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A Rede SARAH e o modelo de administração da assistência médico-hospitalar com base no contrato de gestão instituído pela Lei nº 8.246/91

A Rede SARAHceres.sarah.br/Cvisual/Sarah/AA-Prevencao/PDF2012-11/PDF-ARTIGOS/A... · • instituir o Serviço Social Autônomo Associação das Pionei-ras Sociais (APS), pessoa jurídica

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A Rede SARAH e o modelo de administração da assistência médico-hospitalar com base no contrato de gestão instituído pela Lei nº 8.246/91

I. Breve Histórico

1. Origem da Rede

A Rede Sarah de Hospitais teve início há 45 anos, com a implantação em Brasília, em 1960, do Centro de Re-

abilitação Sarah Kubitschek, pequena unidade de atendi-mento em reabilitação pediátrica, administrado pela Fun-dação das Pioneiras Sociais, entidade instituída pela Lei nº 3.736, de 22.03.1960, decorrente de projeto apresentado ao Congresso Nacional pelo Presidente Juscelino Kubitschek.

Em 1968, o Doutor Aloysio Campos da Paz Junior assu-miu a Presidência da Fundação e a direção do Centro, que passou a funcionar no ano seguinte como hospital de rea-bilitação com com 66 leitos e infra-estrutura de laborató-rio, setor de imagem e centro cirúrgico proporcionais à seu número de leitos.

Em 1976, o Governo Federal aprovou projeto, apresentado pelo Dr. Campos da Paz Junior, para implantação de hospital de grande porte, concebido como unidade central de uma futura rede de hospitais públicos especializados na reabilita-ção de pacientes com problemas dos Sistemas nervoso Cen-tral e Locomotor.

O projeto compreendia o desenvolvimento integrado de quatro programas básicos:

• Programa de Medicina do Aparelho Locomotor e Reabili-tação, para prestar assistência qualificada e gratuita à popu-lação nessa área de especialização,

• criação do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento de Equipamentos Hospitalares - EquiPhos, para aprimorar as técnicas e equipamentos utilizados e substituir importações de aparelhos e próteses ortopédicos,

• expansão progressiva da Rede, com a instalação de uma rede de hospitais de Reabilitação , a Rede SARAH em esta-dos da Federação,

• a formação de profissionais da medicina especializados em reabilitação para trabalharem nos hospitais da Rede, à medida que fossem implantados.

2. Início da implantação

O novo SARAH, unidade central da Rede em Brasília, foi inaugurado em 1980.

Naquela época, as normas constitucionais e legais confe-riam regime de entidade privada às fundações instituídas e custeadas pelo Poder Público, assegurando-lhes ampla autonomia e liberdade de gestão orçamentária, financeira, patrimonial e de pessoal.

Amparada nessa autonomia, a direção da Fundação das Pio-neiras Sociais deu início aos quatro programas fundamentais, com ênfase em especial na formação de recursos humanos.

A administração da Fundação adotou, desde o início, a po-lítica de oferecer aos seus empregados remuneração com-patível com o grau de qualificação profissional deles reque-rida, exigindo-se em contrapartida dedicação integral e exclusiva ao trabalho na Rede SARAH.

Dentro dessa linha de orientação, ao profissional de me-dicina empregado num hospital da Rede SARAH não se permite que exerça atividades em outro hospital público ou privado, bem como em clínica ou consultório particular, próprio ou de terceiros, sob pena de rescisão sumária do contrato empregatício. Em 1984, entretanto, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que as fundações criadas por lei e cus-teadas com recursos orçamentários deveriam obedecer ao mesmo regime jurídico que disciplina as entidades da ad-ministração indireta, em matéria de contratos administra-tivos (licitações) e de contratação de pessoal.

O DASP, então existente, e o TCU decidiram que a Funda-ção das Pioneiras Sociais deveria enquadrar todos os seus empregados e dirigentes em plano de cargos e salários ajus-tado às normas vigentes para o serviço público, que pre-viam o recrutamento mediante concurso público e garantia de estabilidade no emprego.

