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A SÚMULA Nº 260 DO TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS E A VINCULAÇÃO DO BENEFÍCIO AO SALÁRIO-MÍNIMO
Sérgio Roberto Leal dos Santos
A SÚMULA Nº 260 DO TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS E A VINCULAÇÃO DO BENEFÍCIO AO SALÁRIO-MÍNIMO
Sérgio Roberto Leal dos Santos
Procurador Federal. Especialista em Direito Tributário. Mestre em instituições jurídico-políticas pela UFSC.
Palavras-chave: Previdenciário. Reajustamento do valor dos
benefícios previdenciários. Vinculação ao salário mínimo.
1. INTRODUÇÃO
As súmulas vêm assumindo um papel cada vez mais importante
no desenvolvimento do trabalho dos operadores jurídicos,
especialmente após a promulgação da Emenda Constitucional n.º
45/03, que introduziu o instituto das súmulas vinculantes no direito
brasileiro.
Fruto da consolidação do entendimento de um tribunal a
respeito de determinada matéria, as súmulas [01] se prestam a
uniformizar a interpretação de determinados dispositivos normativos,
atividade que se harmoniza com o princípio constitucional da
segurança jurídica.
No entanto, as súmulas têm sido vítimas de, pelo menos, dois
graves vícios de interpretação:
O primeiro vício consiste em alçar as súmulas ao patamar de
instrumentos normativos primários; ou seja, as manifestações
pretorianas são confundidas com entes normativos originariamente
vinculantes.
Os que assim entendem, olvidam-se que as súmulas não se
revestem da natureza jurídica de instrumentos normativos, ainda que
secundários.
Na verdade, as súmulas, por evidenciarem o entendimento de
um tribunal acerca de uma dada matéria, devem ser consideradas
como vetores orientadores da atividade de interpretação normativa.
O fato de não se revestirem da qualidade de instrumentos
normativos primários evidencia o segundo equívoco de tratamento
em relação às súmulas: sua interpretação em desarmonia com o
restante do ordenamento jurídico.
Os prejuízos decorrentes desse hábito são potencializados pelo
costume de não se levar em conta a data de publicação da súmula,
nem o fato de terem elas aplicação restrita a situações fáticas
específicas.
Mais que uma mera formalidade, a informação a respeito da
data de publicação da súmula é um dado inquestionavelmente
relevante, já que o resultado interpretativo poderá ser
profundamente afetado pelo advento de uma norma posterior que dê
tratamento diverso à matéria.
No que tange à súmula 260 do TFR é possível adicionar outra
distorção em sem emprego: a redação lacônica do enunciado sumular
possibilitou o surgimento de diversas correntes interpretativas que
resultaram na criação de normas autônomas que, no entanto, não
encontravam qualquer acolhida no ordenamento jurídico brasileiro.
Essa complexa cadeia de equívocos interpretativos teve como
resultado a difusão da equivocada conclusão de que a súmula 260 do
TFR autorizava a vinculação do valor do benefício ao salário mínimo.
Nada poderia estar mais distante da realidade, como se passa a
demonstrar.
2. A SÚMULA 260 DO TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS
E A POLÍTICA SALARIAL DOS ANOS 80
A súmula 260 do Tribunal Federal de Recursos, publicada no
Diário da Justiça de 29.09.1988, assim dispunha:
No primeiro reajuste do benefício previdenciário deve-se aplicar
o índice integral do aumento verificado, independentemente do mês
da concessão, considerado, nos reajustes subseqüentes, o salário-
mínimo então atualizado.
Para que se possa entender o conteúdo da súmula em questão,
é necessário partir da premissa de que o enunciado sumular em
análise somente poderá fazer sentido diante de sua interpretação
contextualizada.
Durante toda a década de 1980 os altos índices de inflação
orientaram a política salarial, pois se fazia necessária a harmonização
de duas medidas: a criação de mecanismos de reajustamento dos
rendimentos dos trabalhadores com periodicidade inferior a um ano e
a recomposição do poder de compra dos salários mais baixos.
