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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE-UNIVALE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÕMICAS-FADE CURSO DE DIREITO Isaque Lopes de Lima Pacheco CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE SÚMULA VINCULANTE Governador Valadares/MG 2010

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE SÚMULA VINCULANTE€¦ · O quarto capítulo cuidará especificamente da súmula vinculante, analisando-se, necessariamente, a Emenda Constitucional

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE-UNIVALEFACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÕMICAS-FADE

CURSO DE DIREITO

Isaque Lopes de Lima Pacheco

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE SÚMULA VINCULANTE

Governador Valadares/MG2010

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ISAQUE LOPES DE LIMA PACHECO

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE SÚMULA VINCULANTE

Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito, apresentada pela Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas – FADE da Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE.

Orientador(a): Profª. Rosimeire Pereira da Silva

Governador Valadares/MG2010

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ISAQUE LOPES DE LIMA PACHECO

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE SÚMULA VINCULANTE

Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito, apresentada pela Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas – FADE da Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE

Governador Valadares, ____ de _________ de _____.

Banca Examinadora:

_____________________________________Profª. Rosimeire Pereira da Silva - Orientador

Universidade Vale do Rio Doce

_____________________________________Prof.

Universidade Vale do Rio Doce

_____________________________________Prof.

Universidade Vale do Rio Doce

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AGRADECIMENTO(S)

Agradeço primeiramente à Deus, razão do meu existir, por mais esta vitória

concedida.

Aos meus pais, pelo que palavra nenhuma conseguiria expressar. Amo vocês.

Aos meus familiares, pela torcida.

À Márcia, pelo carinho e companheirismo.

Aos colegas de curso, por tornarem mais leve esta caminhada.

Aos professores, pelos ensinamentos transmitidos, especialmente à orientadora,

Profª. Rosimeire Pereira.

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RESUMO

O presente estudo tem por objetivo analisar o instituto da súmula vinculante no que concerne à possibilidade de controle concentrado de constitucionalidade da súmula vinculante, em razão da sua natureza eminentemente normativa. A partir da análise dos dois grandes sistemas de direito da história, vale dizer, common law, de origem inglesa, e civil law, cuja raiz remonta ao direito romano, necessariamente, discorrer-se-á sobre a emenda constitucional nº 45 de 2004, bem como sobre a lei 11.417 de 2007, que regulamentou o instituto. Abordar-se-á também o controle de constitucionalidade no Brasil e no direito comparado, a fim de verificar a possibilidade aplicação do controle concentrado às súmulas vinculantes, a partir da concepção do seu caráter normativo. Além disso, será feita uma reflexão sobre o princípio da separação dos poderes e a teoria do checks and balances, a fim de se concluir sobre a eventual inviabilidade do controle concentrado tendo como objeto as súmulas vinculantes. Palavras-chaves: Súmula vinculante. Controle de constitucionalidade. Teoria da separação dos poderes. Civil law e common law.

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ABSTRACT

This study aims analyse the summary binding institute, concerning about the possibility of concentrated control of the binding sumary, because its normative nature. From analyzing the two greatest justice system in histoy, that is, common law from english origin, and civil law, whose root dates the roman period, necessarily, discoursing about constitutional amendment nº 45/04, as well about the Law 11.417/07, that regulates the institute. It´ll approach brasilian constitutionality control and comparative law, in order to check the possibility of the application of concentrated control on summary binding, from the concept of its normative character. Moreover, we will reflect abou the division of powers principle and abou the checks and balances theory, in order to conclude about eventual inviability of concentrated control of the summary binding.

Key-words: Sumary Binding. Constitutionality control. Division of powers theory. Civil law and common law.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 082 OS DOIS GRANDES SISTEMAS DE DIREITO DA HISTÓRIA 103 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL E NO

DIREITO COMPARADO

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4 DIREITO SUMULAR 245 SÚMULAS VINCULANTES: EC 45/04 E LEI 11.417/07 265.1 SEPARAÇÃO DOS PODERES E A TEORIA DO CHECKS AND

BALANCES

28

6 APLICAÇÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ÀS

SÚMULAS VINCULANTES

35

7 CONCLUSÃO 44REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 45

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1. INTRODUÇÃO

Atualmente, discute-se com grande freqüência a respeito da súmula

vinculante, introduzida no ordenamento pátrio através da Emenda Constitucional n°

45, de 08 de dezembro de 2004. O seu principal escopo, segundo seus ardorosos

defensores, é desafogar o Judiciário, evitando a chegada de milhares de processos

aos Tribunais, os quais, em sua maioria, tratam de assuntos já julgados por estes.

De fato, é tendência marcante do meio jurídico brasileiro a busca por

mecanismos que tornem menos morosa a prestação jurisdicional. Além da súmula

vinculante, foi esse também o objetivo da criação da repercussão geral em Recurso

Extraordinário e a Lei dos Recursos Repetitivos.

Quanto ao controle de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal

entende que a súmula, por não apresentar as características de ato normativo, não

está sujeita ao controle de constitucionalidade. Nesse quadro, surge o problema da

eventual incompatibilidade, formal ou material, da súmula vinculante em face da Lei

Maior, situação que colocaria em risco a harmonização entre os poderes da

República. Quanto a isso, a própria Constituição Federal traça dois requisitos para a

aprovação das súmulas com caráter vinculante, quais sejam, o quórum de dois

terços dos Ministros e a existência de decisões reiteradas sobre matéria

constitucional.

Assim, verifica-se, a priori, a possibilidade da violação dos requisitos

previstos na Lei Maior para edição das súmulas. Além disso, é possível, em tese, a

edição de súmula que contrarie materialmente a Constituição, criando um embaraço

ao princípio constitucional checks and balances1, vez que o próprio órgão que

exarou o ato contrário à ordem constitucional é o competente para exercer o controle

de constitucionalidade.

A metodologia a ser utilizada será basicamente a coleta de dados e

informações acerca do assunto a ser analisado através de pesquisa bibliográfica,

permitindo que se tome conhecimento de material relevante, tomando por base o

que já foi publicado sobre o tema, de modo que se possa delinear uma nova

abordagem sobre o mesmo, chegando a conclusões que possam servir de

embasamento para pesquisas futuras.

1 Freios e Contrapesos

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O trabalho será dividido em cinco partes. O primeiro capítulo versará sobre

os dois grandes sistemas de direito da história, analisando seu desenvolvimento e

influência.

O segundo trata do controle de constitucionalidade no Brasil e no Direito

comparado, a partir do que foi abordado no capítulo precedente.

O terceiro capítulo, por sua vez, disporá sobre o direito sumular,

mencionando sua origem, evolução histórica e importância nos dois grandes

sistemas do direito.

O quarto capítulo cuidará especificamente da súmula vinculante, analisando-

se, necessariamente, a Emenda Constitucional 45 de 2004 e a Lei 11.417 de 2007.

Por derradeiro, o quinto capítulo enfrentará a problemática proposta por este

trabalho, sem, evidentemente, ter a pretensão de esgotar o assunto, ainda muito

controvertido, mas de indispensável reflexão para os operadores do direito.

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2. OS DOIS GRANDES SISTEMAS DE DIREITO DA HISTÓRIA

O estudo do Direito Comparado é relevante para o próprio direito nacional,

pois confere visão panorâmica ao jurista, ao analisar em termos macro o seu próprio

sistema em comparação aos demais direitos. O estudo comparativo dá a

oportunidade do conhecimento de novos institutos jurídicos e de outros fundamentos

de resolução de conflitos em prol da própria sociedade e do pragmatismo funcional

do direito. Nesse contexto, vale dizer que há dois grandes sistemas de direito da

história, quais sejam, o da common law 2e o da civil law.

A common law é um sistema jurídico criado inicialmente nos costumes

vigentes na Inglaterra, e nos julgados dos Tribunais da Corte. Atualmente, a com-

mon law é essencialmente a síntese dos julgados dos tribunais, diante da aplicação

concreta e casuística de premissas fáticas para reger determinada situação objeto

de julgamento.

Trata-se de um direito essencialmente histórico, processual, formal e

jurisprudencial, imanentemente ligado aos fatos. Diferentemente dos direitos da

família romano-germânica, não sofreu influência do Direito romano, tampouco do

fenômeno da codificação. Diante da sua aplicação aos fatos em concreto, sua

concepção de sistema é tida como aberta e prospectiva, pois ao juiz incumbe

resolver a lide, frente aos fatos concretos do caso e da jurisprudência que reina

sobre o assunto.

Neste ponto, cabe dizer que, hodiernamente, em sintonia com as modernas

intervenções do Estado na economia, tem-se assistido a algumas mudanças da

órbita comum do direito pátrio, em prol da Administração Pública. A súmula

vinculante ora incorporada ao nosso Direito, por força da Emenda Constitucional nº

45, é instituto inspirado na common law, pois trabalha com raciocínio e estrutura de

julgamento desse sistema de direito. Representa eficiente comando de respeito e

hierarquia para a solução de polêmicas jurisprudenciais, instrumento que serve à

eficiência jurídica e à otimização dos julgados.

Côrtes, discorrendo sobre a jurisprudência e os precedentes no direito

inglês, assevera em seu trabalho sobre as súmulas vinculantes:

2 Direito Consuetudinário

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Todo o desenvolvimento da common law teve uma preocupação central – ajustar o processo para que as demandas pudessem ser resolvidas pelo juiz. Não se dava atenção tão grande a eventuais normas a serem produzidas pelo Parlamento e até à proteção material dos bens. E o respeito à jurisprudência pretérita, bem como aos precedentes, demonstra bem a maior preocupação com a resolução de casos concretos de forma efetiva a partir de uma base não-legislativa. Aliás, o sistema dos precedentes é uma forma de trazer segurança jurídica para uma organização que não tem uma base legislativa escrita forte. René David é preciso:” “A autoridade reconhecida aos precedentes é, por via de consequência, considerável, pois pode revelar-se como sendo a própria condição de existência de um direito inglês. No entanto, essa autoridade variou conforme a época. Tornou-se mais estrita no século XIX, época de expansão da indústria e do comércio, quando sentiu-se uma necessidade de segurança nas relações jurídicas (Côrtes, 2009, p.111).

