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A QUESTÃO DO SUPORTE DOS GÊNEROS TEXTUAIS 1 1. PRECAUÇÕES Este ensaio pretende ser uma pequena contribuição para a análise do suporte de gêneros textuais. A tese central é a de que todo gênero tem um suporte, mas a distinção entre ambos nem sempre é simples e a identificação do suporte exige cuidado. Para isso é necessário definir categorias e considerar aspectos limítrofes na relação gênero-suporte. Como aqui nada é conclusivo, estas sugestões não passam de um convite à discussão e aconselham cautela. 2 Alimenta esta análise a convicção de que aqui se oferece um conjunto de problemas relevantes para a melhor compreensão do funcionamento dos próprios gêneros textuais. Como ressaltado nas observações finais, o importante, no caso, é que dispomos de elementos empíricos para comprovar a validade das posições defendidas, pois os gêneros se dão materializados em linguagem e são visíveis em seus habitats. Contudo, a comprovação não se dá na observação a olho nu e sim com base em categorias. Assim, esta abordagem visa a fornecer precisamente algumas categorias para a análise e mostra como podem ser usadas. Não se trata de fazer uma classificação de suportes, mas de analisar como eles contribuem para seleção de gêneros e sua forma de apresentação. Seria interessante observar como desde a antiguidade os suportes textuais variaram, indo das paredes interiores de cavernas à pedrinha, à tabuleta, ao pergaminho, ao papel, ao outdoor, para finalmente entrar no ambiente virtual da Internet. Mas este é um roteiro de análise que não será aqui percorrido. Com efeito, nossa sociedade foi das inscrições rupestres à pichação urbana, um caminho curioso que sugere inúmeras interpretações e não necessariamente uma evolução. 1 Estas reflexões situam-se no contexto do Projeto Integrado: “Fala e Escrita: Características e Usos”, em andamento no NELFE (Núcleo de Estudos Lingüísticos da Fala e Escrita), Depto. de Letras da UFPE, com apoio do CNPq proc. nº 523612/96-6. Gostaria de agradecer as sugestões, observações e os comentários críticos de colegas e amigos, de modo particular, à Beth Marcuschi, ao Benedito Bezerra, à Cristina Teixeira, Isaltina Gomes e Marianne Cavalcante. Também agradeço os comentários recebidos no debate ocorrido após uma exposição do tema no IEL/UNICAMP. 2 Desde já confesso meu desconhecimento de trabalhos sobre o tema. Assim, toda contribuição é desejada e será bem-vinda.

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  • A QUESTO DO SUPORTE DOS GNEROS TEXTUAIS1

    1. PRECAUES

    Este ensaio pretende ser uma pequena contribuio para a anlise do

    suporte de gneros textuais. A tese central a de que todo gnero tem um

    suporte, mas a distino entre ambos nem sempre simples e a identificao do

    suporte exige cuidado. Para isso necessrio definir categorias e considerar

    aspectos limtrofes na relao gnero-suporte. Como aqui nada conclusivo,

    estas sugestes no passam de um convite discusso e aconselham cautela.2

    Alimenta esta anlise a convico de que aqui se oferece um conjunto de

    problemas relevantes para a melhor compreenso do funcionamento dos prprios

    gneros textuais. Como ressaltado nas observaes finais, o importante, no caso,

    que dispomos de elementos empricos para comprovar a validade das posies

    defendidas, pois os gneros se do materializados em linguagem e so visveis

    em seus habitats. Contudo, a comprovao no se d na observao a olho nu e

    sim com base em categorias. Assim, esta abordagem visa a fornecer

    precisamente algumas categorias para a anlise e mostra como podem ser

    usadas.

    No se trata de fazer uma classificao de suportes, mas de analisar como

    eles contribuem para seleo de gneros e sua forma de apresentao. Seria

    interessante observar como desde a antiguidade os suportes textuais variaram,

    indo das paredes interiores de cavernas pedrinha, tabuleta, ao pergaminho, ao

    papel, ao outdoor, para finalmente entrar no ambiente virtual da Internet. Mas este

    um roteiro de anlise que no ser aqui percorrido. Com efeito, nossa sociedade

    foi das inscries rupestres pichao urbana, um caminho curioso que sugere

    inmeras interpretaes e no necessariamente uma evoluo.

    1 Estas reflexes situam-se no contexto do Projeto Integrado: Fala e Escrita: Caractersticas e Usos, em andamento no NELFE (Ncleo de Estudos Lingsticos da Fala e Escrita), Depto. de Letras da UFPE, com apoio do CNPq proc. n 523612/96-6. Gostaria de agradecer as sugestes, observaes e os comentrios crticos de colegas e amigos, de modo particular, Beth Marcuschi, ao Benedito Bezerra, Cristina Teixeira, Isaltina Gomes e Marianne Cavalcante. Tambm agradeo os comentrios recebidos no debate ocorrido aps uma exposio do tema no IEL/UNICAMP. 2 Desde j confesso meu desconhecimento de trabalhos sobre o tema. Assim, toda contribuio desejada e ser bem-vinda.

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    Uma observao preliminar pode ser feita a respeito da importncia do

    suporte. Ele imprescindvel para que o gnero circule na sociedade e deve ter

    alguma influncia na natureza do gnero suportado. Mas isto no significa que o

    suporte determine o gnero e sim que o gnero exige um suporte especial.

    Contudo, essa posio questionvel, pois h casos complexos em que o suporte

    determina a distino que o gnero recebe. Tome-se o caso deste breve texto:

    Paulo, te amo, me ligue o mais rpido que puder. Te espero no fone 55 44 33 22. Vernica .

    Se isto estiver escrito num papel colocado sobre a mesa da pessoa

    indicada (Paulo), pode ser um bilhete; se for passado pela secretria eletrnica

    um recado; remetido pelos correios num formulrio prprio, pode ser um

    telegrama; exposto num outdoor pode ser uma declarao de amor. O certo que

    o contedo no muda, mas o gnero sempre identificado na relao com o

    suporte. Portanto, h que se considerar este aspecto como um caso de co-

    emergncia, j que o gnero ocorre (surge e se concretiza) numa relao de

    fatores combinados no contexto emergente.

    Assim, a discusso sobre o suporte nos leva a perceber como se d a

    circulao social dos gneros. Neste caso vamos desde certos locais como as

    bibliotecas que no so suportes, mas contm inmeros suportes textuais, at um

    outdoor que um suporte que em geral contm um gnero de cada vez e revela

    uma certa especializao em relao ao gnero suportado. Por outro lado, seria

    necessrio saber como distinguir um canal ou meio de conduo de um servio

    para no confundi-los com suporte ou gnero. Aqui vamos desde o telefone

    (canal), passando pela rede da Internet (servio), at um pra-choque de

    caminho (suporte de um gnero). Tudo isso faz-nos cautelosos na abordagem da

    questo e exige definio das unidades de nossa anlise.

    Como ltima observao cautelar, gostaria de frisar que neste ensaio pouco

    se dir a respeito dos suportes de gneros textuais orais por falta de condies

    para equacionar a questo. Seguramente, a ningum ocorre que a boca seja um

    suporte, mas algum tipo de suporte para os gneros orais deve haver, j que eles

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    no esto soltos. Acima ficou mais ou menos insinuado que a secretria eletrnica

    poderia ser vista como suporte de recados, mas isto est longe de ser consensual.

    Talvez, no caso da oralidade, sejam os prprios eventos os suportes, por exemplo,

    um congresso acadmico seria o suporte de conferncias e comunicaes orais e

    a mesa-redonda seria o suporte de exposies temticas.3 No entanto,

    seguramente no podemos tomar o disco de vinil, o CD-Rom, a fita cassete, as

    gravaes em geral como suportes de gneros orais. Estes so locais de

    armazenamento ou meios de transporte e o acesso s falas no direto. Neste

    sentido tenho dvidas tambm com a secretria eletrnica, se a consideramos

    como um repositrio da mensagem. Nem as transcries impressas, fruto de

    gravaes orais so suportes. Como nada sei sobre estes assuntos, me reportarei

    apenas ocasionalmente aos suportes orais, por exemplo, o telefone e o rdio, sem

    fazer anlises detidas.

    2. CATEGORIAS ANALTICAS

    Antes de tratar a questo do suporte dos gneros textuais propriamente,

    parece importante definir alguns aspectos preliminares referentes s categorias de

    anlise. H aspectos centrais no tratamento dos gneros e alguns outros

    subsidirios para a anlise do suporte. Entre as categorias centrais, sem entrar em

    escolas tericas de maneira mais explcita, esto as que aqui sero sumariamente

    definidas sem maiores discusses por falta de espao.

    Estas funcionam aqui como categorias de anlise e, em certos momentos,

    permitem construir o fenmeno investigado. Entre as categorias centrais a que me

    refiro incluiria as abaixo listadas, trazendo algumas no final da lista que podem

    servir para delimitar as questes em algum momento.

