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A FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO: ACUMULÇÃO DO CAPITAL NO TERRITÓRIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA BA - A REESTRUTURAÇÃO DOS TRABALHADORES URBANOS 1 Fausto Lima e Silva Matos 2 [email protected] GT7: TRABALHO, FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO RESUMO As transformações de reestruturação do mais-valia e como as relações de venda da força de trabalho se aplicam é a referência para sintonizarmos as mudanças que estão ocorrendo no âmbito do trabalho que desde do final dos anos 1970 configuram-se por novas linhas do conflito social capital x trabalho. As formas de dominação de classe sob distintas relações sociais de produção do trabalho contribuem para indicar as mudanças no perfil dos operários urbanos, portanto, sintetizam uma plasticidade que atinge diretamente o trabalho e em consequência, as mudanças dos papéis sociais. Não se trata de mais um novo recorte disciplinar, mas uma investigação que prioriza o trabalho real. PALAVRAS CHAVE: trabalho; território; degradação do trabalho. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo analisar a questão da acumulação do capital e entender como se introduz ao trabalho a partir da acumulação flexível e que trouxe ao capital ferramentas de precarização e redistribuição de relações de trabalho e suas formas de apropriação pelo capital; por esse lado, como geógrafos, o entendimento desse debate nos * A partir de uma análise das formas de trabalho e relações inter-relacionadas, inseridas na fábrica de calçados DASS no município de Vitória da Conquista, o presente autor, desenvolveu uma síntese para transmitir as formas de degradação que contribuem para o capital a extrema extração de mais-valia de homens e mulheres. Com informações recebidas de colaboradores presentes nessa citada indústria, concluímos nesse artigo como funciona tal precarização. 1 Com base nos conceitos teóricos apresentados por autores como, David Harvey, Thomaz Junior, Guilherme Perpétua e Marcos Aurélio Saquet, inter-relacionando-os com análises e dados coletados a partir da observação dos colaboradores da fábrica de calçados da região de Vitória da Conquista BA. 2 Graduando em Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

A RELAÇÃO PACÍFICA DE MOBILIDADE E ACUMULAÇÃO DO … · Marxista do espaço tomando como ponto de vista a partir da cidade e a construção do território, tudo isso interfere

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A FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO: ACUMULÇÃO

DO CAPITAL NO TERRITÓRIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA – BA - A

REESTRUTURAÇÃO DOS TRABALHADORES URBANOS1

Fausto Lima e Silva Matos 2

[email protected]

GT7: TRABALHO, FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO

RESUMO

As transformações de reestruturação do mais-valia e como as relações de venda da força de

trabalho se aplicam é a referência para sintonizarmos as mudanças que estão ocorrendo no

âmbito do trabalho que desde do final dos anos 1970 configuram-se por novas linhas do

conflito social capital x trabalho. As formas de dominação de classe sob distintas relações

sociais de produção do trabalho contribuem para indicar as mudanças no perfil dos operários

urbanos, portanto, sintetizam uma plasticidade que atinge diretamente o trabalho e em

consequência, as mudanças dos papéis sociais. Não se trata de mais um novo recorte

disciplinar, mas uma investigação que prioriza o trabalho real.

PALAVRAS CHAVE: trabalho; território; degradação do trabalho.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a questão da acumulação do capital e

entender como se introduz ao trabalho a partir da acumulação flexível e que trouxe ao capital

ferramentas de precarização e redistribuição de relações de trabalho e suas formas de

apropriação pelo capital; por esse lado, como geógrafos, o entendimento desse debate nos

* A partir de uma análise das formas de trabalho e relações inter-relacionadas, inseridas na fábrica de calçados

DASS no município de Vitória da Conquista, o presente autor, desenvolveu uma síntese para transmitir as

formas de degradação que contribuem para o capital a extrema extração de mais-valia de homens e mulheres.

