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1 A RESSIGNIFICAÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR Cláudia Gislene Biolo Morais 1 Resumo – Este artigo apresenta uma pesquisa realizada com professores de alunos com deficiência intelectual em escolas de quinze municípios do Estado do Paraná. Por meio da aplicação de um questionário foram levantados dados referentes às práticas pedagógicas interdisciplinares desses professores em sala de aula. A pesquisa buscou coletar dados a respeito das práticas e estratégias interdisciplinares desenvolvidas pelos professores, baseadas na integração dos conhecimentos, e de suas contribuições para a aprendizagem do aluno com deficiência intelectual. Do mesmo modo, a pesquisa também buscou analisar a relação entre teoria e prática no trabalho do professor – suas dúvidas e dificuldades, bem como aspectos que favorecem ou dificultam a sistematização das práticas interdisciplinares na escola. Além da pesquisa, também contribuíram para este trabalho os resultados da implementação da proposta desta professora junto aos professores da Escola de Educação Especial Nilza Tartuce, em Curitiba, bem como do Grupo de Trabalho em Rede do Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná, cujo objetivo consistia na teorização das práticas pedagógicas interdisciplinares utilizadas pelos professores na educação de alunos com deficiência intelectual em processo de alfabetização e letramento. Os dados coletados possibilitaram uma análise das práticas dos professores, identificando os fundamentos teóricos que as permeiam. A importância de se desenvolver estratégias interdisciplinares junto aos alunos com deficiência intelectual, para que os mesmos possam aprender e desenvolver suas potencialidades, foi uma das constatações que merecem destaque com o desenvolvimento deste trabalho. Palavras-chave: Deficiência intelectual; Práticas pedagógicas; Interdisciplinaridade. Abstract – This article presents a research done with teachers that attend intellectual disability students in schools of fifteen cities of Paraná State. Through the application of a questionnaire, data referring to the interdisciplinary educational practices of these teachers in the classroom were collected. The research sought to collect data about the interdisciplinary practices and strategies developed by the teachers, based on the knowledges’s integration, and their contributions for the intellectual disability students’s learning. The same way, the research sought to analyze the connection between theory and practice in teacher’s work too – their doubts and difficulties, as well as aspects that promote or make difficult the interdisciplinary practices’s systematization in school. Besides the research, the results of this teacher’s carried out project with the Special Education School Nilza Tartuce’s teachers, in Curitiba, as well as of the Network Group of the Educational Development Program of the State of Paraná, whose objective consisted in the theorization interdisciplinary educational practices utilized for the teachers in the education of the intellectual disability students in alphabetization and literacy learning contributed to this work too. The collected data enabled an analysis of the teacher’s practices, identifying the theoretical base that permeate them. One of the confirmations that deserves eminence with the development of this work is the importance on interdisciplinary strategies development with the intellectual disability students, for they can learn and develop their potentialities. Keywords: Intellectual disability; Educational practices; Interdisciplinarity. 1 Professora QPM/PR participante da 1ª turma do Programa de Desenvolvimento Educacional do Paraná – 2007.

A RESSIGNIFICAÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE … · formas de sistematização, a análise dos fundamentos teóricos que as embasam, o reconhecimento das condições organizacionais,

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A RESSIGNIFICAÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL:

UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR

Cláudia Gislene Biolo Morais1

Resumo – Este artigo apresenta uma pesquisa realizada com professores de alunos com deficiência intelectual em escolas de quinze municípios do Estado do Paraná. Por meio da aplicação de um questionário foram levantados dados referentes às práticas pedagógicas interdisciplinares desses professores em sala de aula. A pesquisa buscou coletar dados a respeito das práticas e estratégias interdisciplinares desenvolvidas pelos professores, baseadas na integração dos conhecimentos, e de suas contribuições para a aprendizagem do aluno com deficiência intelectual. Do mesmo modo, a pesquisa também buscou analisar a relação entre teoria e prática no trabalho do professor – suas dúvidas e dificuldades, bem como aspectos que favorecem ou dificultam a sistematização das práticas interdisciplinares na escola. Além da pesquisa, também contribuíram para este trabalho os resultados da implementação da proposta desta professora junto aos professores da Escola de Educação Especial Nilza Tartuce, em Curitiba, bem como do Grupo de Trabalho em Rede do Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná, cujo objetivo consistia na teorização das práticas pedagógicas interdisciplinares utilizadas pelos professores na educação de alunos com deficiência intelectual em processo de alfabetização e letramento. Os dados coletados possibilitaram uma análise das práticas dos professores, identificando os fundamentos teóricos que as permeiam. A importância de se desenvolver estratégias interdisciplinares junto aos alunos com deficiência intelectual, para que os mesmos possam aprender e desenvolver suas potencialidades, foi uma das constatações que merecem destaque com o desenvolvimento deste trabalho.

Palavras-chave: Deficiência intelectual; Práticas pedagógicas; Interdisciplinaridade. Abstract – This article presents a research done with teachers that attend intellectual disability students in schools of fifteen cities of Paraná State. Through the application of a questionnaire, data referring to the interdisciplinary educational practices of these teachers in the classroom were collected. The research sought to collect data about the interdisciplinary practices and strategies developed by the teachers, based on the knowledges’s integration, and their contributions for the intellectual disability students’s learning. The same way, the research sought to analyze the connection between theory and practice in teacher’s work too – their doubts and difficulties, as well as aspects that promote or make difficult the interdisciplinary practices’s systematization in school. Besides the research, the results of this teacher’s carried out project with the Special Education School Nilza Tartuce’s teachers, in Curitiba, as well as of the Network Group of the Educational Development Program of the State of Paraná, whose objective consisted in the theorization interdisciplinary educational practices utilized for the teachers in the education of the intellectual disability students in alphabetization and literacy learning contributed to this work too. The collected data enabled an analysis of the teacher’s practices, identifying the theoretical base that permeate them. One of the confirmations that deserves eminence with the development of this work is the importance on interdisciplinary strategies development with the intellectual disability students, for they can learn and develop their potentialities. Keywords: Intellectual disability; Educational practices; Interdisciplinarity.

1 Professora QPM/PR participante da 1ª turma do Programa de Desenvolvimento Educacional do Paraná – 2007.

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1. INTRODUÇÃO Tendo em vista a diversidade presente na Educação Especial, é necessário que o

professor esteja em uma busca constante de novos métodos, estratégias e recursos que melhor se adaptem às diversas formas de aprender e que possam favorecer a aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais.

De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Especial para a Construção de Currículos Inclusivos (PARANÁ, 2006, p. 51),

As dificuldades de aprendizagem dos alunos que apresentam deficiências manifestam-se como um contínuo, incluindo desde situações leves e transitórias até situações mais graves e permanentes que requerem recursos e serviços especializados para sua superação. O atendimento desse contínuo de dificuldades requer respostas educacionais adequadas

O próprio termo necessidades educacionais especiais pressupõe que o aluno não deve se ajustar a padrões de normalidade, e sim que a escola se adapte para atender à diversidade dos alunos, para que possam se desenvolver e aprender.

No caso das pessoas com deficiência intelectual, elas se desenvolvem e aprendem de uma forma diversificada, não querendo isso dizer que não possam ter um potencial que pode vir a se expressar mediante o uso de métodos adequados e recursos pedagógicos adaptados que estimulem e potencializem seu aprendizado.

Por esse motivo, os professores de alunos com deficiência intelectual, nessa busca por estratégias de aprendizagem significativas que se adaptem às características dos alunos e sua forma de aprender, e visando seu acesso ao currículo, lançam mão de práticas interdisciplinares, trabalhando com os conteúdos de forma integrada.

Diante dessa realidade, e para sua melhor sistematização, faz-se necessário analisar essas práticas interdisciplinares utilizadas pelos professores, visto que não se tratam de estratégias metodológicas mecanicistas, puramente pragmáticas, voltadas apenas à utilidade prática do conhecimento. Ao contrário, a interdisciplinaridade tem princípios teóricos que a regem.

Sendo assim, este trabalho tem como pressupostos que os professores de alunos com deficiência intelectual desenvolvem, em sua maioria, um ensino interdisciplinar, e que as práticas interdisciplinares, por se constituírem em práticas inovadoras, contribuem para a aprendizagem do aluno com deficiência intelectual. O objetivo é, portanto, analisar as práticas interdisciplinares dos professores, levando em conta metodologias, recursos, formas de avaliação e resultados obtidos, para que o professor possa aprimorar sua sistematização.

O objetivo aqui proposto diz respeito a aspectos teóricos e práticos do trabalho do professor, pois envolve: a identificação das práticas interdisciplinares e de suas formas de sistematização, a análise dos fundamentos teóricos que as embasam, o reconhecimento das condições organizacionais, funcionais e pessoais que favorecem ou dificultam sua sistematização na escola e a análise das contribuições da interdisciplinaridade para a aprendizagem do aluno com deficiência intelectual.

Considerando que as práticas dos professores, além de estarem correlacionadas, dentre outros fatores, à sua formação e perfil pessoal e profissional, são influenciadas, principalmente, pelas concepções de deficiência intelectual, desenvolvimento e aprendizagem, são apresentados, a seguir, aspectos teóricos dessas concepções.

2. DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: CONCEITOS E CONCEPÇÕES

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Encontram-se na literatura distintas formas de se definir e caracterizar a deficiência intelectual. Sua caracterização depende da concepção que se tenha de deficiência.

Fonseca (apud MARQUES, 2001, p. 37) traçou uma linha das diferentes concepções que, embora tenham exercido influências em determinados períodos da história, coexistem e exercem suas influências até os dias de hoje. Essas concepções são:

• O preformismo, de acordo com o qual nem o meio ambiente nem o aspecto orgânico do sujeito têm qualquer influência sobre sua deficiência. Atribui-se à deficiência apenas causas de ordem teológica e moral;

• O predeterminismo, com sua visão organicista em que o meio é considerado neutro e as causas da deficiência estão determinadas, portanto, pelo aspecto biológico do sujeito;

• O envolvimentalismo, de base empirista, que propõe que o que determina as capacidades ou incapacidades intelectuais seriam a experiência e as oportunidades de exercício das funções intelectuais, centrando no meio ambiente as causas da deficiência e não mais no sujeito.

• O interacionismo, que não privilegia nem o indivíduo, nem o meio, mas a interação de ambos como forma de construção do conhecimento. Assim, as habilidades mentais do indivíduo decorrem das trocas efetuadas entre ele e o meio ambiente.

Dessa forma, a caracterização da deficiência pode estar centrada apenas no próprio indivíduo e seu déficit cognitivo, ou pode se estender para o meio social onde ele está inserido e sua interação com o mesmo.

Atualmente, a deficiência intelectual tem sido interpretada como um estado de funcionamento do indivíduo em interação com seu contexto, e não mais como característica absoluta desse indivíduo. Isso porque o ponto de partida para análise desse conceito tem sido tanto os aspectos estruturais do sujeito com deficiência intelectual, que se referem à sua estrutura biológica que determinam a construção de suas estruturas mentais para o conhecimento, quanto os aspectos instrumentais do seu desenvolvimento, relativos aos instrumentos que ele constitui para interagir com o mundo (BRASIL, 2005, p. 5-6).

