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A SÚMULA VINCULANTE, A REGULAÇÃO SISTÊMICA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS. THA BINDING JUDICIAL PRECEDENT, SYSTEMIC REGULATION AND FUNDAMENTAL RIGHTS. Paulo Henriques da Fonseca RESUMO Novos direitos, sujeitos e necessidades tuteladas por uma Constituição “generosa” em termos de direitos sociais, desafiam o sistema do direito a uma auto-contenção judicial e regulatória do conteúdo constitucional. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal trazida pela Emenda n° 45/2004 para o ordenamento brasileiro é ainda alvo de apreensões, mas por ela se pode heuristicamente testar a validade e atualidade da teoria sistêmica de Luhmann e a tensão entre emancipação e regulação de Boaventura de Sousa Santos. Considerando a Constituição como ambiente para o sistema jurídico, incumbe ao STF a tarefa de operar os recortes que a tornem aplicável no âmbito sistêmico do direito. A tensão ambiente/sistema de Luhmann encontra-se bem correlacionada com aquela de Santos, regulação/emancipação, servindo a súmula vinculante para validar e ilustrar as duas teorias. Sem derrogar os direitos fundamentais, o conteúdo dos enunciados tem como efeito reforçar a cooperação sistêmica e realçar uma feição do sistema do direito que não é apenas formado de idéias, teorias, mas de uma pragmática organizacional e institucional. PALAVRAS-CHAVES: Direitos fundamentais. Sistema do direito. Súmula vinculante. Regulação. STF. ABSTRACT New rights, subjects and tutelage of necessities by a “generous” Constitution, in order of social rights, challenge the system of law in consideration of its own self judicial regulation and to contain itself in front of constitutional contents. The binding judicial precedent of the Supreme Court brought by Constitutional Amendment No. 45/2004 to the Brazilian system of law produces yet most critical in the sphere of law, but it serves to test the validity of Luhmann’s systemic theory and Santos’ Theory about the tension between emancipation and regulation. Considering the Constitution as an environment for the legal system, it requires Supreme Court operates the cuts that make it applicable in the systemic field of law. Tension environment/system by Luhmann is well correlated with Santos’ theory and both can be illustrated in its elements by the binding judicial precendent of Supreme Court. The binding judicial precedent’s contents doesn’t repeal fundamental rights, but has an limitative systemic effect of reinforcing the institutional and organizational dimension of law against the pure theory and idea of rights. KEYWORDS: Fundamental rights. System of law. Binding judicial precedent. Regulation. Brazilian Supreme Court. * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1444

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A SÚMULA VINCULANTE, A REGULAÇÃO SISTÊMICA E OS DIREITOS

FUNDAMENTAIS.

THA BINDING JUDICIAL PRECEDENT, SYSTEMIC REGULATION AND

FUNDAMENTAL RIGHTS.

Paulo Henriques da Fonseca

RESUMO

Novos direitos, sujeitos e necessidades tuteladas por uma Constituição “generosa” em

termos de direitos sociais, desafiam o sistema do direito a uma auto-contenção judicial e

regulatória do conteúdo constitucional. A súmula vinculante do Supremo Tribunal

Federal trazida pela Emenda n° 45/2004 para o ordenamento brasileiro é ainda alvo de

apreensões, mas por ela se pode heuristicamente testar a validade e atualidade da teoria

sistêmica de Luhmann e a tensão entre emancipação e regulação de Boaventura de

Sousa Santos. Considerando a Constituição como ambiente para o sistema jurídico,

incumbe ao STF a tarefa de operar os recortes que a tornem aplicável no âmbito

sistêmico do direito. A tensão ambiente/sistema de Luhmann encontra-se bem

correlacionada com aquela de Santos, regulação/emancipação, servindo a súmula

vinculante para validar e ilustrar as duas teorias. Sem derrogar os direitos fundamentais,

o conteúdo dos enunciados tem como efeito reforçar a cooperação sistêmica e realçar

uma feição do sistema do direito que não é apenas formado de idéias, teorias, mas de

uma pragmática organizacional e institucional.

PALAVRAS-CHAVES: Direitos fundamentais. Sistema do direito. Súmula vinculante.

Regulação. STF.

ABSTRACT

New rights, subjects and tutelage of necessities by a “generous” Constitution, in order

of social rights, challenge the system of law in consideration of its own self judicial

regulation and to contain itself in front of constitutional contents. The binding judicial

precedent of the Supreme Court brought by Constitutional Amendment No. 45/2004 to

the Brazilian system of law produces yet most critical in the sphere of law, but it serves

to test the validity of Luhmann’s systemic theory and Santos’ Theory about the tension

between emancipation and regulation. Considering the Constitution as an environment

for the legal system, it requires Supreme Court operates the cuts that make it applicable

in the systemic field of law. Tension environment/system by Luhmann is well correlated

with Santos’ theory and both can be illustrated in its elements by the binding judicial

precendent of Supreme Court. The binding judicial precedent’s contents doesn’t repeal

fundamental rights, but has an limitative systemic effect of reinforcing the institutional

and organizational dimension of law against the pure theory and idea of rights.

KEYWORDS: Fundamental rights. System of law. Binding judicial precedent.

Regulation. Brazilian Supreme Court.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1444

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1. Introdução

O escopo deste estudo é a exposição acerca do papel sistêmico da súmula

vinculante do Supremo Tribunal Federal, no formato de um diálogo critico e analítico

envolvendo as teorias de Boaventura de Sousa Santos e Niklas Luhmann. As súmulas

vinculantes do STF passaram a fazer parte da organização judiciária brasileira com a

Emenda 45/2004, da reforma do Judiciário. Com a finalidade de tornar mais ágil e

uniforme as decisões judiciais e administrativas acerca de questões jurídicas reiteradas,

a nova modalidade de súmula é inovação sistêmica e regulatória, de decisivo impacto

nos direitos fundamentais, sua interpretação e aplicação. Com inegável acento na

segurança jurídica e do sistema do direito.

Santos (2005) traz à análise o evolver da tensão básica constitutiva do direito e

das ciências na modernidade, a tensão entre emancipação e a regulação. Luhmann

(1983; 1985, passim), por sua vez contribui com a idéia de sistema do direito e suas

diversas chaves analíticas para entendimento do fenômeno jurídico, a partir da tensão

entre sistema e ambiente.

A princípio, uma breve exposição situará a tensão regulação/emancipação na

história do direito, aí analisado o cenário da modernidade. Nesse cenário é que se dá o

atual formato dos direitos e garantias da pessoa humana, sob o novo paradigma do

direito racionalizado, estatizado e científico. A modernidade jurídico-política Santos

(2005) define em termos daquela tensão emancipação e regulação, como seu eixo

estruturante.

No ponto seguinte, abre-se a discussão sobre a gestão jurídica da complexidade

a partir do pensamento de Luhmann sobre o sistema do Direito. A contribuição da

sociologia jurídica para o entendimento das estruturas normativas e institucionais

produtoras de decisão, passa pela análise do que seja o sistema do Direito, suas seleções

entre opções diversas ao decidir, mas também legitimidade funcional ao fazê-lo.

Na seqüência, a discussão será trazida ao ambiente atual e “enformador” do

sistema jurídico, a Constituição, com a da Emenda n° 45/2004; o conceito de súmula e

súmula vinculante – críticas que recaem sobre sua consolidação no sistema jurídico, a

definição deste e a sua forma de gerir a complexidade. O direito sumular é reforçado na

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1445

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recente reforma do Judiciário pela Emenda citada. A inovação constitucional da súmula

vinculante dá elementos para o diálogo entre as teorias de Boaventura de Sousa Santos e

de Niklas Luhmann, validando-as ilustrativamente.