Em 1988, a Constituição incorporou essa orientação, ao in-cluir todas as fundações instituídas por lei no regime jurídico único previsto para os servidores públicos.

Essas diretrizes inviabilizavam a linha fundamental da política de pessoal da Fundação das Pioneiras Sociais: li-berdade de contratação de empregados com remuneração condizente com os valores prevalecentes no mercado para profissionais de qualificação profissional equivalente, e exi-gência de dedicação integral e exclusiva ao SARAH, sem garantia de estabilidade no emprego.

Para possibilitar a continuidade do projeto da Rede SA-RAH na linha doutrinária que motivou sua criação,

tornou-se imperativo promover a alteração radical do mo-delo institucional original.

Em 1990, após entendimentos com os Ministérios da Saú-de, da Administração e da Fazenda, a Presidência da Repú-blica acolheu proposta do Dr. Campos da Paz Júnior para submeter ao Legislativo projeto de lei que, após ampla e acirrada discussão nas duas Casas do Congresso, veio a ser aprovado e sancionado em 1991, com a Lei nº 8,246/91).

Nos termos da Lei, o Poder Executivo foi autorizado a:• extinguir a Fundação das Pioneiras Sociais, revertendo-se seu patrimônio ao Ministério da Saúde e assegurando a seus empregados o direito de opção pela transferência para os quadros do mesmo Ministério;• instituir o Serviço Social Autônomo Associação das Pionei-ras Sociais (APS), pessoa jurídica de direito privado, de inte-resse coletivo e de utilidade pública, com o objetivo de “prestar assistência médica qualificada e gratuita a todos os níveis da

população e desenvolver atividades educacionais e de pesqui-sa no campo da saúde, em cooperação com o Poder Público”;• firmar contrato de gestão com a APS , que ficou incum-bida de administrar os bens da extinta Fundação, incluídos os hospitais da Rede;

A Lei previu ainda que: • o contrato de gestão deve fixar objetivos, prazos e respon-sabilidades de execução das atividades, e estabelecer crité-rios objetivos, quantitativos e qualitativos, para avaliação do retorno obtido com a aplicação dos recursos repassados à APS;• custeio integral dos investimentos e atividades da APS por dotação orçamentária incluída no OGU, com base em orçamento-programa submetido ao Ministério da Saúde e com prestação de contas ao TCU;• a Diretoria da APS terá autonomia para a contratação e administração do pessoal para os hospitais, sob regime CLT, mediante processo seletivo público e com poderes para “fixar níveis de remuneração compatíveis com os res-pectivos mercados de trabalho”, estipulando “a obrigatória obediência as seguintes princípios:• proibição de contratar servidores e empregados públicos em atividade;• tempo integral;• dedicação exclusiva e• salário fixo, proibida a percepção de qualquer vantagem ou remuneração de qualquer outra fonte de natureza retri-butiva, excetuados proventos de aposentadoria ou pensão ou renda patrimonial.” • gestão da APS por uma Diretoria e um Conselho de Ad-ministração, integrado por 24 membros com mandato de 4 anos, renovando-se sua composição por eleição interna.

3. A Lei nº 8.246/91 e o contrato de gestão.

O primeiro contrato de gestão foi assinado em 27.12.1991, com prazo de cinco anos. O contrato foi sistematicamente

renovado nos qüinqüênios seguintes.

Entre o primeiro contrato e o atual, na medida da disponibilidade de recursos, foram construídos e implantados hospitais em Belo Horizonte, São Luiz, Salvador e Fortaleza. Unidades de reabilitação infantil foram implantadas em Macapá e no Rio de Janeiro, tendo-se iniciado nesta última cidade a construção de um hospital de grande porte. Uma segunda unidade de reabilitação foi implantada em Brasília, no Lago Norte, onde passou a funcionar um Centro Internacional de Neurociências e de Reabilitação. Uma unidade avançada está em construção em Belém do Pará.