O conceito sobre deficiência intelectual que segue não focaliza apenas o déficit cognitivo da pessoa com deficiência ou sua condição orgânica, mas articula aspectos cognitivos e instrumentais, levando em conta também critérios de interação do sujeito nos diferentes contextos sociais, ao definí-la como

funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização da comunidade, saúde e segurança, habilidades acadêmicas, lazer e trabalho (BRASILa, 1999).

De forma semelhante, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASILb, 1999,

p. 26) a caracterizou como

funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média, oriundo do período de desenvolvimento, concomitante com limitações associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou da capacidade do indivíduo em responder adequadamente às demandas da sociedade, nos seguintes aspectos: comunicação; cuidados pessoais; habilidades sociais; desempenho na família e comunidade; independência na locomoção; saúde e segurança; desempenho escolar; lazer e trabalho.

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E de acordo com a Associação Americana de Retardo Mental (AAMR, apud BRASIL, 2005, p. 10), a deficiência intelectual é uma “incapacidade caracterizada por limitações significativas tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo expresso em habilidades conceituais, sociais e práticas”.

Entende-se por funcionamento intelectual a inteligência ou habilidade mental, que inclui raciocínio, planejamento, solução de problemas, pensamento abstrato, compreensão de idéias complexas, aprendizagem rápida e aprendizagem através da experiência (id.)

As habilidades adaptativas referem-se ao funcionamento adaptativo, ou seja, à forma como os indivíduos enfrentam as exigências comuns da vida em sociedade e o grau de independência pessoal e autonomia esperado de alguém de sua idade.

Ainda pode-se identificar nas definições de deficiência intelectual uma visão de inferioridade, incapacidade e impossibilidade, quando se usa expressões como incapacidade, limitações, abaixo da média ou inferior à média, sendo que nenhuma aborda as capacidades e potencialidades do indivíduo, aquilo que não lhe é limitado, fator este que não remete a perspectivas positivas da educação das pessoas com deficiência intelectual, mas à subestimação de suas capacidades.

No entanto, constitui como positivo o fato de que a deficiência intelectual deixou de ser entendida como uma característica absoluta, expressa somente no indivíduo, para ser interpretada como um estado de funcionamento, uma expressão da interação entre a pessoa com limitações no funcionamento intelectual e seu contexto.

Atualmente propõe-se uma visão qualitativa do desenvolvimento da criança com deficiência intelectual, em detrimento da visão quantitativa. De acordo com Marques (ibid., p. 85) “a pessoa com deficiência não é inferior aos seus pares, apenas apresenta um desenvolvimento qualitativamente diferente e único. A singularidade de seu desenvolvimento está nos efeitos positivos da deficiência, ou seja, nos caminhos encontrados para a superação do déficit.”

O conhecimento dos pressupostos referentes ao desenvolvimento e aprendizagem dos alunos com deficiência intelectual pode permitir ao professor que desenvolva práticas e estratégias educacionais adequadas, que estejam de acordo com as peculiaridades desses alunos e que propiciem o desenvolvimento de suas potencialidades.

Para isso, é essencial que, antes de tudo, essas práticas provoquem a mudança, no aluno, de uma posição passiva diante da aprendizagem para o acesso e apropriação ativa do próprio saber, como recomenda Batista e Mantoan (2006, p. 18). Isso implica em que o professor crie situações que envolvam sua participação ativa na execução das ações ou façam parte da experiência de vida dele, o que contraria o uso de metodologias de ensino tradicionais e centradas no professor.

Muito se fala, hoje, em práticas inclusivas, que visam responder à diversidade de estilos de aprendizagem em uma sala de aula. De acordo com Batista e Mantoan (ibid., p. 13), o que caracteriza a educação inclusiva não é o “ensino diversificado” para alguns, mas sim a “diversidade de atividades” referentes a um mesmo conteúdo curricular.

Isso pode ocorrer por meio de atividades abertas, nas quais cada aluno se envolve na medida de seus interesses e necessidades, seja para construir uma idéia, resolver um problema ou realizar uma tarefa. Dessa forma, é o aluno que se adapta ao novo conhecimento e regula o seu processo de construção intelectual, sendo que as intervenções do professor são direcionadas para desequilibrar, apresentar desafios e apoiar o aluno nas suas descobertas, sem lhe retirar a condução do seu próprio processo educativo. (BRASIL, 2004, p. 34-35)

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Porém, segundo Ferreira (apud RODRIGUES, 2006, p. 231), para que isso seja possível, espera-se que o professor seja capaz de compreender e praticar o acolhimento à diversidade, esteja aberto a práticas inovadoras e, além disso, conheça as características individuais (habilidades, necessidades, interesses, experiência e conhecimentos) de cada um de seus alunos, a fim de planejar aulas que abranjam os diversos estilos de aprendizagem.

3. PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES As práticas interdisciplinares são um exemplo de práticas inovadoras que

contrariam a tradicional fragmentação do conhecimento em que as disciplinas escolares são trabalhadas de forma isolada.

Para Severino (apud FAZENDA, 1998, p. 42), a interdisciplinaridade é um “processo integrador, articulado, orgânico, de tal modo que, em que pesem as diferenças de formas, de meios, as atividades desenvolvidas levam ao mesmo fim. Sempre uma articulação entre totalidade e unidade.”

De acordo com Ferreira (apud FAZENDA, 1991), o termo interdisciplinaridade vem resgatar uma visão holística do conhecimento, pois o prefixo latino inter significa troca, reciprocidade, disciplina significa ensino, instrução, ciência, e o sufixo latino dade tem a propriedade de substantivar os adjetivos, atribuindo-lhes o sentido de ação, qualidade, estado ou modo de ser. “Logo, a interdisciplinaridade pode ser compreendida como sendo um ato de troca, de reciprocidade entre as disciplinas ou áreas do conhecimento.”

Na opinião de Tavares (ibid., p. 29), a interdisciplinaridade pressupõe “uma mudança de atitude frente ao conhecimento, uma substituição da concepção fragmentária para a unitária do ser humano.” E acrescenta: “Além de uma atitude de espírito, a interdisciplinaridade pressupõe um compromisso com a totalidade.” Para a autora, a interdisciplinaridade também pode ser entendida como um projeto de envolvimento que parte do individual para o coletivo, pois há a necessidade de que professores e alunos trabalhem unidos, se conheçam e se entrosem para, juntos, vivenciarem uma ação educativa mais produtiva.

Mediante essas considerações, pode-se inferir que a interdisciplinaridade é mais uma questão de atitude e de ação do que de conhecimento.

Falar sobre interdisciplinaridade pressupõe falar, também, sobre globalização do conhecimento e currículo integrado, pois são temas que caminham juntos e estabelecem entre si uma relação; pois a interdisciplinaridade é uma forma de organização e trabalho com o currículo globalizado ou integrado.

O termo globalização está fundamentado em razões de caráter psicológico relacionadas com a estrutura cognitiva e afetiva da criança e, em conseqüência, está relacionado com uma forma metodológica específica de organizar o ensino para facilitar sua aprendizagem e desenvolvimento (SANTOMÉ, 1998, p. 33). Sua base está em uma pedagogia centrada nas características do desenvolvimento dos alunos, suas necessidades e interesses.

O termo integração ressalta a unidade entre as diferentes disciplinas e formas de conhecimento nas instituições escolares, pois significa “a unidade das partes, que seriam transformadas de alguma maneira. Uma simples soma ou agrupamento de objetos distintos ou de partes diferentes não criaria necessariamente um todo integrado” (PRING, apud SANTOMÉ, ibid., p. 112)

Além disso, o trabalho com o currículo integrado ou currículo globalizado parte da idéia de que, como expressou Santomé (ibid., p. 25) “o currículo pode ser organizado

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não só em torno de disciplinas, mas de núcleos que ultrapassam os limites das disciplinas, centrados em temas, problemas ou tópicos”.

Sobre as propostas baseadas na globalização e interdisciplinaridade atualmente, Hernández (1998, p. 34-38) constata que “quando se fala de globalização, o eixo é a busca de relações entre as disciplinas no momento de enfrentar temas de estudo.” E mais adiante completa: “Todas essas propostas baseiam-se na idéia de integração de conhecimentos, na importância de levar em conta o mundo de fora da escola e considerar a realidade dos alunos.”

Todavia, é importante aclarar um ponto: na interdisciplinaridade, essa integração entre as disciplinas do currículo ocorre na forma de inter-relações entre elas, complementaridade, sem que se perca, no entanto, a especificidade do objeto de estudo de cada uma.

Na prática, pode-se dizer que, dessa forma, os professores proporcionam aos alunos uma aprendizagem simultânea de saberes comuns a duas ou mais disciplinas integradas.

De acordo com Nogueira (2001, p. 140), dentro do âmbito da interdisciplinaridade, existem diferentes formas pelas quais as disciplinas estabelecem relação entre si, como:

• Multidisciplinaridade – justaposição de diferentes conteúdos de disciplinas distintas, com a intenção de esclarecer alguns dos seus elementos comuns, porém sem nenhuma preocupação de integração, sendo que cada disciplina tem objetivos próprios;

• Pluridisciplinaridade – pequena cooperação entre as diferentes disciplinas, troca de informações, sem que exista, no entanto, objetivos em comum;

• Intradisciplinaridade – estabelecimento de relações entre uma matéria (disciplina-mãe ou matriz) e demais disciplinas aplicadas.

• Interdisciplinaridade – trabalho de integração, cooperação e troca das diferentes áreas do conhecimento, aberto ao diálogo e ao planejamento. Neste caso há uma coordenação que integra objetivos, atividades, procedimentos, planejamentos. Implica na vontade e compromisso de elaborar um contexto mais geral, no qual cada uma das disciplinas passa a depender umas das outras. É o resultado da articulação entre duas ou mais disciplinas com objetivos pedagógicos comuns. Nessa perspectiva, a unidade do saber se realiza na especificidade de cada uma das disciplinas;

• Transdisciplinaridade – é o nível superior da interdisciplinaridade, em que a integração chega a um nível tão alto que desaparecem os limites entre as diversas disciplinas, e é impossível distinguir onde começa e onde termina uma disciplina. A finalidade a ser atingida é comum a todas as disciplinas.

Segundo Bochniak (apud FAZENDA, ibid., p. 130), a interdisciplinaridade é categoria indispensável para se repensar o processo de educação na sociedade atual. A autora expressa, em síntese, alguns pontos que definem o trabalho interdisciplinar na escola, como:

1. Disposição ao desafio de superar visões fragmentadas das disciplinas; 2. Disposição em romper barreiras entre teoria e prática; 3. Preocupação com a formação da visão de totalidade do homem; 4. Disposição a, mais do que ensinar e aprender um conhecimento, fazer, no

cotidiano, este conhecimento; 5. Motivação a grandes desafios que vão se realizando a partir do cotidiano,

através de pequenos passos; 6. Desafio de desenvolver o espírito crítico do aluno, exercitando-o na

escola, e também o do professor;

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7. Disposição a, desde a pré-escola, ensinar e/ou aprender, com os alunos, dos alunos e/ou para os alunos, o que é pesquisar, sem admitir barreiras estabelecidas e consagradas entre níveis de ensino e tipos de escolas;

8. Propósito de explorar as atividades cotidianas desenvolvidas na escola, bem como a multiplicidade de relações que se estabelecem, para programá-las mais adequadamente, modificá-las, e realizá-las de forma sempre mais consciente.