Historicamente, os salários dos trabalhadores eram reajustados
em 1º de maio de cada ano. No entanto, a elevação dos índices de
inflação impôs a necessidade de correção monetária dos salários em
períodos cada vez mais curtos.
No entanto, os reajustamentos não ocorreram de modo
uniforme para todos os trabalhadores, pois havia a necessidade de se
conceber mecanismos de contenção do repasse dos custos salariais
para o valor final dos produtos e dos serviços, com o fim de evitar a
alimentação do círculo vicioso da inflação.
Com o escopo de minimizar o repasse do valor dos aumentos
salariais para o preço final dos produtos e serviços, foi concebido um
sistema de faixas salariais, no qual os rendimentos mais elevados
sofreriam um reajuste menor, enquanto as remunerações mais
baixas seriam contempladas com índices mais elevados.
Tome-se como exemplo a política de recomposição do valor dos
salários estabelecida pela Lei 6.708/79, que determinou o
reajustamento semestral dos rendimentos dos trabalhadores,
aposentados e pensionistas mediante a aplicação do INPC.
Segundo o mencionado diploma legal, os reajustamentos
salariais deveriam ser realizados da forma assim escalonada:
a)Até 3 salários mínimos, os rendimentos deveriam ser
corrigidos por índice equivalente a 110% do INPC;
b)Acima de três, mas abaixo de 10 salários mínimos – 100% do
INPC;
c)Acima de 10 salários mínimos – 80% do INPC.
A aplicação das regras da política salarial aos benefícios
previdenciários importava, assim, em um tratamento diferenciado dos
segurados e pensionistas, tomando-se como elemento de distinção o
valor do benefício recebido.
No entanto, a observação das normas referentes à política
salarial no reajustamento do valor dos benefícios previdenciários deu
vida a dois grandes problemas:
a)A aplicação do critério da proporcionalidade, no primeiro
reajustamento;
b)O enquadramento nas faixas salariais, para a concessão dos
reajustamentos posteriores.
A necessidade de resolução desses dois grandes problemas foi a
causa imediatamente determinante da edição da súmula 260 do TFR.
A compreensão do aludido instrumento de orientação
interpretativa somente será possível mediante sua decomposição em
duas partes distintas:
a)A aplicação do índice integral do aumento no primeiro
reajustamento do benefício;
b)A consideração do salário mínimo atualizado quando dos
reajustamentos posteriores.
2.1. A primeira parte da súmula: a aplicação do índice
integral do aumento verificado no mês da concessão.
A primeira parte da súmula dispunha que no primeiro reajuste
do benefício previdenciário era necessário aplicar o índice integral do
aumento verificado, independentemente do mês da concessão.
Esse comando pretoriano tinha o objetivo de corrigir distorções
na sistemática de reajustamentos dos benefícios previdenciários que
permitia a existência de injustiças geradas pela proximidade da data
de início do benefício em relação à data do primeiro reajustamento.
Quando da oportunidade de seu primeiro reajustamento os
benefícios haveriam de ser corrigidos mediante a aplicação de um
índice equivalente a uma fração, cujo denominador seria 12 e o
numerador seria o número de meses transcorridos entre a data da
concessão e a data do primeiro reajustamento.
Assim, a interpretação literal da legislação previdenciária
conduzia à conclusão no sentido de que um segurado aposentado em
novembro de um dado ano deveria ter seu benefício reajustado pela
primeira vez em um percentual igual a 6/12 do índice de atualização
salarial, ou seja: 50% do índice previsto para o reajustamento dos
demais benefícios.
Entretanto, o Tribunal Federal de Recursos, ao interpretar a
legislação previdenciária vigente no momento da edição do enunciado
sumular, entendeu que seria necessária a aplicação do índice cheio
na oportunidade da primeira correção do valor do benefício
previdenciário, independentemente da data de sua concessão.
2.2. A segunda parte da súmula: o enquadramento nas
faixas salariais.
A segunda parte da súmula 260 do TFR apresenta orientação no
sentido de que nos reajustes posteriores ao primeiro, deveria ser
empregado o salário mínimo atualizado.
