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CENTRO UNIVERSITÁRIO FLUMINENSE - UNIFLU FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS - FDC
PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSO
A SOCIEDADE VÍTIMA DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
HELSON HENRIQUE DE SOUZA OLIVEIRA
CAMPOS DOS GOYTACAZES 2006
2
HELSON HENRIQUE DE SOUZA OLIVEIRA
A SOCEDADE VITIMA DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas no processo pela Faculdade de Direito de Campos sob a orientação do prof. Dr. Dwight Cerqueira Ronzani.
CAMPOS DOS GOYTACAZES 2006
3
A SOCEDADE VITIMA DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
HELSON HENRIQUE DE SOUZA OLIVEIRA
DDiisssseerrttaaççããoo ssuubbmmeettiiddaa aaoo ccoorrppoo ddoocceennttee ddoo PPrrooggrraammaa ddee PPóóss--GGrraadduuaaççããoo eemm DDiirreeiittoo,, ddaa
FFaaccuullddaaddee ddee CCaammppooss,, ccoommoo ppaarrttee ddooss rreeqquuiissiittooss nneecceessssáárriiooss ppaarraa aa oobbtteennççããoo ddoo GGrraauu
ddee MMeessttrree eemm DDiirreeiittoo –– Políticas Públicas no Processo.
AApprroovvaaddaa eemm ____//____//________..
DDrr.. ____________________________________________________________________________________________
DDrr.. ______________________________________________________________________________________________
Dr. Dwight Cerqueira Ronzani
CCAAMMPPOOSS DDOOSS GGOOYYTTAACCAAZZEESS 22000066
4
DDEEDDIICCAATTÓÓRRIIAA
DDeeddiiccoo eessttee ttrraabbaallhhoo aaooss mmeeuuss ffaammiilliiaarreess ee eemm eessppeecciiaall aa mmiinnhhaa eessppoossaa EElliiaannee,, mmeeuuss ffiillhhooss EEllaaiinnee CCrriissttiinnaa,, MMaaíírraa ee TThhiiaaggoo ee aa mmiinnhhaa nneettaa GGaabbyy..
5
AGRADECIMENTOS
À Instituição Faculdade de Direito de Campos, que mercê de um trabalho sério de sua direção proporciona aos professores um aprimoramento em seus currículos. À coordenação de Mestrado na pessoa do Professor Leonardo Greco e ao orientador deste trabalho Dr. Dwight Cerqueira Ronzani, que de forma dedicada fez com que se chegasse a conclusão e a defesa desta dissertação.
6
"Povo que preza a honestidade terá governantes honestos. Um povo que, em seu cotidiano, tolera a desonestidade e, não raras vezes, a enaltece, por certo terá governantes com pensamento similar."
Emerson Garcia.
7
RESUMO
A sociedade tem experimentado grandes malefícios decorrentes da improbidade administrativa, tanto é que tem sido uma preocupação constante de leis, mesmo não muito recentes, em assegurar a sua proteção, tanto no campo administrativo, como judicial. Nesse mister cumpre ressaltar que as leis sempre foram no sentido de anunciar hipóteses de ilícitos administrativos através de faltas disciplinares que iam da simples advertência até a demissão a bem do serviço público, visando com isso assegurar a lisura dos atos e do funcionamento da Administração Pública. Necessário realçar que no respeitante a previsão constitucional, nenhuma outra Constituição tratou com maior abrangência do tema como se acha hoje tratado pela Carta Política em vigor. Assim foi com a Constituição Federal de 1946, com a de 1967, com as alterações introduzidas pelas Emendas 1/69 e 11/78, em seu art. 153 § 11, a Carta Política em vigor, desde 1988, procedeu a inovações ampliando o conceito de improbidade administrativa, passando a sociedade a partir de então a contar com mais um instrumento de combate a corrupção. A legislação infraconstitucional produziu duas leis nessa área, anteriores a lei 8.429/92, que são a Lei n. 3164/57 – Lei Pitombo-Godoi Ilha e Lei 3.502/58 – Lei Bilac Pinto. As duas leis mencionadas, embora editadas visando o aperfeiçoamento disciplinador da matéria, não tiveram grande aplicabilidade, pois se referiam tão somente ao enriquecimento ilícito, sendo por isso mesmo de pouca incidência. A lei nº. 8.429/92 foi elaborada e sancionada no decorrer de um processo de moralização, que teve início com a abertura democrática e com a promulgação do texto Constitucional de 1988, em virtude do clamor da opinião pública, revoltados com os atos de improbidade, prática rotineira de administradores públicos, que usavam o poder em benefício próprio, lesando o erário e construindo imensas fortunas, sem que fossem alcançados pelo braço da lei. O texto legal ora sob comento, veio preencher lacunas existentes e tornou-se um referencial para o gestor público, pois as disposições dessa lei procuraram sobremodo introduzir profundas transformações no funcionamento da máquina administrativa e no comportamento dos administradores públicos, tão afeitos ao descumprimento das normas legais, minimizando os efeitos nefastos para a sociedade. Palavras-chave: improbidade; administração pública; constituição federal.
8
ABSTRACT Society has experienced a lot of malignancies arisen from administrative improbity, so the laws, even those not so recent, are constantly directed to assure its protection not only at the administrative field but also at the judicial one. In this aspect we have to emphasize that laws were always made in the purpose of warning hypothesis of administrative illicits through disciplinary faults, that went from mere advertising to discharge for the sake of the public service, aiming at affirming the integrity of the acts and the functioning of Public Administration. It is necessary to enhance that concerning to constitutional prevision, no other Constitution dealed with this theme with more inclusion than the Politic Charter in vigor. The Politic Charter in vigor since 1988, proceeded to innovations enlargening the concept of administrative improbity. From then onwards, society began to have on more instrument to fight corruption. The infraconstitutional legislation made two laws in this area preceding the 8.429/92 law. Those were: the Pitombo-Godoi law nº. 3164/57 and the Bilac Pinto Law nº. 3.502/58. Although the two mentioned laws were editted aiming at the disciplinator improvement of this theme, they had not great applicability for they referred just to illicit enrichment, because of it, from little incidence. The law nº. 8429/92 was elaborated and sanctioned during a moralization process that began with the democratic opening and with the promulgation of the Constitutional text from 1988, because of public opinion clamour, they were disgusted with the improbity acts, that were routine practice among public administrators who used the authority on their own sake. This way they injury the public treasury making themselves huge fortunes without been caught by the arms of law. The legal text now being commented, came to fill in the existent blanks and it became a reference to the public manager for the dispositions of this law tried to introduce deep transformations in the functioning of the administrative machine and in the public administrators behavior, so accustomed to the disobedience of the legal norms minimizing the disastrous effects to society.
Key – words: improbity; public administration; federal constitution
9
SUMÁRIO
RESUMO.......................................................................................................................07
ABSTRACT ...................................................................................................................08
INTRODUÇÃO ..............................................................................................................12
CAPÍTULO 1 – ORIGEM HISTÓRICA DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
......................................................................................................................................20
CAPÍTULO 2 – CORRUPÇÃO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONCEITO ......34
2.1 - CONCEITOS DE MORALIDADE ADMINISTRATIVA E MORALIDADE
SOCIAL .........................................................................................................................35
2.2 - A MORALIDADE SOCIAL... ....................................................................37
2.3 – CONCEITO DE CORRUPÇÃO...............................................................37
2.4 – CONCEITO DE IMPROBIDADE... ..........................................................40
CAPÍTULO 3 – A LEI Nº 8.429/92 E OS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
QUE TIPIFICAM A CONDUTA DO AGENTE................................................................44
3.1 – NATUREZA JURÍDICA DAS SANÇÕES... .............................................45
3.2 – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA... .49
3.2.1 - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE... ..........................................................50
3.2.2 - PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE....................................................51
3.2.3 - PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA.............................53
3.2.4 - PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE............................................................56
3.2.5 - PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA... ............................................................60
3.2.6 - PRINCÍPIOS IMPLÍCITOS NO CORPO CONSTITUCIONAL..............62
3.2.6.1 - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE........62
3.2.6.2 - PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE..............................................64
10
3.2.6.3 - PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA.........................................................68
3.3 – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA... .71
3.3.1 - A LEI n. 4717/65 – LEI DA AÇÃO POPULAR... ...................................71
3. 3.2 - A LEI n. 7347/85 – LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA... ..........................73
3.3.3-ASPETOS PROCESSUAIS DA LEI DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA ............................................................................................74
3.4 - FORO ESPECIAL POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO E A COMPÊNCIA
ORIGINÁRIA...................................................................................................... 75
3.5 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA X AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 77
3.6 - A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA ........................................................................................................80
3.6.1 - LEGITIMIDADE PARA A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
.........................................................................................................................81
3.6.2 - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO... ...................................83
3.6.3 - O MINISTÉRIO PÚBLICO E O LITISCONSÓRCIO DOS CO-
LEGITIMADOS..............................................................................................................84
3.6.4 - O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO CUSTOS LEGIS............................85
3.6.5 - O ADVOGADO COMO LEGITIMADO ATIVO... ..................................85
3.6.6 - SUJEITO PASSIVO E ATIVO..............................................................87
3.6.6.1 - SUJEITO PASSIVO..........................................................................87
3.6.6.2 - SUJEITO ATIVO...............................................................................89
CAPÍTULO 4 – A DISCUSSÃO NACIONAL E INTERNACIONAL DE
IMPROBIDADE................................................................................................................91
CAPÍTULO 5 - A TUTELA DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COMO
INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS
......................................................................................................................................94
5.1- O INÍCIO DO COMBATE INTERNACIONAL À CORRUPÇÃO..............................95
5.2- DESENVOLVIMENTO DA TUTELA INTERNACIONAL DA PROBIDADE.... ........97
11
5.3- A SOCIEDADE – VÍTIMA E RESPONSÁVEL PELA APLICAÇÃO DA LEI DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA..............................................................................101
CONCLUSÃO................................................................................................................105
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................110
12
INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa demonstrar, que, embora tenham surgido
progressos com o advento da Lei de Improbidade Administrativa sistema instituído pela
Lei 8429 de 02/06/92, pois anteriormente, vigiam as leis nºs. 3164/57 e 3502/58 e
prossegue ainda vigindo o instituto da ação popular, referência ao relevante papel
desempenhado pela Lei n. 4.717/65, que disciplinou as hipóteses de cabimento e a
forma de sua utilização cuja finalidade se prende a anulação ou declaração de nulidade
dos atos lesivos a administração pública. Verifica-se que a sistemática processual, na
prática, transforma os fins por ela perseguidos em mais um instrumento em nosso
ordenamento jurídico que precisa cada vez mais ser aperfeiçoado para dar uma
resposta de forma eficaz, capaz de com maior agilidade conter os abusos perpetrados
pelos maus administradores.
Conduz a visão do estudo para o campo social, para a observância aos
direitos humanos, numa proposta de inserção e comparação com as normas e
regulamentos que visam proteger a sociedade, permitindo com que o cidadão possa
efetivamente usufruir dos direitos sociais garantidos na Carta Política vigente.
A doença social disseminada epidemicamente por esses agentes cujas
condutas afrontam a sociedade, gestores da coisa pública que procuram através do
meio ilícito e fácil enriquecer à custa do erário, sem dúvida com o advento da lei de
13
improbidade administrativa chegou ao Judiciário, mas ao contrário da euforia inicial
despertada na sociedade em razão do referido texto legal, muitos dos processos a que
são submetidos esses agentes não funcionam com a celeridade e eficácia na punição
dos agentes ímprobos como se era de esperar.
Razões para isso, poderiam ser apontadas as mais diversas, tais como
as dificuldades do Poder Judiciário, assoberbado pelo número de processos postos a
sua apreciação e até mesmo quanto aos mecanismos judiciais que garantem a esses
”cidadãos” uma ampla defesa sob pena de nulidade daqueles atos praticados.
No entanto, o que se observa é que o ponto que faz a diferença e
permite que a impunidade seja tratada de forma mais amena, pelo menos no momento
atual, em favor desses agentes, surge talvez, porque em razão de fortuna amealhada no
percurso de caminhos tortuosos facilitem as suas defesas, pois sem dúvida podem
contratar excelentes e renomados escritórios de advocacia, o que lhes permite
defender-se mais amplamente em todas as instâncias, inclusive recursais, tendo
assegurado por isso mesmo, em algumas oportunidades se ver escoar pela via do
tempo, através do esquecimento, todo aquele esforço inicialmente despendido pelo
aparelho estatal na busca de sancionar o transgressor que lesou o erário.
Entretanto, apesar dessa situação que assistimos em muitos casos, é
possível reverter esse quadro se a sociedade como um todo se mobilizar para cobrar do
aparelho estatal uma atuação mais rigorosa, sem qualquer condescendência com esse
tipo de crime que empobrece e fragiliza a sociedade e retira do cidadão o seu direito de
ver ser respeitada a supremacia do interesse público.
Aliás, nesse particular, necessário consignar, que o interesse individual
não pode se sobrepor ao interesse coletivo, daí não se justificando que esses agentes
continuem obtendo no judiciário o reconhecimento de direitos que não são garantidos
14
aos miseráveis, desprotegidos pela sorte, que praticam delitos sem a extensão dos que
foram praticados por esses administradores ímprobos.
Não resta dúvida, que o surgimento de fortunas inexplicáveis e que tornam
esses agentes públicos detentores de riquezas do dia para a noite é responsável por
uma política pública deficiente que retira da saúde, da educação, dos salários dos
servidores públicos, da previdência social, e da segurança pública, a condição de vida
digna das pessoas.
Em pronunciamentos feitos através dos meios de comunicação, a época o
Ministro do controle e da transparência, Waldir Pires, afirmou que o dinheiro público
repassado pelo Governo Federal vem sendo usado de forma incorreta por algumas
Prefeituras e especialmente no “Bom dia Brasil” da TV Globo, afirmou de forma textual
para quem estivesse assistindo que:
[...] esses recursos vem sendo mal aplicado pelos municípios, a julgar pelo elevado nível de irregularidades encontradas nas inspeções que a Controladoria-Geral da União, vem realizando em Prefeituras.1
O ministro chega a ponto de em seu pronunciamento pedir de forma
veemente a participação popular no processo de fiscalização e conclama o Poder
Judiciário a uma atuação enérgica na punição dos responsáveis por esses abusos e
desmandos com o dinheiro do povo.
A Agência Brasil deu naquela oportunidade uma grande repercussão a
anomalia detectada e informou que após fiscalizar 50(cinqüenta) municípios brasileiros,
a Controladoria Geral da União encontrou indícios de fraude em 45 (quarenta e cinco)
deles, isso mesmo, num total de 90% (noventa por cento) dos que foram fiscalizados
encontrava-se em situação duvidosa no gasto do dinheiro público que fora repassado
1PIRES, Waldir. Entrevista com ministro. Jornal Bom dia Brasil. TV Globo. 03 de setembro de 2003.
Disponível em: http://www.bomdiabrasil.globo.com/jornalismo.html. Acesso em: 13.12.2006.
15
pelo Governo Federal para atendimento de escolas (leia-se Educação) e hospitais (leia-
se Saúde).
Na verdade o que se verifica é um gasto sem retorno à custa do pobre
povo brasileiro, que é quem paga a conta de todos esses desmandos e abusos que são
perpetrados contra o erário, com esses administradores divertindo-se com boa parte dos
milhões que receberam da União naquela oportunidade.
À medida que se intensificam as fiscalizações, que elas se tornam mais
rotineiras, não se pode ter dúvida que mais desperdício deve ser encontrado, porém, a
ciência de fatos como esses, já pode ser considerado avanço, como ainda não se pode
duvidar que a publicidade dos mesmos só chegou a conhecimento das pessoas porque
estamos vivendo numa democracia.
É preciso que se entenda que não basta o Ministério Público cumprir com
a sua parte, apurando e promovendo as medidas judiciais que são reclamadas, pois
como se manifestou o ministro a tarefa agora é do Poder Judiciário.
Aliás, com quem está com a palavra, ou melhor, a caneta, para decidir
com serenidade, com justiça, observando os procedimentos legais, mas com firmeza
nos processos que forem instaurados.
Pois, o grande problema que precisa de solução rápida e eficaz é o que diz
respeito à proteção da verdadeira e grande vítima de todos esses desmandos que é
sem dúvida a sociedade que se vê desprotegida e desassistida de saúde, segurança,
educação e todos os demais direitos sociais que lhe são assegurados pelo texto
constitucional.