A tensão emancipação-regulação constitutiva da modernidade, que segundo

Santos se resolve com a crescente regulação. Mas subsiste um ambiente constitucional

sempre aberto à mudança social “normal” e com forte conteúdo emancipatório. Por

exemplo, os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, a organização política e

jurídica do Estado com harmonia e independência entre poderes e a forma federativa,

consagrados como cláusulas pétreas, trazem forte conteúdo emancipatório, de limitação

do arbítrio estatal e ampliação de direitos e garantias daquele indivíduo cidadão.

Mas também a realidade sistêmica do Direito em vista da boa ordem que ele

persegue, exige que a mudança seja controlada, previsível às expectativas gerais e daí

que a decisão jurídica ocorre em base de certa pragmática judicial. A súmula é sinal de

uma escolha pragmática, sistêmica e “ambiental” ao buscar realizar o telos

constitucional minimizando os riscos na administração do Direito.

A súmula vinculante constitui um dado sistêmico e factual no Brasil, consolida

um entendimento judicial com efeitos no Judiciário e no Executivo. Demonstra que a

decisão jurídica é sistêmica, pragmática e visa recriar o sistema em termos de

segurança e previsibilidade. Demonstra ainda que a ampliação de direitos pela

Constituição se viabiliza pela interpretação consolidada e uniformizadora, enfim, a

regulação.

2. O direito moderno e a tensão entre emancipação e regulação.

A definição ambiental-cultural do que seja o direito moderno evoca, ao menos

no Ocidente tributário da matriz histórica européia, entender quais foram os passos do

fenômeno que se logrou chamar modernidade. Santos (2005) procura com eficiência

exaurir os contornos desse quadro cultural e ideológico mais amplo de mudanças no

modo de conhecer e fazer ciência, na ascensão do capitalismo mercantil e apoiado pelo

Estado em processo de rápida consolidação como único ator jurídico e político a

substituir, em proximidade com o mercado, as diversas ordens e a pluralidade de

poderes do período medieval.

A reabertura da atividade comercial burguesa do século XV, juntamente com a

difusão dos ideais humanistas culmina na reorganização cultural e social revolucionária

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1446

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do Ocidente. A modernidade ocidental em seu evolver exigiu um novo modelo de

segurança jurídica para a burguesia já que esta não tinha prerrogativas políticas que

lograria obter mais tarde, nos séculos XVIII e XIX. O direito compilado em Bolonha

está a serviço do projeto moderno e burguês, constituindo um exercício regulatório que

vai dar segurança a uma classe social e econômica, racionalidade ao agir do Estado,

servindo pois à emancipação, inicialmente. Assim pontua Santos (2005, p. 120-1):

O processo histórico da tensão entre regulação e emancipação no campo jurídico é ainda mais antigo do que no campo da ciência e,

numa das suas primeiras manifestações, remonta à recepção do

direito romano na Europa do século XII. Esse fenômeno foi de tal modo decisivo para o desenvolvimento subseqüente do direito que os

historiadores do direito o consideram quase unanimemente o factor

mais importante na criação da tradição jurídica moderna ocidental.

A modernidade nasce a partir da promessa de emancipação, da passagem da

condição de servo para súdito e cidadão, do fim das lealdades concorrentes e caóticas

das diversas hierarquias que submetiam homens e mulheres no ancién règime. A tensão

básica no campo das ciências só surgirá mais tarde, durante o período de afirmação do

capitalismo industrial. Mas a necessidade de desenvolvimento das novas energias

produtivas do capitalismo e a ameaça do caos, fez com que a emancipação fosse

crescentemente submetida à regulação até aquela praticamente desaparecer.

A ciência e a tecnologia seriam as formas apropriadas de criar uma nova “boa

ordem”, mas elas, segundo pensamento de Santos (2005) falharam nessa tarefa de

regular a nova ordem moderna. Coube ao direito essa tarefa, a qual ele desempenha num

processo progressivo de racionalização e estatização que vai desde a recepção do direito

romano na Universidade de Bolonha, ao jus-racionalismo naturalista de Vico e Grotius

que separam o Direito das fontes transcendentais e divinas do período anterior, o

medieval.

O evolver desse processo de estatização e cientificização do direito aprofunda-

se nas teorias do “Contrato Social” de Hobbes, Locke e Rousseau e chega ao

positivismo jurídico, a construção do direito como sistema completo e absoluto, referido

a si mesmo na completude de suas normas e possibilidade de integração delas sem

precisar sair de dentro do sistema. A escola exegética alemã vai ser a máxima expressão

dessa concepção de direito cuja lógica prescinde de quaisquer vinculações mais fortes

com a realidade ou os fatos materiais.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1447

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O direito vai se tornando cada vez mais vinculado à figura do Estado, sob a

forma de um direito “instrumental” e o que antes era um “saber prudente” se

complexifica, se especializa e se territorializa no Estado nacional. O ordenamento

jurídico é a organização estabelecida em elos pelas normas que constituem o direito. É

um modelo – tudo aquilo que propõe ou simula resultados - complexo, diretriz das

diretrizes de conduta, ou de organização estatal, sem as considerações do que foi

deslocado para o campo da moral, da política etc. O crescimento das forças econômicas

(mercado) e do poder político organizado (Estado), além daquela emancipação

individual prometida, propicia os excessos e déficits na vida social.

Os excessos e déficits produzidos na modernidade trazem a necessidade de

regulação. Como a descrição científica da regularidade dos fenômenos é a lei e como

esse termo também pertence à ordem normativa. Por isomorfismo, o direito moderno

passou a servir-se da lei, segundo Santos (2005) do mesmo padrão epistêmico e

aplicado das ciências modernas: como elemento padrão de regularidade, de constância.

A ciência moderna, configurada como verdadeiro combustível do processo de

ascensão capitalista, teve como efeito a formação de um conhecimento de

preponderância reguladora, que dessa forma absorveu em si a força emancipatória da

modernidade, trocando-a pela regulação e a garantia da nova boa ordem. O saber

contemplativo e desinteressado cedeu lugar ao saber instrumental e a serviço seja da

produção e acumulação, seja da hegemonia. O princípio da solidariedade (da sociedade)

cede espaço aos da hegemonia (do Estado) e da acumulação (do Mercado).

A crescente abstração do direito garantiu sua aplicação sobre o Estado, o

mercado, a sociedade e os indivíduos, servindo o direito tanto aos modelos jurídico-

políticos liberais quanto aos mais totalitários, dada sua crescente abstração lógica e

organização sistêmica. Assim, o direito moderno não ficou imunizado diante das

mudanças sociais “normais”, sendo transformado em mero instrumento político, de

ampliação crescente de sua incidência sobre diversos campos da vida social,

juridicizando-a, colonizando-a, segundo Santos (2005, p.158):

Em primeiro lugar, revelam-se como manifestações da colonização

da sociedade: ao submeter histórias de vida e formas de viver

concretas e contextualizadas a uma burocratização e monetarização

abstratas, a regulação jurídica destrói a dinâmica orgânica e os padrões internos de auto-produção e auto-reprodução das diferentes

esferas sociais (economia, família, educação, etc.). Embora vise a

integração social ela promove a desintegração social, aí residindo,

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1448

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para Habermas, a estrutura dilemática do Estado-Providência

(Habermas, 1986:211;1987). Em segundo lugar, essas disfunções

revelam-se como “materialização” do direito: o reverso da sobre-juridicização do direito; Finalmente, as disfunções redundam numa

ineficácia do direito: é muito provável, ou até quase certo, que a

discrepância da lógica interna e da autoprodução dos padrões do direito com os das outras esferas da vida social por ele reguladas

torne a regulação jurídica ineficaz ou contraproducente.