    2.1 Texto

    Trata-se, num primeiro momento, do objeto lingstico visto em sua

    condio de organicidade e com base em seus princpios gerais de produo e

    3 Toda especulao aqui gratuita at no se ter maiores detalhes sobre a questo. Assim, pode-se dizer que em certos casos a instituio serviria de suporte, como por exemplo, a escola seria um suporte para as aulas expositivas.

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    funcionamento em nvel superior frase e no preso ao sistema da lngua; ao

    mesmo tempo um processo e um produto, exorbita o mbito da sintaxe e do

    lxico, realiza-se na interface com todos os aspectos do funcionamento da lngua,

    d-se sempre situado e envolve produtores, receptores e condies de produo e

    recepo especficas. Em essncia, trata-se de um evento comunicativo em que

    aspectos lingsticos, sociais e cognitivos esto envolvidos de maneira central e

    integrada, como observou Beaugrande (1997).

    2.2. Discurso

    De uma maneira geral, o discurso diz respeito prpria materializao do

    texto e o texto em seu funcionamento scio-histrico; pode-se dizer que o

    discurso muito mais o resultado de um ato de enunciao do que uma

    configurao morfolgica de encadeamentos de elementos lingsticos, embora

    ele se d na manifestao lingstica. uma materialidade de sentido. De certo

    modo a opacidade histrica e lingstica do texto explicada por uma teoria do

    discurso, da lngua, do inconsciente e da ideologia, articulados sistematicamente.

    Podemos adotar a posio de Lorenza Mondada (1994:23) quando d a seguinte

    definio de discurso: No que nos concerne [...] nos utilizaremos do termo discurso como um hipernimo, compreendendo o texto como a interao, reenviando a um objeto emprico, selecionado ou transcrito para a anlise, indissocivel do contexto que ele contribuiu para forjar, e caracterizado no pelas determinaes exteriores mas pelas dimenses que o prprio discurso marca reflexivamente como pertinentes. O discurso o lugar da observabilidade da lngua em sua atualizao num contexto emprico.

    2.3. Domnio discursivo (esfera de atuao humana)

    Entende-se aqui como domnio discursivo uma esfera de atividade humana,

    como lembrou Bakhtin (1979). No um princpio de classificao de textos e

    indica instncias discursivas, tais como: discurso jurdico, discurso jornalstico,

    discurso religioso, discurso militar, discurso acadmico etc. No abrange um

    gnero em particular, mas d origem a vrios deles, constituindo prticas

    discursivas dentro das quais podemos identificar um conjunto de gneros textuais

    que s vezes lhe so prprios ou especficos como prticas ou rotinas

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    comunicativas institucionalizadas e instauradoras de relaes de poder etc. Neste

    caso, Domnio Discursivo distingue-se da noo de formao discursiva, tal como

    proposta por Foucault.

    2.4. Gnero (textual, de texto, discursivo, do discurso)

    Trata-se de textos orais ou escritos materializados em situaes

    comunicativas recorrentes. Os gneros textuais so os textos que encontramos

    em nossa vida diria com padres scio-comunicativos caractersticos definidos

    por sua composio, objetivos enunciativos e estilo concretamente realizados por

    foras histricas, sociais, institucionais e tecnolgicas. Os gneros constituem

    uma listagem aberta, so entidades empricas em situaes comunicativas e se

    expressam em designaes tais como: sermo, carta comercial, carta pessoal,

    romance, bilhete, reportagem jornalstica, aula expositiva, notcia jornalstica,

    horscopo, receita culinria, bula de remdio, lista de compras, cardpio de

    restaurante, resenha, edital de concurso, piada, conversao espontnea,

    conferncia, e-mail, bate-papo por computador, aulas virtuais e assim por diante.

    Como tal, os gneros so formas textuais escritas ou orais bastante estveis,

    histrica e socialmente situadas.

    2.5. Tipo (textual, de texto, de discurso)

    Esta noo designa muito mais modalidades discursivas ou ento

    seqncias textuais do que um texto em sua materialidade. O tipo textual define-

    se pela natureza lingstica de sua composio {modalidade, aspectos sintticos,

    lexicais, tempos verbais, relaes lgicas, estilo, organizao do contedo etc.}.

    Em geral, os tipos textuais abrangem um nmero limitado de categorias

    conhecidas como: narrao, argumentao, exposio, descrio, injuno.

    Quando predomina uma caracterstica tipolgica num dado texto concreto dizemos

    que esse um texto argumentativo ou narrativo ou expositivo ou descritivo ou

    injuntivo. Os tipos textuais constituem modos discursivos organizados no formato

    de seqncias estruturais sistemticas que entram na composio de um gnero

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    textual. Tipo e gnero no formam uma dicotomia, mas se complementam na

    produo textual.

    2.6. Evento discursivo

    Esta noo de difcil definio. Diz respeito ao prprio evento em questo,

    tal como por exemplo um congresso, ou ento um debate televisivo, sendo que

    neste caso se recobriria com o gnero. Assim, uma aula a um s tempo um

    evento discursivo e um gnero, mas o aspecto da observao diverso. O evento

    caracteriza-se como uma grandeza scio-interativa vista sob seu aspecto de

    realizao contemplando os atores e toda a organizao. Um jogo de futebol um

    evento assim como uma consulta mdica um evento, mas no caso do jogo de

    futebol no h um foco discursivo e na consulta mdica sim. Os atores sociais e

    os modos de realizao so outros. Como a noo de evento complexa de se

    definir, deixo-a para mais adiante.

    2.7. Servio

    Embora esta no seja uma unidade de anlise, deve ser considerada como

    uma categoria importante para distinguir entre suporte e servio em alguns casos

    crticos, como no e-mail e na Internet, por exemplo. O caso dos correios e mesmo

    da Internet, tanto podem ser um suporte como um servio a depender do aspecto

    da observao. J no to simples saber se a mala-direta um servio, ou um

    suporte ou at um gnero como alguns j a classificaram. Defendo que a mala-

    direta um servio pelo qual se enviam correspondncias de vrios gneros,

    publicidades e assim por diante. Tomamos aqui como servio um aparato

    especfico que permite a realizao ou a veiculao de um gnero em algum

    suporte. Assim, os correios permitem a remessa de cartas, por exemplo; a Internet

    permite a remessa de informaes eletrnicas e ao mesmo tempo a realizao e

    instalao de pginas pessoais como suportes de gneros diversos.

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    2.8. Canal

    Tecnicamente, o canal seria o meio fsico de transmisso de sinais; este o

    caso do rdio, da televiso e do telefone quando vistos como emissora ou

    aparelho operando como canal de transmisso. Mas em certos casos o canal

    pode ser confundido com o suporte dos sinais transmitidos por operarem como

    lcus de fixao. Pode-se dizer que o canal se caracteriza como um condutor e o

    suporte como um fixador.4

    2.9. Instituio

    Este o caso de escola, igreja, quartel, universidade, tribunal etc., que

    podem ser vistos como instituies, mas no como suportes. As instituies

    podem constituir em alguns casos o que se poderia chamar de estruturas de

    formao discursiva ou algo parecido (no no sentido foucaultiano).

    2.10. Grandes continentes

    Tomo como grande continentes os ambientes e os locais que servem de

    grandes armazns ou locais de concentrao de materiais impressos ou orais.

    Entre estes continentes estariam: (a) Bibliotecas comporta tanto livros como

    outros suportes textuais; a biblioteca no pode ser tomada como um suporte, j

    que seria invivel uma anlise neste sentido. A funo de uma biblioteca guardar

    obras. (b) Livrarias seguramente, uma livraria contm livros e outros suportes,

    mas de modo diverso que uma biblioteca, j que na livraria os livros esto venda

    e no para consulta ou retirada para consulta. Mas a livraria tambm no um

    suporte. (c) Papelarias aqui estamos novamente no mesmo caso das livrarias,

    mas com algumas caractersticas diversas. No temos um suporte. (d) Editoras

    este outro caso de uma situao em que no se tem um suporte e sim um tipo

    de produtora de suportes. (e) Escritrios ali guardam-se os gneros textuais e se 4 O Dicionrio de Lingstica de Jean Dubois et alii (1973:97) traz a seguinte definio para Canal:

    Canal (termo tcnico da teoria da comunicao) o meio pelo qual so transmitidos os sinais do cdigo, no curso do processo da comunicao; o suporte fsico necessrio manifestao do cdigo sob a forma de mensagem. Esto neste caso os cabos eltricos para a telegrafia ou para a comunicao telefnica, a pgina para a comunicao escrita, as faixas de freqncia de rdio, os sistemas mecnicos de natureza diversa. No caso da comunicao verbal, o ar o canal pelo qual so transmitidos os sinais do cdigo lingstico..

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    consome textos, mas este no um suporte. (f) Museus tambm neste caso no

    temos um suporte, embora aqui j estejamos entrando num caso bastante

    complexo e que se torna quase-limite para a questo.