Relevante notar o Direito romano pouco influenciou o Direito inglês, pois a

retirada romana foi substituída pela difusão dos costumes bárbaros e a organização

social, política e econômica peculiar que se instaurou na Inglaterra nos anos

seguintes. Essa interação é marcante e particularmente autônoma em comparação

ao Direito Europeu Continental, pois o jurista inglês orgulha-se de valorizar o caráter

tradicional de seu direito, que surge como produto de uma longa evolução que não

foi perturbada por nenhuma revolução – pois ausente o marco da codificação na

common law – orgulha-se desta circunstância e da capacidade de adaptação do seu

direito.

Vale transcrever texto de David, no qual discorre sobre o período anglo-

saxônico no direito inglês:

Uma data fundamental na história da Inglaterra e da Europa é o ano de 1066, em que a Inglaterra é conquistada pelos normandos. O período que precede esta data é chamado, na Inglaterra, o do direito anglo-saxônico. O domínio romano, embora tenha durado quatro séculos na Inglaterra – do imperador Cláudio até o começo do século V -, não deixou mais vestígios na Inglaterra do que o período celta na França ou o período ibérico na Espanha. A história do direito começa, para os historiadores do direito inglês, na época em que, tendo cessado este domínio, diversas tribos de origem germânica – saxões, anglos, dinamarqueses – partilharam entre si a Inglaterra. É somente nesta época que a Inglaterra, com a missão de Santo Agostinho de Cantobéry em 596, se converte ao cristianismo. O direito da época anglo-saxônica é mal conhecido. As leis são redigidas logo após a conversão ao cristianismo, como na Europa continental; a sua originalidade está em que, ao contrário das outras leis bárbaras que são redigidas em latim, estas são redigidas em língua anglo-saxônica. Contudo, tal como as outras leis bárbaras, as lei anglo-saxônicas apenas regulam

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aspectos muito limitados das relações sociais às quais se estende a nossa concepção atual do direito. As leis de Aethelbert, rei do Kent, redigidas em língua anglo-saxônica no ano de 600, apenas comportam 90 frases breves. As leis do rei dinamarquês Canuto (1017-1035), quatro séculos mais tarde, são mais elaboradas e anunciam já a passagem da era tribal para a feudal. O princípio de personalidade de personalidade das leis dá lugar, como na França, a uma lei territorial, mas, embora o país esteja submetido a um único soberano, o direito em vigor mantém-se um direito estritamente local; não há direito comum a toda Inglaterra antes da conquista da Normada (David, 2002, p. 356 e 357).

Noutro giro, conforme Côrtes:

na tradição inglesa, “a decisão judicial tem duas funções. A primeira consiste em dirimir a controvérsia imediata, e a segunda de estabelecer o precedente, que servirá de base para decisões futuras e trará, por conseguinte, segurança jurídica. (Côrtes, 2009, p.112 e 113).

Farnsworth (1963) apud Côrtes, assevera:

A segunda função da decisão judicial, característica do direito de tradição inglesa, é estabelecer um precedente, em face do qual um caso análogo a surgir no futuro será provavelmente decidido da mesma forma. Essa doutrina é frequentemente designada pelo seu nome latino, stare decisis, da frase stare decisis et non quieta movere, apoiar as decisões e não perturbar os pontos pacíficos (Côrtes, 2009, p.113).

A influência histórica marcou profundamente o Direito inglês, e ainda hoje

influencia sua aplicação. Contudo, há outros aspectos relevantes que marcaram

esse sistema de direito, consoante enfatiza David:

As circunstâncias nas quais se formou a common law não têm um interesse meramente histórico. Pelo menos em quatro aspectos elas marcaram, de modo duradouro, o direito inglês, no qual, ainda nos dias atuais, podemos notar a sua influência. Em primeiro lugar, levaram os juristas ingleses a concentrar o seu interesse sobre o processo. Em segundo lugar, elas fixaram numerosas categorias e serviram para elaborar numerosos conceitos do direito inglês. Em terceiro lugar, levaram à rejeição da distinção entre o direito público e privado. Finalmente, em quarto lugar, criaram obstáculos a uma recepção, na Inglaterra, das categorias e dos conceitos do direito romano (David, 2002, p. 364).

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De fato, a realeza influenciou e até restringiu o conhecimento e evolução de

muitas matérias do Direito inglês, de forma que René David é contundente na crítica

da common law do século XV, ao observar sua funcionalidade e não considerá-la

como um sistema que visa primária e diretamente realizar justiça, mas sim admitir a

contenciosidade entre as partes, como um duelo; é mais um conglomerado de

processos próprios para assegurar, em casos cada vez mais numerosos, a solução

dos litígios.

A principal distinção do Direito da família da common law perante a família

do Direito romano-germânico reside, em termos pragmáticos em três níveis: a) na

estrutura de concepção do direito; b) nas suas fontes; c) nos seus conceitos para-

digmáticos.

David, analisando formação histórica do sistema de direito romano-

germânico, aduz:

O sistema de direito romano germânico formou-se na Europa Continental e é aí que ainda hoje conserva o seu principal centro, ainda que, devido aos fenômenos de expansão ou de recepção, numerosos países extra-europeus tenham aderido a este sistema ou extraído dele alguns dos seus elementos. A época em que surge, do ponto de vista científico, o sistema de direito romano-germânico é o século XIII. Até esta época existem, sem dúvida alguma, elementos com a ajuda dos quais o sistema será constituído; mas parece prematuro falar de sistema, e talvez mesmo de direito. Um primeiro período começa, no século XIII, com o renascimento dos estudos de direito romano nas universidades: fenômeno essencial do qual mostraremos a significação e o alcance. Durante cinco séculos o sistema vai se dominado pela doutrina, sob a influência principal da qual a própria prática do direito evoluirá nos diferentes Estados. A doutrina preparará, com a Escola do Direito Natural, o despertar do período seguinte, aquele em que ainda atualmente nos encontramos – período no qual o sistema será dominado pela legislação (David, 2002, p. 35).

Nota-se daí a tamanha disparidade entre as duas famílias do direito, cuja

complexidade remonta à sua origem. Tamanha distinção implica num direito

expressivamente diferenciado e estranho aos juristas romano-germânicos, cuja

comunicação é desafiante, inclusive aos próprios dicionários jurídicos. Parte-se,

pois, para a análise dos conceitos.

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Entende-se por súmula a cristalização positiva de um posicionamento

consolidado na jurisprudência, de forma a ditar em categoria normativa o

posicionamento dos tribunais sobre o assunto. Estabelece-se, assim, uma

orientação jurídica de caráter precedente.

A respeito do tema, Leite afirma:

Pelo exposto, percebe-se que as súmulas da jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal, da forma preconizada pelo Ministro Victor Nunes Leal, apresentavam as seguintes notas principais: a) dentre outras funções que desempenharam, a que se sobressaiu foi a de concebe-las como método de trabalho; b) nesse sentido, sua finalidade principal era racionalizar o julgamento de processos judiciais idênticos, diminuindo a carga de trabalho do Supremo Tribunal Federal; c) a estabilidade da jurisprudência, concretizada por elas, estava em sintonia com o princípio da igualdade, pois os casos idênticos deveriam ter soluções iguais; d) pela possibilidade de revisão da súmula, seria evitado o risco de petrificação da jurisprudência; e) exigia-se deliberação formal para a sua criação; e) possuíam apenas obrigatoriedade indireta, carecendo, portanto de força vinculante (Leite, 2007, p. 53 e 54).

Quanto a esse último aspecto, mister dizer que essa competência legislativa

extraordinária foi outorgada ao Supremo Tribunal Federal por força da Emenda

Constitucional n. 45, nos seguintes termos:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em rela-ção aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

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A Lei n. 11.417/2006 regulamentou o dispositivo supra e reitera em grande

medida os mesmos preceitos.

Verifica-se, pois, uma aproximação aos institutos próprios da common law,

em prol da otimização do direito nacional e, assim, restringir recursos de massa ao

Supremo Tribunal Federal. Sua plasticidade de revogação ou aprimoramento traz

válvula de equilíbrio ao desenvolvimento do direito em sintonia com a sociedade.

Em suma, os limites objetivos da súmula vinculante são dados pelo

enunciado que resulta de sua formulação, certamente baseado nos fatos base do

julgamento em questão. Assim, devem-se averiguar as situações fáticas de um e de

outro para sedimentar segurança na sua aplicação.

Tanto os precedentes da common law como a súmula vinculante do Direito

brasileiro são instrumentos que aprimoram a segurança jurídica do sistema. Esta

última tem eficácia imediata e definitiva para toda a Justiça e Administração Pública,

e sua imposição pode ser efetivada através da reclamação perante o Supremo

Tribunal Federal.

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3. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL E NO DIREITO COMPARADO

O controle de constitucionalidade se baseia na idéia da superioridade de

uma norma, a Constituição, em face de outras de hierarquia inferior. É característica

das constituições rígidas o controle de constitucionalidade das leis, visto que esse

mecanismo assegura a supremacia do texto constitucional, retirando a validade das

normas inferiores que violem seus preceitos.

É de Kelsen a famosa teoria sobre a validade das normas, quando ilustra,

didaticamente, que a Constituição situa-se no topo de uma pirâmide, conferindo

validade às normas de inferior hierarquia.

Sobre o assunto, Kelsen diz:

Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. O fato de uma norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em que o seu último fundamento de validade é a norma fundamental desta ordem. É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa (Kelsen, 2006, p. 217).

No Brasil, a Constituição Imperial de 1824 não estabeleceu qualquer sistema

de controle, consagrando o dogma da soberania do Parlamento, já que, sob a

influência do direito francês (a lei como expressão da vontade geral) e do inglês

(supremacia do parlamento), somente o órgão legislativo poderia saber o verdadeiro

sentido da norma.

Em seguida, a Constituição Republicana de 1891, além de estabelecer a

nossa primeira República, introduziu o controle de constitucionalidade pela via

difusa, inspirando-se no sistema jurisprudencial americano.

Com a Constituição de 1934, manteve-se o controle de constitucionalidade

difuso e introduziu-se a representação interventiva, além de estabelecer-se a

denominada cláusula de reserva de plenário (a declaração de inconstitucionalidade

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só poderia se dar pela maioria absoluta dos membros do tribunal). Por fim, também

conferiu ao Senado Federal a atribuição de suspender a execução, no todo ou em

parte, de lei ou ato declarado inconstitucional por decisão definitiva.