A interdisciplinaridade do conhecimento Encontram-se, na literatura, algumas orientações sobre como trabalhar com o

conhecimento de forma interdisciplinar ou o currículo integrado. Klein (apud FAZENDA, ibid., p. 119-123), com base em estudos e pesquisas

sobre o tema, conclui que um dos fatores básicos do ensino interdisciplinar é uma pedagogia apropriada. De acordo com a autora, não existe uma pedagogia interdisciplinar única, porém registros de práticas de professores revelam que os mesmos se valem de pedagogias inovadoras que promovam o diálogo, a colaboração, a capacidade de colocar e resolver problemas, e o cultivo de “atitude interdisciplinar”. Além disso, o aprendizado baseado na prática e na descoberta, assim como jogos e dramatização encorajam as conexões e desenvolvem o pensamento crítico. São usadas também conferências e grupos de discussão.

Santomé (ibid., p. 187) propõe que sejam explorados com os alunos questões, temas e problemas importantes que se encontram além dos limites convencionais das matérias e áreas do conhecimento tradicionais, respeitando-se seus conhecimentos prévios, necessidades, interesses e ritmos de aprendizagem.

Para sua melhor sistematização na escola, Fazenda (1991) orienta que a interdisciplinaridade deve ocorrer em três planos: a interdisciplinaridade curricular, a interdisciplinaridade didática e a interdisciplinaridade pedagógica.

Além disso, alguns autores consideram a intencionalidade como fator primordial para o trabalho interdisciplinar.

Tavares (apud FAZENDA, ibid., p. 34), por exemplo, afirma que “o que caracteriza uma prática interdisciplinar é o sentimento intencional que ela carrega. Não há interdisciplinaridade se não há intenção consciente, clara e objetiva por parte daqueles que a praticam.”

Klein (apud FAZENDA, 1998, p. 119) faz referência ao resultado de alguns estudos realizados no Brasil sobre o ensino interdisciplinar, em que se constatou um aumento crescente do número de projetos educacionais intitulados como interdisciplinares, mas também um grande número de “práticas intuitivas”. De acordo com a autora, “muitos [projetos] surgem como intuição ou modismo, sem regras ou intenções claras. Além disso, estão baseados em escritos provisórios.”

Quanto à sistematização do trabalho com as áreas do conhecimento em um âmbito interdisciplinar, são várias as estratégias ou práticas que podem ser utilizadas. No entanto, percebe-se que, apesar de serem nomeadas de forma distinta, e cada uma ter algumas características próprias que as definem, todas elas têm o mesmo princípio, que é o do currículo integrado, e permitem ao professor o trabalho com os conteúdos e áreas do conhecimento de forma interdisciplinar e diferente do ensino tradicional.

O que segue é a apresentação de algumas delas, com base em pesquisa bibliográfica.

1. Centros de interesse

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Correspondem a uma estratégia metodológica em torno de centros de interesse significativos baseados nos interesses infantis, que, por sua vez, estão condicionados pelas necessidades naturais da criança (fisiológicas, psicológicas e sociais).

Seu precursor foi o pedagogo Ovide Decroly, que colocou em prática a psicologia de John Dewey, que propõe um ensino apropriado aos interesses e necessidades da criança, e cujos ideais sejam aproximar da vida a escola e ensinar a criança a agir, agindo.

Essa proposta metodológica tem como característica principal a globalização, que, de acordo com Decroly, é a única via da aprendizagem, pelo fato de a criança, com sua visão sincrética, não perceber fatos isolados, e nem perceber as coisas em seus detalhes, mas na sua totalidade. Decroly questiona, dessa forma, o ensino fragmentado, dividido por disciplinas, por não favorecer o desenvolvimento da inteligência e não permitir o conhecimento da realidade viva, total, reduzindo a aprendizagem a uma transmissão isolada. (SANTOMÉ, ibid., p. 193-194)

Partindo desses princípios, e visando o desenvolvimento integral do aluno, as atividades escolares são organizadas em torno das necessidades, através de centros de interesse, que servem de nexo de união entre as matérias, sem que haja a divisão por disciplinas.

2. Projetos interdisciplinares

A prática de projetos foi introduzida na escola quando Kilpatrick levou à sala de

aula as contribuições de Dewey sobre a “escola ativa”, a partir da filosofia: “Por que não fazer dentro da sala de aula o que se faz continuamente na rua, no ambiente natural verdadeiro?” O autor concebia uma nova espécie de aprendizado, que não se baseasse em respostas preestabelecidas, mas em métodos de ação, em situações novas, e a escola um ambiente propício a experiências e à atividade dos alunos. (KILPATRICK, 1974, p. 77)

Assim, os projetos, como uma forma de integração curricular, eram propostas de problemas interessantes da vida cotidiana dos alunos, a serem resolvidos em equipe (SANTOMÉ, ibid., p. 203).

A significação do termo projeto nas variadas línguas converge para o termo proposição (BEHRENS, 2006, p. 33) e de acordo com Fazenda (1991, p. 17) “um projeto interdisciplinar nunca poderá ser imposto, mas deverá surgir de uma proposição, de um ato de vontade...”

Na visão de Santomé (ibid., p. 206), o projeto deve ser de acordo com os interesses dos alunos, mas também deve gerar novos interesses, deve ser prazeroso e educacional ao mesmo tempo, de forma que dê continuidade ao aprendizado.

É importante ressaltar também algumas características que, de acordo com alguns autores (NOGUEIRA, ibid., p. 29; SANTOMÉ, ibid., p. 117), o trabalho por projetos apresenta:

• Caráter ativo, no sentido de possibilitar ao aluno que saia da posição passiva de mero receptor do conhecimento;

• Caráter interativo, por permitir múltiplas interações do aluno tanto com o objeto de conhecimento quanto com os demais alunos;

• Leva em consideração fatores como a contextualização e o respeito aos conhecimentos prévios dos alunos, suas necessidades, interesses e ritmos de aprendizagem.

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Além disso, de acordo com Behrens (ibid., p. 43), essa metodologia supera a perspectiva de acumulação e memorização de informações, desde que enfoca a aprendizagem significativa e o conhecimento em constante transformação.

Para Hernández (ibid., p. 64), os projetos vão além de uma metodologia apenas - dizem respeito a uma concepção de educação e escola e estão atrelados a uma mudança na educação, pois supõem “um enfoque do ensino que trata de ressituar a concepção e as práticas educativas na escola”, desde que instiga os professores a buscarem alternativas de renovação e inovação pedagógicas em sala de aula. Isso porque “os projetos de trabalho implicam um olhar diferente do docente sobre o aluno, sobre seu próprio trabalho e sobre o rendimento escolar.” De acordo com o autor, por meio dos projetos é possível: reorganizar a gestão do espaço, do tempo, da relação entre professores e alunos, e do saber escolar (aquilo que se deve ensinar e como ensinar); revisar a organização do currículo por disciplinas; levar em conta conhecimentos que circulam fora da escola, que vão além do currículo básico; valorizar a figura do professor como facilitador da aprendizagem; aproximar-se da identidade dos alunos e favorecer a construção da subjetividade.

Quanto à elaboração dos projetos, Santomé (ibid., p. 206-209) sugere que se correlacione diversas disciplinas, através de temas, tópicos ou idéias, em torno de uma questão da vida prática e diária, a partir de temas e pesquisas decididos pelos estudantes, através de conceitos, em torno de períodos históricos e/ou espaços geográficos, com base em instituições e grupos humanos, em torno de descobertas e invenções, ou mediante áreas do conhecimento.

Segundo Nogueira (ibid., p. 95), as etapas de um projeto seguem, de forma natural, a linha de raciocínio do indivíduo e podem ser:

1. Escolha do tema; 2. Planejamento; 3. Execução e realização; 4. Depuração; 5. Apresentação e exposição; 6. Avaliação.

3. Unidades didáticas integradas

São projetos ou propostas curriculares mais concretas e delimitadas que, em longo prazo, na medida em que são construídas e postas em prática, podem servir de base para agrupamentos que facilitam a elaboração de projetos curriculares integrados de maior alcance. (SANTOMÉ, ibid., p. 223).

Santomé sugere alguns passos a serem seguidos para a elaboração de unidades didáticas integradas: diagnóstico prévio (dos alunos, de suas experiências e conhecimentos prévios, da instituição escolar e da comunidade e seus recursos), metas educacionais, seleção do tópico a pesquisar, elaboração do plano de pesquisa, variedade de recursos e estratégias didáticas, trabalho em equipe, avaliação e apresentação do trabalho realizado.

4. Ciclo de aprendizagem

É um modelo instrucional a partir do qual podem ser desenvolvidas atividades

de uma determinada unidade de ensino. Foi adaptado por Gioppo, com base no Ciclo 5E de Aprendizagem (LLEWELLYN, apud GIOPPO, 2006, p. 8).

O Ciclo de Aprendizagem passou a ser denominado de 5E porque se desenvolve em cinco estágios, compostos por inúmeras atividades de ensino e de avaliação, e que

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são: Envolvimento (Engage); Exploração (Explore); Explicação (Explain); Elaboração ou Aprofundamento (Elaborate ou Extend); Avaliação (Evaluate) (id.).

O Ciclo pode ser uma forma de trabalhar com as áreas do conhecimento de forma integrada, seja por projetos ou parte de um projeto, quando se organiza os conteúdos em unidades didáticas integradas, para serem trabalhados em um prazo relativamente mais curto.

De acordo com Gioppo (2007, p. 8), “quando os professores planejam unidades de ensino envolvendo os cinco estágios do ciclo de aprendizagem, os alunos movem-se de experiências concretas para a compreensão do assunto estudado até chegar à aplicação dos princípios.”

A avaliação Considerando que o trabalho interdisciplinar implica inovação na educação com

relação aos conhecimentos e às formas de ensiná-los e aprendê-los, o mesmo ocorre com a avaliação, que passa a fazer parte do processo de aprendizagem dos alunos.

Segundo Hernández (ibid., p. 94-96), os três tipos de avaliação - inicial, formativa e somativa - com suas distintas funções, podem estar presentes no decorrer do trabalho interdisciplinar, em vários momentos. De acordo com o autor, mediante as mudanças que tem sido propostas na educação com a prática da interdisciplinaridade, faz-se necessário rever a função que deve ter a avaliação no processo de ensino-aprendizagem, que deve ser a de entender, interpretar, mais do que medir.

De acordo também com Nogueira (ibid., p. 165), neste contexto é necessário “repensar em novas formas de avaliação, não tão quantitativas e mais qualitativas.”

E é essa função que adquire a avaliação quando são realizadas avaliações contínuas, com base em situações reais, em exposições interativas ou em forma de portfólios, que envolvem os alunos na avaliação de seu próprio progresso e permitem a avaliação de caráter ipsativo2, ou seja, do aluno com relação a ele mesmo, no decorrer de um período.

O portfólio é uma estratégia de avaliação utilizada quando se trabalha com projetos, que permite ao aluno a reconstrução e reelaboração do seu processo de aprendizagem. Ele se constitui em um conjunto de documentos, registrados e organizados em forma de caixa, pasta ou CD-ROM, que proporcionam evidências do conhecimento que foi sendo construído e das estratégias utilizadas para aprender.

