria para desfrutarem de momentos
de interação social e lazer. Esses são moradores da mesma comunidade onde fica a
escola da turma participante (alunos entrevistadores do 9º ano). O ponto de partida dos
relatos baseia-se na seguinte temática “O lugar onde vivo”.
Desse modo, o uso dessa temática não contemplou apenas uma produção textual,
mas, ao contrário, criou uma situação sócio-comunicativa em que não ocorreu uma
simples apropriação de um gênero textual, mas o resgate de uma identidade cultural de
uma comunidade, aproximando passado e presente, unindo, portanto, as duas pontas da
vida: aqueles que contam e aqueles que ouvem.
Nesse aspecto, tomamos a afirmação de Antunes (2003, p. 36-37), na qual a
autora demonstra entender o papel do processo educacional e do professor que precisa
desenvolver uma prática pedagógica condizente com o perfil do aluno e com os
objetivos de ensino de Língua Portuguesa, contidos nos PCN (1998).
64
Sabemos que a educação escolar é um processo social, com nítida e
incontestável função política, com desdobramentos sérios e decisivos
para o desenvolvimento global das pessoas e da sociedade. [...] É, pois
um ato de cidadania, de civilidade da maior pertinência, que
aceitemos, ativamente e com determinação, o desafio de rever e de
reorientar a nossa prática de ensino de língua.
Para isso, os alunos participantes tiveram encontros com o grupo de idosos da
cidade de Bento Fernandes, Município da região do Mato Grande, distante 90
quilômetros de Natal. Nesse encontro, os relatos orais foram coletados na forma de
entrevistas, as quais foram instigadas por objetos e fotografias, previamente solicitados,
que remetiam ao passado e às memórias do idoso que foram gravadas em áudio.
Posteriormente, os relatos orais foram transcritos na íntegra pelos alunos, de
forma que observassem as características próprias da fala e escrita, mas, sobretudo,
percebessem que tais peculiaridades não são polares e sim graduais e contínuas.
Finalmente, executaram a retextualização da modalidade oral para a modalidade escrita
dessas lembranças como se fosse o próprio entrevistado.
3.4 INSTRUMENTOS DA PESQUISA
A viabilidade dos dados dessa pesquisa foi efetivada por meio da coleta de
relatos orais de idosos, gravados, transcritos e retextualizados por vinte e quatro alunos
da turma do nono ano do ensino fundamental. Para tanto foram realizadas entrevistas,
sem grande rigidez no tocante ao tema e ao número de perguntas, partindo sempre da
espontaneidade oral dos entrevistados.
O gênero textual entrevista foi o mais adequado para essa pesquisa pelo fato de
permitir a passagem de um texto oral para um escrito retomando a intenção, a situação
comunicativa, os interlocutores a que se destina o texto memórias, gênero textual
trabalhado nessa pesquisa. Além do mais, propiciamos através desse gênero a
transformação do discurso oral, toda dinâmica própria da conversa informal, dos
depoimentos coletados, em discurso escrito. Isso permite que na oralidade, de acordo
com a reação do interlocutor, repetimos a informação, mudamos o tom, reformulamos a
explicação, enquanto na escrita, eliminamos as marcas interacionais, incluímos a
pontuação, apagamos as repetições e redundâncias num percurso do menos para o mais
formal.
65
Assim, os alunos se sentiram livres para criar suas próprias perguntas a partir das
curiosidades que surgiram no curso da escuta dos relatos e das fotografias ou objetos
pessoais de estimação, previamente solicitados, de posse de alguns idosos.
Tais relatos constituíram uma atmosfera de lembranças e sentimentos que
envolviam, a cada instante, entrevistador e entrevistado, criando um momento de interação
e de encontro único de gerações. Isso emergiu através de elementos recheados de estórias
que evocavam as memórias dos entrevistados, como velhas e desbotadas fotografias,
objetos pessoais, cujos cheiros e texturas faziam surgir momentos de grande emoção.
Dessa forma, os entrevistados relembravam diversos acontecimentos que teriam
marcado a sua infância ou a sua mocidade, como uma festa, uma travessura, um passeio,
uma viagem, uma grande enchente ou uma seca, por exemplo. Por outro lado, os alunos
norteavam o andamento dos relatos, questionando os entrevistados quanto aos modos de
viver do passado (namorar, casar, frequentar a escola, relação com os pais, brincadeiras,
trabalhos e crenças).
A opção pelos relatos orais como instrumento construtor de dados teve a
finalidade de desenvolver, através de uma sequência didática, atividades que levassem
os alunos a usar o modelo das operações textuais discursivas na passagem do texto oral
para o texto escrito, fluxo dos processos de retextualização, conforme sugere Marcuschi
(2010). Todo esse processo de retextualização do oral para o escrito será a partir do
gênero textual memórias.
3.5 SEQUÊNCIA DIDÁTICA EM PROJETOS DE CLASSE
A sequência didática aplicada em sala de aula apresenta a seguinte organização:
um título, os objetivos geral e específicos, a metodologia e seis módulos, sendo o
primeiro, observações, leituras e produções textuais (intuitivas), o segundo, primeiras
intervenções – produções textuais mediadas, o terceiro, reflexão – ação – reflexão, o
quarto, novas intervenções, o quinto, primeiras produções, o sexto e último, oficinas
para retextualização. Do 1º ao 4º módulo a divisão ocorre em três momentos, no 5º e 6º
módulos a divisão ocorre em quatro momentos que foram realizados em sala de aula,
biblioteca da escola, casa dos alunos e sala de reuniões do grupo de idosos.
Quadro 04: Sequência didática
Título A produção textual no ensino fundamental: processo de retextualização com o
66
gênero memórias
Objetivo
geral
Desenvolver uma produção textual utilizando os processos de retextualização
– da fala para a escrita - com o gênero textual memórias.
Objetivos
específicos
Analisar e refletir sobre a importância do ensino de Língua Portuguesa
a partir dos gêneros textuais;
Identificar as peculiaridades que ocorrem nas modalidades escrita e
oral no gênero textual memórias;
Elevar a competência genérica dos alunos em escrita e oralidade;
Analisar os processos de retextualização – da fala para a escrita - do
gênero textual (memórias) produzidos pelos alunos;
Instigar os alunos a perceberem que as modalidades linguísticas (fala e
escrita) ocorrem em um contínuo de maior ou menor formalidade se
adequando aos propósitos interacionais e comunicativos dos interlocutores;
Levar os alunos a refletirem que a modalidade escrita não prevalece
sobre a oralidade e vice-versa. Ambas estão no mesmo grau valorativo das
práticas sociais;
Levar os alunos a refletirem que há gêneros textuais escritos que
apresentam características da oralidade, como há gêneros textuais orais que
apresentam características da escrita.
Metodologia
Apresentação da situação inicial - Encontro com a turma para apresentar a
proposta de intervenção e prestar esclarecimentos sobre a pesquisa a ser
desenvolvida na turma, combinar os dias dos encontros, horários e locais de
reunião.
Módulo 1
Esta etapa será
realizada em
três momentos
Observações, leituras e produções textuais (intuitivas)
1º momento: Sala de aula
Iniciar uma discussão com a turma sobre memórias. Aplicabilidade e
contexto social de uso desse gênero. Fazer uma coleta por escrito no
quadro-negro das respostas de todos os alunos a fim de planejar as
etapas seguintes de acordo com as necessidades da turma,
introduzindo o gênero textual memórias nesse espaço de interação de
forma significativa.
2º momento: Biblioteca da escola
Aula na biblioteca da escola para leitura por parte dos alunos de textos
de vários exemplares do gênero textual memórias extraídos da
coletânea da Olimpíada Nacional de Língua Portuguesa. Conversa
com os alunos sobre as características marcantes (propósito e função
comunicativa, contexto de uso, formato do texto, léxico) presentes
67
nesse gênero textual.
3º momento: Casa e sala de aula
Propor aos alunos que, em uma conversa em casa com pessoas de maior faixa
etária (pais, avós, tios ou vizinhos), coletem informações referentes a um fato
marcante da infância ou juventude daquele parente. De posse desses dados
produzam, intuitivamente, por escrito aqueles relatos.
Módulo 2
Primeiras intervenções – produções textuais mediadas
1º momento: Sala de aula
.
Dentre as primeiras produções textuais dos alunos solicitadas no
módulo 1, pedir para que eles pontuem por escrito as dificuldades que
encontraram em transformar a fala para a escrita.
2º momento: Sala de aula
Relacionar por escrito junto com a turma outras situações de práticas
sociais do uso da língua em que se faz necessário à transformação da
fala para a escrita, da fala para a fala, da escrita para a fala e da escrita
para a escrita.
3º momento:
Após a discussão sobre as primeiras produções textuais dos alunos,
selecionar um dos textos produzidos por eles que possua uma maior
incidência de marcas da fala na escrita. Esse texto servirá para
trabalhar os operadores de retextualização que serão apresentados
trabalhados com a turma numa segunda produção textual.
68
Módulo 3 Reflexão – ação – reflexão
1º momento: Sala de aula.
A partir do texto selecionado na primeira produção textual, realizar
um trabalho com os operadores discursivos de retextualização, da fala
para a escrita, propostos por Marcuschi.
2º momento: Sala de aula
Após trabalhar os operadores discursivos de retextualização – da fala para
a escrita – pedir aos alunos para identificarem dentre os operadores
trabalhados aqueles mais recorrentes em suas produções.
3º momento: Sala de aula
A avaliação dessa atividade consiste em pedir aos alunos para
realizarem uma produção textual final (retextualização) a partir de
uma reflexão do estudo com os operadores discursivos trabalhados.
Módulo 4 Novas intervenções
1º momento: Sala de aula.
Certifica-se junto aos alunos de que todos eles possuem aparelho
celular.
2º momento: Sala de aula.
Informá-los sobre o encontro que eles terão com o grupo de idosos da
comunidade para a realização de entrevistas orais.
3º momento: Sala de reuniões do grupo de idosos.
o Realização de entrevistas com os idosos da comunidade gravadas em
celular a partir de fotografias e objetos de estimação que lembrassem
algum fato ou ocorrido da infância ou juventude daquele idoso.
Módulo 5 Primeiras produções
1º momento: Sala de aula.
Primeira produção textual dos alunos a partir das transcrições –
retextualizar da fala para a escrita;
2º momento: Sala de aula.
Os alunos devem seguir a seguinte tarefa: Após a entrevista e a
gravação da fala do idoso sobre as memórias da infância e da
juventude, transcreva essa fala na íntegra (ouça a gravação, repita se
necessária).
69
3º momento: Sala de aula.
Coloque o texto da transcrição na forma como ele poderia ter sido
escrito (transformação da fala para a escrita).
4º momento: Sala de aula.
Identificação pelo professor das dificuldades reais de produção textual
dos alunos em relação à retextualização.
Módulo 6 Oficinas de revisão para retextualizações
1º momento: Sala de aula.
Selecionar um dos textos produzidos pelos alunos para revisar o
trabalho com os operadores discursivos propostos por Marcuschi
(2010);
2º momento: Sala de aula.
Trabalhar as operações discursivas propostas por Marcuschi (2010) de
forma sistematizada em módulos de acordo com as deficiências mais
recorrentes nas produções textuais escritas dos alunos;
3º momento: Sala de aula.
Produção final (individual) – os textos orais transcritos foram
retextualizados para a escrita no gênero textual memórias, após o
trabalho com os operadores discursivos;
4º momento: Espaço coletivo da escola.
No futuro, Divulgação das produções textuais numa coletânea ao
público local.
Fonte: Dados da pesquisa
Os três momentos do módulo 1 fluíram sem maiores obstáculos dentro do que se
esperava na prática pedagógica. No módulo 2 durante a transformação do texto falado
para o texto escrito pelos alunos participantes não ocorreu empecilhos, visto que esse
processo se deu de forma intuitiva, ou seja, sem o trabalho de retextualização com os
OD propostos por Marcuschi (2010). No módulo 3, o trabalho pedagógico com os OD
mostrou-se novidade para os alunos, levando-os a refletirem sobre a importância desse
trabalho como facilitador para o processo de retextualização. Na sequência, o módulo 4
70
fluiu sem transtornos, visto se tratar de ações para a prática da entrevista com os idosos
participantes.
O módulo 5 apresentou uma maior dificuldade para os alunos participantes pelo
fato da transcrição demandar um trabalho lento, meticuloso e repetitivo que muitas
vezes sobrecarregava o tempo e o humor dos participantes. A transformação do texto
falado para o texto escrito ocorreu no 3º momento do módulo 5, situação em que os
alunos participantes saíram do trabalho empírico para o trabalho científico, pois
aplicavam os OD em suas produções. No módulo 6, o trabalho com os OD foi revisado
de acordo com as dificuldades mais recorrentes apresentadas pelos participantes quanto
à retextualização. Após a revisão, os alunos participantes concluíram as suas produções
textuais do gênero memórias que culminará numa coletânea a ser divulgada na escola
para o público local.
3.6 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
Com a finalidade de entendermos e refletirmos como se concretiza a
retextualização de textos da modalidade oral para a modalidade escrita, e como tem se
constituído o posicionamento dos alunos envolvidos nesta intervenção pedagógica, que
passamos a analisar as primeiras e últimas versões das produções textuais dos alunos de
acordo com os sete operadores discursivas de retextualização da fala para a escrita,
trabalhadas em sala. Para melhor entendermos, os textos coletados que foram transcritos
e retextualizados serão comentados conforme apresentem um maior índice de
recorrência dos operadores discursivos trabalhados. Para tanto, procuramos compor um
quadro composto da transcrição, da primeira e da última versão da produção escrita
retextualizada.
As seguintes tarefas foram propostas aos alunos participantes: a) Entreviste um
idoso sobre as memórias da infância e da juventude dele; b) Grave essa entrevista em
seu aparelho celular; c) Ouça a gravação, repita se necessário, com a fala original e
transcreva a entrevista (falada) na íntegra; d) Coloque o texto da transcrição na forma
como ele poderia ter sido escrito (transformação da fala para a escrita).
Os operadores discursivos serão identificados por OD1 (Eliminação de marcas
estritamente interacionais, hesitações e partes de palavras (estratégia de eliminação
baseada da idealização linguística), OD2 (Introdução da pontuação com base na
intuição fornecida pela entoação das falas), OD3 (Retirada de repetições, reduplicações,
71
redundâncias, paráfrases e pronomes egóticos. Estratégia de eliminação para uma
condensação linguística) OD4 (Introdução da paragrafação e pontuação detalhada sem
modificação da ordem dos tópicos discursivos (estratégia de inserção), OD5 (Introdução
de marcas metalinguísticas para referenciação de ações e verbalização de contextos
expressos por dêiticos. Estratégia de reformulação objetivando explicitude), OD6
(Reconstrução de estruturas truncadas, concordâncias, reordenação sintática,
encadeamentos. Estratégia de reconstrução em função da norma escrita), OD7
(Tratamento estilístico com seleção de novas estruturas sintáticas e novas opções
lexicais. Estratégia de substituição visando a uma maior formalidade).
Os alunos terão *nomes fictícios e os seus textos serão identificados por T
(transcrição) e RI (retextualização inicial) e RF ( retextualização final).
Ressaltamos que as produções textuais finais do gênero memórias (anexos)
envolveram quase todas as operações discursivas de retextualização da fala para a
escrita, pertinentes à tipologia textual narrativa. Embora todos os alunos inseridos nesta
intervenção pedagógica tenham evoluídos em suas produções textuais de acordo com os
processos de retextualização da fala para a escrita trabalhados em sala, apresentaremos,
para efeito de análise, uma estratificação de oito dessas produções com o intuito de
apontarmos os maiores avanços na escrita desses participantes.
72
4 ANÁLISES DOS RESULTADOS
Como nosso objetivo maior foi desenvolver uma produção textual utilizando os
processos de retextualização – da fala para a escrita - com o gênero textual memórias,
selecionamos e analisamos oito produções textuais dos alunos participantes do estudo.
Com isso, verificamos o quanto os alunos avançaram na transformação de um texto
falado para um texto escrito através do trabalho didático com os operadores discursivos,
doravante (OD), propostos por Marcuschi (2010).
