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A QUESTO DO SUPORTE DOS GNEROS TEXTUAIS1
1. PRECAUES
Este ensaio pretende ser uma pequena contribuio para a anlise do
suporte de gneros textuais. A tese central a de que todo gnero tem um
suporte, mas a distino entre ambos nem sempre simples e a identificao do
suporte exige cuidado. Para isso necessrio definir categorias e considerar
aspectos limtrofes na relao gnero-suporte. Como aqui nada conclusivo,
estas sugestes no passam de um convite discusso e aconselham cautela.2
Alimenta esta anlise a convico de que aqui se oferece um conjunto de
problemas relevantes para a melhor compreenso do funcionamento dos prprios
gneros textuais. Como ressaltado nas observaes finais, o importante, no caso,
que dispomos de elementos empricos para comprovar a validade das posies
defendidas, pois os gneros se do materializados em linguagem e so visveis
em seus habitats. Contudo, a comprovao no se d na observao a olho nu e
sim com base em categorias. Assim, esta abordagem visa a fornecer
precisamente algumas categorias para a anlise e mostra como podem ser
usadas.
No se trata de fazer uma classificao de suportes, mas de analisar como
eles contribuem para seleo de gneros e sua forma de apresentao. Seria
interessante observar como desde a antiguidade os suportes textuais variaram,
indo das paredes interiores de cavernas pedrinha, tabuleta, ao pergaminho, ao
papel, ao outdoor, para finalmente entrar no ambiente virtual da Internet. Mas este
um roteiro de anlise que no ser aqui percorrido. Com efeito, nossa sociedade
foi das inscries rupestres pichao urbana, um caminho curioso que sugere
inmeras interpretaes e no necessariamente uma evoluo.
1 Estas reflexes situam-se no contexto do Projeto Integrado: Fala e Escrita: Caractersticas e Usos, em andamento no NELFE (Ncleo de Estudos Lingsticos da Fala e Escrita), Depto. de Letras da UFPE, com apoio do CNPq proc. n 523612/96-6. Gostaria de agradecer as sugestes, observaes e os comentrios crticos de colegas e amigos, de modo particular, Beth Marcuschi, ao Benedito Bezerra, Cristina Teixeira, Isaltina Gomes e Marianne Cavalcante. Tambm agradeo os comentrios recebidos no debate ocorrido aps uma exposio do tema no IEL/UNICAMP. 2 Desde j confesso meu desconhecimento de trabalhos sobre o tema. Assim, toda contribuio desejada e ser bem-vinda.
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Uma observao preliminar pode ser feita a respeito da importncia do
suporte. Ele imprescindvel para que o gnero circule na sociedade e deve ter
alguma influncia na natureza do gnero suportado. Mas isto no significa que o
suporte determine o gnero e sim que o gnero exige um suporte especial.
Contudo, essa posio questionvel, pois h casos complexos em que o suporte
determina a distino que o gnero recebe. Tome-se o caso deste breve texto:
Paulo, te amo, me ligue o mais rpido que puder. Te espero no fone 55 44 33 22. Vernica .
Se isto estiver escrito num papel colocado sobre a mesa da pessoa
indicada (Paulo), pode ser um bilhete; se for passado pela secretria eletrnica
um recado; remetido pelos correios num formulrio prprio, pode ser um
telegrama; exposto num outdoor pode ser uma declarao de amor. O certo que
o contedo no muda, mas o gnero sempre identificado na relao com o
suporte. Portanto, h que se considerar este aspecto como um caso de co-
emergncia, j que o gnero ocorre (surge e se concretiza) numa relao de
fatores combinados no contexto emergente.
Assim, a discusso sobre o suporte nos leva a perceber como se d a
circulao social dos gneros. Neste caso vamos desde certos locais como as
bibliotecas que no so suportes, mas contm inmeros suportes textuais, at um
outdoor que um suporte que em geral contm um gnero de cada vez e revela
uma certa especializao em relao ao gnero suportado. Por outro lado, seria
necessrio saber como distinguir um canal ou meio de conduo de um servio
para no confundi-los com suporte ou gnero. Aqui vamos desde o telefone
(canal), passando pela rede da Internet (servio), at um pra-choque de
caminho (suporte de um gnero). Tudo isso faz-nos cautelosos na abordagem da
questo e exige definio das unidades de nossa anlise.
Como ltima observao cautelar, gostaria de frisar que neste ensaio pouco
se dir a respeito dos suportes de gneros textuais orais por falta de condies
para equacionar a questo. Seguramente, a ningum ocorre que a boca seja um
suporte, mas algum tipo de suporte para os gneros orais deve haver, j que eles
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no esto soltos. Acima ficou mais ou menos insinuado que a secretria eletrnica
poderia ser vista como suporte de recados, mas isto est longe de ser consensual.
Talvez, no caso da oralidade, sejam os prprios eventos os suportes, por exemplo,
um congresso acadmico seria o suporte de conferncias e comunicaes orais e
a mesa-redonda seria o suporte de exposies temticas.3 No entanto,
seguramente no podemos tomar o disco de vinil, o CD-Rom, a fita cassete, as
gravaes em geral como suportes de gneros orais. Estes so locais de
armazenamento ou meios de transporte e o acesso s falas no direto. Neste
sentido tenho dvidas tambm com a secretria eletrnica, se a consideramos
como um repositrio da mensagem. Nem as transcries impressas, fruto de
gravaes orais so suportes. Como nada sei sobre estes assuntos, me reportarei
apenas ocasionalmente aos suportes orais, por exemplo, o telefone e o rdio, sem
fazer anlises detidas.
2. CATEGORIAS ANALTICAS
Antes de tratar a questo do suporte dos gneros textuais propriamente,
parece importante definir alguns aspectos preliminares referentes s categorias de
anlise. H aspectos centrais no tratamento dos gneros e alguns outros
subsidirios para a anlise do suporte. Entre as categorias centrais, sem entrar em
escolas tericas de maneira mais explcita, esto as que aqui sero sumariamente
definidas sem maiores discusses por falta de espao.
Estas funcionam aqui como categorias de anlise e, em certos momentos,
permitem construir o fenmeno investigado. Entre as categorias centrais a que me
refiro incluiria as abaixo listadas, trazendo algumas no final da lista que podem
servir para delimitar as questes em algum momento.
2.1 Texto
Trata-se, num primeiro momento, do objeto lingstico visto em sua
condio de organicidade e com base em seus princpios gerais de produo e
3 Toda especulao aqui gratuita at no se ter maiores detalhes sobre a questo. Assim, pode-se dizer que em certos casos a instituio serviria de suporte, como por exemplo, a escola seria um suporte para as aulas expositivas.
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funcionamento em nvel superior frase e no preso ao sistema da lngua; ao
mesmo tempo um processo e um produto, exorbita o mbito da sintaxe e do
lxico, realiza-se na interface com todos os aspectos do funcionamento da lngua,
d-se sempre situado e envolve produtores, receptores e condies de produo e
recepo especficas. Em essncia, trata-se de um evento comunicativo em que
aspectos lingsticos, sociais e cognitivos esto envolvidos de maneira central e
integrada, como observou Beaugrande (1997).
2.2. Discurso
De uma maneira geral, o discurso diz respeito prpria materializao do
texto e o texto em seu funcionamento scio-histrico; pode-se dizer que o
discurso muito mais o resultado de um ato de enunciao do que uma
configurao morfolgica de encadeamentos de elementos lingsticos, embora
ele se d na manifestao lingstica. uma materialidade de sentido. De certo
modo a opacidade histrica e lingstica do texto explicada por uma teoria do
discurso, da lngua, do inconsciente e da ideologia, articulados sistematicamente.
Podemos adotar a posio de Lorenza Mondada (1994:23) quando d a seguinte
definio de discurso: No que nos concerne [...] nos utilizaremos do termo discurso como um hipernimo, compreendendo o texto como a interao, reenviando a um objeto emprico, selecionado ou transcrito para a anlise, indissocivel do contexto que ele contribuiu para forjar, e caracterizado no pelas determinaes exteriores mas pelas dimenses que o prprio discurso marca reflexivamente como pertinentes. O discurso o lugar da observabilidade da lngua em sua atualizao num contexto emprico.