Com informações recebidas de colaboradores presentes nessa citada indústria, concluímos nesse artigo como

funciona tal precarização. 1 Com base nos conceitos teóricos apresentados por autores como, David Harvey, Thomaz Junior, Guilherme

Perpétua e Marcos Aurélio Saquet, inter-relacionando-os com análises e dados coletados a partir da

observação dos colaboradores da fábrica de calçados da região de Vitória da Conquista – BA. 2 Graduando em Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

2

oferece uma gama de estudos para a Geografia ainda não totalmente exploradas e

compreendidas. Suas análises anteriores que levam a interpretações de que o trabalhador

deixa de ser camponês para ser agora operário em grandes centros urbanos industriais de

produção em massa torna-se ultrapassada para compreendermos o viés da acumulação do

capital. Compreendemos então que, com a introdução dos mesmos nas massas urbanas, temos

uma centralidade na associação da apropriação do homem no espaço-geográfico e sua

desterritorialização3, levando-os então a sua reintegração e venda de sua força de trabalho de

formas escarças para os proprietários do Capital. A relação do homem x meio a luz da

desterritorialização primitiva do campesinato é causada pela apropriação primitiva do capital,

pois, o espaço agora transforma-se em espaço do capital (QUAINI 1976).

A acumulação do capital, a questão teórica e os fundamentos da compreensão

Marxista do espaço tomando como ponto de vista a partir da cidade e a construção do

território, tudo isso interfere em nosso estudo a partir do ponto de conflito gerado por ele para

os trabalhadores que agora passam a ter mobilidade facilitada. Contudo, espaço é o território

natural para o homem e ele é ilimitado e sendo assim, não pode ser controlado. Já o território

entra como uma cadeia de eventos conflituosos que geram o aprisionamento do homem por

ele mesmo (SANTOS, 2006). Agora parece ser mais claro quando Lacoste (1974) associa o

problema do espaço a questão ideológico-político, o território, que faz parte do espaço, ele é

sempre limitado por formas de poder. As relações de poder são um componente indispensável

na efetivação de um território. “O campo da relação é um campo de poder que organiza os

elementos e as configurações” (SAQUET, apud RAFFESTIN, 2013).

O território é um lugar de relações a partir da apropriação e produção do espaço

geográfico, com o uso de energia e informação assumindo, desta maneira, um novo

significado, mas sempre ligado ao controle e à dominação social, é como funciona, agora, a

apropriação e precarização da força de trabalho com a flexibilização e uma crise estrutural

fortíssima do capital. Este, que entra para forçar o trabalhador a vender sua força de trabalho.

As empresas da região do Sudoeste começam de forma sorrateira a inserir o homem

nesse campo de relações venda x troca da força, o mesmo é forçado a realizar migrações e, ou

muitas vezes, suportar uma carga horária superior ao que, na medida do considerável,

3 No livro Por Uma Geografia Nova (6. ed.- São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004. – (coleção

Milton Santos;2) ;), Milton Santos aponta que a sociedade é seu espaço geográfico e o espaço geográfico sua

sociedade. Ora, se o espaço tem sua natureza, seu modo de entender muda tudo. No livro, somos intrigados para

interação sociedade-espaço como uma relação histórica em que cada sociedade se organiza, na medida da

organização do seu próprio espaço.

3

necessária para produção de mais-valia. Dessa forma, as questões abertas pelo autor tiram-no

de seu espaço natural e começam a lhe conduzir a um novo campo de inter-relações sociais,

políticas e econômicas no espaço urbano. Magnaghi (1976), como um dos pioneiros da

abordagem territorial, entende as relações de poder e a apropriação territorial como

multiformes, inclusive, materializando-se no movimento de organização social, por exemplo,

de operários: há uma apropriação política do território através do uso do espaço, da migração

de trabalhadores e da estrutura territorial.

1.TERRITÓRIOS; TERRITÓRIO COMO UMA REORGANIZAÇÃO PRODUTIVA

Ao tratar de território, entendemos algo bem diferente de simplificações, aquele

conceito classista que o reduz a um conjunto de ecossistemas regidos por leis naturais e nem

aqueles das ciências sociais e políticas mais abstratas que compreendem o território como um

simples espaço de interação, privando-nos a relações de materialidade do ambiente natural. A

partir de um estudo crítico, refletimos sobre a centralidade que o conceito de território

assumiu na geografia.4

As contribuições teóricas, neomarxistas, do território tratadas por Saquet (2013) foram

decisivas neste texto na contribuição da centralidade do conceito a partir de um novo ponto de

vista. Este, nos impede de tratar o território como um simples objeto material e, ao mesmo

tempo, nos condiciona a compreendê-las como relações sociais de produção e como as

interações sociais se estabelecem no espaço em escalas diferentes. Dessa forma, a

materialidade do território não está na sua percepção e descrição mais banal e superficial,

efetivada no século passado através de uma geografia não reflexiva de derivação positivista, o

território é entendido como conteúdo, meio e processo de relações sociais.