Para chegarmos a esses avanços na escrita dos alunos participantes se fez
necessário o envolvimento desses com o gênero textual memórias. Inicialmente,
disponibilizamos cópias do gênero para leituras coletiva e individual. Após a leitura,
apontamos no quadro-negro de forma reflexiva as características textuais mais latentes
do gênero memórias.
Em seguida, após as entrevistas dos alunos com os idosos, selecionamos um
texto entre os 24 produzidos para trabalharmos coletivamente os operadores discursivos
que levariam à retextualização do texto oral para o texto escrito. Nesse texto,
apontamos coletivamente na lousa as marcas interacionais presentes no texto falado
como (ah, sabe, aí, tava, tou, entre outros) que deveriam ser eliminadas ou substituídos
sem prejuízo de comunicação para o texto escrito. Nessa operação, os alunos
participantes assimilaram os apontamentos e readequaram as eliminações para os seus
textos sempre monitorados pelo professor.
De igual forma, no mesmo texto selecionado, introduzimos a pontuação com
base na intuição fornecida pela entoação da fala reforçando que a pontuação é fator
preponderante para o entendimento do texto escrito. Por isso, enfatizando sempre que
não podemos escrever sem pontuar. Nessa operação os alunos participantes pontuaram
seus textos seguindo a intuição (prosódia), mas foi necessário o trabalho coletivo sobre
o uso e as diferenças do emprego dos sinais de pontuação.
Na sequência trabalhamos no mesmo texto a retirada das repetições,
redundâncias e pronomes egóticos (eu, nós) muito presentes em texto orais, mas
desnecessários em produção escrita. Escrevemos na lousa trechos de textos orais em
que numa pequena sentença, uma palavra se repetia até três vezes e condensamos para
uma sem perder o sentido do texto, pois a informação maior é recuperada no contexto
do texto. Exemplo, como apresentamos uma transcrição da fala:
73
“ [...]Quando eu era pequeno, agente morava em uma tapera encima
de uma ladeira sab...,ai um certo dia estava carregando lenha na
bicicleta mais ai na ladeira tem um bocado de pedras quando descir a
ladeira levei uma queda da mulesta...”
E assim aplicadas às operações de retextualização temos o novo texto:
“[...] quando pequeno morávamos numa tapera no topo de uma ladeira
que era cheia de pedras. Certo dia, quando transportava lenha numa
bicicleta sofri uma terrível queda que fiquei chorando no chão todo
machucado.”
Baseados, nesses exemplos as transformações textuais ocorreram com o auxílio
pessoal do professor, autor da pesquisa.
Na quarta operação, em oficinas orientadas pelo professor, sugerimos aos
participantes que a paragrafação não necessariamente deve estar associada à pontuação,
mas ao agrupamento de conteúdos. Embora os participantes tivessem conhecimento que
se tratava de único conteúdo, memórias de idosos, tiveram a preocupação de dividir em
parágrafos distintos, como por exemplo, as brincadeiras de crianças ficaram separadas
de uma aventura lembrada.
Em seguida, trabalhamos a quinta operação que consiste em marcas
metalinguísticas para referenciação de ações e verbalização de contextos expressos por
dêiticos. Aproveitando trechos das próprias produções dos alunos, o professor
identificou e listou na lousa os dêiticos pronominais, dêiticos de tempo e de espaço bem
presentes no gênero textual memórias. Reforçando para os participantes da pesquisa que
expressões como “eu, aqui, ontem” presentes nos textos dos alunos são dêiticas por que
há referentes que podem ser identificados no contexto e na situação enunciativa através
do acompanhamento atento do leitor. Após uma reflexão, os participantes foram levados
a identificar os referentes dessas expressões em outros textos.
Na sequência, trabalhamos a sexta operação discursiva, apontamos os
truncamentos e as ocorrências da falta de concordâncias e de encadeamentos presentes
nos textos orais, mas sem problemas textuais de comunicação, porém comprometedores
para a escrita. O reforço no trabalho de concordância verbal e nominal, além dos
encadeamentos necessários para um adequado texto escrito. Entre vários exemplos
74
citamos que a expressão “a gente brincava” é adequada para a fala ou textos escritos
numa situação de comunicação informal. Porém, essa mesma expressão deve ser
substituída por “brincávamos” para textos que requeiram uma comunicação formal.
Dessa forma, e através de outros exemplos, os participantes adequaram os seus textos
para a escrita.
Na última operação trabalhada, o professor solicitou aos participantes que
identificassem qualquer expressão que comprometesse a compreensão geral do texto.
Tarefa auxiliada por pesquisa no dicionário. Por outro lado, identificaram no léxico do
texto, expressões que poderiam ser substituídas por outras mais formais adequadas para
o texto escrito. Citamos o exemplo da substituição de “carregando lenha,” expressão
presente na transcrição, por “transportava lenha,” expressão presente na retextualização
final. Esse trabalho foi minucioso, pois trabalhamos, individualmente, as produções dos
alunos participantes.
No geral, a grande importância de se trabalhar o ensino de Língua Portuguesa
através dos gêneros textuais é a singularidade em oportunizar um melhor aprendizado
da língua em seus diferentes aspectos.
Os quadros que compõem as análises foram compostos da transcrição (T) da fala
dos idosos, da retextualização inicial (RI) e da retextualização final (RF) produzidas
pelos participantes.
Quadro 05: Transcrição e Produções textuais *Rafael
Transcrição Retextualizações
*Rafael
T Como era as brincadeiras de
antigamente? Ah, minha infância não foi
muito de divertimento, não brincava muito.
Como era mais velho dos meus irmãos tinha
que trabalhar ajudando meu pai para
sustenta a família, sabe ...,ai as poucas
brincadeiras que brincava era caçar com
meus amigos, pique esconde, pega – pega,
tila – tila , cai no poço, mais a brincadeira
que mais gostava era jogar bola, mais só de
noite ...,porque como de dia trabalhava eu
só tinha tempo pra brincar de noite. E uma
*Rafael
RI Como era as brincadeiras de antigamente?
Minha vida não foi muito de divertimento, não
brincava muito. Como era o mais velho dos
meus irmãos tinha que trabalhar ajudando meu
pai para sustentar a família. As poucas
brincadeiras que brincávamos era: caçar
passarinho, pique-esconde, pega-pega, tila-tila,
cai no poço. Mais a brincadeira que mais
gostava era jogar bola, mas como só podia
jogar a noite, por que de dia trabalhava eu só
tinha tempo pra brincar de noite.
E uma aventura que o senhor teve?
75
aventura que o senhor teve? Quando eu era
pequeno, agente morava em uma tapera
encima de uma ladeira sab...,ai um certo dia
estava carregando lenha na bicicleta mais ai
na ladeira tem um bocado de pedras quando
descir a ladeira levei uma queda da mulesta
que descir de cabeça a baixo que fiqui
chorando no chão todo relado.ai pra
completar quando chegue em casa levei um
piza.
Quando eu era pequeno, agente morava em uma
tapera em cima de uma ladeira, um certo dia
estava carregando lenha na bicicleta, mais na
ladeira tem um bocado de pedras, quando desci
levei uma queda da mulesta que fiquei
chorando no chão todo relado, pra completar
quando cheguei em casa levei uma piza.
RF Como eram as brincadeiras de antigamente?
Na minha infância não houve muito
divertimento, pouco brincava. Como era o mais
velho dos irmãos, tinha que trabalhar ajudando
o meu pai no sustento da família. As poucas
brincadeiras eram caçar com meus amigos,
pique esconde, pega-pega, tila-tila, cai no poço,
mas, a que mais gostava era jogar bola a noite,
pois durante o dia trabalhava.
E uma aventura? Quando pequeno
morávamos numa tapera no topo de uma ladeira
que era cheia de pedras. Certo dia, quando
transportava lenha numa bicicleta sofri uma
terrível queda que fiquei chorando no chão todo
machucado. Para completar, ainda apanhei em
casa.
No quadro cinco registramos as seguintes operações presentes no texto de
*Rafael:
OD1: os marcadores típicos da conversação “ah(1x), aí (4x) e sabe (1x)”
presentes na fala são eliminados em sua RF;
OD2: a pontuação segue a entoação da fala, em alguns casos indicados por (...).
No trecho da T: “Como era mais velho dos meus irmãos tinha que trabalhar ajudando
meu pai para sustenta a família, sabe ...,ai as poucas brincadeiras que brincava era.” Na
RF: “Como era o mais velho dos irmãos, tinha que trabalhar ajudando o meu pai no
sustento da família. As poucas brincadeiras eram;”
OD3: As repetições são eliminadas. No trecho da T: “Quando eu era pequeno,
agente morava em uma tapera encima de uma ladeira sab...,ai um certo dia estava
carregando lenha na bicicleta mais ai na ladeira tem um bocado de pedras quando
76
descir a ladeira levei uma queda.” Em sua RF o aluno reduz a incidência da expressão
ladeira de (3X, T) para (1X, RF) usando conectivos, sem prejuízos da compreensão
textual: “Quando pequeno morávamos numa tapera no topo de uma ladeira que era
cheia de pedras. Certo dia, quando transportava lenha numa bicicleta sofri uma terrível
queda.”
OD4: Em sua RF a definição dos parágrafos se realiza pela separação dos
conteúdos: as brincadeiras da época ficam no primeiro parágrafo; e a narrativa de uma
aventura no segundo parágrafo. Os textos apesar de serem prioritariamente
monologados, os parágrafos, neste caso, são definidos a partir do turno do aluno
entrevistador.
OD5 a OD7: Em sua RF o pronome “eu” e a expressão “a gente” são retirados,
embora o verbo continue em primeira pessoa do singular. Noutros casos é substituído
por verbos na primeira pessoa do plural do pretérito imperfeito do indicativo.
Construções típicas de narrativas que demonstram ações que se repetiam no passado.
Exemplo, T: “Quando eu era pequeno, agente morava em uma tapera. RF: Quando
pequeno morávamos numa tapera.” Quanto ao estilo lexical as seguintes expressões da
fala presentes na T: “relado, em cima, levei uma queda da mulesta” foram substituídas
respectivamente na RF por “machucado, no topo, sofri uma terrível queda.”
Para Hilgert (1990, p. 9) em relação a textos falados “atividades de formulação
são aqueles procedimentos a que recorrem os interlocutores para resolver, contornar,
ultrapassar ou afastar dificuldades, obstáculos ou barreiras de compreensão”.
Na RF de *Rafael é possível observar uma grande condensação do texto. Isso
ocorreu em virtude do texto apresentar na T um grande volume de marcas interacionais,
repetições e truncamentos que desapareceram na escrita.
Quadro 06: Transcrição e produções textuais *Pedro
Transcrição Retextualizações
*Pedro
T Eu me chamo Sandoval tenho 81 anos
nasci em Assu me criei em Assu mas conheci
49 cidades do Brasil já me casei duas vezes.
Eu sou agricultor desde pequeno tenho
2 filhos uma mora em São Paulo e o outro
mora aqui em Bento Fernandes, eu quando
*Pedro
RI Sou Sandoval tenho oitenta e uma anos.
Nasci e me criei em Assu.RN.
Conheço quarenta e nove cidades do
Brasil; casei-me duas vezes; sou agricultor
desde criança; tenho dois filhos, uma mora em
São Paulo e o outro em Bento Fernandes.
77
criança nós brincava de cobra-sega, talo de
jerimum e também de boi de osso, os namoro
do meu tempo era assim ela no sofá e o rapaz
na porta da sala e os pais dela só olhando.
Quando criança brincávamos de cobra-
cega, boi de osso e talo de jerimum.
Os namoros do meu tempo ocorriam
da seguinte forma: a moça sentava-se no sofé
e o rapaz na outra ponta na porta da sala,
enquanto os pais dela só olhavam.
RF Sou Sandoval, 81 anos, agricultor desde
pequeno. Nasci e me criei em Assu/RN, mas
conheço 49 cidades do Brasil. Casei-me duas
vezes e tenho dois filhos: uma mora em São
Paulo e o outro aqui em Bento Fernandes.
Quando criança, brincávamos de cobra-
cega, talo de jerimum e boi de osso.
Os namoros naquela época eram assim:
a moça sentava-se no sofá, o rapaz na outra
ponta junto à porta da sala enquanto os pais
dela olhavam.
No quadro seis registramos as seguintes operações presentes no texto de *Pedro:
OD2 na T não há qualquer pontuação, porém em sua RF a pontuação é
fundamentada na prosódia.
OD3 em sua RF retira o “eu (pronome egótico)” deixando apenas os verbos no
presente.
OD4 Na RF divide a sua produção em três parágrafos agrupados por conteúdos:
No primeiro, apresentação da personagem; no segundo, enumera as brincadeiras da
época de criança ditas pela personagem e por último, relata, como eram os namoros na
época, segundo a personagem. Entende-se que para a compreensão da escrita
naturalmente se faz necessária à pontuação.
OD5 a OD7 em sua T “os namoro do meu tempo era assim ela no sofá e o rapaz
na porta da sala e os pais dela só olhando.” Na RF “Os namoros naquela época eram
assim: a moça sentava-se no sofá, o rapaz na outra ponta junto à porta da sala enquanto
os pais dela olhavam.” Não há um referente para os dêiticos “ela e dela,” situação em
que o produtor substituiu o pronome “ela” pelo substantivo “moça” que passa a ser o
78
referente da última expressão. A expressão na T “só olhando” é substituída na RF por
“olhavam.” Opção por nova estrutura sintática adequada à escrita.
Para Antunes (2003, p. 101) o professor de português deve intervir diante das
modalidades oral e escrita para que “O confronto entre uma e outra – desde que se
considere os mesmos níveis de registro (fala formal e escrita formal, por exemplo) –
pode ser bastante produtivo para a compreensão daquelas similaridades e diferenças
para o entendimento das mútuas influências de uma sobre a outra.”
Na RF de *Pedro, os parágrafos ocorreram exaustivamente sem a preocupação
quanto ao pequeno número de linhas. Porém, o participante atendeu aos objetivos dos
OD ao separá-los por assuntos.
Quadro 07: Transcrição e produções textuais *Carlos
Transcrição Retextualizações
*Carlos
T Eu lembro muito na época que eu com 6 a 7
anos íamos pegar leite lá no Riacho Fechado
I, eu e a minha irmã aí sempre sempre eu fazia
umas travessuras era quebrar litros e chegava
em casa colocava culpa na irmã sem ela ter
culpa de nada ai quem levava os enfrego todo
era ela eu ficava por fora porque acreditavam
em mim que era o mais novo e ela era mais
velha ai pronto ela que levava os enfrego
E tem mais tem outra que foi no tempo
que eu com meus 12 anos a travessura que fiz
foi disparar uma espingarda dentro de casa
mas era só pras paredes, mas nunca mostrei
espingarda pra ninguém era só pras paredes,
era uma brincadeira que eu passei medo, a
espingarda disparou dentro de um quarto uma
20 pra tanger uma galinha de cima da cama
uma galinha choca, pegei a espingarda de
papai ai nem botei aqui no peito sabia lá que
danado ia disparar. Papai tinha esquecido de
tirar o cartucho ai ele mandou eu guardar a
*Carlos
RI Na época , lembro muito que entre seis e
sete anos íamos pegar leite no Riacho
Fechado I. Ia junto com a minha irmã. Sempre
fiz travessuras como quebrar litros e colocava
a culpa nela, pois meus pais acreditavam em
mim que era o mais novo Ela que levava os
esfregos e eu ficava de fora.
A maior travessura que fiz foi aso doze
anos; disparei uma espingarda dentro da
minha casa, o alvo foi as paredes mas passei
por um grande medo. Tudo issoo foi pra
tanger uma galinha choca que estava em cima
da cama. Não sabia que ia disparar, papai
pediu para eu guardar e esqueceu de tirar os
cartuchos. Isso foi no sábado e a tragédia no
domingo.
RF Lembro muito que entre 6 e 7 anos ia
junto com a minha irmã pegar leite no Riacho
Fechado I. Sempre fiz travessuras como
quebrar litros e colocava a culpa nela. Meus
79
espingarda no sábado ai no domingo foi essa
tragédia.
pais acreditavam em mim por ser o mais
novo. Sempre fiquei por fora e ela que levava
todas as broncas.