Logo após, a Constituição ditatorial de 1937 manteve o sistema difuso de

constitucionalidade, e estabeleceu a possibilidade do Presidente da República

influenciar as decisões do Poder Judiciário que declarassem inconstitucional

determinada lei, já que, de modo discricionário, poderia submetê-la ao Parlamento

para o seu reexame, podendo o Legislativo pela decisão de 2/3 de ambas as Casas,

tornar sem efeito a declaração de inconstitucionalidade, desde que confirmasse a

validade da lei, inspirando-se no sistema ditatorial vigente à época.

Após o golpe militar de 1964, na vigência da Constituição democrática de

1946, criou-se no Brasil, através da Emenda Constitucional nº16 de 26/11/1965, uma

nova modalidade de ação direta de inconstitucionalidade, de competência originária

do STF para processar e julgar originariamente a representação de

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, federal ou estadual, a ser proposta,

exclusivamente pelo Procurador-Geral da República. Estabeleceu-se, ainda, a

possibilidade de controle concentrado em âmbito estadual.

A Constituição Federal de 1967 manteve o controle de constitucionalidade

pela via difusa, mas retirou o controle concentrado. Após, com a Emenda

Constitucional 1/69, que na verdade, para a maioria da doutrina, representou uma

nova Carta Política, previu-se o controle de constitucionalidade de lei municipal, em

face da Constituição Estadual, para fins de intervenção no Município.

Nossa atual Constituição ampliou, no controle concentrado federal, a

legitimidade para propositura da representação de inconstitucionalidade. Criou,

ainda, a possibilidade de controle de constitucionalidade das omissões legislativas, e

a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Em momento

posterior, com a Emenda Constitucional nº 03/93, estabeleceu-se a Ação

Declaratória de Constitucionalidade (ADC), cuja legitimação ativa foi ampliada com a

Emenda Constitucional nº 45/04, igualando aos legitimados da Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI).

No Direito Comparado, dois sistemas se destacam quanto ao controle de

constitucionalidade, a saber, o austríaco e o norte-americano.

No sistema austríaco, concentrado, desenvolvido por Hans Kelsen, a

decisão tem eficácia constitutivo-negativa. Assim, por regra, o vício de

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inconstitucionalidade é aferido no plano da existência, produzindo efeitos

prospectivos. Logo, a lei é provisoriamente válida, produzindo efeitos até a sua

anulação. Além disso, a lei inconstitucional é ato anulável, podendo, portanto

aparecer em vários graus.

Já no sistema norte-americano, difuso, de formação pretoriana, mas que

teve como marco a célebre decisão do chief justice3 Marshal, a decisão tem eficácia

declaratória de situação pré-existente.

A origem histórica desse sistema remonta ao século XVIII. Jonh Adams era

o presidente dos Estados Unidos da América, quanto nomeou William Marbury juiz

de paz. Contudo, a “comissão” necessária para o cargo, embora assinada não lhe foi

entregue. Logo após, Thomas Jefferson sucedeu o antigo presidente, nomeando

James Madison Secretário de Estado, que não efetivou a “comissão” por ordem de

Jefferson.

Pela importância histórica, transcreve-se excerto do trabalho de Silveira (p.

85), que, com clareza, discorre sobre o marco da criação da judicial review:

As circunstâncias em que o caso ocorreu é deveras interessante por suas peculiaridades. Ao tempo da Administração de Adams (1797/801), que sucedeu à de Washington (1789/97), o Secretário de Tesouro no governo de Washington, ao lado de Jefferson, que era o Secretário de Estado (este veio a ser vice de Adams), estava dominando o poder e buscava, além de uma política centralizadora com o fortalecimento da União, também uma maior aproximação com os ingleses. Os republicanos, liderados por Jefferson, se opunham a isso, batendo pela autonomia dos Estados, o exercício restrito do poder pela União, e uma política de amizade com a França, que tinha, através de tropas francesas comandadas pelo Marquês de Lafayette, ajudado na revolução americana. Com a eleição de Jefferson (1801/9), os federalistas, perdendo o poder no congresso para os republicanos, se refugiaram no Judiciário. John Marshall, um federalista convicto, era Secretário de Estado de Adams e foi por ele nomeado Chief-Justice da U.S. Supre Court em 1801. A pedido de Jefferson, permaneceu, porém, como secretário de Estado por um mês após sua posse como Chief-Justice. Aproximadamente um mês antes dos vitoriosos assumirem seus cargos, Adams conseguiu passar uma lei, denominada Midnight Judges Act, pela qual, em 13/2/801, criou 16 cargos de juízes federais para Corte de Circuito, a fim de abrigar os federalistas. Em 8/3/802, a lei foi revogada pela intervenção de Jefferson. No entanto, outra lei permitiu a nomeação de juízes inferiores, que Adams estipulou em 42 para os distritos de Washington e Alexandria, cujas nomeações ocorriam apressadamente, inclusive noturnamente, e que deveriam assumir a posse imediatamente. Jefferson reduziu o número para 30. Willian Marbury foi um dos nomeados para Juiz de Paz para o Distrito de Columbia que não receberam sua comissão, embora assinada pelo Presidente e selada pelo Secretário, porém não entregue a tempo ao beneficiário pelo então Secretário Marshal, que atuou até 1 dia após a

3 Presidente da Suprema Corte Norte-Americana

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posse de Jefferson. Foi, por isso, em 16/12/1801, impetrado perante a Suprema Corte um writ of mandamus, a fim de compelir James Madison, atual Secretário de Estado de Jefferson, a promover a entrega da comisssão. A par da renhida luta política, Marshall, como Chief-Justice da Suprema Corte, encontrava-se em um dilema: se emitisse uma ordem judicial, ela não tinha meio de executá-la e poderia ser ignorada pelo Executivo. De outro lado, se rejeitasse a petição, o ato poderia ser considerado como uma vingança do executivo, para quem Marshall era implacavelmente hostil. Havia, ainda, a questão da competência: seria da Suprema Corte ou do juiz federal de 1° grau? Marshall sabia que a Suprema Corte era incompetente, portanto não poderia proferir julgamento, senão nesse sentido, sem entrar no mérito da causa. Afirmou ele que a lei que estabeleceu o sistema judicial autorizava a Suprema Corte a emitir o writ of mandamus, pois do contrário a lei seria inconstitucional. No seu entendimento, o Executivo não pode deixar de aderir às leis que o desagrade. Somente o Judiciário está encarregado em insistir que a lei seja aderida. Significa que ao Judiciário compete dizer o que a lei é. Este é poder da revisão judicial (judicial review). Após lembrar que a Constituição era muito importante para ser desvalorizada, afirmou que os três ramos do governo tinham poderes limitados. O poder legislativo é definido e limitado. Para que esses limites não possam ser ignorados ou esquecidos, a Constituição é escrita. E para que propósitos esses limites são escritos se puderem a qualquer tempo serem ultrapassados por aqueles aos quais se pretende prevenir? É uma proposição muito simples para ser contestada que a Constituição controla qualquer ato legislativo repugnante a ela. No parágrafo seguinte, com maestria, Marshall insere o judicial review tão profundamente na vida americana, que jamais pôde, posteriormente, ser removido. Disse ele: “Entre duas alternativas não há espaço no meio. A constituição ou é superior, suprema lei, imodificável pelos meios ordinários, ou está no mesmo nível dos atos legislativos ordinários e como outros atos, são alteráveis quando o poder legislativo tem o poder de modificá-los. Se a primeira parte da alternativa é verdadeira, então o ato legislativo contrário à Constituição não é lei. Se a última parte é verdadeira, a Constituição escrita é uma absurda tentativa, por parte do povo, de limitar o poder, em sua própria natureza ilimitável. Certamente, todos aqueles que elaboraram constituições escritas contemplaram-nas como formadoras da lei fundamental e suprema da nação e, consequentemente, a teoria de tal governo deve ser que um ato legislativo, repugnante à Constituição, é nulo. Se um ato legislativo, repugnante à Constituição, é nulo, pode, não obstante, sua invalidade, atar o Judiciário e obriga-lo a lhe dar efeito? Ou, em outras palavras, apesar de ele não ser lei, constitui ele uma regra tão operativa como se fosse lei? Isso seria a derrota de fato daquilo estabelecido na teoria. Pareceria, á primeira vista, uma absurdez muito vulgar para insistir nela. É enfaticamente área e dever do departamento judicial dizer o que a lei é. Aqueles que aplicam a norma aos casos particulares devem, por necessidade, explicar e interpretar a regra. Se duas leis conflitam entre si, a Corte deve decidir sobre a efetividade de cada uma. Assim, se a lei estiver em oposição com a Constituição, se ambas a lei e a Constituição se aplicarem a um caso particular, assim de um modo deve a Corte decidir, que o caso está conforme a lei desconsiderando a Constituição, ou conforme a Constituição, desprezando a lei. A corte deve determinar qual dessas normas conflitantes governa o caso. Isso é da própria essência do dever judicial. Se as Cortes devem respeitar a Constituição e a Constituição é superior a qualquer ato legislativo ordinário, a Constituição, e não essa lei ordinária, deve governar o caso ao qual ambas se aplicam”. Continuou ele:

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“O poder judiciário dos Estados Unidos estende-se a todos os casos levantados sob a Constituição. Teria sido a intenção daqueles que deram o poder, dizerem que, em o usando, a Constituição não poderia ser investigada? Que um caso suscitado com base na Constituição deveria ser decidido sem serem examinados os instrumentos sob os quais é argüido? Isso é muito extravagante para ser mantido. Em alguns casos, a Constituição deve ser examinada pelos juízes. Se eles podem abri-la toda, qual parte a eles é proibida de ler ou obedecer?” Conclui: “Não é também inteiramente destituído de valor observatório que, ao declarar qual deverá ser a suprema lei da terra, a própria Constituição é a primeira a ser mencionada, e não genericamente as leis dos Estados Unidos, mas somente aquelas feitas de acordo com a Constituição têm aquele grau. Assim, a fraseologia particular da Constituição dos Estados Unidos confirma e valoriza o princípio, que se pressupõe essencialmente a todas Constituições escritas, que a lei repugnante à Constituição é nula e que as Cortes, com os outros Departamentos do Governo, estão amarrados por esse instrumento. A lei deve ser desconsiderada”.

No Brasil, existe uma regra específica para aplicação do controle difuso nos

Tribunais. Trata-se do art. 97 da Constituição Federal de 1988, que diz que somente

pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo

órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato

normativo do Poder Público. É a chamada cláusula de reserva de plenário, que é

condição de eficácia jurídica da declaração de inconstitucionalidade dos atos do

Poder Público.