2.3. Domnio discursivo (esfera de atuao humana)
Entende-se aqui como domnio discursivo uma esfera de atividade humana,
como lembrou Bakhtin (1979). No um princpio de classificao de textos e
indica instncias discursivas, tais como: discurso jurdico, discurso jornalstico,
discurso religioso, discurso militar, discurso acadmico etc. No abrange um
gnero em particular, mas d origem a vrios deles, constituindo prticas
discursivas dentro das quais podemos identificar um conjunto de gneros textuais
que s vezes lhe so prprios ou especficos como prticas ou rotinas
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comunicativas institucionalizadas e instauradoras de relaes de poder etc. Neste
caso, Domnio Discursivo distingue-se da noo de formao discursiva, tal como
proposta por Foucault.
2.4. Gnero (textual, de texto, discursivo, do discurso)
Trata-se de textos orais ou escritos materializados em situaes
comunicativas recorrentes. Os gneros textuais so os textos que encontramos
em nossa vida diria com padres scio-comunicativos caractersticos definidos
por sua composio, objetivos enunciativos e estilo concretamente realizados por
foras histricas, sociais, institucionais e tecnolgicas. Os gneros constituem
uma listagem aberta, so entidades empricas em situaes comunicativas e se
expressam em designaes tais como: sermo, carta comercial, carta pessoal,
romance, bilhete, reportagem jornalstica, aula expositiva, notcia jornalstica,
horscopo, receita culinria, bula de remdio, lista de compras, cardpio de
restaurante, resenha, edital de concurso, piada, conversao espontnea,
conferncia, e-mail, bate-papo por computador, aulas virtuais e assim por diante.
Como tal, os gneros so formas textuais escritas ou orais bastante estveis,
histrica e socialmente situadas.
2.5. Tipo (textual, de texto, de discurso)
Esta noo designa muito mais modalidades discursivas ou ento
seqncias textuais do que um texto em sua materialidade. O tipo textual define-
se pela natureza lingstica de sua composio {modalidade, aspectos sintticos,
lexicais, tempos verbais, relaes lgicas, estilo, organizao do contedo etc.}.
Em geral, os tipos textuais abrangem um nmero limitado de categorias
conhecidas como: narrao, argumentao, exposio, descrio, injuno.
Quando predomina uma caracterstica tipolgica num dado texto concreto dizemos
que esse um texto argumentativo ou narrativo ou expositivo ou descritivo ou
injuntivo. Os tipos textuais constituem modos discursivos organizados no formato
de seqncias estruturais sistemticas que entram na composio de um gnero
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textual. Tipo e gnero no formam uma dicotomia, mas se complementam na
produo textual.
2.6. Evento discursivo
Esta noo de difcil definio. Diz respeito ao prprio evento em questo,
tal como por exemplo um congresso, ou ento um debate televisivo, sendo que
neste caso se recobriria com o gnero. Assim, uma aula a um s tempo um
evento discursivo e um gnero, mas o aspecto da observao diverso. O evento
caracteriza-se como uma grandeza scio-interativa vista sob seu aspecto de
realizao contemplando os atores e toda a organizao. Um jogo de futebol um
evento assim como uma consulta mdica um evento, mas no caso do jogo de
futebol no h um foco discursivo e na consulta mdica sim. Os atores sociais e
os modos de realizao so outros. Como a noo de evento complexa de se
definir, deixo-a para mais adiante.
2.7. Servio
Embora esta no seja uma unidade de anlise, deve ser considerada como
uma categoria importante para distinguir entre suporte e servio em alguns casos
crticos, como no e-mail e na Internet, por exemplo. O caso dos correios e mesmo
da Internet, tanto podem ser um suporte como um servio a depender do aspecto
da observao. J no to simples saber se a mala-direta um servio, ou um
suporte ou at um gnero como alguns j a classificaram. Defendo que a mala-
direta um servio pelo qual se enviam correspondncias de vrios gneros,
publicidades e assim por diante. Tomamos aqui como servio um aparato
especfico que permite a realizao ou a veiculao de um gnero em algum
suporte. Assim, os correios permitem a remessa de cartas, por exemplo; a Internet
permite a remessa de informaes eletrnicas e ao mesmo tempo a realizao e
instalao de pginas pessoais como suportes de gneros diversos.
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2.8. Canal
Tecnicamente, o canal seria o meio fsico de transmisso de sinais; este o
caso do rdio, da televiso e do telefone quando vistos como emissora ou
aparelho operando como canal de transmisso. Mas em certos casos o canal
pode ser confundido com o suporte dos sinais transmitidos por operarem como
lcus de fixao. Pode-se dizer que o canal se caracteriza como um condutor e o
suporte como um fixador.4
2.9. Instituio
Este o caso de escola, igreja, quartel, universidade, tribunal etc., que
podem ser vistos como instituies, mas no como suportes. As instituies
podem constituir em alguns casos o que se poderia chamar de estruturas de
formao discursiva ou algo parecido (no no sentido foucaultiano).
2.10. Grandes continentes
Tomo como grande continentes os ambientes e os locais que servem de
grandes armazns ou locais de concentrao de materiais impressos ou orais.
Entre estes continentes estariam: (a) Bibliotecas comporta tanto livros como
outros suportes textuais; a biblioteca no pode ser tomada como um suporte, j
que seria invivel uma anlise neste sentido. A funo de uma biblioteca guardar
obras. (b) Livrarias seguramente, uma livraria contm livros e outros suportes,
mas de modo diverso que uma biblioteca, j que na livraria os livros esto venda
e no para consulta ou retirada para consulta. Mas a livraria tambm no um
suporte. (c) Papelarias aqui estamos novamente no mesmo caso das livrarias,
mas com algumas caractersticas diversas. No temos um suporte. (d) Editoras
este outro caso de uma situao em que no se tem um suporte e sim um tipo
de produtora de suportes. (e) Escritrios ali guardam-se os gneros textuais e se 4 O Dicionrio de Lingstica de Jean Dubois et alii (1973:97) traz a seguinte definio para Canal:
Canal (termo tcnico da teoria da comunicao) o meio pelo qual so transmitidos os sinais do cdigo, no curso do processo da comunicao; o suporte fsico necessrio manifestao do cdigo sob a forma de mensagem. Esto neste caso os cabos eltricos para a telegrafia ou para a comunicao telefnica, a pgina para a comunicao escrita, as faixas de freqncia de rdio, os sistemas mecnicos de natureza diversa. No caso da comunicao verbal, o ar o canal pelo qual so transmitidos os sinais do cdigo lingstico..
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consome textos, mas este no um suporte. (f) Museus tambm neste caso no
temos um suporte, embora aqui j estejamos entrando num caso bastante
complexo e que se torna quase-limite para a questo.
Este leque categorial leva-me introduzir a noo de suporte para discutir
com mais calma a questo a seguir. Aqui introduzo uma noo vaga da questo
para que o quadro fique completo. Suporte textual tem a ver centralmente com a
idia de um portador do texto, mas no no sentido de um meio de transporte ou
veculo, nem como um suporte esttico e sim como um locus no qual o texto se
fixa e que tem repercusso sobre o gnero que suporta. De importncia neste
caso a questo de saber qual o grau de dinamismo do suporte. Admitimos que
ele no passivo e tem relevncia no prprio gnero como tal, j que um texto em
um ou outro lugar recebe influncia desse lugar em que se situa. O difcil ser
responder a esta indagao: dada sua natureza, qual a contribuio do suporte
para o funcionamento do gnero? Alm disso, h a questo central afirmada logo
na abertura deste ensaio: todo gnero textual tem um suporte. Ser que isso se
aplica de maneira universal aos gneros orais?
Em concluso a este item o grfico a seguir uma tentativa de permitir uma
viso integrada de como se comportam estas categorias que operariam na anlise
para identificao do suporte.