Essa coleção de itens revela, conforme o tempo passa, os diferentes aspectos do crescimento e do desenvolvimento de cada criança. (SHORES e GRACE, 2001, p. 43). Por esse motivo, a utilização do portfólio como recurso de avaliação tem como base a idéia da natureza evolutiva do processo de aprendizagem. E o que o caracteriza como modalidade de avaliação é o processo constante de reflexão, pois dá a oportunidade aos professores e alunos de refletirem sobre o desenvolvimento dos alunos e suas mudanças ao longo do processo.O portfólio, por ser resultado da participação ativa do aluno, em que ele próprio seleciona e organiza as melhores amostras de seu trabalho para fazer parte de sua coleção, possibilita sua auto-avaliação, ou seja, que avalie sua aprendizagem, seus progressos e dificuldades.

Nesse processo, o próprio aluno analisa continuamente as atividades desenvolvidas e em desenvolvimento e registra suas percepções e seus sentimentos.

2 Neologismo cuja origem provém da palavra ipsative, que designa, em inglês, um tipo de medida ou de avaliação do desempenho de alguém que se faz em comparação com outros desempenhos da mesma pessoa (e não com desempenhos de outrem). Derivado do latim ipse/a/um, que significa «mesmo, ele mesmo, de si mesmo» (MACHADO, José Pedro. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa).

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Essa análise leva em conta o que ele já aprendeu, o que ainda não aprendeu, os aspectos facilitadores e os dificultadores do seu trabalho. (VILLAS BOAS, apud BEHRENS, ibid., p. 105)

Gioppo (2006, p. 18), ao recomendar que a avaliação ocorra em cada etapa do Ciclo de Aprendizagem e não apenas ao final, sugere que um dos instrumentos que o professor pode utilizar na avaliação em todas as etapas do ciclo é o portfólio, que permite que tanto professor quanto aluno avaliem os resultados.

Porém, Behrens (ibid., p. 109) lembra que o professor, quando trabalha com projetos, pode não optar pela utilização do portfólio para procedimentos educativos ou avaliativos. Neste caso, mesmo não optando pelo portfólio, a avaliação precisa ser proposta de maneira contínua e gradual, como parte do processo de ensino-aprendizagem.

Outra estratégia também adequada para avaliação da aprendizagem no decorrer das etapas do Ciclo sugerida por Gioppo (ibid., p. 21) é a observação, que, de acordo com a autora, se desenvolvida de forma sistemática ao longo do processo de ensino-aprendizagem por meio de registros, pode fornecer dados importantes sobre as características dos alunos, suas potencialidades e fragilidades.

Santomé (ibid., p. 262) sugere como forma de acompanhar o progresso dos alunos, especialmente com relação aos conceitos implicados na unidade didática, os mapas conceituais, que servem para realizar um resumo final do que se aprendeu.

Nogueira (ibid., p. 105) sugere como ferramenta de avaliação o processofólio, que, de acordo com ele, diferente de um portfólio que coleta os melhores momentos de um processo, coleta todos os momentos. O autor julga encontrar no processofólio a melhor forma de avaliar e propiciar a auto-avaliação qualitativamente e continuamente durante e no final de um projeto.

O professor interdisciplinar O papel do professor, que é a peça chave para que se concretize o trabalho de

caráter interdisciplinar na escola, também merece uma reflexão a respeito. A integração dos conhecimentos é uma tarefa que exige dos professores, além de

uma vontade de praticar a interdisciplinaridade, uma atitude de investigação, de colaboração e de trabalho em equipe, com metas comuns a serem alcançadas (SANTOMÉ, ibid., p. 29)

De acordo com Fazenda (1991, p. 74), além de barreiras a nível material, institucional e de conhecimento, algumas barreiras a nível pessoal também podem impedir a prática interdisciplinar por parte dos professores, como por exemplo, a sua insegurança e a questão de sua formação tradicional, pautada na fragmentação do saber, que se reflete em seu trabalho em sala de aula.

Desde que a atitude interdisciplinar requer a superação do ensino tradicional, dividido em disciplinas desconexas entre si, a autora adverte que “mais importante que a modificação na estrutura curricular, faz-se necessária uma modificação nas pessoas, ou seja, uma abertura na forma de conceber a educação” (ibid., p. 121).

Por esse motivo, pode-se dizer que a interdisciplinaridade é uma filosofia de trabalho, uma questão de postura e atitude, que requer convicção, vontade de inovar, de trabalhar de forma diferente da tradicional, de romper paradigmas.

No trabalho interdisciplinar, o professor muda sua postura de protagonista do conhecimento, detentor do saber e se converte em aprendiz dos temas que irá estudar com os alunos e também das maneiras de abordá-los. E diante desse seu novo papel, ele

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se torna um mediador ou problematizador da relação dos alunos com o conhecimento, que se preocupa mais com seu processo de aprendizagem do que com o produto final.

Neste sentido, de acordo com Santomé (ibid., p. 254), o papel do professor adquire importância por ele se converter no elemento motivador dos processos de ensino e aprendizagem, pois deve levar os alunos a pensar e questionar as idéias. As intervenções do professor e as interações que estabelece com os alunos se constituem em mediações que exercem uma influência decisiva no estímulo aos alunos quanto à realização das tarefas.

Mediante alguns estudos, Santomé (ibid., p. 213) identificou no professor que realiza o trabalho interdisciplinar capacidades como: Estimular a colaboração e a participação de todos na sala de aula; Saber respeitar os diferentes ritmos de aprendizagem; Detectar os interesses ou temas que possam problematizar os alunos; Garantir o direito de cada aluno a ser escutado, respeitado e valorizado; Modular os estímulos, propostas, procedimentos e atividades sugeridas na dinâmica de sala de aula; Saber aproveitar os erros dos alunos para revisar o trabalho realizado e criar as condições para que estes possam detectar seus próprios erros e aprender a corrigí-los; Estar disposto para ajudar; Criar ambientes agradáveis e descontraídos; Valorizar as idéias criativas; Prestar atenção ao pensamento dos alunos e aceitar suas decisões; Estimular a ação; Recorrer a perguntas e problemas abertos; Ser acessível.

O mesmo autor também associa a interdisciplinaridade ao desenvolvimento de alguns traços da personalidade do professor, tais como a flexibilidade, confiança, paciência, intuição, pensamento divergente, capacidade de adaptação, sensibilidade com relação às demais pessoas, aceitação de riscos, aprender a agir na diversidade, aceitar novos papéis, etc.

Contudo, convém ressaltar que é importante também que o professor tenha conhecimento. Peña (apud FAZENDA, ibid., p. 61) enfatiza a necessidade de que as aulas sejam permeadas pela inserção de vivências práticas à teoria apreendida, para o que é necessário que o professor se aproprie do conhecimento científico para poder organizá-lo e articulá-lo.

Contribuições para a aprendizagem As contribuições da interdisciplinaridade para a aprendizagem dos alunos com

deficiência intelectual podem ser confirmadas e legitimadas mediante argumentos psicológicos.

Alguns desses argumentos baseiam-se nas teorias do construtivismo de Piaget, do sócio-interacionismo de Vygotsky e na teoria de Dewey, que evidenciam a importância da ação e da experiência para a construção do conhecimento e abordam aspectos sobre a idiossincrasia da psicologia infantil, a prioridade de atender às necessidades e interesses das crianças e os processos na aprendizagem.

Algumas teorias psicológicas defendem também o caráter “sincrético” ou global da percepção infantil, ou seja, que as crianças “não captam inicialmente as coisas pelos seus detalhes e partes isoladas, mas, pelo contrário, pela sua globalidade.” (SANTOMÉ, ibid., p. 35)

A abordagem interacionista de Piaget e Vygotsky concebe que a aprendizagem provém da interação que o sujeito estabelece tanto com o objeto de conhecimento quanto com o ambiente.

O construtivismo não admite a simples transmissão do conhecimento, de forma pronta e acabada, mas sim a construção do conhecimento. De acordo com ele, o papel

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da educação é o de provocar os alunos por meio de situações desequilibradoras, permitindo-lhes criar, descobrir soluções e superar os desequilíbrios.

Além disso, para Piaget a aprendizagem ocorre através de processos de equilibração, em que os conflitos cognitivos ou desequilíbrios são os motores das aprendizagens, e o organismo apenas assimila a informação que estiver ligada aos seus interesses e às possibilidades cognitivas oferecidas pelos esquemas anteriormente construídos. Sob esse ponto de vista, só as questões interessantes e motivadoras têm a possibilidade de gerar conflitos cognitivos e, conseqüentemente, aprendizagens. Para Piaget (apud SANTOMÉ, ibid., p. 38-39), “a motivação é sobretudo intrínseca e não extrínseca.” Isto equivale a dizer que o sujeito aprende e forma seus conhecimentos porque se interessa por eles.

O trabalho por projetos interdisciplinares pode propiciar a motivação pela aprendizagem, justamente por permitir um ensino contextualizado e maior liberdade para selecionar questões e temas de estudo e pesquisa mais familiares e interessantes para os alunos com deficiência intelectual.

Santomé (ibid., 40) destaca a importante contribuição de Vygotsky com sua teoria sócio-histórica em que ressalta o papel decisivo desempenhado pelas interações sociais na aprendizagem e desenvolvimento humanos, e a teoria da zona de desenvolvimento proximal, em que, por meio das mediações, o aluno é estimulado a desenvolver seu potencial intelectual.

Com base em sua teoria, e na ênfase que dá ao aspecto social como fator preponderante no desenvolvimento e aprendizagem da criança, Vygotsky determina dois níveis de desenvolvimento: nível de desenvolvimento real e nível de desenvolvimento potencial. Segundo o autor, a zona de desenvolvimento proximal “é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.” (VYGOTSKY, 2000, p. 112)

De acordo com essa teoria, a criança tem latentes capacidades e potencialidades para realizar determinadas tarefas, embora as efetive mediante a colaboração e intervenção de adultos ou crianças mais experientes. É a partir desse contato ou interação com o meio social que ela constrói seu conhecimento e passa a desempenhar as tarefas de forma independente: “Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica).” (VYGOTSKY, ibid., p. 75)

O autor destaca a importância do papel do professor como mediador e das interações que se estabelecem no meio escolar, enfatizando a importância da experiência partilhada do diálogo, da colaboração, enfim, de trocas sociais. E defende a idéia de que principalmente as pessoas com deficiência intelectual devem participar ativamente da vida social, pois a condição fundamental para que desenvolvam suas funções psicológicas superiores, como memória, abstração e percepção, são suas interações sociais no grupo e as mediações decorrentes dessas interações.

Vygotsky (ibid., p. 116) constatou, com base em seus estudos, que as crianças deficientes intelectuais não são muito capazes de ter pensamento abstrato e que, por esse motivo, sua aprendizagem deve ser mediada. Sendo assim, o papel da escola deve ser o de empurrá-las nessa direção, de forma que o concreto seja apenas um ponto de apoio para o desenvolvimento do pensamento abstrato.

Quanto a esse papel da escola na educação das crianças com deficiência intelectual, Batista e Mantoan (ibid., p. 18) esclarecem: “o atendimento educacional

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para tais alunos [com deficiência intelectual] deve privilegiar o desenvolvimento e a superação daquilo que lhe é limitado” e, para isso, “o contato direto com os objetos a serem conhecidos, ou seja, com sua ‘concretude’ não pode ser descartada, mas o importante é intervir no sentido de fazer com que esses alunos percebam a capacidade que têm de pensar, de realizar ações em pensamento.”