Em todos os anos, os balanços da APS foram submetidos ao crivo de auditores independentes. Houve diversas

auditorias do Ministério da Saúde e do TCU. Todas as contas apresentadas ao Tribunal foram aprovadas. Os relatórios de avaliação enviados Ministério da Saúde demonstraram o integral cumprimento das metas, objetivos e critérios de desempenho estabelecidos.

A apropriação de custos, baseada em rigoroso sistema interno de controle implantado desde o primeiro contrato, evidencia redução constante dos gastos por paciente e por procedimento. Este sistema de controle de custos foi auditado e aprovado pela Fundação Getúlio Vargas. Pesquisas de opinião dos pacientes, efetuadas anualmente, têm apresentado índices próximos de 100% de satisfação com a qualidade do atendimento.

Em conseqüência desse desempenho, o contrato foi sistematicamente renovado desde 1996, conforme prevê a lei.

4. Execução do contrato de gestão

II. Avaliação

Ao longo das últimas cinco décadas, a assistência médi-co-hospitalar no Brasil sofreu acelerado processo de

deformação, cujos traços principais foram e são:

• a assistência médico-hospitalar, equiparada à atividade comum de serviço comercial, assimila o doente a um “con-sumidor de serviços de saúde” (o cidadão é compelido a pagar para associar-se a planos de saúde, cujos conflitos são resolvidos no PROCON);

• os profissionais da medicina são compelidos a se trans-formarem em empresários da assistência médica, voltados para o atendimento de “pacientes-consumidores-pagantes” em clínicas e hospitais estruturados com base em critérios estritamente comerciais de busca do lucro, visto que sua so-brevivência é condicionada ao sucesso financeiro;

• em conseqüência, as clínicas e hospitais não operam com base em custos, e sim com base no preço comercial de cada serviço, passando a prevalecer a perseguição de resultados comerciais que serão tanto maiores quanto maior a sofisti-cação (real ou aparente) dos procedimentos oferecidos, sob a égide das leis de mercado de oferta e demanda,

• grandemente responsáveis por esta situação são os regi-mes legais de quatro horas de trabalho, de aviltamento da remuneração dos profissionais das instituições públicas e de permissão de dupla militância empregatícia em institui-ções públicas e privadas, para os mesmos profissionais da medicina. Este regime provoca a promiscuidade entre as unidades de atendimento das redes pública e privada (hos-pitais públicos e privados; clínicas e centros de saúde; labo-

ratórios e similares), com flagrantes conflitos de interesses na dedicação ao serviço, na operação de equipamentos, na formulação de diagnósticos, etc.;

• o dispositivo constitucional (§1º do art. 199), ao admitir a participação das instituições privadas no sistema único de saúde, em caráter complementar, redundou na prevalência destas em detrimento das instituições públicas, destruídas pelo regime de dupla militância, pelo já citado aviltamento dos níveis de remuneração dos cargos e funções, e pela in-suficiência e irregularidade das dotações orçamentárias;

• o sistema de orçamentação baseado no ressarcimento de preços unitários dos procedimentos médicos incorridos pelas instituições hospitalares na assistência aos pacientes, implan-tado pelo SUS, induz de um lado o Poder Público a estabelecer tabelas irreais de valores dos preços unitários e, de outro lado, as instituições e seus profissionais a optar instintivamente pe-los procedimentos mais caros, que remuneram melhor.