    Este leque categorial leva-me introduzir a noo de suporte para discutir

    com mais calma a questo a seguir. Aqui introduzo uma noo vaga da questo

    para que o quadro fique completo. Suporte textual tem a ver centralmente com a

    idia de um portador do texto, mas no no sentido de um meio de transporte ou

    veculo, nem como um suporte esttico e sim como um locus no qual o texto se

    fixa e que tem repercusso sobre o gnero que suporta. De importncia neste

    caso a questo de saber qual o grau de dinamismo do suporte. Admitimos que

    ele no passivo e tem relevncia no prprio gnero como tal, j que um texto em

    um ou outro lugar recebe influncia desse lugar em que se situa. O difcil ser

    responder a esta indagao: dada sua natureza, qual a contribuio do suporte

    para o funcionamento do gnero? Alm disso, h a questo central afirmada logo

    na abertura deste ensaio: todo gnero textual tem um suporte. Ser que isso se

    aplica de maneira universal aos gneros orais?

    Em concluso a este item o grfico a seguir uma tentativa de permitir uma

    viso integrada de como se comportam estas categorias que operariam na anlise

    para identificao do suporte.

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    QUADRO GERAL DAS CATEGORIAS ANALTICAS

    3. POR UMA NOO DE SUPORTE

    Como lembrado, acha-se em seus incios a discusso a respeito do suporte

    dos gneros. Essa situao curiosa quando se observa que todos os textos

    ancoram em algum suporte. O fato j poderia ter sido alvo de anlises mais

    acuradas. No entanto, no est claro o que seja um suporte textual. Seguramente

    a noo de suporte no pode ser tomada no sentido que a expresso recebe nos

    dicionrios de lngua. Por exemplo, de acordo com o Dicionrio Aurlio, suporte

    aquilo que suporta ou sustenta alguma coisa; ou ento material que serve de

    base para a aplicao de tinta, esmalte, verniz etc. ou no caso de suporte de

    impresso: Qualquer material (papel, carto etc.) que recebe a impresso de

    frmas nas mquinas de imprimir. J o Dicionrio Houaiss traz em uma de suas

    acepes ligada rubrica documentao, o seguinte para suporte: base fsica

    (de qualquer material, como papel, plstico, madeira, tecido, filme, fita magntica

    Domnios discursivos

    texto

    gnero

    d i s c u r s o s

    tipos textuais

    evento discursivo SUPORTE

    servio canal instituio

    Grandes continentes

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    etc.) na qual se registram informaes impressas, manuscritas, fotografadas,

    gravadas etc.

    Essas definies, embora empiricamente corretas, no so suficientes para

    nossa anlise e necessrio ir um pouco alm. Assim, a tentativa ser sugerir

    uma acepo de suporte que sirva para os propsitos da anlise do gnero.

    Intuitivamente, entendemos aqui como suporte de um gnero um locus

    fsico ou virtual com formato especfico que serve de base ou ambiente de fixao

    do gnero materializado como texto. Numa definio sumria, pode-se dizer que

    suporte de um gnero uma superfcie fsica em formato especfico que suporta,

    fixa e mostra um texto.

    A idia aqui expressa comporta trs aspectos:

    * suporte um lugar fsico ou virtual

    * suporte tem formato especfico

    * suporte serve para fixar e mostrar o texto.

    Com (a) supe-se que o suporte deve ser algo real (pode ter realidade

    virtual como no caso do suporte representado pela Internet). Esta materialidade

    incontornvel e no pode ser prescindida. Com (b) admite-se que os suportes no

    so informes nem uniformes, mas sempre aparecem em algum formato especfico,

    tal como um livro, uma revista, um jornal, um outdoor e assim por diante. Alm

    disso, o fato de ser especfico significa que foi comunicativamente produzido para

    portar textos e no um portador eventual. Com (c) admite-se que a funo

    bsica do suporte fixar o texto e assim torn-lo acessvel para fins

    comunicativos. Mas como o suporte tem um formato especfico e

    convencionalizado, ele pode ter contribuies ao gnero. Contudo, isto

    problemtico, pois tambm se pode dizer que os gneros so ecolgicos, no

    sentido de que desenvolvem nichos ou ambientes de realizao mais adequados,

    seja para se fixarem ou circularem. Seria interessante analisar a hiptese de que

    os gneros tm preferncias e no se manifestam na indiferena a suportes.

    Com respeito ao aspecto (a), me foi feita a pergunta sobre qual seria o

    suporte dos textos escritos no ar com colunas de fumaa por avies, em dias

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    comemorativos, por exemplo.5 Os gneros realizados nestes textos seriam faixa

    comemorativa, poema e outros, quanto a isso no haveria dvidas. Quanto ao

    suporte, diria que neste caso a nuvem de fumaa e no o ar ou o cu como um

    todo, nem a atmosfera terrestre. Trata-se de uma materialidade, isto , a fumaa

    sustentada pelo ar, j que mais leve do que ele. Assim o caso de um outdoor

    que serve de suporte para uma publicidade, mas est suspenso num cavalete, o

    que equivale ao ar que sustenta a nuvem de fumaa. Poderia fazer a mesma

    analogia com a tinta no papel, a qual no o suporte e sim o material que exibe

    as letras, palavras e perfaz a escrita.

    muito difcil contemplar o contnuo que aqui surge, pois ele no discreto

    e no de pode dizer onde um acaba e outro comea. Tome-se o caso de uma

    carta pessoal. Pode-se estabelecer esta cadeia:

    carta pessoal (GNERO) papel-carta (SUPORTE) tinta (MATERIAL DA

    ESCRITA) correios (SERVIO DE TRANSPORTE) ...

    No fcil estabelecer a mesma cadeia para todos os gneros, mas isto

    serve para pensar as unidades componentes dessa cadeia. O suporte firma ou

    apresenta o texto para que se torne acessvel de um certo modo. O suporte no

    deve ser confundido com o contexto nem com a situao, nem com o canal em si,

    nem com a natureza do servio prestado. Contudo, o suporte no deixa de operar

    como um certo tipo de contexto pelo seu papel de seletividade. Este um

    problema altamente complexo ainda no bem-compreendido. Aqui abrimos a

    discusso sobre qual o papel do suporte na relao com os gneros e indagamos

    se ele acarreta alguma conseqncia para o funcionamento dos gneros. A idia

    central que o suporte no neutro e o gnero no fica indiferente a ele. Mas

    ainda est por ser analisada a natureza e o alcance dessa interferncia. Um

    aspecto que vamos discutir adiante, ligado a esta questo, o problema da

    5 Esta pergunta e muitas outras instigantes me foram feitas por Beth Marcuschi a quem eu agradeo os comentrios crticos e sugestes para este trabalho. No dia em que ela me fez esta pergunta, eu no soube responder, mas hoje tento uma explicao sumria questo que acho instigante.

  • - 12 -

    reversibilidade de funes que o suporte poderia operar em alguns casos de

    gneros que migram para vrios suportes.

    O mais importante neste caso distinguir entre suporte e gnero, o que

    nem sempre feito com preciso. Eu mesmo, em trabalhos anteriores, havia

    identificado o outdoor como gnero, o que feito por vrios autores, mas hoje

    admito claramente que o outdoor um suporte pblico para vrios gneros, com

    preferncia para publicidades, anncios, propagandas, comunicados, convites,

    declaraes, editais. No qualquer gnero que aparece num outdoor, pois esse

    um suporte para certos gneros, preferencialmente na esfera discursiva

    comercial ou poltica. Este exemplo sugere que se trate o suporte na relao com

    outros aspectos, tais como: domnio discursivo, formao discursiva, gnero e tipo

    textual.

    A relao entre eles no constitui uma ordem hierrquica, j que no h um

    sistema de subordinao interna. Veja-se que o jornalismo um domnio

    discursivo, ao passo que o jornal seguramente um suporte e que a ideologia

    capitalista norte-americana se oferece como uma esfera de formao discursiva

    bastante ntida, sendo a reportagem jornalstica o gnero textual em questo e as

    seqncias narrativas internas seriam o tipo textual dominante no caso no caso de

    uma reportagem sobre a Guerra no Iraque publicada no New York Times. Assim,

    dentro de cada conjunto h distines claras, embora no se possa estabelecer

    uma hierarquia. O grfico a seguir d uma idia melhor disto:

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    J vimos que todos os textos se realizam em algum gnero e que todos os

    gneros comportam uma ou mais seqncias tipolgicas e so produzidos em

    algum domnio discursivo que por sua vez se acha dentro de uma formao

    discursiva, sendo que os textos sempre se fixam em algum suporte pelo qual

    atingem a sociedade. Agora podemos indagar se os suportes so veculos dos

    gneros. Num certo sentido eles so, mas no podemos confundir o veculo com o

    canal. Assim, os Correios podem ser um veculo ao modo de um servio, mas no

    so um canal nem um suporte para as cartas que transportam. J a mala direta

    poderia ser um suporte e um veculo, ao passo que o radio um veculo ou meio

    quando olhado na sua condio de Rdio X ou Rdio Y. Do ponto de vista do

    suporte, podemos dizer que uma embalagem um suporte na relao com o

    rtulo enquanto gnero, mas um envelope no um suporte na relao com a

    carta pessoal. Contudo, o envelope um suporte para o endereo.