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QUADRO GERAL DAS CATEGORIAS ANALTICAS
3. POR UMA NOO DE SUPORTE
Como lembrado, acha-se em seus incios a discusso a respeito do suporte
dos gneros. Essa situao curiosa quando se observa que todos os textos
ancoram em algum suporte. O fato j poderia ter sido alvo de anlises mais
acuradas. No entanto, no est claro o que seja um suporte textual. Seguramente
a noo de suporte no pode ser tomada no sentido que a expresso recebe nos
dicionrios de lngua. Por exemplo, de acordo com o Dicionrio Aurlio, suporte
aquilo que suporta ou sustenta alguma coisa; ou ento material que serve de
base para a aplicao de tinta, esmalte, verniz etc. ou no caso de suporte de
impresso: Qualquer material (papel, carto etc.) que recebe a impresso de
frmas nas mquinas de imprimir. J o Dicionrio Houaiss traz em uma de suas
acepes ligada rubrica documentao, o seguinte para suporte: base fsica
(de qualquer material, como papel, plstico, madeira, tecido, filme, fita magntica
Domnios discursivos
texto
gnero
d i s c u r s o s
tipos textuais
evento discursivo SUPORTE
servio canal instituio
Grandes continentes
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etc.) na qual se registram informaes impressas, manuscritas, fotografadas,
gravadas etc.
Essas definies, embora empiricamente corretas, no so suficientes para
nossa anlise e necessrio ir um pouco alm. Assim, a tentativa ser sugerir
uma acepo de suporte que sirva para os propsitos da anlise do gnero.
Intuitivamente, entendemos aqui como suporte de um gnero um locus
fsico ou virtual com formato especfico que serve de base ou ambiente de fixao
do gnero materializado como texto. Numa definio sumria, pode-se dizer que
suporte de um gnero uma superfcie fsica em formato especfico que suporta,
fixa e mostra um texto.
A idia aqui expressa comporta trs aspectos:
* suporte um lugar fsico ou virtual
* suporte tem formato especfico
* suporte serve para fixar e mostrar o texto.
Com (a) supe-se que o suporte deve ser algo real (pode ter realidade
virtual como no caso do suporte representado pela Internet). Esta materialidade
incontornvel e no pode ser prescindida. Com (b) admite-se que os suportes no
so informes nem uniformes, mas sempre aparecem em algum formato especfico,
tal como um livro, uma revista, um jornal, um outdoor e assim por diante. Alm
disso, o fato de ser especfico significa que foi comunicativamente produzido para
portar textos e no um portador eventual. Com (c) admite-se que a funo
bsica do suporte fixar o texto e assim torn-lo acessvel para fins
comunicativos. Mas como o suporte tem um formato especfico e
convencionalizado, ele pode ter contribuies ao gnero. Contudo, isto
problemtico, pois tambm se pode dizer que os gneros so ecolgicos, no
sentido de que desenvolvem nichos ou ambientes de realizao mais adequados,
seja para se fixarem ou circularem. Seria interessante analisar a hiptese de que
os gneros tm preferncias e no se manifestam na indiferena a suportes.
Com respeito ao aspecto (a), me foi feita a pergunta sobre qual seria o
suporte dos textos escritos no ar com colunas de fumaa por avies, em dias
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comemorativos, por exemplo.5 Os gneros realizados nestes textos seriam faixa
comemorativa, poema e outros, quanto a isso no haveria dvidas. Quanto ao
suporte, diria que neste caso a nuvem de fumaa e no o ar ou o cu como um
todo, nem a atmosfera terrestre. Trata-se de uma materialidade, isto , a fumaa
sustentada pelo ar, j que mais leve do que ele. Assim o caso de um outdoor
que serve de suporte para uma publicidade, mas est suspenso num cavalete, o
que equivale ao ar que sustenta a nuvem de fumaa. Poderia fazer a mesma
analogia com a tinta no papel, a qual no o suporte e sim o material que exibe
as letras, palavras e perfaz a escrita.
muito difcil contemplar o contnuo que aqui surge, pois ele no discreto
e no de pode dizer onde um acaba e outro comea. Tome-se o caso de uma
carta pessoal. Pode-se estabelecer esta cadeia:
carta pessoal (GNERO) papel-carta (SUPORTE) tinta (MATERIAL DA
ESCRITA) correios (SERVIO DE TRANSPORTE) ...
No fcil estabelecer a mesma cadeia para todos os gneros, mas isto
serve para pensar as unidades componentes dessa cadeia. O suporte firma ou
apresenta o texto para que se torne acessvel de um certo modo. O suporte no
deve ser confundido com o contexto nem com a situao, nem com o canal em si,
nem com a natureza do servio prestado. Contudo, o suporte no deixa de operar
como um certo tipo de contexto pelo seu papel de seletividade. Este um
problema altamente complexo ainda no bem-compreendido. Aqui abrimos a
discusso sobre qual o papel do suporte na relao com os gneros e indagamos
se ele acarreta alguma conseqncia para o funcionamento dos gneros. A idia
central que o suporte no neutro e o gnero no fica indiferente a ele. Mas
ainda est por ser analisada a natureza e o alcance dessa interferncia. Um
aspecto que vamos discutir adiante, ligado a esta questo, o problema da
5 Esta pergunta e muitas outras instigantes me foram feitas por Beth Marcuschi a quem eu agradeo os comentrios crticos e sugestes para este trabalho. No dia em que ela me fez esta pergunta, eu no soube responder, mas hoje tento uma explicao sumria questo que acho instigante.
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reversibilidade de funes que o suporte poderia operar em alguns casos de
gneros que migram para vrios suportes.
O mais importante neste caso distinguir entre suporte e gnero, o que
nem sempre feito com preciso. Eu mesmo, em trabalhos anteriores, havia
identificado o outdoor como gnero, o que feito por vrios autores, mas hoje
admito claramente que o outdoor um suporte pblico para vrios gneros, com
preferncia para publicidades, anncios, propagandas, comunicados, convites,
declaraes, editais. No qualquer gnero que aparece num outdoor, pois esse
um suporte para certos gneros, preferencialmente na esfera discursiva
comercial ou poltica. Este exemplo sugere que se trate o suporte na relao com
outros aspectos, tais como: domnio discursivo, formao discursiva, gnero e tipo
textual.
A relao entre eles no constitui uma ordem hierrquica, j que no h um
sistema de subordinao interna. Veja-se que o jornalismo um domnio
discursivo, ao passo que o jornal seguramente um suporte e que a ideologia
capitalista norte-americana se oferece como uma esfera de formao discursiva
bastante ntida, sendo a reportagem jornalstica o gnero textual em questo e as
seqncias narrativas internas seriam o tipo textual dominante no caso no caso de
uma reportagem sobre a Guerra no Iraque publicada no New York Times. Assim,
dentro de cada conjunto h distines claras, embora no se possa estabelecer
uma hierarquia. O grfico a seguir d uma idia melhor disto:
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J vimos que todos os textos se realizam em algum gnero e que todos os
gneros comportam uma ou mais seqncias tipolgicas e so produzidos em
algum domnio discursivo que por sua vez se acha dentro de uma formao
discursiva, sendo que os textos sempre se fixam em algum suporte pelo qual
atingem a sociedade. Agora podemos indagar se os suportes so veculos dos
gneros. Num certo sentido eles so, mas no podemos confundir o veculo com o
canal. Assim, os Correios podem ser um veculo ao modo de um servio, mas no
so um canal nem um suporte para as cartas que transportam. J a mala direta
poderia ser um suporte e um veculo, ao passo que o radio um veculo ou meio
quando olhado na sua condio de Rdio X ou Rdio Y. Do ponto de vista do
suporte, podemos dizer que uma embalagem um suporte na relao com o
rtulo enquanto gnero, mas um envelope no um suporte na relao com a
carta pessoal. Contudo, o envelope um suporte para o endereo.
4. FORMATO DO SUPORTE E NATUREZA DO GNERO TEXTUAL
Duas questes surgem aqui: (a) h alguma relao direta entre o formato
especfico do suporte e a natureza do gnero que ele fixa? e (b) qual a influncia
que o suporte pode exercer sobre o gnero? Num certo sentido, as duas
indagaes se imbricam a ponto de se tornarem uma s. Isto por que se um
JORNALISMO [Domnio discursivo]
JORNAL [suporte]
IDEOLOGIA CAPITALISTA
DOS EUA [Formao discursiva]
REPORTAGEM JORNALSTICA
[gnero]
NEW YORK TIMES [rgo,
instituio]
NARRAO... [Seqncias tipolgicas]
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gnero tem preferncia por algum suporte, este suporte ser o preferido para a
realizao daquele gnero, o que equivale a esta questo bsica: o suporte
interfere no gnero?