Por regra, o vício de inconstitucionalidade é aferido no plano da validade,

sendo que a decisão que declara a inconstitucionalidade produz efeitos retroativos.

Nesse sistema, a lei inconstitucional é ato nulo (null and void4), ineficaz (nulidade ab

origine), írrito e, portanto, desprovido de força vinculativa. A lei, por ter nascido morta

(natimorta), nunca chegou a produzir efeitos, vale dizer, apesar de existir, não entrou

no plano da eficácia.

Os efeitos, no controle difuso, serão inter partes, até resolução do Senado

Federal suspendendo o ato normativo, e ex tunc, portanto, retroativos.

Conforme Lenza, a inconstitucionalidade pode ser formal ou material,

subdividindo-se a primeira em inconstitucionalidade orgânica, inconstitucionalidade

formal propriamente dita e inconstitucionalidade formal por violação a pressupostos

objetivos do ato.

A inconstitucionalidade formal orgânica decorre da inobservância da

competência legislativa para a elaboração do ato. Já a inconstitucionalidade formal

4 Nulo

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propriamente dita é acarretada pela inobservância do devido processo legislativo.

Pode ocorrer tanto na fase de iniciativa quanto nas fases posteriores. Será vício

formal subjetivo se na fase de iniciativa, e vício formal objetivo se nas demais fases

do processo legislativo, posteriores à fase de iniciativa.

Ainda quanto às espécies de vícios formais, faz-se referência à

inconstitucionalidade formal por violação a pressupostos objetivos do ato normativo,

ou seja, a elementos externos ao procedimento de formação das leis, e.g., requisitos

de relevância e urgência para a edição da medida provisória (LENZA, 2008).

Noutro giro, a inconstitucionalidade pode também ser material, de conteúdo.

Também chamada de inconstitucionalidade nomoestática, o vício, nesse caso, diz

respeito à matéria, ao conteúdo do ato normativo.

Por derradeiro, Lenza defende ainda o vício de decoro parlamentar, que

ocorreria no caso de abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso

Nacional ou a percepção de vantagens indevidas, tendo como exemplo a “compra

de votos” (LENZA, 2008).

No que tange ao momento do controle, esse pode ser prévio, também

chamado de preventivo, ou posterior, também denominado repressivo.

O controle prévio ou preventivo no Brasil é realizado pelo Legislativo, pelo

Executivo, e também pelo Judiciário. O controle prévio efetuado pelo Legislativo fica

por conta das comissões de constituição e justiça de cada Casa do Congresso

Nacional. Já o executivo exerce o controle constitucionalidade através do veto

presidencial. Por último, o Judiciário, através da via de exceção, e cuja competência

está adstrita ao Supremo Tribunal Federal, realiza o controle prévio, em defesa de

direito-função do parlamentar de participar de um processo legislativo juridicamente

hígido. Cabe destacar que, nesse caso, a legitimidade ativa é somente dos membros

do Poder Legislativo.

O Controle posterior ou repressivo pode ser político, jurisdicional ou híbrido.

O controle político é exercido por um órgão distinto dos três Poderes. É comum em

países da Europa, como Portugal e Espanha, sendo normalmente realizado pelas

Cortes ou Tribunais Constitucionais.

O controle jurisdicional é realizado pelo Poder Judiciário, tanto através de

um único órgão (controle concentrado), como por qualquer juiz ou tribunal (controle

difuso). Já no controle híbrido, algumas normas são levadas a controle perante um

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órgão distinto dos três Poderes, enquanto outras são apreciadas pelo Poder

Judiciário.

No Brasil, existe uma exceção à regra geral do controle posterior ou

repressivo ser exercido pelo Poder Judiciário. Trata-se da norma contida no art. 49,

inciso V, da Constituição Federal de 1988, que cuida da competência do Congresso

nacional para sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder

regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. É exercido através de decreto

legislativo a ser expedido pelo Congresso Nacional.

Noutro giro, convém tecer breves comentário sobre a interpretação

constitucional, a começar pela diferenciação magistral feita por Maximiliano:

Do exposto ressalta o erro dos que pretendem substituir uma palavra pela outra; almejam, ao invés de Hermenêutica, - Interpretação. Esta é aplicação daquela; a primeira descobre e fixa os princípios que regem a segunda. A Hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar (MAXIMILIANO, 2006, p.1).

A interpretação da Constituição é tida por uma espécie de interpretação

jurídica, apenas com algumas cautelas oriundas do fato de ser a Constituição a lei

suprema e do caráter genérico de normas de estrutura, no mais das vezes, das

disposições constitucionais.

Assim, todos aqueles métodos interpretativos tradicionais se aplicam, a

priori, à interpretação constitucional. Entrementes, em razão da superioridade da

Constituição, outros métodos específicos foram desenvolvidos, destacando-se o

método tópico-problemático, o hermenêutico-concretizador, o científico-espiritual, o

normativo estruturante, e o da comparação constitucional.

Além disso, alguns princípios auxiliam o intérprete na exegese

constitucional, quais sejam: princípio da unidade da constituição, princípio do efeito

integrador, princípio da máxima efetividade, princípio da justeza ou da conformidade

funcional, princípio da concordância prática ou harmonização, princípio da força

normativa, princípio da interpretação conforme a Constituição e princípio da

proporcionalidade ou razoabilidade (LENZA, 2008).

Pela importância do tema, ainda sobre a interpretação constitucional, Lenza

afirma:

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Ademais, como lembra Luís Roberto Barroso, a Constituição deve ser interpretada levando m conta o conjunto de peculiaridades que singularizam seus preceitos, destacando-se a supremacia de suas normas, a natureza da linguagem que adota, o seu conteúdo específico e o seu forte caráter político. Assim, tais peculiaridades das normas constitucionais ensejaram o desenvolvimento, por parte da doutrina, de um elenco próprio de princípios aplicáveis à interpretação constitucional. De fato, as normas constitucionais ocupam o vértice de todo o sistema jurídico, subordinando todas as normas legais e condicionando a própria interpretação do direito infraconstitucional (são, nesse sentido, normas-vértice). Além de superiores, as normas constitucionais normalmente veiculam conceitos abertos, vagos e indeterminados (como, por exemplo, dignidade da pessoa humana, moralidade, função social da propriedade, justiça social, relevância) que conferem ao intérprete um amplo “espaço de conformação” (liberdade de conformação, discricionariedade) não verificável entre as normas legais. As normas constitucionais, via de regra, são normas de organização e estrutura que traçam as competências orgânicas e os fins do Estado, e disciplinam inclusive, o processo legislativo de elaboração das normas legais (são, nesse particular, as normas das normas), distinguindo-se, mais uma vez, destas últimas, que são normas prescritivas de condutas humanas. Finalmente, as normas constitucionais, apesar de normas jurídicas, são dotadas de forte carga política em razão de sua indisfarçável pretensão de regular o fenômeno político e estabelecer as bases fundamentais de organização política do Estado (CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 198 e 199).

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4. DIREITO SUMULAR

O direito sumular traduz o resumo da jurisprudência sedimentada em

incontáveis e uniformes decisões das Cortes Superiores do país, que visam

prestigiar os princípios da uniformização das decisões e da segurança jurídica. Ao

dar seguimento ao inconformismo das partes, manifestado em peça recursal, em

total colidência com texto de Súmula do Tribunal, estar-se-ia a instaurar um regime

anárquico, que afronta o princípio de uniformização das decisões.

Súmula, consoante De Plácido e Silva:

no âmbito da uniformização da jurisprudência, indica a condensação de série de acórdãos, do mesmo tribunal, que adotem idêntica interpretação de preceito jurídico em tese, sem caráter obrigatório, mas persuasivo, e que, devidamente enumerados, se estampem em repertórios (DE PLÁCIDO E SILVA, 2005, p. 1346).

Sobre o que se deva entender pela expressão “jurisprudência dominante”, já

se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL - PROCESSO CIVIL - ARTIGO 557 DO CPC - JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO TRIBUNAL A QUO CONFLITANTE COM A DO STJ - IMPORTAÇÃO DE VEÍCULOS USADOS - POSSIBILIDADE - CONSTITUCIONALIDADE DA PORTARIA N. 8/91CACEX.A expressão "jurisprudência dominante do respectivo tribunal" somente pode servir de base para negar seguimento a recurso quando o entendimento adotado estiver de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, sob pena de negar às partes o direito constitucional de acesso às vias extraordinárias.Embora a questão da possibilidade da importação de veículos usados possa estar pacificada no âmbito do TRF da 5º Região, nesta Corte Superior ela é remansosa em sentido oposto ao entendimento do Tribunal a quo.Recurso especial provido. Decisão unânime.(REsp 193189/CE, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/06/2000, DJ 21/08/2000 p. 110)

A súmula é um instituto jurídico genuinamente brasileiro, não obstante tenha

buscado inspiração em experiências anteriores verificadas no Brasil e no exterior,

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especialmente nos assentos do Reino de Portugal e nos precedentes norte-

americanos.

Acerca da evolução do direito sumular após a independência do Brasil,

Lenza dispõe em sua obra:

...a Lei n. 18, de 18.09.1828, criou o Supremo Tribunal de Justiça (09.01.1829 – 27.02.1891) e, em seu art. 19, estabeleceu interessante procedimento para a uniformização da legislação. O Decreto Legislativo n. 2684, de 23.10.1875, regulamentado pelo Decreto n. 6.142, de 10.03.1876, deu força de lei, no Império, aos assentos da Casa da Suplicação de Lisboa, bem como competência para o Supremo Tribunal de Justiça tomas outros, também com força de lei, até que fossem derrogados pelo Poder Legislativo. A Constituição da República (1891) extinguiu, definitivamente, a prática dos assentos, apesar da posterior previsão dos prejulgados no CPC/39 (art. 861) e no art. 902 da CLT/43 (cujo § 4° determinava que, uma vez estabelecido o prejulgado pela Câmara de Justiça do Trabalho, os Conselhos Regionais do Trabalho, as Juntas de Conciliação e Julgamento e os Juízes de Direito investidos da jurisdição da Justiça do Trabalho ficavam obrigados a respeitá-lo). Por influência do então ministro do STF, Victor Nunes Leal, instituiu-se a Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal, por intermédio de Emenda Regimental de 28.03.1963, aprovando-se, em 13.12.1963, os primeiros 370 enunciados. Segundo relatou em palestra proferida em Belo Horizonte em 12.08.1964, a súmula atende a vários objetivos: “é um sistema oficial de referência dos precedentes judiciais, mediante a simples citação de um número convencional; distingue a jurisprudência firme da que se acha em vias de fixação; atribui à jurisprudência firme conseqüências processuais específicas para abreviar o julgamento dos casos que se repetem e exterminar as protelações deliberadas”. Ainda, como bem anota, “...razões pragmáticas, inspiradas no princípio da igualdade, aconselham que a jurisprudência tenha relativa estabilidade. Os pleitos iguais, dentro de um contexto social e histórico, não devem ter soluções diferentes. A opinião leiga não compreende a contrariedade dos julgados, nem o comércio jurídico a tolera, pelo natural anseio de segurança” (LENZA, 2008, p. 507 e 508).