Essa segunda parte, freqüentemente confundida com a
autorização para a vinculação do benefício previdenciário à variação
do salário mínimo gerou inúmeros problemas de interpretação, pois
orientou os operadores jurídicos no sentido de promoverem a
aplicação de um critério de reajustamento contrário ao que dispunha
o ordenamento jurídico brasileiro.
Como já dito, a súmula 260 surgiu com o objetivo de solucionar
problemas específicos, causados pelas distorções da política salarial
dos anos 80, marcada pela corrosão dos rendimentos dos
trabalhadores, dos aposentados e dos pensionistas, em decorrência
da elevadíssima inflação observada no período.
De uma forma mais específica, a súmula 260 do TFR orientava
o operador no do direito a promover o enquadramento dos segurados
nas faixas salariais, de forma a proporcionar-lhes um tratamento
mais benéfico.
Consideremos o seguinte exemplo: a aplicação da Lei 6.708/79
ao benefício de um segurado aposentado em dezembro de 1979, com
renda mensal inicial igual a Cr$ 9.000,00.
Se considerarmos o valor do salário mínimo da data de início do
benefício - Cr$ 2.932,80, é possível inferir que a renda mensal inicial
do benefício fora fixada em um patamar pouco superior a três
salários mínimos.
Em maio de 1980, o salário mínimo foi aumentado para Cr$
4.149,60, um reajustamento equivalente a 41,48%.
A aplicação da lei 6.708/79 conduz a dois resultados diversos:
a)Se, para os fins de enquadramento nas faixas salariais, fosse
considerado o salário mínimo anterior, é possível inferir que o
segurado faria jus a apenas 100% do valor do INPC do período, já
que o valor-base seria superior a 3 salários mínimos;
b)No entanto, se no enquadramento fosse considerado o novo
salário mínimo, o segurado faria jus à percepção de índice
equivalente a 110% do INPC do período, pois o valor do benefício
recebido enquadrar-se-ia na faixa inferior a 3 salários mínimos.
A súmula 260 do TFR orientou os operadores jurídicos no
sentido de que deveriam empregar o novo salário mínimo no
momento do enquadramento nas faixas salariais.
Fica evidente, dessa forma, que a aplicação da súmula 260 do
TFR não autoriza a conclusão no sentido de que os benefícios
previdenciários deveriam ter seu valor vinculado ao número de
salários mínimos observados na data de início do benefício.
A segunda parte da súmula 260 do TFR pretendeu corrigir as
distorções geradas na ocasião do primeiro reajustamento do valor do
benefício previdenciário, mediante a criação de instrumentos que
possibilitaram a redução da velocidade de corrosão dos valores pagos
aos segurados.
3. A APLICAÇÃO DA SÚMULA 260 DO TFR APÓS A
PROMULGAÇÃO DA CARTA CONSTITUCIONAL DE 1988
Com a promulgação da Carta Constitucional de 1988, o critério
a ser observado no reajustamento dos benefícios previdenciários foi
profundamente alterado, pois o artigo 58 do ADCT determinou que
todos os benefícios previdenciários mantidos na data da promulgação
da nova Constituição deveriam ter seu valor conservado no mesmo
número de salários mínimos observados na data de início do benefício
Tal metodologia de reajustamento deveria ser observada até o
advento dos planos de custeio e benefícios da Previdência Social.
No entanto, não deve ser olvidado que o enunciado do art. 7º,
IV da Carta Constitucional estabelece a proibição absoluta da
possibilidade de emprego do salário mínimo como indexador.
Com o objetivo de promover a integração do comando
normativo inserido no dispositivo do art. 201 da Carta Constitucional,
foi promulgada a Lei 8.213/91.
O plano de benefícios da Previdência Social alterou a
sistemática de reajustamento dos valores pagos aos segurados ao
prever, em seu art. 41, II, que os benefícios em manutenção
deveriam ser reajustados de acordo com as respectivas datas de
início, com base na variação integral do INPC, nas mesmas épocas
em que o salário mínimo for alterado.
Tais disposições normativas permitem concluir que a súmula
260 do TFR não mais poderá ser aplicada após o advento da norma
ordem constitucional.
Notas
01 Neste trabalho, o termo súmula não abrange as súmulas
vinculantes.