A RECUSA DA “RAÇA” ANTI-RACISMO E CIDADANIA NO BRASIL DE 1830

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    Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre, ano 11, n. 24, p. 297-320, jul./dez. 2005

    A recusa da raa

    A RECUSA DA RAA: ANTI-RACISMO E CIDADANIA

    NO BRASIL DOS ANOS 1830*

    Celia Maria Marinho de Azevedo

    Universidade Estadual de Campinas Brasil

    Resumo: O objetivo geral deste artigo chamar a ateno para a associaoparadoxal das categorias de raa e racismo. Para isso buscaremos conhecer o anti-racismo brasileiro em seus incios durante os agitados tempos da Regncia, nos anos1830, poca em que o termo raa ainda no havia se instilado em nossas mentescomo uma verdade cientfica num sentido biolgico ou cultural. Como veremos,lutar contra o preconceito de cor e pela cidadania significava recusar em definitivoo reconhecimento pblico da raa.

    Palavras-chave: anti-racismo, cidadania brasileira, racismo, Regncia.

    Abstract: The aim of this article is to call attention to the paradoxical linking betweenthe concepts of race and racism. Having this in mind, my attempt is to visualize theearly history of Brazilian anti-racism during the turbulent 1830s. By this time, presentlyknown as the Era of Regency, the word race was yet far from being instilled in one smind as a scientific truth either in biological or cultural terms. As we shall see thestruggle against prejudice of color, and in defense of citizenship, pointed towardthe rejection of the public recognition of race.

    Keywords: anti-racism, Brazilian citizenship, racism, Regency Era.

    Nunca se ouviu falar tanto em raa e racismo no Brasil ou pelo menosno se ouviu falar tanto nos ltimos 50 anos como temos ouvido nos ltimos

    * Verses iniciais deste artigo foram apresentadas em 2004 em conferncia no XIV Encontro Regi-onal de Histria da Anpuh, em Juiz de Fora, Minas Gerais (28 de julho); em palestra no CentroHistrico Mackenzie, em So Paulo (4 de novembro); e em mesa-redonda no seminrioMulticulturalismo e Aes Afirmativas, do Programa de Ps-Graduao em Sociologia da Univer-sidade de Braslia (13 de dezembro).

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    trs anos, mais precisamente desde que se instalou o debate sobre a cotaracial entre ns.

    Como sabemos hoje, raa foi um termo corriqueiro na boca de grandeparte das elites brasileiras que desde meados do sculo XIX saudaram as des-cobertas da cincia nessa matria, produzidas em universidades da Europa edos Estados Unidos. Desse momento em diante, o passado, o presente e ofuturo da nao foram lidos a partir do pretenso potencial explicativo contidonesse termo. A categoria cientfica de raa ganhou tantos adeptos nesse pero-do que mesmo aqueles que reconheciam a existncia do preconceito de corcontra a populao negra muitas vezes o faziam sem se desvencilhar da crena

    na existncia de raas humanas.J o conceito de racismo foi cunhado bem mais tarde, provavelmente emmeados dos anos 1920, quando alguns pensadores crticos do preconceito decor e sensveis s denncias do movimento pan-africanista ascendente passa-ram a pensar sobre a categoria de raa, abandonando a postura tradicional dese pensar a partir dela, ou seja, dentro de seu pressuposto, e possibilitando,desse modo, o incio da sua desnaturalizao.1

    sempre bom lembrar que Casa Grande e Senzala foi escrito dentrodesse novo esprito intelectual que buscava se liberar da categoria de raa,

    substituindo-a pela de cultura. Infelizmente esse movimento intelectual dedesnaturalizao do termo raa no se fez at o fim, persistindo at o nossopresente a ambigidade no seu tratamento pelas cincias humanas. Explico:por um lado, afirma-se que as raas humanas no passam de uma constru-o racista de cientistas europeus e americanos cujos interesses associavam-se direta ou indiretamente a grandes empreendimentos imperialistas na frica,na sia, nas ilhas do Pacfico e naquilo que se convencionou designar porAmrica Latina. Nada melhor aqui para sintetizar esse movimento conjuntodo pensamento cientfico e das prticas colonialistas do que a frase lapidar deHannah Arendt (1979, p. 183-184): se o racismo no existisse, o imperialismo oteria inventado.2 Mas por outro lado, as cincias humanas incorreram no pa-

    1 Sobre o aparecimento da palavra racismo em dicionrios de lngua inglesa e francesa, ver Miles(1989, p. 42) e Delacampagne (1983, p. 14).

    2 Para uma viso crtica da investigao cientfica que tem como pressuposto o conceito de raa, verGould (1996), publicado no Brasil em Gould (2000). E, sobre a histria do conceito de raa, verPoliakov (1974).

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    radoxo de se pensar a histria do racismo a partir da categoria de relaesraciais, ou seja, o racismo seria compreendido luz das relaes entre raas

    humanas.Visto desse modo, podemos concluir que a histria tem seus limites dados

    por categorias fora da histria, ou a-histricas. O racismo se explicaria a partirde categorias dadas por natureza ou, quando muito, dadas por construessociais imemoriais to antigas quanto o prprio gnero humano. Sendo assim, oconhecimento da histria nos serviria to-somente para nos conformarao queexiste por natureza ou por uma espcie de histria sem histria, e jamais paranos liberardos fardos inventados por nossos ancestrais.

    para esse ponto que eu gostaria de chamar a ateno dos jovens estu-dantes e profissionais que se iniciam nessa rea de estudos que atravessa ascincias humanas, designada de forma insuspeitada de rea de estudos dasrelaes raciais. Como disse, nunca se ouviu falar tanto em raa e racismo noBrasil como nos ltimos tempos. Quanto ao racismo, bom mesmo que seoua, pois ainda hoje h aqueles que tratam o problema com uma certa condes-cendncia, certos de que o Brasil se destaca por uma maior tolerncia nassuas relaes raciais!

    Mas por aqui que devemos comear nosso questionamento crtico: va-

    mos simplesmente incorporar essa categoria de raa em nossas anlises, repe-tir mecanicamente que as raas so uma construo social, que elas impreg-nam j de longa data o nosso senso comum e por isso constituiriam uma reali-dade inescapvel? Discutir se o Brasil tem sido mais ou menos tolerante histo-ricamente em relao raa negra? Ou ento defender a criao de direitosde raa para a raa negra? Como historiadores e cientistas sociais, no sermelhor compreendermos a construo localizada no tempo de uma categoriaque no tem feito mais do que renovar o fardo perverso que nos foi legadopelas mentes ilustradas e racistas dos ltimos trs sculos?