Nessa luta travada vale trazer a citação do procurador federal José
Adércio Leite Sampaio, que cai como luva na abordagem do tema:
O direito sozinho pode pouco: uma ação menos ainda. Mas é preciso começar ou não esmorecer: o direito não pode ser só, mas pode também. Pode até ser
16
que uma andorinha apenas não faça verão, mas deixa, pelo menos, o céu mais bonito. Ou simplesmente diferente. 2
Temos que é preciso uma conscientização cada vez maior da sociedade
sobre as questões a ela pertinentes, para que o cidadão possa saber identificar o ato de
improbidade administrativa e em razão disso exercer na plenitude o seu direito de
cidadania, fiscalizando e denunciando essas doenças que corroem o organismo social
debilitando-o e fazendo com que direitos fundamentais constitucionalmente garantidos,
não sejam violados para propiciar o enriquecimento ilícito, a lesão ao erário e o
descumprimento dos princípios da administração pública, com ações ou omissões que
violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições
públicas.
O posicionamento de Sérgio Monteiro Medeiros sobre a Lei de
Improbidade Administrativa dá mostras que temos um bom dispositivo legal posto à
disposição dos órgãos responsáveis por sua aplicação:
Mas reafirmo minha fé na Lei de Improbidade Administrativa, pois se o Ministério Público e o Judiciário efetivamente quiserem, pode-se operar verdadeira revolução na Administração Pública brasileira, agitando-se esse salutar e poderoso instrumento de combate à corrupção, para gáudio e fortalecimento da democracia. Pelos frutos até então colhidos, quando a Lei completa ao tempo desta 1ª. edição, seus dez primeiros anos de vigência, prenuncia-se não ser um ideal impossível de ser realizado, por maiores que são os obstáculos. E são muitos.3
Entretanto, apesar dessa consciência dos estudiosos sobre o tema, ainda
prescinde de muita publicidade para conscientização de que é ato de cidadania
participar e saber que o ralo por onde escoam verbas públicas que deveriam estar
sendo empregadas na saúde, educação, assistência social, segurança pública,
saneamento, transportes, desenvolvimento tecnológico e habitação, além de geração de
energia, para que o País não viva eternamente sob o pálio do “apagão” e da ameaça de 2SAMPAIO, José Adércio Leite. Probidade na era dos desencantos. Crise e propostas de restauração da
integridade dogmática da Lei 8.429/1992 – Improbidade Administrativa: 10 anos da Lei n. 8429/1992. Belo Horizonte: Del Rei, 2002, p.147-188.
3MEDEIROS,Sérgio Monteiro. Lei da Improbidade Administrativa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Juarez de Oliveira, 2003, p. 03-04.
17
colapso do sistema nacional de energia, pode gradativamente, ir sendo fechado. Mas é
preciso haver vontade e determinação.
É induvidoso que precisa haver um enfrentamento constante para que
essas questões que se nos apresentam, sejam vencidas, mas como dito no pensamento
de José Adércio, “é preciso começar ou não esmorecer”.4
Se todos nós nos mobilizarmos, fazendo com que através de ações
fiscalizadoras, exerçamos um controle externo efetivo e sem trégua de vigilância, tenho
a certeza de que os recursos que são saqueados da saúde pública, da educação, da
segurança, de obras sociais, do meio ambiente, da execução e serviços de obras
públicas, para contratação irregular de cabos eleitorais, de desapropriações de imóveis
a preços superfaturados e tantos outros, em pouco tempo serão estancados e teremos a
justiça social que almejamos.
Por isso tudo é que defendo um processo mais rápido para esse tipo de
prática, cuja matéria se situa na tutela extrapenal da moralidade administrativa, mas que
no ângulo que nos interessa nesse momento é a que se encontra na legislação esparsa
que trata da ação de improbidade administrativa.
Na verdade, as pessoas que por alguma razão ocupam ou ocuparam
cargo público de Procuradores dos Estados ou dos Municípios, como advogados
públicos vivenciam ou vivenciaram com mais clareza as situações abrangidas pela Lei
de Improbidade Administrativa e cada vez mais devem procurar se agarrar a esse
instituto como forma de passar a limpo esse universo contaminado pela falta de caráter
de pessoas que só pensam em fazer fortuna à custa do dinheiro do pobre e combalido
povo brasileiro.
4SAMPAIO, José Adércio Leite. Op cit., p. 147-188.
18
A Administração Pública, a nosso ver, é muito mais que o simples gerir e
zelar pela coisa pública, como pregam alguns Administradores, sem, no entanto, descer
na inteireza aos sentimentos norteadores que levam esse gerir e zelar na sua plenitude
em direção à coletividade e ao público, de uma forma geral.
Na verdade, o que alguns Administradores fazem é gerir e zelar pela coisa
pública no seu interesse particular, fazendo da Administração pública, na realidade, uma
atividade particular, para atendimento de suas próprias atribuições e ganâncias.
O que se tem observado com freqüência é que esses administradores
descompromissados com os verdadeiros ideais têm proliferado e são como “ervas
daninhas” que corroem e acabam com tudo, sendo capazes apenas de deixar dívidas e
mais dívidas para seus sucessores, embora preguem sempre respeito à lei.
A Lei de Responsabilidade Fiscal vem sendo deturpada, pois deveria estar
servindo ao legítimo interesse de atuar em defesa do Estado e da sociedade ao
contrário de se tornar uma bandeira nos discursos inflamados de alguns administradores
públicos.
Os contratos administrativos, as licitações públicas, enfim, as regras mais
rudimentares de acatamento aos preceitos legais são ignoradas, tudo sob o manto de
uma pretensa legalidade emergencial, previsível e que pode ser antevista com pelo
menos anos de antecedência, além de realizarem procedimentos licitatórios fictícios,
onde os participantes comparecem apenas para convalidar o processo inicial, que vai
ensejar para um deles uma declaração posterior de emergência. Tudo muito sofrível e
às escâncaras, na certeza da impunidade.
E todas essas coisas acontecem não por ausência de legislação
apropriada, pois nos últimos anos o Brasil tem se esmerado na edição de leis visando
coibir tais afrontosas e abusivas atitudes por parte desses “administradores”, podendo-
19
se citar, a título de exemplos, a Lei de Improbidade Administrativa e a Lei de
Responsabilidade Fiscal.
Mas, no entanto, essas pessoas que transitam nessa área acreditam
sempre na impunidade, assoberbando de trabalho o incansável órgão do Ministério
Público através de suas Promotorias de Direitos Difusos e Tutelas Coletivas,
desaguando no Poder Judiciário que, além das demandas dos cidadãos comuns, ainda
tem que se preocupar em examinar os processos promovidos pelas atitudes insidiosas
de tais “administradores”.
Poder-se-ia citar como exemplo mais recente de tal situação o caso da
Empresa Brasileira de Correios, que foi objeto de apuração pelo Congresso Nacional,
para desmontar um grande esquema de fraudes às licitações e ao que parece, tudo leva
a crer, embora ainda não tenham sido concluídas todas as investigações da policia
federal, se presume a existência de uma organização criminosa que foi constituída com
o firme propósito de se locupletar através dos recursos públicos.
20
CAPITULO 1 - ORIGEM HISTÓRICA DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Ao percorrer o caminho que nos leva a busca histórica da Lei de
Improbidade Administrativa, se faz necessário realçar que no respeitante a previsão
constitucional, nenhuma outra Constituição tratou com maior abrangência do tema como
se acha hoje tratado pela Carta Política em vigor.
Esse retroagir no tempo se faz preciso para que entendamos os esforços
feitos pela sociedade no sentido de extirpar essa doença que contamina as pessoas no
mais profundo de suas almas, atingindo o caráter e mudando a personalidade.
Não se tem poupado esforços com ferramentas legais, na área
administrativa e jurídica, assim é que a lei atual e que trata do tema, ora abordado, faz
do seu traço característico a concisão e a precisão matemática, como ordena em
obedecimento a normas constitucionais a exação pelos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Nos últimos tempos, melhor precisando, nestas últimas duas décadas, o
mote com relação à moralidade e a improbidade administrativa, vem sendo objeto de
cada vez mais freqüentes discussões sobre o tema, cujo enfrentamento se dá não só
porque está inserido no texto constitucional, mas também porque a sociedade está
acuada e sofrida com os atos dos agentes ímprobos que exercem funções
eminentemente públicas.
21
A partir dessas considerações é que traçaremos os aspectos da Lei de
Improbidade Administrativa e seus contornos históricos para se chegar até ela,
demonstrando que a administração pública não pode se deixar contaminar por vícios
que corrompem os seus princípios.
A Constituição Federal de 1946 já tratava do enriquecimento ilícito que é
uma das modalidades da improbidade administrativa e dispunha no seu art. 146, § 31, in
fine, o seguinte: “a lei disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de
enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de
emprego em entidade autárquica”.5
A Constituição de 1967, com as alterações introduzidas pelas Emendas
1/69 e 11/78, em seu art. 153 § 11, previa em sua parte final que “a lei disporá sobre o
perdimento de bens por danos causados ao erário ou no caso de enriquecimento ilícito
no exercício da função pública”.6
A Carta Política em vigor, desde 1988, procedeu a inovações ampliando o
conceito de improbidade administrativa, passando a sociedade a partir de então a contar
com mais um instrumento de combate à corrupção.
A legislação infraconstitucional produziu duas leis nessa área, anteriores a
lei 8.429/92, que são a Lei n. 3164/57 – Lei Pitombo-Godoi Ilhá e Lei 3.502/58 – Lei
Bilac Pinto, como se verá mais adiante.
Na busca da origem histórica da Lei Improbidade administrativa, de como
surgiu esse instituto, a nosso ver é preciso voltar no tempo, mais precisamente aos idos
de 09 de junho de 1948, quando o projeto de Lei de nº 23 veio dar origem à Lei nº.
1.079/50 (Crimes de Responsabilidade), e ali já constava o entendimento de que o
impeachment era uma instituição de direito constitucional que se revestia de uma 5BRASIL, Constituição Federal, 1.946, art. 146, § 31 in GARCIA, Emerson. Improbidade Administrativa.
2a. Ed. São Paulo: Lúmen Júris, 2004, p. 18. 6BRASIL, Constituição Federal de 1.967, art. 153, § 11 in GARCIA Emerson. Op. cit. pg.
22
característica eminentemente política e que o objetivo até histórico desse instituto era o
afastamento definitivo do titular da função pública que não revelava aptidões para o seu
exercício. 7
Naquela oportunidade foram exemplificados praticamente todos os casos
de impeachment conhecidos no mundo e no Brasil até aquela época, sempre com o
enfoque de que esse instituto nasceu para um julgamento político a ser realizado,
especialmente, pelo Senado.
A intenção era mesmo criar um processo político para a perda do cargo do
agente, e não um processo judicial. Observe-se, em especial, o seguinte trecho contido
na exposição de motivos que deu origem àquele texto legal:
Ao conjunto de providências e medidas que o constituem, dá-se o nome de processo, porque este é o termo genérico com que se designam os atos de acusação, defesa e julgamento, mas é, em última análise, um processo sui generis, que não se confunde e se não pode confundir com o processo judiciário, porque promana de outros fundamentos e visa outros fins. 8
No entanto, o que se observa é que a Lei nº. 1.079/50, não veio para criar
um processo judicial, mas um processo de natureza política. Tanto foi assim que o artigo
42 dispôs que: “Art. 42. A denúncia só poderá ser recebida se o denunciado não tiver,
por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo”.9
Não foi desse modo, estabelecida punição para agente público que já
tivesse deixado o cargo e até mesmo para os agentes que chegassem a ser
processados por crimes de responsabilidade, a Lei, em seu artigo 3º, ressalvou que
esse procedimento não excluiria o julgamento do acusado por crime comum, na justiça
ordinária, nos termos das leis de processo penal.
Em síntese, o entendimento era de que crime de responsabilidade, na
concepção daquela lei, ensejaria um julgamento político, que ficaria a cargo do Senado 7BRASIL. Lei nº 1.079 / 50. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 01.05.2006. 8Ibidem. Loc. cit. 9BRASIL. Lei nº 1.059 /50. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 01.05.2006.
23
Federal para o caso de Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do
Supremo Tribunal Federal ou Procurador Geral da República. Para Governadores de
Estados a competência foi reservada às Assembléias Legislativas.
Nascendo assim a Lei dos Crimes de Responsabilidade, com as premissas
de julgamento apenas de agente que estivesse no cargo, enfoque sobre a perda do
cargo e julgamento “político”, não interferindo ou excluindo processo judicial.
Mas os desmandos políticos, o abuso do exercício desse poder, com
reflexos diretos sobre a sociedade, que sempre suportou o pesado ônus decorrente do
mesmo, foram levando ao amadurecimento da idéia de que seria preciso se pensar
numa forma de punição mais eficaz para os crimes de improbidade administrativa e
então a legislação infraconstitucional, produziu as duas leis já anteriormente
mencionadas, nessa área, anteriores a lei 8.429/92, que são a Lei n. 3164/57 – Lei
Pitombo-Godoi Ilha e Lei 3.502/58 – Lei Bilac Pinto.
A Lei Federal Pitombo-Godoi Ilha (nº.3164/57) tinha o objetivo de
seqüestro dos bens de servidor público, adquiridos por influência ou abuso de cargo ou
função pública, ou de emprego em entidade autárquica, sem prejuízo da
responsabilidade criminal em que aquele tenha incorrido, além de legitimar o Ministério
Público e a qualquer do povo para a proposição das medidas judiciais cabíveis em face
do servidor público que usando do cargo tivesse enriquecido ilicitamente.
A outra, ou seja, a Lei Federal Bilac Pinto (nº. 3.502/58) regulava o
seqüestro e o perdimento de bens de servidor público da administração direta e indireta,
nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso de cargo ou função e
complementava a anterior com a indicação das hipóteses que configurariam o
enriquecimento ilícito.
24
As duas leis mencionadas, embora editadas visando o aperfeiçoamento
disciplinador da matéria, não tiveram grande aplicabilidade, pois se referiam tão
somente ao enriquecimento ilícito, sendo por isso mesmo de pouca incidência.
Não se pode, entretanto omitir que o Decreto Lei 201/67, também exerceu
e exerce papel de fundamental importância para coibição das práticas lesivas ao erário.
Ao tratar do assunto Waldo Fazzio Junior deixa consignado que: Os arts.
1º usque 3º do Decreto-Lei 201 tratam da responsabilidade penal do Prefeito pela
prática de crimes funcionais, suas conseqüências e respectivo processo. Na verdade,
são crimes próprios de prefeito, também denominados crimes de responsabilidade
impróprios ou funcionais.
Tratando-se de tais ilícitos penais, independentemente de autorização da
Câmara Municipal, o prefeito será julgado perante o Tribunal de Justiça do estado, nos
termos da Constituição Federal, art. 29, inciso X. O legislador reservou à Câmara de
Vereadores o julgamento do prefeito por infrações político-administrativas, isto é, os
tradicionalmente chamados crimes de responsabilidade; quanto aos crimes funcionais,
julga-os o Poder Judiciário.10
Quanto aos crimes funcionais previstos no Decreto-Lei nº. 201/67 Waldo
Fazzio Junior tece as seguintes considerações:
Reproduz-se o catálogo de crimes funcionais ou de responsabilidade
impróprio estampado no art. 1º do Decreto 201/67:
“I – apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito
próprio ou alheio:
II – utilizar-se indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens,
rendas ou serviços públicos:
10
FAZZIO JUINOR, Waldo – Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeito – Comentário Artigo por Artigo da Lei Nº. 8429/92 e DO DL 201/ 67, 3ª ed. São Paulo – Atlas, pg. 37.
25
III – desviar ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;
IV – empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer
natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam;
V – ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-las em
desacordo com as normas financeiras pertinentes;
VI – deixar de prestar contas anuais da administração financeira do
Município à Câmara dos Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar,
nos prazos e condições estabelecidas;
VII – deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da
aplicação dos recursos, empréstimos, subvenções ou auxílios internos ou externos,
recebidos a qualquer título;
VIII – contrair empréstimos, emitir apólices, ou obrigar o Município por
títulos de crédito, sem autorização da Câmara ou em desacordo com a lei;
IX – conceder empréstimos, auxílios ou subvenções sem autorização da
Câmara, em desacordo com a lei;
X – alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização
da Câmara, ou em desacordo com a lei;
XI – adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta
de preços, nos casos exigidos em lei;
XII – antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município,
sem vantagem para o erário;
XIII – nomear, admitir ou designar servidor, contra a expressa disposição
de lei;
26
XIV – negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de
cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à
autoridade competente;
XV – deixar de fornecer certidões de atos e contratos municipais dentro do
prazo estabelecido em lei.11
E prossegue aludindo que o elenco de crimes de responsabilidade de
prefeito e seu processamento constitui matéria regulada nos arts. 4º e 5° do Decreto-Lei
nº. 201/67, fazendo inclusive a indagação – Por que o Legislador utiliza a expressão
infrações político administrativas?