    4. FORMATO DO SUPORTE E NATUREZA DO GNERO TEXTUAL

    Duas questes surgem aqui: (a) h alguma relao direta entre o formato

    especfico do suporte e a natureza do gnero que ele fixa? e (b) qual a influncia

    que o suporte pode exercer sobre o gnero? Num certo sentido, as duas

    indagaes se imbricam a ponto de se tornarem uma s. Isto por que se um

    JORNALISMO [Domnio discursivo]

    JORNAL [suporte]

    IDEOLOGIA CAPITALISTA

    DOS EUA [Formao discursiva]

    REPORTAGEM JORNALSTICA

    [gnero]

    NEW YORK TIMES [rgo,

    instituio]

    NARRAO... [Seqncias tipolgicas]

  • - 14 -

    gnero tem preferncia por algum suporte, este suporte ser o preferido para a

    realizao daquele gnero, o que equivale a esta questo bsica: o suporte

    interfere no gnero?

    Parece importante observar dois aspectos: (a) funes do gnero e (b)

    formato textual do gnero. Assim, no caso de (a) indaga-se a respeito de possveis

    interferncias do suporte na funo. J em (b) indaga-se at que ponto o formato

    do suporte tem influncias diretas sobre algum dos processos de textualizao

    tendo em vista sua interferncia no processo de recepo. Por exemplo, o fato de

    um determinado gnero como a publicidade aparecer num outdoor ou numa

    revista semanal ou numa revista mensal no indiferente. Uma publicidade numa

    revista masculina como a Playboy, ou feminina como Vogue, ou na revista de

    bordo caro ou ento em revistas de divulgao semanal como Veja, Isto ou num

    jornal como o Dirio de Pernambuco, vai ter caractersticas diversas sob o ponto

    de vista da textualizao. Por outro lado, considerando (a) pode-se pensar se um

    poema num livro didtico, em um jornal ou num livro de poemas, enquanto

    suportes diversos, ser a mesma coisa. A soluo no simples.

    Caso interessante a questo do editorial que vai variar muito em sua

    forma de contedo e natureza interna se for um editorial de revista semanal, tal

    como a revista Veja, por exemplo, ou um editorial de jornal dirio como no caso da

    Folha de So Paulo. Sabemos que no jornal o editora traz a posio do jornal

    sobre um tema candente no dia. Mas na revista o editorial uma viso geral dos

    temas da semana. E se formos observar o editorial de uma a revista masculina ou

    de revistas cientficas, cada vez vai ser outra coisa, ou seja, o suporte vai mudar.

    Ser que temos sempre um editorial ou j temos cada vez outro gnero?

    Tomemos o caso do livro didtico por parecer mais complexo. E neste caso

    comecemos com o Livro de Lngua Portuguesa, que um caso mais simples do

    que o Livro de Geografia, por exemplo. Os gneros de texto que aparecem no livro

    didtico de Portugus mantm ou no a mesma funo original? Sabemos que h

    quem trate o livro didtico como gnero, mas aqui o livro didtico ser

    decididamente visto como um suporte, com os argumentos a serem apresentados

    adiante. Seguramente, o livro didtico um suporte bem diverso do que uma

  • - 15 -

    revista semanal. No s os destinatrios e os objetivos do livro didtico e da

    revista semanal so diversos, mas tambm as esferas de atividade discursiva so

    outras. Contudo, um dos elementos centrais para esta distino a idia de que o

    livro didtico tem interesses e objetivos especficos na escolha de certos gneros

    (busca gneros adequados a certos objetivos do ensino, visa a uma variao

    ampla, contempla os mais freqentes, exemplifica peculiaridades estruturais e

    funcionais), o que no atinge a estrutura dos gneros, mas sua funcionalidade

    imediata no que tange ao interesse e no funo.

    Mesmo uma propaganda continua propaganda no livro didtico, mas ali ela

    no serve mais aos propsitos originais e agora opera como exemplo para

    produzir tais objetivos. Ser que se poderia dizer que isto a torna um gnero

    diferente? Creio que se poderia postular aqui a sugesto de uma reversibilidade

    de funo para o caso dos textos do livro didtico. No se trata de uma

    reversibilidade de forma, j que esta fica intacta. Como se ver adiante, isto no

    equivale a uma transmutao do gnero na acepo de Bakhtin, mas a uma

    reunio de texto num determinado local (suporte). Por isso, o livro didtico um

    suporte e os gneros que ali figuram mantm suas funes, embora no de forma

    direta, j que assumem o propsito de operarem naquele contexto como exemplos

    para produo e compreenso textual.

    Tome-se o caso do testamento de algum Imperador que se acha exposto

    num museu. Ele continua sendo um testamento ou agora apenas um documento

    histrico sem a funo de testamento? O museu no um suporte, mas uma

    instituio, assim como uma igreja, um quartel ou uma universidade.

    Seguramente, os textos que circulam aqui ou ali recebem neste momento outra

    funcionalidade (reverso de funes), mas no deixam de ter suas caractersticas

    formais de gnero preservadas.

    Essas questes no foram ainda tratadas em detalhe nem analisadas em

    suas repercusses sobre os processos de textualizao ou sobre elementos

    constitutivos dos textos como as selees lexicais e outros. Embora no tenha

    autonomia, o suporte tem relevncia na constituio de alguns aspectos daquilo

    que transporta ou suporta. Em muitos casos, o suporte uma espcie de base

  • - 16 -

    que porta contextos muito especficos que podem trazer algum tipo de influncia.

    Assim, se um texto sai num jornal ou em um livro ou se est afixado em um

    quadro de avisos numa parede, isto vai ter diferentes formas de recepo. Adiante

    farei algumas reflexes sobre uma possvel interferncia do suporte no sentido,

    mas a idia central que isso parece mais difcil, embora alguns efeitos possam

    mudar de acordo com o suporte.

    Assim, uma listagem de nomes num quadro de avisos gerais ou numa placa

    comemorativa ou numa caderneta de alunos algo bem diverso e aparece como

    um determinado gnero. Por exemplo, no quadro de avisos pode ser a listagem de

    notas de u ma disciplina, na placa comemorativa pode ser a relao de formandos

    do ano ou ento a relao dos premiados e assim por diante. Neste caso, tanto o

    quadro de avisos como a placa comemorativa6 servem como suportes. provvel

    que muitos dos indagados achariam que a placa seria apenas um gnero, mas

    todos ou quase todos diriam que o quadro de avisos um suporte.

    5. SUPORTE CONVENCIONAL E INCIDENTAL

    Aspecto a ser considerado com cautela o que diz respeito natureza do

    suporte do ponto de vista de sua constituio comunicativa. H suportes que

    foram elaborados tendo em vista a sua funo de portarem ou fixarem textos. So

    os que passo a chamar de suportes convencionais. E outros que operam como

    suportes ocasionais ou eventuais, que poderiam ser chamados de suportes

    incidentais, com uma possibilidade ilimitada de realizaes na relao com os

    textos escritos. Em princpio, toda superfcie fsica pode, em alguma circunstncia,

    funcionar como suporte. Vejam-se os troncos de rvores em florestas com

    declaraes de amor ou poemas em suas cascas. Por isso, convm restringir a

    noo de suportes textuais para o caso dos suportes convencionais. No obstante

    isso, vamos analisar outros suportes incidentais at porque ele so freqentes na

    vida urbana.

    6 No de estranhar, no entanto que em muitos casos a placa comemorativa tida como um gnero e nada mais do que isso. Mas podemos defender o contrrio.

  • - 17 -

    Assim, o corpo humano pode servir de suporte para textos, mas no um

    suporte convencional. Hoje est se tornando cada vez mais comum tatuar o corpo

    com uma imagem, um poema ou uma declarao de amor. O corpo tambm pode

    servir para os alunos inscreverem (em especial na perna ou coxa) suas colas para

    provas ou exames. O rosto de muitos estudantes funciona como suporte para

    slogans de protesto poltico, como j se viu muitas vezes. At corpos de animais

    como cachorros e cavalos receberam inscries de protesto. Contudo, no parece

    razovel que do ponto de vista comunicativo se possa classificar o corpo humano

    e o livro na mesma categoria de suporte textual, j que este foi concebido como

    suporte de textos desde o incio.7

    Hoje em dia ningum diria que os vasos de barro, as colunatas e os

    tmulos seriam suportes ideais para a circulao de textos. No entanto, boa parte

    dos textos fencios de 2 ou 3 mil anos atrs nos chegaram em vasos e colunatas

    ou em tmulos e assim por diante. Naquele tempo era mais comum que a

    circulao da escrita fosse feita nestes suportes e em pedrinhas, tabuletas ou

    pergaminhos, mas isto devido limitao de suportes e pouca veiculao de

    discursos na forma escrita. Hoje temos outros recursos, tais como o livro, o jornal,

    a revista, o outdoor e mais modernamente os hipertextos. Todos estes suportes

    so de modo especial prprios para a fixao dos textos e sua veiculao

    comunicativa e tm uma feio de suportes prototpicos.