Com a apresentação dessas três grandes limitações, as quais Teubner refere-se

como “trilema regulatório”, assume-se que dessa forma o direito mantém-se manipulado

e ao mesmo tempo a cárcere da política e dos subsistemas regulados. Os sujeitos

desaparecem praticamente e sobrevive o sistema, auto-referenciado em si mesmo nas

relações com o mundo, o ambiente e a cultura, estruturados a partir de múltiplos

sistemas (semi) autônomos.

No conjunto do pensamento jus-sociológico de Santos (2000), ele distingue

uma série de etapas epistemológicas em que a sociologia do direito primeiro privilegiou

uma visão normativista, mais ligada ao dado abstrato das leis e suas disposições de

direito material. Mas aos pouco foi alcançando as dimensões institucional e

organizacional da aplicação do direito, consolidando-se numa sociologia dos tribunais.

É nesse ponto de chegada novo da sociologia do direito, muito próxima da etnologia,

que se estudam os tribunais e sua forma de decidir[1].

A respeito dessa complexificação e melhoria metodológica e epistemológica da

investigação sociológica do direito e sua aplicação, diz Santos (2000, p. 163):

Ao deslocar a questão da normatividade do direito dos enunciados

abstractos da lei para as decisões particulares dos juízes, criou as pré-

condições teóricas de transição para uma nova visão sociológica

centrada nas dimensões processuais, institucionais e organizacionais.

O esforço de autocontenção e autorreferenciamento do sistema do direito, da

teoria de Luhmann, Santos chama de regulação e uma das conseqüências é a

juridificação da vida social, tanto pela legislação, quanto pela aplicação do direito. Esta,

inaugura uma comunidade de práticas, tribunais e órgãos judiciais, cujas seleções de

sentido que fazem a partira das leis (ou a margem ou contra elas), o modo próprio de se

organizar e decidir dentre outros, justificam uma virada e especificação no trabalho

crítico e analítico da sociologia.

3. Direito e sistema: instituições e estruturas.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1449

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A noção de sistema do direito se especializa com Niklas Luhmann e é tributária

das teorias de Maturana e Varela, quanto à autopoiese, ou seja, a capacidade sistêmica

de se auto-gerar, e da teoria social de Talcott Parsons. Diferentemente deste, para

Luhmann o sistema se faz de comunicações e não de indivíduos e suas ações a partir de

dados de consciência. Para Luhmann, os indivíduos são comunicações do próprio

sistema[2].

O sistema social é aquele básico e chamado também “sistema social total”. A

partir desse sistema, cuja regra é a diferenciação social se concebe a formação de

subsistemas (político, jurídico, moral, econômico, artístico-estético, cultural, etc) cada

um operando o acomplamento estrutural com os demais através de um código binário

básico. O código binário do direito é o “jurídico/não-jurídico”, traduzido como

legal/ilegal, algumas vezes, pela dificuldade de tradução de Recht/Unrecht

(“direito/não-direito”?) da expressão textual de Luhmann. Os indivíduos são sistemas

orgânico-corpóreos, sendo os dados de sua consciência resultado das comunicações

sistêmicas, não atos livres, pois a autopoiese nos indivíduos-sistema parece ser restrita

apenas à autoprodução corporal (nascer, crescer e morrer).

Boaventura de Sousa Santos não propõem uma premissa teórica tão radical

quanto Luhmann, de negação do sujeito individual, mas concebe as relações jurídicas

sobre o prisma da tensão regulação-emancipação, na qual o resultado da racionalização

da vida moderna transferiu vantagens para as estruturas mais sistêmicas, o Estado e o

mercado[3].

Assim, o desafio identificado por Santos é que a promessa da modernidade

(ainda não cumprida, segundo Habermas) é a emancipação, os direitos ampliados aos

novos titulares que podem exercitá-los, hipoteticamente, em função do Estado e

mercado mais racionalizados. A concentração de atribuições e poder jurídico e político

no Estado e Mercado, em detrimento da Sociedade, mais fluida em sua desconstrução

moderna, fazem com que na modernidade se consolide a feição mais sistêmica da sua

organização e formas de institucionalização. Santos (2005) aproxima-se de Luhmann

quando situa o indivíduo na aventura da modernidade jurídico-política, mais como uma

identidade “de jure”, de Bauman (2001) do que como um protagonista, sonho dos

românticos alemães e das filosofias da consciência. O Estado, o mercado e a sociedade

são os atores sistêmicos para o direito.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1450

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As constituições dos Estados modernos são os repositórios mais claros dos

direitos de emancipação consagrados como direitos subjetivos e a cidadania emerge

como a qualidade jurídico-política que não tinha o súdito. As constituições modernas,

especialmente no caso da brasileira, muito extensa e analítica, são um misto de

ambiente emancipado, de enunciação de direitos e garantias em quantidade e qualidade.

As constituições são também a base para a criação sistêmica do direito. Ao legislador, e

mais ainda ao Judiciário, cabe a função de criar e fortalecer o sistema pelas seleções e

decisões, a partir do horizonte constitucional e suas múltiplas possibilidades de sentido.

Tal ampliação temática de direitos subjetivos repercute diretamente na

complexidade e na contingência, pilares problemáticos, alvos do cuidado da teoria de

Luhmann. O sistema do direito passa a ser composto de diversos subsistemas e a ter que

regular e dialogar com outros sistemas, traduzindo seu código básico para aplicá-lo aos

demais. A regulação jurídica passa a ser superexigida diante da nova diversidade de

direitos, atores jurídicos, conteúdos e temas sociais juridicizados etc. As contingências

sociais e factuais num ambiente social, político e econômico marcado pelo individual e

suas demandas singulares tenderiam ao caótico, não fosse a nova unidade racional do

Estado e do direito que com ele passa a se identificar.

De acordo com Santos (2005) a formulação mais ampla e articulada, de forma

a garantir a eficácia e autonomia do direito sem que ele se descaracterize ante os

subsistemas regulados é a concepção do sistema autopoiético de Luhmann. A gestão da

complexidade com seus excessos, déficits e riscos é tarefa que o sistema do direito

opera a partir de seleções e exclusões com a aplicação do código básico binário

legal/ilegal, jurídico-não jurídico.

O sistema se estrutura em Luhmann em dois níveis interligados, mas distintos:

um mais psíquico e comportamental em que a seletividade, a escolha, alivia o medo,

outro mais institucional e organizacional previne o desapontamento, controla as

frustrações. Diz ele na sua definição, assim:

Estrutura é definida por uma propriedade, isto é, por uma constância

relativa.[...] Definimos a estrutura através de sua função de fortalecimento da seletividade [...]. As estruturas potencializam esse

efeito aliviante [dos desapontamentos] na medida em que

estabelecem as referências de uma seleção a outra. Através de um ato

de opção, geralmente não percebido como tal, as estruturas restringem o âmbito das possibilidades de opções. (LUHMANN,

1985, p. 53-54)

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1451

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A função das estruturas é reduzir a insegurança e confirmar expectativas mais

generalizadas, regulando o medo (id, p. 55). Essa definição comportamental e psíquica

se valida nas relações pessoais, parte a parte, com a seleção de linguagem, de

argumentos para a comunicação. Além dessa definição do ponto de vista psíquico,

Luhmann cuida das estruturas que atuam como “terceiros” nas relações. Aí se inserem

as estruturas institucionais e organizacionais. A estas compete integrar e dar segurança,

neutralizando, objetivando e amenizando as disputas. Passam a atuar quando a

complexidade das relações e as disputas decorrentes não se resolvem mais com base em

consensos, apelo á convicções comuns e experimentação normativa, mas com o

deslocamento da competência de decidir.