Soma-se os progressos científicos aos técnicos e a circulação acelerada de

informações, que para o capital geraram-se condições materiais necessárias para aumentar a

especialização do trabalho produtivo nos lugares, então, cada ponto do território agora é

modernizado e principalmente é chamado a oferecer aptidões específicas à produção

capitalista. É uma nova divisão territorial, fundada na ocupação de áreas até então periféricas

e pobres, onde deve-se haver um excedente de mão de obra barata que ocasionalmente geram

4 Conceito simplificado por Marco Aurélio Saquet no livro Abordagens e Concepções de território, (3° ed.

Maio de 2013). O autor mencionado faz uma interessante reflexão de distintas abordagens de território na

geografia nacional. Essa magnífica obra, constitui-se numa síntese de diferentes abordagens de território. Nesse

sentido, afirma o autor, classifica-se como referência obrigatória para estudos territoriais, principalmente no

desenvolvimento local urbano.

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a remodelação de regiões já ocupadas. No período da globalização a velocidade com que os

pedaços do território são valorizados e desvalorizados, determinando mudanças de usos, é

assustadora. Também, as mudanças de localização de atividades industriais são às vezes

precedidas de uma acirrada competição entre Estados e municípios pela instalação de novas

fábricas ou mesmo pela transferência das que já existem. Quando analisamos as condições

técnicas e normativas criadas entendemos que esse processo de criação de valor acaba tendo

para a sociedade um custo alto e produz uma alienação que vem da extrema especialização

urbana e regional numa produção exclusiva.

Mais tarde, a cidade descobre que essa produtividade espacial, que esforçadamente foi

criada, não é duradoura e quando envelhece o lugar é chamado a criar novos atrativos para o

capital. Mas as empresas também convocam o resto do território a trabalhar para seus fins

egoístas dando a eles a ilusória ideia de que a empresa em seu território está prestando um

favor ao todo, de modo a assegurar um enraizamento do capital que é sempre provisório. E

como um capital globalmente comandado não tem fidelidade ao lugar, este é continuadamente

extorquido por aqueles que o detém. O lugar deve a cada dia conceder mais privilégios e criar

permanentemente vantagens para reter as atividades das empresas, mas sob ameaça de um

deslocamento.

2.FLEXIBILIZAÇÃO FUNCIONAL OPERÁRIA

David Harvey em uma leitura mais atual relaciona no capítulo 9 do seu livro "A

condição pós-moderna" as questões dos Grupos, tendo então os grupos periféricos. Quando

pensamos na questão do trabalhador se adequar ao trabalho, paralelamente ele se refere nesse

contexto do trabalhador se adaptar as variações da jornada de trabalho, agora, não só os

operários do grupo periférico 1 e alta flexibilidade numérica estão sujeitas as constantes

mudanças do capital. Logo os funcionários de flexibilidade funcional, grupo 2, como os

cargos de gerência ou administração, também estão sujeitos a essas variações. É o capital

quem determina tanto a procura quanto a oferta de trabalho, a mobilidade é uma pré-condição

para a existência e funcionamento desse processo e um dos princípios dela é garantir que a

força de trabalho esteja sempre livre para se subordinar aos imperativos de acumulação do

capital. Assim, o homem é submetido pela estrutura de dominação do capital que o transforma

em mercadoria e isso acontece pelo fato de serem tiradas todas as chances materiais de

existência, restando apenas a venda de sua força de trabalho.