Parece importante observar dois aspectos: (a) funes do gnero e (b)
formato textual do gnero. Assim, no caso de (a) indaga-se a respeito de possveis
interferncias do suporte na funo. J em (b) indaga-se at que ponto o formato
do suporte tem influncias diretas sobre algum dos processos de textualizao
tendo em vista sua interferncia no processo de recepo. Por exemplo, o fato de
um determinado gnero como a publicidade aparecer num outdoor ou numa
revista semanal ou numa revista mensal no indiferente. Uma publicidade numa
revista masculina como a Playboy, ou feminina como Vogue, ou na revista de
bordo caro ou ento em revistas de divulgao semanal como Veja, Isto ou num
jornal como o Dirio de Pernambuco, vai ter caractersticas diversas sob o ponto
de vista da textualizao. Por outro lado, considerando (a) pode-se pensar se um
poema num livro didtico, em um jornal ou num livro de poemas, enquanto
suportes diversos, ser a mesma coisa. A soluo no simples.
Caso interessante a questo do editorial que vai variar muito em sua
forma de contedo e natureza interna se for um editorial de revista semanal, tal
como a revista Veja, por exemplo, ou um editorial de jornal dirio como no caso da
Folha de So Paulo. Sabemos que no jornal o editora traz a posio do jornal
sobre um tema candente no dia. Mas na revista o editorial uma viso geral dos
temas da semana. E se formos observar o editorial de uma a revista masculina ou
de revistas cientficas, cada vez vai ser outra coisa, ou seja, o suporte vai mudar.
Ser que temos sempre um editorial ou j temos cada vez outro gnero?
Tomemos o caso do livro didtico por parecer mais complexo. E neste caso
comecemos com o Livro de Lngua Portuguesa, que um caso mais simples do
que o Livro de Geografia, por exemplo. Os gneros de texto que aparecem no livro
didtico de Portugus mantm ou no a mesma funo original? Sabemos que h
quem trate o livro didtico como gnero, mas aqui o livro didtico ser
decididamente visto como um suporte, com os argumentos a serem apresentados
adiante. Seguramente, o livro didtico um suporte bem diverso do que uma
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revista semanal. No s os destinatrios e os objetivos do livro didtico e da
revista semanal so diversos, mas tambm as esferas de atividade discursiva so
outras. Contudo, um dos elementos centrais para esta distino a idia de que o
livro didtico tem interesses e objetivos especficos na escolha de certos gneros
(busca gneros adequados a certos objetivos do ensino, visa a uma variao
ampla, contempla os mais freqentes, exemplifica peculiaridades estruturais e
funcionais), o que no atinge a estrutura dos gneros, mas sua funcionalidade
imediata no que tange ao interesse e no funo.
Mesmo uma propaganda continua propaganda no livro didtico, mas ali ela
no serve mais aos propsitos originais e agora opera como exemplo para
produzir tais objetivos. Ser que se poderia dizer que isto a torna um gnero
diferente? Creio que se poderia postular aqui a sugesto de uma reversibilidade
de funo para o caso dos textos do livro didtico. No se trata de uma
reversibilidade de forma, j que esta fica intacta. Como se ver adiante, isto no
equivale a uma transmutao do gnero na acepo de Bakhtin, mas a uma
reunio de texto num determinado local (suporte). Por isso, o livro didtico um
suporte e os gneros que ali figuram mantm suas funes, embora no de forma
direta, j que assumem o propsito de operarem naquele contexto como exemplos
para produo e compreenso textual.
Tome-se o caso do testamento de algum Imperador que se acha exposto
num museu. Ele continua sendo um testamento ou agora apenas um documento
histrico sem a funo de testamento? O museu no um suporte, mas uma
instituio, assim como uma igreja, um quartel ou uma universidade.
Seguramente, os textos que circulam aqui ou ali recebem neste momento outra
funcionalidade (reverso de funes), mas no deixam de ter suas caractersticas
formais de gnero preservadas.
Essas questes no foram ainda tratadas em detalhe nem analisadas em
suas repercusses sobre os processos de textualizao ou sobre elementos
constitutivos dos textos como as selees lexicais e outros. Embora no tenha
autonomia, o suporte tem relevncia na constituio de alguns aspectos daquilo
que transporta ou suporta. Em muitos casos, o suporte uma espcie de base
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que porta contextos muito especficos que podem trazer algum tipo de influncia.
Assim, se um texto sai num jornal ou em um livro ou se est afixado em um
quadro de avisos numa parede, isto vai ter diferentes formas de recepo. Adiante
farei algumas reflexes sobre uma possvel interferncia do suporte no sentido,
mas a idia central que isso parece mais difcil, embora alguns efeitos possam
mudar de acordo com o suporte.
Assim, uma listagem de nomes num quadro de avisos gerais ou numa placa
comemorativa ou numa caderneta de alunos algo bem diverso e aparece como
um determinado gnero. Por exemplo, no quadro de avisos pode ser a listagem de
notas de u ma disciplina, na placa comemorativa pode ser a relao de formandos
do ano ou ento a relao dos premiados e assim por diante. Neste caso, tanto o
quadro de avisos como a placa comemorativa6 servem como suportes. provvel
que muitos dos indagados achariam que a placa seria apenas um gnero, mas
todos ou quase todos diriam que o quadro de avisos um suporte.
5. SUPORTE CONVENCIONAL E INCIDENTAL
Aspecto a ser considerado com cautela o que diz respeito natureza do
suporte do ponto de vista de sua constituio comunicativa. H suportes que
foram elaborados tendo em vista a sua funo de portarem ou fixarem textos. So
os que passo a chamar de suportes convencionais. E outros que operam como
suportes ocasionais ou eventuais, que poderiam ser chamados de suportes
incidentais, com uma possibilidade ilimitada de realizaes na relao com os
textos escritos. Em princpio, toda superfcie fsica pode, em alguma circunstncia,
funcionar como suporte. Vejam-se os troncos de rvores em florestas com
declaraes de amor ou poemas em suas cascas. Por isso, convm restringir a
noo de suportes textuais para o caso dos suportes convencionais. No obstante
isso, vamos analisar outros suportes incidentais at porque ele so freqentes na
vida urbana.
6 No de estranhar, no entanto que em muitos casos a placa comemorativa tida como um gnero e nada mais do que isso. Mas podemos defender o contrrio.
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Assim, o corpo humano pode servir de suporte para textos, mas no um
suporte convencional. Hoje est se tornando cada vez mais comum tatuar o corpo
com uma imagem, um poema ou uma declarao de amor. O corpo tambm pode
servir para os alunos inscreverem (em especial na perna ou coxa) suas colas para
provas ou exames. O rosto de muitos estudantes funciona como suporte para
slogans de protesto poltico, como j se viu muitas vezes. At corpos de animais
como cachorros e cavalos receberam inscries de protesto. Contudo, no parece
razovel que do ponto de vista comunicativo se possa classificar o corpo humano
e o livro na mesma categoria de suporte textual, j que este foi concebido como
suporte de textos desde o incio.7
Hoje em dia ningum diria que os vasos de barro, as colunatas e os
tmulos seriam suportes ideais para a circulao de textos. No entanto, boa parte
dos textos fencios de 2 ou 3 mil anos atrs nos chegaram em vasos e colunatas
ou em tmulos e assim por diante. Naquele tempo era mais comum que a
circulao da escrita fosse feita nestes suportes e em pedrinhas, tabuletas ou
pergaminhos, mas isto devido limitao de suportes e pouca veiculao de
discursos na forma escrita. Hoje temos outros recursos, tais como o livro, o jornal,
a revista, o outdoor e mais modernamente os hipertextos. Todos estes suportes
so de modo especial prprios para a fixao dos textos e sua veiculao
comunicativa e tm uma feio de suportes prototpicos.
Assim, podemos identificar duas categorias de suportes textuais: (a) a
categoria dos suportes convencionais, tpicos ou caractersticos, produzidos para
essa finalidade e (b) a categoria dos suportes incidentais que podem trazer textos,
mas no so destinados a esse fim de modo sistemtico nem na atividade
comunicativa regular. A seguir, apresento uma srie de exemplos de cada uma
destas categorias.
7 Agradeo mais uma vez Beth Marcuschi a sugesto de estabelecer alguma distino de maneira sistemtica para identificar os suportes em suas categorias.