    O que me proponho aqui chamar a ateno para esta associao para-doxal entre as categorias raa e racismo da qual infelizmente o anti-racismo donosso presente no tem escapado, a despeito de suas intenes libertadoras emmatria de sofrimento humano. Para isso quero examinar o momento inicial doanti-racismo brasileiro na dcada de 1830, poca em que o termo raa aindaestava longe de alcanar a sua veracidade cientfica a ponto de petrificar-seem nossas mentes como uma realidade irrecusvel, venha ela em sua versomais dura a biolgica , ou ento numa verso mais macia a cultural. J o

    termo racismo, como disse acima, cerca de cem anos ainda transcorreriam

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    antes que ele fosse cunhado. Mas a percepo de que o reconhecimento pbli-co das raas humanas gerava desigualdades polticas e sociais j encontrava

    algum poder de expresso na denncia de preconceito de cor contra os cida-dos afro-descendentes, ditos de cor.

    A recusa do reconhecimento pblico das raas

    Os agitados tempos da Regncia, na dcada de 1830, assinalam o anti-racismo no seu nascedouro quando uma primeira gerao de brasileiros negrosilustrados dedicou-se a denunciar o preconceito de cor em jornais especfi-

    cos de luta, repudiando o reconhecimento pblico das raas e reivindicando aconcretizao dos direitos de cidadania j contemplados pela Constituio de1824.

    Bem pouco ainda conhecemos dos anos incertos da Regncia, cuja su-cesso de regentes, leis e contraleis, fazem at hoje a tortura dos colegiais emsuas memorizaes esquemticas aprendidas de livros didticos. O perodoiniciado em 7 de abril de 1831 com a abdicao de D. Pedro I em favor de seufilho de apenas 5 anos de idade e terminado em 1840 com o chamado golpe damaioridade, que permitiu a ascenso de D. Pedro II, foi batizado pelos histori-adores de Experincia Liberal, ou ainda, Experincia Republicana.3 Comoobservou Marco Morel, esse perodo tem sido definido como catico,desordenado, anrquico, turbulento e outros adjetivos conexos que mais con-fundem do que esclarecem aqueles que se aventurem a estud-lo. Segundo ele,esse era o discurso de parte dos grupos dirigentes da poca em suas disputasde poder no ento nascente Estado nacional. Com a ascenso de D. Pedro IIao trono, os grupos dirigentes ascendentes buscaram formas de conciliar seusinteresses de modo a consolidar o seu novo poder. Como sabemos, a histria

    sempre pode ser um grande auxiliar dos governos na medida em que os histo-riadores se prestem a construir a memria apropriada ao fortalecimento e con-solidao de seu poder. No caso, como observa este autor, os historiadoresmonarquistas do sculo XIX fixaram a descrio do perodo regencial nos ter-mos daqueles adjetivos que conectavam a idia de desordem. Com o tempo,

    3 A respeito desses termos designativos do perodo da Regncia, ver Castro, P. (1995) e Barman(1988).

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    acostumamo-nos a tratar a Regncia como um mero interregno entre os doisimprios, marcado por uma srie de rebelies derrotadas que no teriam tido

    grande importncia a no ser lanar para um futuro distante as idias republi-cana e federalista (Morel, 2003, p. 7-8).

    Contudo, o que importa captar nesses agitados anos iniciais da Regncia o sentimento de indeterminao, de que tudo estava meio de pernas para o ar,enfim, de instabilidade de todas as instituies, perpassando todo o cenriopoltico e social de um pas tornado independente h apenas uma dcada. Foi,enfim, aquilo que Morel bem definiu como o momento de exploso da palavrapblica em suas mltiplas (e nem sempre tranqilizadoras) possibilidades (Morel,

    2003, p. 10).Entre os muitos temas perceptveis nessa exploso da palavra pblicadestaca-se a disputa em torno do reconhecimento pblico das raas. Maisde trs sculos de dominao portuguesa haviam concorrido para erigir umaestrutura social de racializao explcita na forma de regimentos militares depretos, pardos e brancos, de irmandades religiosas segregadas, de cemitriosseparados, de estatutos clericais de pureza de sangue e tambm das restriesao acesso de cargos pblicos impostas queles com defeitos de cor.4

    Havia, certo, excees gestadas pelas prticas sociais das colnias em

    seu dia-a-dia, momentos esses em que algum conseguia passar para asesferas pblicas dominantes, porm doravante embranquecido para todos osefeitos legais. Contudo, pode-se dizer que o Estado portugus, auxiliado pelaIgreja catlica, constitura ao longo dos sculos de colonizao uma sociedadeescravista cujos segmentos livres da populao organizavam-se em termos deuma hierarquia racial pblica.

    4 Ver a respeito: Boxer (1963, p. 116-117, 119); Degler (1986, p. 213-216) publicado no Brasil(Degler, 1976); Carneiro (1988, p. 205-211); Serro e Marques (1986, p. 224, 323-328, 348-350,548) e, da mesma coleo, (1991, p. 300-304, 399). Degler chama a ateno para o fato de quemuitas vezes essas leis segregacionistas vigentes na era colonial no eram aplicadas. Do mesmomodo, Silva (1986, p. 224) informa que muitos indivduos conseguiam dispensa do defeito de cor,passando a ocupar cargos militares, civis e eclesisticos que por lei, s podiam ser desempenhadospor brancos. Contudo , sem dvida, significativo o fato de que para se escapar hierarquia pblicade raa era preciso obter efetivamente uma dispensa do defeito de cor. Sobre os regimentosmilitares coloniais segregados, ver tambm Paula (1995, p. 265-277); o autor informa que HenriqueDias recebeu patente de Primeiro Governador e Cabo dos Negros e Mulatos do Brasil do Conde daTorre em 4 de setembro de 1639, e que no sculo XVIII subsistia na Bahia o tradicional tero dosHenriques (Paula, 1995, p. 266-267).

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    O fato da miscigenao, to alardeado pela tradio historiogrfica, noparece ter criado barreiras para a construo de uma sociedade segregacionista

    com amparo em leis as mais diversas. Assim, pode-se aventar, com base eminmeras evidncias dispersas em estudos histricos do perodo colonial, que osafro-descendentes, fossem eles libertos ou j nascidos livres, encontravam di-versos impedimentos legais de teor abertamente racista diante de seus esfor-os para galgar os degraus superiores da escala social.

    H, certo, muito a pesquisar a partir dessa perspectiva de uma socieda-de colonial formalmente racista, na trilha aberta j de longa data por C. R.Boxer (1963). Contudo, o que importa reter aqui o cenrio de uma sociedade

    hierrquica em que a mobilidade social obedecia aos critrios de nascimento ede suposio de pertencimento racial e, apenas num segundo plano, aos critri-os de mrito.