Certamente, intentando extremar as condutas em tela, daquelas
contempladas no art. 1º, o diploma legal deixa claro que não são crimes, no sentido
técnico jurídico, mas infrações de relevância política. Até por isso, não são atuações
suscetíveis de reprimenda penal e só serão levadas ao conhecimento jurisdicional, em
primeiro grau, via mandado de segurança, se inobservada a legalidade formal do
procedimento camarário, ou em segundo grau, se eventualmente, recurso houver para
aquela instância, de decisão do juízo monocrático, e, ainda assim, para examinar tão
somente a observância ou não da legalidade e dos direitos e garantias constitucionais,
são crimes de responsabilidade política perseguidos em processo político
administrativo). 12.
Decreto-Lei nº. 201/67: “Art. 4º São infrações político-administrativas dos
prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas
com a cassação do mandato:
I – impedir o funcionamento regular da Câmara;
11
FAZZIO, Waldo Junior, op. Cit. – pgs. 41/42.
27
II – impedir o exame de livros, folhas de pagamento e demais documentos
que devam constar dos arquivos da Prefeitura, bem como a verificação de obras e
serviços municipais, por comissão de investigação da Câmara ou auditoria,
regularmente instituída;
III – desatender, sem motivo justo, as convocações ou os pedidos de
informações da Câmara, quando feitos tempo e em forma regular;
IV – retardar a publicação ou deixar de publicar as leis e atos sujeitos a
essa formalidade;
V – deixar de apresentar à Câmara, no devido tempo, e em forma regular,
a proposta orçamentária;
VI – descumprir o orçamento aprovado para o exercício financeiro;
VII – praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência
ou omitir-se na sua prática;
VIII – omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou
interesses do Município, sujeitos à administração da Prefeitura;
IX – ausentar-se do Município, por tempo superior ao permitido, ou afastar-
se da Prefeitura, sem autorização da Câmara dos Vereadores;
X – proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do
cargo.”12
Ainda assim persistia a busca de um mecanismo capaz de pelo menos
obstaculizar a ação dos agentes ímprobos e continuou nessa maturação para se criar
um processo de natureza judicial para punição dos agentes públicos em geral, com
contornos bem diferentes, o que veio ocorrer mais adiante, ou seja, em 14 de agosto de
1991, com o advento da Exposição de Motivos nº. 0388, do então Ministro da Justiça
12
FAZZIO Junior , op. – pg. 42/ 43
28
Jarbas Passarinho, dirigida ao então Excelentíssimo Senhor Presidente da República
Fernando Collor, que foi acolhida e enviada pelo então Presidente da República ao
Congresso Nacional, através da Mensagem nº. 406, de 14 de agosto de 1991, que deu
origem ao que hoje se conhece como “Lei de Improbidade Administrativa”, nascendo a
Lei nº. 8.429/92. 13
Necessário registrar que o projeto original sofreu sensíveis modificações
no legislativo até a sua aprovação final.
É de se por em realce, que mesmo assim, o fato significou um grande
avanço, no Estado Democrático de Direito, pois é certo que a iniciativa partiu de um
Ministro de Estado, da Justiça, que propôs ao Presidente da República, que
encaminhou o projeto ao Congresso Nacional, e, posteriormente, os Senadores e
Deputados Federais que aprovaram um texto, no qual todos eles se sujeitavam a serem
julgados, em processo judicial comum, perante um juiz de primeira Instância, pelos “atos
de improbidade”.14
Na verdade foi um significativo avanço que se deu no momento em que
todas essas autoridades, quando redigiram ou aprovaram a nova lei, abrindo mão do
foro por prerrogativa de função para crimes comuns no Supremo Tribunal Federal, e
algumas delas para crimes de responsabilidade, também nesse mesmo Tribunal, pois
estavam agindo dentro dos limites do artigo 37, § 4º, da Constituição Federal, que não
fez qualquer distinção quanto aos atos de improbidade administrativa de agentes
políticos e dos outros agentes públicos (“comuns”).
Entretanto, se analisarmos o mencionado dispositivo constitucional, ao
tratar de atos de improbidade, nenhuma ligação ele fez dos mesmos, com a antiga
figura política dos crimes de responsabilidade.
13 BRASIL. Lei nº 8429/92. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 01.07.2006. 14 BRASIL. Lei nº. 8429/92. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 01.07.2006.
29
Por oportuno saliente-se que o artigo 102, inciso I, alíneas “b” e “c”, da
Constituição Federal também não estabeleceu qualquer prerrogativa por função aos
agentes políticos para serem julgados por atos de improbidade administrativa no
Supremo Tribunal Federal, mas a bem da verdade, se essa fosse a vontade dos
legisladores constituintes, poderiam muito bem tê-lo feito, quando da Assembléia
Nacional Constituinte de 1988, pois ali os Deputados e Senadores poderiam, mas não o
quiseram, ou melhor, o momento não lhes era propício, tendo deixado as prerrogativas
de função no Supremo Tribunal Federal apenas para os casos de crimes comuns e os
crimes de responsabilidade (Lei nº. 1.079/50). Nada mencionaram quanto aos “atos de
improbidade administrativa”, que nasciam com contexto próprio, no artigo 37, § 4º, da
mesma Constituição, e que, posteriormente, foram tratados, especificamente, na Lei nº.
8.429/92.
Acrescente-se a tudo isso, que também de forma semelhante aconteceu
com o artigo 105, inciso I, alínea “a”, da Carta Magna, que somente mencionou o foro
por prerrogativa de função para crimes comuns de governadores de Estado e outras
autoridades, não tendo sequer tratado do crime de responsabilidade para
Governadores, mas apenas para magistrados de tribunais de justiça e regionais e
tribunais de contas, além de membros do Ministério Público que oficiem perante
tribunais.
Nesse contexto, é preciso esclarecer que em nenhuma das dezenas de
emendas sofridas pela Constituição Federal foi aventada essa questão de modificar a
competência para o julgamento de atos de improbidade administrativa.
Pode-se, portanto afirmar, sem medo de errar, que não havia mesmo
razão para qualquer distinção, nem na Constituição, nem na Lei de Improbidade, entre
30
ato de improbidade administrativa cometido por agente político daquele cometido pelo
agente público comum.
Constava da própria Exposição de Motivos do Projeto que originou a Lei nº
8.429/92, que era preciso criar um procedimento legal adequado - o devido processo
legal. Não havia como não há a finalidade de criar uma nova lei para ser adaptada à
antiga de crimes de responsabilidade. As duas objetivavam fins próprios e deveriam
conviver absolutamente distintas.
Por outro angulo, a exposição de motivos da nova lei deixou consignado
que “todo agente público” deveria apresentar declaração de bens e valores, como
condição prévia indispensável à posse e ao exercício em cargo, emprego ou função
pública e ainda na mesma exposição foi mencionada a criação de procedimento
tendente a apurar os casos de enriquecimento ilícito, sem distinção entre agente político
e qualquer outro agente público. 15
E dessa maneira nasceu a Lei nº. 8.429/92 (Lei de Improbidade
Administrativa), bastante diferente da antiga Lei nº. 1.079/50 (Lei dos Crimes de
Responsabilidade), pois enquanto aquela primeira criava um processo político de
julgamento no Senado Federal e nas Assembléias Legislativas, a segunda criava, em
verdade, um procedimento judicial, de natureza cível, a tramitar na Justiça Comum ou
Federal de Primeira Instância, independente da autoridade envolvida, seguindo o rito
ordinário do Código de Processo Civil.
Os artigos 1º, 2º, 3º e 4º da nova Lei dão bem a demonstração de que
legislador em relação texto, quis de forma incisiva demonstrar que os atos de
improbidade administrativa, praticados por qualquer agente público, servidor ou não,
contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer nível de poder, de
15BRASIL. Lei nº 8429/92. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 01.07.2006.
31
empresa incorporada ao patrimônio público ou de cuja criação ou custeio o erário haja
concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receia
anual, teriam sua punição prevista na forma desta lei.
Sendo que para isso definiu agente público, como todo aquele que exerce,
ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,
designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato,
cargo, emprego ou função nas entidades que menciona no artigo 1º, da Lei 8. 429/92 .
Numa tentativa de aprimoramento observa-se uma preocupação da lei em
não distinguir a sua aplicação para o caso daquele que não sendo agente público,
também de igual forma pratica ou se beneficie dos atos de improbidade administrativa.
Traz fundamental observância quanto aos princípios constitucionais da
legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, pelos agentes públicos ou os a
eles equiparados, que em qualquer nível de hierarquia são obrigados no trato com a
coisa pública.
No nosso modesto entendimento a interpretação dessas disposições deve
ser feita observando o preceituado no artigo 2º, §§ 1º e 2º, da Lei de Introdução ao
Código Civil, verbis:
§1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule matéria de que tratava a lei anterior”. §2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.16
A conclusão em primeiro lugar, é que, com o advento da Lei nº. 8.429/92,
que é mais nova do que a Lei nº. 1.079/50, independentemente de nível ou hierarquia, o
agente público eleito ou não, político ou não, em cargo, emprego ou função, e até
mesmo aquele que não seja servidor público, todos passaram a se sujeitar ao novo
procedimento criado para apuração de atos de improbidade administrativa, perante juiz
16BRASIL. Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006, art. 2.
32
singular (de 1ª Instância); Não se pode aceitar simplesmente a mera alegação de que
todo ato de improbidade administrativa (conceito recente) é um crime de
responsabilidade (conceito da lei antiga) pois isso não condiz com a intenção do texto
que foi editado visando coibir abusos por parte desses agentes.
Com todo respeito a qualquer outro entendimento, não é a lei mais antiga
que prevalece sobre a nova, mas sim a nova que prevalece sobre a antiga, sendo certo
que elas vieram com características e finalidades absolutamente distintas com a
finalidade de assegurar a supremacia do interesse público e não o do particular.
De resto pode-se assegurar que abrangência da nova lei de improbidade
administrativa e a aplicação dos procedimentos nela previstos a todos os agentes
públicos, políticos ou não, servidores ou não, indistintamente, já é reconhecida pela
doutrina brasileira, sendo que de forma textual o STJ, com o voto do relator Min. Luiz
Fux Relator do REsp. nº. 416.329-RS, firmou entendimento de que a denominação de
‘agentes públicos’ refere-se genérica e indistintamente a todos os sujeitos que servem
ao Poder Público, considerando-se um ‘gênero’ do qual são espécies os agentes
políticos, administrativos, honoríficos e delegados, o que faz com que os sujeitos ativos
dos atos de improbidade administrativa não sejam apenas os servidores públicos, mas
também quaisquer outras pessoas que estejam de algum modo vinculadas ao Poder
Público.17
Daí que partindo dessa comprovação é que se torna viável chegar à
conclusão que o mesmo não acontece nos regimes ditatoriais e autocráticos, uma vez
que são idealizados e conduzidos sem a participação popular, ficando mais vulnerável e
propiciam por isso mesmo, um ambiente mais favorável aos altos índices de corrupção.
17BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP. nº. 416.329-RS. Relator Min, Luiz Fux. Disponível em:
www.stj.gov.br. Acesso em: 01.08.2006.
33
Assim é que se pode afirmar sem medo de errar que a fragilidade do
sistema democrático facilita a propagação da corrupção, pois se aproveita das
limitações dos instrumentos de controles, da inexistência de mecanismos capazes de
manter a administração vinculada à legalidade e imune a arbitrariedade do poder e da
constante supremacia dos detentores do poder ante ao anseio coletivo.
E, quando se trata do sistema brasileiro, a conclusão é lógica e não foge a
regra, eis que foi escravo durante séculos de tal situação, desde o início de sua
colonização.
34
CAPÍTULO 2 – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – MORALIDADE CORRUPÇÃO –
CONCEITO
Para que tenhamos uma visão sobre moralidade, improbidade e a
corrupção, preciso se torna situar o seu campo de ocorrência, ou seja, a administração
pública.
E quando se situa o seu campo de atuação na administração pública,
nunca é demais lembrar a clássica concepção de Hely Lopes Meirelles, ao definir
administração pública quando afirmou que esta “em sentido material é o conjunto de
funções necessárias aos serviços públicos em geral (...)”, e, em sentido formal, é o
conjunto de órgãos instituídos para a consecução dos objetivos do Governo (...).” 18
Portanto, é de se entender que o art. 37 da Carta Constitucional vigente,
estabeleceu que a administração pública deve estar fincada sob esses dois alicerces,
que é o organizacional (formal) e o funcional (material), em estrito obedecimento aos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência entre
outros.
18MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 16ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1991. p. 67-71.
35
2.1 - CONCEITOS DE MORALIDADE ADMINISTRATIVA E MORALIDADE SOCIAL
A moralidade administrativa é a base que sustenta a administração pública
e está disposta no art. 37, caput da Constituição Federal, ou seja, é agir e atuar de
acordo com os princípios constitucionais e está intimamente ligada ao exercício das
ações executadas pelos agentes públicos.
O professor e magistrado José Arthur Diniz Borges ao tratar da moralidade
administrativa19, reporta-se àquilo que diz respeito à ética, traduzindo probidade com a
finalidade de impessoalidade.
É o que diz respeito à ética, lealdade, honestidade, probidade com a coisa
pública, a atuação do administrador segundo padrões éticos de probidade decoro e boa-
fé e classifica a moral como o conceito mais amplo do direito, pois a moralidade para o
direito administrativo passou a ser regra de direito = norma jurídica para todos que
desempenham funções administrativas.20
Como se vê, a lição ministrada nos dá bem a mostra da importância da
moralidade administrativa que tem que estar atrelada aos atos administrativos do
Administrador Público bem intencionado, voltado para a ética, leal, honesto e probo no
trato da coisa pública.
Daí que, em sua conduta, o administrador público não pode sob qualquer
hipótese, até mesmo abrigando-se no manto de uma pretensa discricionariedade,
dispensar a ética, pois tem também que distinguir o honesto do desonesto, averiguando
os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações.
O sempre festejado administrativista José dos Santos Carvalho Filho alude
ao tema em sua obra Manual de Direito Administrativo deixando consignado que o “art.
37 da Constituição Federal também a ele se referia expressamente, e pode-se dizer, 19BORGES, José Arthur Diniz. Direito Administrativo Sistematizado e sua Interdependência com o Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2002, p.85. 20Ibidem, loc. cit.
36
sem receio de errar, que foi bem aceito no seio da coletividade, já sufocada pela
obrigação de ter assistido aos desmandos de maus administradores, freqüentemente na
busca de seus próprios interesses ou de interesses inconfessáveis, relegando para
último plano os preceitos morais de que não deveriam se afastar.21
Para Maurice Hauriou, a moralidade pública é o conjunto de regras de
conduta tiradas da disciplina interior da administração. 22
Nesse particular cabe, no entanto, a ponderação de que sendo o
administrador uma pessoa humana, deve através de sua formação ética procurar
distinguir se determinada ação poderá alcançar o fim único a que ele está obrigado.
A verdade é que a moralidade administrativa afeta diretamente a vida da
Administração e compromete o desenrolar de sua atividade, tornando-a sem
credibilidade perante os administrados.
A observância aos princípios que regem a administração pública se faz
presente na Lei n° 8.429, de 02/06/92, que caracteriza os atos de improbidade
administrativa e prevê os casos de falta de probidade na Administração, estabelecendo
as conseqüentes sanções aplicáveis a agentes públicos e a terceiros, quando forem
apontados como responsáveis por esse tipo de conduta incompatível e ilegítima,
chegando mesmo à suspensão dos direitos políticos, à perda da função pública, à
indisponibilidade dos bens e ao ressarcimento ao erário, tudo isso sem prejuízo da Ação
Penal cabível. É de se pôr em realce que tal diploma legal regulamenta o art. 37, § 4°,
da CF.
21CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual do Direito Administrativo. 9ª ed. Rio de Janeiro: Lumen
Júris, 2002, p. 15. 22Ibidem, loc. cit.