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6. ALGUNS SUPORTES CONVENCIONAIS
Neste momento, adotando a distino feita acima entre suportes
convencionais e suportes incidentais, vou me restringir a elencar alguns suportes
convencionais, isto , que foram desenhados com a funo especfica de serem
suportes. Em seguida, lembro alguns que podem operar como suportes
incidentais.
Como a questo ainda controversa, parece conveniente iniciar a anlise
dos suportes discutindo a natureza do suporte genrico mais comum de todos que
a folha de papel. Mas no parece que se deve tomar a folha de papel como o
suporte do gnero de uma maneira geral, pois se no caso de uma carta pessoal
ela seria, j no caso de um livro a pgina no o suporte e sim o livro. No livro, a
pgina uma parte do todo. Se fssemos tomar o papel impresso como um
suporte de uma maneira geral, no teramos distines entre livros, revistas, livros
didticos, quadro de avisos e outros como suportes distintos.
No caso de um carto postal, o suporte sem dvida o pedao de cartolina
em que o carto est impresso. Mas nem por isso vamos tomar a cartolina como
um suporte em geral. Claro que para um painel exposto num congresso temos a
cartolina como um suporte daquele gnero e o cavalete como suporte da cartolina.
Mas no tambm sobre esse tipo de cadeia ou contnuo de suportes que aqui se
refletir, pois neste caso corre-se o risco de uma reductio ad absurdum e logo vai
haver algum falando em metassuporte. Assim, no terminaramos nunca de
perguntar quem suporta quem, j que nada est solto no ar, nem mesmo o texto
em nuvens de fumaa. Nosso limite de observao sempre o suporte imediato e
no um continuum que pode desviar o olhar para outros fenmenos.
Com base nesta observao preliminar, vejamos vrios suportes e suas
caractersticas. No se trata de uma classificao nem de um levantamento
exaustivo. Neste momento no fao mais do que uma breve incurso pelo tema.
6.1. Livro
Seguramente, todos vamos concordar que o livro no um gnero textual.
Seja ele qual for, desde que visto como livro. Trata-se de um suporte malevel,
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mas com formatos definidos pela prpria condio em que se apresenta (capa,
pginas, encadernao etc.). O livro comporta os mais diversos gneros que se
queira. Contudo, podemos ter um livro que ao mesmo tempo realiza apenas um
gnero, como no caso do romance ou da tese de doutorado. Nestes casos,
distinguimos entre os gneros textuais romance e tese de doutorado e o suporte
textual livro. Trata-se de coisas diversas.8 Tomemos um livro contendo cartas
pessoais de algum. Aquelas cartas j no so mais pessoais desde o momento
em que foram publicadas. Passaram a ser documentos pblicos e at seu status
pode ter mudado se forem cartas de algum escritor. Mas com a divulgao em
livro passam a operar como uma obra literria. O problema que mudou a funo
e a natureza daqueles textos no gnero carta pessoal. Trata-se de um livro com
muitos exemplares de um gnero ou simplesmente um gnero como tal? O livro
neste caso um suporte e o gnero carta pessoal, por exemplo, se ali estiverem
somente cartas pessoais.
Para uma breve reflexo sobre a complexidade do problema, tomemos um
livro lanado recentemente, As Boas Mulheres da China, de Xinran (2003). Ali
temos uma srie de crnicas ou relatos da autora9 como apresentadora de um
programa de rdio na China. Trata-se de um livro com um gnero nico que so
crnicas que foram escritas para aquele livro. Mas no interior do livro encontramos
vrias cartas que haviam sido remetidas radialista. Essas cartas esto ali
transcritas no decorrer de um relato. So ainda cartas ou j foram transmutadas e
fazem parte integrante do relato sem autonomia de carta? No mesmo livro h uma
longa entrevista-dilogo com uma universitria. Trata-se de uma entrevista ou faz
apenas parente do livro? Ou ser uma estratgia da autora ara aquele formato,
8 No meu interesse discutir aqui aspecto delicado a respeito dos gneros que compem a tese de doutorado, pois sabido que numa tese de doutorado (e em vrios outros gneros) temos pelo menos os seguintes gneros que compem aquele gnero: resumo; sumrio; ndices remissivos; agradecimentos; prefcio; introduo; bibliografia. Estes gneros tm funes e estrutura prprias, mas quando reunidos numa dada seqncia para constituir uma tese de doutorado, eles no so mais vistos como gneros e sim como transmutados para compor as partes de uma tese. Este aspecto mereceria mais ateno at para se perceber como os gneros derivam um do outro e muitas vezes so composies complexas como bem lembrava Bakhtin [1979]. 9 curioso observar que na ficha catalogrfica do livro consta: relatos breves, como que indicando o gnero de que se trata, mas ao esmo tempo sugerindo que uma coletnea de textos desse gnero, no sendo o livro um gnero em si, mas um conjunto de textos desse gnero.
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pois no consta que tenha sido gravada. H tambm um comovente relato de uma
jovem adolescente molestada sexualmente pelo pai que se apaixona por uma
mosca como um ser amado e escreve um dirio ntimo sobre a triste situao.
Este dirio foi parar nas mos da apresentadora que o publica no livro. Trata-se de
um dirio ou no mais? Veja-se que a situao complexa, pois temos um livro
operando como suporte de uma srie de relatos e estes esto perpassados de
vrios gneros que os compem. Temos ali cartas pessoais, entrevistas, dilogos,
dirio ntimo, declaraes de amor, bilhetes e outros gneros. Contudo, eles no
tm autonomia e figuram como parte de um todo orgnico maior, que uma obra
programada desde sua origem com aqueles elementos.
Em suma, parece que a questo um tanto artificial, pois um livro sempre
um suporte, sendo que am alguns casos contm um s gnero (um livro de
poemas), em outros casos contm muitos gneros diversos (uma obra com as
publicaes de um determinado jornal) ou ento um nico gnero (romance). Em
todos os casos o livro um suporte para os gneros ou gnero que comporta. O
problema parece ser se o livro didtico, por exemplo, engole ou transmuta os
gneros do mesmo jeito que o romance. Vejamos o caso mais de perto.
6.2. Livro didtico
Em primeiro lugar, conveniente considerar que no fazemos uma
distino sistemtica entre livro e livro didtico, j que se trata de fenmenos
similares. Contudo, como h elementos muito especficos do livro didtico e uma
funcionalidade tpica, tratamos a questo em separado, mas todos so livros. Em
segundo lugar, seria conveniente considerar que mesmo o livro didtico pode ser
dividida pelo menos em dois conjuntos: (a) o livro didtico de portugus e (b) o
livro didtico de disciplinas como geografia, fsica, matemtica, etc. Estes dois
conjuntos tm peculiaridades, mas no constituem algo essencialmente diverso.
Tal como foi exposto anteriormente, livro didtico nitidamente um suporte
textual, embora a opinio no seja unnime a este respeito. No obstante os
argumentos em contrrio, ainda se pode dizer que o livro didtico (LD),
particularmente o LD de lngua portuguesa, um suporte que contm muitos
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gneros, pois a incorporao dos gneros textuais pelo LD no muda esses
gneros em suas identidades, embora lhe d outra funcionalidade, fato ao qual
denominei reversibilidade de funo. Falo aqui em funcionalidade e no funo
para que se tenha claro este aspecto. Por exemplo, uma carta, um poema, uma
histria em quadrinhos, uma receita culinria e um conto continuam sendo isso
que representam originalmente e no mudam pelo fato de migrarem para o interior
de um LD. No o mesmo que se d, por exemplo, no caso de um romance que
incorpora cartas, poemas e anncios, entre outros.
O problema da incorporao dos gneros no caso do romance, tal como
tratado por Bakhtin (1979), diz respeito a uma transmutao de gneros que
efetuada por um gnero secundrio ao incorporar outros gneros. Certamente,
Bakhtin nunca teria classificado o livro didtico entre os gneros secundrios e sim
como um conjunto de gneros. Aspecto importante a vasta produo de gneros
tipicamente da esfera do discurso pedaggico, tal como a explicao textual, os
exerccios escolares, a redao, instrues para produo textual e muitos outros
que se acham no LD. O espao pedaggico tem muitos outros gneros que
circulam nessa rea e no migram para o LD, tais como as conferncias, os
relatrios, as atas de reunies etc. Tudo indica, pois, que o LD pode ser tratado
como um suporte com caractersticas muito especiais.