As estruturas, enquanto parte do argumenta da teoria sistêmica, podem ser

individuais-subjetivas, consensuais-intersubjetivas e institucionais. Nestas últimas

comportando estruturas estatais (Judiciário, Legislativo e Administração) e as sociais e

do mercado: movimentos sociais, empresas, interessando aqui aquelas estatais, mais

precisamente por conta da regulação própria e da sua força intra-sistêmica.

A crise do consenso cotidiano, fenômeno no campo das relações sociais, em

especial das relações no mundo do direito, entra de cheio na definição do próprio objeto

da sociologia do direito. Tal crise desencadeia a formação de mecanismos de

institucionalização da decisão, sejam elas judiciais ou legislativas com fins de

estabilizar as expectativas e gerir a complexidade e a contingência. Diz Luhmann (1985,

p. 84):

As instituições se fundamentam então não na concordância fática de determináveis manifestações de opiniões, mas sim no sucesso ao

superestimá-las. Sua continuidade está garantida enquanto quase

todos suponham que quase todos concordem [...]. Daí surge, comparativamente ao consenso fático, uma maior estabilidade e uma

mais apurada sensibilidade.

O sistema do Direito, em virtude da diversidade de interações que estabelece

com outros sistemas numa sociedade sobre-juridificada, se especializa e se diferencia

funcionalmente. Luhmann o concebe em estruturas judiciais e legislativas. As distinções

entre elas Luhmann (1985, p. 38) trata assim.

O âmbito da jurisprudência cuida da exposição do direito vigente, da

manutenção e da sanção de certas expectativas normativas, de

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manifestar a determinação a não assimilar apreensivamente as

transgressões ao direito.

Ao comparar com a função do legislador dentro da distribuição de

competências funcionais e específicas, Luhmann confere ao Judiciário um papel mais

sistêmico. A regulação judicial é concreta, destinada ao caso singular. Mas o

crescimento do subsistema judicial dentro do sistema do Direito, a impostação técnica

que dá ao Judiciário uma legitimidade, permite, no caso da jurisprudência sumular,

editar normas em termos materiais. É o caso da súmula vinculante, que age

verticalmente todo o aparelho judicial brasileiro bem como a administração pública: ao

decidir, as autoridades não podem ir contra o entendimento que está sumulado.

Quanto ao legislativo, sua participação sistêmica é mais fluida e dinâmica,

segundo Luhmann, que diz (id. p. 38):

Para o legislador, no entanto, as normas e os fatos se apresentam em uma outra ótica e num outro contexto. [...] Ele pode abrir-se ao

direito clandestino dos rebeldes e criminosos, aos interesses afetados

pelas prescrições. Ele pode, e até mesmo, deve demonstrar estar disposto a corrigir expectativas. Ele é o destinatário da vontade de

mudar.

Normalmente, a complexidade de um ambiente estimula o também aumento da

complexidade do sistema do direito e dos outros sistemas de certa forma interligados. A

complexidade de um sistema de forma alguma, se faz por reflexo do ambiente, uma vez

que, se assim fosse, consistiria em uma ruptura dos seus limites, ocasionando a morte

precoce do próprio sistema.

O ambiente leva ao sistema diversas possibilidades, estas diferenciadas em

outras possíveis, originando uma confusão e contingência. Então, o sistema utiliza a

seletividade e opta pelas possibilidades mais coerentes com a função que desempenha.

Ou seja, o próprio sistema minimiza a complexidade para se manter a salvo no

ambiente. Porém, ao passo que há uma simplificação da alta complexidade do ambiente,

ocorre também um avanço da complexidade do próprio sistema, sendo esse o preço para

sua manutenção no ambiente. A gestão sistema do direito termina por ser mais interna,

“autopoiética” do que dirigida para fora, para o ambiente de entorno.

É importante considerar que o sistema se comporta de modo mutável. O

aumento de sua complexidade interna se faz devido ao número de possibilidades ser

também maior, sendo condição para esse enfrentamento uma diferenciação em

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subsistemas. Dentro do sistema do direito pode-se ter um subsistema judicial, outro

legislativo ou contratual, etc.

As sociedades contemporâneas, tomadas como sistemas sociais totais,

estruturam-se de acordo com um programa de diferenciação funcional, sendo assim

constituídas por inúmeras formas de subsistemas, dentre eles o direito e a política. É

inerente e peculiar a cada subsistema um modo de funcionamento e um código próprio,

pois cada subsistema se constitui de forma fechada, autônoma e auto-referencial, assim

como ao mesmo tempo interligam-se sob a forma reduzida de “acoplamento estrutural”.

É notório na concepção Luhmanniana, a conclusão que para o sociólogo alemão a

sociedade é um verdadeiro sistema composto por comunicações, ou conforme citou

Celso Fernandes Campilongo, “a sociedade é, então, pura e simplesmente uma rede de

comunicações”.

A característica marcante da comunicação que se realiza em cada sistema

social, somente ocorre em função utilização dos chamados códigos binários, que

segundo Niklas Luhmann, levam a uma enorme simplificação. O direito funciona,

segundo seu próprio código: legal/ilegal, jurídico/não-jurídico. Por esse código básico, o

direito dialoga com outros subsistemas sociais, convertendo suas provocações e

irritações em reações autopoiéticas, ou seja, só as conhecendo se puderem ser traduzidas

em jurídico/não jurídico..

Não existe um agente externo ao sistema que origina sua modificação, ele

mesmo a realiza. As provocações ou irritações não somente contribuem para a evolução

do sistema, como também, dependendo da intensidade, podem incitar mudanças na

estrutura do próprio sistema. Essa capacidade de produzir a si mesmo recebe o nome de

autopoiese, responsável pela constância no aumento das possibilidades até que a

complexidade do sistema atinja níveis intoleráveis à estrutura do sistema, culminando

com mudanças na sua forma de diferenciação.

A evolução do sistema ora depende da sua diferenciação, ora da passagem de

uma forma de se diferenciar em outra. De acordo com a teoria de Niklas Luhmann, são

quatro as formas pelas quais o sistema pode se diferenciar: segmentação, hierarquia,

centro/periferia e a função, e conforme evolui passa de um sistema segmentado até os

limites de um sistema funcional. Assim como aconteceu com a própria sociedade,

passando por uma forma segmentada, na antiguidade, até uma forma funcional, na

modernidade.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1454

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Voltando tal complexidade para o mundo do direito, denota-se que para

Luhmann, o direito se deixa determinar por critérios externos à positividade. Tornou-se

um desafio para a figura do juiz, se manter fiel aos argumentos jurídicos necessários à

autonomia do direito, isso devido a recorrente judicialização dos litígios. Com isso, fica

evidente o problema das lacunas e a incapacidade do direito em prever normativamente

todas as situações de conflitos que emergem, o que o leva a um esforço de auto-

contenção e ênfase na segurança jurídica, v.g.

Surge então a paradoxal formulação da norma jurídica, que ao invés de

delimitar sua área de aplicação, aumenta de forma gradativa seu grau de abstração.

Tecnicamente a norma jurídica no quadro atual de expansão das prestações e atenções

do Estado de Direito, tem que ser paradoxalmente mais abstrata e mais específica. É

devido e a partir desses raciocínios que os quesitos para criação e edição da súmula são

compreendidos: uma tentativa de (re) posicionar os marcos balizadores da decisão

jurídica e da segurança do sistema, traduzindo a abstração e a especificação em

possibilidade de decisão.