O grupo 1, de alta flexibilidade funcional, sofrem não só com a flexibilização da

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venda de sua força de trabalho. Sintetizo isso ao falar que colaboradores estão em dois tipos

de situações na fábrica:

A primeira, e mais comum, são de homens e mulheres que residem em povoados

próximos a cidade de Vitória da Conquista. Para eles, a jornada de trabalho fatigante somada

a monótona rotina de ir e vim acaba sendo um gerador de extremo estresse, soma-se a essa

equação a questão de que nesses pequenos povoados o acesso a programas sociais de

assistência pública para manutenção e melhoria da qualidade de vida, em sua maioria, não os

atingem. Aos poucos, aquele trabalhador cansado e em meio a um cenário de plena crise

estrutural ideológica-politica, confuso, acaba por ter que optar entre continuar a se desgastar

assim todos os dias ou procurar por uma oportunidade diferente daquela condição imposta a

ele. O que de fato ocorre é que para alguns trabalhadores cansados dessa rotina, torna-se única

opção aceitar a extorsão de saúde física e psicológica pois aquele pode ser seu único sustento.

Trata-se de um processo forçado, recorrido somente porque lhes é necessário (GAUDEMAR,

1997).

A segunda, e ainda mais preocupante, são os trabalhadores que residem em bairros que

ainda não são em sua totalidade periféricos, alguns ainda permanecem na cultura da pequena

agricultura familiar, onde resistem ali famílias inteiras. Esses bairros que aparecem a seguir na

figura 2, não são muito distantes do local de onde localiza-se a empresa. Permitindo de forma

desmascarada e assustadora que o processo de precarização desses indivíduos torna-se cada

vez mais intenso uma vez que esses sujeitos realizam dupla ou até mesmo tripla jornada de

trabalho, compreendendo desde atividades realizadas nos núcleos familiares até as efetuadas

na fábrica. Logo a mobilidade, nesse contexto, acrescenta mais desgaste aos seus corpos.

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Figura 2 – Mapa urbano da localização da Fábrica DASS

Fonte: Google Maps, 2017.

Embora nunca tivemos um estudo explicito que desenvolva o a questão de mobilidade

e como esta agrega-se ao conceito de mais-valia, entendemos que se trata de um conceito

fundamental para desmascarar o capital e suas contradições. O processo de acumulação do

capital vem sempre acompanhado, além de crise estrutural (HARVEY, 2003), de

contradições. Quais são essas contradições? O excesso de capital gera uma desvalorização que

se concretiza com a redução da capacidade dos investimentos. Porém, uma grande quantidade

de capital disponível no mercado pode também representar uma maior facilidade no acesso

aos novos investimentos fazendo com que seja aumentada a capacidade produtiva e,

consequentemente, o seu potencial reprodutivo. Ao mesmo tempo em que o capital restringe e

diminui sua capacidade de investimentos, ele consegue ampliar sua capacidade reprodutiva. O

que possibilita esta contradição é o aumento da exploração do trabalho e da extração da

mais-valia.

Nesse processo de extração da mais-valia, o capital começa a desenvolver ferramentas

que possibilite a ele cada vez mais lucro. Encontramos na fábrica de calçados uma dessas

ferramentas, um setor chamado de “Tempos e Métodos”, onde um “Cromo” é responsável por

cronometrar o tempo em que um colaborador leva para realizar determinada função. Ao final

desse processo ele é quem determina para a empresa se aquele colaborador possui uma

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importância significativa ou não para aquela função, podendo ele então realocar o trabalhador

para uma nova função. Porém, este colaborador continua a ser continuadamente monitorado,

e se nessas avaliações o cronologista determinar que aquele colaborador não agrega valor a

nenhuma função, este torna-se ocioso, e como para o capital só importa a acumulação de

valores, esse trabalhador é desligado da fábrica. É nesse contexto que compreendemos como

funciona a necessidade de extração de mais-valia para a garantia do lucro pelo capital, essa

ferramenta também possibilita identificar dentro do processo as pessoas que são mais ágeis

em determinada função.