    Assim, podemos identificar duas categorias de suportes textuais: (a) a

    categoria dos suportes convencionais, tpicos ou caractersticos, produzidos para

    essa finalidade e (b) a categoria dos suportes incidentais que podem trazer textos,

    mas no so destinados a esse fim de modo sistemtico nem na atividade

    comunicativa regular. A seguir, apresento uma srie de exemplos de cada uma

    destas categorias.

    7 Agradeo mais uma vez Beth Marcuschi a sugesto de estabelecer alguma distino de maneira sistemtica para identificar os suportes em suas categorias.

  • - 18 -

    6. ALGUNS SUPORTES CONVENCIONAIS

    Neste momento, adotando a distino feita acima entre suportes

    convencionais e suportes incidentais, vou me restringir a elencar alguns suportes

    convencionais, isto , que foram desenhados com a funo especfica de serem

    suportes. Em seguida, lembro alguns que podem operar como suportes

    incidentais.

    Como a questo ainda controversa, parece conveniente iniciar a anlise

    dos suportes discutindo a natureza do suporte genrico mais comum de todos que

    a folha de papel. Mas no parece que se deve tomar a folha de papel como o

    suporte do gnero de uma maneira geral, pois se no caso de uma carta pessoal

    ela seria, j no caso de um livro a pgina no o suporte e sim o livro. No livro, a

    pgina uma parte do todo. Se fssemos tomar o papel impresso como um

    suporte de uma maneira geral, no teramos distines entre livros, revistas, livros

    didticos, quadro de avisos e outros como suportes distintos.

    No caso de um carto postal, o suporte sem dvida o pedao de cartolina

    em que o carto est impresso. Mas nem por isso vamos tomar a cartolina como

    um suporte em geral. Claro que para um painel exposto num congresso temos a

    cartolina como um suporte daquele gnero e o cavalete como suporte da cartolina.

    Mas no tambm sobre esse tipo de cadeia ou contnuo de suportes que aqui se

    refletir, pois neste caso corre-se o risco de uma reductio ad absurdum e logo vai

    haver algum falando em metassuporte. Assim, no terminaramos nunca de

    perguntar quem suporta quem, j que nada est solto no ar, nem mesmo o texto

    em nuvens de fumaa. Nosso limite de observao sempre o suporte imediato e

    no um continuum que pode desviar o olhar para outros fenmenos.

    Com base nesta observao preliminar, vejamos vrios suportes e suas

    caractersticas. No se trata de uma classificao nem de um levantamento

    exaustivo. Neste momento no fao mais do que uma breve incurso pelo tema.

    6.1. Livro

    Seguramente, todos vamos concordar que o livro no um gnero textual.

    Seja ele qual for, desde que visto como livro. Trata-se de um suporte malevel,

  • - 19 -

    mas com formatos definidos pela prpria condio em que se apresenta (capa,

    pginas, encadernao etc.). O livro comporta os mais diversos gneros que se

    queira. Contudo, podemos ter um livro que ao mesmo tempo realiza apenas um

    gnero, como no caso do romance ou da tese de doutorado. Nestes casos,

    distinguimos entre os gneros textuais romance e tese de doutorado e o suporte

    textual livro. Trata-se de coisas diversas.8 Tomemos um livro contendo cartas

    pessoais de algum. Aquelas cartas j no so mais pessoais desde o momento

    em que foram publicadas. Passaram a ser documentos pblicos e at seu status

    pode ter mudado se forem cartas de algum escritor. Mas com a divulgao em

    livro passam a operar como uma obra literria. O problema que mudou a funo

    e a natureza daqueles textos no gnero carta pessoal. Trata-se de um livro com

    muitos exemplares de um gnero ou simplesmente um gnero como tal? O livro

    neste caso um suporte e o gnero carta pessoal, por exemplo, se ali estiverem

    somente cartas pessoais.

    Para uma breve reflexo sobre a complexidade do problema, tomemos um

    livro lanado recentemente, As Boas Mulheres da China, de Xinran (2003). Ali

    temos uma srie de crnicas ou relatos da autora9 como apresentadora de um

    programa de rdio na China. Trata-se de um livro com um gnero nico que so

    crnicas que foram escritas para aquele livro. Mas no interior do livro encontramos

    vrias cartas que haviam sido remetidas radialista. Essas cartas esto ali

    transcritas no decorrer de um relato. So ainda cartas ou j foram transmutadas e

    fazem parte integrante do relato sem autonomia de carta? No mesmo livro h uma

    longa entrevista-dilogo com uma universitria. Trata-se de uma entrevista ou faz

    apenas parente do livro? Ou ser uma estratgia da autora ara aquele formato,

    8 No meu interesse discutir aqui aspecto delicado a respeito dos gneros que compem a tese de doutorado, pois sabido que numa tese de doutorado (e em vrios outros gneros) temos pelo menos os seguintes gneros que compem aquele gnero: resumo; sumrio; ndices remissivos; agradecimentos; prefcio; introduo; bibliografia. Estes gneros tm funes e estrutura prprias, mas quando reunidos numa dada seqncia para constituir uma tese de doutorado, eles no so mais vistos como gneros e sim como transmutados para compor as partes de uma tese. Este aspecto mereceria mais ateno at para se perceber como os gneros derivam um do outro e muitas vezes so composies complexas como bem lembrava Bakhtin [1979]. 9 curioso observar que na ficha catalogrfica do livro consta: relatos breves, como que indicando o gnero de que se trata, mas ao esmo tempo sugerindo que uma coletnea de textos desse gnero, no sendo o livro um gnero em si, mas um conjunto de textos desse gnero.

  • - 20 -

    pois no consta que tenha sido gravada. H tambm um comovente relato de uma

    jovem adolescente molestada sexualmente pelo pai que se apaixona por uma

    mosca como um ser amado e escreve um dirio ntimo sobre a triste situao.

    Este dirio foi parar nas mos da apresentadora que o publica no livro. Trata-se de

    um dirio ou no mais? Veja-se que a situao complexa, pois temos um livro

    operando como suporte de uma srie de relatos e estes esto perpassados de

    vrios gneros que os compem. Temos ali cartas pessoais, entrevistas, dilogos,

    dirio ntimo, declaraes de amor, bilhetes e outros gneros. Contudo, eles no

    tm autonomia e figuram como parte de um todo orgnico maior, que uma obra

    programada desde sua origem com aqueles elementos.

    Em suma, parece que a questo um tanto artificial, pois um livro sempre

    um suporte, sendo que am alguns casos contm um s gnero (um livro de

    poemas), em outros casos contm muitos gneros diversos (uma obra com as

    publicaes de um determinado jornal) ou ento um nico gnero (romance). Em

    todos os casos o livro um suporte para os gneros ou gnero que comporta. O

    problema parece ser se o livro didtico, por exemplo, engole ou transmuta os

    gneros do mesmo jeito que o romance. Vejamos o caso mais de perto.

    6.2. Livro didtico

    Em primeiro lugar, conveniente considerar que no fazemos uma

    distino sistemtica entre livro e livro didtico, j que se trata de fenmenos

    similares. Contudo, como h elementos muito especficos do livro didtico e uma

    funcionalidade tpica, tratamos a questo em separado, mas todos so livros. Em

    segundo lugar, seria conveniente considerar que mesmo o livro didtico pode ser

    dividida pelo menos em dois conjuntos: (a) o livro didtico de portugus e (b) o

    livro didtico de disciplinas como geografia, fsica, matemtica, etc. Estes dois

    conjuntos tm peculiaridades, mas no constituem algo essencialmente diverso.

    Tal como foi exposto anteriormente, livro didtico nitidamente um suporte

    textual, embora a opinio no seja unnime a este respeito. No obstante os

    argumentos em contrrio, ainda se pode dizer que o livro didtico (LD),

    particularmente o LD de lngua portuguesa, um suporte que contm muitos

  • - 21 -

    gneros, pois a incorporao dos gneros textuais pelo LD no muda esses

    gneros em suas identidades, embora lhe d outra funcionalidade, fato ao qual

    denominei reversibilidade de funo. Falo aqui em funcionalidade e no funo

    para que se tenha claro este aspecto. Por exemplo, uma carta, um poema, uma

    histria em quadrinhos, uma receita culinria e um conto continuam sendo isso

    que representam originalmente e no mudam pelo fato de migrarem para o interior

    de um LD. No o mesmo que se d, por exemplo, no caso de um romance que

    incorpora cartas, poemas e anncios, entre outros.