Mantoan (1997, p. 62-63) enfatiza que a produção dos efeitos esperados na educação dos deficientes intelectuais depende do apoio externo do professor, cujo papel como mediador é o de propor situações que provoquem a atividade intelectual dos alunos, levando-os a controlar a atenção, antecipar acontecimentos, retroagir no tempo e no espaço, argumentar, cair em contradição, elaborar novas hipóteses e comprová-las, resolver situações-problema, construir regras e a expressar livremente suas idéias e explicações sobre o mundo, para que ajam de forma a pensarem sobre suas ações - o que fazem, o que respondem, o que planejam fazer e o que já executaram.

A teoria da Modificabilidade Estrutural Cognitiva, do pedagogo e psicólogo Reuven Feuerstein, que também norteia a educação de pessoas com deficiência intelectual nos dias de hoje, consiste em averiguar e investir no potencial do indivíduo e suas condições latentes para se modificar cognitivamente. De acordo com Feuerstein (apud BEYER, 1996, p. 77), mesmo os indivíduos com deficiência intelectual estão em constante desenvolvimento e transformação cognitiva, pois possuem níveis de desenvolvimento e modificação cognitiva que podem ser ativados. O pesquisador estabelece como condição para que isso ocorra a interação e a mediação na aprendizagem. Assim, seu desenvolvimento cognitivo depende principalmente das experiências de aprendizagem mediada e das vivências sócio-interativas.

Um dos principais objetivos desse método consiste em que a criança desenvolva a capacidade da metacognição, ou seja, da auto-regulação nos seus processos cognitivos.

De acordo com Marchesi e Martín (apud COLL; PALÁCIOS; MARCHESI, 1995, p. 26-27) o específico da inteligência é a capacidade de auto-regular a própria aprendizagem, para que o aprendiz possa generalizar ou transferir uma aprendizagem a novas situações. Toda aprendizagem pressupõe generalizar o conhecimento anterior. Os autores salientam que os alunos com atrasos de aprendizagem têm essa capacidade de generalização ou transferência limitada, em razão da dificuldade em planejar e regular seus processos de conhecimento:

A escolarização tem como principal objetivo que os alunos aprendam a aprender, que se dêem conta do que sabem e do que não sabem, e que saibam como e onde obter a informação necessária. Se esta é uma meta para qualquer aluno, ela assume uma importância muito maior para aqueles cuja deficiência consiste na incapacidade de desenvolver, por si mesmos, os processos que lhes permitam regular sua aprendizagem.

Dessa forma, no ensino aos alunos com deficiência intelectual é de suma importância que o professor desenvolva estratégias que possibilitem que os alunos interajam entre si e cooperem uns com os outros.

As práticas interdisciplinares possibilitam que o professor, ao trabalhar de forma diferente da tradicional, crie situações que permitam maior interação e cooperação entre os alunos e entre estes e o professor ou outros profissionais. Dessa forma, pode ocorrer a mediação da aprendizagem de que fala Vygotsky, tão importante para que o aluno com deficiência intelectual internalize o conhecimento e desenvolva sua metacognição, passando a auto-regular seus processos de aprendizagem.

A perspectiva de Ausubel sobre a aprendizagem significativa, de acordo com a qual a aprendizagem ocorre quando as novas informações e conhecimentos podem

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relacionar-se com aquilo que a pessoa já sabe, também fundamenta o currículo integrado, pois quanto maior for a compartimentação dos conteúdos, mais difícil será sua compreensão e significatividade (SANTOMÉ, ibid., p. 40).

Esse tipo de aprendizagem se contrapõe à aprendizagem mecânica ou repetitiva, reforçada por métodos tradicionais de ensino. A forma como se organiza o processo de aprendizagem, se por mera recepção, onde os conhecimentos são dados prontos ao aluno, ou por descoberta, pode determinar a forma como o mesmo recebe os conteúdos, se de maneira mecânica ou significativa.

Sendo assim, a aprendizagem será muito mais significativa na medida em que o novo material for incorporado às estruturas de conhecimento de um aluno e adquirir significado para ele a partir da relação com o seu conhecimento prévio. Ao contrário, será mais mecânica ou repetitiva na medida em que se produzir menos atribuição de significado, e o novo material será armazenado isoladamente ou por meio de associações arbitrárias.

Segundo Coll (apud HERNÁNDEZ e VENTURA, 1998, p. 57), o princípio da globalização traduz a idéia da aprendizagem significativa, segundo a qual as pessoas não aprendem por simples adição ou acumulação de novos elementos à sua estrutura cognoscitiva, mas sim estabelecem conexões a partir dos conhecimentos que já possuem. Para o autor, portanto, a razão pela qual a aprendizagem escolar deve ser o mais globalizadora possível é que quanto mais globalizado for o aprendizado, maior será sua significatividade, mais estável sua retenção e maior sua transferência e funcionalidade.

Com relação a isso, Santomé (ibid., p. 41) comenta: “quando quem aprende encontra conteúdos quase sem sentido, ligados arbitrariamente entre si e difíceis de relacionar com os conteúdos de sua atual estrutura cognitiva, ocorre uma aprendizagem memorística.”

O autor também aborda uma questão importante: “é preciso levar em consideração as peculiaridades cognitivas dos que aprendem, conhecer e partir dos seus conceitos espontâneos e implícitos para gerar as adequadas contradições ou conflitos cognitivos capazes de obrigar cada estudante a substituir ou reconstruir suas idéias para enfrentar os novos desafios que o envolve.” (ibid., p. 43)

Daí a importância de não se fragmentar os conteúdos, mas sim de criar situações de ensino e aprendizagem em que os conteúdos culturais relevantes selecionados no projeto interdisciplinar sejam contextualizados e possam interagir e propiciar processos de reconstrução a partir do que já existe nas estruturas cognitivas dos alunos com deficiência intelectual.

Gardner (1995, p. 16), precursor da teoria das Inteligências Múltiplas, cuja essência é respeitar as diferenças entre as pessoas, as múltiplas variações em suas maneiras de aprender, os vários modos pelos quais elas podem ser avaliadas, defende o trabalho por projetos em uma escola centrada no aluno, pois, de acordo com ele “nem todas as pessoas têm os mesmos interesses e habilidades; nem todos aprendem da mesma maneira.”

O autor agrupa as capacidades das pessoas em oito categorias ou “inteligências”, a saber: Inteligência Lingüística, Inteligência Lógico-Matemática, Inteligência Espacial, Inteligência Corporal-Cinestésica, Inteligência Musical, Inteligência Interpessoal, Inteligência Intrapessoal e Inteligência Naturalista. Foi incluída também, recentemente, a Inteligência Existencial, que corresponde à preocupação com as questões básicas da vida.

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Esta teoria contribui com a educação no sentido de sugerir aos professores que adequem o ensino às características dos alunos, expandindo seu repertório de técnicas, instrumentos e estratégias.

Armstrong (2001, p. 7), especialista da educação especial, aplicou a teoria nesta área, com base nos muitos talentos que via nas crianças com deficiências. Segundo ele, a teoria das Inteligências Múltiplas tem amplas implicações para a educação especial porque ao se focalizar um amplo espectro de capacidades colocam-se as incapacidades em um contexto mais amplo, e os professores começam a perceber os alunos com necessidades especiais como pessoas por inteiro, que possuem força em muitas áreas de inteligência. Esse é o paradigma de crescimento, que pode orientar o trabalho do professor no sentido de que não considere essas crianças em termos de seus déficits, mas de suas possibilidades.

O autor sugere que os professores ensinem os alunos com deficiência em um âmbito interdisciplinar, pois a teoria das Inteligências Múltiplas proporciona um contexto para estruturar currículos temáticos e integrados. O professor, ao escolher um conteúdo, área, tema ou objetivo, pode desenvolver pelo menos oito maneiras de ensiná-lo, de forma que as atividades ativem as oito inteligências e aproveitem os talentos de todos os alunos. (ibid., p. 70)

Klein (in FAZENDA, 1998, p. 118), a partir de estudos realizados, argumenta que os alunos, no ensino interdisciplinar, apresentam algumas características positivas à aprendizagem, como:

1. Ficam mais motivados e engajados em pensamentos de nível mais alto, pois são mais capazes de lidar com questões e problemas complexos, estabelecer conexões e lidar com a contradição;

2. Demonstram mais criatividade, atenção e melhor assimilação em virtude das múltiplas conexões.

Além disso, pesquisas do cérebro relacionadas à aprendizagem contextual relatam que “integrar o aprendizado sobre um tema central parece favorecer um desenvolvimento do pensamento crítico maior do que o possibilitado pelas mesmas experiências curriculares sem um requisito integrador.” (id.)

Sendo assim, a integração dos conhecimentos pode propiciar aos alunos com deficiência intelectual o estímulo e desenvolvimento de seu pensamento abstrato, que, segundo Batista e Mantoan (2006, p. 18), é condição fundamental do atendimento especializado. Para a autora, que defende a necessidade da educação interdisciplinar para esses alunos, a sistematização de conhecimentos na escola não deve se restringir a disciplinas, mas ir além, rumo a uma visão de currículo transdisciplinar, em que o saber não seja “arbitrariamente recortado, mas acessível por inteiro à capacidade de assimilação e, portanto, à criatividade, à inteligência de quem o abordar, pois estará sendo identificado pelo que é comum entre as disciplinas e que está além delas próprias.” (MANTOAN, 1997, p. 48)

As contribuições da Neurociência aplicadas à educação, com relação à forma como se aprende e as estratégias que facilitam a aprendizagem, também são favoráveis ao ensino integrado e interdisciplinar.

Os estudos de Neurociência, voltados à investigação de como funciona o sistema nervoso e como o cérebro aprende e lembra, contribuem para a educação no sentido de esclarecer, mediante razões científicas e concretas, porque certas estratégias e práticas educativas são mais eficientes que outras.

Bartoszeck (2006, p. 4), com base em estudos de Rushton & Larkin, estabeleceu uma relação entre os princípios da Neurociência sobre como o cérebro aprende e as

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estratégias que podem ser criadas no ambiente de sala de aula para promover a aprendizagem. O autor faz referência a algumas delas no quadro que segue:

Princípios da neurociência Ambiente de sala de aula 1. Aprendizagem & memória e emoções ficam interligadas quando ativadas pelo processo de aprendizagem.

Aprendizagem sendo atividade social, alunos precisam de oportunidades para discutir tópicos. Ambiente tranqüilo encoraja o estudante a expor seus sentimentos e idéias.

2. O cérebro se modifica aos poucos fisiológica e estruturalmente como resultado da experiência.

Aulas práticas/exercícios físicos com envolvimento ativo dos participantes fazem associações entre experiências prévias com o entendimento atual.

3. O cérebro mostra períodos ótimos (períodos sensíveis) para certos tipos de aprendizagem, que não se esgotam mesmo na idade adulta.

Ajuste de expectativas e padrões de desempenho às características etárias específicas dos alunos, uso de unidades temáticas integradoras.

4. O cérebro mostra plasticidade neuronal (sinaptogênese), mas maior densidade sináptica não prevê maior capacidade generalizada de aprender.

Estudantes precisam sentir-se “detentores” das atividades e temas que são relevantes para suas vidas. Atividades pré-selecionadas com possibilidade de escolha das tarefas aumentam a responsabilidade do aluno no seu aprendizado.