É importante para essa investigação pontuar como o capital se apropria agora do

segundo grupo periférico identificado por Harvey (1993) financiado por subsídios públicos,

quando na fábrica, a funcionalidade do Jovem Aprendiz para o capital é extraída de forma

sorrateira. A extorsão da mais-valia desses jovens se dá, em parte, pela facilidade de

recrutamento, pelo trabalho em tempo parcial e com contratos a curto prazo. Com o aumento

de competição e do estreitamento das margens de lucro, as empresas tiram proveito dessa

grande quantidade de mão-de-obra facilitada. Alguns setores dentro da fábrica tiveram

algumas funções onde os colaboradores identificados pelo Cromo, que causavam retardo a

produção, tiveram sua função transferida para um jovem aprendiz, o propósito dessa

flexibilidade é satisfazer as necessidades muito específicas da empresa. Essa aparente redução

do emprego regular em favor do crescente uso do trabalho em tempo parcial, é o resultado de

uma reestruturação de trabalho.

2.1.MOBILIDADE, FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO

Os termos para uma reintegração da forma do objeto de trabalho compreendem uma

nova leitura. Este artigo é uma referência para sincronizarmos as novas relações de

mobilidade do trabalho e acumulação do capital, e a forma clássica de tratar do assunto

dividindo trabalho x capital; que traz luz a importância de compreender, em partes, as

relações atribuídas por trás delas e inseridas no município de Vitória da Conquista - BA.

O fluxo continuo dessas informações indicam a transformação no perfil de trabalhar

no campo (camponês, assalariado) e trabalhar nas grandes cidades (assalariados, trabalhadores

informais, comerciários e operários). Há anos, as pessoas se deslocam de sua cidade natal para

outra afim de encontrar sua sobrevivência ou garantir o sustento. Famílias inteiras largam suas

casas, e outras propriedades, para se arriscar em grandes centros urbanos nas grandes

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capitais5. Quase sempre essa pratica funcionava para algumas famílias, mas haviam as

exceções que acabavam em ter que morar nas ruas ou em condições precárias em casas

abandonadas.

Com a renovação do espaço urbano constantemente transformando o meio o homem

sempre inovou, de forma não natural, as formas de sobrevivência. Não assumindo uma

característica histórica de desenvolvimento, agora, esse desenvolvimento ou inovação,

compreende que a urbanização na sua forma mais banal, obriga o homem a procurar tal

inovação citada por este autor por meio da mobilidade. Também é importante pontuar que o

desenvolvimento das redes e os fluxos contínuos de pessoas e mercadorias traz um novo

entendimento para as novas formas de acumulação do capital, o vai e vem de pessoas, a

necessidade de chegar ao trabalho a tempo e mesmo como as redes, que podem ser materiais

ou imateriais, interferem na rotina desse trabalhador. Então agora, o conceito de migrações

fica ultrapassado para entender as novas transformações geradas para o homem e a venda de

sua força de trabalho. No território de Vitória da Conquista, as contradições que foram

apontadas por Thomaz Júnior (2004; 2012) Vasapollo (2006), Mèszàros (2006) e Gonçalves

(2001) a respeito das alterações radicais e a maneira de pensar e agir que são geradas na classe

trabalhadora por meio da reestruturação, são materializadas na mobilidade do trabalho dos

operários da fábrica de calçados.

Todo o desenvolvimento da produtividade do trabalho requeria o

exercício da mobilidade a mais perfeita possível da força de trabalho,

tanto no tempo como em todas as figuras do espaço econômico

capitalista. (GAUDEMAR, 1977, p. 36)

Analisando de perto a jornada de trabalho de um operário, tivemos a noção de que:

5 Conceito tirado a partir da observação do Documentário MIGRANTES, NOVAES, Beto. São Paulo, 2007

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Gráfico 1: Jornada diária de um operário: tempo de produção de mais-valia e tempo restante

para uso pessoal.

Fonte: Matos, Fausto. 2017.