1. Deformação da assistência médico-hospitalar no Brasil

O modelo de organização desenvolvido e adotado pelo Dr. Campos da Paz Júnior na Rede SARAH, com base na

experiência vivida nas décadas de 60 e 70 e amparado pela Lei nº 8.246/91, rompe com esse paradigma perverso. Contrasta com o que ocorre na rede hospitalar pública e privada nacio-nal, ao demonstrar a viabilidade de afirmar e praticar, em sua área de especialização, os seguintes princípios fundamentais:

• o Estado tem o dever de assegurar adequada assistência médi-co-hospitalar ao cidadão que adoece, sem que este tenha de pa-gar pelo procedimento necessário para restabelecer-lhe a saúde;

• para que este dever seja cumprido, o Estado tem de implantar instituições públicas de assistência médico-hospitalar, estrutura-das e dotadas de pessoal qualificado, em número suficiente para atender aos pacientes, independentemente do custo do procedi-mento requerido para tratar de cada doença em particular;

• desta forma, o diagnóstico do médico na instituição pú-blica terá maior probabilidade de prescrever o tratamento mais adequado em cada caso, sem a interferência de preo-cupações com os proveitos que poderia decorrer de opção pelo tratamento mais ou menos sofisticado, mais ou menos caro ou barato Em outras palavras; não haveria nenhuma interferência de custos no processo decisório médico;

• por isso, a remuneração do profissional de saúde tem de ter como parâmetro exclusivo o seu nível de qualificação,

e não pode estar relacionada ao valor dos procedimentos da assistência que prestar a cada paciente. Dessa forma, o diagnóstico fica desvinculado de considerações comerciais de preço ou de custo;

• o profissional de saúde, adequadamente remunerado e tendo assegurada essa condição de isenção do diagnóstico, deve estar sujeito a regime totalmente especial de trabalho, dele se exigindo dedicação integral e exclusiva ao cargo ou função na instituição pública;

• a infração dessa exigência de dedicação integral e exclusi-va é motivo de demissão por justa causa;

• a seleção e a contratação dos profissionais obedece a pro-cesso seletivo público, sujeitando-se os aprovados a estágio probatório e, após confirmados e contratados em caráter permanente, não adquirem estabilidade, podendo ter o contrato de trabalho rescindido, nos termos da CLT, em caso de insuficiência de desempenho por avaliações cons-tantes, a critério da Diretoria. Institui-se a estabilidade pela competência e pela exação.

• é desenvolvido intenso e permanente processo de comu-nicação interna com os profissionais de todas unidades da Rede, visando a transmitir-lhes pleno entendimento do valor doutrinário fundamental da APS: o compromisso prioritário com o atendimento gratuito e qualificado ao doente.

2. O contraste do modelo SARAH

Para tornar viável a aplicação desses princípios, a Lei nº 8.246/91 previu que o contrato de gestão será mantido

com recursos do Orçamento Geral da União, com base em orçamento-programa apresentado e aprovado pelo Minis-tério da Saúde. Não são recebidos recursos de nenhuma outra fonte.

Este orçamento-programa é elaborado pela Diretoria da Rede SARAH com base estrita nos custos projetados das atividades (contratação, remuneração e treinamento de pessoal; equipamentos, manutenção, construções de novas unidades, etc.) que serão desenvolvidas para atingir os ob-jetivos e metas fixadas no contrato de gestão.

O modelo de atendimento concebido e implantado na Rede SARAH, portanto, é incompatível com a execução orçamentária hoje vigente no SUS, e que se baseia no res-sarcimento de custos operacionais contabilizados ao preço de tabela de procedimentos unitários de atendimentos mé-dico-hospitalares.

Esse padrão de execução distorce os critérios de prestação da assistência médica, compromete a indispensável isenção da formulação do diagnóstico médico e desagrega a neces-sária vinculação que deve existir entre objetivos, atividades requeridas e os respectivos custos.

A incorporação de todos os princípios acima delineados constitui, portanto, condição indispensável - embora não suficiente - para assegurar o êxito de eventuais projetos de extensão do modelo de organização da Rede SARAH para outras áreas de assistência médica, caso tal propósito esteja em cogitação no Governo.

Brasília, 15 de junho de 2007.

3. Condição de viabilidade do modelo SARAH