    Podemos aventar que as disputas em torno da manuteno ou da demoli-o dessa hierarquia racial pblica estiveram na raiz dos conflitos violentosentre portugueses e brasileiros j no incio do movimento pela independncia,em 1821. No imaginrio nativista e popular, as descries identitrias racializadastraduzem vividamente as rivalidades entre os cabras, pretos ou pardos, ouseja, aqueles nascidos na terra, e os marotos ou brancos, os portugueses.

    Nos anos 1830, a crise poltica, acirrada pela partida de D. Pedro I e pelosconflitos subseqentes entre moderados, exaltados e restauradores, per-mitiu novo flego s erupes nativistas, dessa vez acompanhadas de um fran-co debate sobre a cidadania e a identidade do brasileiro.

    A historiografia tem se referido emergncia de um novo tipo de impren-sa a imprensa mulata nos primeiros anos da dcada de 1830, destacandoseus intuitos nativistas em defesa da populao negra e mestia livre.5 Contu-do, ainda conhecemos pouco o contedo textual desta srie de jornais cujosttulos so expressivos de um sentimento de auto-afirmao racial e de umavontade de se contrapor tradicional hierarquia racial pblica associada com acolonizao portuguesa. Entre eles, podemos citar: O Crioulinho e O Homemde Cr, tendo este ltimo assumido o nome de O Mulato ou o Homem de Crj em seu terceiro nmero, talvez para melhor expressar a figura do brasileirocapaz de integrar em si as cores da populao, em vez de uma s cor.

    5 A expresso imprensa mulata (mulatto press) est em Flory (1977, p. 208).

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    Aps analisar alguns de seus artigos, penso ser possvel design-los comoum tipo de imprensa especfica, voltada para a denncia do preconceito racial e

    para a defesa da cidadania universal dos homens livres, o que significava lutarpelos direitos civis e polticos em parte j contemplados na Constituio de1824. Preferiria, porm, deixar de lado a designao imprensa mulata, no sdevido carga preconceituosa j contida na origem do termo mulato, mastambm porque, como veremos, a auto-afirmao da cor ou da raa pare-cia ser um recurso poltico momentneo para se alcanar uma cidadaniadesracializada.6 Por isso acredito ser prefervel design-la nos termos de umaimprensa cidad anti-racista.

    A denncia do tratamento desigual conferido aos cidados livres pretose pardos destaca-se como uma preocupao central nas pginas de O Ho-mem de Cre O Crioulinho, os primeiros jornais dessa imprensa cidad anti-racista, fundados respectivamente em setembro e novembro de 1833. Ambosapresentam-se como exaltados e crticos das manobras do governo dos mo-derados, a quem acusam de procurar restaurar a antiga hierarquia pblica deraa. interessante que o editor de O Homem de Cr, Francisco de PaulaBrito (1809-1861), tenha escolhido para estampar na capa de seu primeiro n-mero duas colunas contrapostas: a primeira, esquerda, reproduzia o texto da

    Constituio Poltica do Imprio em que se definiam os direitos civis e polticosdos cidados brasileiros Todo o Cidado pode ser admitido aos cargos publicoscivis, politicos, e militares, sem outra differena que no seja a de seos talentos,e virtudes; j a segunda, direita, reproduzia um trecho do ofcio de 12 dejunho de 1833 do presidente da provncia de Pernambuco, Manoel Zeferino dosSantos, no qual se afirmava a heterogeneidade do povo do Brazil e ainviabilidade da mistura de classes (O Homem de Cr, 1833).7

    6 Leon Poliakov (1974) chama a ateno para a carga pejorativa contida no termo mulato, quecomeou a circular entre os europeus em meados do sculo XVII para designar o filho de branco comnegro. Mulato vem de mulo (ou burro), isto , filho de gua com jumento, ou de cavalo com jumenta(isto , asno, jegue), conotando um ser hbrido e estril. Ver, a respeito, Poliakov (1974, p. 111,155). A militncia anti-racista de homens negros de letras em defesa de uma cidadania desracializadafoi abordada por mim em Azevedo (1998). Sobre essa mesma questo, ver Castro, H. (2000) eGrinberg (2002).

    7 O artigo de abertura deste jornal defende a estrutura dessegregada e eletiva da Guarda Nacional, fundadah apenas dois anos. Sobre a Guarda Nacional e o sistema eletivo do seu oficialato, que desmanchavaas linhas de cor entre oficiais e soldados, ver Castro, J. (1995); a autora observa que a Guarda Nacionalfoi a primeira corporao oficial que fez cessar expressamente a distino racial, o que a tornouessencialmente nova e revolucionria (Castro, 1995, p. 282). Ver tambm Castro, J. (1979).

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    primeira vista, as colunas no denotam nenhum debate sobre preconceitoracial, pois de um lado apenas se menciona talentos e virtudes e, de outro, classes

    heterogneas. Contudo, o artigo que se segue deixa claro que onde se l clas-ses, deve-se entender raas, e a elas que o presidente de Pernambuco sereferia ao tentar recompor a hierarquia militar, cujos cargos mximos haviampassado para o povo dos ajuntamentos populares em detrimento dos habitan-tes pacficos e que tem a perder. Como o redator de O Homem de Crdeixaclaro, o intento do presidente moderado daquela provncia era criar batalhessegundo os quilates da cr um de intitulados brancos do Brasil, outro demulatos, e outro de pretos Mas todos sabiam que a Constituio no distin-

    guia o roxo do amarello o vermelho do preto, pois com ela as distines entrecidados ficavam por conta de seus talentos e mritos individuais. Por isso mes-mo, cabia aos exaltados e tambm aos brancos no moderados unir-se emdefesa da Constituio, pois agora a balana pendia em favor das raas des-prezadas bem que no despreziveis.