A súmula, portanto, em seu sentido clássico, representa um ato de

sedimentação da jurisprudência uniforme verificada no Tribunal. É uma espécie de

jurisprudência (Côrtes, 2009).

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5. SÚMULA VINCULANTE: EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04 E LEI 11.417/07

A Emenda Constitucional n° 45, de 08 de dezembro de 2004, denominada

de “Reforma do Judiciário”, introduziu algumas novidades no ordenamento

constitucional brasileiro, com o anseio de melhorar o acesso à Justiça e garantir o

direito a uma razoável duração do processo.

Dentre essas novidades, destaca-se a súmula vinculante, prevista no art.

103-A do Texto Maior. O referido dispositivo, em linhas gerais, estabelece a

competência exclusiva do Supremo Tribunal, bem como o quÓrum de dois terços

dos seus membros para a edição dos verbetes vinculantes. Além disso, prevê a

necessidade de reiteradas decisões sobre matéria constitucional para a edição da

súmula, que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em

relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e

indireta, nas esferas estadual, municipal. Por último, dispõe que a lei estabelecerá o

procedimento de aprovação, revisão e cancelamento da súmula.

O artigo em comento foi regulamentado pela Lei n° 11.417, de 19 de

dezembro de 2006, que teve prazo de vacatio de 3 (três) meses. Um dos

dispositivos em relevo é o § 1° do art. 2°, ao afirmar que o enunciado da súmula

vinculante terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas

determinadas, acerca das quais haja entre órgãos judiciários, ou entre esses e a

administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e

relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.

No tocante à legitimidade para propor a edição, revisão e cancelamento dos

enunciados, o § 2° do art. 103-A da CF/88 assevera que a tem aqueles que podem

propor a ação direta de inconstitucionalidade, sem prejuízo do que vier a ser

estabelecido em lei. Aproveitando-se da liberdade conferida pelo legislador

constituinte derivado reformador, a Lei 11.417/06 estendeu a legitimidade ao

Defensor Público-Geral da União, e aos Tribunais Superiores, Tribunais de Justiça

dos Estados ou do Distrito Federal e Territórios, Tribunais Regionais Federais,

Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunais Militares.

Além disso, previu o § 1° do art. 3° a possibilidade do Município propor,

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incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou o

cancelamento de enunciado de súmula vinculante, sem a suspensão do processo.

Convém salientar também a possibilidade de modulação de efeitos na

edição da súmula vinculante, nos moldes do já previsto para a ADI na Lei 9868/99,

vale dizer, através de decisão de 2/3 dos ministros do Supremo.

Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de

súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação

ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios

admissíveis de impugnação, sendo que, no caso de omissão ou ato administrativo, o

uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas.

Inicialmente, insta delimitar qual a natureza jurídica do procedimento para

edição, revisão e cancelamento de súmula vinculante estabelecido na Lei n° 11.417,

de 2006.

Da análise dos diversos dispositivos da referida lei, depreende-se que se

trata de procedimento de natureza objetiva de competência originária e exclusiva do

Supremo Tribunal Federal, uma vez que versará, exclusivamente, sobre a validade,

interpretação e eficácia de normas jurídicas em face do texto constitucional.

Em que pese haver a possibilidade de manifestação de terceiros, não há

que se falar em discussão sobre interesses pessoais, uma vez que o Pretório

Excelso limitar-se-á, tão-somente, a objetivar a fundamentação de seus julgados

exercida em sede de controle difuso de constitucionalidade ou no exercício de sua

competência originária (quando se tratar de matéria constitucional), nos termos

estabelecidos no art. 102 da Constituição Federal de 1988, a ser compendiada nos

enunciados vinculantes que compõem sua súmula.

Conforme prescrito no art. 2° da Lei n° 11.417 de 2006, devem submissão

obrigatória aos enunciados vinculantes da súmula do Supremo Tribunal Federal

todos os órgãos do Poder Constituído Judiciário, bem como todos os órgãos e entes

da Administração Pública direta e indireta dos entes federativos municipal, estadual

e federal.

É de se ressaltar que não houve citação expressa da Administração Pública

distrital tanto por parte do legislador constituinte reformador quanto por parte do

legislador infraconstitucional. Todavia, não há como excluir do campo de incidência

de eficácia da súmula vinculante o Distrito Federal, devendo o referido art. 2º ser

interpretado extensiva e sistematicamente com os demais dispositivos da lei. Assim,

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uma vez que o art. 3°, IX e X, estabelece legitimação ativa para a propositura de

súmula vinculante à Câmara Legislativa do Distrito Federal, bem como ao

Governador do Distrito Federal, a sua exegese sistêmica com o art. 2° nos indica

que a Administração Pública distrital, seja direta ou indireta, encontra-se sob a égide

da observância obrigatória dos enunciados vinculantes da súmula do Supremo

Tribunal Federal.

Não restam dúvidas de que as súmulas, mormente as dos Tribunais

Superiores, convertem-se em verdadeiras fontes formais de Direito. Por se tratar de

um enunciado que resume uma tendência de julgamento sobre determinada matéria,

decidida contínua e reiteradamente pelo tribunal, tem servido de referência para as

futuras decisões, contribuindo sobremaneira para a certeza e segurança a inúmeros

fatos e negócios jurídicos.

De outro lado, não se pode olvidar que a jurisprudência exerce enorme

influência sobre o legislador, eis que retrata as aspirações sociais do momento

histórico e, por isso, são captadas para a conversão em lei.

Tendo em vista que a legislação é incapaz de acompanhar as necessidades

da sociedade e, nesse prisma, a súmula constitui-se num mecanismo que busca a

eliminação das antinomias do sistema.

Com o advento do art. 103-A, instituído pela Emenda Constitucional n°

45/04, o quadro se altera significativamente. A jurisprudência contida em enunciado

de súmula vinculante passa a ser fonte primária de Direito, considerando o seu

assento constitucional e o efeito obrigatório para as demais instâncias do Poder

Judiciário e da Administração Pública direta e indireta dos três entes federativos.

Nessa linha, a jurisprudência pátria ganhou novos contornos.

Sem perder o seu status de fonte subsidiária de fundamental importância na

produção do Direito, pode alçar o patamar de fonte primária da ciência, uma vez

sedimentada em enunciado de efeito vinculante dentro da formatação que lhe

concedeu o Constituinte Reformador de 2004.

5.1. SEPARAÇÃO DOS PODERES E A TEORIA DO CHECKS AND BALANCES

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Desde a antiguidade, com Aristóteles, já se sugeria a separação das

funções do Poder político. Em tempos mais recentes, parte da doutrina aponta John

Locke como criador da teoria original da separação das funções estatais, tendo em

vista sua célebre Two Treatises of Govermen5t, surgida em 1690, na qual se

sustentou os princípios de liberdade política e se impugnou o absolutismo real.

Contudo, foi Montesquieu, que, inspirado em Locke, sistematizou, em termos

definitivos, as diferentes funções estatais, agregando-as junto a organismos estatais

distintos (CUNHA JÚNIOR, 2009).

A teoria da Separação dos Poderes prevê a repartição igualitária dos

Poderes Políticos como um pressuposto de validade para o Estado Democrático. A

idéia de que o poder deve ser controlado pelo próprio poder pressupõe decisões

interligadas, com uma clara divisão nas competências de cada um deles, e uma

interdependência que garanta uma gestão compartilhada e homogênea.

Nesse ponto, é de se relembrar a idéia de que o poder político é indivisível e

deriva do Estado e do Povo. O que acontece, na realidade, consoante a doutrina, é

a especialização das funções entre entes diversos que, conjuntamente, exercem o

poder do Estado (LENZA, 2008).

A separação dos poderes foi elaborada como a forma de evitar a

concentração do poder nas mãos de uma só pessoa. Sua instituição é a transição do

Estado Absolutista (ou despótico) para um estado liberal, caracterizado

modernamente pelo Estado Democrático de Direito. Este apartamento das

atividades, entretanto, não é rígido, havendo interferências recíprocas em que cada

Poder, além de exercer suas competências, também influencia os demais.

Dessa forma, as ações do Executivo, Legislativo e do Judiciário devem ser,

em tese, autônomas e complementares, a fim de proporcionar a fiscalização e

controle de um Poder sobre os demais.

Sobre a separação dos poderes, Silveira discorre:

Esse ensinamento foi adotado pelas revoluções americanas e francesas na elaboração de suas respectivas cartas políticas. A doutrina da separação dos poderes completa a dispersão do poder decorrente do federalismo e constitui, ao abarcar, também, a doutrina dos freios e contrapesos, a mais refinada e última forma de contenção do poder e eliminação da tirania. Os artigos federalistas (uma série de artigos anônimos que antecederam a aprovação da Constituição americana, cuja autoria mais tarde foi

5 Dois Tratados sobre o Governo

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reconhecida como de Hamilton, Madison e Jay) enfatizaram outra virtude na separação dos poderes, ou seja, o crescimento da eficiência e da efetividade governamental. Sendo limitadas as funções especializadas (legislativas, executivas e judiciárias), os diferentes ramos do governo desenvolvem a habilidade e o senso de orgulho em seus papéis, que não seriam alcançados ou superados de outra forma. Eles pensavam que o governo nacional seria mais eficiente se fossem separadas as funções executivas das legislativas. Uma segunda razão para dividir o poder – mencionado com ênfase por Madison – era a prevenção da tirania. Ou seja, acima de tudo, a distribuição do poder entre os três separados ramos serve como poderoso controle contra ações arbitrárias (SILVEIRA,1999, p. 76 e 77)

Neste contexto, salienta-se que desde a primeira Constituição republicana

de 1891 até a atual, adotou-se sempre o princípio da separação dos poderes. No

ensejo, vale transcrever o art. 2° da atual Constituição Federal: “São Poderes da

União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o

Judiciário”.