Os conceitos de complexidade, contingência e riscos[4] da vida social

moderna, substituem os clássicos vontade e interesse, muito típicos do pensamento

quando se trata de direitos fundamentais. Pensados apenas no formato subjetivo e

individual, para um modelo tradicional de poucos bens jurídicos (propriedade, status

personae, liberdade ambulatória e política, contratos etc) resolvidos em lide

interpessoal, os direitos fundamentais perdem sua significação. As instituições e o

ordenamento social num Estado de amplos poderes e complexas prestações e

atribuições devem ser consideradas, sob o conteúdo do risco social. Este substituiu a

estabilidade e o statu quo que são uma espécie de mito colocada como pressupostos

para o sistema jurídico, não como uma meta intra-sistêmica permanente.

4. Direito sumular no Brasil

A lei é uma espécie de norma jurídica resultante do complexo processo

legislativo. Sua força coercitiva aplica-se a casos abstratos, uma vez que existe como

direito positivo das normas de conduta e organização. Diferentemente da lei, a súmula é

diretriz jurisprudencial, oriunda das reiteradas demandas com o mesmo objeto, ou sobre

um mesmo fundamento[5]. Apenas norteando decisões que podem livremente influir

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1455

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nas convicções dos juízes e demais aplicadores do direito. É norma de natureza diversa

pela própria fonte judicial da qual emana.

A natureza jurídico normativa das súmulas está relacionada à função judicial

da “jurisdictio”, dizer o direito, quando a norma legal ou costumeira por si mesmo não

pode ser aplicada. Há um lapso epistêmico entre a enunciação de norma e sua

pragmática, a aplicação. No caso da norma constitucional esse hiato epistêmico entre o

sentido e o alcance da norma abstrata é de grande complexidade. Há uma zona de atrito

e superposição de direitos que decorre do próprio conteúdo dos direitos

fundamentais[6], sua complexa topologia.

Exemplificando e ilustrando, com dispositivos da Constituição Federal de

1988:

Art. 5°, inciso LV. Art. 5°, inciso LVIII.

Aos litigantes, em processo judicial ou

administrativo, e aos acusados em geral são

assegurados o contraditório e a ampla defesa,

com os meios e recursos a ela inerentes.

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e

administrativo, são assegurados a razoável

duração do processo e os meios que

garantam a celeridade de sua tramitação.

Súmula Vinculante n° 5 do STF. A falta de defesa técnica por advogado no processo

administrativo disciplinar não ofende a Constituição.

Os dois incisos do mesmo artigo 5° da Constituição brasileira, considerados os

fatos em concreto, por exemplo o excesso do emprego do direito de defesa que trave

uma decisão administrativa, podem estar em atrito. Sistemicamente considerando a

Constituição e os princípios norteadores da Administração Pública (art. 37, caput) de

que num Estado Democrático de Direito (Art. 1°, caput), uma súmula pode “resolver” a

questão da morosidade ocasionada pelo excesso do direito de defesa do acusado em

processo administrativo, nos termos daquela Súmula Vinculante n° 5.

Na distribuição sistêmica e funcional dos papéis no sistema do direito, a opção

pela defesa técnica com advogado é de cunho pessoal, ao passo que o dever da

administração apurar e decidir é de feição cogente e institucional.

Admitindo a influência nas sentenças das reiterações de decisões, visando a

uniformidade e constância, tem-se o conceito basilar de jurisprudência. Pode-se então

dizer que a súmula é a proposição enunciativa de uma jurisprudência que se consolida a

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1456

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partir de decisões judiciais reiteradas sobre um mesmo tema ou disputa levada ao

Judiciário.

A idéia do direito sumular no Brasil – influenciado mais fortemente pelo

precedente do stare decisis do modelo judicialista americano – não é nem um pouco

recente. Utilizando-se de uma análise histórica e evolutiva é de se registrar que o

primeiro instituto de vinculação judicial de decisões apareceu no período colonial, com

as Ordenações Manuelinas e aperfeiçoado nas Ordenações Filipinas. Sob o nome de

“Instituto dos Assentos da Casa de Suplicação”, tinha a finalidade de erradicar as

duvidas que surgissem entre os juízes, as matérias em questão seriam então direcionada

aos reis.

Após a independência, com a criação do Supremo Tribunal de Justiça, os

assentos de Lisboa foram regulamentados por meio de um decreto legislativo e foi dada

ao Supremo Tribunal de Justiça, a competência de tomar outros “assentos” até serem

derrogados pelo poder legislativo. A prática dos assentos foi extinta pela Constituição

da República de 1891 e por influência do Ministro do STF, Victor Nunes Leal, foi

instituída a Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal,

segundo o ministro, em nome da “relativa estabilidade” da jurisprudência.

O stare decisis, preponderante no sistema de tradição anglo-saxônica do

Common Law, “stare decisis et quiet non movere”, ou seja, “mantenha-se a decisão e

não se perturbe (se altere) o que foi decidido”, detém influência na criação da súmula

vinculante do direito brasileiro, uma vez que, promove a igualdade aos conflituosos em

situações idênticas, e assegura uma medida prévia à aplicação da norma jurídica. O

fundamento prático da súmula é explicado pelo ex-ministro Baleeiro:

basta a referência a seu item (enunciado) que este indicará o

dispositivo legal a que se refere e os acórdãos do Supremo Tribunal Federal que estabeleceram a jurisprudência preponderante, sem

necessidade de provar-se a existência dos julgados acaso discrepantes

(BALEEIRO, Aliomar. Revista Brasileira de Estudos Políticos, v.

34, p.30).

Desde seu lançamento, para servir de modelo de trabalho à comunidade

jurídica, que a súmula é alvo de resistência por parte de magistrados e setores da

advocacia, sedentos em manter sua “preservação intelectual”. Com ajuda do então

ministro do STF Victor Nunes Leal, foi instituída a Súmula da Jurisprudência

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1457

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Predominante do Supremo Tribunal Federal, por intervenção de Emenda Regimental de

28.03.1963. Para Leal a súmula:

É um sistema oficial de referência dos precedentes judiciais,

mediante a simples citação de um número convencional; distingue a jurisprudência firme da que se acha em vias de fixação; atribui à

jurisprudência firme conseqüências processuais específicas para

abreviar o julgamento dos casos que se repetem e exterminar as protelações deliberadas (LEAL, Victor Nunes. Atualidades do

Supremo Tribunal, RF 208/17).

Assim, Leal considera a jurisprudência de forma rígida como não sendo um

bem, uma vez que o ex-ministro não deixou de considerar a mutabilidade da vida e a do

próprio direito e seu corpo legislativo. Porém também diferencia a mudança que se faz

por necessária e “a anarquia da jurisprudência”, para ele um tormento. O possível,

razoável e mais conveniente seria o meio-termo para que o Supremo Tribunal possa

eliminar ou reduzir as controvérsias de jurisprudência.

De certa forma havia a obrigação de manter o respeito jurisprudência, mesmo

que para isso fosse necessário o impedimento do livre pronunciamento de tribunais e

juízes. Existia a ânsia por promover e assegurar a uniformidade jurisprudencial,

requisito imprescindível para a qualidade da distribuição da justiça. Para que não falhe

quanto às expectativas de expressar a inteligência dada à lei, a súmula não pode ser

palco de incertezas ou ambigüidades, sendo redigida com o maior nível de clareza

possível.