    Do mesmo modo, O Crioulinho denuncia os intentos racistas dos chama-dos moderados-jacobinos, os quais, aps a abdicao de D. Pedro I, passarama usar o poder em favor de seus interesses e em detrimento das expectativasgeradas pelo movimento conjunto de brasileiros brancos, pretos e pardos que

    culminou no 7 de abril. Entre essas expectativas nutridas pelos crioulos (de-signados como pretos e pardos nas pginas desse jornal), e tradas pelos modera-dos ou liberaes brancos, destaca-se o direito ao trabalho. Os chimangos ha-viam-nos convidado a se unir s suas fileiras, com o prazenteiro nome de Ir-mos, e Cidados dignos de tudo; dizendo e protestando que marchavo firme-mente a franquear-lhes a entrada para os primeiros Empregos Nacionaes. Mas,desde ento, nunca mais appareceu hum Emprego para hum crioulo, e nem humcrioulo para hum Emprego. Contra factos no ha argumentos, concluataxativamente o redator de O Crioulinho. No bastasse o fechamento dos pos-

    tos de trabalho, presumivelmente em cargos pblicos, aos cidados negros e par-dos, havia ainda o tratamento jurdico desigual a que eles eram submetidos, como,por exemplo, o caso de um alferes preso juntamente com outros oficiais em umevento poltico de Ouro Preto. O alferes Custodio foi o unico, que apezar dasua Patente, foi parar [n]a enchovia, misturando com facinoras por nenhumoutro mais, do que ser pardo! (O Crioulinho, 1833, p. 3, grifo no original).8

    8 Chimango quer dizer ave de rapina, conhecida tambm como carcar, caracar, ou gavio,conforme o dicionrio Aurlio.

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    Diante dessas denncias relativas aos atos polticos racistas dos bran-cos moderados recm-chegados ao poder de Estado, interessante examinar

    a proposio acima de O Homem de Cr: unio de exaltados e brancos nomoderados em favor de uma Constituio monrquica cega s cores de seuscidados e, portanto, a qualquer hierarquia pblica de raas.

    Em primeiro lugar podemos perceber que o termo exaltado designa aquelesque no so brancos, sem dvida, os mulatos e pretos associados como mem-bros da raa desprezada. J os brancos, reconhecemos neles dois tipos pol-ticos: os moderados, ou seja, os inimigos dos pretos e mulatos, tal qual o bran-co Prezidente da provncia de Pernambuco; e os no-moderados, aqueles que

    se aliam ao homem de cor em defesa da Constituio e, portanto, da cidada-nia universal para os homens livres.Em segundo lugar, temos a associao dos termos preto e mulato

    com aqueles a quem fingem-se cartas de liberdade quando h necessidade deforas no Arsenal; mas, quando servidos; mulatos e pretos tomai vosso lu-gar, sois maioria atrevida, gente de xinelo e cacete (O Homem de Cr, 1833,p. 2-3, grifo no original). Nessa breve passagem possvel perceber o senti-mento de insegurana compartilhado pelos cidados brasileiros afro-descen-dentes. Se seus pais ou avs haviam conseguido emancipar-se, ou ainda se se

    tratasse de um liberto, isso no significava uma conquista definitiva para siprprios e seus descendentes, pelo menos no enquanto vigorasse uma hierar-quia racial pblica que os acorrentasse aos lugares mais nfimos da sociedade,tal qual escravos.

    Em terceiro lugar, encontramos uma associao clara entre os exalta-dos e a defesa da continuidade do regime monrquico de governo na medidaem que se defendia a Constituio que lhes fora legada pelo imprio de D.Pedro I. A designao de jacobinos, usada pelo redator de O Crioulinhopara se referir aos moderados no poder, salta vista como uma referncia

    histrica aos republicanos que sepultaram a mal-iniciada monarquia constituci-onal francesa aps guilhotinar rei e rainha. Era portanto de um tipo de monar-quia especfico a monarquia constitucional que se tratava de defender nes-sas pginas escritas pelos exaltados de cor, crticos dos moderados com pos-sveis tendncias republicanas e tambm dos restauradores, adeptos da mo-narquia absolutista ensejada por D. Pedro I.

    Em quarto lugar, a defesa da Constituio pelos redatores dessa imprensacidad anti-racista deixa entrever uma omisso poltica deliberada, porm car-

    regada de expectativa, em relao escravido e ao seu futuro. Isso porque,

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    se, por um lado, a Constituio silenciava sobre a escravido e, por conseguin-te, sobre os escravos, por outro lado, o texto constitucional inclua os libertos

    nascidos no Brasil entre os seus cidados, prevendo-se implicitamente a conti-nuidade das prticas de manumisso individual. Pode-se aventar, alm disso,que ao reconhecer o liberto como cidado brasileiro, a Constituio deixavamargem para projetos legislativos de abolio gradual da escravido, desde, claro, que no colidissem com um dos direitos civis nela previstos, o direito depropriedade.

    interessante notar este apego Constituio monrquica de 1824 entreaqueles que se apresentavam como exaltados e, portanto, radicalmente con-

    trrios restaurao do imprio de D. Pedro I. Havia, claro, entre os exal-tados, aqueles de tendncia republicana radical, como foi o caso de EzequielCorra dos Santos, um desses lderes populares esquecidos da histria da Re-gncia.9 Mas, quando o nosso interesse se volta especificamente para a lutaanti-racista emergente, o desafio compreender o significado daquela Consti-tuio entre aqueles que, tal como os republicanos radicais, defendiam direitospolticos e civis universais e, no obstante, apegaram-se idia de monarquiaconstitucional.

    Como sabemos, a Constituio de 1824 passou para a histria com o nome

    de outorgada, identificada como fruto de ato desptico de D. Pedro I. Insa-tisfeito com os rumos liberais dos debates constituintes, o imperador no sordenou a dissoluo da Constituinte de 1823, como fez prender e deportardiversos deputados. Contudo, sabemos que apesar de outorgada, a Constitui-o conservou itens bsicos j debatidos e votados pelos constituintes, como,por exemplo, a definio de quem era cidado brasileiro.10

    9 Ver, a respeito, Basile (2001). Sobre o republicanismo popular emergente em diversas regies doBrasil, com crescente apoio de escravos e negros livres, nas dcadas de 1820 e 1830, ver Moura(1977). Outro liberal exaltado de tendncia republicana foi Borges da Fonseca, editor de O Repblico,no incio dos anos 1830; ver Morel (2003, p. 22-24).

    10 Os libertos nascidos no Brasil, isto , aqueles que saram da condio de escravos, eram reconhecidoscomo cidados brasileiros, porm com direitos polticos restritos. De acordo com o Ttulo 4,captulo VI, artigo 94, os libertos eram excludos do direito de ser eleitores de provncia, ou seja, dodireito de votar na eleio de deputados, senadores, e membros dos conselhos de provncia; podiam,porm, votar nas assemblias paroquiais que elegiam os eleitores. Ver Campanhole et al. (1971).Sobre a questo da cidadania na Constituio de 1824, ver Grinberg (2002, cap. 3) e Oliveira(1998).