6.3. Jornal (dirio)
O jornal, dirio e mesmo o jornal semanal, nitidamente um suporte com
muitos gneros. Estes gneros so em boa medida tpicos e recebem, em funo
do suporte, algumas caractersticas em certos casos, tal como o da notcia. Aqui
situam-se tambm as cartas do leitor e as notas sociais, entre outros. No jornal,
temos gneros que no aparecem em revistas semanais, como: anncios
fnebres, convites para missas de stimo dia, previses meteorolgicas, resumos
de filmes, horscopo dirio e assim por diante. Mas h outros comuns com as
revistas, como notcias, reportagens, editoriais, receitas culinrias, histria em
quadrinhos, charge, entrevistas e assim por diante.
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6.4. Revista (semanal/mensal)
A revista semanal poderia ser vista no contexto do jornal dirio, mas alm
de conter sensivelmente menos gneros textuais que o jornal, tem uma
peculiaridade no processo de textualizao, como se frisou h pouco. Jornais
dirios e revistas divergem em alguns aspectos. Em primeiro lugar, muitos
gneros so mais especficos de jornais dirios do que revistas semanais. Deve-
se ter em mente que as revistas semanais, quinzenais ou mensais tambm
divergem entre si e os jornais so em geral dirios. Assim certos gneros que
circulam com notcias ou fatos apenas do dia (p. ex., anncios fnebres e
classificados) pouco aparecem em revistas. Mas apenas uma anlise detalhada
diria se h diferenas especficas. O certo que a titulao (manchetagem) em
revistas e jornais tem diferenas notveis. E a entramos em aspectos que podem
ser influenciados pela natureza do suporte.
6.5. Revista cientfica (boletins e anais)
Seguramente, as revistas cientficas, os anais de congressos e os boletins
de associaes cientficas, por exemplo, so suportes de gneros bastante
especficos e ligados a um domnio discursivo (o cientfico, acadmico ou
instrucional). Ali encontramos artigos cientficos, resenhas, resumos,
comunicaes, bibliografias, debates cientficos, programao de congressos,
programas de cursos e outros desta natureza. So suportes hoje tradicionais e
que se especializam de maneira muito clara. Pelo fato de serem considerados
cientficos, h inclusive um status aos gneros por eles veiculados que diferente
dos textos similares que aparecem em jornais dirios ou em revistas semanais de
divulgao ou noticiosas.
6.6. Rdio
No obstante ter dito no incio que no me reportaria aos gneros orais de
maneira sistemtica, lembro o rdio como suporte pela sua relevncia e por ter
sido desenhado para este fim. O rdio tambm pode ser considerado um suporte
na medida em que se toma como um lugar de fixao e no apenas como a rdio
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emissora ou tecnologia. Conta com uma multiplicidade de gneros. Mas como ele
conta com a transmisso sonora sem o recurso visual, certamente ter uma
interferncia diversa da televiso. As notcias na TV, no rdio e no jornal no tm
o mesmo tipo de tratamento em relao ao discurso relatado ou reportado. H
pouco discurso direto (citaes de fala) no rdio e na TV, ao passo que isso ocorre
mais no jornal e na revista.
6.7. Televiso
A televiso acha-se no mesmo caso que o rdio, mas com a diferena de
que aqui temos a imagem e no s o som. Alm disso, poderamos pensar em
meios ou sistemas de transporte diversos na TV, j que ela pode servir-se de
outros suportes e at de eventos complexos, pois na TV podemos ter a
transmisso de teatro, cinema, congresso e assim por diante. E no sabemos
ainda como tratar o caso do cinema e do teatro. Estes no so propriamente
suportes e sim ambientes ou at instituies. J a pea de teatro e o filme em si
so gneros.
6.8. Telefone
Igualmente ao caso do rdio, temos aqui um suporte para gneros orais. O
telefone est no mesmo plano que os anteriores e um suporte quando no se
pensa apenas na tecnologia. Classifico como um suporte-meio. Nele se do
muitos gneros, mas haveria que discutir se distinguimos entre o telefone
enquanto um aparelho e a telefonia como uma tcnica de comunicao. Assim, a
telefonia permite a realizao de gneros que o telefone no permitiria. No me
parece clara a distino que se faz entre ambos e isso deveria ser melhor
pensado.
6.9. Quadro de avisos
Este um caso interessante que pode ser tido como um suporte pela
quantidade de gneros que abriga, mas h quem o considere um gnero textual, o
que parece ser equivocado. Num quadro de avisos temos publicidades, avisos,
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poemas, listagens de notas, informaes diversas, cartazes de eventos, placas,
sugestes, propostas, regimento de cursos, recortes de jornal com notcias,
editoriais etc. Trata-se de um suporte com caractersticas prprias que contm no
geral textos de curta extenso. Mas os quadros de avisos hoje podem conter at
mesmo outros suportes como os folders e jornais inteiros afixados. Tambm
contm material visual como fotos e desenhos isolados.
6.10. Outdoor
Trata-se de um suporte e no de um gnero. Como lembrado acima, em
alguns momentos eu o classifiquei como gnero, mas dada a diversidade que
esse suporte veio assumindo quanto aos gneros que alberga e quanto funo
desses gneros, eu o classifico hoje como suporte. O outdoor tem peculiaridades
muito interessantes e mereceria um estudo parte. Ele veicula, como j se viu,
gneros bastante especializados, mas vem se generalizando cada vez mais.
6.11. Encarte
Como vamos tratar o encarte em um jornal dirio? Muitas vezes uma
revista completa, em outros casos uma publicidade, uma propaganda, uma
campanha publicitria e assim por diante. Mas o encarte sempre vem dentro de
um outro recipiente ou suporte. J o prprio nome diz que se trata de algo
dependente. Podemos falar de suportes de suportes? importante no considerar
a bula de remdio como um encarte por vir situada no interior de uma embalagem.
6.12. Folder
Tudo indica que o folder pode ser tido como um suporte de gneros
diversos, embora haja quem o trate como gnero. O folder um suporte que fixa
gneros tais como campanhas publicitrias, campanhas, publicidades, instrues
de uso, currculos e assim por diante. Existem folders com mais de um gnero.
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6.13. Luminosos
Os luminosos foram produzidos para veicularem textos e imagens. So
estruturas comunicativas com as quais os usurios tm em geral um contato
bastante fugaz e no to sistemtico. Na maioria dos casos ali figuram textos em
movimento e gneros ligados publicidade de grandes empresas ou campanhas
governamentais.
6.14. Faixas
As faixas tambm so suportes tradicionais e altamente convencionais. So
lugares adequados para veicular textos para serem vistos de longas distncias.
Tambm servem para decorar as mesas de abertura de congressos ou
festividades. As faixas constituem uma espcie de suporte bastante comum para
eventos festivos. Elas portam um gnero de cada vez. So inscries, logomarcas
ou ento indicao de eventos. H faixas comemorativas de aniversrios de
empresas, festividades e situaes de grande pblico.
Como se nota, esta relao tem a finalidade de sugerir uma distino entre
alguns suportes pela natureza dos gneros que portam ou at mesmo pela
natureza de sua interferncia nos gneros que fixam e suportam.
7. ALGUNS SUPORTES INCIDENTAIS
Tal como lembrado acima, os suporte aqui denominados incidentais so
apenas meios casuais e que emergem em situaes especiais ou at mesmo
corriqueiras, mas no so convencionais, como os apontados no item anterior.
Ningum nega que uma porta de banheiro porta textos, mas isto no comum em
todos os banheiros, como no comum todos terem seus corpos com inscries
ou que as caladas, as paredes e os muros em geral estejam cheios de
inscries. Em cidades ou locais de maior cuidado, evitam-se inscries nestes
lugares, o que indica que no se os tem como convencionais para portarem textos
escritos. Tudo isso me faz crer que de modo mais sistemtico se devesse falar de
suporte em sentido estrito para os do grupo acima e no do grupo aqui
apresentado. Contudo, como inegvel que boa parte dos textos hoje em
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circulao pelos ambientes urbanos se acham nesses suportes incidentais,
tratamos deles aqui, j que no devem ser ignorados.