É amplamente pertinente a diferenciação entre a súmula da jurisprudência, que

possui predominância no STF, e a súmula resultante da uniformização de

jurisprudência. Na primeira forma, o STF oferece meios para o pragmatismo das

decisões a serem tomadas, mantendo dessa forma, a liberdade cognitiva, já que há a

faculdade de seguir ou não a súmula referência. Por sua vez no segundo caso, o

prestígio e a autoridade do tribunal estão em enfoque, pois não há a permissão para a

variância das interpretações a tal ponto que coloque a segurança dos jurisdicionados em

prova perante as decisões tomadas pelo tribunal.

A Emenda Constitucional n° 45/2004, que acrescentou à Constituição o artigo

103-A, traz uma espécie de súmula que difere das supra conceituadas, inovando com a

súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, cuja criação deve atender aos

requisitos constitucionais da existência de controvérsia jurídica sobre matéria

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1458

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constitucional que ocasione grave insegurança jurídica e relevante volume de processos

sobre questão idêntica. Tem caráter cogente, não meramente consultivo, não existindo

facultatividade em seu seguimento e sob este não cabendo a petição de recursos, não

podendo recorrer o julgado a instância superior. Dão um caráter líquido e certo às

decisões exaradas com base em seu conteúdo normativo.

A criação e edição do instituto da súmula vinculante não nasceram de forma

unânime em aceitação e credibilidade, sendo até os dias atuais passível de críticas e

polêmicas a respeito de fatores relacionados desde a sua interpretação, até o possível

“cabresto do STF” que, segundo adeptos, culminaria com a interferência na capacidade

inovadora do próprio direito. Pode se ver claramente as dimensões sistêmicas e

regulatória do direito em ação.

Além de ser acusada por atribuir legislação a quem não é diretamente escolhido

pelo povo, segundo uma democracia representativa, há quem diga que a súmula

vinculante restringe as possibilidades defensivas em detrimento da ampliação e

alternativas do sistema jurídico, pois a decisão é advinda do mais qualificado Tribunal,

que certamente colocará a súmula sob revisão apenas para motivos relevantes.

É apontado também que a implantação desse instituto significaria a diminuição

da liberdade no julgamento. Outra crítica aceita diz respeito ao não combate à

morosidade do sistema jurídico por parte da súmula, já que não diminui o acúmulo de

serviços do Supremo Tribunal Federal porque introduz também o instrumento da

reclamação com as finalidades da preservação de sua competência e da garantia da

autoridade de suas decisões.

Não se cria uma súmula vinculante apenas por conveniência ou por simples

deliberações. É necessário que se faça presença de controvérsias ou contestações

persistentes sobre determinadas matérias, não solucionadas entre órgãos jurídicos, ou

entre estes e a administração pública, que acarrete insegurança pública e crescente

propagação de processos sobre casos idênticos. A súmula destina-se a dar ao povo uma

segurança jurisdicional previsível, ao contrário de outras decisões conflituosas e

contraditórias que somente provocam o desgaste e o desprestígio da Justiça.

Quanto ao objeto da súmula vinculante, fala-se em validade, interpretação e

eficácia da norma jurídica. Dessa forma assegurando a adequação da norma ao material

constitucional, a obtenção do sentido coerente para o que a lei dispõe e, a execução dos

objetivos anunciados na apresentação do projeto e em sua posterior elaboração

legislativa.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1459

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O não cumprimento do que a súmula vinculante enuncia, resulta em anulação

do ato administrativo e torna sem efeito a decisão judicial, acarretando outra decisão,

com ou sem influência sumular, dependendo do caso. Barcelos (2005) diz que a

racionalidade na esfera da decisão jurídica tem dois elementos: a demonstração da

conexão com o sistema jurídico e a racionalidade do argumento. A súmula, pela

concisão textual, atém-se mais propriamente ao primeiro elemento.O sistema do direito

tem um argumento implícito, de autoridade e hierarquia, mas de cunho funcional que

substitui a exposição de alongadas razões para suas práticas e decisões.

5. As 31 primeiras súmulas vinculantes editadas.

Até 31 de março de 2010 já haviam sido editadas 31 súmulas vinculantes. Em

2007, foram os três primeiros enunciados, em 2008 foram 10 e em 2009 outras 14

súmulas e 4 delas em 2010, em 17 de fevereiro. O efeito sistêmico e regulador são

notórios, embora isso seja minimizado pelo fato de que os precedentes que dão

fundamento às súmulas sejam casos julgados, nos quais o “desapontamento” com o

efeito dela nas ações em curso já está diluído entre os usuários do Judiciário. O corte do

binômio ilegal/legal é agora o constitucional/inconstitucional para o subsistema judicial

do STF.

A posição sistêmico-hierárquica do STF na organização jurídica do país lhe

confere um poder hermenêutico e mais ainda, funcional: ele pode dizer da

constitucionalidade ou não de uma norma, um ato administrativo, judicial ou

legislativo.

A primeira delas ainda traz a insegurança “sumular” ao deixar margem para a

discricionariedade judicial de primeira e segunda instância em face do “caso concreto”,

o que restringe a aplicação da súmula. A restrição reguladora se dá em homenagem ao

ato jurídico perfeito, um ícone constitucional da segurança jurídica e em favor do

Estado.

Súmula n° 01. Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão

que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a

validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar nº 110/2001.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1460

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Essa súmula primeira confere validade a um termo de adesão em que, dentre

outras limitações impostas ao titular de conta vinculada de FGTS, está a renúncia ao

direito de ingressar em juízo para postular atualizações de sua conta de FGTS (art. 6°,

inciso III da LC 110/2001). Ou seja, na interpretação dos direitos fundamentais, o ato

jurídico perfeito, tomado na sua acepção mais formal de um termo de adesão, foi posto

acima da inafastabilidade da apreciação judicial ante a lesão e iminência dela, típica

seleção sistêmica.

A Súmula Vinculante n° 2 ingressa na questão federativa e nas reservas de

competência legal. A União contra quem correm grande parte das ações que chegam ao

STF ou às cúpulas judiciárias tem sido grandemente beneficiada pelas Súmulas. Esta

Súmula n° 2 veda atos normativos e leis que disponham sobre bingos e loterias: “É

inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas

de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias”. Há um reforço ao centro sistêmico

do direito estatizado que, no caso brasileiro, é a União federal.

O Estado, enquanto Fazenda Pública e Administração, é o grande beneficiado

com o conteúdo das atuais súmulas vinculantes. Na de n° 3[7], a decisão administrativa

que aprecie legalidade de ato administrativo exclui o contraditório e ampla defesa, nos

processos perante o Tribunal de Contas da União. A súmula vinculante n° 5, também

delimita o alcance e sentido do princípio do contraditório e ampla defesa nos processos

administrativos disciplinares, conforme quadro acima.

Mas é o Estado enquanto administração pública devedora e credora, em termos

de remuneração dos servidores e de tributação, que recebe mais atenção aos seus

interesses pelas súmulas. A impressão que se tem é que os direitos ligados à

remuneração do servidor público não se enquadra mais no formato de direitos

fundamentais, quiçá pelo histórico de patrimonialismo e precária aferição do mérito

nesse campo da vida administrativa, o que retira a legitimidade das demandas salariais

que aí vicejam.

As súmulas vinculantes n° 4, 6, 15 e 16, restringem o alcance dos direitos

salariais dos servidores públicos, dando às suas pretensões em face da Fazenda Pública,

uma decisão sumular definitiva: Não pode ser usado o salário mínimo como indexador

para aumento das gratificações (súmula vinculante n° 4), “Salvo nos casos previstos na

Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo

de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão

judicial.”. Pela Súmula n° 6, abre-se uma exceção ao salário mínimo, ao enunciar que

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1461

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“Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao salário mínimo

para as praças prestadoras de serviço militar inicial”.