Lembro-me de uma grande travessura
quando estava com os meus 12 anos. Sempre
disparava uma espingarda nas paredes de
casa, mas nunca apontei para ninguém.
Nessas brincadeiras passei por um grande
susto: No quarto, disparei por acidente uma
espingarda 20 apenas para assustar uma
galinha que estava em cima da cama. Era uma
arma de papai que ele pediu-me para guardar,
só que ele se esqueceu de remover os
cartuchos. Guardei no sábado e a tragédia foi
no domingo.
Carlos:
No quadro sete registramos as seguintes operações presentes no texto de *
OD1: os marcadores típicos da conversação como: “aí (5x), sempre, sempre e aí
pronto” são eliminados.
OD2: T: “Eu lembro muito na época que eu com 6 a 7 anos íamos pegar leite lá
no Riacho Fechado I, eu e a minha irmã aí sempre sempre eu fazia umas travessuras era
quebrar litros e chegava em casa colocava culpa na irmã sem ela ter culpa de nada ai
quem levava os enfrego todo era ela eu ficava por fora porque acreditavam em mim que
era o mais novo e ela era mais velha ai pronto ela que levava os enfrego.” Trecho da T
com muitas orações sem a presença de pontuação. Em sua RF a pontuação segue a
entoação que geralmente é marcada por pausas com a expressão aí: “Lembro muito que
entre 6 e 7 anos ia junto com a minha irmã pegar leite no Riacho Fechado I. Sempre fiz
travessuras como quebrar litros e colocava a culpa nela. Meus pais acreditavam em mim
por ser o mais novo. Sempre fiquei por fora e ela que levava todas as broncas.”
OD3: Na RF elimina as repetições “sempre sempre,” reduz a ocorrência do
pronome “ela” de quatro para uma.
OD4: Na RF as duas travessuras narradas pelo falante foram divididas em dois
parágrafos. Divisão feita de acordo com os conteúdos.
80
OD5 a OD7 Na RF os verbos em primeira pessoa dispensaram o pronome “eu”
presentes na T. O pronome ela (5X) na T foi sistematicamente substituído ou
transformado noutras construções sintáticas mais condensadas como: T: “chegava em
casa colocava culpa na irmã sem ela ter culpa de nada,” RF: “colocava a culpa nela.”
Ou, T: “acreditavam em mim que era o mais novo e ela era mais velha”. RF: “Meus
pais acreditavam em mim por ser o mais novo.” Em relação ao léxico na T: “ela que
levava os enfrego”. RF: “ela que levava todas as broncas. Enfrego (variação do verbo
esfregar usada no Nordeste do Brasil. Significa flexão de esfregar: ato de fazer pressão,
um corpo sobre o outro, friccionando no mesmo lugar várias vezes).” Nesta região do
país, assume, entre outros, o sentido de castigo físico ou moral que os pais aplicam aos
filhos. Eliminou a expressão “lá” pelo fato da escrita já constar o local de referência
(Riacho Fechado). T: “a espingarda disparou dentro de um quarto uma 20 pra tanger
uma galinha de cima da cama uma galinha choca, pegei a espingarda de papai ai nem
botei aqui no peito sabia lá que danado ia disparar.” Na RF há uma condensação do
período, pois na primeira afirmação da T o falante não deixou claro quem disparou a
espingarda, na segunda afirmação, utiliza-se do contexto físico para orientação espacial
(ai nem botei aqui no peito sabia lá que danado ia disparar.). Na RF condensa numa só
afirmação: “No quarto, disparei por acidente uma espingarda 20 apenas para assustar
uma galinha”.
Koch (2012) afirma que o texto falado possui sua estrutura própria de acordo
com as circunstâncias sociocognitivas de sua produção devendo ser descrito e avaliado a
partir dessa concepção.
Na RF de *Carlos ocorreu, entre os operadores discursivos trabalhados, uma
maior ênfase na retirada dos truncamentos e um maior emprego das concordâncias e um
encadeamento das ideias.
Quadro 08: Transcrição e produções textuais de *Luiz
Transcrição Retextualizações
*Luiz T Sou um rapaz que trabalhou pelo mundo
sem irmão, com isso, eu aprendi a passar, a
lavar e a cozinhar na viagem do tempo da
foto. Trabalhei na agricultura colhendo café,
limpando café, plantando lavoura. Fui lá para
o sul, trabalhei quatro anos só na agricultura.
Quando fui para Paranaguá não tinha trabalho
*Luiz RI Sou um rapaz que sempre trabalhou
pelo mundo, com isso, aprendi a passar, a
lavar e a cozinha. Trabalhei na agricultura,
colhendo, limpando e plantado café.
Esta foto, foi quando fui para o sul,
trabalhei quatro anos somente na agricultura.
Quando fui para Paranaguá não havia trabalho
81
na agricultura trabalhava em um armazém de
exportação de café para o exterior. Quando
cheguei a cidade tinha muita gente, não
encontrei uma penção que trabalhasse,
passamos três dias dormindo nos bancos do
jardim então fui embora porque não estava
dando serto.
na agricultura. Trabalhei em um armazém de
exportação de café para o exterior. Quando
cheguei a cidade tinha muita gente, não
encontrei uma pensão para trabalhar.
Passamos três dias dormindo nos bancos do
jardim. Então, fui embora por que não estava
dando certo.
RF Sou um rapaz que trabalhou pelo mundo
sem irmãos. Com isso, aprendi a passar, a
lavar e a cozinhar.
Esta foto foi numa época em que
viajei para o sul e trabalhei quatro anos na
agricultura. Colhia, limpava café e plantava
lavouras.
Depois, fui para Paranaguá, porém não
havia trabalho nisso. Cidade com muita gente,
mas não encontrei pensão para trabalhar.
Passamos três dias dormindo nos bancos dos
jardins. Depois, trabalhei em um armazém de
exportação de café e finalmente voltei, pois
não deu certo.
No quaro oito registramos as seguintes operações presentes no texto de *Luiz:
OD1 na RF desaparecem os marcadores conversacionais presentes na T como:
“eu, então”.
OD2 na RF a pontuação segue parcialmente a entoação da fala. Uma vez que na
T a expressão “na viagem do tempo da foto” se refere ao tempo que o falante aprendeu
a “passar, a lavar e a cozinhar”, mas na RF tal expressão se refere a “Esta foto foi numa
época em que viajei para o sul.” Embora, pode-se admitir que as duas ações verbais
refiram-se à foto, na RF são separadas em parágrafos para reforçar o entendimento do
produtor textual. T: “Sou um rapaz que trabalhou pelo mundo sem irmão, com isso, eu
aprendi a passar, a lavar e a cozinhar na viagem do tempo da foto. Trabalhei na
agricultura colhendo café, limpando café, plantando lavoura. Fui lá para o sul, trabalhei
quatro anos só na agricultura.” RF: “Sou um rapaz que trabalhou pelo mundo sem
irmãos. Com isso, aprendi a passar, a lavar e a cozinhar”.
“Esta foto foi numa época em que viajei para o sul e trabalhei quatro anos na
agricultura. Colhia, limpava café e plantava lavouras”.
Nessa operação, buscamos depurar dois constituintes desse processo, a
pontuação e o parágrafo, cuja natureza remete à idealização linguística. Para Marcuschi
(2010, p. 80) apud Arabyan (1994) “a questão do parágrafo não se acha necessariamente
unida à pontuação, pois ela diz respeito a uma decisão de agrupamento do conteúdo por
outros critérios”.
82
OD3 Há eliminação de redundância no seguinte trecho, T: “trabalhava em um
armazém de exportação de café para o exterior”. Na RF: “trabalhei em um armazém de
exportação de café”. Eliminação de repetições, T: “colhendo café, limpando café”. Na
RF: “Colhia, limpava café”.
OD4 Na RF a paragrafação segue a divisão por conteúdos sem prejuízos dos
tópicos discursivos: no primeiro parágrafo, afazeres que o falante foi obrigado a
aprender sozinho no mundo; no segundo, trabalho na agricultura do sul do país; no
terceiro, relato do falante de uma aventura na cidade de Paranaguá.
OD5 a OD7 Na RF há dêiticos de marcas metalinguísticas para referenciação de
ações. Na T: (...) “trabalhei quatro anos só na agricultura. Quando fui para Paranaguá
não tinha trabalho na agricultura”. Na RF: (...) “fui para Paranaguá, porém não havia
trabalho nisso”.
Reconstrução de estruturas truncadas, T: “Quando fui para Paranaguá não tinha
trabalho na agricultura trabalhava em um armazém de exportação de café para o
exterior. Quando cheguei a cidade tinha muita gente, não encontrei uma penção que
trabalhasse, passamos três dias dormindo nos bancos do jardim então fui embora porque
não estava dando serto”. Na RF as estruturas truncadas foram eliminadas: “Depois, fui
para Paranaguá, porém não havia trabalho nisso. Cidade com muita gente, mas não
encontrei pensão para trabalhar. Passamos três dias dormindo nos bancos dos jardins.
Depois, trabalhei em um armazém de exportação de café e finalmente voltei, pois não
deu certo”. Novas opções lexicais, T: “fui embora porque não estava dando serto”. Na
RF: “finalmente voltei, pois não deu certo”.
Para Dolz e Schneuwly (2004, p. 163) “a escrita, vista como sistema de notação
da língua oral, adquire um caráter incompleto e inexato”. Na RF de *Luiz, tal como no
texto final de *Carlos há uma maior ênfase na reconstrução de estruturas truncadas
bastante presente em textos orais, mas que não foram descaracterizados em suas funções
comunicativa.
Quadro 9: Transcrição e produções textuais *Luíza
Transcrição Retextualizações
*Luíza T Antigamente era um tal de pastoril mais
hoje em dia não existe mais não essa
brincadeira. Mim lembro demais das
brincadeiras dos anos passados, mais hoje
estou com mais de 70 anos. Eu nunca fui a
escola não trabalhava no pezado num sei nem
*Luíza RI Antigamente era um tal de pastorio, mais
hoje em dia não existe mais não essa
brincadeira. Me lembro demais das
brincadeiras dos anos passados, mais hoje
estou com mais de 70 anos de idade. Nunca
fui a escola, trabalhava no pezado, num sei
83
fazer o nome direito. Mas me casei com uma
moça e ela me ensinou a faze meu nome.
O namoro de antigamente é diferente
demais dos de hoje. Eu tenho 27 netos e 4
bisnetos eu morro em BF, mais tenho filhos
na Pousa de Ladeira Grande. Os namoros era
diferente pra pegar na mão das moças era
meio difícil antes si namorase tinha que casar.
As relações com meus pais era meia cruel,
pois nois não chamava-mos nomes feios,
porque si não apanhava com um cinturão ou
com um cipor de jukar que vivia guardado,
hoje ninguém tenhe mais respeito pelos os
pais, a casa é muito diferente de antigamente.
nem fazer o nome direiro. Mas mim casei com
uma mulher, e ela mim ensinou a fazer o meu
nome.
O namoro de antigamente era diferente
demais dos de hoje. Tenho 27 netos e 4
bisnetos. Morro em Bento Fernandes, tenho
filhos na Pousa de Ladeira Grande. Os
namoros eram diferentes pra pegar na mão das
moças era meio difícil.
Antes si namorase tinha que casar. As
relações com meus pais era meio cruel, pois
não chamava-mos nomes feios, porque
apanhava-mos com um cinturão ou com um
cipó de jukar que vivia guardado.
Hoje ninguém tenhe mais respeito pelos os
pais, a coisa é muito diferente de antigamente.
RF Lembro-me das brincadeiras do passado.
Tinha o pastoril, dança que não mais existe.
Tenho mais de 70 anos, trabalhava no
pesado e nunca fui à escola, mal sei assinar o
nome. Porém, casei-me com uma moça que
me ensinou a fazê-lo.
Os namoros de antigamente eram
diferentes dos de hoje, até para pegar na mão
da moça era meio difícil. Se houvesse namoro
era obrigado a casar.
Tenho 27 netos e 4 bisnetos, moro em
Bento Fernandes, mas tenho filhos na Pousa
da Ladeira Grande. A relação com os meus
pais foi meio cruel. Caso chamássemos
palavrões feios apanhávamos com um
cinturão ou um cipó de jucá que era guardado.
Hoje, ninguém mais respeita os pais. As
coisas são muito diferentes.
No quadro nove registramos as seguintes operações presentes no texto de
*Luíza:
OD1 Na RF desaparecem os marcadores típicos da conversação como “um tal”.
OD2 Na T quase não surge pontuação, porém na RF ela é feita com base na
prosódia. Opção por orações curtas com poucos elementos coesivos.
OD3 Na RF ocorre retirada do pronome egótico eu. Na T “eu nunca fui a escola
não” é substituído na RF por “nunca fui á escola”. Caso comum aparecer em orações
negativas da oralidade duas expressões de negação. Na T a expressão de negação “não”
(5x) é reduzida para 2(x) na RF. Vejamos, na T “hoje em dia não existe mais não”
substituído na RF por “hoje, não mais existe”.
OD4 Na RF, divide o texto em quatro parágrafos de acordo com os conteúdos.
Ocorrem pequenos deslocamentos de posições nos tópicos discursivos visando um
84
melhor ordenamento dos conteúdos: No primeiro, situa as brincadeiras lembradas pelo
falante; no segundo, dados pessoais do falante com destaque para a condição de
analfabeto; no terceiro, como eram os namoros e os casamentos do passado, segundo o
falante; e no último, relata a atual composição da família do falante e como esse se
relacionava com os pais.
OD5 a OD7 No trecho da T “num sei nem fazer o nome direito” é substituído na
RF por “mal sei assinar o meu nome”. Opção por um novo tratamento lexical mais
formal. Na T “ela mim ensinou a fazer o meu nome” é substituído na RF por “que me
ensinou a fazê-lo”. Substituição do “mim por me” e uso do dêitico “lo” após o verbo
“fazer” para retomar o referente nome.
Cardoso (2008, p. 117) afirma, “temos duas funções para as unidades de
pontuação: colocar em evidência quem fala no texto [...] e organizar o conjunto do texto
no nível global (partes do texto) e naquele da unidade de base do texto: a frase”.
Para essa operação, elegemos uma das características principais da oralidade que
é utilizar-se sistematicamente do contexto físico, notadamente para uma operação
espacial. Nesse aspecto, buscamos eliminar esse contexto físico em detrimento de
informação que possa recuperar aquilo que foi verbalizado. Para Cavalcante (2014,
p.90) “Os dêiticos espaciais marcam as noções de proximidade/distância do locutor em
relação a um dado referente. Eles apontam para um lugar situado e referido com relação
a quem fala.” Por seu turno Koch (2010, p.19) “Na oralidade é comum serem os
referentes recuperáveis na própria situação discursiva: basta assim, apontar para eles,
dirigir o olhar ou fazer um gesto qualquer em sua direção.”
Na RF de *Luíza, tanto quanto os dêiticos para referenciação, há um destaque
maior para a pontuação com base na prosódia. O uso da pontuação feita por ela permite
ao leitor um melhor entendimento quanto ao sentido do texto escrito.
Quadro 10: Transcrição e produções textuais *Joana
Transcrição Retextualizações
*Joana
T Eu namorei com minha pri primeira
namorada e hoje, foi minha primeira
namorada e hoje tô lá tô casado a primeira
namorada que eu namorei eu casei...O namoro
*Joana
RI Namorei com minha primeira namorada
e hoje estou casado com ela. O namoro,
naquela epoca era sentado, ninguém podia se
encostar perto. Eu namorei durante um ano
85
era sentado assim ninguém podia se encostar
perto não agente ficava distante sabe? Rapaz
eu namorei com essa que eu casei passe qase
qase um ano pa casar com ela sabe? Ai me
casei hoje to com ela ainda. A gente brincava
de anel sabe? Quando eu me casei eu tava
com 20 ano, hoje to com 60 é com 64 tá bom
44anos e tenho 8 fi.
com essa menina para poder casar. Quando
me casei estava com 20 anos, esse casamento
já dura a 44 anos, e temos 8 filhos. Nos
brincamos de anel.
RF Namorei à minha primeira namorada
durante quase um ano e hoje estou casado
com ela. Os namoros eram sentados, distantes
um do outro. Casei-me aos 20 anos, hoje,
tenho 64 anos de idade e 44 de casamento.