    O problema da incorporao dos gneros no caso do romance, tal como

    tratado por Bakhtin (1979), diz respeito a uma transmutao de gneros que

    efetuada por um gnero secundrio ao incorporar outros gneros. Certamente,

    Bakhtin nunca teria classificado o livro didtico entre os gneros secundrios e sim

    como um conjunto de gneros. Aspecto importante a vasta produo de gneros

    tipicamente da esfera do discurso pedaggico, tal como a explicao textual, os

    exerccios escolares, a redao, instrues para produo textual e muitos outros

    que se acham no LD. O espao pedaggico tem muitos outros gneros que

    circulam nessa rea e no migram para o LD, tais como as conferncias, os

    relatrios, as atas de reunies etc. Tudo indica, pois, que o LD pode ser tratado

    como um suporte com caractersticas muito especiais.

    6.3. Jornal (dirio)

    O jornal, dirio e mesmo o jornal semanal, nitidamente um suporte com

    muitos gneros. Estes gneros so em boa medida tpicos e recebem, em funo

    do suporte, algumas caractersticas em certos casos, tal como o da notcia. Aqui

    situam-se tambm as cartas do leitor e as notas sociais, entre outros. No jornal,

    temos gneros que no aparecem em revistas semanais, como: anncios

    fnebres, convites para missas de stimo dia, previses meteorolgicas, resumos

    de filmes, horscopo dirio e assim por diante. Mas h outros comuns com as

    revistas, como notcias, reportagens, editoriais, receitas culinrias, histria em

    quadrinhos, charge, entrevistas e assim por diante.

  • - 22 -

    6.4. Revista (semanal/mensal)

    A revista semanal poderia ser vista no contexto do jornal dirio, mas alm

    de conter sensivelmente menos gneros textuais que o jornal, tem uma

    peculiaridade no processo de textualizao, como se frisou h pouco. Jornais

    dirios e revistas divergem em alguns aspectos. Em primeiro lugar, muitos

    gneros so mais especficos de jornais dirios do que revistas semanais. Deve-

    se ter em mente que as revistas semanais, quinzenais ou mensais tambm

    divergem entre si e os jornais so em geral dirios. Assim certos gneros que

    circulam com notcias ou fatos apenas do dia (p. ex., anncios fnebres e

    classificados) pouco aparecem em revistas. Mas apenas uma anlise detalhada

    diria se h diferenas especficas. O certo que a titulao (manchetagem) em

    revistas e jornais tem diferenas notveis. E a entramos em aspectos que podem

    ser influenciados pela natureza do suporte.

    6.5. Revista cientfica (boletins e anais)

    Seguramente, as revistas cientficas, os anais de congressos e os boletins

    de associaes cientficas, por exemplo, so suportes de gneros bastante

    especficos e ligados a um domnio discursivo (o cientfico, acadmico ou

    instrucional). Ali encontramos artigos cientficos, resenhas, resumos,

    comunicaes, bibliografias, debates cientficos, programao de congressos,

    programas de cursos e outros desta natureza. So suportes hoje tradicionais e

    que se especializam de maneira muito clara. Pelo fato de serem considerados

    cientficos, h inclusive um status aos gneros por eles veiculados que diferente

    dos textos similares que aparecem em jornais dirios ou em revistas semanais de

    divulgao ou noticiosas.

    6.6. Rdio

    No obstante ter dito no incio que no me reportaria aos gneros orais de

    maneira sistemtica, lembro o rdio como suporte pela sua relevncia e por ter

    sido desenhado para este fim. O rdio tambm pode ser considerado um suporte

    na medida em que se toma como um lugar de fixao e no apenas como a rdio

  • - 23 -

    emissora ou tecnologia. Conta com uma multiplicidade de gneros. Mas como ele

    conta com a transmisso sonora sem o recurso visual, certamente ter uma

    interferncia diversa da televiso. As notcias na TV, no rdio e no jornal no tm

    o mesmo tipo de tratamento em relao ao discurso relatado ou reportado. H

    pouco discurso direto (citaes de fala) no rdio e na TV, ao passo que isso ocorre

    mais no jornal e na revista.

    6.7. Televiso

    A televiso acha-se no mesmo caso que o rdio, mas com a diferena de

    que aqui temos a imagem e no s o som. Alm disso, poderamos pensar em

    meios ou sistemas de transporte diversos na TV, j que ela pode servir-se de

    outros suportes e at de eventos complexos, pois na TV podemos ter a

    transmisso de teatro, cinema, congresso e assim por diante. E no sabemos

    ainda como tratar o caso do cinema e do teatro. Estes no so propriamente

    suportes e sim ambientes ou at instituies. J a pea de teatro e o filme em si

    so gneros.

    6.8. Telefone

    Igualmente ao caso do rdio, temos aqui um suporte para gneros orais. O

    telefone est no mesmo plano que os anteriores e um suporte quando no se

    pensa apenas na tecnologia. Classifico como um suporte-meio. Nele se do

    muitos gneros, mas haveria que discutir se distinguimos entre o telefone

    enquanto um aparelho e a telefonia como uma tcnica de comunicao. Assim, a

    telefonia permite a realizao de gneros que o telefone no permitiria. No me

    parece clara a distino que se faz entre ambos e isso deveria ser melhor

    pensado.

    6.9. Quadro de avisos

    Este um caso interessante que pode ser tido como um suporte pela

    quantidade de gneros que abriga, mas h quem o considere um gnero textual, o

    que parece ser equivocado. Num quadro de avisos temos publicidades, avisos,

  • - 24 -

    poemas, listagens de notas, informaes diversas, cartazes de eventos, placas,

    sugestes, propostas, regimento de cursos, recortes de jornal com notcias,

    editoriais etc. Trata-se de um suporte com caractersticas prprias que contm no

    geral textos de curta extenso. Mas os quadros de avisos hoje podem conter at

    mesmo outros suportes como os folders e jornais inteiros afixados. Tambm

    contm material visual como fotos e desenhos isolados.

    6.10. Outdoor

    Trata-se de um suporte e no de um gnero. Como lembrado acima, em

    alguns momentos eu o classifiquei como gnero, mas dada a diversidade que

    esse suporte veio assumindo quanto aos gneros que alberga e quanto funo

    desses gneros, eu o classifico hoje como suporte. O outdoor tem peculiaridades

    muito interessantes e mereceria um estudo parte. Ele veicula, como j se viu,

    gneros bastante especializados, mas vem se generalizando cada vez mais.

    6.11. Encarte

    Como vamos tratar o encarte em um jornal dirio? Muitas vezes uma

    revista completa, em outros casos uma publicidade, uma propaganda, uma

    campanha publicitria e assim por diante. Mas o encarte sempre vem dentro de

    um outro recipiente ou suporte. J o prprio nome diz que se trata de algo

    dependente. Podemos falar de suportes de suportes? importante no considerar

    a bula de remdio como um encarte por vir situada no interior de uma embalagem.

    6.12. Folder

    Tudo indica que o folder pode ser tido como um suporte de gneros

    diversos, embora haja quem o trate como gnero. O folder um suporte que fixa

    gneros tais como campanhas publicitrias, campanhas, publicidades, instrues

    de uso, currculos e assim por diante. Existem folders com mais de um gnero.

  • - 25 -

    6.13. Luminosos

    Os luminosos foram produzidos para veicularem textos e imagens. So

    estruturas comunicativas com as quais os usurios tm em geral um contato

    bastante fugaz e no to sistemtico. Na maioria dos casos ali figuram textos em

    movimento e gneros ligados publicidade de grandes empresas ou campanhas

    governamentais.

    6.14. Faixas

    As faixas tambm so suportes tradicionais e altamente convencionais. So

    lugares adequados para veicular textos para serem vistos de longas distncias.

    Tambm servem para decorar as mesas de abertura de congressos ou

    festividades. As faixas constituem uma espcie de suporte bastante comum para

    eventos festivos. Elas portam um gnero de cada vez. So inscries, logomarcas

    ou ento indicao de eventos. H faixas comemorativas de aniversrios de

    empresas, festividades e situaes de grande pblico.

    Como se nota, esta relao tem a finalidade de sugerir uma distino entre

    alguns suportes pela natureza dos gneros que portam ou at mesmo pela

    natureza de sua interferncia nos gneros que fixam e suportam.

    7. ALGUNS SUPORTES INCIDENTAIS

    Tal como lembrado acima, os suporte aqui denominados incidentais so

    apenas meios casuais e que emergem em situaes especiais ou at mesmo

    corriqueiras, mas no so convencionais, como os apontados no item anterior.