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    Como j observei acima, o fato do texto constitucional reconhecer o liber-to como cidado, ou seja, algum a quem se conferia direitos civis e polticos

    se bem que estes ltimos parciais deve ter pesado na balana das opespolticas daqueles empenhados em lutar contra o reconhecimento pblico dasraas e em favor de uma poltica universalista cega s distines tradicionaisbaseadas em nascimento e cor.

    A recusa do modelo de repblica dos Estados Unidos

    Alm das experincias histricas locais, devemos tambm ter em mente a

    circulao dos relatos de experincias histricas recentes, ou mesmo contem-porneas queles que viveram os incertos tempos da Regncia. O que querodizer que suas opes polticas moldavam-se tambm pelos modos como ashistrias de outros povos eram apreendidas e assimiladas s questes polticasimediatas.

    A trajetria de Francisco G Acayaba Montezuma (1794-1870), deputadoconstituinte baiano, preso e deportado para Portugal em 1823, permite-nosvisualizar como o aprendizado da histria viva ou aprendida em livros traduzia-se em suas opes polticas. Aps fugir do navio no qual viajava prisioneiro,Montezuma conseguiu chegar Frana, tendo vivido nesse pas e tambm naInglaterra, Blgica e Pases Baixos, at voltar ao Brasil em 1831, por coinci-dncia, na mesma data da abdicao de seu inimigo, o imperador. Montezuma,reconhecido heri da Independncia e na sua qualidade de exilado, vtima dodespotismo real, integrou-se rapidamente comunidade poltica do Rio de Janei-ro, atuando como deputado na Cmara menos de dois meses aps seu retorno.

    Assim como outros homens de letras afro-descendentes na poca cha-mados de pardos ou mulatos , Montezuma no demorou muito para se associ-

    ar s proposies polticas da corrente de exaltados favorveis monarquiaconstitucional, muito embora ele se definisse politicamente como independen-te. Em seu livroA Liberdade das Repblicas , publicado em 1834, ele recorreprofusamente histria passada e presente para persuadir o leitor de que acidadania e, por conseguinte, a liberdade acabam fatalmente sufocadas peloregime republicano. A comear pela epgrafe tirada do livro de Edmond Burke, Reflexes sobre a Revoluo na Frana, publicado em 1790, podemosvisualizar a adoo de uma postura respeitosa da tradio monrquica, pormno avessa a mudanas que trouxessem melhoria para o pas. Nas palavras de

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    Burke: Uma disposio para preservar, e uma habilidade para melhorar, toma-das juntas, seria a minha posio em relao Revoluo na Frana

    (Montezuma, 1834).Em 1830, ainda no exlio, Montezuma teve a oportunidade de acompanhar

    a sublevao popular de Paris que expulsou os Bourbons do poder, abrindocaminho para um novo regime monrquico a monarquia constitucional deOrlans. possvel que a nova Revoluo Francesa de 1830 tenha reforadoneste antigo constituinte o horror ao despotismo monrquico, bem como a es-perana de que o percurso constitucional interrompido pelos jacobinos h cercade 40 anos pudesse ser retomado. Como sugere Franois Furet, Luis-Filipe I

    conseguiu tornar seu governo legtimo simultaneamente com base no AntigoRegime e na Revoluo de 1789. Ao vincular as duas tradies liberais dahistria francesa, a da nobreza e a da burguesia, o filho do Duque dOrlans girondino guilhotinado em 1793 e conhecido popularmente como Filipe Igual-dade (Phillipe galit) procurava restabelecer 1789 como um marco deunio entre passado e futuro, de modo a impedir a ecloso de uma guerra civilno presente (Furet, [s.d.], p. 124).11

    As expectativas de Montezuma com relao nova monarquia francesa,revigoradas certamente pela leitura do antijacobino Burke, devem ter contribu-

    do para alimentar suas reflexes sobre o cenrio poltico revolucionado que eleencontrou em sua volta ao Brasil. Havia certamente alguma semelhana nofato de que tambm em seu pas um reinado desptico terminara abruptamentesob presso de um amplo movimento popular. Contudo, ao invs de um monar-ca constitucional, trs regentes detinham o poder de Estado e j se distinguiampor seus atos tirnicos, conforme Montezuma denunciava enfaticamente, asso-ciando-se desse modo oposio na Cmara e s vozes dos exaltados, ondequer que eles atuassem.12

    11 Aproveito para expressar aqui meu reconhecimento para com Margaret Jacob, que me chamou aateno para o contexto revolucionrio europeu na dcada de 1830, em carta comentando umartigo de minha autoria publicado anos atrs. A Revoluo de Julho de 1830 marcou o fim do reinadode Charles X rei da Frana e deu incio ao reinado de Louis-Philippe I rei dos franceses,conforme observa Lebdel (1999, p. 19-20).

    12 Sobre essas denncias, ver Francisco Montezuma (1832); o autor define-se como independentenesse livro. possvel que ao escrever este vigoroso libelo contra o governo dos moderados,Montezuma desse vazo implicitamente suspeita de que uma de suas figuras mximas, o padreDiogo Feij, estivesse a conspirar para implantar uma repblica.

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    Mas longe estava ele de querer se confundir com o movimento popularque j desenhava nas ruas a opo pela repblica. Talvez por isso mesmo ele

    tenha se dado ao trabalho de escrever um livro de mais de 350 pginas parapersuadir a todos os oposicionistas da Regncia de que a repblica acabariano mesmo beco desptico da monarquia absolutista. Como ele explicava combase em inmeros exemplos histricos tirados das repblicas existentes desdea Antiguidade e at a era moderna, repblica e monarquia absolutista padeciamdo mesmo mal, ou seja, de uma incapacidade de definir limites precisos aopoder executivo.

    Nada melhor para provar a tese acima do que concluir o livro com um

    captulo sobre os Estados Unidos, uma repblica proclamada h menos de 60anos e que contava com muitas simpatias entre os exaltados. Sua Constituiode 1787 aclamada como a primeira constituio escrita na histria da huma-nidade abria-se com palavras bem ao gosto do sonho iluminista de cidadaniauniversal ns, o povo, [] com vistas a formar uma Unio mais perfeita,estabelecer justia, garantir a tranqilidade domstica, proporcionar a defesacomum, promover o bem geral e assegurar as bnos da liberdade para nsmesmos e nossa posteridade, ordenamos e estabelecemos esta Constituiopara os Estados Unidos da Amrica (Morison, 1965, p. 292-304, traduo

    minha).Mas a despeito do prembulo constitucional to bem afinado com as Lu-

    zes dos filsofos do XVIII e com a vontade popular j expressa em diversospases do mundo, os Estados Unidos no faziam por merecer to belas pala-vras. Ao contrrio de suas promessas, muitos de seus habitantes ainda desco-nheciam os direitos civis e polticos mais elementares, emanados da concepode igualdade natural dos seres humanos, alis, constante tambm do prembuloda Declarao de Independncia de 1776. Esse era o caso especfico dos ho-mens livres de cor, os quais viviam segregados, uma vez que estavam exclu-dos do direito de voto e dos diversos espaos de sociabilidade freqentados porpessoas brancas, tais como igrejas, tavernas, escolas e sociedades literrias.Quanto aos escravos, eles eram to cruelmente tratados pelos seus senhoresque at mesmo o direito de constituir famlia lhes era negado. Nas palavras deMontezuma,