Tenho 8 filhos.
Brincávamos de anel.
No quadro dez registramos as seguintes operações presentes no texto de *Joana:
OD1 em sua RF eliminação ou redução de marcadores conversacionais, as
hesitações e complemento de partes de palavras presentes na T como: “hoje 4X para
2X, sabe 2X, tô (estou) 2X, lá, rapaz, qase (quase) 2X, pa (para)”. T: “Eu namorei com
minha pri primeira namorada e hoje, foi minha primeira namorada e hoje tô lá tô casado
a primeira namorada que eu namorei eu casei..”. RF: “Namorei à minha primeira
namorada durante quase um ano e hoje estou casado com ela”.
OD2 na RF a pontuação segue a entoação da fala geralmente marcada por (...) ou
o marcador interacional sabe seguido de interrogação presentes na T.
OD3 em sua RF retira o pronome egótico “eu” 7X presente na T. Reduz as
repetições da T: “hoje 4X para 2X, tô (estou) 2X, qase (quase) 2X”. Retira as
reduplicações e as redundâncias da T: “Rapaz eu namorei com essa que eu casei passe
qase qase um ano pa casar com ela sabe? Ai me casei hoje to com ela ainda”. RF:
“Namorei à minha primeira namorada durante quase um ano e hoje estou casado com
ela”.
OD4 em sua RF divide o texto em dois parágrafos de acordo com os conteúdos,
no primeiro, namoros, casamento e família; no segundo, as brincadeira, tópico
discursivo que foi deslocado para o último parágrafo.
OD5 a OD7 em sua RF o dêitico ela é usado para se referir à namorada.
“Namorei à minha primeira namorada durante quase um ano e hoje estou casado com
ela”. Na T a seguinte estrutura truncada: “Quando eu me casei eu tava com 20 ano, hoje
86
to com 60 é com 64 tá bom 44anos e tenho 8 fi”. Foi transformada na RF em: “Casei-
me aos 20 anos, hoje, tenho 64 anos de idade e 44 de casamento. Tenho 8 filhos”. Na T:
“O namoro era sentado assim ninguém podia se encostar perto não agente ficava
distante sabe?” Em sua RF transformação da estrutura sintática e opção por novo léxico:
“Os namoros eram sentados, distantes um do outro”.
Para JUBRAN (2006, p. 32) o aparecimento da descontinuidade no texto falado
deve-se a situação de comunicação face a face “O tratamento desses fatos (...) afasta
avaliações negativas sobre descontinuidades presentes na língua falada, dissociando-as
das ideias de ‘defeitos’, “disfluências”, ou perdas do fio condutor.” Por sua vez,
Cavalcanti (2010, p.154) “ O texto (sua produção), longe de ser visto como o resultado
de um momento de inspiração, é concebido como um processo, um trabalho que
demanda planejamento, escolhas, (re)elaboração.”
Na RF de *Joana ocorreu em maior destaque a reconstrução de estruturas
truncadas, concordâncias e o encadeamento das ideias, reconstrução em função da
norma escrita.
Quadro 11: Transcrição e Produções textuais de *Sinara
Transcrição Retextualizações
*Sinara
T Como foi a sua infância? Ave Maria
naquele tempo minha filha nós tínhamos
dificuldade para arranjar o que comer, mas
mesmo assim era até divertido; agente
trabalhava nos rossados e pastorava o gado e
as ovelhas pois naquela época não existia
cerca; Agente inventava de brincar de casinha
com as boneca ficava tão entertida que, os
bichos acabava comendo a lavoura do
vizinho; quando chegava em casa podia
esperar que a pisa estava certa. No fim de
semana tinha balhe de sanfanas, boi de reis,
João redondo e quando não tinha nada os
amigo batia numa lata agente dançava.
Hoje me casei tive meus filhos já sou bisavo
*Sinara
RI Como foi sua infância? Naquele tempo
tínhamos dificuldades para arranjar o que
comer, mas mesmo assim era até divertido;
agente trabalhava nos roçados e pastorava o
gado e as ovelhas, pois naquela época não
existia cerca.
Agente inventava de brincar de casinha
com as bonecas ficava tão entretida que, os
bichos acabavam comendo a lavoura do
vizinho. Quando chegava em casa podia
esperar que a pisa estava certa.
No fim de semana, tinha baile de sanfona,
boi de reis, joão redondo. E quando não tinha
nada os amigos batiam numa lata e a gente
dançava.
87
já tenho 74 anos e sou feliz, peso a Deus que
nos guarde e nos livre da maldade do mundo .
Hoje me casei, tive meus filhos, já sou
bisavó, já tenho 74 anos e sou feliz. Peço a
Deus que nos livre e nos guarde da maldade
do mundo.
RF Como foi a sua infância? Naquele tempo
tínhamos dificuldades para arranjar o que
comer, mas, era até divertido. Trabalhávamos
nos roçados e pastorávamos o gado e as
ovelhas, pois naquela época não existia cerca.
Durante esse trabalho, inventávamos de
brincar de casinhas com as bonecas. Nisso,
ficávamos tão entretidas que os animais
acabavam comendo a lavoura do vizinho. Ao
voltarmos para casa era pisa na certa.
Nos finais de semana havia bailes de
sanfona, boi-de-reis, joão redondo. Quando
não havia nada, os amigos batiam em latas e
dançávamos.
Casei-me, tive filhos e sou bisavó.
Tenho 74 anos e sou feliz. Peço a Deus que
nos guarde e nos livre da maldade do mundo.
No quadro onze registramos as seguintes operações presentes no texto de
*Sinara:
OD1 Eliminação de “ave maria (1x) e minha filha (1x)” que são caracterizadas
como elementos típicos produzidos na fala.
OD2 “Hoje me casei tive meus filhos já sou bisavo já tenho 74 anos e sou feliz,
peso a Deus que nos guarde e nos livre da maldade do mundo”. Em sua RF “Casei-me,
tive filhos e sou bisavó. Tenho 74 anos e sou feliz. Peço a Deus que nos guarde e nos
livre da maldade do mundo”. Pontuação com base na prosódia. Como se trata de um
período curto separa as orações em simples e compostas.
OD3 Eliminação do advérbio de tempo presente na T: “já” (2X). Na RF os
verbos no presente dispensam esse reforço do advérbio.
88
OD4 Em sua RF ocorreu paragrafação com base na divisão dos conteúdos, em
bora a ordem geral tenha permanecido: no primeiro parágrafo relata as dificuldades, as
brincadeiras e os trabalhos de criança; no segundo parágrafo, a fase da juventude da
entrevistada, pois relata como eram os bailes e as danças; e no último parágrafo, a
entrevistada faz um relato da sua vida atual (idosa).
OD5 a OD7 Inicia o período da RF com o verbo “casei-me” (ênclise, típico de
textos escritos) em substituição a T “me casei” (próclise, típica de textos falados).
Substitui o “eu” (pronome egótico) por “nós” fazendo a conjugação dos verbos na
primeira pessoa do pretérito imperfeito. A palavra “bichos” presente na T é substituída
na RF por “animais” visando uma maior formalidade na escrita.
Para Koch (2012, p. 17) “Como é a interação (imediata) que importa, ocorrem
pressões de ordem pragmática que se sobrepõem, muitas vezes, às exigências da
sintaxe.” Na RF *Sinara substitui o “eu e o a gente por nós” (1ª pessoa do plural). A
participante fez muitas substituições elaboradas visando uma maior formalidade no
texto escrito. Promoveu uma adequação da linguagem oral para a escrita com maior
ênfase no OD 7.
Quadro 12: Transcrição e Produções textuais *Sofia
Transcrição Retextualizações
*Sofia
T Namorava o namoro era assim... ficava com
um rapaz aqui, ai acabava ai renovava de
novo e assim eu nunca me casei ai ficava só
de amizade com um, amizade com outro. Eu
toda vida fui medonha né ai minha mãe dizia
assim, minha filha eu não quero voce
namorando com fulano. ai eu dizia mamãe eu
não to namorando não, voce ta namorando
que fulano me disse voce ta namorando sim
que fulano viu e voce ta namorado, não tava
namorando não! tava , tava que fulano viu
voce lá com o namorado, ai acabe esse
namoro com ele, ai eu acabava ai depois
renovava o namoro de novo ai eu ia pras
festas escondida da minha mae minha mãe e
*Sofia
RI Os namoros daquela época eram assim:
ficava com um rapaz aqui, acabava, renovava
de novo, e assim nunca me casei. Ficava de
amizade com um, amizade com outro. Eu
toda vida fui medonha, minha mãe dizia
assim: minha filha, eu não quero você
namorando com fulano. Eu dizia: mamãe eu
não estou namorando com ele. Mas ela
insistia, pois sempre ela dizia que alguém me
viu com tal namorado. Era obrigada a acabar
o namoro, mas depois renovava. Saía
escondida para as festas, pois papai e mãe não
deixavam. Quando perguntavam por mim já
estava longe Ao voltar perguntavam com que
estava, sempre dizia que estava com as
89
meu pai não queria não ai eu ia escondida, ai
quando pensava... cadê Marluce foi pra festa,
eu mandei ela ir... quando ela chegar vou
bater nela que eu não mandei ela ir, ai quando
chegava : Eu mandei voce ir para festa ? não ,
e por que voce foi? e voce foi mais quem? fui
mais minhas amigas, que amiga eu sei mas
quem voce foi, voce foi com o seu namorado
viu ai ela me chamava logo de sem vergonha,
ai toda vida eu fui medonha eu respondia meu
pai né, respondia meu pai minha mãe, ei
cuidado se não doule , eu bato em você. Meu
pai era medonho comigo, mais eu chegava de
vagazinho, o minha filha eu podia bater em
voce, mais mamãe não bata não, mais voce
não vai pra festa mais não. Não mamãe vou
mais não mamãe vou mais não. Ai eu não ia
mais pra festa não.
amigas, mas eles não acreditavam e diziam
que estava com namorado por que fulano viu,
e logo minha mãe me chamava de sem
vergonha. Sempre respondia aos meus pais,
eles eram bravos comigo, e me ameaçavam de
surras, mas sempre chegava das festas
devagarinho para eles não verem, depois
prometia que não iria mais para as festas.
RF Sempre namorei, os namoros acabavam e
renovavam, mas nunca me casei. Ficavam
somente as amizades. Eu sempre fui muito
medonha. Minha mãe sempre impediu os
meus namoros com alguns rapazes.
Namorava, mas sempre negava e escondia até
que ela descobria através de conversas de
fulanos. Era obrigada a acabar, mas depois
renovava. Sempre fui para as festas escondida
dos meus pais, pois eles não deixavam.
Quando voltava dizia que estava
acompanhada das amigas, mas eles não
acreditavam. Insistiam que estava com
namorado e minha mãe logo me chamava de
sem vergonha. Sempre respondia aos meus
pais e, por isto, era sempre ameaçada de
apanhar. Sempre fui arteira, chegava das
festas bem devagarinho e prometia que não
iria mais.
No quadro doze registramos as seguintes operações presentes no texto de *Sofia:
OD1 eliminação na RF das hesitações e dos marcadores conversacionais
presentes na T: “aí (15X), né (2X), viu”;
OD2 Na RF a pontuação segue baseada na entoação da fala do entrevistado. T:
“Namorava o namoro era assim... ficava com um rapaz aqui, ai acabava ai renovava de
novo e assim eu nunca me casei ai ficava só de amizade com um, amizade com outro”.
Na RF: “Sempre namorei, os namoros acabavam e renovavam, mas nunca me casei.
Ficavam somente as amizades”.
90
OD3 Retirada das redundâncias, T: “acabe esse namoro com ele, eu acabava ai depois
renovava o namoro de novo”, na RF: “Era obrigada a acabar, mas depois renovava”.
Retirada das repetições, T: “ficava só de amizade com um, amizade com outro”, na RF:
“Ficavam somente as amizades”. T: “não tava namorando não! tava , tava que fulano
viu voce lá com o namorado”, na RF: “Namorava, mas sempre negava e escondia até
que ela descobria através de conversas de fulanos”. T: “eu ia pras festas escondida da
minha mae minha mãe e meu pai não queria não ai eu ia escondida”, RF: “Sempre fui
para as festas escondida dos meus pais, pois eles não deixavam”. Retirada de
reduplicações, T: “eu chegava de vagazinho, o minha filha eu podia bater em voce, mais
mamãe não bata não, mais voce não vai pra festa mais não. Não mamãe vou mais não
mamãe vou mais não. Ai eu não ia mais pra festa não”, na RF: “Sempre respondia aos
meus pais e, por isto, era sempre ameaçada de apanhar. Sempre fui arteira, chegava das
festas bem devagarinho e prometia que não iria mais”.
OD4 Na RF não houve paragrafação e a ordem permaneceu inalterada por tratar-se de
um mesmo conteúdo.
OD5 a OD7 Na RF há contextos expressos por dêiticos: “Sempre fui para as festas
escondida dos meus pais, pois eles não deixavam”. Reconstrução de estruturas
truncadas, T: “Meu pai era medonho comigo, mais eu chegava de vagazinho, o minha
filha eu podia bater em voce, mais mamãe não bata não, mais voce não vai pra festa
mais não”, na RF: “Sempre respondia aos meus pais e, por isto, era sempre ameaçada de
apanhar. Sempre fui arteira, chegava das festas bem devagarinho e prometia que não
iria mais”. Novas estruturas sintáticas e opções lexicais, T: “Eu mandei voce ir para
festa ? não , e por que voce foi? e voce foi mais quem? fui mais minhas amigas, que
amiga eu sei mas quem voce foi, voce foi com o seu namorado viu”. Na RF: “dizia que
estava acompanhada das amigas, mas eles não acreditavam. Insistiam que estava com
namorado”.
Segundo Antunes (2003), dependendo dos contextos de uso, a fala e a escrita
variam em níveis de planejamento, incidências em relação à norma padrão, graus de (in)
formalidade.
Na RF de *Sofia o OD 3 surgiu com mais ênfase, pois ela retira as redundâncias,
as repetições de palavras e das ideias, as reduplicações fazendo um condensação em sua
produção escrita. Enquanto na sua T apresentou 33 linhas, a RF foi condensada para 19
linhas sem prejuízos de informações.
91
Esse trabalho não só favoreceu as atividades de retextualização no tocante ao
trabalho com os operadores discursivos para a transformação de um texto oral para um
texto escrito numa sequência didática com o gênero textual memórias, como também
promoveu uma aproximação cultural entre o modo de vida dos alunos com o dos idosos,
uma vez que nos relatos de vida surgiram aspectos culturais e identitários que não são
os mesmos vividos pelos alunos.
Para os alunos participantes da pesquisa ficou de relevante a percepção das
experiências linguísticas entre o texto oral e o texto escrito. Uma vez que refletiram
quanto à importância de ambos nos diversos contextos interacionais em que se faça
necessária as práticas sociais de comunicação pelo uso da língua. Essa que se utiliza da
fala e da escrita para se concretizar através dos gêneros textuais produzindo variações
das estruturas textuais-discursivas, seleções léxicas, estilo, grau de formalidade etc.
92
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao elegermos os processos de retextualização da fala para a escrita no gênero
textual memórias procuramos compreender que o ensino da língua se concretiza através
dos gêneros textuais nas modalidades escrita e oral.
Muito há de ser pesquisado nesta área de retextualização, embora, verificamos
que esta intervenção pedagógica pautada nos operadores discursivos de retextualização
configurou-se como um eficiente caminho para nós professores trabalharmos as
peculiaridades de usos e funções dos gêneros textuais nas modalidades orais e escritas
de uma língua, em um trabalho didático que considere o contínuo tipológico permeado
por todas as práticas sociais de comunicação.
Se tais práticas sociais, inerentes ao homem, mudam, transformam-se, evoluem
ou regridem de acordo com as atividades humanas não há como concebermos uma
língua como um conjunto de normas inflexíveis e estanques, limitadas, fora do contexto
de uso. Para Marcuschi (2010, p.125) “a língua não é um simples sistema de regras, mas
uma atividade sociointerativa que exorbita o próprio código como tal.” A
língua é viva e sócio-histórica situada. Um texto produzido no século passado,
principalmente os literários, pouco surtirá efeito de compreensão para um aluno do
século XXI se não levarmos em conta a situação e o contexto de produção (quem
produziu, para quem, o grau de intimidade entre os enunciadores, qual o propósito
comunicativo etc).