Além disso, com o tento de preservar a democracia e evitar o golpe de

Estado e a Ditadura, o legislador constituinte consagrou o dispositivo como cláusula

pétrea, vale dizer, nos termos do art. 60, § 4°, inciso III, “não será objeto de

deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a separação dos poderes”.

Entretanto, o quadro atual brasileiro destoa do previsto pela nossa

Constituição. A utilização exagerada das ferramentas intra potestas, como as

Medidas Provisórias inconstitucionais por ausência dos pressupostos de “relevância”

ou “urgência”, conforme melhor doutrina, é um típico exemplo da usurpação das

funções do Legislativo.

Bandeira de Mello, em crítica contumaz, assevera:

Do fato de “relevância” e “urgência” exprimirem noções vagas, de contornos indeterminados, resulta apenas que, efetivamente, muitas vezes pôr-se-ão situações duvidosas nas quais não se poderá dizer, com certeza, se retratam ou não hipóteses correspondentes à previsão abstrata do art. 62. De par com elas, entretanto, ocorrerão outras tantas em que será induvidoso inexistir relevância e urgência ou, pelo contrário, induvidoso que existem (sic). Logo, o Judiciário sempre poderá se pronunciar conclusivamente ante os casos de “certeza negativa” ou “positiva”, tanto como reconhecer que o Presidente não excedeu os limites possíveis dos aludidos conceitos naquelas situações de irremissível dúvida, em que mais de uma intelecção seria razoável, plausível. Assim, fulminará as medidas provisórias, por extravasamento dos pressupostos que as autorizam, nos casos de “certeza negativa” e reconhecer-lhes-á condições de válida irrupção quanto à

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constitucionalidade ou inconstitucionalidade do próprio conteúdo nelas vazado (BANDEIRA DE MELLO, 2007, p.129).

Além disso, a instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito pelo

Legislativo e a utilização de Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão,

entre outras, pelo Judiciário, aponta para uma interferência mútua nos círculos de

poder dos atores estatais.

Frisa-se que nenhuma das atividades acima é ilegal. Todas têm amparo

legal e são instrumentos previstos na atuação do Estado. O que desperta interesse

no momento é que a utilização das mesmas vem crescendo, às vezes como forma

de acelerar o processo de gestão, ou como maneira de obstacularização do

processo decisório.

Atualmente, contudo, percebe-se claramente a hipertrofia do Executivo, que

acaba por anular a atividade legislativa do Congresso, quase que limitando a

chancelar projetos de iniciativa do Poder Maior, quando não se abstendo perante

eles. Em assuntos decisivos, o Poder Executivo substituir-se-ia até mesmo ao

Judiciário no julgamento e punição de quem se insurgisse contra ele, recorrendo

para tanto a diplomas de execução.

No tocante a interferência do Legislativo nas esferas funcionais dos demais

poderes, a linha de atuação é menos clara. As comissões parlamentares de

inquérito têm efetiva responsabilidade para a apuração de desvios de conduta por

parte das autoridades federais. Por princípio, não se envolvem em questões

privadas e pessoais, e devem se relacionar com fatos determinados.

Entretanto, dada a possibilidade de caráter extensivo da interpretação

destas normas, além do cunho eminentemente político das casas legislativas, nem

sempre o que ocorre é o previsto. De fato, pode-se afirmar que casos pessoais são

averiguados nas referidas comissões, podendo, para tanto, valer-se da

argumentação de que tais assuntos podem desaguar em responsabilidades

públicas. Além disso, cada vez mais a atuação política tem se orientado para

tentativas de apuração de casos complexos, sem fatos claros ou denúncias

concretas.

Outro ponto importante a ser trabalhado é a influência do Judiciário em todo

o processo democrático. Apesar de tal instituição não possuir um caráter

eminentemente político, é de profunda importância para o funcionamento do

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sistema. Responsável por tratar da interpretação das leis e de seu cumprimento, é

também o interlocutor entre a origem (Legislativo) e o fim (Executivo).

Como já referido acima, são inúmeras as possibilidades de interferência da

Justiça nas atividades dos outros Poderes. Não só através as Ações Diretas de

Inconstitucionalidade, mas também a emissão de Enunciados e Jurisprudências

influencia diretamente no processo de produção legislativa. Além disso, ações de

Descumprimento de Preceito Fundamental, Mandados de Segurança e outras

atividades pautam, no dia a dia, a atuação do Executivo.

Há muito tempo vem se discutindo o papel do judiciário no palco político. Por

certo, a idéia de “judicialização da política” tem se afirmado. A possibilidade do

judiciário não apenas influir, mas muitas vezes dirigir certos momentos do processo

político-democrático deve ser discutido mais a fundo.

A atividade judicial, nesse âmbito, não se demonstra como uma usurpação

de funções, mas como uma realocação dos poderes com base na positivação dos

direitos fundamentais. Assim, seria na realidade uma formulação favorecida pelo

processo democrático e, além disso, uma resposta à impossibilidade de mobilização

social herdada do regime autoritário.

Neste ponto, cabe levantar a discussão sobre a legitimidade democrática da

criação judicial do Direito. De um lado, aponta-se no sentido de que, se ao juiz fosse

dado criar a norma, ainda que para o caso concreto, este estaria a suprimir a

dualidade entre sujeito e objeto de conhecimento, transformando-se em legislador.

Outra crítica veemente que se faz ao ativismo judicial diz respeito ao fato de

que os juízes não são legitimados pelo voto popular para criação de leis, o que

afrontaria a separação dos Poderes do Estado. Segundo essa concepção, no

Estado Democrático de Direito, a criação da lei, ou de normas com força de lei

-como expressões da vontade geral, é atividade própria dos órgãos de

representação política, a tanto legitimados em eleições livres e periódicas.

Entrementes, a ciência política moderna reconhece, de forma uníssona que

a vontade da maioria não é sinônimo de decisão democrática e que nem sempre o

voto garante, de per si, a realização dessa vontade da maioria. Nem os poderes

políticos estabelecidos são perfeitamente capazes de expressar um consenso

absoluto nas questões, positivando, no mais das vezes, a vontade de grupos de

interesses, cuja força de pressão se fez prevalecer no momento de votação da lei.

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Reconhece-se, ainda, que a abertura de significação dos textos legais é de

extrema importância para a aprovação dos mesmos no Parlamento. Quanto mais

elásticos e imprecisos os contornos do texto, mais fácil o consenso em sua

aprovação.

Noutra toada, releva destacar que o processo judicial garante às minorias,

alijadas do processo político, a ampla defesa de seus direitos, sendo assim, um

importante instrumento de representatividade geral.

Ainda no que concerne à legitimação das criações judiciais pela

representatividade de seus autores, especificamente no caso das Cortes

Constitucionais, verifica-se que sua composição atende também a critérios políticos,

sendo comandada pelo Presidente da República. Destarte, a relativa rapidez na

renovação da composição das mesmas garante aos demais Poderes certo controle

da filosofia política da Corte, de maneira que essa nunca permanece por muito

tempo em contraste com a filosofia prevalente nas maiorias políticas no poder dentro

do País.

Quanto à ausência de prestação de contas por partes dos juízes, que gozam

da prerrogativa constitucional de independência, como óbice ao exercício da criação

judicial do Direito, é de se registrar que o processo judicial é o mais participativo de

todos os tipos de processos ligados à atividade pública, pois se desenvolve em

direta conexão com as partes envolvidas, as quais têm o exclusivo poder de iniciar a

demanda, bem como possuem o inafastável direito de serem ouvidas. No Brasil, tais

prerrogativas encontram-se cristalizadas no princípio da inafastabilidade da

jurisdição, insculpido no art. 5°, inciso XXXV. da Constituição Federal.

Assim, é de se considerar que o legislador pode desconsiderar qualquer

interpretação advinda dos tribunais, mas o silêncio desse legislador ideal legitima as

mudanças à compreensão normativa ocasionadas.

Ademais, é importante mencionar que as decisões judiciais devem ser

motivadas e pautadas no princípio do devido processo legal e no controle das

garantias individuais. Aliás, uma democracia só se define como tal se forem

assegurados os direitos e garantias individuais, garantindo-se a legitimação da

criação judicial do Direito não só pelo procedimento, como também pelo dever de

dar explicação acerca dos motivos que determinaram a tomada de posição no caso

concreto.

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Assim, muito embora se reconheça certo grau de discricionariedade na

escolha pelo aplicador do Direito entre as várias possibilidades conferidas pela lei,

esta escolha não se dá de forma arbitrária, impondo-se ao mesmo o dever de

justificar logicamente suas decisões. O dever de motivar, é oportuno mencionar, tem

assento constitucional e sua ausência fulmina de nulidade a decisão e tem o condão

de impedir a realização de uma "justiça pessoal" do julgador.

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6. APLICAÇÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ÀS SÚMULAS VINCULANTES

Ab initio, cumpre ressaltar que o presente trabalho parte da premissa de que

o instituto das súmulas vinculantes é, em tese, constitucional. Logo, não se trata da

discussão sobre a legitimidade política (constitucionalidade) do Supremo Tribunal

Federal para a edição de súmulas, que só podem ser revisadas ou canceladas por

ele próprio. Segue-se, portanto, a doutrina de Lenza (2008, p.516), para o qual “a

súmula vinculante introduzida pela Reforma do Judiciário mostra-se totalmente

constitucional”.

Superado este ponto, insta dizer que, ao Judiciário o efeito vinculante da

súmula impõe que todos os casos sejam julgados de acordo com o comando nela

insculpido, e, à Administração Pública, que sua conduta seja também pautada

conforme o comando da súmula, podendo, de acordo com o § 3.° do art. 103-A da

Constituição Federal, ser formulada reclamação para o Supremo Tribunal Federal

nas hipóteses de seu descumprimento. De tal sorte, observa-se que a obediência

devida à súmula vinculante é bastante semelhante à obediência devida às normas

emanadas do Poder Legislativo, podendo-se, desde logo, identificar a

particularidade de que o seu cumprimento poderá ser exigido diretamente no

Supremo Tribunal Federal, por meio de reclamação.