37
2.2 - A MORALIDADE SOCIAL.
A outra moralidade é a social, que é aquele conjunto de regras que são
instituídas através de valores com a finalidade de conduzir as ações humanas e
delimitá-las para assegurar a paz social.
E, é aí que surge o direito como assegurador de fazer valer essas regras
de convivência social.
São as regras de costume e de moral que regem a convivência pacifica
entre os cidadãos.
A moralidade social está ligada à vida em sociedade, convivência entre os
cidadãos.
Segundo Denis Coutinho Silveira, “(...)23 a justiça é a base da sociedade;
sua aplicação assegura a ordem na comunidade social, por ser o meio de determinar o
que é justo.”24
2.3 - CONCEITO DE CORRUPÇÃO
CORRUPÇÃO indica a idéia de destruição, de degeneração e em se
tratando de esfera estatal, se caracteriza pelo uso ou a omissão, pelo agente público, do
poder que a lei lhe outorgou em busca de uma vantagem indevida para si ou para
terceiros, deixando para segundo plano os legítimos fins contemplados pela norma.
Temos como elementos característicos da corrupção o desvio de poder e o
enriquecimento ilícito e pode-se dizer que a improbidade e a corrupção relacionam-se
entre si como gênero e espécie, sendo que esta é absorvida por aquela, sendo certo,
que suas causas e seus efeitos devastadores são produzidos por seu alastramento na
engrenagem administrativa estatal. 23SILVEIRA, Denis Coutinho. Os Sentidos da Justiça em Aristóteles. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p.
122. 24CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., loc. cit.
38
Nos regimes democráticos, que permitem a ascensão do povo ao poder com
a constante renovação dos dirigentes máximos existe a possibilidade de uma maior
vigilância quanto ao comportamento daqueles que exercem ou pretendem exercer a
representação popular, bem como de todos os demais fatos que são de interesse
público.
Necessário consignar que a corrupção algumas das vezes permite trilhar
pelo caminho mais rápido de acesso ao poder, entretanto, traz consigo o venenoso
efeito de promove a instabilidade política, uma vez que as instituições não estarão
alicerçadas em concepções ideológicas, mas sim no dinheiro advindo do poder
econômico que a sustentou para alcançar a meta que foi traçada.
É de se observar que o comportamento dos gestores públicos,
especialmente os que ascenderam ao poder por meio de um mandato político
normalmente é resultado das alianças que precederam a própria investidura do agente,
trazendo com isso, não raras vezes, o comprometimento da administração pública que
lhe foi confiada.
Na maioria das vezes o êxito político não está só ligado ao desempenho
vitorioso de um candidato, mas também é reflexo do poder econômico, sendo que tais
receitas se originam tanto de financiamentos diretos e indiretos, de natureza pública ou
privada.
O povo brasileiro assiste embora entristecido, mas por outro lado, com a
esperança que os últimos acontecimentos que tomaram conta do país no mundo
político, possam vir a servir de estímulos para mudanças que nos levem a encontrar
soluções para os velhos problemas.
A corrupção no sentido estrito é a conduta de autoridade que exerce o
poder de modo indevido, em benefício de interesse privado, em troca de uma retribuição
39
de ordem material, segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, citado por André Carvalho
Ramos.25
Ainda André Carvalho Ramos, cita a clássica definição de BOBBIO,
MATTEUCCI e PASQUINO, que afirmam ser a corrupção “uma forma particular de
exercer influência ilícita, ilegal e ilegítima, sobre os negócios públicos, para proveito
próprio ou alheio, diferenciando três espécies de corrupção: o suborno, definido como o
uso de retribuição ilícita para realização ou omissão de ato de ofício; o nepotismo
definido como a concessão de emprego ou favor por vínculo familiar ou por amizade, em
detrimento do mérito; e finalmente o peculato, entendido como o desvio ou apropriação
da coisa pública para proveito ilegal de particulares”.26
E, prossegue ainda, citando que segundo Carmem Lúcia Antunes Rocha:
A corrupção sistêmica é formada pela conjunção dos seguintes fatores: -- “a existência de concentração de poder em um único agente público; -- multiplicidade de órgãos competentes para execução de tarefas, sem determinação precisa de responsabilidades; -- ausência de sistemas eficientes de controle dos gastos públicos, bem como a falta de publicidade e transparência de tais gastos; -- finalmente: a impunidade tanto dos corrompidos como dos corruptores;27
Além do sentido etimológico, existem dois sentidos para o termo
“corrupção”, um restrito e outro amplo, que se confunde com a improbidade
administrativa.
Segundo ainda André de Carvalho Ramos, na obra anteriormente
mencionada, “O sentido amplo já citado de corrupção é o da corrupção sistêmica, que,
como bem assinala Flávia Schilling, consiste em uma troca clandestina entre a
administração pública e o mercado econômico social, de modo a formar uma espúria
25FERREIRA FILHO, Manoel dos Santos apud RAMOS, André Carvalho. O combate internacional à
corrupção e da Improbidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 03-04. 26RAMOS, André Carvalho, Op. cit., loc. cit. 27ROCHA, Carmem Lúcia Antunes apud RAMOS, André Tavares. Op. cit., loc. cit.
40
troca de favores, com o uso do poder decisório do cargo público para favorecimento de
setores econômicos ou políticos privilegiados”.28
Consigna que os elementos característicos da corrupção são: o desvio de
poder e o enriquecimento ilícito.
Improbidade e corrupção relacionam-se entre si como gênero e espécie
sendo esta absorvida por aquela.
Assim é que desse sentido amplo surge o conceito de improbidade
administrativa, que além de abarcar os casos de corrupção em sentido estrito, prescinde
do prejuízo patrimonial do Estado, englobando os atos atentatórios aos princípios
básicos da administração pública, como o da publicidade, impessoalidade, legalidade e
eficiência. Ou seja, pode um ato ser considerado ato de improbidade ao determinar
despesa supérflua.
2.4 - CONCEITO DE IMPROBIDADE:
Para Hely Lopes Meireles
[...] o velho e esquecido conceito romano do probus e do improbus administrator está presente na nossa legislação administrativa, como na nossa Constituição da República, que pune a improbidade na administração com sanções políticas, administrativas e penais [...].29
O conceito de improbidade é muito mais amplo do que se prender a idéia
apenas do ato lesivo ou ilegal, significa falta de probidade, desonestidade, pratica de
atos contrário a honra, imoral e que é o contrário de probo, honesto, honrado, que não
observa os preceitos morais.
Para João Batista de Almeida, Improbidade significa desonestidade,
infringência ao princípio da moralidade administrativa, com enriquecimento ilícito do
28RAMOS, André Carvalho. Op. cit., p. 04. 29MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit.. p. 67-71.
41
agente, dano ao erário ou ofensa aos princípios constitucionais da administração pública
e as normas legais.30
Por isso, quando se chama alguém de ímprobo, se está dizendo que
aquele cidadão agiu com falta de probidade, desonestidade, praticou atos contrários à
honra e imoral, no exercício de cargo, função, mandato ou emprego público, que
inobservou os princípios constitucional-administrativos da legalidade, da
impessoalidade, da publicidade, da moralidade e da eficiência, que desvirtuou a
finalidade do desempenho da função pública, usando de má-fé:
[...] não é chaga recente. Sempre foi nociva rotina parasitando a Administração Pública. Embora as funções e cargos oficiais sejam bens de domínio público que não podem ser expostos à negociação, há muitos agentes públicos, entre os quais maus prefeitos, que fazem de seu ofício o balcão onde vendem por vias travessas aquilo que deve ser consagrado ao interesse público.31
O artigo de Carlos Heitor Cony, intitulado “O irmão de Ali Babá”
citado por Sérgio Monteiro Medeiros, aborda o assunto demonstrando que a certeza da
impunidade e o tráfico de influência, são sem dúvida a razão mais forte de uma
corrupção sem limites que se vê por esse país. Alguns agentes públicos ou a eles
equiparados para os efeitos da lei Improbidade teimam na prática de atos lesivos ao
patrimônio público que repercute no campo social com devastador efeito capaz de tornar
esse tipo de agente abastado e a sociedade mais empobrecida.32
Praticam suas condutas ilícitas tanto de forma comissiva, como
omissiva, sendo que no primeiro caso ele comete o ilícito e na segundo ele se omite e
permite com sua omissão que a ilicitude seja praticada, nada fazendo para impedi-la, ou
tendo conhecimento dela se omite e não denuncia.
30
ALMEIDA, João Batista de, Adequação da Ação e Combate À Improbidade Administrativa, Improbidade Administrativa 10 anos da Lei N. 8.429/92, Belo Horizonte, Del Rey, 2002, pág. 132. 31 MEDEIROS Sérgio Monteiro. Lei de Improbidade Administrativa – Comentários e Anotações Jurisprudenciais. 1ª ed. Rio de Janeiro; Juarez de Oliveira, 2003 pág. 15/16. 32 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Comentário Artigo por Artigo da Lei nº. 8429/92 e do DL 201/67. 3 ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2001, p. 51.
42
Os atos de improbidade administrativa são cada vez mais evidentes nos
dias atuais e a sua prática pelos administradores públicos tem sido cada vez e mais
freqüentes, mas o cidadão comum, por desinteresse ou desconhecimento, não se dá
conta de que a sociedade é a grande vítima de todos esses delitos, que são praticados
sem que esses agentes transgressores da lei recebam as correspondentes punições.
A improbidade administrativa é um câncer social que corrói os alicerces da
máquina administrativa de nosso país.
Os atos que caracterizam a improbidade administrativa são os que
importam em enriquecimento ilícito, no recebimento de qualquer vantagem econômica,
direta ou indireta, em superfaturamento, em lesão aos cofres públicos, pela prática de
qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa, que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.
É preciso ter em mente que o conceito de improbidade administrativa não
se restringe ao ato lesivo ou ilegal em si. É muito mais que isso, é o contrário de
probidade, que significa qualidade de probo, integridade de caráter, honradez. Daí,
improbidade é o mesmo que desonestidade, mau caráter, falta de probidade.
A disposição do caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988 tem uma
maior amplitude, pois abrange os agentes públicos de uma maneira geral, tanto os que
exercem a atividade pública como agente administrativo (servidor público stricto sensu),
como aquele que atua como agente político (servidor público lato sensu), que são os
que se encontram no desempenho de mandato eletivo).
Por disposição expressa no mencionado artigo, a transgressão, a violação
a qualquer dos princípios elencados em seu texto, advém para o violador punição, tanto
43
administrativa, como política através das sanções insertas na Lei 8.429/92 – Lei de
Improbidade Administrativa.
Pela Emenda Constitucional nº. 19, de 04 de junho de 1998, o art. 37 da
Constituição Federal recebeu nova redação, que dispôs os fundamentos para
elaboração do art. 11 da Lei nº. 8.429/92, incluindo entre os princípios constitucionais o
da eficiência.
44
CAPITULO 3 - A LEI Nº 8.429/92 E OS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
QUE TIPIFICAM A CONDUTA DO AGENTE SUAS SANÇÕES
A Lei nº 8.429/92 trata das práticas de improbidade administrativa,
especialmente nos seus arts. 9, l0 e 11, que caracterizam as condutas que tipificam os
atos de improbidade administrativa como veremos a seguir, entretanto, o faz de forma
genérica, o que abre, induvidosamente, lacunas para várias interpretações sobre quais
atos seriam ou não ímprobos, o que remete ao judiciário a função de interpretar a lei de
forma concisa para cada caso concreto.
O art. 9º trata do que constitui enriquecimento ilícito de agente público,
obtido pelo uso indevido de mandato, função, emprego ou atividades que de qualquer
forma recebam dinheiro público e o responsável pelo ato de improbidade administrativa
capitulado neste artigo, se sujeita à perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente
ao seu patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando este se verificar, perda da
função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa
civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o
Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio
majoritário, pelo prazo de dez anos.
45
No art. 10, o agente poderá ser apenado com o ressarcimento integral do
dano, perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função
pública e suspensão dos direitos políticos (cinco a oito anos), pagamento de multa civil
(até duas vezes o valor do dano) e proibição de contratar com o Poder Público (cinco
anos).33
Como feixe no art. 11, encontramos os atos atentatórios aos Princípios da
Administração Pública que são apenados da seguinte forma: - ressarcimento integral do
dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos,
pagamento de multa civil até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente
e proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de três anos.34
Constata-se, sem que se faça uma análise mais minuciosa do art. 12, que
as sanções cominadas para a prática dos diversos atos de improbidade se apresentam
muito similares, encontrando apenas as variantes quanto ao modo de apenar o agente
ímprobo. 35
3.1 - NATUREZA JURÍDICA DAS SANÇÕES:
Embora o tema abordado não se prenda à discussão da natureza jurídica
das sanções constantes na Lei de Improbidade Administrativa, é feito esse registro
porque ele se identifica com a proposição no sentido de se saber que a sociedade
vitimada pelos atos de improbidade administrativa, terá a garantia de que o resultado
será sempre em seu benefício e com reflexos punitivos para o agente ímprobo.
33BRASIL.LEI nº 8429, de 2 de junho de 1992. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em:
01.07.2006. 34Ibidem. 35Ibidem.
46
Aqui se trata de que uma vez identificado o bem jurídico a ser tutelado e
indicada a norma jurídica que veda a conduta do agente, seja então, indicada a norma
punitiva para o infrator.
Não há dúvida que essa punição, pena ou sanção representa o resultado
que se mostra como um instrumento de aplicação do direito,
Segundo Emerson Garcia:
Sob o prisma ôntico, não há distinção entre as sanções cominadas nos diferentes ramos do direito, quer tenham natureza penal, civil ou administrativa, pois, em essência, todas visam a recompor, coibir ou prevenir um padrão de conduta violado, por sua vez, sob o ponto de vista axiológico, as sanções apresentarão diferentes dosimetrias conforme a natureza da norma violada e a importância do interesse tutelado, distinguuindo-se igualmente, conforme a forma, os critérios, as garantias e os responsáveis pela sua aplicação.36
Podemos observar que no nosso direito positivo existem sanções que são
aplicadas a determinados ramos do direito. Toma-se como exemplo o cerceamento da
liberdade do cidadão que é sanção de natureza penal como se vê do art. 5º, inciso XLVI
da Carta Constitucional de 1988, porém é possível ainda, de ser utilizada como sanção
contra o depositário infiel e o inadimplente do débito alimentar, com previsão no art. 5º,
inc. LXVII, da Constituição Federal e, do mesmo modo, como sanção disciplinar em
relação aos militares, não podendo ser afastado nem mesmo com utilização do habeas
corpus (art. 142 § 2º. da Constituição Federal).
Poder-se-iam citar outros exemplos como a infração aos deveres inerentes
funções acarretando a perda da função pública, sanção de natureza civil (art. 37 § 4º da
CF/88), administrativa (art.41, § 1º, incs. I, III da CF/88) ou penal (art. 5º, inc. XLVI, da
CF/88).
Também poderíamos citar como uma sanção penal (art. 15, inc. III da
CF/88) ou de uma sanção política (art. 85 da CF/88 e Lei nº. 10.079/50).
36GARCIA, Emerson. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p.18.
47
Contudo o que nos interessa mesmo é a que diz respeito a improbidade
administrativa, ou seja, as sanções disciplinada pela Lei 8.429/92, que serão aplicadas
por um órgão jurisdicional, com abstração de conotação de natureza hierárquica, o que
afasta a possibilidade de sua caracterização como sanção disciplinar-administrativa.
Há doutrinadores que à luz do direito posto, como Emerson Garcia, que
defendem que a natureza jurídica da sanção é civil, fundamentando esse
posicionamento no art. 37, § 4, in fine, da Constituição Federal de 1988, que estabelece
as sanções para os atos de improbidade administrativa e prevê que as mesmas sejam
aplicadas de acordo com a gradação prevista em lei e sem prejuízo da ação penal
cabível; - regulamenta esse dispositivo, a disposição contida no art. 12, da Lei de
Improbidade dispõe que as sanções serão aplicadas independentemente de outras de
natureza penal; - as condutas ilícitas elencadas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92,
ante o emprego do vocábulo “notadamente”, o que apresenta total incompatibilidade
com o princípio da estrita legalidade que rege a área penal, segundo o qual a norma
incriminadora deverá conter expressa previsão da conduta criminosa; a exigência
expressa de caracterização da conduta como infração penal; a utilização da palavra
pena no art. 12, não tem condão alterar a essências dos institutos, quando no caso a
similitude com o direito penal é meramente semântica. 37
Ao se posicionar de tal forma, com o que concordamos, Emerson Garcia
conclui que se trata de natureza cível, extrapenal, alicerçando sua concepção nos
seguintes fatores: a) o art. 37, § 4º, in fine, da Constituição, estabelece sanções para os
atos de improbidade e prevê que estas serão aplicadas de acordo com a gradação
prevista em lei “sem prejuízo da ação penal cabível”; b) regulamentando esse dispositivo
constitucional, dispõe o art. 12, caput, da Lei nº.8.429/92 que as sanções serão
37
Idem.