Reiteramos que há como trabalhar um ensino de língua sem pautar-se pela
dicotomia entre a fala e a escrita. Ambas são diferentes pelas suas peculiaridades de
contexto de uso em práticas sociais de comunicação, porém tais diferenças jamais
podem resultar em preconceitos, uma vez que do ponto de vista da perspectiva
sociointeracionista, a qual contribuiu para fundamentar esta pesquisa, fala e escrita
apresentam dialogicidade, usos estratégicos, funções interacionais, envolvimento,
negociação, situacionalidade, coerência e dinamicidade. As dicotomias tão presentes
entre a fala e a escrita no ensino de língua só faz aumentar os mitos constantes nessa
ordem, principalmente, aquele que causa maior dano para os aprendizes da Língua
Portuguesa: o de que a escrita é uma representação da fala.
É possível verificarmos que as diferenças entre a oralidade e a escrita não são
tão marcantes no tocante aos conteúdos e a organização básica das informações uma vez
93
que os textos orais apresentam também nos gêneros textuais uma sequência na conexão
lógica entre as ideias. A qualidade cognitiva entre textos orais e escritos está no mesmo
patamar naquilo que concerne em romper conceitos com ideias novas. Não se observou
um maior grau de abstração de pensamento nas produções escritas retextualizadas em
relação aos textos originais orais transcritos.
Constatamos ainda, que o trabalho com transcrição realizou-se de modo bastante
meticuloso, principalmente quando se trata de desenvolvê-lo numa turma do ensino
fundamental que ainda apresenta deficiências linguísticas no tocante à sintaxe e à
ortografia da língua. Essa última foi verificada em demasia na escrita dos alunos durante
a transcrição das entrevistas.
Porém, tais deficiências serviram como advertências, foram trabalhadas e não
apresentaram ameaças ao objetivo final da intervenção, visto que os alunos refletiram e
compreenderam que os textos falados e os textos escritos se complementam e são
usados para designar formas e atividades comunicativas que se dão em eventos e
processos de práticas sociais do usuário da língua, enquanto as diferenças entre eles são
marcadas nos aspectos formais, estruturais e semiológicos (plano do código).
Na retextualização inicial (RI) dos alunos é possível verificarmos uma grande
presença de marcas da oralidade, textos que mesmo escritos guardavam resquícios da
entrevista (no contínuo do gráfico, situa-se como escrito com fortes características da
fala). Tais marcas foram reduzidas nos textos após o trabalho coletivo com os
operadores discursivos – da fala para a escrita – que desencadeou em outras
retextualizações até a culminância na retextualização final RF (memórias narrativas que
no contínuo do gráfico está mais centralizada, situada também como escrita, mas com
menos presença de marcas da fala).
Além da redução das marcas da fala (hesitações, marcadores conversacionais,
palavras iniciadas e não concluídas) presentes na transcrição, constatamos também, na
retextualização final dos alunos, um considerável número de textos que apresentou a
introdução da pontuação, retirada de truncamentos e de repetições de palavras não
necessárias na escrita. Outro fenômeno recorrente nas RF dos alunos foi à paragrafação
dos textos divididos em assuntos. As marcas de referenciação por dêiticos e as novas
opções lexicais ocorreram em menor incidência, visto tratar-se de uma turma que
apresentava um limitado conhecimento enciclopédico.
94
As retextualizações finais analisadas apresentaram em sua maioria uma redução
do número de palavras e linhas, sem prejuízos de conteúdo e informação, em relação às
transcrições.
Durante a intervenção, um dos aspectos que fez redobrar a atenção do docente e
dos alunos foi à compreensão da fala do entrevistado, pois, em alguns casos houve
necessidade de repetição do áudio para desfazer-se de confusões que possivelmente
atrapalhariam a veracidade do conteúdo do discurso. A compreensão daquilo que foi
falado é fator fundamental para uma eficiente retextualização.
Corroboramos com os linguistas no tocante ao constante uso de texto nas aulas
de ensino da Língua Portuguesa. Fato que parece demasiadamente repetido em diversos
estudos linguísticos, mas, não raro detectamos práticas pedagógicas inversas nas salas
de aulas. Os próprios alunos, por estarem numa situação passiva, não podem contribuir
para uma mudança significativa nessa ordem.
Muitos professores, parecem acomodados, seja pelo medo da ruptura do
tradicional com o novo que se descortina a sua frente. O fato é que, independente desses
medos, o educador arraigado ao ensino de língua distante das práticas sociais do
educando não tem mais lugar no século XXI, haja vista que as mudanças vieram e, com
elas, a necessidade de um profissional engajado, motivado, preparado e, muito mais que
isso, fundamentado teoricamente em concepções de linguagem e ensino que o orientem
a trabalhar com textos nas modalidades orais e escritos.
Além disso, os docentes precisam perseguir o objetivo de desenvolver a
competência discursiva dos alunos, tendo em vista que os mesmos precisam interagir
nos múltiplos contextos interacionais dos quais participam, constituindo-se, assim,
como sujeitos no outro, com o outro e pelo outro, conforme aponta Bakhtin (2010).
Espera-se com o resultado alcançado nesta pesquisa que os horizontes apontados
para a compreensão de que oralidade e escrita, embora guardem peculiaridades,
ocorrem dentro de um contínuo dos gêneros textuais para atender as necessidades
comunicativas dos falantes de uma língua. Aponta ainda, para as possibilidades de nós
professores aderirmos a um ensino de Língua Portuguesa através dos gêneros textuais.
Sobretudo, um ensino significativo que contemple os usos e funções dos gêneros nas
modalidades orais e escrita de forma interacional. Um ensino, prioritariamente, a favor
do aluno que contemple a fala, a escrita e a leitura em práticas e usos sociais de
comunicação.
95
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texto: o sujeito autor / organizado por Maria da Graça Costa Val e Gladys Rocha. Belo
Horizonte: Autêntica/CEALE/FaE/UFMG, 2008.
99
ANEXOS
*Rafael
T 1. Como era as brincadeiras de antigamente? Ah, minha infância não foi muito de
divertimento, não brincava muito.
Como era mais velho dos meus irmãos tinha que trabalhar ajudando meu pai para sustenta a
família, sabe ...,ai as poucas brincadeiras que brincava era caçar com meus amigos, pique
esconde, pega – pega, tila – tila , cai no poço, mais a brincadeira que mais gostava era jogar
bola, mais só de noite ...,porque como de dia trabalhava eu só tinha tempo pra brincar de noite.
2. E uma aventura que o senhor teve? Quando eu era pequeno, agente morava em uma tapera
encima de uma ladeira sab...,ai um certo dia estava carregando lenha na bicicleta mais ai na
ladeira tem um bocado de pedras quando descir a ladeira levei uma queda da mulesta que descir
de cabeça a baixo que fiqui chorando no chão todo relado.ai pra completar quando chegue em
casa levei um piza.
3. O senhor acha os jovens de hoje estão diferente de antigamente? Tão sim antigamente não o
que tem hoje, antes quando não tinha energia elétrica nos fazia um bocado de coisa brincava,
jogava bola, fazia tudo, hoje não eles só quer ficar direto no celular, no computador falando
besteira sabe né...eu mesmo nem gosto desse negócio de ficar toda hora no celular, gostava de
caçar passarinho e brincar.
RI Como era as brincadeiras de antigamente? Minha vida não foi muito de divertimento,
não brincava muito. Como era o mais velho dos meus irmãos tinha que trabalhar ajudando meu
pai para sustentar a família. As poucas brincadeiras que brincávamos era: caçar passarinho,
pique-esconde, pega-pega, tila-tila, cai no poço. Mais a brincadeira que mais gostava era jogar
bola, mas como só podia jogar a noite, por que de dia trabalhava eu só tinha tempo pra brincar
de noite.
E uma aventura que o senhor teve? Quando eu era pequeno, agente morava em uma
tapera em cima de uma ladeira, um certo dia estava carregando lenha na bicicleta, mais na
ladeira tem um bocado de pedras, quando desci levei uma queda da mulesta que fiquei chorando
no chão todo relado, pra completar quando cheguei em casa levei uma piza.
Como eram os jovens de antigamente? Eram diferentes dos de hoje, não havia energia
elétrica, porém, fazíamos muitas brincadeiras. Os jovens de hoje gastam a maior parte de seu
tempo com o celular e o computador, falam coisas sem importância. Nunca gostei de celular,
meu negócio era caçar e brincar.
100
RF Como eram as brincadeiras de antigamente? Na minha infância não houve muito
divertimento, pouco brincava. Como era o mais velho dos irmãos, tinha que trabalhar ajudando
o meu pai no sustento da família. As poucas brincadeiras eram caçar com meus amigos, pique
esconde, pega-pega, tila-tila, cai no poço, mas, a que mais gostava era jogar bola a noite, pois
durante o dia trabalhava.
E uma aventura? Quando pequeno morávamos numa tapera no topo de uma ladeira
que era cheia de pedras. Certo dia, quando transportava lenha numa bicicleta sofri uma terrível
queda que fiquei chorando no chão todo machucado. Para completar, ainda apanhei em casa.
Como eram os jovens? Embora não houvesse energia elétrica, brincávamos e fazíamos
muitas coisas. Hoje, os jovens passam a maior parte do tempo em celular e computador.
Conversam coisas sem importância. Não gosto de celular, mas de caçar e brincar.
*Pedro
T Eu me chamo Sandoval tenho 81 anos nasci em Assu me criei em Assu mas conheci 49
cidades do Brasil já me casei duas vezes.
Eu sou agricultor desde pequeno tenho 2 filhos uma mora em São Paulo e o outro mora
aqui em Bento Fernandes, eu quando criança nós brincava de cobra-sega, talo de jerimum e
também de boi de osso, os namoro do meu tempo era assim ela no sofá e o rapaz na porta da
sala e os pais dela só olhando.
RI Sou Sandoval tenho oitenta e uma anos. Nasci e me criei em Assu.RN.
Conheço quarenta e nove cidades do Brasil; casei-me duas vezes; sou agricultor desde
criança; tenho dois filhos, uma mora em São Paulo e o outro em Bento Fernandes.
Quando criança brincávamos de cobra-cega, boi de osso e talo de jerimum.
Os namoros do meu tempo ocorriam da seguinte forma: a moça sentava-se no sofé e o
rapaz na outra ponta na porta da sala, enquanto os pais dela só olhavam.
RF Sou Sandoval, 81 anos, agricultor desde pequeno. Nasci e me criei em Assu/RN, mas
conheço 49 cidades do Brasil. Casei-me duas vezes e tenho dois filhos: uma mora em São Paulo
e o outro aqui em Bento Fernandes.
Quando criança, brincávamos de cobra-cega, talo de jerimum e boi de osso.
Os namoros naquela época eram assim: a moça sentava-se no sofá, o rapaz na outra ponta
junto à porta da sala enquanto os pais dela olhavam.
*Carlos
101
T Eu lembro muito na época que eu com 6 a 7 anos íamos pegar leite lá no Riacho Fechado
I, eu e a minha irmã aí sempre sempre eu fazia umas travessuras era quebrar litros e chegava em
casa colocava culpa na irmã sem ela ter culpa de nada ai quem levava os enfrego todo era ela eu
ficava por fora porque acreditavam em mim que era o mais novo e ela era mais velha ai pronto
ela que levava os enfrego
E tem mais tem outra que foi no tempo que eu com meus 12 anos a travessura que fiz foi
disparar uma espingarda dentro de casa mas era só pras paredes, mas nunca mostrei espingarda
pra ninguém era só pras paredes, era uma brincadeira que eu passei medo, a espingarda disparou
dentro de um quarto uma 20 pra tanger uma galinha de cima da cama uma galinha choca, pegei
a espingarda de papai ai nem botei aqui no peito sabia lá que danado ia disparar. Papai tinha
esquecido de tirar o cartucho ai ele mandou eu guardar a espingarda no sábado ai no domingo
foi essa tragédia.
RI Na época , lembro muito que entre seis e sete anos íamos pegar leite no Riacho Fechado I.
Ia junto com a minha irmã. Sempre fiz travessuras como quebrar litros e colocava a culpa nela,
pois meus pais acreditavam em mim que era o mais novo Ela que levava os esfregos e eu ficava
de fora.
A maior travessura que fiz foi aso doze anos; disparei uma espingarda dentro da minha
casa, o alvo foi as paredes mas passei por um grande medo. Tudo issoo foi pra tanger uma
galinha choca que estava em cima da cama. Não sabia que ia disparar, papai pediu para eu
guardar e esqueceu de tirar os cartuchos. Isso foi no sábado e a tragédia no domingo.
RF Lembro muito que entre 6 e 7 anos ia junto com a minha irmã pegar leite no Riacho
Fechado I. Sempre fiz travessuras como quebrar litros e colocava a culpa nela. Meus pais
acreditavam em mim por ser o mais novo. Sempre fiquei por fora e ela que levava todas as
broncas.
Lembro-me de uma grande travessura quando estava com os meus 12 anos. Sempre
disparava uma espingarda nas paredes de casa, mas nunca apontei para ninguém. Nessas
brincadeiras passei por um grande susto: No quarto, disparei por acidente uma espingarda 20
apenas para assustar uma galinha que estava em cima da cama. Era uma arma de papai que ele
pediu-me para guardar, só que ele se esqueceu de remover os cartuchos. Guardei no sábado e a
tragédia foi no domingo.
*Luiz
T Sou um rapaz que trabalhou pelo mundo sem irmão, com isso, eu aprendi a passar, a lavar e
a cozinhar na viagem do tempo da foto. Trabalhei na agricultura colhendo café, limpando café,
102
plantando lavoura. Fui lá para o sul, trabalhei quatro anos só na agricultura. Quando fui para
Paranaguá não tinha trabalho na agricultura trabalhava em um armazém de exportação de café
para o exterior. Quando cheguei a cidade tinha muita gente, não encontrei uma penção que
trabalhasse, passamos três dias dormindo nos bancos do jardim então fui embora porque não
estava dando serto.
RI Sou um rapaz que sempre trabalhou pelo mundo, com isso, aprendi a passar, a lavar e a
cozinha. Trabalhei na agricultura, colhendo, limpando e plantado café.
Esta foto, foi quando fui para o sul, trabalhei quatro anos somente na agricultura.
Quando fui para Paranaguá não havia trabalho na agricultura. Trabalhei em um armazém de
exportação de café para o exterior. Quando cheguei a cidade tinha muita gente, não encontrei
uma pensão para trabalhar. Passamos três dias dormindo nos bancos do jardim. Então, fui
embora por que não estava dando certo.
RF Sou um rapaz que trabalhou pelo mundo sem irmãos. Com isso, aprendi a passar, a lavar
e a cozinhar.
Esta foto foi numa época em que viajei para o sul e trabalhei quatro anos na agricultura.
Colhia, limpava café e plantava lavouras.
Depois, fui para Paranaguá, porém não havia trabalho nisso. Cidade com muita gente,
mas não encontrei pensão para trabalhar. Passamos três dias dormindo nos bancos dos jardins.
Depois, trabalhei em um armazém de exportação de café e finalmente voltei, pois não deu certo.
*Luíza
T Antigamente era um tal de pastoril mais hoje em dia não existe mais não essa brincadeira.
Mim lembro demais das brincadeiras dos anos passados, mais hoje estou com mais de 70 anos.
Eu nunca fui a escola não trabalhava no pezado num sei nem fazer o nome direito. Mas me casei
com uma moça e ela me ensinou a faze meu nome.
O namoro de antigamente é diferente demais dos de hoje. Eu tenho 27 netos e 4 bisnetos
eu morro em BF, mais tenho filhos na Pousa de Ladeira Grande. Os namoros era diferente pra
pegar na mão das moças era meio difícil antes si namorase tinha que casar. As relações com
meus pais era meia cruel, pois nois não chamava-mos nomes feios, porque si não apanhava com
um cinturão ou com um cipor de jukar que vivia guardado, hoje ninguém tenhe mais respeito
pelos os pais, a coisa é muito diferente de antigamente. Sei de tanto aproveito que nem sei
contar tudo!