A Súmula Vinculante n° 15 diz “O cálculo de gratificações e outras vantagens

do servidor público não incide sobre o abono utilizado para se atingir o salário

mínimo.” E este tem seu conceito ampliado para o “total da remuneração” percebida

pelo servidor público, em geral com vencimentos básicos em valor inferior ao salário

mínimo. Pela Súmula Vinculante n° 16: “Os artigos 7º, IV, e 39, § 3º (redação da EC

19/98), da Constituição, referem-se ao total da remuneração percebida pelo servidor

público.” Ou seja, para o servidor público o “salário mínimo” não é igual a “vencimento

básico”, mas é “total da remuneração”, o que se justifica no sistema do direito: na

iniciativa privada a remuneração é estabelecida quanto ao “mínimo”, ficando ao livre o

agente privado remunerar com um plus o trabalho contratado.

No serviço público, as despesas devem ser previstas em um “máximo”, não

havendo liberalidade orçamentária para romper com os limites previstos na Lei

Orçamentária. Mas equiparar “vencimento básico” com “total da remuneração” é um

exercício tópico e dogmático que só se justifica de modo sistêmico com a exclusão

cognitiva do sujeito, individual ou institucional, a permitir outra lógica decisional que

não a lingüística.

O STF não argumenta com base em semelhanças e analogias de tipo

lingüístico-semântico. Mas uma ligação analógica forte como aquela entre “salário

mínimo” e “vencimentos básicos”, em se tratando do gênero remuneração do trabalho,

só pode ser desconsiderada a partir de uma forte desconstrução pelo sistema do direito

do código básico do sistema lingüístico, o que reforça a percepção de Luhmann quanto

ao sistema do direito.

A Fazenda Pública como credora fiscal recebe atenção favorável nas Súmulas

Vinculantes n° 19 e 29. A primeira atende a exigências de cunho ambiental diz sobre

um tributo municipal: “A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos

de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de

imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal”.

Mas o favorecimento do direito sumular às prerrogativas fiscais do Estado, se

amplia com a Súmula Vinculante n° 29 cujo enunciado diz “É constitucional a adoção,

no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de

determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra.”. O

artigo 145, §2° da Constituição da República diz claramente que “As taxas não poderão

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1462

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ter base de cálculo própria de imposto” e a interpretação sumular do STF excepciona

essa vedação constitucional em favor da administração tributária.

Na espécie a uma concorrência de conteúdo em que a ressalva da súmula 19

(“exclusivamente”) desaparece e qualquer taxa cuja base de cálculo tenha elementos

comuns com a base de cálculo dos impostos. A distinção entre fato gerador e base de

cálculo, especiosa segundo alguns tributaristas, legitima essa dupla e divergente

abordagem sumular.

A Administração Pública sofre uma limitação nas suas prerrogativas em

algumas das súmulas e na interpretação sistêmica disso se pode evocar que além do

Estado, o mercado em seus agentes e dinâmica própria de acumulação, é ator jurídico

sistêmico. Nesse caso, os direitos fundamentais dos atores jurídicos “empoderados” são

considerados, em vista da relevância de suas atividades (elemento extra-sistêmico?).

Citem-se as Súmulas Vinculantes n° 8, 21, 24 e 28.

Nas súmulas 21 e 28, os princípios do contraditório, do direito de petição e do

acesso à justiça pelos devedores fiscais do Estado, são assegurados, para isso liberando

os requerentes em processo administrativo (SV n° 21)[8] e judicial (SV n° 28)[9] de ter

que fazer depósito prévio para recorrer ou ser admitido na ação judicial. Trata-se da

correção de grave injustiça para o particular contribuinte. Mas o STF desconsiderou

para isso a importância do princípio da vinculação à legalidade da administração pública

tributária, que não autua sem que haja fatos e atos ilícitos ou irregulares, ao menos.

Para exemplificar: na súmula 5, parte-se da presunção de legalidade dos atos

que fazem o processo administrativo disciplinar, o que não ocorre nas hipóteses das

súmulas 21 e 28. Ou seja, o próprio conteúdo de um princípio fundamental é

excepcionado diante das contingências e complexidade que o sistema deve administrar e

dos atores jurídicos envolvidos: numa o servidor ou empregado público, noutra o

contribuinte-infrator.

O particular devedor de tributos ganhou em seu favor as Súmulas Vinculantes

n° 8[10] e 24[11]. Na de n° 8 se definiu que o prazo qüinqüenal de prescrição e

decadência das obrigações para com a Fazenda Pública, contra disposições legais que

ampliavam esse prazo ou o tratavam de modo diverso da regra qüinqüenal.

A de nº 24 condiciona a tipificação de crime material contra a ordem tributária

o lançamento definitivo do tributo. Aqui se pautou o entendimento sumulado a ampliar

as garantias do provável infrator através de uma distinção e hierarquização dos objetos

da relação tributária e aquela de cunho mais penal. O art. 3° do CTN, ao definir tributo,

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1463

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distinguiu-o, quanto à prestação pecuniária, daquela decorrente de sanção (e) do ato

ilícito. A Súmula Vinculante n° 24 reafirma as especificidades de cada subsistema

jurídico cominando à administração tributária fazer aquilo que lhe é devido, ou seja,

lançar o tributo devido pelo infrator, oportunizando-lhe quitar nessa seara suas

obrigações sem que para isso se utilize a constrição peculiar à administração penal.

Essas garantias do particular em face ao Estado são uma face da legitimação do

próprio Estado. As súmulas elegem as atividades e aparelhos do Estado em que se dá

essa restrição: a ação policial (SVs 11 e 14)[12], a Universidade (SV n° 12)[13], as

administrações locais (SV’s n° 2 e 31)[14] ou algumas de suas práticas como o

nepotismo (SV n° 13)[15] e o familismo que afeta a lisura dos processos eleitorais

quando tendem a driblar as inelegibilidades (SV n° 18)[16].

Quanto às limitações da ação policial quanto ao uso de algemas, a exposição na

mídia de pessoas presas e algemadas, cuidou o STF de por uma limitação à ação policial

que, violadora da presunção de inocência dos acusados e de sua dignidade, também

promovia a autoridade policial perante a opinião pública. Muito extensa, essa SV n° 11

inclusive cumula responsabilidades civis subjetiva e objetiva, sobre o agente policial e o

Estado, ingressando na esfera do direito do particular lesado pela exposição pública.

A Universidade pública deixa de poder contar com os ingressos de recursos

mediante taxa de matrícula, o que decorre de uma interpretação ampla do principio do

acesso a um bem social como a educação. Mas a SV n° 12, em analogia com outros

enunciados poderia ter uma redação assim “A cobrança da taxa de matrícula nas

universidades públicas não viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal,

ressalvado o direito pelo interessado de requerer a sua dispensa independente de

qualquer prova da condição sócio-econômica”.

As súmulas vinculantes n° 2 e 31 restringem as arrecadações fiscais dos entes

federativos estados, municípios e Distrito Federal. Certamente a dificuldade do sistema

tributário e fiscal capilar, com diferentes graus de organização poderiam criar mais

problemas com a diversidade de procedimentos, caso da locação de carros, por

exemplo: um município poderia cobrar outro não, gerando uma transferência de

empresas para aqueles com maior liberalidade fiscal. Ou poderia se tornar muito

desigual a permissão ou proibição para loterias e sorteios, a concorrer com o sistema

centralizado que serve de suporte para a receita previdenciária suportada pela União.