7.1. Embalagem
Este um caso interessante, pois no geral a embalagem no seria tida
como um suporte. Contudo, tomamos a embalagem como um suporte na medida
em que nas embalagens podem estar vrios gneros. Embalagens de produtos
comestveis muitas vezes trazem no s o rtulo do produto, mas uma receita. Ou
ento no caso de remdios pode ter uma breve bula de remdio e assim por
diante. Quanto a este ltimo aspecto, pode-se indagar se as indicaes que esto
no rtulo so algo diverso da bula que vem dentro da caixa de remdio. Se
indagarmos de vrios especialistas, eles diro que a bula diferente do que aquilo
que vem na embalagem. Mas se observarmos as instrues que aparecem na
embalagem elas parecem uma bula. Veja-se este caso tpico da bula/instruo
que vem na embalagem de remdio. Ali temos ainda coisas como cdigo de
barras, endereo, descrio do produto (vejam-se os rtulos de vinhos com duas
partes) Portanto, a embalagem no um gnero e sim um suporte. J a bula que
vem dentro de uma embalagem de remdio no te na embalagem o seu suporte,
pois aqui a embalagem estaria para a bula como uma espcie de recipiente.
7.2. Pra-choques e pra-lamas de caminho
No parece haver dvidas de que este seja um suporte de gneros muito
especiais, tais como frases e provrbios. Certamente o caminho um veculo em
vrios sentidos, pois ele transporta tanto o pra-choque como o texto. Mas no
s o pra-choque do caminho e sim tambm de automveis e demais veculos
como nibus etc. que servem, para esta finalidade. Esta uma famlia de suportes
ligadas a um meio de transporte. Talvez devssemos pr aqui tambm as janelas
traseiras de nibus urbanos, que hoje se tornaram suportes sistemticos
especialmente de publicidades.
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7.3. Roupas
Embora me decida pelas roupas como suportes, no parece muito claro se
devemos tom-las como tal, por exemplo, uma camiseta. Ela parece ser um
suporte de gneros, j que hoje em dia porta textos dos mais variados gneros,
como poemas, provrbios etc. Mas a camiseta no traz de maneira sistemtica
textos e talvez devssemos restringir este aspecto. Alm disso, se consideramos a
camiseta de jogador de clube de futebol temos aqui uma estrutura fixa com o
nome do jogador nas costas, o emblema do time na frente e opcionalmente uma
publicidade. J uma camiseta de jogador da seleo nacional no tem publicidade
e vem padronizada. Parece que estes dois tipos de camisetas so gneros e no
suportes. Outras roupas (casacos, gravatas, calas, vestidos, meias, roupas
ntimas) tem inscries variadas, mas em escala mais reduzida que as camisetas.
7.4. Corpo humano
O corpo humano vem cada vez mais servindo para veicular textos em geral
muito curtos e na forma de tatuagens ou de slogans para protestos em situaes
especiais. Nem por isso o corpo humano passa a ser um suporte convencional.
Ele continuar sendo um suporte incidental que vai variar de acordo com as
culturas. Nas culturas indgenas, os corpos so muitas vezes os suportes
semiticos mais convencionais em situaes de festas ou cerimnias especiais.
Mas isto pela circunstncia de no terem outros suportes especficos nem
disporem da escrita convencional em alguma de suas formas.
7.5. Paredes
Todo tipo de parede est aqui includo. Podem ser paredes de casas,
edifcios ou mesmo de interiores como universidades, escola etc. Esses suportes
operam muitas vezes em um contnuo como no caso de suportarem um quadro de
avisos que o suporte de gneros.
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7.6. Muros
Hoje em dia parece que os muros esto se tornando suportes
convencionais para alguns gneros textuais tais como as propagandas polticas.
Eles sevem para inscries, propagandas, publicidades e pichaes em geral. So
textos pouco desenvolvidos, mas de grande eficcia comunicativa. Mesmo que os
muros sejam usados como suportes em grande escala, eles no so
convencionados para esta finalidade como as revistas, os jornais e os livros.
7.7. Paradas de nibus
Imagino que as paradas de nibus esto sendo tomadas como bons locais
para afixar ou mesmo inscrever textos pela sua condio estratgica como
ambiente favorvel comunicao em grade escala. So locais muito visveis e
quando h alguma parede ou um muro, comportam vrios gneros. Eles so para
o grande pblico. Ali encontramos campanhas ou publicidades de apelo geral
como carros, apartamentos, produtos de beleza e outros deste tipo, mas no de
supermercados nem de produtos perecveis.
7.8. Estaes de metr
Embora as estaes de metr sejam do mesmo estilo que a parada de
nibus, so sempre maiores e com mais possibilidade de gneros. Tem algo de
similar com paredes e muros quanto aos gneros que comportam, mas h ainda
quadros de avisos e cartazes ou outros suportes que esto nelas afixados, o que
lhes d um carter diferenciado nem sempre ligado idia de suporte de gneros
e sim de suporte de suportes.
7.9. Caladas
Hoje as caladas passaram a ser locais para inscries, tal como se institui
a calada da fama, em que pessoas famosas pem a impresso de seus ps e a
inscrio de seus nomes. Esse suporte em geral porta textos curtos e
permanentes.
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7.10. Fachadas
As fachadas de prdios, em geral de grandes extenses, so similares a
paredes, mas ficam sempre de frente para grandes locais de circulao pblica e
portam inscries maiores com gneros de curta extenso. Na maioria das vezes
so logomarcas ou os nomes de empresas, marcas de grandes produtos.
7.11. Janelas de nibus (meios de transporte em geral)
De alguns tempos para c, as janelas de nibus, em especial a parte
traseira, tornaram-se um suporte de publicidades e campanhas governamentais.
Mas isto no comum e no tem regularidade. Trata-se de um suporte muito
incidental.
A listagem de suportes incidentais seria imensa se fssemos enumerar
todos os suportes que eventualmente contm algum texto. Por isso, fica aqui
apenas a sugesto de observao e o critrio bsico para sua classificao nesta
categoria. Trata-se de locais eventuais e no convencionais para a atividade
comunicativa.
8. CASOS CLAROS DE SERVIOS EM FUNO DA ATIVIDADE
COMUNICATIVA
Os casos abaixo no devem ser situados entre os suportes textuais, sejam
os incidentais ou os convencionais. A tendncia v-los como servios, da a
deciso em trat-los como casos especficos separados dos suportes. Aparecem
aqui porque em muitos casos so listados como suportes.
8.1. Correios
Os correios so menos um suporte e mais um meio de transporte ou um
servio. muito diferente do que o caso da revista e do jornal. Quanto a isso seria
interessante discutir se o telefone e os correios formam um conjunto de suporte-
meio diversos da televiso e do rdio.
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8.2. {Programa de} E-mail
Aqui est um caso curioso, pois se tomarmos o programa outlook, por
exemplo, teremos sem dvida um suporte do tipo correio eletrnico, mas se
tomarmos os e-mails enquanto correlatos das cartas pessoais, teremos um
gnero. Neste caso, trato a palavra e-mail como se fosse uma homonmia, ou
seja, um termo com duas acepes tanto de origem como de funo. Contudo, o
e-mail na funo de correio eletrnico nitidamente um servio que transporta os
mais variados gneros, tais como propagandas, ofcios, bilhetes, e-mails, cartas
comerciais, relatrios, artigos cientficos e assim por diante. No obstante isso,
hoje a idia mais comum em relao aos e-mails que sejam vistos como um
gnero da rea epistolar, assim como observou Juliana de Assis (2002).
8.3. Mala-direta
A mala-direta se assemelha a um servio e deveria ser tratada como tal. No
geral, a mala-direta veicula gneros diversos do domnio discursivo da publicidade
at a comunicao entre empresas e remessa de documentos a clientes de
empresas. A expresso mala-direta, quando empregada pelos Correios,
apenas uma designao para um suporte, mas enquanto empregada por uma
empresa pode ser at mesmo a designao de um gnero, como o caso de uma
carta de aniversrio. O caso merece um estudo parte pela complexidade. H
malas diretas para pessoas (uma carta de aniversrio que o gerente do banco
manda no seu aniversrio); h malas diretas para 10.000 pessoas (as cartas que
recebemos de um candidato a deputado); h malas diretas com publicidades de
empresas (as promoes de uma loja) e assim por diante. Mas h casos muito
mais complexos do que estes sendo chamados de mala direta.