O Direito, como conjunto de normas que é, deve ter unidade, na medida em

que todas elas são endereçáveis a uma única norma, na qual encontram o seu

fundamento de validade. Nesse sentido, a ordem jurídica é coercitiva, de sorte que

para toda conduta humana contrária àquela prescrita em uma norma é ligada uma

sanção, aplicável independentemente da vontade do indivíduo, usualmente, através

da execução forçada de seus bens ou da privação de sua liberdade.

Assim, se a lei determina uma conduta no sentido de que não se possam

cometer estupro, esta conduta será obrigatória na medida em que à conduta oposta

− isto é, à conduta do estuprador − seja ligada uma sanção, na hipótese, a pena de

prisão.

Igualmente, os particulares, no exercício de seu poder negocial, podem

contratar, por exemplo, a compra e venda de um determinado bem. O contrato, em

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verdade, corporifica uma norma individual segundo a qual o comprador deve pagar o

preço e o vendedor entregar o bem.

Frustrada qualquer dessas condutas, o prejudicado poderá recorrer ao

Poder Judiciário, até mesmo para que se proceda à execução forçada dos bens da

outra parte.

A decisão judicial, igualmente, contém comando que deverá ser obedecido

pelas partes, razão pela qual costuma-se dizer que a sentença "é lei entre as

partes", sob pena de, tratando-se de, por exemplo, ação condenatória, execução

forçada dos bens do devedor.

Uma norma jurídica pode prescrever, proibir ou facultar uma conduta

humana, ligando ao seu descumprimento, para torná-la efetiva, uma sanção. Tanto a

lei, o contrato e a decisão judicial, fontes formais do Direito, têm por objeto condutas

humanas, contra as quais ligam-se sanções. Quer dizer, são comandos que

produzem um mal a quem os desobedece. Todos esses − lei, contrato e decisão

judicial − encontram seu fundamento de validade em normas superiores, podendo-

se remontar até a Constituição Federal. Por isso, são todos eles espécies de normas

jurídicas.

O dever de obediência à súmula vinculante não destoa dos esquemas

supramencionados. Ela contém um comando prescrevendo, proibindo ou facultando

uma determinada conduta humana, tornada efetiva enquanto exigível perante o

Poder Judiciário. Assim, a súmula vinculante é, formalmente, também uma norma

jurídica. Será, todavia, à semelhança das leis, uma norma jurídica geral, eis que

aplicável a todos indistintamente, e abstrata, enquanto endereçada a quaisquer

hipóteses presentes e futuras.

O ministro Eros Grau (1996) apud Leite formula interessante racionício:

Note-se bem que essas decisões do Supremo Tribunal Federal são resultado de uma produção normativa, atividade que envolve interpretação/aplicação e, pois, é desempenhada não apenas a partir dos elementos que se depreendem do texto (mundo do dever-ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de elementos da realidade (mundo do ser).Essas decisões são normas. Mas essas normas são transformadas em textos no momento em que assumem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios.

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(...)Em outros termos: a atribuição de eficácia contra todos e efeitos vinculantes às decisões de que se trata importa em atribuir-se ao Supremo Tribunal Federal função legislativa (LEITE, 2007, p.99).

Desse modo, em vez de atuar apenas como legislador negativo, desfazendo

uma norma geral com as mesmas características dessas, o Supremo Tribunal

Federal estaria agindo como verdadeiro legislador positivo. A respeito da

possibilidade de atuação do tribunal constitucional como legislador negativo, Kelsen

(2003) apud Leite afirma:

(...) o órgão a que é confiada a anulação das leis inconstitucionais não exerce uma função verdadeiramente jurisdicional, mesmo se, com a independência de seus membros, é organizado em forma de tribunal. Tanto quanto se possa distingui-las, a diferença entre função jurisdicional e função legislativa consiste antes de mais nada em que esta cria normas gerais, enquanto aquela cria unicamente normas individuais. Ora, anular uma lei estabelecer uma norma geral, porque a anulação de uma lei tem o mesmo caráter de generalidade que sua elaboração, nada mais sendo, por assim dizer, que a elaboração com sinal negativo e portanto ela própria uma funão legislativa. E um tribunal que tenha o poder de anular as leis é, por conseguinte, um órgão do poder legislativo (LEITE, 2007, p. 109).

Noutro giro, alguns podem defender que a súmula vinculante não seria uma

norma jurídica, eis que seria mera interpretação daquilo que já estava antes

determinado pelo ordenamento jurídico, ou seja, a coercitividade do comando

insculpido na súmula não decorreria dela própria, mas da lei e da Constituição.

Esta é a posição de Leite, conforme excerto abaixo transcrito:

Do exposto, depreende-se que as súmulas vinculantes não são manifestações de atividade legislativa do Supremo Tribunal Federal, não se devendo falar em ofensa à separação dos poderes. Elas são resultantes de criação judicial do direito resultante de interpretação jurídica desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal no exercício da jurisdição constitucional. A vinculação dos demais juízes às súmulas vinculantes decorre da posição singular do Supremo Tribuanal Federal como intérprete último da Constituição e instância decisória final da jurisdição constitucional, pelo que, em caso de discrepância judicial, necessita ser fixada a interpretação jurídica a ser seguida pelas (sic) outros órgãos. Cuida-se, ademais, de uma exigência de aplicação isonômica do direito para situações semelhantes».«Além disso, não se deve confundir a (sic) caráter material e jurisprudencialmente constitucional das súmulas vinculantes com o caráter formal de normas constitucionais emanadas do Poder Constituinte originário ou do poder de reforma, pois, como visto, há significativas diferenças entre a produção legislativa do direito

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e a produção judicial do direito, de que as súmulas são espécies (LEITE, 2007, p. 119).

Entretanto, por mais que se considere a súmula como produto da

interpretação de normas a ela preexistentes, não se pode perder de vista que a toda

interpretação é inerente algum grau de criatividade, de modo que, ainda que a

súmula contenha um enunciado que expresse a ratio decidenti comum a todas as

decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal sobre matéria constitucional, as

quais foram, elas próprias, na Constituição Federal fundamentadas, nem por isso a

súmula deixará de criar o Direito e ser norma, e tampouco por isso poderá ser

reduzida a mero esquema interpretativo.

Assim, refuta-se a idéia de que o juiz não teria liberdade para decidir a lide,

como se o conteúdo de suas decisões estivesse inteiramente predeterminado por

normas gerais e abstratas emanadas do Poder Legislativo, e a atividade jurisdicional

fosse restrita à mera interpretação do Direito.

A decisão do juiz deve ser fundamentada, e é certo dizer que este

fundamento será, em regra, encontrado nas leis e na Constituição. Ainda assim, na

transposição da norma geral e abstrata para o caso concreto, o juiz sempre deixará

as suas marcas, as suas convicções pessoais e ideológicas, o seu senso próprio de

justiça. Isto porque toda interpretação, que é condição para que seja proferida uma

decisão, inevitavelmente, traz consigo uma carga de criatividade. Diversos fatores

impõem que a aplicação da lei pelos juízes seja precedida da hermenêutica, de uma

interpretação e criação jurídicas.

Às vezes é a própria imperfeição do texto legislativo que impõe a

necessidade de buscar o seu verdadeiro sentido. Por outro lado, em vista de leis

claras e precisas, o passar dos anos e a mudança das realidades sociais e

econômicas fazem com que a lei mereça interpretação diversa, afastando-se daquilo

que o legislador havia concebido originariamente.

Em outras hipóteses, a lei se utiliza de conceitos juridicamente

indeterminados, devendo o juiz preencher essas lacunas para proferir a decisão no

caso concreto.

A impossibilidade de estrita vinculação do juiz à lei, e, assim, da sua

caracterização como mero aplicador do Direito, está ligada aos próprios limites da

racionalidade jurídica. Kelsen, em seu esforço de construir uma teoria pura do

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Direito, a qual não seria influenciada por ideologias, mas por razões estritamente

científicas, caracterizou a norma como uma moldura, a qual estaria sujeita a

diversas interpretações, todas elas cientificamente adequadas. Para Kelsen, não

seria possível, além dos limites da moldura, falar em decisão mais ou menos justa,

mais ou menos correta, uma vez que, para o seu preenchimento, o julgador fará,

não apenas juízos de fato, mas juízos de valor, tidos por arbitrários (KELSEN, 2006).

Com isso, Kelsen limitou barbaramente a possibilidade do desenvolvimento

de teorias da interpretação e aplicação do Direito, eis que limitava o papel da ciência

do Direito à descrição da moldura, pouco plausíveis e razoáveis, ainda que

completamente diferentes, senão contrapostas, ocorrendo a chamada divergência

jurisprudencial.

Uma vez que se admita que o juiz também cria o direito e que pode editar

normas jurídicas individuais e, outras vezes, normas jurídicas gerais e abstratas (tal

como nos processos objetivos de controle de constitucionalidade e, agora, com a

súmula vinculante), perde força a distinção tradicional entre as funções legislativa e

jurisdicional como sendo a primeira criadora de normas jurídicas e a segunda de

aplicação de normas jurídicas.

Para Kelsen, a função legislativa não é a única atividade criadora do Direito,

e todas as funções do Estado resolvem-se em atividades de aplicação e criação do

Direito. Isto é, se deixarmos de lado os casos-limite − a pressuposição da norma

fundamental e a execução do ato coercitivo − entre os quais se desenvolve o

processo jurídico, todo o ato jurídico é simultaneamente aplicação de uma norma

superior (que confere competência para ou determina a produção do ato) e

produção, regulada pela norma superior, de uma norma jurídica inferior (KELSEN,

2006).

Disso resulta que, não apenas as leis como tradicionalmente se

compreende, mas também os contratos, as decisões judiciais, os atos

administrativos concretos (licenças, autorizações, etc.) e normativos (regulamentos,

portarias, etc.) são atos de criação jurídica, criação de normas, umas gerais e

abstratas, outras individuais e concretas.

Outra decorrência da teoria de Kelsen é a de que as funções legislativa,

administrativa e jurisdicional não seriam substancialmente diferenciáveis. Seguindo

os pressupostos kelsenianos, não se pode afirmar que somente a função legislativa

seja criadora do Direito, enquanto as outras encerrariam apenas a sua aplicação, na

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medida em que todas elas consistem na prática de atos que são, simultaneamente,

de criação e aplicação do Direito.