5. Inúmeras áreas do córtex cerebral são simultaneamente ativadas no transcurso de nova experiência de aprendizagem.

Situações que reflitam o contexto da vida real, de forma que a informação nova se “ancore” na compreensão anterior.

6. O cérebro foi evolutivamente concebido para perceber e gerar padrões quando testa hipóteses.

Promover situações em que se aceite tentativas e aproximações ao gerar hipóteses e apresentação de evidências. Uso de resolução de “casos” e simulações.

7. O cérebro responde, devido à herança primitiva, às gravuras, imagens e símbolos.

Propiciar ocasiões para alunos expressarem conhecimento através das artes visuais, música e dramatizações.

Dessa forma, os resultados desses estudos justificam certas estratégias utilizadas

na escola: 1) O pensamento não é linear, o cérebro trabalha melhor com contexto do que de

forma isolada. O aluno, para aprender, deve estar motivado para tal, compreender a necessidade do conhecimento e a relação do mesmo com sua vida. A aprendizagem torna-se mais significativa quando o que se aprende é aplicado às situações da vida real. Por esse motivo, é necessário contextualizar os conteúdos trabalhados, ligando-os com situações do mundo real, criando cenários e experiências para determinadas situações e determinados aprendizados, como visita a museus, passeios, uso de computador e outros recursos mais, mediante uma diversidade de estratégias.

2) A aprendizagem ocorre em espiral, ou seja, a informação nova se ancora na anterior, já existente em algum lugar do cérebro. Por esse motivo, é importante que o professor não repasse informações, mas se utilize de técnicas que desenvolvam o pensamento do aluno e que o façam identificar o que já sabe sobre o assunto, antes de ensinar um novo conceito, de forma criativa. Através de projetos, o aluno tem a possibilidade de fazer relações com o conhecimento anterior, mesmo que não científico.

3) O cérebro funciona como um sistema coeso e integrado, embora composto por unidades funcionais bloco a bloco. Suas múltiplas subunidades fazem o processamento da informação por si e depois integram essa informação. Os conhecimentos devem ser trabalhados não de forma isolada, mas de forma integrada e contextualizada, para que não haja seu mero repasse. Sugere-se que se trabalhe com unidades didáticas integradas ou projetos, em que os alunos possam escolher os temas, para que se sintam detentores das atividades e temas que lhes sejam relevantes. Porém, recomenda-se que o ensino seja integrado não só na teoria, mas também na prática,

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quando, por exemplo, através de uma atividade prática de criação de animais em sala, podem-se explorar os vários elementos de interesse dos alunos.

4) O cérebro se modifica fisiológica e estruturalmente como resultado da experiência. Por esse motivo, o ensino deve ser ativo, através de práticas que envolvam os alunos fisicamente nas experiências.

5) Recomenda-se que o currículo escolar não seja muito extenso, mas curto, com possibilidades de maior aprofundamento nos conhecimentos, e que a avaliação seja realizada por meio de portfólios.

6) Existem múltiplas vias para a aprendizagem. A mesma informação pode ser canalizada de diferentes formas entre os alunos, como por exemplo, pelas vias visual (por meio de imagens, ilustrações, diagramas, mapas conceituas/mentais), auditiva (por meio de resumos verbais, músicas), etc. A informação representada por múltiplos canais pode ser mais facilmente compreendida. Por esse motivo, deve-se propiciar oportunidades aos alunos de expressarem conhecimento também através das artes visuais, música, dramatizações, com riqueza de recursos. (BARTOSZECK, 2007)

Como se vê, todas as estratégias aqui sugeridas são práticas inovadoras que ocorrem naturalmente no trabalho interdisciplinar e que podem ser aplicadas em ambientes educativos não tradicionais para a educação dos alunos com deficiência intelectual.

Para Nogueira (ibid., p. 89), os projetos interdisciplinares possibilitam que se trabalhe os conteúdos de forma focada nas características individuais dos alunos, percebendo individualmente as diferentes formas de aprender, os diferentes interesses, e as dificuldades e potencialidades de cada um. Além disso, propiciam uma riqueza de materiais, experiências, vivências e múltiplas interações do aluno com o meio, com outros indivíduos e com o objeto do qual pretende se apropriar. O autor constata também que o trabalho por projetos, por permitir a aprendizagem com resolução de situações-problema, pode favorecer o desenvolvimento cognitivo.

A riqueza de recursos que o trabalho interdisciplinar propicia é um fator de grande importância na educação de alunos com deficiência intelectual. Dentre esses recursos estão as TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação), que podem ser adaptadas aos diferentes estilos de aprendizado, aos diferentes níveis de capacidade e interesse, às diferentes situações de ensino-aprendizado. O computador, por exemplo, é uma ferramenta que pode promover a construção do conhecimento pelo aluno com deficiência intelectual. De acordo com Valente (1991, p. 13), a interação com o computador propicia um ambiente riquíssimo e bastante efetivo do ponto de vista de construção do conhecimento: “quando o aprendiz está interagindo com o computador ele está manipulando conceitos e isso contribui para o seu desenvolvimento mental.”

Outro fator importante a se considerar é com relação às formas de avaliação no ensino interdisciplinar, que coincidem com as orientações na educação especial.

Torres González (2002, p.128, 190) afirma que a avaliação na educação especial deve ser formativa e interativa, estar incorporada ao processo de ensino-aprendizagem, e possa gerar informação que permita fundamentar as decisões dos professores, tendo, dessa forma, as seguintes características construtivistas: ser holística, dinâmica e multidimensional; buscar as interações entre cognição, motivação, auto-conceito e aprendizagem; dirigir-se aos processos metacognitivos e às estratégias de aprendizagem; explicar as contínuas interações entre o progresso e os efeitos do currículo; construir um continuum com o processo de instrução.

Entende-se que a avaliação utilizada no ensino tradicional não contempla a diversidade dos alunos com deficiência intelectual, cujo desenvolvimento e desempenho

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não devem ser medidos ou comparados quantitativamente aos de outros alunos, mas sim comparados de forma qualitativa e ipsativa.

Uma das formas de avaliação que pode adquirir essa função e que contempla a educação inclusiva são os portfólios, por envolverem os alunos na avaliação de seu próprio progresso e também permitirem avaliações contínuas, com base em situações reais e em exposições interativas.

De acordo com o documento O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular (BRASIL, 2004, p. 41-42), a avaliação na educação inclusiva deve ser dinâmica, contínua, e deve mapear o processo de aprendizagem dos alunos em seus avanços, retrocessos, dificuldades e progressos:

Vários são os instrumentos que podem ser utilizados para avaliar, de modo dinâmico, os caminhos da aprendizagem, como: os registros e anotações diárias do professor, os chamados portfólios e demais arquivos de atividades dos alunos e os diários de classe, em que vão sendo colecionadas as impressões sobre o cotidiano do ensino e da aprendizagem. A utilização de portfólios e demais formas diferenciadas de expressão dos

conhecimentos adquiridos no ensino interdisciplinar para avaliação do aluno com deficiência intelectual pode permitir sua auto-avaliação e reflexão sobre seu processo de aprendizagem - com relação ao que aprendeu e o que ainda lhe falta aprender - e possibilitar que desenvolva sua autonomia e metacognição.

Por fim, mediante as considerações teóricas, algumas ações que fazem parte do ensino interdisciplinar são requisitos indispensáveis para promover a aprendizagem do aluno com deficiência intelectual.

4. METODOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

A pesquisa realizada pode ser caracterizada como exploratória, pois, tendo como base Gil (1996, p. 45), buscou-se, por meio de levantamento bibliográfico, coleta e análise dos dados obtidos com professores de alunos com deficiência intelectual que tiveram experiências práticas com a interdisciplinaridade, o aprimoramento de idéias a respeito do tema, bem como a confirmação de algumas hipóteses que se tinha no início do trabalho.

A pesquisa foi desenvolvida por esta professora PDE junto a professores de alunos com deficiência intelectual em escolas de quinze municípios do Estado do Paraná, a saber: Curitiba, Alto Piquiri, Atalaia, Capanema, Cambira, Cruzeiro do Oeste, Guairaçá, Guarapuava, Grandes Rios, Jardim Alegre, Londrina, Nova América da Colina, Nova Esperança do Sudoeste, Querência do Norte, Realeza.

Participaram da pesquisa alguns professores do curso Práticas pedagógicas interdisciplinares utilizadas por professores de alunos com deficiência intelectual em

processo de alfabetização e letramento do Grupo de Trabalho em Rede (GTR) do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), da turma de 2007, monitorado pela autora deste artigo, e também os professores da Escola de Educação Especial Nilza Tartuce que faziam parte do grupo de implementação da proposta do PDE na escola.

O instrumento utilizado para a coleta de dados foi um questionário com questões abertas, que foi aplicado no primeiro semestre de 2008, ora presencialmente, ora enviado para preenchimento via internet, visando levantar dados sobre as práticas pedagógicas interdisciplinares desenvolvidas por esses professores: suas concepções sobre interdisciplinaridade, de que forma sistematizam as práticas interdisciplinares, as contribuições das mesmas para a aprendizagem do aluno deficiente intelectual, os

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fatores que dificultam e os que favorecem a sistematização do trabalho interdisciplinar na escola, suas dúvidas e necessidades teóricas quanto ao tema.

Cabe ainda ressaltar que todas as questões relativas às suas práticas envolviam a necessidade de relatos referentes às mesmas por parte dos professores respondentes. 5. ANÁLISE DOS RESULTADOS

Ao serem questionados se desenvolvem ou já desenvolveram práticas

interdisciplinares em sala de aula com alunos com deficiência intelectual, 90% dos professores, o que representa a grande maioria deles, confirmaram que trabalham ou já trabalharam dessa forma e relataram experiências e situações ocorridas em sala de aula, ratificando a questão levantada no início desta pesquisa.

Sendo assim, cabe verificar como esses professores concebem e realizam as práticas interdisciplinares. A maioria das respostas referentes ao conceito e concepção de interdisciplinaridade circundou pelos mesmos caminhos, apenas diferindo quanto a alguns termos utilizados, como: integração, interação, intersecção, interligação ou conexão das disciplinas ou áreas do conhecimento; a integração dos conteúdos das diversas áreas do saber; ou ainda o trabalho com um tema gerador, um assunto, um conteúdo ou um centro de interesse nas diversas áreas. Outro aspecto importante da interdisciplinaridade, se não essencial, foi mencionado: “Interdisciplinaridade pressupõe trabalho em conjunto, onde todos falam a mesma língua, têm os mesmos objetivos e, é claro, alcançando também objetivos específicos de cada área”.

Porém, vale também transcrever na íntegra algumas respostas dadas por 15% dos professores, que enfatizaram alguns aspectos atitudinais: “Interdisciplinaridade é repensar e questionar a prática pedagógica...”; “... significa a busca de algo novo e desconhecido”; “a interdisciplinaridade não é um momento, uma ‘moda’, e sim um agir com conhecimento numa nova perspectiva de mundo”; e “é um modo de se trabalhar o conhecimento que busca uma reintegração de aspectos que ficaram isolados uns dos outros pelo tratamento disciplinar. Com isso, busca-se conseguir uma visão mais ampla e adequada da realidade, que tantas vezes aparece fragmentada pelos meios de que dispomos para conhecê-la e não porque o seja em si mesma.”