    Ningum nega que uma porta de banheiro porta textos, mas isto no comum em

    todos os banheiros, como no comum todos terem seus corpos com inscries

    ou que as caladas, as paredes e os muros em geral estejam cheios de

    inscries. Em cidades ou locais de maior cuidado, evitam-se inscries nestes

    lugares, o que indica que no se os tem como convencionais para portarem textos

    escritos. Tudo isso me faz crer que de modo mais sistemtico se devesse falar de

    suporte em sentido estrito para os do grupo acima e no do grupo aqui

    apresentado. Contudo, como inegvel que boa parte dos textos hoje em

  • - 26 -

    circulao pelos ambientes urbanos se acham nesses suportes incidentais,

    tratamos deles aqui, j que no devem ser ignorados.

    7.1. Embalagem

    Este um caso interessante, pois no geral a embalagem no seria tida

    como um suporte. Contudo, tomamos a embalagem como um suporte na medida

    em que nas embalagens podem estar vrios gneros. Embalagens de produtos

    comestveis muitas vezes trazem no s o rtulo do produto, mas uma receita. Ou

    ento no caso de remdios pode ter uma breve bula de remdio e assim por

    diante. Quanto a este ltimo aspecto, pode-se indagar se as indicaes que esto

    no rtulo so algo diverso da bula que vem dentro da caixa de remdio. Se

    indagarmos de vrios especialistas, eles diro que a bula diferente do que aquilo

    que vem na embalagem. Mas se observarmos as instrues que aparecem na

    embalagem elas parecem uma bula. Veja-se este caso tpico da bula/instruo

    que vem na embalagem de remdio. Ali temos ainda coisas como cdigo de

    barras, endereo, descrio do produto (vejam-se os rtulos de vinhos com duas

    partes) Portanto, a embalagem no um gnero e sim um suporte. J a bula que

    vem dentro de uma embalagem de remdio no te na embalagem o seu suporte,

    pois aqui a embalagem estaria para a bula como uma espcie de recipiente.

    7.2. Pra-choques e pra-lamas de caminho

    No parece haver dvidas de que este seja um suporte de gneros muito

    especiais, tais como frases e provrbios. Certamente o caminho um veculo em

    vrios sentidos, pois ele transporta tanto o pra-choque como o texto. Mas no

    s o pra-choque do caminho e sim tambm de automveis e demais veculos

    como nibus etc. que servem, para esta finalidade. Esta uma famlia de suportes

    ligadas a um meio de transporte. Talvez devssemos pr aqui tambm as janelas

    traseiras de nibus urbanos, que hoje se tornaram suportes sistemticos

    especialmente de publicidades.

  • - 27 -

    7.3. Roupas

    Embora me decida pelas roupas como suportes, no parece muito claro se

    devemos tom-las como tal, por exemplo, uma camiseta. Ela parece ser um

    suporte de gneros, j que hoje em dia porta textos dos mais variados gneros,

    como poemas, provrbios etc. Mas a camiseta no traz de maneira sistemtica

    textos e talvez devssemos restringir este aspecto. Alm disso, se consideramos a

    camiseta de jogador de clube de futebol temos aqui uma estrutura fixa com o

    nome do jogador nas costas, o emblema do time na frente e opcionalmente uma

    publicidade. J uma camiseta de jogador da seleo nacional no tem publicidade

    e vem padronizada. Parece que estes dois tipos de camisetas so gneros e no

    suportes. Outras roupas (casacos, gravatas, calas, vestidos, meias, roupas

    ntimas) tem inscries variadas, mas em escala mais reduzida que as camisetas.

    7.4. Corpo humano

    O corpo humano vem cada vez mais servindo para veicular textos em geral

    muito curtos e na forma de tatuagens ou de slogans para protestos em situaes

    especiais. Nem por isso o corpo humano passa a ser um suporte convencional.

    Ele continuar sendo um suporte incidental que vai variar de acordo com as

    culturas. Nas culturas indgenas, os corpos so muitas vezes os suportes

    semiticos mais convencionais em situaes de festas ou cerimnias especiais.

    Mas isto pela circunstncia de no terem outros suportes especficos nem

    disporem da escrita convencional em alguma de suas formas.

    7.5. Paredes

    Todo tipo de parede est aqui includo. Podem ser paredes de casas,

    edifcios ou mesmo de interiores como universidades, escola etc. Esses suportes

    operam muitas vezes em um contnuo como no caso de suportarem um quadro de

    avisos que o suporte de gneros.

  • - 28 -

    7.6. Muros

    Hoje em dia parece que os muros esto se tornando suportes

    convencionais para alguns gneros textuais tais como as propagandas polticas.

    Eles sevem para inscries, propagandas, publicidades e pichaes em geral. So

    textos pouco desenvolvidos, mas de grande eficcia comunicativa. Mesmo que os

    muros sejam usados como suportes em grande escala, eles no so

    convencionados para esta finalidade como as revistas, os jornais e os livros.

    7.7. Paradas de nibus

    Imagino que as paradas de nibus esto sendo tomadas como bons locais

    para afixar ou mesmo inscrever textos pela sua condio estratgica como

    ambiente favorvel comunicao em grade escala. So locais muito visveis e

    quando h alguma parede ou um muro, comportam vrios gneros. Eles so para

    o grande pblico. Ali encontramos campanhas ou publicidades de apelo geral

    como carros, apartamentos, produtos de beleza e outros deste tipo, mas no de

    supermercados nem de produtos perecveis.

    7.8. Estaes de metr

    Embora as estaes de metr sejam do mesmo estilo que a parada de

    nibus, so sempre maiores e com mais possibilidade de gneros. Tem algo de

    similar com paredes e muros quanto aos gneros que comportam, mas h ainda

    quadros de avisos e cartazes ou outros suportes que esto nelas afixados, o que

    lhes d um carter diferenciado nem sempre ligado idia de suporte de gneros

    e sim de suporte de suportes.

    7.9. Caladas

    Hoje as caladas passaram a ser locais para inscries, tal como se institui

    a calada da fama, em que pessoas famosas pem a impresso de seus ps e a

    inscrio de seus nomes. Esse suporte em geral porta textos curtos e

    permanentes.

  • - 29 -

    7.10. Fachadas

    As fachadas de prdios, em geral de grandes extenses, so similares a

    paredes, mas ficam sempre de frente para grandes locais de circulao pblica e

    portam inscries maiores com gneros de curta extenso. Na maioria das vezes

    so logomarcas ou os nomes de empresas, marcas de grandes produtos.

    7.11. Janelas de nibus (meios de transporte em geral)

    De alguns tempos para c, as janelas de nibus, em especial a parte

    traseira, tornaram-se um suporte de publicidades e campanhas governamentais.

    Mas isto no comum e no tem regularidade. Trata-se de um suporte muito

    incidental.

    A listagem de suportes incidentais seria imensa se fssemos enumerar

    todos os suportes que eventualmente contm algum texto. Por isso, fica aqui

    apenas a sugesto de observao e o critrio bsico para sua classificao nesta

    categoria. Trata-se de locais eventuais e no convencionais para a atividade

    comunicativa.

    8. CASOS CLAROS DE SERVIOS EM FUNO DA ATIVIDADE

    COMUNICATIVA

    Os casos abaixo no devem ser situados entre os suportes textuais, sejam

    os incidentais ou os convencionais. A tendncia v-los como servios, da a

    deciso em trat-los como casos especficos separados dos suportes. Aparecem

    aqui porque em muitos casos so listados como suportes.

    8.1. Correios

    Os correios so menos um suporte e mais um meio de transporte ou um

    servio. muito diferente do que o caso da revista e do jornal. Quanto a isso seria

    interessante discutir se o telefone e os correios formam um conjunto de suporte-

    meio diversos da televiso e do rdio.

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    8.2. {Programa de} E-mail

    Aqui est um caso curioso, pois se tomarmos o programa outlook, por

    exemplo, teremos sem dvida um suporte do tipo correio eletrnico, mas se

    tomarmos os e-mails enquanto correlatos das cartas pessoais, teremos um

    gnero. Neste caso, trato a palavra e-mail como se fosse uma homonmia, ou

    seja, um termo com duas acepes tanto de origem como de funo. Contudo, o

    e-mail na funo de correio eletrnico nitidamente um servio que transporta os

    mais variados gneros, tais como propagandas, ofcios, bilhetes, e-mails, cartas

    comerciais, relatrios, artigos cientficos e assim por diante. No obstante isso,

    hoje a idia mais comum em relao aos e-mails que sejam vistos como um

    gnero da rea epistolar, assim como observou Juliana de Assis (2002).

    8.3. Mala-direta

    A mala-direta se assemelha a um servio e deveria ser tratada como tal. No

    geral, a mala-direta veicula gneros diversos do domnio discursivo da publicidade

    at a comunicao entre empresas e remessa de documentos a clientes de

    empresas. A expresso mala-direta, quando empregada pelos Correios,

    apenas uma designao para um suporte, mas enquanto empregada por uma

    empresa pode ser at mesmo a designao de um gnero, como o caso de uma

    carta de aniversrio. O caso merece um estudo parte pela complexidade. H

    malas diretas para pessoas (uma carta de aniversrio que o gerente do banco

    manda no seu aniversrio); h malas diretas para 10.000 pessoas (as cartas que

    recebemos de um candidato a deputado); h malas diretas com publicidades de

    empresas (as promoes de uma loja) e assim por diante. Mas h casos muito

    mais complexos do que estes sendo chamados de mala direta.