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RI Antigamente era um tal de pastorio, mais hoje em dia não existe mais não essa brincadeira.
Me lembro demais das brincadeiras dos anos passados, mais hoje estou com mais de 70 anos de
idade. Nunca fui a escola, trabalhava no pezado, num sei nem fazer o nome direiro. Mas mim
casei com uma mulher, e ela mim ensinou a fazer o meu nome.
O namoro de antigamente era diferente demais dos de hoje. Tenho 27 netos e 4 bisnetos.
Morro em Bento Fernandes, tenho filhos na Pousa de Ladeira Grande. Os namoros eram
diferentes pra pegar na mão das moças era meio difícil.
Antes si namorase tinha que casar. As relações com meus pais era meio cruel, pois não
chamava-mos nomes feios, porque apanhava-mos com um cinturão ou com um cipó de jukar
que vivia guardado.
Hoje ninguém tenhe mais respeito pelos os pais, a coisa é muito diferente de antigamente.
RF Lembro-me das brincadeiras do passado. Tinha o pastoril, dança que não mais existe.
Tenho mais de 70 anos, trabalhava no pesado e nunca fui à escola, mal sei assinar o
nome. Porém, casei-me com uma moça que me ensinou a fazê-lo.
Os namoros de antigamente eram diferentes dos de hoje, até para pegar na mão da moça
era meio difícil. Se houvesse namoro era obrigado a casar.
Tenho 27 netos e 4 bisnetos, moro em Bento Fernandes, mas tenho filhos na Pousa da
Ladeira Grande. A relação com os meus pais foi meio cruel. Caso chamássemos palavrões feios
apanhávamos com um cinturão ou um cipó de jucá que era guardado. Hoje, ninguém mais
respeita os pais. As coisas são muito diferentes.
*Joana
T Eu namorei com minha pri primeira namorada e hoje, foi minha primeira namorada e hoje tô
lá tô casado a primeira namorada que eu namorei eu casei...O namoro era sentado assim
ninguém podia se encostar perto não agente ficava distante sabe? Rapaz eu namorei com essa
que eu casei passe qase qase um ano pa casar com ela sabe? Ai me casei hoje to com ela ainda.
A gente brincava de anel sabe? Quando eu me casei eu tava com 20 ano, hoje to com 60 é com
64 tá bom 44anos e tenho 8 fi.
RI Namorei com minha primeira namorada e hoje estou casado com ela. O namoro, naquela
epoca era sentado, ninguém podia se encostar perto. Eu namorei durante um ano com essa
menina para poder casar. Quando me casei estava com 20 anos, esse casamento já dura a 44
anos, e temos 8 filhos. Nos brincamos de anel.
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RF Namorei à minha primeira namorada durante quase um ano e hoje estou casado com ela.
Os namoros eram sentados, distantes um do outro. Casei-me aos 20 anos, hoje, tenho 64 anos de
idade e 44 de casamento. Tenho 8 filhos.
Brincávamos de anel.
*Sinara
T Como foi a sua infância? Ave Maria naquele tempo minha filha nós tínhamos dificuldade
para arranjar o que comer, mas mesmo assim era até divertido; agente trabalhava nos rossados e
pastorava o gado e as ovelhas pois naquela época não existia cerca; Agente inventava de brincar
de casinha com as boneca ficava tão entertida que, os bichos acabava comendo a lavoura do
vizinho; quando chegava em casa podia esperar que a pisa estava certa. No fim de semana tinha
balhe de sanfanas, boi de reis, João redondo e quando não tinha nada os amigo batia numa lata
agente dançava. Hoje me casei tive meus filhos já sou bisavo já tenho 74 anos e sou feliz, peso
a Deus que nos guarde e nos livre da maldade do mundo .
RI Como foi sua infância? Naquele tempo tínhamos dificuldades para arranjar o que comer,
mas mesmo assim era até divertido; agente trabalhava nos roçados e pastorava o gado e as
ovelhas, pois naquela época não existia cerca.
Agente inventava de brincar de casinha com as bonecas ficava tão entretida que, os bichos
acabavam comendo a lavoura do vizinho. Quando chegava em casa podia esperar que a pisa
estava certa.
No fim de semana, tinha baile de sanfona, boi de reis, joão redondo. E quando não tinha
nada os amigos batiam numa lata e a gente dançava.
Hoje me casei, tive meus filhos, já sou bisavó, já tenho 74 anos e sou feliz. Peço a Deus
que nos livre e nos guarde da maldade do mundo.
RF Como foi a sua infância? Naquele tempo tínhamos dificuldades para arranjar o que comer,
mas, era até divertido. Trabalhávamos nos roçados e pastorávamos o gado e as ovelhas, pois
naquela época não existia cerca. Durante esse trabalho, inventávamos de brincar de casinhas
com as bonecas. Nisso, ficávamos tão entretidas que os animais acabavam comendo a lavoura
do vizinho. Ao voltarmos para casa era pisa na certa.
Nos finais de semana havia bailes de sanfona, boi-de-reis, joão redondo. Quando não
havia nada, os amigos batiam em latas e dançávamos.
Casei-me, tive filhos e sou bisavó. Tenho 74 anos e sou feliz. Peço a Deus que nos guarde
e nos livre da maldade do mundo.
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*Sofia
T Namorava o namoro era assim... ficava com um rapaz aqui, ai acabava ai renovava de novo e
assim eu nunca me casei ai ficava só de amizade com um, amizade com outro. Eu toda vida fui
medonha né ai minha mãe dizia assim, minha filha eu não quero voce namorando com fulano. ai
eu dizia mamãe eu não to namorando não, voce ta namorando que fulano me disse voce ta
namorando sim que fulano viu e voce ta namorado, não tava namorando não! tava , tava que
fulano viu voce lá com o namorado, ai acabe esse namoro com ele, ai eu acabava ai depois
renovava o namoro de novo ai eu ia pras festas escondida da minha mae minha mãe e meu pai
não queria não ai eu ia escondida, ai quando pensava... cadê Marluce foi pra festa, eu mandei ela
ir... quando ela chegar vou bater nela que eu não mandei ela ir, ai quando chegava : Eu mandei
voce ir para festa ? não , e por que voce foi? e voce foi mais quem? fui mais minhas amigas, que
amiga eu sei mas quem voce foi, voce foi com o seu namorado viu ai ela me chamava logo de
sem vergonha, ai toda vida eu fui medonha eu respondia meu pai né, respondia meu pai minha
mãe, ei cuidado se não doule , eu bato em você. Meu pai era medonho comigo, mais eu chegava
de vagazinho, o minha filha eu podia bater em voce, mais mamãe não bata não, mais voce não
vai pra festa mais não. Não mamãe vou mais não mamãe vou mais não. Ai eu não ia mais pra
festa não.
RI Os namoros daquela época eram assim: ficava com um rapaz aqui, acabava, renovava de
novo, e assim nunca me casei. Ficava de amizade com um, amizade com outro. Eu toda vida fui
medonha, minha mãe dizia assim: minha filha, eu não quero você namorando com fulano. Eu
dizia: mamãe eu não estou namorando com ele. Mas ela insistia, pois sempre ela dizia que
alguém me viu com tal namorado. Era obrigada a acabar o namoro, mas depois renovava. Saía
escondida para as festas, pois papai e mãe não deixavam. Quando perguntavam por mim já
estava longe Ao voltar perguntavam com que estava, sempre dizia que estava com as amigas,
mas eles não acreditavam e diziam que estava com namorado por que fulano viu, e logo minha
mãe me chamava de sem vergonha. Sempre respondia aos meus pais, eles eram bravos comigo,
e me ameaçavam de surras, mas sempre chegava das festas devagarinho para eles não verem,
depois prometia que não iria mais para as festas.
RF Sempre namorei, os namoros acabavam e renovavam, mas nunca me casei. Ficavam
somente as amizades. Eu sempre fui muito medonha. Minha mãe sempre impediu os meus
namoros com alguns rapazes. Namorava, mas sempre negava e escondia até que ela descobria
através de conversas de fulanos. Era obrigada a acabar, mas depois renovava. Sempre fui para as
festas escondida dos meus pais, pois eles não deixavam. Quando voltava dizia que estava
acompanhada das amigas, mas eles não acreditavam. Insistiam que estava com namorado e
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minha mãe logo me chamava de sem vergonha. Sempre respondia aos meus pais e, por isto, era
sempre ameaçada de apanhar. Sempre fui arteira, chegava das festas bem devagarinho e
prometia que não iria mais.
*Kaline
T Meu nome e joana Varela Romão da silva, tenho 81 anos, morro em Bento Fernandes,
eu nasci em Pitombeira no dia 26.11.1932.
Eu entrei na escola já moça, por que no meu tempo não tinha professora onde eu
morava mais um homem chamado Mané Bento, trouxe uma professora para ensina agente, mas
agente tinha que paga todo fim de mês 1 real que antigamente era um gruzeiro , cada aluno. As
provas da gente antigamente era assim a professora mandava agente decora um texto e depois
ela mandava agente dizer o que decorou para a turma toda.
No meu tempo as nossa brincadeira era pila corda, brincadeira de roda, as nossa boneca
era feito de sabugo de milho.
Os namoro na minha época era muito diferente dos de hoje em dia como os meus 15
anos foi que eu arranjei o meu primeiro namorado, no meu tempo os namorados respeitava as
moça, quando eles ir ver agente o meu pai ficava no meio de nós e agente só dava um beijo
quando ele já irá embora.
As festa que eu ia na minha época era as festa de santo, exemplo: São Sebastião ou festa
de padroeira.
Como os meus 18 anos eu fui mora em Boa Vista município de Ilma Rinho e nessa
época Ilma Rinho era município de São Paulo do Potengir quando eu mi mudei eu já era casada.
O meu casamento foi um fato marcante na minha vida na época.
RI Sou Joana Varela Romão da Silva, 81 anos, nasci em Pitombeira no dia vinte e seis de
Novembro de mil novecentos e trinta e dois. Hoje moro na sede do Município de Bento
Fernandes.
Entrei na escola já uma moça, pois naquele tempo não havia professor onde morava,
mas um senhor por nome de Mané Bento trouxe uma professora para estudar tínhamos que
pagar um cruzeiro na época.
As provas eram da seguinte forma: A professora mandávamos decorar um texto e
depois, repetíamos para toda a turma.
Os namoros da minha época eram muito diferentes dos de hoje. Aos quinze anos,
arranjei meu primeiro namorado. Os rapazes respeitavam os moças. Quando eles iam nos ver, o
pai ficava sentado sentado entre nós; o beijo so na despedida.
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As festas que íamos eram as novenas de santos e padroeira.
Aos dezoito anos fui mora em Boa Vista, município de São Paulo do Potengi. periodo
que ja estava casada.
RF Sou Joana Varela Romão da Silva, nasci em Pitombeira no dia vinte e seis de novembro
de mil novecentos e trinta e dois. Hoje moro em Bento Fernandes.
Entrei na escola já uma moça, pois naquele tempo não havia professor onde morava,
mas um Senhor por nome de Mané Bento trouxe uma professora. Para estudar tínhamos que
pagar um cruzeiro na época. Nas aulas, decorávamos os textos e repetíamos para toda turma.
Brincávamos de pular corda, brincadeiras de roda e de bonecas feitas de sabugo de
milho.
Os namoros eram muito diferentes dos de hoje. Aos quinze anos, arranjei o meu
primeiro namorado. Os rapazes respeitavam as moças. Quando nos víamos, pai ficava sentado
entre nós. O beijo era só na despedida.
As festas eram as novenas de santos ou padroeiros.
Aos dezoito anos fui morar em Boa Vista, município de São Paulo do Potengi. Nesse
período já estava casada.
*Rosa
T Meu nome é Vilma tenho 63 anos morro no assentamento Ispinheiro II sou aposentada, no
meu tempo quando eu estudava eu nunca sai da casa do ABC porque quando começou as aulas
era casa do ABC eu nunca, nunca não era por causa do meu não, acho que era de mim mesmo
que não dava pra estudar, lá em casa só quem aprendeu foi meu irmão Zeca, Batista e eu foi os
que apreendeu, só quem aprendeu foi Zeca e Lucia, eu nunca apendi meu pai pagou aula pra
mim e Batista nunca ligou pra apreender acho que era a cabeça que não dava, as vezes fico a
sim pensando si tivesse aprendido coo meus irmão porque eu tinha arrachado um trabalho
melhor mas como nunca aprendi, mas graças a Deus eu arrumei um trabalho como merendeira e
hoje ja tou aposentada graças a Deus, quando agente era pequena brincava de escondi – escondi
si atrepava nos pés de figo pra brincar lá em cima colocava umas redinhas e brincava de boneca
e as festas fui muitas em lagoa nova agente ia a pé os forró, casamento era festa que agente ia
nós dançava pouco quando agente era criança na quele tempo era lux de lamparina logo cedo
quando o sol tava si pondo ja tava deitada não era a sim, hoje em dia as meninas são soutas ate a
meia noite, no meu tempo não era a sim não ai depois a energia era de motor mais so era ligado
ate dez horas, mais agente nunca morrou em rua, eu já vim morra aqui na rua depois, de casada
morava a sim no alto do rondom na quele tempo era tudo mato casas uma longe das outras, os
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namorados o pai era no meio da gente na sala hoje em dia os namoros e libertos no meu tempo
não era a sem não, uma vez eu tava em Natal ai na sexta feira eu vim pra casa, eu tinha uma tia
que nós ja fugia porque os pais não deixava ir pras festas um dia quando vinha fugindo pra rua
pro clube nesse clube tinha um grupo de pessoas que dava aula fazia forró, uma noite fugia de
casa eu com papeiro, meu tinha ido pra rua quando eu e minha tia ia chegando no canto da casa
que agente vinha por traz papai vinha chegando, eu pulei a serca pra traz isso era porque tava
com papeira pulei a serca traz eu so andava com minha tia só que essa tia era casada ai si
separou do marido, nos saia pra os forró, as vezes eu fugia com minha tia mas nos voltava cedo
para casa não ficava até de manhã não que ném hoje em dia as meninas sai so chega de manhã,
no nosso tempo não era a sim não, o primeiro namorado que arrumei papai só porque viu meu
namorado pegado na minha mão eu quase levava uma piza.
RI Os namoros o pai era no meio da sala, hoje os namoros são liberados, no meu tempo não
era assim, uma vez minha tia ia fugir de casa pra ir pra rua, tinha o clube que tinha um grupo de
pessoas que dava aula e fazia forró, uma noite fugi de casa com minha tia, meu pai tinha ido pra
rua, quando eu e minha tia chegava no canto da casa, que agente vinha por traz papai vinha
chegando, pulei a serca pra traz, eu só saia com minha tia. Nos saia pra os forro, as vezes fugia
com minha tia mas voltava cedo pra casa.
O primeiro namorado que arrumei, papai só porque viu meu namorado pegado na minha
mão, eu quase levava uma pisa.
RF Sou Vilma, tenho 63 anos, moro no assentamento espinheiro II em Bento Fernandes. Sou
aposentada, nunca aprendi a ler nem escrever, não por causa do meu pai, mas acho que sou rude
mesmo. O único que aprendeu algo foi meu irmão Zeca, mesmo meu pai pagando aulas
particular os outros nunca aprenderam.
As vezes penso que poderia ter aranjado um trabalho melhor se tivesse aprendido. Graças
a Deus arranjei um trabalho como merendeira.
Quando criança, brincávamos de esconde-esconde em cima das árvores com umas
redinhas de bonecas.
Fui para muitas festas em Lagoa Nova, íamos a pé para os forrós e casamentos, mas
dançávamos pouco.
Quando criança, deitávamos logo cedo, pois a luz era de lamparina. Hoje, as crianças
ficam nas ruas até meia noite.
Os namoros não eram assim liberados. O pai ficava na sala entre nós.
Certa vez, numa sexta-feira, vim de Natal para casa. Aqui, junto com uma tia fugíamos
para as festas, pois nossos pais não deixavam. Na rua havia um clube onde um grupo de
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pessoas participava de aulas e faziam forró. Certa noite, fugíamos para este local. Na saída de
casa encontramos papai que voltava da rua, pulei a cerca de volta mesmo doente de papeira.