8.4. Internet
Trata-se de mais um caso limite. Pessoalmente, trato a Internet como um
suporte que alberga e conduz gneros dos mais diversos formatos. A Internet
contm todos os gneros possveis.
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8.5. Homepage e site
Para alguns autores a homepage e at mesmo o site um gnero, mas
para outros um suporte. Creio que de um modo geral a homepage um suporte
e no um gnero. No tenho condies de expor argumentos neste caso agora,
mas os debates conduzidos em aula me deixaram com alguma clareza quanto a
no se considerar este caso como um gnero e sim como um suporte. Alm disso,
parece claro que a homepage institucional carrega uma srie de gneros. Basta
observar a homepage de qualquer universidade pare ver a diversidade de coisas
feitas ali dentro. Entre outras coisas est ali a possibilidade da matrcula de alunos
on-line. Se tomarmos uma homepage de algum servidor da Internet como a UOL,
vemos que se trata de um servio ou suporte de outros suportes, j que ali esto
revistas, jornais e livros.
9. SUPORTE TEXTUAL E FORMAS DE LEITURA
Em estimulantes observaes a respeito do hipertexto, Srio Possenti
(2002:208), reporta-se ao problema da relao entre o suporte dos gneros
textuais e a leitura, dizendo:
Quando ouvi falar dos trabalhos de Chartier pela primeira vez, o que ouvi foi que
ele teria tentado mostrar que a leitura que se faz dos textos afetada pelo
suporte. Ou seja, que no se l da mesma maneira um rolo de papiro e um livro
com a confirmao mais ou menos conhecida de todos.
Intrigado com estas bizarras sugestes, Possenti no conseguia ver algum
poder emanando do suporte que pudesse afetar a leitura. O simples fato de um
texto estar num papiro nico, num livro impresso em milhares de exemplares, na
tela do computador rolando verticalmente no poderia afetar a leitura.
Desconfiando dessa ingnua posio, Possenti foi ao Chartier (1994, 1997) para
ver o que o autor dizia e no seus solertes intrpretes. Segundo Possenti
(2002:209), Chartier de fato acredita que se l de forma diversa o mesmo texto em
suportes diversos, no no sentido de se compreender diferentemente o texto e sim
no sentido de se manter com ele uma relao diferente, ou seja, h uma relao
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diferente ao se ler um edital de concurso num jornal ou num outdoor, pois no jornal
eu posso fazer anotaes, sublinhar etc., interferindo no texto, mas no outdoor isto
j no possvel (pelo menos em circunstncias normais).
Isto quer dizer que ns no operamos do mesmo modo com os textos em
suportes diversos, mas isso no significa ainda que os suportes veiculem
contedos diversos para os mesmos textos. O suporte no muda o contedo, mas
nossa relao com ele, no s por permitir anotaes, mas por mater um contato
diferenciado com ele.
A questo interessante e j foi abordada acima em outros termos quando
nos indagvamos se a leitura de uma publicidade num livro didtico e num jornal
tinha o mesmo objetivo e a mesma significao. Possenti (2002:209) tambm julga
que uma crnica lida num jornal dirio e a mesma crnica lida numa coletnea de
crnicas do autor em um livro de crnicas pode ser vista de modo diverso.
Aspecto tambm merecedor de mais reflexo o que diz respeito ao
suporte numa dada situao e configurao. Neste caso, a mesma notcia
publicada num jornal do interior de Pernambuco e no New York Times, certamente
ter outra repercusso e ser lida de modo diverso. No que tenha contedo
diferente e sim ter um efeito diferente no leitor. Isto tem a ver com o suporte ou
com o status daquele suporte particular?
10. OBSERVAES CRTICAS
Embora aqui estejam algumas anlises at certo ponto sensatas, tudo isto
merece uma reviso cuidadosa e indubitavelmente sria com anlises mais
profundas e exemplos mais especficos. Mas fique claro que a questo do suporte,
para ser resolvida a contento, deve ser precedida da soluo de uma srie de
outros problemas relativos aos gneros textuais. Tambm tenha-se em mente que
refletir sobre o problema do suporte refletir sobre o problema da circulao
textual em nossa sociedade. A complexidade dos suportes revela a complexidade
social em que os prprios textos circulam.
Creio que este tema um caso tpico para estudos de aplicao de
metodologias empricas de coleta de dados e anlise in loco, a fim de verificar qual
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o grau de veracidade das afirmaes. Pois os elementos de que tratamos aqui so
empricos de grande relevncia. No acredito, no entanto, que aqui estejamos
diante de uma discusso semitica, mas sim de uma discusso da organizao
social pela circulao da escrita.
E este aspecto leva-me a levantar uma questo que ficou apenas lembrada
no incio desta abordagem. Onde ficam e como ficam os suportes dos gneros
orais? Esta questo deve ser discutida e com muita cautela. Temos o teatro, o
cinema, o rdio, a televiso, todos lembrados aqui, mas sem uma especificao
da modalidade de realizao. So suportes, canais, instituies, ambientes?
Talvez no valha a pena fazer uma distino rigorosa em todos os casos, mas sim
discutir a questo do suporte de uma maneira geral e depois disso ver como os
demais problemas se pem. Assim o prximo passo entrar em campo e discutir
esses aspectos empiricamente.
Nem sempre a deciso a respeito da identificao de um suporte, um
gnero, um servio, evento e um canal clara. As fronteiras dependem da
perspectiva da observao e do modo como encaramos os fenmenos. Esta
discusso deveria ser conduzida com calma e critrios claros. H casos em que
no se sabe ao certo como tratar um determinado fenmeno, por exemplo, o
folder que pode ser ao mesmo tempo um suporte para vrios gneros como
volante, resumo, esquema etc., mas que em certos momentos foi tratado como
gnero. Um Seminrio e uma mesa-redonda certamente no devem ser tratados
como gnero e sim como eventos ou talvez at mesmo como suportes.
Pode-se tambm indagar at que ponto o corpo humano seria um suporte
na medida em que suporta e fixa inscries como tatuagens. As tatuagens so
gneros interessantes e hoje tornou-se comum tatuar o nome do namorado ou dos
filhos. possvel que o corpo seja suporte, mas apenas incidental, tal como
sugerimos acima. Seria adequado dizer que as costas, a perna, o brao, a barriga
so suportes?
H ainda certos casos que me parecem muito complexos quando vistos
como suportes textuais, tais como o teatro e o cinema que seguramente no so
suportes. Por outro lado, as mesas-redondas e os simpsios so eventos, mas
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poderiam ser suportes de gneros orais, j que os suportes de gneros orais
parecem ser eventos. Nestes casos j comeamos a entrar em certos pontos que
se imbricam com domnios discursivos e com instituies, tais como o quartel, a
escola, a igreja vistos na qualidade de locais ou instituies em que se produzem
gneros e no domnios discursivos.
Aspecto j levantado aqui, mas no claramente desenvolvido, o que diz
respeito ao problema dos gneros em suportes (convencionais e incidentais) em
locais pblicos em reas abertas. Esses suportes comportam gneros bastante
marcados, em geral de apelo publicitrio ou de divulgao ampla. Esses suportes
em ambientes pblicos abrigam um nmero limitado de gneros. Na maioria dos
casos so gneros de vida efmera naquele suporte. A impresso que pelo fato
de ser um ambiente amplo e aberto, os gneros ali presentes tm vida sazonal.
Seja pela moda, pela poltica ou algo assim. Entre esses suportes esto: (a)
Outdoors; (b) Paredes; (c) Muros; (d) Paradas de nibus; (e) Estaes de metr;
(f) Caladas; (g) Fachadas; (g) Luminosos; (h) Faixas; (i) Janelas de nibus; (j)
Placas pblicas.
As observaes feitas neste item revelam que uma cidade pode ser um
ambiente textual de muitos e variados suportes. Na realidade, somos cada vez
mais uma sociedade textualizada e em locais pblicos multiplicam-se os usos da
escrita.
Por fim, o tema mais relevante de todos e que foi por diversas vezes tocado
e me parece merecer maior reflexo o que diz respeito relao de influncias
mtuas entre gneros e suportes. A presena dos gneros no indiferente nos
diversos suportes nem imune a eles. Mas qual precisamente essa influncia no
est ainda de todo claro. MARCUSCHI, Luiz Antnio. A questo do suporte dos gneros textuais.
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