Se não é possível estabelecer uma distinção efetiva entre as duas

atividades, vale dizer, jurisdicional e legislativa, do seu ponto de vista substancial, a

distinção poderá ser feita do seu ponto de vista processual: ambas as atividades

possuem modos de exercício ou procedimentos nitidamente diversos e é através da

análise de suas particularidades que será possível estabelecer a diferença entre

elas.

De fato, a experiência mostra que juiz e legislador têm formas e modos de

atuação muito diversos. O juiz não se sente à vontade em criar o Direito, ele busca

sempre decidir de acordo com aqueles princípios estabelecidos em lei, maturados

pela jurisprudência e amplamente estudados pela doutrina. Não tem o juiz,

habitualmente, disposição para inovar completamente, fugir daquilo que se escreve

nos livros e daquilo que é decidido pelos Tribunais. Ao contrário, há sempre um

movimento natural de uniformização da jurisprudência, assim como tendem a se

aproximar os ensinamentos da doutrina das decisões judiciais.

Não se quer dizer com isso que o magistrado não seja dado à evoluções; ao

contrário, sustenta-se que a atividade jurisdicional é sempre uma atividade criativa e

tenho sempre ressaltado a importância do trabalho dos magistrados para o

desenvolvimento e para os avanços do Direito. Apenas registra-se que os juízes

costumam agir com cautela, sem antecipar seus movimentos aos fatos e aos

anseios sociais.

Com efeito, não há como negar o papel criativo da jurisdição e não há como

negar a sua responsabilidade efetiva pelo sucesso ou fracasso do ordenamento

jurídico, ao menos enquanto tivermos em mente ser o Poder Judiciário quem diz o

real significado da lei e da Constituição. Afinal, a Constituição é aquilo que a Corte

Suprema diz que ela é. Desse modo, o significado da norma ultrapassa aquele que o

legislador pretendia lhe dar. Esse significado é vivo, mutável no tempo e no espaço.

E essa vida é dada, sem ignorar a importância da doutrina, pela interpretação das

leis e pela atividade criativa dos juízes.

Como se percebe, o que caracteriza a atividade jurisdicional não é a sua

passividade no plano material, mas a sua passividade no plano processual. No

processo judicial, o Estado-juiz deve exercer sua função de modo a manter a

igualdade entre as partes, sua atividade deve estar conectada à demanda, deve

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assegurar às partes o direito de serem ouvidas (contraditório e ampla defesa) e deve

ter grau suficiente de independência em relação às pressões externas.

No processo legislativo não existem as citadas garantias; trata-se de um

jogo político de disputa de interesses da maioria e concessões mútuas. Não há

contraditório, ampla defesa, imparcialidade, necessidade de provocação, demanda

para circunscrever a atividade e necessidade de fundamentação; são, com efeito,

ambos os processos bastante diversos e facilmente diferenciáveis, sendo com eles

diferenciáveis as atividades jurisdicional e legislativa.

No entanto, basta obrigar as Administrações Públicas e, especialmente, o

Poder Judiciário a cumpri-las para que estejam obrigadas todas as pessoas sujeitas

ao ordenamento jurídico brasileiro e, em alguns casos, o próprio Poder Legislativo.

As normas jurídicas dependem de algum grau de coercibilidade para terem

significação jurídica. De alguma maneira, o descumprimento de uma norma jurídica

há de produzir um efeito negativo a quem a ela não se submeter, como forma de

compelir as pessoas em geral a obedecer aos comandos do ordenamento. O Poder

Judiciário funciona no vértice de toda aplicação do Direito, servindo de guardião

máximo, do qual não se pode excluir a apreciação de lesão ou ameaça de direito,

conforme proclama o art. 5.°, inciso XXXV, da Constituição Federal.

Ora, se o Poder Judiciário, e antes mesmo deste, as Administrações

Públicas, darão cumprimento ao Direito seguindo os ditames das súmulas

vinculantes futuramente editadas, logicamente todos acabam se submetendo a elas.

O cumprimento da súmula, inequivocamente, poderá ser exigido perante o

Judiciário, eis que a ela está vinculado, trata-se, portanto, de uma espada com corte.

É preciso, como se pode notar, compreender os dois níveis de vinculação da

súmula vinculante, que pode ser: direta, abrangendo apenas o Poder Judiciário e a

Administração Pública, sujeitando todos os atos administrativos e jurisdicionais

contrários ao julgamento direto pelo Supremo Tribunal Federal, pela via da

reclamação; ou, indireta, que se torna efetiva quando a Administração Pública ou o

Poder Judiciário aplicam as súmulas concretamente.

Quanto à vinculação indireta do Poder Legislativo, sustenta-se a súmula

vinculante é uma norma jurídica geral e abstrata, que, materialmente, tem um

esquema semelhante ao das leis em geral.

Sendo assim, uma vez assentada uma súmula vinculante, firma-se uma

interpretação do texto constitucional, a qual somente pode ser alterada em duas

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hipóteses: (i) ou o próprio Supremo Tribunal Federal revê o seu posicionamento, eis

que ele próprio não está vinculado; (ii) ou promove-se a alteração do texto

constitucional.

Eis aí uma aproximação hierárquica da súmula vinculante às emendas

constitucionais, uma vez que, em regra, as súmulas vinculantes, salvo alteração pelo

próprio Supremo Tribunal Federal, somente seriam alteradas por emenda

constitucional.

Seguindo este raciocínio, poderia-se afirmar que nas hipóteses em que a

súmula vinculante firmar interpretação fundada em cláusulas pétreas, nem mesmo

uma emenda constitucional seria capaz de alterá-las, uma vez que em tais assuntos,

não se admite modificações da Constituição, em face do que diz o § 4.° do art. 60 da

Carta Magna.

Por um lado, o art. 103-A da Constituição Federal fala apenas em efeito

vinculante ao Poder Judiciário é à Administração Pública, deixando de fora, portanto,

o Poder Legislativo. Daí afirmar-se que o Legislativo não está vinculado à súmula. A

sua não-vinculação implica na possibilidade de editar lei ou emenda constitucional

contrários à súmula vinculante.

Por outro lado, uma lei editada contra uma súmula do Supremo Tribunal

Federal seria tão (in)válida quanto uma lei editada contra a própria Constituição. O

exercício da função legislativa contra uma súmula, excetuada a modificação por

emenda constitucional, quando possível, ou a prevalência de tese jurídica

manifestamente superior seria antijurídico, na medida em que ofenderia a própria

Constituição e o seu significado normativo atribuído pelo Supremo Tribunal Federal.

Destarte, o que distingue a vinculação do Poder Legislativo da vinculação da

Administração Pública e do Poder Judiciário é exatamente o manejo do instrumento

da reclamação. No caso do Poder Legislativo, o descumprimento da súmula

vinculante não dá ensejo a reclamação perante do Supremo Tribunal Federal. Essa

é a solução que sobressai da conjugação do caput do art. 103-A, da Constituição

Federal, com seu § 3.°: note-se, a reclamação é cabível apenas contra o ato

administrativo ou decisão judicial contrários à súmula, não existindo reclamação

diretamente interponível contra ato legislativo.

Neste contexto, cabe frisar, quanto à aplicação do controle de

constitucionalidade das súmulas vinculantes, que o próprio processo de revisão e

cancelamento se mostra como mecanismo válido e apto para tal fito.

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Todavia, tormentosa é a questão quanto à possibilidade da utilização da

Ação Direta de Inconstitucionalidade para impugnar verbete vinculante, vez que,

conforme defendido alhures, a súmula vinculante é, materialmente, uma lei, em

razão da generalidade e abstração, ao lado da vinculação, encaixando-se no

conceito de ato normativo contido no Texto Maior.

Nesse quadro, surge o problema da eventual incompatibilidade, formal ou

material, da súmula vinculante em face da Lei Maior, situação que colocaria em

risco, a harmonização entre os poderes da República, admitindo-se, em princípio, a

utilização de Ação Direta de Inconstitucionalidade para sanar referido vício.

Destaca-se que, do ponto de vista prático, a revisão ou cancelamento, e a

decisão em Ação Direta de Inconstitucionalidade possuem efeitos distintos, razão

pela qual a reflexão ora proposta mostra-se útil.

A revisão ou cancelamento opera efeitos tão somente prospectivos,

enquanto, em regra, a decisão proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade

tem efeitos retroativos, vez que a norma é considerada nula.

Quanto à incompatibilidade formal, basta lembrar a edição da súmula

vinculante nº 11, que trata do uso de algemas, em que inexistiam os precedentes

nos moldes constitucionais a ensejar sua criação.

Por tudo o que foi exposto, e em desfecho, vale dizer que acertada é a

opinião de Cunha Júnior:

...em razão da vinculação e obrigatoriedade, ao lado da generalidade e abstração, a súmula vinculante pode ser objeto de controle abstrato de constitucionalidade, por equiparar-se a uma verdadeira lei em sentido material (Cunha Júnior, 2009, p. 359).

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7. CONCLUSÃO

Em conclusão, após tratará sobre os dois grandes sistemas de direito da

história, analisando seu desenvolvimento e influência, bem como sobre o controle de

constitucionalidade no Brasil e no Direito comparado, afere-se uma aproximação dos

dois sistemas através do instituto da súmula vinculante.

Noutro giro, muito embora, atualmente no Brasil a súmula tradicional de

jurisprudência dominantes dos Tribunais não tenha caráter vinculante, tal quadro foi

modificado, pelo menos no âmbito da Corte Maior, com a possibilidade da edição de

súmula vinculante, a partir da Emenda Constitucional nº 45 de 2004

Por derradeiro, cabe dizer que, embora trata-se de assunto polêmico e que

merece reflexão mais amadurecida, ante todos os fundamentos expostos alhures, há

que se defender, inicialmente, a possibilidade do controle de constitucionalidade da

súmula vinculante, quer por vício formal, quer por afronta material ao Texto Maior,

em razão de sua generalidade, abstração e vinculação, tudo em razão das lições

fundamentais do Direito, mas sem desconsiderar a sua dificuldade prática, que é da

própria essência do instituto, que, para muitos, reitera-se, afronta o princípio da

separação dos poderes.

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SILVEIRA, Paulo Fernando. Freios & Contrapesos (Checks and balances) Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

VADE MECUM: acadêmico de direito / Anne Joyce Angher, organização. 10. ed. São Paulo: Rideel, 2010.

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