48
aplicadas independentemente de outras de natureza penal; c) as condutas ilícitas
elencadas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade, ante o emprego do vocábulo
“notadamente”, tem caráter meramente enunciativo, o que representa total
incompatibilidade com o princípio da estrita legalidade que rege a seara penal, segundo
a qual a norma incriminadora deve conter expressa e prévia descrição da conduta
criminosa; d) o processo criminal atinge de forma mais incisiva o status dignitatis do
indivíduo o que exige expressa caracterização da conduta como infração penal, sendo
relevante frisar que ela produzirá variados efeitos secundários; e) a utilização do
vocábulo “pena” no art. 12 da Lei nº. 8429/92 não tem o condão de alterar a essência
dos institutos, máxime quando a similitude com o direito penal é meramente semântica;
f) a referência a “inquérito policial” constante do art. 22 da Lei nº. 8.429/92 também não
permite a vinculação dos ilícitos previstos neste diploma legal à esfera penal, já que o
mesmo dispositivo estabelece a possibilidade de o Ministério Público requisitar a
instauração de processo administrativo e não exclui a utilização do inquérito civil público
previsto na Lei nº. 7.347/85, o que demonstra que cada qual será utilizado em
conformidade com a ótica de análise do ilícito e possibilitará a colheita de provas para a
aplicação de distintas sanções ao agente; g) a aplicação das sanções elencadas no art.
12 da Lei de Improbidade pressupõe o ajuizamento de ação civil (art. 18) , possuindo
legitimidade ativa ad causam o Ministério Público e o ente ao qual esteja vinculado o
agente público, enquanto que as sanções penais são aplicadas em ações de igual
natureza, tendo legitimidade, salvo as exceções constitucionais, unicamente o Ministério
Público.38
38
Ibidem.
49
3.2 - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Dando continuidade ao tema abordado cumpre agora tecer alguns
comentários em torno dos demais princípios administrativos expressos a que todo o
administrador público tem o poder/dever de observar no desempenho da função pública,
pois representam os pilares de sustentação que norteiam o seu modo de agir na
condução da coisa pública.
A nossa Carta Magna preconiza de forma expressa que o Administrador
Público deve observar os princípios da legalidade, da impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência.
Tratando-se de administração pública, no caso específico o Direito
Administrativo, além daqueles que defluem do sistema, teve o constituinte a
preocupação de apontar aqueles que deveriam obrigatoriamente ser observados pelos
agentes públicos.
Assim, o Estado Constitucional Democrático de Direito é o que o Estado
exerce sua função através do direito, estabelece os limites do poder através de uma lei
superior.
Os princípios são de fundamental importância na atuação administrativa,
segundo o administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica não somente a ofensa a específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comando. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme escalão do princípio atingido, de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, ao ofende-lo, abatem-se as vigas q eu sustém e alui-se toda a estrutura neles esforçada.39
Contudo a violação não se dá somente com relação aos Princípios
Constitucionais expressos, mas também quando se viola os chamados princípios
39MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17º Ed. São Paulo: Malheiros,
2004, p. 842.
50
implícitos, pois eles igualmente são revestidos de carga atributiva, axiológica e
vinculativa.
3.2.1 - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Quanto ao princípio da Legalidade, pode-se constatar que o mesmo se
encontra expresso no art. 5º, II, da Carta Constitucional vigente, quando preceitua que
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei”.40
Mas, para o estudo com referência a Administração Pública, a legalidade
tem contornos característicos, pois a atuação está dependente do que a lei dispõe,
sendo permitido que o administrador público fique restrito a realização de suas condutas
quando tiverem elas previsão legal.
Pelo princípio da legalidade buscou o legislador constitucional deixar de
forma induvidosa o registro de que essa deve ser uma “diretriz básica da conduta da
administração”, que não se pode em hipótese alguma conceber qualquer atividade
administrativa sem autorização legal, o que será caracterizada como ilícita, caso venha
a ocorrer.
Nesse aspecto, o escólio de José dos Santos Carvalho Filho
[...] tal postulado, consagrado, após séculos de evolução política, tem por origem mais próxima a criação do Estado de Direito, ou seja, do Estado que deve respeitar as próprias leis que edita, implica subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas. 41
Retrata de forma bem precisa o princípio numa clássica e feliz
comparação, para Hely Lopes Meirelles “enquanto os indivíduos no campo privado
40BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2006, art. 5º. 41CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 14.
51
podem fazer tudo o que a lei não veda, o administrador público só pode atuar onde a lei
autoriza.”42
O verdadeiro administrador público tem que andar passo a passo dentro
da lei, pois só assim estará gerindo e zelando pela coisa pública em benefício de toda
uma coletividade, no verdadeiro Estado de Direito, que edita as leis e as respeita,
cumprindo-as e fazendo cumpri-las de forma impessoal, dispensando aos
administrados, tratamento igual quando se encontram em idêntica situação jurídica.
3.2.2 - PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE
Quando se faz referência ao princípio da Impessoalidade, o texto
constitucional buscou de forma inequívoca deixar consignado que é obrigação do
administrador público voltar-se exclusivamente para o interesse público e não para o
privado, proibindo terminantemente favorecimentos e apadrinhamentos a pessoas, em
prejuízo de outras.
A finalidade desse princípio sempre alardeado pelos doutrinadores
pátrios sobre a matéria é que a Administração Pública tem que ter como objetivo único o
interesse público e que isso não pode ser alcançado se for perseguido interesse próprio
ou particular, porque nesse caso deixa-se de lado a impessoalidade para o cometimento
de atitude claramente discriminatória.
Como remate, preciosos são os ensinamentos do já citado e festejado
administrativista José dos Santos Carvalho Filho sobre o assunto que se posiciona no
sentido de que “Não se pode deixar de fora a relação que a finalidade da conduta
administrativa tem com a lei, uma atividade e um fim supõem uma norma que lhe
estabeleça, entre ambos, o nexo necessário.”43
42MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 86. 43CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 15.
52
Como a lei em si mesma deve respeitar a isonomia (art. 5°, caput e inciso I
da CF/88), a função administrativa nela baseada também deverá fazê-lo, sob pena de
ocorrer desvio de finalidade, que ocorre quando o administrador se afasta do escopo
que lhe deve nortear o comportamento - o interesse público.
Existem administradores públicos que sob o manto da discricionariedade
de seus atos afrontam constantemente o princípio da impessoalidade e nem por isso
são de qualquer forma questionados, talvez até por acomodação de algumas pessoas e
outras por desconhecimento de seus direitos decorrentes da cidadania.
Exemplos freqüentes e gritantes se encontram quando o administrador
constrói com dinheiro público bens imóveis para serem explorados por particulares, sem
qualquer critério, e os direciona para os seus eleitos, seus apadrinhados, inobservando
o competente processo licitatório, não permitindo assim, que outros em condições iguais
tenham o mesmo acesso. Tal hipótese configura desvio de finalidade já que o interesse
público está sendo desumanamente “deturpado” para servir a particulares. Nesse
momento é que os avanços em nossa legislação permitiram maior mobilidade a diligente
e digna instituição do Ministério Público, que por seus representantes estão sempre
intervindo, visando restabelecer o Estado Democrático de Direito e garantir à
coletividade a defesa e a preservação de suas garantias fundamentais.
É bem verdade que muitos desses administradores descompromissados
com o interesse público, entendem essa intervenção legal e legítima do MP, como uma
forma de tutelar os seus atos, o que não condiz com a realidade, pois senão, teríamos o
caos total, com a sociedade desprotegida e a mercê dos atos de favorecimentos
pessoais desses Governantes.
53
3.2.3 - PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA
Ao tratar da moralidade administrativa, segundo José Arthur Diniz Borges
nos ensinamentos ministrados em sua obra Direito Administrativo Sistematizado e sua
Interdependência com o Direito Constitucional, pág. 85, “Moralidade (CF art. 5°, LXXIII
c/c 37 caput) - (Probidade), (Finalidade), (Impessoalidade). É aquele que diz respeito à
ética, lealdade, honestidade, probidade com a coisa pública; Atuação do Administrador
segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé”; “[(Moral: conceito mais amplo
do que Direito (no campo do Direito Privado)]. (Hoje diante do caput do art. 37 da
CF/1988, a moralidade para o Direito Administrativo passou a ser regra de direito =
norma jurídica para todos que desempenham funções administrativas).”44
Como se vê, nos dá bem a mostra da importância desse inafastável
princípio da moralidade que tem que estar atrelado aos atos administrativos do
Administrador Público bem intencionado, voltado para a ética, leal, honesto e probo no
trato da coisa pública.
Daí que, em sua conduta, o administrador público não pode sob qualquer
hipótese, até mesmo abrigando-se no manto de uma pretensa discricionariedade,
dispensar a ética, pois tem também que distinguir o honesto do desonesto, averiguando
os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações.
O sempre festejado administrativista José dos Santos Carvalho Filho alude
ao tema em sua obra Manual de Direito Administrativo deixando consignado que:
O art. 37 da Constituição Federal também a ele se referia expressamente, e pode-se dizer, sem receio de errar, que foi bem aceito no seio da coletividade, já sufocada pela obrigação de ter assistido aos desmandos de maus administradores, freqüentemente na busca de seus próprios interesses ou de interesses inconfessáveis, relegando para último plano os preceitos morais de que não deveriam se afastar.45
44BORGES, José Arthur Diniz. Op. cit., p. 85. 45CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 15.
54
Por oportuno consignar, que essas espécies do gênero são realidades,
pois basta que se faça um mínimo de esforço, para que sejam tais seres maléficos para
a sociedade, visualizados e corporificados em nossas mentes, tudo a mercê dos
estragos constantes que produzem ou produziram em suas passagens nefastas e
imorais pela vida pública, para quem a transgressão dos preceitos morais justificam os
fins por eles objetivados.
É preciso que se tenha em mente que para combater essa transgressão
existem dispositivos legais colocados à disposição da sociedade, pois sem margem a
erros a ausência deliberada da moralidade administrativa afeta diretamente a vida da
Administração e compromete o desenrolar de sua atividade, tornando-a sem
credibilidade perante os administrados. Tais dispositivos se fazem presentes na Lei n°
8.429, de 02/06/92, que caracteriza os atos de improbidade administrativa e prevê os
casos de falta de probidade na Administração, estabelecendo as conseqüentes sanções
aplicáveis a agentes públicos e a terceiros, quando forem apontados como responsáveis
por esse tipo de conduta incompatível e ilegítima, chegando mesmo à suspensão dos
direitos políticos, à perda da função pública, à indisponibilidade dos bens e ao
ressarcimento ao erário, tudo isso sem prejuízo da Ação Penal cabível. É de se pôr em
realce que tal dispositivo legal regulamenta o art. 37, § 4°, da CF.
Do mesmo modo, importante como instrumento relevante de tutela
jurisdicional, podemos citar a Ação Popular, art. 5 °, LXXIII da CF, que anteriormente só
se prestava a tutelar o patrimônio público econômico e passou, também, a tutela de
enorme importância para a sociedade, como o meio ambiente, o patrimônio histórico e
cultural e a moralidade administrativa. A Ação Popular encontra-se regulamentada pela
Lei n° 4.717, de 29/06/65, e através dela o cidadão comum, qualquer deles, num
55
verdadeiro Estado Democrático de Direito, pode deduzir a pretensão de anular atos do
Poder público contaminado de imoralidade administrativa.
Como remate temos ainda a Ação Civil Pública evidenciada no art. 129, III,
da CF, que se inclui como missão institucional do Ministério Público, embora tanto a
ação principal, como a cautelar poderão serem propostas pela União, pelos Estados,
Municípios e ainda estão legitimadas as autarquias, empresas públicas, fundação,
sociedade de economia mista ou associação que esteja constituída há pelo menos um
ano nos termos da lei civil.
Visa a ação civil pública a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à
ordem econômica, à livre concorrência, ou a defesa do patrimônio artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico.
Tanto os legitimados como o Poder Público, têm a faculdade de intervir no
processo como litisconsortes de quaisquer das partes, conforme se depreende do art.
5º. § 2º da Lei 7.347/85.
Pode-se, no entanto concluir que a intervenção do órgão ministerial é
obrigatória, pois se não intervier como parte, atuará por força da lei como fiscal.
Vê-se, desse modo, que existe uma gama de leis colocadas à disposição
da sociedade para combater esses administradores públicos desprovidos de qualquer
senso e de moral, mormente a administrativa, porém, o que precisa ser feito é a
conscientização dos cidadãos em geral de seus direitos, para que com vigilância, se
coloquem vigilantes contra esses atos atentatórios a moralidade administrativa e lancem
mão dos instrumentos legais diligenciando para que sejam os mesmos invalidados e os
seus autores punidos de forma severa.
56
A moralidade é definida por José Afonso da Silva46 como um dos
princípios da Administração pública (art. 37). Já discutimos o tema quando tratamos da
ação popular, e vimos que a Constituição quer que a imoralidade administrativa em si
seja fundamento da nulidade do ato viciado. A idéia subjacente ao princípio é a de que
moralidade administrativa não é moralidade comum, mas moralidade jurídica. Essa
consideração não significa necessariamente que o ato legal seja honesto. Significa
como disse Hauriou, que a moralidade administrativa consiste no conjunto de regras de
conduta tiradas da disciplina interior da Administração.
Maria Sílvia Zanella Di Pietro, em sua obra de Direito Adminitrativo, 14ª
edição, p. 80, citando Augustin Gordillo, nos deixa a seguinte lição:
[...] é só por meio da participação popular no controle da Administração Pública que será possível superar a existência dessa administração paralela e, em conseqüência, da moral paralela.47
3.2.4 - PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
Do mesmo modo importante como os demais, já tratados neste espaço, o
princípio sob análise, traduz-se na exigência de uma ampla divulgação dos atos
praticados pela Administração Pública, tendo em mente sempre o interesse público que
deve sempre prevalecer sobre o particular, quando estejam em conflito, ante as
ressalvas previstas em lei, por exemplo, respeitante a intimidade.
Insculpida no artigo 37 da Carta Magna vigente, a obrigatoriedade da
publicidade dos atos administrativos constitui-se numa garantia fundamental para que o
administrado possa ter conhecimento de como está sendo gerida a coisa pública.
Por outro lado, propicia também ao administrado a possibilidade de
controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos, pois só através da
46SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.
648-649. 47DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 80.
57
conduta transparente se poderá aferir a legalidade dos atos praticados e o grau de
eficiência de que se encontram revestidos.
Na realidade, o que se tem observado é que alguns administrados públicos
preferem que os atos por eles praticados fiquem sempre no anonimato, pois só assim
estarão imunes da vigília que deve ser exercida sobre eles no controle de práticas de
seus atos.
Exemplificando, sempre no terreno das hipóteses, poderíamos sugerir um
controle efetivo quanto às nomeações para cargo de confiança, pois a simples
publicação do ato principal, qual seja, a nomeação do agente para desempenho em
cargo com um símbolo, não impede que a título de complementação o administrador
conceda ao seu apadrinhado, em outra rubrica e por outra forma de pagamento,
vantagens que a lei não previu, nem autorizou. Este ato que foi praticado ocultamente
para ferir a vigilância do administrado é passível de anulação e aí teríamos com a falta
de publicidade, uma forma de burlar os demais princípios constitucionais vigentes.
Como se vê, a obediência do administrador público aos princípios
constitucionais é mais que uma simples obrigação emanada da lei, mas caracteriza-se,
sobremodo, em demonstrar para a sociedade a índole do governante que foi por ela
escolhido.
Ainda no terreno das hipóteses e sempre tendo em mente a possibilidade
que o fato possa realmente ocorrer, poderíamos citar os contratos de aluguéis de
imóveis, as concessões de bolsas de estudos que não são nominalmente especificadas
a quem se destinam, nem critérios de concessão, os processos de dação em
pagamento através de recebimento de imóveis para ocupação por um determinado
período para quitação de tributos; os recebimentos de ingressos para shows,
espetáculos futebolísticos, eventos pagos e toda uma gama de situações a que não é
58
dada a devida e obrigatória publicidade, ficando o administrado sem saber como está
sendo gerida a Administração Pública.