Logo:

Trabalho ocupa cerca de 31,15% do tempo

Horas de sono ocupam cerca de 38,24%

Horas livres consomem cerca de 21,24%

Tempo de deslocamento é igual a 9,34%

Do dia de um operário da DASS, é assustador quando analisamos esses dados e tomamos

a conclusão de que a maior parte das horas se ocupa pelo tempo que o homem passa

repousando ou em períodos de descanso em sua casa, enquanto que a maior parte do dia se

ocupa por trabalho, quanto ao tempo de deslocamento, ele é relativamente baixo e isso

deve-se o destaque do desenvolvimento das redes de infraestrutura de mobilidade urbana. A

terceirização de empresas de transporte pela fábrica implica em menos riscos. Riscos de seu

colaborador se atrasar por motivo de o ônibus ter se atrasado na linha urbana, já que com a

terceirização do transporte rodoviário o ônibus segue uma rota estabelecida a fim de favorecer

apenas a empresa e reduz o risco de o colaborador deixar de ir ao trabalho por motivos de

atrasos ou que ao chegar ao final do mês, aquele ficou sem dinheiro para o transporte.

Contudo, essa ferramenta do capital não é a principal questão no assunto da mobilidade

facilitada. Nos últimos meses, com a ajuda do setor “Tempos e Métodos” (citado a cima), a

Trabalho Deslocamento Horas Livres Horas de sono

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empresa chegou a uma resolução; esta, implica que é mais vantajoso e econômico se começar

a contratar pessoas de localidades mais próximas. Vale ressaltar que esse estudo não excluiu a

possibilidade de contratação de pessoas de outros bairros, mas que se apenas 3 vagas

estivessem disponíveis para uma concorrência de 15 pessoas prioritariamente as 3 que

residissem em bairros mais próximos seriam escolhidas primeiro para uma entrevista, o fato

de morar próximo não exclui o fato de na entrevista o mesmo não ser selecionado.

Gráfico 2: Tempo gasto de deslocamento de casa até a empresa: relação entre mais-valia e

mobilidade operária.

Fonte: Silveira, Orlando. Tempos e métodos DASS, 2017.

Quando analisamos as condições técnicas e normativas criadas pela questão da

mobilidade, entendemos que esse processo de agregação de valor acaba tendo para a

sociedade um custo alto e produz uma alienação que vem da extrema especialização urbana e

regional numa produção exclusiva. Podendo agora haver um conflito de posse por terras, uma

competição agora já que o capital, continuadamente, extorque aqueles que também estão em

suas proximidades. David Harvey (2005) concede-nos a perspectiva de que essas pessoas que

tiram vantagem da permanência do capital são de fato produtos de sub precarizações por ele.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Marx (1877) traz à tona a reflexão de que no regime de trabalho assalariado, que é

característico do capitalismo, o trabalhador está dissociado da condição de aprisionamento ou

servidão, pois agora ele possui uma "liberdade relativa" de venda da força de trabalho

podendo escolher onde vai trabalhar6. Essa reflexão nos ajuda a entender como o capital, em

meio a uma crise, consegue manter sua acumulação sem precisar utilizar-se do Estado. Assim,

cabe somente a empresa gestora do capital administrar os conflitos entre as classes proletárias

e dominantes.

A alta produtividade das indústrias aliava-se com o “compromisso” das

políticas do Estado do Bem-estar social. Isso se expressou objetivamente em

ganhos para a classe trabalhadora como seguridade social e garantias

salariais. (MENEZES, 2010, p.37.)

Contudo, com a perca dos direitos do Bem-estar social e o enfraquecimento dos

sindicatos as empresas conseguiram assim tomar conta de manter a acumulação sem precisar

do Estado, como foi dito por este autor. Essas empresas agora convocam o resto do território a

trabalhar para seus fins egoístas para que, de algum modo, assegure um enraizamento do

capital sem saber que este é sempre provisório. Contudo, como um capital globalmente

comandado não tem fidelidade ao lugar este é continuadamente extorquido, obrigando o

território e todas suas relações de poder envolvidas a cada dia conceder mais privilégios. O

lugar deve criar permanentemente e constantemente vantagens para reter as atividades das

empresas, mas, sob ameaça de um deslocamento. Essas mudanças de localização de

atividades industriais são às vezes precedidas de uma acirrada competição entre Estados e

municípios pela instalação de novas fábricas ou mesmo pela transferência das que já existem.