Quase apanhei do meu pai quando ele viu o meu namorado pegar na minha mão.
*Ana
T Eu saia pro forró vei de sofona papai ai quando agente chegava em casa ele não queria abrir
a porta pra mim entrar eu entrava pela porta da cuzinha mamãe que abria, mais quando eu tava
deitada na rede antes deu mim levantar papai se alevantava puxava minha ureia sabe? as
minhas lágrimas dessia uma por uma mais assim ( ) eu não respondia nenhuma palavra sabe? ia
pua festa quando chegava começava a festa ai agente vinha pra casa e ele dizia vamo pra casa
também agente não dizia nenhuma nem duas, pronto é casa né ele chamava agente vinha ficava
com disgosto mais tinha que vim se chegase um namorado lá em casa meu agente é não podia
nem conversar com ele papai conversava com ele tem hora que ele ia simbora pra casa e nem
conversava comigo, na infancia quando é piquiinim? Eu ia na infancia minha eu brincava muito
de roda com meus irmãos ainda tem musica que eu mim lembro ainda foi ali agente asubiava
brincava de história e que eu gostava mais era brincadeira de roda é ainda mi lembro dúa ainda
acredita? E ate engraçada vô´ lembrar cantar até ela dá fruta faz até melão do melão faz
melancia é doce é doce quem quiser aprender a dançar lá na casa de seu Zezinho ele pula ele
roda ele faz requebrar o meu primeiro namorado tá ai acredita? Peraí o nome dele é Raimundo
o primeiro não o segundo ele tá aí quando era namorado meu ele queria noivar comigo eu não
gostava dele ai não quiz namorar não quiz ficar com ele ai foi de muito tempo namorar comigo
sabe? Ele disse eu vou trazer á aliança pra noivar com você pra pedir a seu pai eu disse nem
inventa nunca isso não que eu não gostava dele ai foi prua festa aqui em Bento Fernandes que
eu morava em Serra da Cruz pra cá ai fui lá comesei a conversar com outro rapaz atraz de gostar
dele ele era de Riacho dos paus.ai ele disse que se eu foçe conversar com ele ia dá um pau
grande aqui ai eu saie mais o olto pra casa ele ficou tá ai ele a mulher dele ele já foi vixi a
esposa dele de brinquedo mim lembro que brincava de boneca, boneca de pano sabe? Ai meu
irmão mandava agente fazer as coisas agente queria brincar de boneca de pano ai pegou as
bonecas e queimou por que mandava agente fazer as coisas e não queria fazer só queria brincar
de boneca não tenho nada de boneca hoje por que queimou eu mi lembro que meu pai era muito
engrato com agente não deixava agente sair pra canto nenhum um irmão muito rim que só vivia
dando em mim eu fugia de casa pra casa dos meus tios por causa dele até mim matar ele quiz mi
matar de faca era ele dava em mim. Ele mora longe daqui.
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RI Eu saia para o forró vei de sofona, papai, quando agente chegava em casa, ele não queria
abrir a porta pra me entrar, eu entrava pela porta da cozinha mamãe que abria, mais quando eu
estava deitada na rede antes que me levantase. Papai se levantava, puxava minha orelha, as
minhas lágrimas dessia uma por uma, mais mesmo assim, não respondia nenhuma palavra.
Eu ia para festas quando chegava, comesava a festa, agente vinha para casa, ele falava,
vamos para casa, também agente não falava nenhuma nem duas, chamava, agente vinha, ficava
com disgosto mais tinha que vim, se chegase um namorado na minha casa, agente não podia
nem conversar, ele ia embora para casa e nem conversava comigo.
As minhas brincadeiras eram de rodas. Eu brincava com meus irmãos. Ainda tem
música que me lembro, agente asubiava, brincava de histórias. Eu gostava mais de brincadeiras
de rodas, lembro de uma música, é até engrada. Vo cantar!
Dá fruta faz até melão do melão faz melancia é doce é doce quem quizer aprender a
dançar lá na casa de seu Zezinho ele pula ele roda ele faz requebrar.
O meu primeiro namorado ele tá ai, o nome dele é Raimundo, o primeiro não, o
segundo.
RF Quando íamos para os forrós, papai não queria abrir a porta de casa. Para entrarmos,
mamãe é que abria a porta da cozinha. Já deitada, o meu pai puxava as minhas orelhas. As
lágrimas desciam, mas não respondia nenhuma palavra.
Íamos para as festas, mal elas começavam voltávamos para casa, a pedido do meu pai.
Ficávamos com desgosto, mas não podíamos dizer nada, obedecíamos.
Caso um namorado fosse me visitar, papai é que conversava com ele. Havia dias que ele
voltava para casa sem conversar comigo As brincadeiras eram de rodas com os meus irmãos.
Ainda lembro das músicas, assobiávamos, brincávamos de histórias.
.
*Lucas
T No ano de 70, que eu pegui-me em minha vida um ano mal, que eu não fiz nada de
agricultura de rosado que naquele tempo eu trabalhava com rosado, mais só que eu deixei o
rosado a agricultura e fui queimar xixique e macambira para o gado para escapar o gado passei
o ano começei no mes de maio trabalhei até mes de fevereiro do outro ano fazendo esse serviço
pra mim foi um ano mal pra mim não pra mim e para os outros que morava lá na minha região
né.. eh ... Serviço de dificuldade tive muitas em minha vida né...depois eu passei a sair dessa
fazenda...fazenda paraguai, em Jardim de Angicos e depois eu passei sai dessa fazenda, vim
para fazenda da primavera tomar conta de uma fazenda passei doi meses nessa fazenda fazendo
o mesmo serviço queimando xixique e macambiraira. Chegou um tio meu foi me apanhar pra
mim ir pra região de taipu pronto eu fui-me embora pra taipu lá foi, la foi uma vida melhor pra
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mim e minha família, na regiáo de taipu tomei conta de uma fazenda passei dez anos nessa
fazenda pra mim uma fazenda muito boa levei minha vida dez anos nessa fazenda muito boa
pra mim, sai dessa fazenda fui para outra fazenda no beiço do rio potengir passei onze meses
não tava boa pra mim fui-me embora para Santo Antonio do Salto da onça tomar conta de outra
fazenda passei cinco anos tudo muito bem mais o patrão era muito afobado e minha família
tinha muito cuidado comígo porque eu sou né... ai tinha muito cuidado comígo eu vim me
embora pra santa maria passei quatro anos em santa maria e outra fazenda. Fazenda muito boa
patrão bom e eu trabalhando de vaqueiro passei esses quatro anos muito bem ai eu me enjoei
não me aposentei e digo não vou trabalhar mais pra ninguem e deixei até hoje. Em Santa maria
eu tomei conta até mil e setecentos reis com os invernos bom com ano bom de colheita de
forragem pro gado quatro ano bom que eu peguei trabalhei de vaqueiro o patrão muito bom
pramim né... ai me aposentei e disse vou-me embora.
RI No ano de 70 que eu pegui-me em minha vida um ano mal que eu não fiz nada de
agricultura que naquele tempo eu trabalhava com rosado, só que eu deixei a agricultura fui
queimar xique-xique e mancambira para escapar o gado.
Comecei no mês de maio trabalhei até o mês de fevereiro do outro ano fazendo o
mesmo serviço, para mim foi um ano mal não só pra mim e sim para as outras que moravam em
minha região.
Serviço com dificuldades tive muitas em minha, logo após sair dessa fazenda que se
chamava Paraguai que se localizava-se em Jardim de Angicos, saindo dessa fazenda fui
trabalhar na fazenda prima vera passei dois meses lá fazendo o mesmo serviço, lá nessa fazenda
um tio meu foi buscar-me para ir pra região de Taipu, fui-me embora para Taipu lá foi uma vida
melhor tanto para mim e minha família, trabalhei dez anos sai dela para trabalhar em outra
fazenda só que nas margens do Rio potengir passei onze meses fui-me embora pois não estava
bom para trabalhar lá fui embora para outra em Santo Antonio do Salto da onça passei por lá
cinco anos mas o patrão era muito afobado e minha família tinha muito cuidado comigo porque
eu era tambem afobado.
Vim embora para Santa Maria trabalha em outra fazenda passei quatro anos, fazenda
boa, patrão muito bom. Com o passar dos anos me aposentei e disse para mim mesmo: “Não
vou trabalhar mais para ninguém” e deixei até hoje. Em Santa Maria cuidei até mil e setecentas
cabeça de gado com os invernos bons muito chuvozos, bons para colheita e forragem para o
gado me aposentei e disse: “ vou-me embora.”
RF Em 1970 foi um ano mau em minha vida, naquele tempo trabalhava em roçado e não fiz
nada de agricultura. Deixei de trabalhar no roçado pra queimar xique-xique e macambira para
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escapar o gado. Trabalhei nisso do mês de Maio até o mês de Fevereiro do ano seguinte. O ano
foi mau para todos aqueles que moravam na região.
Trabalhei nas fazendas Paraguai e Prima Vera localizadas no Município de Jardim de
Angicos. Depois a convite de um tio fui trabalhar na região de Taipu. Lá, foi melhor, tanto que
trabalhei 10 anos junto com a minha família.
Depois trabalhei por 11 meses noutra fazenda nas margens do Rio Potengi. Em seguida,
fui para outra em Santo Antonio do Salto da Onça, trabalhei 5 anos, mas não suportei o patrão,
pois ele era muito afobado.
Depois, trabalhei mais 4 anos noutra fazenda em Santa Maria, nessa o patrão era muito
bom.
Depois me aposentei e fiz uma promessa de nunca mais trabalhar para ninguém.
*Alana
T Tinha um lugar que eu gostava de ir, mais não tinha condição mas uma amiga, onde
conhecia mais já agora depois de velha fui para Recife eu gostei muito faz quinze dias que eu
cheguei, fui pra praia eu nuca tinha ido fui a primeira vez. esse ano fiquei muito feliz quando
conheci o mar 56 anos e nunca tinha ido numa praia.
As festas que eu ia era aqui em Bento Fernandes mesmo na padroeira eu gostava muito
de ir.
Toda vida eu gostei de dança eu ia para as festas e eu dançava muito namorei poco.
Fui noiva com 12 anos namorei 9 anos ai vim prá ca, fui para festa com uma amiga ai
arrumei um namorado e com esse hoje to casada a 35 anos
O modo de antigamente num era que nem o de hoje voces ve né, a criação da gente era
diferente da de vocês, vocês hoje vocês são vaidoso agente não tinha vaidade nós não tinha
infância a infância da gente era só trabalhar e agente estudava muito pouco terminei de estudar
no 5 ano.
RI Tinha um lugar que gostava de ir, mais não tinha condição. Mais já agora depois de
velha fui para Recife, gostei muito, faz quinze dias que cheguei.
Fui para praia, nunca tinha ido fui a primeira vez. Esse ano fiquei muito feliz quando
conheci o mar, 56 anos e nunca tinha ido numa praia.
As festas que ia, era aqui em Bento Fernandes, gostava mais de ir na festa da padroeira
gostava muito de ir.
Toda vida eu goste de dançar ia para as festas e dançava muito, namorei poupo.
Fui noiva com 12 anos.
Namorei 5 anos, vim prá cá para Bento Fernandes.
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35 nos.
Fui para a festa com uma amiga, ai arrumei um namorado, e com ele hoje estou casada a
O modo de antigamente, num era que nem o de hoje, vocês vê, a criação da gente era
diferente da de vocês, , hoje é assim, são vaidosos, a gente não tinha vaidade, não tínhamos
infância agente só trabalhava e, não estudava muito pouco, terminei de estudar no 5 ano.
Brincava de roda, de anel, de corda era só o que agente brincava.
RF Sempre tive vontade de viajar para Recife, mais não tinha condições financeiras.
Conheci agora depois de velha. Fiquei muito feliz quando vi a praia e o mar.
Sempre fui para as festas da padroeira em Bento Fernandes. Gostava de dançar, mas
namorava pouco. Fiquei noiva aos 12 anos durante 5 anos. Depois fui para uma festa em Bento
Fernandes e arranjei outro namorado com quem estou casada à 35 anos.
Antigamente, o modo de viver não era como o de hoje. Fomos criados diferentes de
vocês. Não tínhamos vaidades nem infância. Nessa fase, era só trabalho e pouco estudo. Parei
de estudar no 5º ano.
*Marta
T Entrevistadora: A senhora se lembra de um grande Acontecimento que marcou a sua
vida na época da sua infancia ou mocidade?
Entrevistada: Nesse tempo só tinha mais Negocio de sofona né? Não tinha outro
instrumento não, so era safona, e não tinha esse negocio de energia, era só lampaina. Ai eu e
minhas irmãs saimos escondidas de casa, ai mamãe tinha cuidado na gente, ai a gente saia Pra
casa do vizinho, ai lá tinha um sofoneiro, né? ai se juntava os Amigos, cinco, seis moça e
Rapaz, ai a gente chegava lá e começava a dançar, quando dava dez hora ai a gente dizia vamo
embora, que é Pra mamãe não sentir falta da gente, ai a gente ia, quanto a gente chegava,
mamãe Perguntava, aonde a gente tava, ai nos dizia, ah, nós tava ali na casa do vizinho
Brincando, Brincando de que? Ah, de fruta pão e de Anel, ai ficava... Mais nesses dias era
noite de lua, ai a gente saia Para brincar. Ai depois, eu fui ficando mais velha, ai fui casando, ai
chegou energia, depois que a gente casou foi só ter filho e tomando conta das coisas, eu nunca
estudei nesse tempo os estudo era dificil de mais, estudar eu não estudei, meus Pais não tinha
condição, eu não sabia nem Assinar meu nome, mais de repente o tempo passa, graças a Deus
meus filhos hoje sabem ler, são professores.
Entrevistadora: Muito obrigado, pela Atenção!
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RI Entrevistadora: A senhora se lembra de um grande acontecimento que marcou a sua
vida na época da sua infância ou mocidade?
Entrevistada: Nesse tempo só tinha negócio de safona, não tinha energia era só
lamparina. Juntas saímos escondidas de casa mamãe tinha cuidado na gente, certo dia saímos
pra casa do vizinho lá tinha um safoneiro, se juntava os Amigos, cinco, seis moços e Rapazes.
Chegávamos lá e começávamos a dancar, quando dava dez horas dizíamos; vamos Embora que
é pra mamãe não sentir nossa falta, a gente ia, quando chegávamos, mamãe perguntava onde
estávamos, dizíamos que estávamos na casa do vizinho brincando de fruta pão e Anel.; nesses
dias era noite de lua, aí saímos para brincar.
Nunca estudei, nesse tempo os estudos eram muito difíceis, meus pais não tinham
condições, não sabia nem assinar meu Nome.
Depois fiquei mais velha casei chegou energia depois que casei, fui só ter filhos e
tomando conta das coisas, de repente o tempo passou, graças a DEUS, meus filhos hoje sabem
ler, são Professores.
Entrevistadora: Muito obrigado Pela Atenção!
RF Quando criança, não havia energia elétrica na minha casa, tudo era base de lamparina. As
festas eram animadas por sanfoneiros. Saíamos escondidas, mas mamãe tinha cuidado.
Reuníamos na casa do vizinho para dançar. Isto era até às dez horas da noite, pois
tínhamos que voltar para mamãe não sentir a nossa falta. Ao chegarmos dizíamos que
estávamos brincando de fruta pão e anel.
Nunca estudei, pois eram muito difíceis e meus pais não tinham condições.
Com o tempo, casei-me e chegou energia. Passei a ter filhos e a trabalhar nos serviços
de casa. Meus filhos estudaram e hoje são professores.