As súmulas que tratam do nepotismo (SV n° 13) e das fraudes contra a lei

eleitoral (SV n° 18) reportam a outra tentativa sistêmica e regulatória do Estado

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moderno controlar as irrupções locais e “pré-modernas”, sendo o (ex) ator jurídico da

família o destinatário das restrições sumuladas pelo STF. Os poderes e práticas locais,

anti-sistêmicos no sentido de transgressores da regulação estatal, podem colocar em

descrédito a própria base republicana e democrática do Estado. Nas entrelinhas políticas

e sociais da decisão sumular, está a contenção do subsistema social familiar de corte

predominantemente privado que tende a colonizar a esfera pública pela nomeação de

parentes para cargos de confiança nos eixos centrais de organização das funções e

poderes do Estado.

A perpetuação de famílias nos postos dirigentes, em especial nos estados e

municípios mais pobres, é difícil de controlar, mas a interpretação sumular e sistêmica

da SV n° 18 veio combater a fraude contra as inelegibilidades eleitorais. No caso, foram

combatidas as simuladas ou reais dissoluções da sociedade conjugal para que um dos

cônjuges pudesse concorrer nas eleições majoritárias, num continuísmo eleitoral

injustificável num estado republicano e democrático. A manutenção das sociedades

conjugais por um estímulo do Estado certamente não teria apelo muito forte atualmente,

sendo aí decisiva a separação sistêmica entre direito e moral. Mas em conexão com

outro subsistema, no caso o eleitoral, o sistema do direito encontra argumento para

decidir de modo válido e jurídico, traduzindo a moral privada em argumento de moral

pública, a que é mais adequada no desenho jurídico de um problema eleitoral.

6. Conclusão.

As súmulas vinculantes do STF são um elemento sistêmico na organização

judiciária e administrativa do Brasil desde 2007. Os impactos delas, contidos ao nível

intra-sistêmico, ou seja, sem causar fortes repercussões normativas no entorno

ambiental, na opinião pública, mostram uma das facetas do bom desempenho de um

sistema, qual seja, maximizar os ganhos intra-sistêmicos e minimizar as frustrações do

ambiente/entorno ante o próprio sistema.

Milhares de processos “morrem” silenciosamente nos fóruns e tribunais,

decisões administrativas onerosas recebem um reforço na sua validade ou sinal claro de

sua inviabilidade. A segurança jurídica e a presunção e certeza da (i)legalidade ganham

novos contornos, conformando as decisões do direito num aspecto muito mais

regulador. Com a exceção da Súmula Vinculante n° 25 que veio enunciar um conteúdo

de direitos humanos internacionais, a ilegalidade da prisão civil do depositário infiel, as

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demais são em geral restritivas quanto à interpretação de garantias e direitos

fundamentais, salvo aquelas exceções parciais já mostradas.

O aspecto da estatalidade das estruturas sistêmicas do direito, em especial os

órgãos judiciários, impede uma mais rápida conexão com o sistema internacional do

direito. Daí se explicar algumas resistências do STF, por exemplo, frente a direitos e

garantias fundamentais rubricados nos direitos humanos positivados na agenda

normativa internacional. Em todo caso a súmula 25 traduziu internamente a certeza e

liquidez dessa garantia ante a prisão civil.

A autocontenção do sistema do direito nessa concreção mais judicial-

constitucional própria da missão institucional do STF, primeiramente mostra a

eficiência do instituto, malgrado as oposições que lhe são dirigidas.

Sob a tradução de constitucional-inconstitucional, o STF ao sumular de modo

vinculado, assume, dentro de suas fronteiras institucionais e com efeitos sobre o Poder

Executivo, um papel regulador. A amplitude emancipatória da Constituição de 1988,

deixada ao sabor do jogo de forças dos sistemas social, político e econômico, poderia

resultar desastroso. Desse modo, sob a perspectiva e nos limites da atuação sistêmica, o

tribunal de cúpula do Brasil equilibra a entrega de interpretações dos direitos e garantias

fundamentais, considerando os papéis e funções dos diversos atores jurídico-políticos,

Estado, sociedade, indivíduos e mercado.

As configurações desses dois últimos, Estado e mercado, mais aptos às

interações sistêmicas, apesar da ponderação de anarcocapitalismo de Santos (2005)

quanto ao mercado desregulado, atraem a proteção do conteúdo decisório das súmulas.

A primeira e a sétima, são claros exemplos que se repetem em graus variados nas

demais.

A teoria de Luhmann quanto ao direito como sistema auto-regulado, em conexão

com uma sociologia dos tribunais, do direito na tensão regulação e emancipação, de

Boaventura de Sousa Santos pode ser, nesse nível inicial e ensaístico de abordagem,

considerado ponto de partida válido para construções teóricas de maior fôlego.

7. Referências.

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[1] Do ponto de vista científico-metodológico, Abramovich e Courtis (2004, p 119-120) reagem á acusação de que pesquisas baseadas em jurisprudência pecam pelo casuísmo: a investigação jurídica é

sobre fato, não enteléquias. [2] Gabriel Tarde, já tendo exercido influencia sobre Maurice Hauriou, tinha na teoria da imitação a

descrição das ciências sociais como “psicologia intermental”, não considerando a ação volitiva de

indivíduos como relevante, mas as interações entre eles, as comunicações. Também nesse sentido “Santi

Romano e Cesarini Sforza, inspirados na teoria orgânica de Otto Gierke, constroem uma teoria

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institucional. Santi Romano sustenta que há uma identidade entre instituição e ordenamento jurídico” (Cf.

DINIZ, 2010, p. 107). Assim, a concepção sistêmica do direito cresce até atingir um ápice em Niklas

Luhmann. [3] Mendonça (2003) traçando o percurso histórico da tópica e do argumento judicial, observa a mudança

de foco do direito: na idade média, a solução de problema; na moderna, a legitimação política do Estado.

Ele trata de uma forma sistêmica para as estruturas do direito, mas com base na teoria de Kerchove e Ost,

que circularidade e hierarquia, o que se distingue da concepção luhmanniana, em que a diferenciação

hierárquica é de tipo segmentário e não funcional, nem moderno. [4] Cf. TRINDADE, André. Os direitos fundamentais em uma perspectiva autopoiética. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2007. O direito é especificação de um sistema social, não de sistema

psíquico ou orgânico que estão na base das “necessidades” e “interesses” subjetivos. [5] Ross (1963) distingue entre “política legislativa” (lege ferenda) e “política jurídica” (sententia

ferenda). Nesta, o objeto ultrapassa a tarefa de legislar e ingressa em problemas práticos como objetivo

social do direito. Parece um âmbito não sistêmico considerar o “problema” como essencial, não como

acidente, ao direito. É a necessidade dos tribunais inovarem no campo do direito, razão de sua atuação em

concreto. [6] Trindade (2007) introduz a consideração do atual quadro de complexidade,contingência e riscos da

vida social um elemento a ser considerado na percepção sistêmica e autopoiética dos direitos

fundamentais. [7] SV n° 3: Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o

interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma

e pensão. (grifo nosso). [8] SV n° 21. É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo. [9] SV n° 28. É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário [10] SV nº 8. São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário. [11] SV n° 24: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1o, incisos I a IV, da Lei no 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo. [12] SV n° 11: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de

perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a

excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da

autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade

civil do Estado. SV n° 14: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova

que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. [13] SV n° 12: A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206,

IV, da Constituição Federal. [14] SV n° 31: É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS

sobre operações de locação de bens móveis. 15 SV n° 13: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade,

até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido

em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança

ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações

recíprocas, viola a Constituição Federal. [16] SV n° 18: A dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a

inelegibilidade prevista no § 7º do artigo 14 da Constituição Federal.

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