    Se como disse Jefferson as duas raas branca e de cor, no podem viver juntas, eigualmente livres na Republica Federativa dos Estados Unidos, a Constituio da

    Monarchia Representativa do Brazil nenhuma distinco faz do homem branco, e

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    do Homem de cor: todos so filhos do Pai: todos so igualmente Cidados doEstado; todos gozo dos mesmos Direitos. Se a Stabilidade daquela Republica

    exige que a Classe de cor seja opprimida e considerada verdadeiramente coisa,sem direitos nem politica considerao: a Monarchia Brasileira sufficientementesolida em suas instituies nada recea da mais illimitada IGUALDADE perante aLei. (Montezuma, 1834, p. 364-367, grifo do autor).13

    Para chegar a essas concluses sobre a triste situao vivida pelas pesso-as de cor nos Estados Unidos, Montezuma apoiou-se, entre outras fontes, noApelo de Walker, um pequeno livro de autoria de um alfaiate negro, publicadoem Boston em 1829, e que causou um grande impacto entre seus leitores bran-

    cos e negros. Nos estados do Sul, o alarme soou especialmente entre senhoresde escravos, assustados com a possibilidade de que o livro chegasse de algumaforma s mos dos escravos. Por isso, as autoridades sulistas passaram a re-vistar os pores dos navios vindos do Norte em busca do panfleto explosivo.

    David Walker, filho de um escravo e de uma mulher livre, que havia mi-grado da Carolina do Sul para Massachusetts alguns anos antes, dirigiu seuapelo a todos os homens, mulheres e crianas de cor de todas as naes,idiomas e lnguas existente sob o cu. Nesse apelo, Walker sugeriu trs cami-

    nhos para destruir a escravido e o preconceito de cor. O primeiro, a ser assu-mido pelos escravos, defendia o uso da violncia contra os senhores na lutapela liberdade. J o segundo caminho, o das pessoas negras e livres, era o derefutao do preconceito de cor, bem como das teorias que o amparavam,como por exemplo, a de que os negros originavam-se de tribos de macacos eorangotangos. Quanto ao terceiro caminho, ele cabia s pessoas brancas, cujoarrependimento poria fim opresso das pessoas negras; em caso contrrio,Deus lhes daria o fim terrvel to merecido.14

    Montezuma aderiu certamente ao segundo caminho, pois em sua condi-

    o de homem livre de cor ele podia compreender bem o ensinamento cen-tral de Walker: se o preconceito era uma inveno dos brancos, sua reproduodependia do fato dos negros continuarem submissos queles. Contudo, em suadefesa da monarquia constitucional, onde no haveria lugar para distinespblicas de cor e, portanto, para o preconceito que fere o cidado publicamen-

    13 Alm do captulo sobre a repblica americana, h outros sobre as repblicas da Grcia, de Roma,Veneza, Gnova, Genebra, e Helvtica.

    14 Analisei o livro de Walker em Azevedo (2003a, p. 168-170).

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    te, Montezuma descartou o caminho da insurreio dos escravos, tal comoacenado por Walker.

    certo que a escravido no combinava com quem acreditava na igual-dade natural de todos os seres humanos, mas o que fazer em pas de escravos,onde at mesmo Montezuma, assim como tantos outros homens brancos enegros de elite, tinham ou faziam uso de escravos?15

    Alm da preocupao com seus interesses econmicos, os quais iriam runa na falta do trabalho escravo, esses zelosos proprietrios padeciam domedo do haitianismo. A possibilidade de que o exemplo recente da vitoriosarevoluo dos escravos do Haiti incendiasse a imaginao dos seus prprios

    escravizados j se fazia sentir em diversos focos de insurgncia, os quais seagravariam ao longo da dcada de 1830, deixando entrever a perspectiva defragmentao do imprio em diversas repblicas.16

    A sada para o problema da escravido adotada pelos homens negros deelite que atuaram nesses primeiros anos da Regncia encontra-se em esque-mas graduais de emancipao, como foi o caso dos projetos apresentados porMontezuma e Antonio Rebouas, outro deputado de cor associado oposi-o da Cmara ao governo da Regncia.17 Alm disso, ao defender a Consti-tuio de 1824, criava-se a expectativa de que um nmero crescente de escra-

    vos pudesse adquirir por meios legais suas cartas de liberdade, o que lhesgarantiria a condio de cidados brasileiros com direitos polticos restritos e,aos seus filhos, o apagamento pblico de suas origens servis.18

    15 A ex-mulher de Francisco Montezuma refere-se propriedade comum de 14 escravos como uma dasfontes de rendimento do casal, alm de uma chcara e uma pedreira; ver: A Viscondessa ([s.d.]).Grinberg (2002, p. 82, 93, nota 44) encontrou referncia a dois escravos e dois serviais deAntonio Rebouas em ofcio de 1824; para vrios exemplos de homens negros livres que setornaram senhores de escravos, ver Libby e Paiva (2000).

    16 Sobre o tema do haitianismo ver, entre outros: Flory (1977, p. 199-224); Barman (1988, p. 192-193); Castro, J. (1995, p. 283-284); Moura (1977, p. 134-142); Grinberg (2002, p. 48-58, 102);Soares e Gomes, (2002).

    17 Em 1832, Montezuma pronunciou-se contra o trfico de escravos da frica na Assemblia Nacio-nal, o qual continuava a se fazer a despeito da sua proibio em lei de 1831, votada sob pressobritnica. Anos depois, em meados de 1850, j senador, membro do Conselho de Estado e ostentan-do o ttulo de Visconde de Jequitinhonha, Montezuma apresentou projetos de abolio gradual daescravido. Ele tambm esteve entre os primeiros polticos a exigir a abertura de debates sobre aabolio da escravido no Parlamento, a partir de 1865. Ver, a respeito, Venancio Filho (1984, p.7, 18). Em 1830, o deputado Antonio Rebouas apresentou projeto de manumisso de escravos(com pagamento de seu valor ao senhor); consultar Grinberg (2002, p. 119-124).