*Taíze
T...Eu nasci em São Paulo do Potengi, que era papai morava antes de vim pra cá ... as casas
eram bem simplesinhas e eram bem poucas...a minha era simples também mas não importava
muito não ...e... quando era menina, eu gostava de brincar de boneca aquelas de pano mesmo até
hoje (rsrs) eu não brinco não mas gosto de guardar...tinha umas brincadeiras, de passar anel
...é... fazia as coisas em casa cedo nós tinha que aprender logo de menina parece que eu tinha
meus 6 ou 7 anos... sempre ajudava mamãe. Eu comecei a namorar era uns namoricos...tinha
17pra 18 anos era bem diferente de hoje...papai tinha vista grossa...e as festas ? eram bailes de
forró e enchia de gente ...e.. .me casei tive meus filhos ...mesmo com as tribulações conseguir
criar eles e hoje tenho muito orgulho ...(áh) depois meus pais morreram...sofri muito primeiro
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foi meu pai, depois mamãe e assim eu vivo sou separada de meu marido e ajudo a cuidar dos
meus netos...
RI Nasci em São Paulo do Potingi, uma cidade onde papai morava antes de vir para Bento
Fernandes.
As casas eram poucas e simples. A minha também era modesta, mas eu não me
importava.
Quando menina, gostava de brincar com bonecas de pano. Hoje não brinco mais gosto
de guardá-las. Havia outras brincadeiras como passar o anel .
Ainda criança, comecei a ajudar minha mãe nos afazeres domésticos.
Quando comecei a namorar, eram alguns namoricos, tinha entre 17 e 18 anos. Os
namoros eram bem diferentes dos de hoje.
As festas eram verdadeiros bailes de forrós; enchia de gente.
Casei-me, tive meus filhos, consegui criá-los, mesmo com dificuldades. Hoje tenho
muito orgulho deles.
Meus pais morreram, sofri muito. Primeiro foi meu pai, depois mamãe.
Sou separada e ajudo a cuidar dos meus netos.
RF Nasci em São Paulo do Potengi, uma cidade onde papai morava antes de vir para Bento
Fernandes. Ao chegarmos, as casas eram poucas e simples. A minha era simples também, mas
não me importava.
Quando menina gostava de brincar com bonecas de pano. Hoje, já não brinco com elas,
mas gosto de guardá-las.
Quando criança ajudava a minha mãe nos afazeres domésticos.
Comecei alguns namoricos entre 17 e 18 anos. Eles eram bem diferentes dos de hoje.
As festas eram bailes de forró com muita gente.
Com a morte dos meus pais sofri muito, primeiro foi pai, depois perdi minha mãe.
Casei-me, tive filhos, consegui criá-los com muita dificuldade. Hoje, tenho muito
orgulho deles. Separei-me do meu marido e ajudo a cuidar dos meus netos.
*Vitor
T Ah, Nunca fui de gostar de ir para as festas, pois papai e mãe não deixava, pois se fosse
levava uma surra de papai. Gostava muito de brincar. Quais as brincadeiras a senhora mais
gostava? Eu gostava muito de brincar de bonecas com minha irmã, pular corda, tica-tica ah
essas era as brincadeiras que eu gostava mais. Logo quando fiquei adulta mim casei. O meu
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marido gostava muito de farriar, era muito raparigueiro....mais com o passar dos anos ele foi
deixando de ir para festas. Tive uma vida muito sofrida depois que descobri que estava com
câncer. Veio os tratamentos. Tive que tirar uma mama, mais fui curada e isso que mim tornou
uma mulher guerreira, sabe né? Minha vida não foi fácil mais tive quatro filhos que mim fazem
muito feliz.
RI A senhora gosta de ir para as festas ?
Nunca fui de gostar de ir para festas, pois papai e mamãe não deixava. Pois se fosse
levava uma surra de papai. Gostava muito de brincar. Quais as brincadeiras que a senhora mais
gostava? Eu gosto muito de brincar de bonecas com minha irmã, pula corda, tica – tica essas era
as brincadeiras que eu gostava mais. Logo quando fiquei adulta mim casei o meu marido
gostava muito de farriar, era muito raparigueiro. Mas, com o passar dos anos ele foi deixando de
ir para festas. Tive uma vida muito sofrida depois que descobri que estava com câncer, veio os
tratamentos, tive que tirar uma mama, mais fui curada, e isso que mim tornou uma mulher
guerreira. Minha vida não foi fácil, mas, tive quatro filhos que mim fazem muito feliz.
RF Nunca gostei de ir para festas, pois meus pais não deixavam. Se fosse escondida levaria
uma surra.
Quais as brincadeiras que a senhora mais gostava?
Gostava muito de brincar de bonecas com minha irmã, pulávamos corda, tica-tica.
Logo quando fiquei adulta casei-me. O meu marido gostava muito de farras; era muito
raparigueiro, mas com o passar dos anos, foi deixando de ir para as festas.
Minha vida foi muito sofrida; descobri que estava com câncer; veio o tratamento; tive
que retirar uma mama, mas fui curada. Isso me faz uma mulher guerreira.
Tive quatro filhos que me fazem muito feliz.
*Levi
T Conter uma historia do senhor?
Vou contar uma historia, de quando eu era menino que corria atrás dos Bodes, eu tava no
chiqueiro. Papai fazia umas sandalhias de borrachar, ai eu ia ajuntar os bodes la na serra ai a
sandalhar torava o carbreto, eu soltava a outra e fazia carreira atrás dos bodes. Ai eu ispiavar
assim no chão pra ver se tinha muito chik – chik. E pegavar os bodes.
RI Quando era menino, corria atrás dos bodes que estavam no chiqueiro.
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Papai fazia umas sandalhas de borracha para eu ir juntar os bodes na serra. Elas toravam
o cabresto. De repente, soltava a outra e fazia carreira atrás deles. Olhava para o chão para ver
se tinha muito chique-chique e pegava os bodes.
RF Quando criança sempre juntava os bodes para o chiqueiro. O meu pai fazia uns calçados
de borracha para eu ir juntá-los na serra. Elas se arrebentavam, soltava a outra e não parava de
correr atrás deles. Olhava para o chão para ver se tinha muito chique-chique e pegava-os.
*Vando
T Um acidente não agora uma ceca já passei, uma seca em 60...64.65,passei por uma seca
dificiu, dificuldade na vida da gente né, criá família meu pai trabalhava em Taipu e vinha com
saco na cabeça da taipu chegava em casa quase amanhecendo e ia fazer cumida pra gente,
lembro da minha mucidade meu pai dizia meu fii meu fii va comprar um Kg de açucar, era uma
carreira pra ir e outra pra votar tudo isso eu me lembro da minha mucidade sofri muito com os
meus irmãos as coisas eram difici e hoje a criança tem estudo tem tudo.
Minha vó matava um poiquim destamanho assim pra comer de tanta fome.
No meu tempo não tinha escola tinha o mobral tanto que eu so sei assinar o meu nome
meu pai não queria que eu estudace quiria que eu ajudace na roça plantar, colher. Pra viver era
dificil minha mãe relava mandioca e meu pai ia arrancar batata e fazia umas tapioquinha. Você
sabe porque hoje quando agente toma conselho dos pai, a mãe diz meu filho não faça isso ai o
filho ta certo você não faz. No tempo que eu casei eu comprava um Kg de feijão pra passar a
semana a mulher botava uma chicrinha de arroz e era assim difícil.
RI Um acidente não, mas já passei por uma seca nos anos sessenta, sessenta e quatro e
sessenta e cinco. Passei por uma dificuldade.
Meu pai trabalhava em Taipu. Vinha de lá com um saco na cabeça; chegava em casa
quase amanhecendo o dia, e ainda fazia comida para gente.
Lembro da minha mocidade quando o meu pai dizia: meu filho, meu filho! Vá comprar
um kilo de açúcar. Era uma carreira para ir e outra para voltar.
Sofri muito com os meus irmãos, pois as coisas eram difíceis. Hoje, as crianças tem
estudo, tem tudo. No meu tempo, não tinha escola, havia só mobral. Tanto que só sei assinar o
meu nome, pois o meu pai não queria que eu estudasse, somente que eu ajudasse na roça.
A vida era difícil, minha mãe ralava mandioca e fazia umas tapioquinhas enquanto o
meu pai arrancava batatas.
Minha vó, de tanta fome, matava um pequeno porquinho.
RF Passamos por secas nos anos 60, 64 e 65. Passamos por grandes dificuldades.
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Meu pai trabalhava em Taipu, cidade a 38 km de Bento Fernandes onde morávamos.
Caminhava com saco de feira na cabeça. Chegava em casa quase amanhecendo o dia e ainda
fazia comida para a gente.
Quando criança e jovem atendia a todas as ordens do meu pai.
Sofri muito com os meus irmãos, pois a vida era difícil. Hoje as crianças tem estudo e
não falta nada. No meu tempo, o mobral era a escola que existia, tanto que só sei assinar o meu
nome, pois o meu pai me obrigava a trabalhar na roça e não sobrava tempo para estudar.
A vida era difícil, minha mãe ralava mandioca e fazia umas tapioquinhas enquanto o
meu pai arrancava batatas.
A minha avó de tanta fome, matava um leitão.
*Manuel
T Eu nasci em 19 de dezembro de 1944, tive uma infancia, puxada, porque comecei a
trabalhar com 10 anos de idade, na quela epoca as pessoas começavam a trabalhar para sustentar
a família. na minha infancia, trabalhei de sapateiro, cabelereiro, e no campo. Minha familia era
muito festeira quase todas as festa, eu e meus irmão ia, mas as nossas irmans tinha que ficar, em
casa varendo a casa, lavando roupa e lousa. Meu pai na quela epoca ele era carpinteiro, ele
jeralmente so saia de casa para as festa que meus amigos me convidavam para beber. Eu me
orgulho muito do meu pai, e me ensinou tudo que eu sei hoje. Hoje ele tem 103 anos e lembra
de tudo que fes e desfes na vida e ele ainda me encina as coisas ate hoje , mas ele esta muito
doente e eu e meus irmãos cuidamos dele muito bem.
RI Nasci em 19 de dezembro de 1944; tive uma infância muito puxada porque comecei a
trabalhar cedo para sustentar a família. Na infância trabalhei como engraxador, barbeiro e na
roça.
Minha família era muito festeira. Nós íamos para algumas festas que tinha na cidade,
mas as nossas irmãs tinham que ficar em casa fazendo serviços domésticos.
Naquela época, o meu pai era carpinteiro. Ele geralmente, só saia de casa para as festas
que os seus amigos o convidavam. Tenho muito orgulho do meu pai, pois me ensinou tudo que
eu sei hoje.
Atualmente, ele tem cento e três anos, lembra de tudo que fez e desfez na vida. Mesmo
doente, ele ainda me encina as coisas. Junto com meus irmãos cuidamos dele muito bem.
RF Nasci em 19 de dezembro de 1944; tive uma infância muito puxada, pois comecei a
trabalhar aos 10 anos. Naquela época as pessoas começavam a trabalhar cedo para sustentar a
família. Na infância trabalhei como engraxador, barbeiro e na roça.
Minha família era muito festeira. Eu e meus irmãos íamos a quase todas as festas que
havia na cidade, mas as nossas irmãs tinham que ficar em casa fazendo os serviços domésticos.
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Naquela época, o meu pai era carpinteiro. Ele geralmente, só saia de casa para as festas
que os seus amigos o convidavam. Tenho muito orgulho do meu pai, pois me ensinou tudo que
eu sei hoje.
Atualmente, ele tem cento e três anos, se lembra de tudo que fez e desfez na vida.
Mesmo doente, ele ainda me ensina as coisas. Junto com meus irmãos cuidamos dele muito
bem.
*Mateus
T Eu nasci em 1954 no antigo Barreto, com o passar do tempo veio a se chamar Bento
Fernandes, aos meus 6 anos de idade comecei a trabalhar na roça com meu pai, nessa época só
existia um professor que ensinava todas as pessoas da comunidade, eu não tive oportunidade de
estudar porque era muito dificio meus pais nunca me colocaram na escola que também era
muito dificio estudar nessa época ao passar do tempo aos 13 anos foi que comecei a estudar a
carta do ABA e a primeira cartilha tendo aula particular a noite depois passei a fazer
escolarização através da rádio rural, apartir dos 24 anos foi que eu vim fazer a 5ª e 6ª serie na
escola Estadual Senador João Câmara também a noite e deixei os estudos para trabalhar fora
para ajudar minha família. Aconteceram muitas coisas boas e ruins mas a que nunca esquecerei
que eu fui trabalhar na usina Estivas na Cidade de Goianinha RN trabalhava de 11 horas do dia
a 11 da noite. Quando um dia a noite a usina deu um defeito e parou, eu que estava muito
cansado me deitei debaixo da esteira onde puxava a cana de açuca para ser muída, adormeci
enquanto estava dormindo veio uma pessoa e amarou a minha perna na esteira com uma corda
quando a usina começou a funcionar e foi me puxando para dentro das caldeiras e eu tentando
desatar a corda mas não conseguia pedi socorro ma ninguém podia ouvir por causa do som da
usina que era muito auto já perto de cair nas caldeiras aconteceu um milagre, consegui torar a
corda sem antes que podese cair dali eu pedi a minhas contas e vim embora e hoje tenho muita
alegria na minha vida e agradeço a deus por ter uma linda família com meus treis filhos e
minha esposa.
RI Eu nasci em 1954 no antigo Barreto, com o passar do tempo se tornou Bento Fernandes.
Com apenas 6 anos de idade comecei a trabalhar na roça com meu pai. Nessa época so existia
um professor que ensinava todas as pessoas da comunidade. Não tive oportunidade de estudar
porque era muito dificil. Meus pais nunca me colocaram na escola. aos 13 anos comecei a
estudar a carta do ABC e a primeira cartilha. Tive aula particular a noite. Depois passei a fazer
escolarização através da radio rural. A partir dos 24 anos foi que vim fazer a 5º e a 6º seri na
Escola Estadual Senador João Câmara a noite. Deixei os estudos para trabalhar fora e ajudar
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minha família. Aconteceram muitas coisas boas e ruins, aquela que nunca esqueserei foi quando
fui trabalhar na Usina Estivas na cidade de Goianinha /RN trabalhava de 11 horas do dia as 11
horas da noite. Numa certa noite a usina deu um defeito e parou, como eu estava muito cansado
me deitei debaixo da esteira, lugar onde puxava a cana de açuca para ser muída, adormeci.
Enquanto dormia uma pessoa me amarrou nela com uma corda. Quando a usina retormou o
funcionamento, fui, aos poucos sendo puxado para dentro das caudeiras. Tentei dasatar a corda,
mas não consegui. Pedi socorro, mas ninguém me ouvia por causa do som da usina que era
muito alto. Estava próximo de cair na caudeira, aconteceu um milagre, cosegui torar antes do
pior. Depois disso, pedi as contas e voltei para casa.
Hoje tenho muita alegria na minha vida e agradeço a deus por ter uma linda família com
meus tres filhos e minha esposa.
RF Nasci em 1954 no antigo Barreto que hoje se tornou Bento Fernandes. Nessa época,
havia apenas um professor na comunidade. Aos 6 anos de idade já trabalhava na roça com o
meu pai, não tive oportunidade de estudar, pois era muito difícil. Meus pais nunca me
colocaram na escola. Somente aos 13 anos, por esforço próprio, comecei a estudar a carta do
ABC e a primeira cartilha em aulas particular à noite. Depois, fiz escolarização através da rádio
rural.
Somente aos 24 que passei a cursar a 5ª e a 6ª séries na Escola Estadual Senador João
Câmara, mas fui obrigado a deixar os estudos para trabalhar fora e ajudar a minha família.
Na minha vida aconteceram fatos bons e ruins: um que jamais esquecerei foi quando
trabalhei na Usina Estivas em Goianinha/RN. Trabalhava 12 horas por dia, das 11 h. do dia às
11 h. da noite. Numa certa noite, a usina parou por um defeito técnico. O cansaço era tanto que
me deitei e adormeci debaixo de uma esteira, lugar onde puxa a cana para ser moída. Enquanto
dormia, alguém amarrou a minha perna com uma corda nessa esteira. Quando a usina voltou a
funcionar aos poucos a esteira me puxava para as caldeiras. Tentei desatar a corda, mas não
consegui. Fiquei desesperado e pedi socorro, mas ninguém me ouvia por causa do som da usina.
Quando estava próximo de cair nas caldeiras, aconteceu um milagre, consegui arrebentar a
corda. Depois disso, pedi as contas e voltei para casa.
Hoje, tenho muita alegria na vida e agradeço a Deus por ter uma linda família com meus
três filhos e minha esposa.