A forma como planejam, organizam e desenvolvem as práticas interdisciplinares relatada pela maioria dos professores (63%) e, portanto, a mais comum, é o trabalho por projetos, partindo de um conteúdo ou tema a ser abordado em várias disciplinas de forma integrada, cada uma dando sua contribuição àquele tema ou conteúdo. Dentre esses professores, alguns relataram experiências com projetos relacionados com a realidade e necessidade dos alunos, cujo ponto de partida era um problema a resolver, ou uma situação real do interesse dos alunos, e por meio dos quais foram trabalhados vários conteúdos e disciplinas interligadas; outros relataram a prática de trabalho com projetos, em que o ponto de partida é um passeio realizado pelos alunos, uma situação ou um jogo, para que se explore os vários conteúdos das várias disciplinas, de forma integrada, e em torno da mesma situação vivenciada; e outros, ainda, mencionaram partir do conhecimento prévio dos alunos sobre determinado tema, para apresentarem novos conhecimentos.

Outra forma de trabalho semelhante à anterior relatada por 30% dos professores consiste em “procurar trabalhar um tema, assunto ou conteúdo curricular em mais que uma disciplina”, cada uma em seu momento. Neste grupo de professores são elaborados planejamentos interdisciplinares, mas não projetos.

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No entanto, outros 7% denotaram em seus relatos falta de sistematização e intenção bem definida nas práticas interdisciplinares que realizam, quando dizem trabalhar intuitivamente, conforme sentem a necessidade, ou que desenvolvem as práticas de acordo com os conteúdos do currículo que precisam trabalhar, ou, ainda, que planejam os conteúdos separadamente, mas durante a aula, realizam as práticas interdisciplinares.

Para verificar como estão ocorrendo essas práticas interdisciplinares, se realmente há um trabalho conjunto envolvendo vários profissionais, os professores foram questionados se há o envolvimento de mais algum profissional da escola ou de fora dela. O resultado aponta para o fato de que do total de práticas já desenvolvidas, 67% foram em conjunto com outros profissionais da escola, incluindo equipe pedagógica e técnica, professores de outras disciplinas e profissionais de base, 22% contaram com o apoio de pessoas da comunidade, em geral voluntárias, para entrevistas, atividades extra-classe, pesquisas e palestras, 11% envolveram a participação e apoio da família dos alunos.

Os professores, em geral, expressaram reconhecer alguns importantes aspectos teóricos e atitudinais envolvidos no trabalho interdisciplinar, como: visão holística do conhecimento, inter-relações entre as várias áreas do conhecimento, trabalho conjunto entre a equipe da escola e a intencionalidade que deve haver neste trabalho, em detrimento de práticas intuitivas.

As práticas relatadas pela maioria dos professores denotam uma sistematização clara e intencional, sendo que uma menor parte deles as desenvolve de forma intuitiva, sem intenção bem definida. Além disso, todas as práticas envolveram, de alguma forma, a interação e envolvimento de outras pessoas, como profissionais de dentro ou de fora da escola e a família.

Com relação à avaliação no trabalho interdisciplinar, 77% dos professores relataram que utilizam a avaliação diária, contínua e formativa, por meio de:

• Observação da participação e interesse do aluno, das mudanças de comportamento e atitudes frente aos desafios, para resolver pequenos problemas, e da aplicação dos conhecimentos adquiridos em outras situações;

• Registro diário das aquisições dos alunos e seu desempenho durante a realização das atividades em sala, durante o recreio e atividades extra-classe;

• Portfólios.

E 23% dos professores mencionaram o relatório ou parecer descritivo bimestral ou semestral, relatando a evolução dos alunos.

Foram citados também relatos orais e apresentações como formas de avaliar. No entanto, é importante destacar que todos esses professores, apesar das

diferenças em suas formas de avaliar, enfatizaram o caráter ipsativo do processo avaliativo, ou seja, que partem sempre do aluno em relação a ele mesmo, o que contempla a diversidade.

Foi mencionada uma variedade e riqueza de recursos que viabilizam as práticas interdisciplinares desses professores, dentre eles as TICs e outros recursos audiovisuais, recursos naturais, materiais lúdicos, instrumentos musicais, materiais artísticos, material reciclável, material esportivo, variados tipos de textos impressos, máquina fotográfica, meio de transporte, recursos financeiros, etc.

Os professores também foram questionados se as práticas interdisciplinares realmente contribuem para a aprendizagem do aluno deficiente intelectual e por quê, e quais foram os resultados já alcançados por eles com essa clientela.

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Todos os professores se posicionaram de forma afirmativa à primeira questão, e apresentaram vários argumentos para justificar os bons resultados obtidos, que foram organizados abaixo em categorias e de acordo com maior índice de freqüência:

1. Respeito às características individuais: 38% dos professores opinaram que as práticas interdisciplinares propiciam o trabalho com os conteúdos ou temas em vários momentos e situações, nas diversas áreas do conhecimento, de diversas formas e mediante variados recursos, o que faz com que os alunos tenham mais oportunidades para assimilar os conteúdos. De acordo com esses professores, essa forma de trabalho possibilita a abordagem dos conteúdos de forma focada nas características individuais dos alunos, em suas diferentes formas de aprender, bem como nos diferentes interesses, necessidades e potencialidades de cada um, o que facilita a assimilação do conhecimento. São fragmentos de argumentos apresentados por alguns desses professores: “... devemos estar sempre atrás de novos métodos e alternativas para trabalharmos com nossos alunos, levando sempre em conta que a aprendizagem ocorre de forma diferenciada, não sendo igual para todos” e “através da interdisciplinaridade o professor pode se utilizar de estratégias que se adaptem melhor ao seu aluno, valorizando seus interesses, necessidades e aspirações, favorecendo assim a apropriação do conhecimento...”

2. Contextualização e aprendizagem significativa: 34% dos professores fizeram referência à contextualização dos conhecimentos e ao desenvolvimento do raciocínio. De acordo com esses professores, a interdisciplinaridade favorece a vivência de situações reais ou a simulação de problemas e contextos da vida real que, ao serem enfrentados com a mediação do professor, estimulam o pensamento e o raciocínio dos alunos, bem como melhoram sua atenção e concentração. Além disso, constatam que a aprendizagem dos conteúdos é mais significativa quando os mesmos são contextualizados e integrados. Vale transcrever algumas respostas desse grupo de professores: “os alunos aprendem relacionando conteúdos similares que podem ser aplicados em diversas situações”; “Quanto mais próximo estiverem o conhecimento escolar e os contextos presentes na vida pessoal do aluno, mais o conhecimento terá significado”; “Quando desenvolvemos um trabalho com os alunos com dificuldades de aprendizagem, devemos considerar que o conteúdo que queremos que ele aprenda terá um significado maior quando apreendido em sua totalidade, e não apenas partes isoladas e sem significado.” “... faz com que o aluno desenvolva melhor seu raciocínio e assim consegue assimilar melhor os conteúdos propostos.”

3. Motivação: 12% dos professores fazem referência a esse fator. Segundo esses professores, as práticas interdisciplinares são mais dinâmicas, interessantes e envolvem mais os alunos, que se sentem mais motivados a participarem. Incluem-se também nesta categoria os professores que fizeram menção à melhora da auto-estima dos alunos e desenvolvimento de sua autonomia.

4. Ensino ativo e variedade de recursos: 9% dos professores abordam a questão da importância da ação e experiência para a construção do conhecimento pelo aluno, bem como da riqueza de recursos nas aulas, dentre eles materiais concretos e lúdicos. Uma das professoras esclarece: “por não terem desenvolvido o pensamento simbólico ainda, as práticas que envolvem o concreto facilitam a aprendizagem não só das crianças com deficiência mental, mas de todas.”

5. Flexibilização curricular: 5% dos professores expressaram que o ensino dos deficientes intelectuais deve contemplar, de forma natural, a interdisciplinaridade, que deve “fazer parte” do planejamento de “todo professor”, que pressupõe flexibilizações do currículo. Uma dessas professoras constata: “As estratégias interdisciplinares contribuem e muito para alunos com deficiência mental, sejam elas

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trabalhadas em escolas especiais, ou escolas regulares inclusivas. O professor deve trabalhar com a flexibilização do currículo e tais estratégias fazem parte deste processo.”

6. Trabalho conjunto: para 2% dos professores, dentre os vários fatores pelos quais o trabalho interdisciplinar contribui para a aprendizagem dos alunos com deficiência intelectual, merece destaque também o trabalho conjunto, em que vários profissionais atuam com vistas a um objetivo em comum – o desenvolvimento integral desses alunos.

Com relação aos aspectos referentes ao professor necessários para o desenvolvimento de práticas interdisciplinares, os professores identificaram, em geral, três principais aspectos, e expressaram algumas dúvidas e necessidades teóricas que apresentam sobre o tema, bem como a necessidade de aprimoramento de sua prática. São citados abaixo esses três aspectos:

1. Aspectos relacionados ao conhecimento (47%): Reconhecem a necessidade de estarem preparados e atualizados em nível de conhecimento teórico e dos conteúdos a serem trabalhados, referentes tanto à sua área de atuação quanto a outras áreas. Esses professores vêem a necessidade de acesso permanente a pesquisas atualizadas e organização de grupos de estudos na escola.

2. Aspectos subjetivos, relacionados às características e atitudes do professor (37%): Ser criativo, dinâmico, estar disponível para se preparar em nível de conhecimento e para propor ações; Procurar sempre conhecer seus alunos para que possa buscar alternativas que promovam sua aprendizagem; Dedicar-se, comprometer-se e envolver-se com o trabalho, bem como ser flexível e estar aberto a reflexões sobre sua prática e novas idéias; Ser capaz de estabelecer trocas com os colegas. Enfim, como expressou uma professora, “passar de uma concepção fragmentada para uma concepção unitária de conhecimento, superar a dicotomia entre o ensino e pesquisa, centrados numa visão de aprendizagem ao longo da vida.”

3. Aspectos relacionados à prática do professor (16%): Vêem a necessidade de saber como efetivar a interdisciplinaridade na escola, ficando atentos em como “amarrar” os conteúdos entre si e, ao mesmo tempo, tendo sensibilidade para perceber até onde podem ir sem que os alunos percam o interesse. E também saber utilizar recursos e metodologias adequadas aos conteúdos trabalhados. Uma professora se questiona: “Será que as relações que estamos fazendo entre os conteúdos estão sendo suficientes para a aquisição do conhecimento sistematizado? As estratégias estão condizentes com as necessidades do meu aluno? São várias as indagações, mas temos que pôr em prática e esperar pelos resultados.”

Ao serem solicitados que identificassem elementos que favorecem e que dificultam a prática da interdisciplinaridade na escola, os professores abordaram elementos organizacionais (referentes a tempo, espaço físico, recursos e gestão escolar), pessoais (referentes a atitudes), teóricos (referentes a conhecimentos) e funcionais (referentes ao currículo).