    18 Desenvolvi argumentos mais detalhados nesse sentido em Azevedo (1998).

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    Reflexes conclusivas

    Neste ponto podemos identificar dois legados paradoxais do anti-racismobrasileiro em seus anos iniciais. So eles: 1) a omisso em relao continuidadeda escravido por tempo indeterminado; 2) a colocao dos primeiros tijolos naconstruo daquilo que conhecemos hoje como o mito do paraso racial brasileiro.

    Em relao ao primeiro paradoxo, devemos lembrar o legado douniversalismo das Luzes entre os homens negros de letras que atuaram noperodo da Regncia. interessante observar que Francisco de Paula Brito eFrancisco Montezuma eram ambos membros ativos da maonaria, a qual reco-

    brava visibilidade e se reorganizava rapidamente aps anos de perseguiopoltico-policial.19 Se certo que na sua condio de homens de cor, amboseram muito sensveis questo social do racismo, tambm se pode pensar quea sua qualidade de maons os tornava especialmente empenhados em realizaro sonho iluminista de transpor a concepo abstrata de igualdade natural parauma poltica de cidadania em que as distines individuais se fizessem to-somente em termos de mrito (Jacob, 1991, p. 179, 204).

    Nessa perspectiva, podemos compreender a defesa da Constituio de1824 como a nica garantia vivel de que a hierarquia racial pblica tradicional-mente vigente em terras braslicas fosse rompida em definitivo. Em suma, oreverso da luta pelo no reconhecimento pblico das raas era a vontade dereconhecimento do princpio de cidadania universal.

    Contudo, defender a Constituio de 1824 significava tambm apoiar acontinuidade da monarquia cujos fundamentos mais slidos eram o latifndio ea instituio da escravido. Com isso sacrificavam-se, numa cartada, as vidasde milhares de escravos, os quais continuariam indefinidamente acorrentados propriedade escravista.

    Havia, sem dvida, paradoxo em se contrapor hierarquia racial pblica eao mesmo tempo manter na escala mais nfima dessa hierarquia aqueles quenem mesmo eram mencionados na Constituio. Ou seja, desfazia-se a hierar-quia racial pblica para os homens livres, mas no para os escravos ou simples-mente os pretos, como se dizia ento.

    19 Sobre maonaria, sociabilidade e perseguies poltico-policiais aos maons no perodo da indepen-dncia, ver Barata (2002). O tema da maonaria e do Iluminismo foi analisado por mim em BlackFreemasons and the Enlightenment (Brazil, dcada de 1830) (Azevedo, 2003b).

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    a partir desse primeiro paradoxo do anti-racismo, isto , o sacrifcio dasvidas dos escravos em prol dos direitos dos livres, que comea a se desenhar

    um segundo paradoxo, cuja presena infelizmente ainda hoje perceptvel nonosso imaginrio. Quem visitasse os Estados Unidos em meados dos anos 1830em diante, ou ao menos lesse os livros e artigos produzidos em crculosabolicionistas, encontraria uma comparao cada vez mais insistente sobre aescravido nos Estados Unidos e no Brasil. Como explicou o ex-escravo eabolicionista Frederick Douglass em uma palestra em 1858 na cidade de NovaIorque, no imprio brasileiro os homens de cor, livres ou libertos, eram cida-dos como quaisquer outros, pois a sua cor e aparncia perdem-se de vista em

    meio ao brilho de sua liberdade. O contrrio acontecia nos Estados Unidos: osescravos no contavam com nenhum direito de manumisso e as pessoas livresde cor no gozavam de direitos de cidadania, na medida em que inmerasposturas legais recusavam direitos civis e polticos para pessoas vistas comopertencentes raa negra (Douglass, 1979, p. 211-212).

    A histria da construo do mito do paraso racial brasileiro , sem dvida,bem mais longa e intrincada do que pensvamos ao trat-la simplesmente comouma dimenso do ufanismo nacionalista das elites dos anos 1930 e cuja expres-so maior encontramos nas pginas cativantes de Gilberto Freyre.

    Espero ter deixado claro, ao longo deste artigo, que as razes do mito, ou,melhor dizendo, alguns dos primeiros tijolos de sua construo, foram lanadospor aqueles que paradoxalmente empenharam parte de suas vidas em denunci-ar o racismo no Brasil na dcada de 1830.20 Minha sugesto aqui que a lutacontra o reconhecimento pblico das raas, ao mesmo tempo em que deixa-va a escravido intocada, contribuiu para consolidar a antiga prtica cotidianaj observada na colnia a de no mais se referir cor daquele que conseguiupassar socialmente para o mundo dos de cima.21 Ao mesmo tempo, poss-

    20 Outros tijolos para essa construo do mito do paraso racial brasileiro foram lanados no bojo domovimento abolicionista nos estados do Norte dos Estados Unidos, como demonstrei em Azevedo(2003a).

    21 Hebe Maria Mattos de Castro chama a ateno para o desaparecimento da meno sistemtica dacor em processos cveis e criminais das dcadas de 1850 e 1860. Segundo ela, em geral silenciava-se sobre a cor, a no ser quando se tratava de fazer uma referncia negativa a algum. Mas, como elaexplica, no se tratava simplesmente de uma vontade de branqueamento: a cor inexistente eraum signo de cidadania na sociedade imperial, sendo a liberdade a sua nica pr-condio; ver arespeito: Castro, H. (1995, p. 107-110).

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    vel afirmar que, no plano da intimidade, a crena no pertencimento racial con-tinuou a pautar a relao cotidiana entre brancos e negros, crena essa muito

    reforada pela rpida e vitoriosa difuso das teorias raciais cientficas a partirda segunda metade do sculo XIX. Estava, portanto, aberto o caminho para oracismo que conhecemos hoje no Brasil, o racismo velado que raramente seexplicita nas relaes diretas entre pessoas, e o racismo institucional, ou seja,aquele que impregna as instituies sem apoiar-se explicitamente na categoriade raa.22

    Em resumo, o problema central que se pode detectar nessa primeira gera-o de militantes do anti-racismo foi a sua postura ambgua ou mesmo confor-

    mista em relao continuidade da escravido. Sacrificavam-se as vidas dosmuitos escravos ento existentes em todo o pas em nome de um sonho demobilidade e ascenso social aberto a todos os homens livres e libertos. Mas oproblema desse anti-racismo no era a sua postura universalista de nfase nomrito individual, e sim o seu universalismo limitado que se detinha diante daescravido para no ferir o direito propriedade.