Mas é necessário que o cidadão comum conscientize-se que ele pode e
deve ser o fiscal atuante e controlador desses administradores públicos e pode obrigá-
los a divulgação de seus atos, sem que para isso, necessitem pagar taxas com seus
requerimentos, podendo lançar mão do direito de petição (art. 5°, XXXIV, “a”, da CF/88)
e expedição de certidão que registrem a verdade dos atos praticados (art. 5°, XXXIV,
“b”, da CF e Lei n° 9.784/99).
Se forem negados os direitos constitucionalmente apresentados, ou ainda
que veiculada incorretamente ou não veiculada a informação, dispõe o cidadão comum
ainda, lastreado no texto constitucional vigente, para garantir a restauração da garantia
da legalidade do mandado de segurança (art. 5°, LXIX, da CF) e o habeas data (art. 5°,
LXXII, da CF).
Assim é que por esse princípio devem submeter-se todas as pessoas
administrativas e os agentes públicos e os que assim são equiparados, pois mesmo
sendo privadas relacionam com a Administração Pública, equiparando-se aqueles
agentes.
Daí que ao término da abordagem deste tópico sob análise, não seria
ousadia deixar registrado que a importância da divulgação dos atos praticados pelos
administradores públicos é de tamanha importância que deveriam ser divulgados em
locais públicos de grande acesso, tanto nas áreas urbanas, como nos distritos, para que
um maior número de pessoas pudesse tomar conhecimento do fato e questioná-lo, se
assim entendessem cabível.
Seria um marco se no Estado Democrático de Direito o cidadão que não
tem acesso à informação lá do interior desse imenso país pudesse tomar conhecimento
59
de todos os atos dos administradores públicos em minúcias, fiscalizando o emprego das
verbas públicas.
O reflexo para a sociedade seria salutar, pois colocaria mais olhos atentos
as condutas dos agentes públicos ou os a eles equiparados, freiando seus instintos,
quando estes se mostrassem contrários ao interesse público.
Certo que não se tem um ideal possível, pois a mutação da sociedade se
dá com muita rapidez e a adequação de tais valores as normas é mais demorado,
fazendo com que no momento em que uma lei passe a integrar o ordenamento jurídico
pátrio, suas disposições que seriam suficientes para atender naquele primeiro momento,
não o sejam posteriormente.
Mas é importante que não se abra mão da transparência em todos os
setores da vida humana, com muito mais razão quanto se trata da coisa pública, da
administração pública.
A idéia da transparência na Administração Pública é o ponto nodal desse
princípio, uma vez que não se pode imaginar o trato com a coisa pública, sem que
esteja atrelada a obrigatoriedade de satisfação a sociedade, afinal o administrador
nesse caso é um mero gestor da coisa que é pública, que não lhe pertence.
A impessoalidade é um princípio que instrumentaliza o controle interno e
externo da administração pública, que demonstra que os atos públicos têm que ser
direcionados a todos sem distinção, visando tão somente o atendimento ao interesse
público da administração.
Assim é que José dos Santos Carvalho Filho a ele se refere como o
Princípio que objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar
aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica. Nesse ponto,
representa uma faceta do princípio da isonomia. Por outro lado, para que haja
60
verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o
interesse público, e não privado, vedando-se, em conseqüência, sejam favorecidos
alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para favorecimento de
outros. Aqui reflete a aplicação do conhecido princípio da finalidade, sempre
estampado na obra dos tratadistas da matéria, segundo o qual o alvo a ser alcançado
pela Administração é somente o interesse público, e não se alcança interesse público se
for perseguido o interesse particular, porquanto haverá nesse caso sempre uma atuação
discriminatória.
3.2.5 - PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
Introduzido no texto constitucional vigente, através das regras relativas ao
projeto de reforma do Estado, pela Emenda Constitucional n° 19/98, o princípio sob
comento tem a finalidade de conferir direito aos usuários dos diversos serviços
prestados pela Administração ou por esta delegados e estabelecer obrigações efetivas
aos prestadores.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em sua Obra Direito Administrativo, 14ª
Edição, citando Hely Lopes Meirelles, fala na eficiência como um dos deveres da
Administração Pública, definindo-o como “o que se impõe a todo agente público de
realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais
moderno princípio da função administrativa, já que não se contenta em ser
desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço
público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus
membros”. 48
48DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 83.
61
Segundo Maria Silvia Zanella Di Pietro, ainda citando Hely Lopes
Meirelles, em sua obra já mencionada pg. 83, que: “esse dever de eficiência bem
lembrado por Carvalho Simas, corresponde ao dever da boa administração da doutrina
italiana, o que já se acha consagrado, entre nós, pela Reforma Administrativa Federal
do Dec. Lei 200/67, quando submete toda atividade do Executivo ao controle do
resultado (art. 13 e 25,V) fortalece o sistema de mérito (art. 25, VIII), sujeita a
Administração Indireta a supervisão ministerial quanto à eficiência administrativa (art.
26, III) e recomenda a demissão ou dispensa do servidor comprovadamente ineficiente
ou desidioso (art. 100)”.49
Como se vê, o princípio abrange duas vertentes, uma no que diz respeito
ao modo de atuação do agente público e outra com relação ao modo de organizar,
estruturar, disciplinar a Administração Pública, tudo com um único objetivo de alcançar
os melhores resultados na prestação de serviços públicos.
Acontece que, na prática, em algumas administrações públicas não se vê
a observância desse princípio, pois integrando em seus quadros de mando, estão
pessoas humanas que não estão adaptadas para aqueles serviços, ou mesmo que não
foram devidamente preparadas para desenvolverem atividade pública e pela gama de
poder que detêm acabam fazendo com que agentes públicos prestadores de seus
serviços, sejam os reflexos daqueles primeiros e prestem um serviço de péssima
qualidade e sem qualquer eficiência, devendo, por isso mesmo, serem denunciados
para que respondam pelos gestos incompatíveis que causam dano à imagem e à
engrenagem administrativa.
49Ibidem, loc. cit.
62
A complexidade que envolve o controle de tal princípio é uma realidade,
pois não se pode desrespeitá-lo, mas tem que ser conjugado respeitando as diretrizes e
as prioridades dos Administradores Públicos.
Entretanto, se sua aplicação nos parece complexa por um lado, por outro
se torna simplista, pois a sociedade dispõe do voto para banir o Administrador e o
agente político escolhido por ele, que imprime essa desordem organizacional na
Administração.
3.2.6 – PRINCÍPIOS IMPLÍCITOS NO CORPO CONSTITUCIONAL
3.2.6.1-PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE
Maria Sílvia Zanella Di Pietro cita Gordillo para deixar consignado que a
decisão discricionária do funcionário será ilegítima, apesar de não transgredir nenhuma
norma concreta e expressa, se é “irrazoável”, o que pode ocorrer principalmente
quando:
a) não dê os fundamentos de fato ou de direito que a sustentam; b) não leve em conta os fatos constantes do expediente ou públicos e notórios; c) não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei deseja alcançar, ou seja, que se trate de uma medida desproporcionada, excessiva em relação ao que se deseja alcançar.50
Na verdade, com os avanços naturais ocorridos ao longo dos anos, no
aprimoramento da Administração Pública no Estado Democrático de Direito, o que se
busca é o que o Administrador Público, se conscientize que ele não é o dono da coisa
pública, mas simplesmente seu gestor e como tal deve obediência a toda uma
coletividade que espera dele que as suas decisões discricionárias contribuam
efetivamente para um atendimento satisfatório do interesse público.
50GORDILLO apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit, p. 83.
63
Exemplificando, poderíamos citar a hipótese de um Administrador Público,
que sabedor, que a maioria numa comunidade gostaria de ter como entretenimento uma
quadra polivalente de esportes, sem qualquer critério, direciona verba para construção
temporária, em época festiva, de construção de uma obra para lazer de um seu ente
familiar.
Ora, no caso o administrador deveria conjugar o princípio da
proporcionalidade e razoabilidade com a discricionariedade para atingir o bem comum e
não o interesse particular de uma pessoa.
Outro exemplo é o do governante que sem motivação de atendimento
coletivo, procede ao calçamento de ruas inexpressivas, sem ocupação residencial para
atender pretensões pessoais de um seu colaborador.
Nesse caso, o princípio de discricionariedade facultado ao Administrador,
não só sucumbiu ante a razoabilidade e a proporcionalidade, mas também afetou toda
uma gama de princípios, eis que se manifesta impessoal, imoral e ilegítimo, passível de
anulação pela via judiciária.
A lei faz de forma separada, referência aos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade e isso se vê na lei 9784/99, porém não há como negar que o segundo
se constitui num aspecto essencial contido no primeiro.
Deve-se ter como razoável o que se situa entre os parâmetros da
proporcionalidade capaz de atender o ato discricionário e o interesse público.
Assim é preciso que o cidadão comum cada vez mais exerça uma vigília
sobre os administradores públicos e que não tenha medo de denunciar esses atos
ilegítimos e impuros que causam prejuízos e danos imensos a sociedade.
Não adianta ficar reclamando do MP e nem do Poder Judiciário, é preciso
exercer a cidadania em sua plenitude, pois só denunciando os fatos é que o Ministério
64
Público poderá acionar a máquina judiciária e esta se manifestar nos estritos limites da
lei, sobre a lesão posta para apreciação.
3.2.6.2 - PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE
O Administrador Público deve ter em mente, sempre, que todo o cuidado
exigido para com os bens e interesses públicos resulta em benefício para a própria
coletividade e que as atividades administrativas são exercidas pelo Estado, mas com
finalidade de atender ao interesse comum.
O fim último dessa atuação administrativa deve voltar-se para o interesse
público, pois se assim não ocorrer estará maculada pelo desvio de finalidade, pois não é
um único cidadão o destinatário exclusivo da atividade administrativa, mas sim a
sociedade no seu todo.
Ao administrador público cumpre a obrigação/dever de gerir, conservar e
velar pelos bens e interesses públicos em prol da coletividade, a verdadeira titular
desses direitos e interesses, que são indisponíveis.
Como exemplo poderia se imaginar a situação em que alguns
“administradores” públicos se esquecem propositadamente do princípio da
indisponibilidade e, sem qualquer pudor, começassem a reunirem empreiteiros e
direcionar obras e serviços em licitações comprometidas nas quais previamente já se
conhece o ganhador, formalizando a posteriori os procedimentos de modo a dar cunho
de veracidade ao ato maculado.
Acontece que o administrador público não pode dispor de forma desonesta
e ilegítima na execução de obras e serviços, pois o prejuízo é da Administração e, por
via de conseqüência, dos administrados.
65
O verdadeiro freio à materialização desse exemplo poderia ser encontrado
através de uma fiscalização rigorosa dos órgãos de controle, com a ajuda da sociedade
organizada que permitiria que o Ministério Público pudesse mais rapidamente tomar
conhecimento dos atos praticados pelos agentes públicos, adotando então as medidas
visando a defesa do erário. Pelo menos, poderia em tese, inibir os que acreditam na
impunidade e se acham acima do bem e do mal.
Não se pode conceber, sob qualquer pretexto, que a alienação a qualquer
título de bens públicos seja realizada indiscriminadamente e sem a observância dos
preceitos legais, como se o verdadeiro titular do direito fosse o agente público e não a
coletividade, agindo com poderes de usar, gozar e dispor a seu bel-prazer.
O princípio da indisponibilidade deixa a certeza de que todos os freios
impostos ao Administrador Público, ainda são poucos, ante a soberba, a ganância e
ambição de certos seres “humanos” despreparados para ocupar o cargo para o qual
foram alçados.
A bem da verdade, sob o assunto em foco poderia indagar sobre a melhor
forma de vigilância quanto a possível disponibilidade do Administrador Público, com
relação a obras e serviços públicos, tomando por base o exemplo citado, do cartel de
empreiteiras para viciar as licitações, onde previamente são acertados qual obra e
serviços será realizada por essa ou aquela firma, numa verdadeira afronta aos princípios
da indisponibilidade, impessoalidade e da legalidade.
É preciso deixar bem fixado que a Administração não tem o direito ou a
faculdade de usar, gozar e dispor livremente dos bens e interesses públicos, porque ela
não atua em caráter particular, mas sim, age e atua em nome de toda uma coletividade,
a qual tem que prestar contas de seus atos tanto na esfera político-administrativa, como
no âmbito do Judiciário.
66
Comete equívoco imperdoável o administrador sem compromisso que,
guindado ao cargo público de comando se revela se desnuda por inteiro e pensa que a
caneta em suas mãos lhe concede a supremacia do poder sem limite, capaz de dar o
que não é seu, indicar onde a lei exige que se faça de forma diferente e entregar obras
e serviços públicos sem atender aos preceitos legais aplicáveis à espécie, pois estará
fadado ao descrédito público, além de sujeitar-se às sanções tanto administrativas como
penais.
Nesse caso é preciso vigilância constante sobre o ímprobo para não
permitir que lance mão do que não é seu para disponibilizar ao seu bel prazer.
A vigilância tem que ser de todos os seguimentos da sociedade e não só
dos órgãos institucionais, a quem constitucionalmente são garantidas tais atribuições.
Outro aspecto seria estender os tentáculos fiscalizatórios dos Tribunais de
Contas em direção ao início desses procedimentos, para que pudessem acompanhar,
passo a passo, todo o desenrolar e já ali demonstrar e desmontar os equívocos
cometidos e coibir os abusos.
As condutas vedadas aos administradores públicos deveriam ser mais
bem informadas e explicadas para as pessoas, mesmo através de distribuição de
cartilha, maciça propaganda em rádio, televisão e jornais, para que, por exemplo, se
saiba que um Prefeito não pode a seu bel prazer, por sua livre iniciativa criar pontos de
táxis indiscriminadamente e sem qualquer critério sair concedendo autonomias sem
observar o devido processo licitatório, pois ele não pode dispor desses serviços, pois
estaria ferindo interesse público.
É importante que o cidadão saiba não se pode privilegiar determinada
seita ou culto religioso com doações, fruto de aquisições com dinheiro público, pois
estará dispondo de bem público.
67
Comumente se vêem administradores públicos fazendo cortesia com o
dinheiro público, por isso seria interessante que se informasse que não se pode
proceder à distribuição gratuita, a não ser que a lei anterior autorize, de ingressos em
teatros pertencentes ao poder público, privilegiando determinadas pessoas em
detrimento de toda uma sociedade que tem que pagar para ter acesso a essas casas
públicas, pois estará ferindo interesse público confiado a sua guarda e realização.
É terminantemente proibido privilegiar com a cessão de bens para
exploração de comércio, ou outra qualquer atividade, sem atender o disposto na Lei n°
8666/93; não se pode sem autorização legal e sem obedecer a Lei n° 8666/93, contratar
com dinheiro público, seguranças para shows patrocinados pelo poder público; não se
pode previamente dar, conceder, indicar, apontar ou beneficiar determinadas firmas,
com obras e serviços.
Não pode conceder anistia, isenção fiscal, descontos, parcelamentos de
dívidas tributárias, sem autorização legal; não pode usar da faculdade inerente ao cargo
exercido para desapropriar imóvel beneficiando determinada pessoa, parentes, amigos,
exercentes de cargos de confiança, servidores públicos.
Não pode dispor do dinheiro público para através de obras beneficiar
loteamento de um seu colaborador em cargo de confiança; não pode dar, ceder,
autorizar ou permitir o uso e a realização de bens e serviços públicos sem que a lei
autorize, muito menos usar dinheiro alheio “público” para presentear filhos e parentes
com aquisição de todos os equipamentos necessários à prática de determinado esporte
favorito dos mesmos; que não pode, enfim, fazer festas com dinheiro público, isso
mesmo, festa no sentido literal da palavra, abrangendo todo o aparato necessário, pois
aí estará promovendo uma farra à custa do povo.
68
É preciso ficar claro que é a ordem legal que dispõe sobre esses
interesses e bens e não o administrador por sua livre disposição, deixando consignado
que o princípio da indisponibilidade está intrinsecamente ligado ao princípio da
legalidade.
No entanto, poderão ocorrer casos em que os princípios da moralidade, da
publicidade e da impessoalidade também se vejam desrespeitados, pois o administrador
ao dispor do bem, serviço ou interesse público o fez de forma abusiva e leviana
atendendo a interesses meramente pessoais não dando publicidade ao ato.