Além disso, cabe a empresa introduzir sistemas de produção conhecidos já que agora

ao mesmo tempo em que uma pessoa permanece na mesma função, por agregar valor a ela,

também temos alterações produtivas. Essas que tiveram início no Brasil de maneira mais

evidente a partir da década de 1990, por meio da implantação de vários receituários da

“acumulação flexível e do ideário japonês, como a intensificação da lean production, e do

próprio sistema just-in-time” (ANTUNES, 2006), produzir somente o necessário e na hora

certa. Assim, a grosso modo, podemos dizer que identificamos dois princípios produtivos na

fábrica de calçados DASS. Um fordista, período de grande expansão do capitalismo que se

estendeu até a década de 70 marcado por um padrão de produção, e um Toyotista, este que

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surgiu após a década de 70 acompanhado do então objeto dessa pesquisa, a reestruturação e

degradação do trabalho como forma de combater o desperdício de tempo e de matéria prima e

extração da mais-valia. Com a introdução desses sistemas, setores como o “Tempos e

métodos” serão cada vez mais importantes para o capital, contribuindo de forma direta com a

degradação do trabalho.

Vimos e sentimos o desperdício das coisas materiais; entretanto as ações

desastradas, ineficientes e mal orientada dos homens não deixam indícios

visíveis e palpáveis. E por isso, ainda que o prejuízo diário, daí resultante,

seja maior que o decorrente do desgaste das coisas materiais, este último nos

abala profundamente. (Sócrates apud Taylor, 2011, p. 35).

No cenário político que atravessa uma crise estrutural fortíssima, cabe inter-relacionar

a perda dos direitos do Bem-estar Social com as perdas dos direitos trabalhistas do

trabalhador. Este, que enfrenta e tem que se submeter a rígidos contratos de trabalho cada vez

mais precários, encontra-se também em um estágio onde as empresas e o Estado se

aproveitam do enfraquecimento do poder sindical para fixarem suas reformas. A forma com

que a mídia persegue e ataca esses sindicatos contribui para que o trabalhador crie uma ideia

de que sua única opção é trabalhar cada vez mais.

A crise de nossos dias também é feita de confrontações numerosas dentre os

detentores de matérias-primas, de fornecedores de trabalho e emprestadores de capital

(MILTON, 2005). Como estes que dominam a cena não desejam abandonar essa arena

privilegiada, a solução é o uso da dominação ideológica-política. Ainda sobre o autor citado

anteriormente, temos a concepção da valorização da linguagem como forma de interpretação

dos fatos correntes. Tratando a linguagem como expressão da sociedade e construção do

espaço humano, resultado de um discurso da moda, hoje, imposto facilmente às populações

como forma de mediação entre a cultura profunda e cultura de massa. A “manipulação da

linguagem” sugerida por um geógrafo americano, constitui, certamente, um novo disfarce

para o neopositivismo, doutrina já surrada em nossa disciplina. (SANTOS, Apud

SYMANSKI, 2005)

Assim, conhecemos o espaço como soma de coisas “naturais” e de coisas

“fabricadas”, envolvendo a dialética de duas séries, da produção própria do homem e pelo

homem e sua história. Contemplando a isto, temos o embate da luta de classes e o da

6 Concepções encontrada no Livro O Capital – Volume VI – obra considerada por muitos de suma importância

para introdução ao pensamento crítico quando tratamos de acumulação do capital e precarização do trabalho.

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acumulação do capital. Temas que são fundamentais para geografia humanística, temas que

falam por si. Contudo, a discursão sobre a luta de classes quanto a acumulação do capital são

termos escorregadios. Esse debate exige, por si mesmo, um grande esforço intelectual para

permitir a separação das variáveis que deixem entender os respectivos processos. Assim, os

diversos temas deveriam ser considerados como um dado espaço, cidade ou região, através da

compreensão de conceitos como, das formas produtivas, meios de produção, etc. Nesse

sentido, segundo Milton Santos (2005), um esforço sistemático globalizante ajudaria a dar

ainda maior conteúdo às hipóteses fundamentais propostas – luta de classes e acumulação de

capital -, vistas como elementos da construção (produção e da evolução) e reprodução de uma

dada fração de espaço e da problemática que tudo isso envolve.

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