    Neste ponto interessante observar uma certa semelhana entre o anti-racismo dos anos 1830, universalista, e o anti-racismo atual, diferencialista.Destaco dois aspectos:

    Em primeiro lugar, nenhuma dessas modalidades de anti-racismo formulapolticas para acabar com a desigualdade social naquilo que lhe mais extre-mo, ou seja, a falta de propriedade entre muitos, contraposta concentrao deriqueza entre poucos.

    Em segundo lugar, os dois tipos de anti-racismo postulam polticas quepermitem a ascenso daqueles que j se afastaram da base da pirmide social,mas se esquecem da maioria negra concentrada em seus degraus mais nfi-mos. Em tempos da Regncia, e durante o segundo Imprio, os esquecidosdo anti-racismo universalista eram os escravos, e tambm os nacionais pobreslivres, em sua maioria afro-descendentes. Em tempos presentes, os esqueci-dos do anti-racismo diferencialista so os habitantes das favelas, as pessoassem teto, os trabalhadores sem terra, as crianas de rua ou internas em institu-tos penais, outra vez e no por mera coincidncia para quem conhece oracismo brasileiro afro-descendentes em grande parte.

    22 Sobre o conceito de racismo institucional, ver Carmichael e Hamilton (1967) e Miles (1989).

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    Desse modo, temos uma clara aspirao liberal a irmanar as duas tendn-cias anti-racistas: a esperana perceptvel em ambas que os debaixo pos-

    sam se espelhar nos de cima, e, na medida das oportunidades, possamascender na pirmide social do mundo capitalista. Em tempos da Regncia e doSegundo Imprio, as oportunidades vinham da indulgncia protetora das eli-tes brancas no mesmo rol das redes clientelsticas essenciais para a reprodu-o de poderes locais. Em tempos atuais, as oportunidades contam com oempenho de patronos como Jos Sarney ou Garotinho para fazer passar polti-cas de ao afirmativa em que se concede uma cota protetora a um pequenosegmento de pessoas ditas de raa negra, que por seu prprio esforo e

    mrito j se afastaram dos patamares sociais mais nfimos.23

    Mas, em que pese os paradoxos de ambas as tendncias, eu no poderiadeixar de assinalar a importncia ainda hoje da promessa irrealizada daqueleprimeiro momento do anti-racismo: a construo de uma sociedade capaz deultrapassar a fico das raas para concretizar o grande sonho iluminista decidadania universal.

    Essa observao ganha ainda mais pertinncia no momento atual, quandovemos uma crescente tendncia de militantes do anti-racismo de teordiferencialista sair em defesa do reconhecimento pblico da raa negra como

    forma de contra-atacar o racismo institucional vigente no nosso pas.24Em termos comparativos, mais uma vez, podemos dizer que enquanto a

    primeira gerao de homens negros de letras lutou contra o racismo nos anos

    23 Muito apropriado o termo neo-abolicionista forjado por Edson Cardoso para se referir a essanova patronagem sobre o movimento negro, que emergiu com fora nos ltimos anos. Para ele, oneo-abolicionismo tem engendrado uma azeitada mquina de cooptao e infantilizao dosnegros. Sem dvida, tentador construir aqui uma analogia com os abolicionistas de elite que nas

    ltimas dcadas da escravido preocuparam-se com a transformao do escravo em trabalhadorlivre a servio da grande propriedade capitalista. Ver o editorial de Edson Cardoso em Irohin(Cardoso, 2004); no mesmo nmero h diversos artigos que expressam preocupaes semelhantess minhas em relao grande massa de cidados negros esquecidos nas periferias das nossasgrandes cidades, nos acampamentos dos sem-terra, e nas terras quilombolas griladas. Ver em especialSantos (2004) e Cruz (2004). Sobre os abolicionistas e suas proposies controlistas, ver Azevedo(2004b).

    24 Analisei o debate interno do movimento anti-racista contemporneo em Anti-Racismo e seusParadoxos: Reflexes sobre Cota Racial, Raa e Racismo (Azevedo, 2004a). Esse debate continuae promete ganhar ainda muito flego conforme se pode perceber em artigo recentemente publicadode Marcos Chor Maio e Ricardo Ventura Santos (Maio; Santos, 2005). O livro de Patrcia Pinho(2004) traz tambm valiosa contribuio a este debate interno do campo do anti-racismo.

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    1830, buscando liberar-se do fardo histrico da raa, a gerao atual de anti-racistas luta para se liberar do mito da democracia racial brasileira. Quanto a

    isso, nenhum problema. Mas, ser preciso repor o fardo da raa, onde houvetanto esforo anti-racista no sentido da sua desconstruo? Melhor seria nosdesvencilharmos das vozes desumanas de nossos antepassados para, em seulugar, introduzir a inveno na existncia, tal como nos alertou Frantz Fanon,em sua defesa de uma autntica comunicao humana (Fanon, 1971, p. 186).Era isso, precisamente, que os homens negros de letras que combateram oracismo nos anos 1830 pretendiam fazer a despeito de seus resultados parado-xais; ou seja, inventar uma sociedade em que a crena na igualdade dos seres

    humanos superasse as distines associadas tradicionalmente com o nasci-mento ou com a atribuio de raa.A categoria de raa enquanto termo-chave das prticas racistas abertas

    ou veladas um fardo da histria do qual precisamos urgentemente nosliberar se ainda quisermos concorrer para o futuro da humanidade. Por issomesmo, na minha condio existencial de historiadora, vejo como de suma im-portncia a pesquisa em histria do racismo e do anti-racismo. Afinal, pensoque a histria, ou melhor, a atividade do historiador, no se faz para incentivarconformismos, ou ento simplesmente para divertir. Para mim a histria sem-

    pre uma atividade liberadora na medida em que nos fazpensare cujo poder decomunicao essencial para a atividade crtica das pessoas em sociedade.

    Referncias

    ARENDT, Hannah. The origins of totalitarianism. New York: HBJ Book,1979.

    AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Maonaria, cidadania e a questo racial

    no Brasil escravista. Estudos Afro-Asiticos, n. 34, p. 121-136, dez. 1998.AZEVEDO, Celia Maria Marinho de.Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil,uma histria comparada (sculo XIX). So Paulo: Annablume, 2003a.

    AZEVEDO, Celia Maria Martinho de. Black freemasons and theenlightenment (Brazil, dcada de 1830). Artigo apresentado no Congressosobre Iluminismo, promovido pela International Society for Eighteenth-CenturyStudies (ISECS), na Universidade da California, em Los Angeles, no perodode 3 a 10 de agosto. 2003b. No publicado.

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    Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre, ano 11, n. 24, p. 297-320, jul./dez. 2005

    A recusa da raa

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