A bem da verdade, não adianta o cidadão comum ficar reclamando, é
preciso que use do seu direito de cidadão e fiscalize, fornecendo subsídios suficientes
aos órgãos competentes para instauração dos procedimentos cabíveis a cada espécie
de ilícito, a quem institucionalmente cumpre o dever de zelar pela observância dos
direitos da coletividade, pois aí teremos o cumprimento de seu verdadeiro papel no
contexto jurídico-social.
A não ser dessa forma, resta o direito de ação constitucionalmente
consagrado para o cidadão comum dirigir-se ao judiciário pleiteando o restabelecimento
do Estado de Direito.
3.2.6.3 - PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA
O princípio da autotutela, sob exame, representa uma forma de ser
observado o princípio da legalidade, com a revisão e até revogação dos próprios atos
administrativos, restaurando com isso a sua situação de regularidade.
Tudo isso acontece porque não raro que a Administração Pública cometa
equívocos no exercício de sua atividade, dado a complexidade das tarefas sob sua
responsabilidade, daí que é previsível que ela mesma disponha de mecanismo próprio
69
para sustar aqueles atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais declarando
sua nulidade porque deles não se originam direitos, podendo revogá-los por motivos de
conveniência e oportunidade.
Porém, necessário ressaltar que devem ser respeitados os direitos
adquiridos e ressalvada em todos os casos a apreciação judicial.
Essa garantia de reconhecimento de autotutela foi consagrada,
inicialmente, nas clássicas súmulas nºs. 346 e 473 do STF que firmaram entendimentos
respectivamente:
A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos; A Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvados em todos os casos, a apreciação judicial.51
A anulação é a declaração de invalidade de um ato administrativo ilegítimo
ou ilegal, feita pela própria Administração ou pelo Pode Judiciário. Baseia-se, portanto
em razões de legitimidade ou legalidade, diversamente da revogação, que se funda em
motivos de conveniência e oportunidade e, por isso mesmo, é privativa da
Administração. Desde que a Administração reconheça que praticou um ato contrário ao
direito vigente, cumpre-lhe anula-lo e quanto antes, para restabelecer a legalidade
administrativa (...), como preleciona Hely Lopes Meirelles.
Como se vê não se trata de uma mera faculdade da Administração
Pública, mas também um dever, uma obrigação, pois pode até de ofício proceder à
sustação do ato equivocado levado a termo.
Portanto existem dois momentos da atuação administrativa na aplicação
da autotutela, um quando aprecia o aspecto da legalidade do ato por ela praticado e que
de ofício procede a revisão do ato ilegal, outro, quando sob outro aspecto, ou seja, de
51BRASIL. STF. Súmulas nº 346 e 473. Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 01.07.2006.
70
mérito, no qual reexamina atos anteriores quanto à conveniência e oportunidade de sua
manutenção ou desfazimento.
No primeiro exemplo, poderíamos citar a edição de um ato que afronta
disposição de ordem legal e o Administrador Público tem a obrigação/dever de proceder
a sua revisão adequando-o às normas legais, noutro quando a Administração examina
atos anteriores e decide sobre a conveniência e oportunidade de sua manutenção ou
opta pela sua revogação.
Tudo isso é feito em nome do interesse público e de modo a permitir que
os atos administrativos estejam em consonância com as normas legais.
No entanto, se ao praticar o ato o administrador público causou danos a
terceiros ou lesou a Administração, essas lesões serão passíveis de apreciação do
poder judiciário, respondendo o seu autor pela extensão dos danos e prejuízos
causados ao erário.
Na verdade o que se observa é que os princípios norteadores da
Administração Pública são todos direcionados para o fim de vigiar e policiar o
Administrador mal intencionado.
O Estado Social Democrático para conseguir os seus fins editou ainda a
Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999 que visou regular o processo administrativo no
âmbito da Administração Pública Federal e houve a preocupação de estabelecer um
prazo para que isso ocorresse, pois até então, não existia um prazo disciplinador para
essa providência.
O artigo 53 da mencionada lei assegurou a Administração o direito de
anular os seus próprios atos, mas por outro lado fez questão de respeitar o direito
adquirido, bem como ainda, no artigo seguinte ou seja, no 54, prescreveu que esse
direito da administração os atos administrativos favoráveis para os destinatários decai
71
em cinco anos contados da data em que foram praticados, ressalvado os casos de má-
fé.
3.3 - PREVISÕES LEGAIS COM A FINALIDADE DE COIBIR AS PRATICAS DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
3.3.1 - A LEI n. 4717/65 – LEI DA AÇÃO POPULAR
Além das leis mencionadas anteriormente, não se tem como não fazer
referência ao relevante papel desempenhado pela Lei n. 4.717/65, que disciplinou as
hipóteses de cabimento e a forma de utilização da Ação Popular cuja finalidade se
prende a anulação ou declaração de nulidade dos atos lesivos a administração pública.
Logo, ou melhor, dois anos depois foi promulgada a Constituição de 1967,
e pouco depois a Emenda Constitucional n. 01/69, que previam sobre o perdimento dos
bens por dano ao erário, porém continuaram com seu alcance direcionado para o
enriquecimento ilícito,
Segundo dizer que Hely Lopes Meirelles a Ação Popular é:
A via constitucional (art. 5, LXXXIII) posta à disposição de qualquer cidadão (eleitor) para obter a anulação de atos ou contratos – ou a eles equiparados – lesivos ao patrimônio público ou da entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa e ao meio ambiente natural.52
Não se pode negar que a Lei 4.717 de 29 de junho de 1965, conhecida
com a Lei da Ação Popular, trouxe avanços consideráveis, no trato do agente com a
administração pública, pois trouxe a possibilidade de qualquer pessoa controlar os atos
administrativos de seus governantes, objetivando a sua punição de acordo com a norma
legal expressa, protegendo, assim, os bens tutelados por ela e que são de interesses
52MEIRELLES, Helly Lopes, Op. cit., p.193-194.
72
coletivos, citando-se entre eles, o meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural e
amoralidade administrativa.
Os legitimados para a propositura da ação popular objetivam tão somente
a nulidade do ato, com a conseqüente reparação do dano causado ao erário.
Contudo, é necessário consignar que outros remédios jurídicos tendentes
a prevenção à pratica desses atos surgiram anos depois, destacando-se a Ação Civil
Pública em 1985 e com a Promulgação da Constituição de 1988, que tratou
especificamente da improbidade administrativa no art. 37, § 4.
O Art. 2º, da lei em comento considerou nulos os atos lesivos as entidades
mencionadas no art. 1ª, que se revestissem de incompetência, vício de forma,
ilegalidade do objeto, inexistência de motivos e desvio de finalidade.
Em seu parágrafo único conceituou os casos de nulidade determinando
que para que isso ocorra é preciso que se observe que quanto a incompetência os ato
não se inclui nas atribuições legais do agente que o praticou.
Quanto ao vício de forma este se dará quando for verificada a omissão ou
a observância completa ou irregular de formalidades que são indispensáveis à
existência ou a seriedade do ato.
A ilegalidade do ato se caracterizará quando o resultado do ato importa em
violação a lei, regulamento ou outro ato normativo.
A falta de motivação ou a inexistência de motivos se comprovará quando a
matéria de fato ou de direito em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente
ou juridicamente inadequada ao resultado obtido.
O desvio de finalidade se verifica quando o agente desvia a prática do ato
do fim, procura atingir fim diverso daquele previsto na regra de competência.
73
3.3.2 - A LEI n. 7347/85 – LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Ao fazer referência a Ação popular, dissemos que a mesma visa assegurar
interesse e direito coletivo, sendo que através dela, qualquer cidadão, que se encontre
no gozo de seus direitos políticos, poderá dela lançar mão.
Mas, a nossa Carta Constitucional, em seu art. 129, III, acolheu a Ação
Civil Pública, que já tinha previsão na Lei 7.347 de 29 de julho de l985, que é voltada
para a tutela dos direitos e interesses difusos e coletivos, de que é exemplo o patrimônio
público e social.
Nesse particular se faz necessário deixar registrado que se a Ação Civil
Pública se presta à tutela jurisdicional de qualquer direito e interesse difuso e coletivo
como se encontra da previsão da Lei 7.347/85, não se pode olvidar que a ação fundada
na Lei 8.429/92 pode também ser considerada como Ação Civil Pública, na medida em
que os atos de improbidade administrava nela definidos tem o seu alcance quanto aos
bens de natureza difusa, ou seja, o erário público e a moralidade administrativa,
considerados patrimônio público e social de todos.
Vê-se, pois, que não se constitui em impropriedade técnica, se trilharmos
por essa linha de raciocínio em considerar a Ação de Improbidade Administrativa uma
modalidade de Ação Civil Pública, obedecendo logicamente as normas processuais e
procedimentais inseridas na Lei 8.429/92. 53
A semelhança entre a Ação Civil Pública e a ação fundada na Lei
8.429/92, ocorre porque enquanto a primeira se presta a tutela jurisdicional de direito e
interesse difuso e coletivo a segunda embora civil, tem natureza jurídico-constitucional,
na media em que os atos de improbidade administrativa nela definidos, abrangem os
atos que importam em enriquecimento ilícito (art. 9.), que causam prejuízo ao erário (art.
53
Alves Rogério Pacheco – Improbidade Administrativa – 2ª ed. Rio de Janeiro Lumens Júri 2004 pg. 668.
74
10) e que atentam contra os princípios da administração pública (11.) atingindo bens e
interesses de natureza difusa.
3.3.3 – ASPETOS PROCESSUAIS DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
A abordagem dos aspectos processuais da lei de improbidade
administrativa não pode se restringir tão somente ao processo judicial tem-se como
obrigatória que tratar inicialmente do procedimento administrativo, que permite a
qualquer cidadão representar à autoridade administrativa competente para que seja
instaurada a investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade
administrativa como se infere do art. 14 da Lei nº. 8.429/92.
Pelo que se é dado a entender da mecânica procedimental do art. 15 da lei
de Improbidade Administrativa, com a instauração do processo administrativo a
comissão processante terá que dar ciência ao Tribunal de Contas e ao Ministério
Público, podendo estes, designar representante para acompanhar o procedimento
administrativo (parágrafo único do art. 15).
A representação pelo interessado pode se dar diretamente ao Ministério
Público, bem como este pode de ofício requisitar instauração de inquérito policial ou
instaurar procedimento administrativo ou até mesmo Inquérito Civil Público.
Para a instauração do procedimento administrativo não precisa que o
interessado esteja legitimado, pois é evidente que qualquer pessoa que tendo
conhecimento da prática de um ilícito contra o erário, pode e deve noticiar o fato a
autoridade competente para que esta instaure os procedimentos respectivos tendentes
a apuração dos fatos e da adoção da medida judicial.
O procedimento judicial, ou seja, os aspectos com relação ao processo
que envolve a Lei de Improbidade Administrativa podem ser tratados indicando com
75
pontos referenciais a medida cautelar de seqüestro de bens do responsável pela lesão
ao erário ou enriquecimento ilícito, medida cautelar de bloqueio de bens, contas
bancárias e aplicações financeiras mantidas no exterior.
Na hipótese de enriquecimento ilícito ou lesão ao erário, a ação principal
terá o rito ordinário, sendo que a pessoa jurídica interessada pode propor a ação ou
figurar como litisconsorte do Ministério Público.
O processo veda o acordo, a transação e a composição, sendo que o
Ministério Público pode funcionar no processo como fiscal ou propor ele próprio a ação,
como parte.
A Lei veda expressamente em seu artigo 17 § 1º da Lei 8.429/92, qualquer
transação, mesmo na fase de inquérito, isso dada da indisponibilidade dos interesses
coletivos, muito embora quando se trate de termo de ajustamento de conduta existe que
acene com tal possibilidade, entre eles Rogério Pacheco Alves, sob o argumento de que
esse procedimento é permitido com relação aos direitos difusos.
A Fazenda Pública promoverá todas as ações necessárias ao
ressarcimento do dano causado ao erário e a procedência da ação determinará o
pagamento pessoa jurídica prejudicada pela prática do ilícito.
3.4 - FORO ESPECIAL POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO E A COMPETÊNCIA
ORIGINÁRIA
Até recentemente em razão da edição da Lei 10629/2002, travou-se uma
grande discussão a respeito de qual seria o foro de competência em razão da
prerrogativa de função.
A regra de competência para o caso concreto demanda um raciocínio a ser
feito por exclusão com a indagação se é caso de Ação de Improbidade Administrativa de
76
competência originária dos Tribunais, como ainda, se saber se estaria a prática de tais
ilícitos no rol de competência das chamadas justiças especiais (Justiça do Trabalho,
Eleitoral e Militar), ou se trataria de competência das Justiças Estaduais ou Federais.
Pois bem afastada a competência da Justiça Federal, surge então a
competência da Justiça Estadual, bastando para isso recorrer Lei de Organização
Judiciária para se saber a regra ali inserta.
Assim deve pelo menos, inicialmente, se trabalhar a idéia para se buscar a
competência.
Entretanto, a discussão tornou-se polemica e as decisões prevalecentes
até então eram de que as normas da Lei nº. 10.628/2002 que previa prerrogativa de foro
por função não deveriam ser aplicadas quando se tratasse da Lei de Improbidade
Administrativa.
É fato concreto que a nossa Constituição Federal determina em vários de
seus dispositivos regras que endereçam aos Tribunais a competência para
conhecimento de ações que figurem como demandados determinados ocupantes de
cargos públicos, o que é denominado de foro de prerrogativa de função.
Assim é que o Presidente da República, os Deputados Federais, os
Senadores, os Ministros de Estado e o Procurador da República, pelo art. 102. I, “b” da
Carta Constitucional vigente são processados e julgados pelo STF.
Os Governadores, Desembargadores dos Tribunais de Justiça (art. 105, I)
pelo Superior Tribunal de Justiça.
Os Juízes de Direito e Promotores de Justiça, pelos Tribunais de Justiça
(art. 96, III), o mesmo acontecendo quando se tratar de conduta praticada por Prefeito
(art. 29, X).
77
Entretanto, quando se trata de processo com base na Lei nº. 8429/92,
essa questão se nos parece superada, pois que decisão do Supremo Tribunal Federal
acolheu Ação Direta de Inconstitucionalidade sob o nº. 2797, tendo como relator o Min.
Sepúlveda Pertence e requerente a Associação Nacional dos Membros do Ministério
Público – CONMP, como requeridos o Presidente da República e o Congresso Nacional,
e considerou procedente a mesma para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº. 10.
628, de 24 de dezembro de 2002, que acresceu os §§ 1º e 2º do Código de Processo
Penal. 54
Necessário consignar que no campo da Lei 8.429/92, que não se cogita
aplicação de sanção penal, as orientações emanadas das decisões tanto do STF como
do STJ, é que a prática de atos caracterizadores de improbidade administrativa por tais
autoridades, a competência para o seu processo e julgamento será do magistrado de
primeiro grau, pois são eles os juízes naturais de tais causas, não se cogitando de
competência originária de tribunal para julgá-la.
3.5 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA X AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
O tema em destaque tem suscitado discussão sobre o cabimento ou não
da Ação Civil Pública ou Ação Popular quando se trata de improbidade administrativa,
sendo mesmo possível encontrar na doutrina divergência de posicionamento.
Há os que entendem que pela amplitude que se pretendeu dar para
garantia da tutela do interesse público, pouco importa o nome que se queira dar a ação,
o que importa é o seu manejo pelos legitimados na defesa do patrimônio público. Entre
os que se filiam a essa corrente destaca-se Rogério Pacheco Alves.55
54
Ação Direta de Inconstitucionalidade sob o nº. 2797, www.stf.gov.br, acesso em 10/10/2006. 55GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2004, p. 668.
78
No entanto existem outras vertentes que defendem que quando houver
dano ao erário, não se mostrará possível o ajuizamento de Ação Popular.
Nesse caso o entendimento é no sentido de que o objeto da Ação de
Improbidade é mais amplo do que o da Ação Civil Pública.
Segundo essa corrente, a qual se filia Marcelo Figueiredo, ao comentar o
art. 17 da Lei 8.429/92, a Ação Civil Pública poderá ter por objeto a condenação em
dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Também na Ação
Popular a sentença procedente julgará a invalidade do ato, condenará em perdas e
danos os responsáveis e beneficiários do ato (art. 11 da Lei 4.717/65).56
Acrescentam que o objeto na Ação de Improbidade Administrativa se
mostra mais amplo, razão porque existindo ato de improbidade administrativa, os
legitimados devem propor Ação de Improbidade Administrativa e não outras.