    8.4. Internet

    Trata-se de mais um caso limite. Pessoalmente, trato a Internet como um

    suporte que alberga e conduz gneros dos mais diversos formatos. A Internet

    contm todos os gneros possveis.

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    8.5. Homepage e site

    Para alguns autores a homepage e at mesmo o site um gnero, mas

    para outros um suporte. Creio que de um modo geral a homepage um suporte

    e no um gnero. No tenho condies de expor argumentos neste caso agora,

    mas os debates conduzidos em aula me deixaram com alguma clareza quanto a

    no se considerar este caso como um gnero e sim como um suporte. Alm disso,

    parece claro que a homepage institucional carrega uma srie de gneros. Basta

    observar a homepage de qualquer universidade pare ver a diversidade de coisas

    feitas ali dentro. Entre outras coisas est ali a possibilidade da matrcula de alunos

    on-line. Se tomarmos uma homepage de algum servidor da Internet como a UOL,

    vemos que se trata de um servio ou suporte de outros suportes, j que ali esto

    revistas, jornais e livros.

    9. SUPORTE TEXTUAL E FORMAS DE LEITURA

    Em estimulantes observaes a respeito do hipertexto, Srio Possenti

    (2002:208), reporta-se ao problema da relao entre o suporte dos gneros

    textuais e a leitura, dizendo:

    Quando ouvi falar dos trabalhos de Chartier pela primeira vez, o que ouvi foi que

    ele teria tentado mostrar que a leitura que se faz dos textos afetada pelo

    suporte. Ou seja, que no se l da mesma maneira um rolo de papiro e um livro

    com a confirmao mais ou menos conhecida de todos.

    Intrigado com estas bizarras sugestes, Possenti no conseguia ver algum

    poder emanando do suporte que pudesse afetar a leitura. O simples fato de um

    texto estar num papiro nico, num livro impresso em milhares de exemplares, na

    tela do computador rolando verticalmente no poderia afetar a leitura.

    Desconfiando dessa ingnua posio, Possenti foi ao Chartier (1994, 1997) para

    ver o que o autor dizia e no seus solertes intrpretes. Segundo Possenti

    (2002:209), Chartier de fato acredita que se l de forma diversa o mesmo texto em

    suportes diversos, no no sentido de se compreender diferentemente o texto e sim

    no sentido de se manter com ele uma relao diferente, ou seja, h uma relao

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    diferente ao se ler um edital de concurso num jornal ou num outdoor, pois no jornal

    eu posso fazer anotaes, sublinhar etc., interferindo no texto, mas no outdoor isto

    j no possvel (pelo menos em circunstncias normais).

    Isto quer dizer que ns no operamos do mesmo modo com os textos em

    suportes diversos, mas isso no significa ainda que os suportes veiculem

    contedos diversos para os mesmos textos. O suporte no muda o contedo, mas

    nossa relao com ele, no s por permitir anotaes, mas por mater um contato

    diferenciado com ele.

    A questo interessante e j foi abordada acima em outros termos quando

    nos indagvamos se a leitura de uma publicidade num livro didtico e num jornal

    tinha o mesmo objetivo e a mesma significao. Possenti (2002:209) tambm julga

    que uma crnica lida num jornal dirio e a mesma crnica lida numa coletnea de

    crnicas do autor em um livro de crnicas pode ser vista de modo diverso.

    Aspecto tambm merecedor de mais reflexo o que diz respeito ao

    suporte numa dada situao e configurao. Neste caso, a mesma notcia

    publicada num jornal do interior de Pernambuco e no New York Times, certamente

    ter outra repercusso e ser lida de modo diverso. No que tenha contedo

    diferente e sim ter um efeito diferente no leitor. Isto tem a ver com o suporte ou

    com o status daquele suporte particular?

    10. OBSERVAES CRTICAS

    Embora aqui estejam algumas anlises at certo ponto sensatas, tudo isto

    merece uma reviso cuidadosa e indubitavelmente sria com anlises mais

    profundas e exemplos mais especficos. Mas fique claro que a questo do suporte,

    para ser resolvida a contento, deve ser precedida da soluo de uma srie de

    outros problemas relativos aos gneros textuais. Tambm tenha-se em mente que

    refletir sobre o problema do suporte refletir sobre o problema da circulao

    textual em nossa sociedade. A complexidade dos suportes revela a complexidade

    social em que os prprios textos circulam.

    Creio que este tema um caso tpico para estudos de aplicao de

    metodologias empricas de coleta de dados e anlise in loco, a fim de verificar qual

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    o grau de veracidade das afirmaes. Pois os elementos de que tratamos aqui so

    empricos de grande relevncia. No acredito, no entanto, que aqui estejamos

    diante de uma discusso semitica, mas sim de uma discusso da organizao

    social pela circulao da escrita.

    E este aspecto leva-me a levantar uma questo que ficou apenas lembrada

    no incio desta abordagem. Onde ficam e como ficam os suportes dos gneros

    orais? Esta questo deve ser discutida e com muita cautela. Temos o teatro, o

    cinema, o rdio, a televiso, todos lembrados aqui, mas sem uma especificao

    da modalidade de realizao. So suportes, canais, instituies, ambientes?

    Talvez no valha a pena fazer uma distino rigorosa em todos os casos, mas sim

    discutir a questo do suporte de uma maneira geral e depois disso ver como os

    demais problemas se pem. Assim o prximo passo entrar em campo e discutir

    esses aspectos empiricamente.

    Nem sempre a deciso a respeito da identificao de um suporte, um

    gnero, um servio, evento e um canal clara. As fronteiras dependem da

    perspectiva da observao e do modo como encaramos os fenmenos. Esta

    discusso deveria ser conduzida com calma e critrios claros. H casos em que

    no se sabe ao certo como tratar um determinado fenmeno, por exemplo, o

    folder que pode ser ao mesmo tempo um suporte para vrios gneros como

    volante, resumo, esquema etc., mas que em certos momentos foi tratado como

    gnero. Um Seminrio e uma mesa-redonda certamente no devem ser tratados

    como gnero e sim como eventos ou talvez at mesmo como suportes.

    Pode-se tambm indagar at que ponto o corpo humano seria um suporte

    na medida em que suporta e fixa inscries como tatuagens. As tatuagens so

    gneros interessantes e hoje tornou-se comum tatuar o nome do namorado ou dos

    filhos. possvel que o corpo seja suporte, mas apenas incidental, tal como

    sugerimos acima. Seria adequado dizer que as costas, a perna, o brao, a barriga

    so suportes?

    H ainda certos casos que me parecem muito complexos quando vistos

    como suportes textuais, tais como o teatro e o cinema que seguramente no so

    suportes. Por outro lado, as mesas-redondas e os simpsios so eventos, mas

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    poderiam ser suportes de gneros orais, j que os suportes de gneros orais

    parecem ser eventos. Nestes casos j comeamos a entrar em certos pontos que

    se imbricam com domnios discursivos e com instituies, tais como o quartel, a

    escola, a igreja vistos na qualidade de locais ou instituies em que se produzem

    gneros e no domnios discursivos.

    Aspecto j levantado aqui, mas no claramente desenvolvido, o que diz

    respeito ao problema dos gneros em suportes (convencionais e incidentais) em

    locais pblicos em reas abertas. Esses suportes comportam gneros bastante

    marcados, em geral de apelo publicitrio ou de divulgao ampla. Esses suportes

    em ambientes pblicos abrigam um nmero limitado de gneros. Na maioria dos

    casos so gneros de vida efmera naquele suporte. A impresso que pelo fato

    de ser um ambiente amplo e aberto, os gneros ali presentes tm vida sazonal.

    Seja pela moda, pela poltica ou algo assim. Entre esses suportes esto: (a)

    Outdoors; (b) Paredes; (c) Muros; (d) Paradas de nibus; (e) Estaes de metr;

    (f) Caladas; (g) Fachadas; (g) Luminosos; (h) Faixas; (i) Janelas de nibus; (j)

    Placas pblicas.

    As observaes feitas neste item revelam que uma cidade pode ser um

    ambiente textual de muitos e variados suportes. Na realidade, somos cada vez

    mais uma sociedade textualizada e em locais pblicos multiplicam-se os usos da

    escrita.

    Por fim, o tema mais relevante de todos e que foi por diversas vezes tocado

    e me parece merecer maior reflexo o que diz respeito relao de influncias

    mtuas entre gneros e suportes. A presena dos gneros no indiferente nos

    diversos suportes nem imune a eles. Mas qual precisamente essa influncia no

    est ainda de todo claro. MARCUSCHI, Luiz Antnio. A questo do suporte dos gneros textuais.

    Disponvel em http://bbs.metalink.com.br