Segue abaixo os elementos que, de acordo com os resultados da pesquisa, favorecem a interdisciplinaridade, organizados por ordem de maior freqüência:

1. Elementos organizacionais (51%): Essa categoria abrangeu a questão da organização da escola com relação ao tempo disponível para reuniões e encontros envolvendo toda a equipe para estudos e pesquisas, planejamento conjunto do trabalho interdisciplinar, troca de conhecimentos e experiências, e avaliação do processo. Dentro dessa categoria também foram mencionadas a oferta de espaço físico adequado e suficiente pela escola para o atendimento aos alunos e também a disponibilidade de materiais adequados e diversificados para a utilização dos professores em sala. Os

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recursos pedagógicos mais citados foram as TICs, dentre elas o computador. É importante ressaltar que esses professores também se referiram a recursos humanos suficientes, bem como à capacidade de toda a equipe da escola em dar apoio e suporte à implantação de novos projetos, dar autonomia aos professores, trabalhar de forma articulada com os vários profissionais, manter uma boa relação, baseada no respeito e diálogo, ser receptiva a toda a comunidade, colaborar e incentivar o trabalho do professor, e, como disse uma professora, é preciso “conscientização da equipe pedagógica que certas atividades fazem parte de um todo e são tão ou mais importantes do que aquelas realizadas na sala de aula.”

2. Elementos pessoais (26%): Dentre os elementos pessoais, foram identificados aspectos referentes a algumas atitudes dos profissionais, como postura aberta diante do trabalho interdisciplinar, flexibilidade e adaptabilidade a mudanças, olhar diversificado sobre o aluno, em prol de seu desenvolvimento e aprendizagem, boa relação professor-aluno. 3. Elementos teóricos (17%): Foram citados conhecimento dos professores, acesso a uma variedade de materiais por meio dos quais possam pesquisar e se atualizar, oportunidade de formação continuada e capacitação.

4. Elementos funcionais (6%): Esta categoria se refere ao currículo e ao planejamento bem elaborado do trabalho interdisciplinar pelo professor, quanto a conteúdos, objetivos, recursos e avaliação, como declarou uma das professoras: “...é preciso um planejamento com metas e objetivos bem elaborados. Ele [o professor] tem que ter claro para si o que está propondo, o porquê e o que pretende com os conteúdos elaborados, para que haja um bom andamento em sua aula”. Essa professora fez referência à intencionalidade, que é um dos elementos que caracterizam a interdisciplinaridade, segundo alguns autores pesquisados.

Quanto aos elementos que dificultam o trabalho interdisciplinar na escola, são apresentados abaixo, por ordem de maior freqüência:

1. Elementos organizacionais (65%): O fator citado com mais freqüência foi a falta de tempo para se reunir, pesquisar, trocar idéias, estudar casos, propor atividades conjuntas, preparar as aulas, e, de acordo com alguns professores, quando o trabalho envolve a participação de várias pessoas, há essa necessidade para não se cair na improvisação. Foram mencionados aspectos referentes à forma de organização e funcionamento da escola, como burocracia da entidade, ambiente desacolhedor onde impere relações de egoísmo e superioridade, falta de receptividade, falta de democracia, sobrecarga do professor. Também foi feita alusão à falta de espaço físico adequado e de recursos adequados e diversificados, principalmente tecnológicos, bem como à falta de recursos humanos.

2. Elementos teóricos (15%): Foi mencionada a falta de conhecimento por parte dos professores para elaborar essa prática, bem como falta de acesso a material para pesquisa, o que faz com que ajam de forma intuitiva.

4. Elementos pessoais (13%): Foram citados aspectos referentes a toda a equipe da escola, como dificuldade em realizar trabalho em equipe, falta de colaboração, compromisso e empenho dos profissionais.

5. Elementos funcionais (7%): Nesta categoria foram citados aspectos referentes ao currículo e à forma de se trabalhar com ele, como o planejamento visto como algo engessado, que deve ser cumprido à risca, a dificuldade em elaborar projetos que se enquadrem aos conteúdos a serem trabalhados, ao perfil dos alunos e às condições da escola, a dificuldade de uma avaliação do aluno mais efetiva envolvendo todos os profissionais e a dificuldade em contextualizar os conteúdos em todas as áreas do conhecimento.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da coleta e análise dos dados relacionados à prática dos professores,

constata-se, no âmbito da pesquisa, dois aspectos positivos que a caracterizam: 1. A interdisciplinaridade faz parte do trabalho da maioria dos professores de

alunos com deficiência intelectual; 2. Embora as considerações feitas pelos professores sobre como concebem e

sistematizam a interdisciplinaridade na escola e sobre as contribuições desta para a aprendizagem do aluno com deficiência intelectual reflitam suas concepções e sejam referentes a sua prática em sala de aula, elas revelam concepções teóricas, as quais guardam relações com os pressupostos teóricos sobre o assunto.

De fato, estes aspectos expressam o potencial dos professores para atender com qualidade os alunos com deficiência intelectual, numa perspectiva interdisciplinar e inovadora.

Neste sentido, é importante que os professores, além de terem atitudes condizentes ao trabalho interdisciplinar, tenham também conhecimento, sejam capazes de trabalhar em equipe e saibam como sistematizar essas práticas na escola, para que as mesmas não se tornem intuitivas, mas tenham intencionalidade bem definida.

Mediante os resultados obtidos com os professores, é possível delinear como as práticas interdisciplinares vêm sendo sistematizadas na escola e quais são os aspectos que devem melhorar neste processo.

Constata-se que tanto os elementos que favorecem quanto os que dificultam a interdisciplinaridade estão mais relacionados aos aspectos organizacionais da escola. Sendo assim, conclui-se que a forma como se dá a gestão escolar, no que se refere à organização e funcionamento desse espaço, pode favorecer ou dificultar o sucesso das práticas interdisciplinares na escola, bem como de outras práticas inovadoras.

É preciso que as escolas invistam, portanto, nos elementos que favorecem essas práticas, como apoio às iniciativas dos professores, disponibilidade de recursos e espaços físicos adequados, gestão democrática, apoio à formação continuada e trabalhos de pesquisa pelos professores, incentivo ao trabalho conjunto dos profissionais da escola para planejamento, grupos de estudo e estudos de caso, flexibilidade no planejamento e no tempo disponível para as atividades pedagógicas, ambiente acolhedor e receptividade a inovações, boa relação com a comunidade, dentre outros.

A importância de se investir no ensino interdisciplinar dos alunos com deficiência intelectual reside no fato de que este tipo de ensino diferenciado realmente contribui para a aprendizagem desses alunos, o que foi sendo confirmado no decorrer deste trabalho, mediante a análise de seus aspectos teóricos e práticos.

Vários são os fatores que justificam que o trabalho interdisciplinar favorece o desenvolvimento e a aprendizagem do aluno com deficiência intelectual, como:

1. Contempla a diversidade da sala de aula, pois permite a abordagem dos conceitos e conteúdos de formas variadas, bem como a adequação das atividades ao nível intelectual de cada um, respeitando as variações em suas maneiras de aprender e possibilitando várias formas pelas quais podem expressar seus conhecimentos e ser avaliados;

2. Pode levar os alunos a elaborar processos de abstração e simbolização, quando fazem escolhas, interpretam, resolvem problemas, interagem com os colegas e professores;

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3. Promove a interação entre os alunos e entre estes e o professor ou outros profissionais, o que pode propiciar a cooperação e a aprendizagem a partir das trocas com os demais;

4. Disponibiliza o acesso a uma riqueza de recursos e alternativas, com os quais o aluno pode se envolver e interagir;

5. Possibilita a abordagem de temas significativos para estudo, que sejam da realidade e do interesse do aluno, para o trabalho com as várias áreas do conhecimento de forma interdisciplinar, o que pode favorecer a sua motivação para a aprendizagem dos conteúdos;

6. Possibilita o desenvolvimento da autonomia e metacognição; 7. Propicia um ensino contextualizado e aprendizagem significativa, quando os

conhecimentos prévios dos alunos são levados em consideração e os temas de estudo se relacionam com sua vivência para o desenvolvimento dos projetos;

8. Favorece flexibilizações curriculares, pois além de viabilizar um trabalho voltado às características individuais dos alunos, favorece o desenvolvimento de práticas que podem enriquecer e ultrapassar os conteúdos previstos no currículo;

9. Permite formas não tradicionais de avaliação; As ações aqui mencionadas que fazem parte do ensino integrado, como a

interação social intencionada, as mediações pedagógicas planejadas e colocadas em prática pelos professores, as experiências de aprendizagem baseadas nos conhecimentos já assimilados pelos alunos e aproveitando seus conceitos espontâneos, a interação com uma riqueza de recursos de que a escola pode dispor, as formas não tradicionais de avaliação, o currículo aberto e flexível, dentre outras, são requisitos indispensáveis para promover a aprendizagem do aluno com deficiência intelectual.

Por fim, o ensino interdisciplinar pode contribuir para a aprendizagem do aluno com deficiência intelectual principalmente por permitir, dentre outras coisas, que ele não permaneça em uma posição passiva, mas participe ativamente da construção de seu conhecimento.

Dessa forma, propõe-se aqui uma ressignificação da prática pedagógica do professor, baseada em uma visão qualitativa do desenvolvimento do aluno com deficiência intelectual, em detrimento da visão quantitativa, dada sua singularidade na forma de ser, de aprender e de se desenvolver.

Sabe-se que a deficiência intelectual tem, muitas vezes, causas orgânicas, cujas conseqüências impedem que a pessoa atinja níveis mais complexos de elaboração mental. Porém, os profissionais que trabalham com alunos deficientes intelectuais não devem se prender a uma visão determinista de seu desenvolvimento, limitando-o a um determinado ritmo ou estágio final, em razão de estudos e pesquisas na área que apontam para a plasticidade cerebral e a modificabilidade cognitiva.

No entanto, esta não é apenas uma questão relacionada à postura de educadores que acreditam no potencial do aluno com deficiência intelectual. Ter-se-ia, dessa forma, uma visão inatista, ou espontaneísta, de acordo com a qual a aprendizagem é naturalmente desabrochada de dentro para fora. Acreditar em suas potencialidades é um passo inicial necessário, mas não suficiente. É preciso colocar em ação práticas que favoreçam mediações e em que os alunos sejam desafiados e estimulados a expressar idéias, interagir com o conhecimento e com outros colegas, enfim passar de uma posição passiva diante da aprendizagem para a apropriação ativa do próprio saber.

No contexto escolar, mediante procedimentos adequados do professor, esses alunos podem evoluir cognitivamente. E é através do ensino interdisciplinar que é

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possível oferecer variadas oportunidades e possibilidades para que eles se desenvolvam e aprendam.

Esta proposta interdisciplinar, pelos motivos aqui expostos, pode vir a ressignificar a prática pedagógica dos professores de alunos com deficiência intelectual, seja em escolas especiais, ou em escolas inclusivas, pois de acordo com o documento O acesso de alunos com deficiência às escolas e classes comuns da rede regular (BRASIL, 2004, p. 36), “escolas abertas às diferenças e capazes de ensinar a turma toda demandam uma ressignificação e uma reorganização completa dos processos de ensino e de aprendizagem usuais”. De acordo ainda com este documento, a proposta pedagógica inclusiva referenda a educação não-disciplinar, caracterizada pela formação de redes de conhecimento, integração de saberes decorrente da transversalidade curricular, temas de estudo que partem da realidade dos alunos, etc.

Portanto, esta pesquisa pode se constituir como uma referência para futuras pesquisas na área da educação inclusiva voltadas ao aprofundamento das relações entre as práticas interdisciplinares e as práticas inclusivas.

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