Do mesmo modo que não se impede a propositura da Ação Civil Pública e
Ação Popular a título subsidiário como autoriza o art. 17, § 2º. da Lei n. 8429/92.
Em nosso entendimento temos que se mostram distintos os procedimentos
das duas Ações, isso porque na Ação de Improbidade Administrativa o que se pretende
é a imposição de sanções por atos de tipificação específica, sendo que seu objeto
imediato é a declaração da existência de um ato ímprobo e o objeto mediato é o
ressarcimento do dano, do perdimento de bens, o pagamento de multa civil, a perda da
função pública, a suspensão dos direitos políticos ou, ainda, a proibição de contratar e
de receber benefícios ou incentivos.
A Ação Civil Pública tem procedimento especial, cujo objeto imediato é o
direito a proteção de valores específicos como o meio ambiente, os direitos do
consumidor, a integridade do patrimônio cultural e natural, outros interesses difusos e
56FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 92.
79
coletivos, bem como a ordem econômica, enquanto o seu objeto mediato será a
reparação em pecúnia, em favor de um fundo especial, ou a obrigação de fazer ou não
fazer.
Podemos enumerar ainda algumas distinções entre as duas ações, a
saber: - admite-se na Ação Civil Pública (Lei nº.7347, de 1985, art. 5º § 6º), transação
mediante compromisso de ajustamento, o que não ocorre com a Ação de
responsabilidade por ato de improbidade administrativa (art. 17 § 1º da Lei nº.8429 de
1992), que não permite transação, acordo ou conciliação.
A Ação Civil Pública comporta a concessão ampla de medida liminar no
âmbito da relação jurídica principal como se infere do art. 12 da Lei nº. 7347, o que não
acontece com na Ação de Improbidade Administrativa, que nesse caso tem previsão
para as medias cautelatórias como se constata no art. 16 da lei específica.
Tratando-se de Ação Civil Pública, o juiz pode conceder efeito suspensivo
aos recursos que não tenham previsão legal para tanto, (art. 14 da Lei específica), o
mesmo não ocorre com os recursos decorrentes da Ação de Improbidade
Administrativa.
É de se observar ainda, que na Ação Civil Pública não se tem
adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais, nem condenação da
associação autora em honorários advocatícios, custas e despesas processuais, sendo
que esse regramento não existe para os legitimados da Ação de Improbidade
Administrativa regida pela Lei 8.429/92.
É preciso registrar que não se retira do Ministério Público legitimidade para
o ajuizamento de Ação Civil Pública com a finalidade de punição dos responsáveis pelo
cometimento de atos de improbidade administrativa.
80
A legitimidade do Ministério Público advém de previsão expressa do inciso
III do art. 129 da Carta Constitucional vigente e encontra respaldo no art. 17 da Lei nº.
8429, de 1992.
É de se por em realce que a via adequada para tal objetivo não é a ação
regulada pela Lei nº. 7347, de 1985, mas sim a ação prevista pela Lei 8.429/92, nos
seus arts. 17 e 18, que é especifica para os atos de improbidade administrativa.
Importante registro que se faz é que não existe qualquer óbice a que a
Ação de Improbidade Administrativa possa ser denominada também de “Ação Civil
Pública”, pois não se vê nenhum prejuízo nisso. Porém, o que não se pode admitir é a
comunhão numa mesma lide de dois procedimentos especiais diferentes.
Com relação aos procedimentos especiais segundo Clóvis do Couto e
Silva: “Qualifica-se o procedimento como especial porque, além dos pressupostos
processuais a todo e qualquer processo, a lei instituiu, para estes, outros requisitos, que
lhe são específicos. Por força desses requisitos próprios, não se pode propor uma ação
que tenha rito especial por outra, como, por exemplo, uma consignação em lugar de
uma de prestação de contas. Esses pressupostos específicos, tanto quanto os gerais,
são verificáveis ex officio pelo juiz”.57
3.6 - A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Embora não seja esse o objetivo desse trabalho, não se pode afastar de
algumas questões, especialmente quando se está tratando do tema que tem por objeto
uma Ação especial de natureza constitucional, assim é que doutrinadores como Toshio
Mukai, já expôs seu entendimento de que: “inexiste no texto constitucional, dentre as
disposições que tratam da distribuição de competências dos entes federados, mormente
57SILVA, Clóvis do Couto e. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1998, p.1.
81
o art. 24 (que dispõe sobre a competência concorrente), nenhuma autorização à União
que lhe outorgue competência legislativa em termo de normas gerais sobre o assunto
(improbidade administrativa). Aliás nem poderia mesmo existir, pois, se se trata de impor
sanções aos funcionários e agentes da Administração, a matéria cai inteiramente na
competência legislativa em tema de Direito Administrativo, e, portanto, na competência
privativa de cada ente político. Em suma, se o funcionário é federal somente lei federal
pode impor-lhe sanções pelo seu comportamento irregular; se o funcionário é municipal
somente lei administrativa do Município ao qual está ligado pode impor-lhe sanções”.58
O referido autor ainda pondera:
A questão é séria e merece ser acolhida, dado que qualquer sanção administrativa prevista em lei federal, a ser imposta ao funcionário estadual ou municipal, se aplicada por agente, ainda que competente, ou mesmo pelo juiz, contamina esse ato de absoluta e irrefragável inconstitucionalidade.59
Aprofundando-se ainda em suas considerações, o jurista referenciado já
se posiciona no sentido de que o artigo 1º, da Lei 8.429/92, já aponta na direção de que
qualquer ato de improbidade praticado contra a administração direta, indireta ou
fundacional de qualquer um dos três Poderes, por um agente público, servidor ou não,
estará sob sua égide.
Segundo ainda Toshio Mukay, a Lei de Improbidade administrativa não
respeita o Pacto Federativo previsto na Carta Constitucional. 60
3.6.1 - LEGITIMIDADE PARA A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Como já vimos em tópicos anteriores a Ação Popular, em 1965 deu início a
garantia de um importante instrumento de proteção aos direitos difusos, legitimando o 58MUKAI, Toshio. A Inconstitucionalidade da Lei de Improbidade Administrativa. Lei Federal 8429/92. São
Paulo: BDA, 1999, p. 720-722. 59MUKAI, Toshio. Op. cit., loc. cit. 60Ibidem, loc. cit.
82
cidadão para o seu exercício, mas voltava-se originariamente para resguardar o
patrimônio público.
Na atualidade, com atual Carta Política vigente, em seu artigo 5º. Inc.
LXXIII se previu a tutela do meio ambiente e da moralidade administrativa.
A Ação Civil Pública veio com a finalidade de instrumentalizar mais
adequadamente a proteção dos direitos difusos e por ela se conferiu legitimidade ao
Ministério Público, a União, aos Estados, aos Municípios, e às autarquias, empresas
públicas, fundações e associações (art. 5º da Lei nº. 7347/85).
Pode-se observar que com advento da Lei 7.347/85, houve a adoção de
uma modalidade de legitimação ativa concorrente e extraordinária tendo em conta que
nenhuma das pessoas mencionadas no art. 5º participa da relação jurídica de direito
material.
A Lei nº. 8429/92 – especificamente a Lei de Improbidade Administrativa
em seu artigo 17 indica os legitimados ativos, demonstrando que a ação será proposta
pelo Ministério Público ou pela pessoa Jurídica interessada, dentro de trinta dias da
efetivação da medida cautelar.
Essa regra deve ser complementada pela norma reguladora inserta no § 2º
do mesmo art. 17, que autoriza a Fazenda Pública a promover as ações necessárias à
complementação do ressarcimento do patrimônio público.
Os legitimados a princípio seriam aquelas mencionadas no art. 1º da
mencionada lei, que seria a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por
sua administração direta e indireta ou fundacional.
É preciso esclarecer que a legitimação nesse caso será extraordinária,
pois a pessoa jurídica de direito público estará agindo como substituto processual uma
83
vez que, mesmo estando defendendo interesse próprio para preservação do patrimônio,
atuará essencialmente, na defesa do erário, do qual é detentora toda a coletividade.
Quanto às entidades aludidas no parágrafo único do referido artigo e que
recebem subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem
como aquelas para cuja criação ou custeio o erário tenha concorrido ou concorra com
menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, não possuem
legitimidade extraordinária para o ajuizamento de Ação de Improbidade, isso porque a
lei não tem o caráter de proteger direito individual ou patrimônio privado de entidades,
mas sim o uso irregular de recursos públicos nela investido, desse modo, a legitimação
para punição será atribuída ao Ministério Público ou mesmo a Administração Pública
Direta, indireta ou fundacional que haja incorporado, criado, custeado ou incentivado a
entidade privada.
3.6.2 - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A norma constitucional, especialmente dos arts. 127 e 129, inc. III da
Constituição Federal consubstancia a legitimidade do Ministério Público decorrente do
art. 17 da Lei nº. 8.429/92.
No respeitante as normas infraconstitucionais podem-se destacar a Lei nº.
8625/93, art. 25, inc. IV e na Lei Complementar 75/93 e porque não ressaltar a própria
lei da Ação Civil Pública, cujo agir precípuo está na defesa do patrimônio público, ainda
que, restritamente se entenda na acepção de “erário”.
De tudo isso é preciso entender que o Ministério Público além da proteção
ao erário está ainda legitimado para guarda dos princípios da administração pública,
estampados no art. 37 da Carta Magna, cuja transgressão encontra-se na base de todas
as condutas de improbidade.
84
Tal agir, o atuar do Ministério Público não é fincado em interesses
meramente materiais e pecuniários, mas sim pela missão constitucional de zelar,
ladeado por outras instituições, pelos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Pelo que se percebe, via de regra, o autor da Ação de Improbidade será o
Ministério Público investido em suas funções institucionais, ou dos indicados, lesados e
que se encontram elencados no artigo 1º da lei, como legitimados, para figurarem no
pólo ativo da relação processual.
3.6.3 - O MINISTÉRIO PÚBLICO E O LITISCONSÓRCIO DOS CO-LEGITIMADOS
Destaca-se sobremodo que a defesa do interesse público, mas
precisamente da reparação do dano ao patrimônio público é um dever/obrigação dos
legitimados, daí entender-se que podem os co-legitimados ou autuarem isoladamente
ou optar pela formação de um litisconsórcio no pólo ativo.
O principio da obrigatoriedade da Ação de Improbidade Administrativa
obriga o legitimado concorrente a buscar a responsabilidade de todos aqueles que
tenham praticado ou concorrido para a prática do ato de improbidade, do mesmo modo,
que vai alcançar todos os fatos, objeto de apuração, não sendo permitido ao seu autor
escolher os fatos, entendo que uns são mais graves que os outros.
Entretanto, havendo omissão, a solução que se nos parece acertada está
no disposto no § 3º do art. 17 da Lei 8.429/92, que remete para a Ação Popular, na qual
a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado pode assumir a posição que
entenda mais acertada na Ação de Improbidade.
Segundo preceitua o art. 17 em seu § 3º: “No caso de a ação principal ter
sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se no que couber, o disposto no § 3º do art.
85
6º da Lei 4.717, de 29 de junho de 1965 (Redação dada pela Lei nº 9.366, de
16.12.1996).
Nesse caso, pode-se constatar que todas as vezes que for verificada uma
omissão do Ministério Público, poderão os co-legitimados proceder ao seu aditamento
com o objetivo de suprir a falta, para alcançar a total reparação do dano ao patrimônio
público, aplicando-se desse modo, a respectiva sanção a todos os que tenham de
alguma forma obrado contra a legalidade, concorrendo para o cometimento do ato de
improbidade administrativa.61
3.6.4 - O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO CUSTOS LEGIS
A intervenção do Ministério Público se faz obrigatória, mesmo quando não
figure como autor da Ação de Improbidade Administrativa, sendo que nesse caso sua
atuação será como custos legis zelando pela justa e rápida composição da lide.
A intervenção ministerial tem seu fundamento no art. 17, § 4º da Lei
8.429/92, funcionando como fiscal da lei, tendo vista do processo depois das partes,
devendo ser intimado pessoalmente de todos os atos do processo, podendo produzir
provas e requerer medidas ou diligências que se fizerem necessárias para se chegar a
verdade.
Como já dito anteriormente a intervenção do órgão ministerial na Ação de
Improbidade Administrativa é obrigatória e tal omissão significa nulidade absoluta,
podendo ser declarada de ofício pelo juiz.
3.6.5 - O ADVOGADO PÚBLICO COMO LEGITIMADO ATIVO
61 Alves Rogério Pacheco – Improbidade Administrativa – 2ª ed. Rio de Janeiro Lumens Júri – 2004 pg. 704).
86
Outro aspecto que merece ser apreciado neste trabalho diz respeito a
possibilidade ou não dos advogados públicos estarem legitimados para figurarem como
agentes ativos no ajuizamento da Ação de Improbidade Administrativa.
Antes de abordar o tema, se teria primeiramente que saber da existência
ou não de autonomia da administração e desses agentes perante o Governo, pois não
pode pairar qualquer dúvida que sem esse requisito da autonomia, não teríamos como
alcançar o resultado pretendido, muito embora, uma vez proposta a ação a intervenção
obrigatória do órgão ministerial público, garanta a que o processo chegará até seu final,
independente do resultado que vier a ser alcançado.
Entretanto, não se pode olvidar que essa atuação só terá razão de ser
devidamente fortalecida, quando estiverem garantidos a essas instituições destinadas a
representação judicial e a consultoria jurídica das unidades administrativas, autonomia
funcional, administrativa e financeira, possibilitando uma atuação ativa e presente do
próprio Estado na defesa do erário.
Não se pode negar que um órgão público, através de seus advogados
públicos, sem autonomia, não terá a condição em virtude do uso indevido do poder
hierárquico de se opor quando estiverem em jogo interesses políticos.
Feito esse registro temos que como órgãos que representam as unidades
administrativas ativa e passivamente em juízo, com a outorga de representação que
lhes é conferida pela Constituição Federal, pelo (art. 12 do CPC), pelas Constituições
Estaduais pelas respectivas Leis Orgânicas, se terão, ressalvada a questão da
autonomia, também como legitimados os advogados públicos para a propositura da
Ação de Improbidade Administrativa, defendendo o erário para o qual exercem a
respectiva função.
87
3.6.6 - SUJEITOS PASSIVOS E ATIVOS NA AÇÃO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA
A Lei de Improbidade Administrativa define em seus artigos 1º, 2º, 3º quem
são os sujeitos ativos e passivos do ato de improbidade administrativa.
3.6.6.1 - Sujeito Passivo
A identificação desses agentes que podem ser sujeitos passivos na Ação
de Improbidade administrativa é um ponto importante a ser destacado, pois a lei visa
punir as suas condutas delituosas que causam prejuízos e danos ao erário.
Segundo disposição expressa estabelecida na Lei nº. 8.429/92: “Os atos
de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não contra a
administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao
patrimônio público ou de entidade cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou
concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da renda anual, serão
punidos na forma desta Lei”.62
O parágrafo único do mencionado artigo complementa que:
Estão também sujeitos às penalidade desta Lei os atos de Improbidade praticados contra o patrimônio de entidades que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição aos cofres públicos.63
Os réus, ou os agentes passivos serão normalmente os agentes públicos
pela prática do ato de improbidade administrativa.
62BRASIL.LEI nº 8429, de 2 de junho de 1992. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em:
01.07.2006. 63Ibidem.
88
Segundo entendimento do STJ em recente decisão, os particulares no
exercício de funções públicas delegadas também são caracterizados como agentes
públicos para efeito da Lei nº. 8429/92, bem como, de igual modo os seus atos são
caracterizados como atos de autoridade para efeitos de cabimento de mandado de
segurança.
O caso apreciado se tratava de hospitais particulares conveniados ao SUS
– Sistema Único de Saúde -. Segundo o Min. Luiz Fux relator do Resp. nº. 416.329-RS,
“a denominação de ‘agentes políticos’ refere-se genérica e indistintamente a todos os
sujeitos que servem ao Poder Público, considerando-se um ‘gênero’ do qual são
espécies os agentes políticos, administrativos, honoríficos e delegados, o que faz com
que os sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa não sejam apenas os
servidores públicos, mas também quaisquer outras pessoas que estejam de algum
modo vinculadas ao Poder Público”.64
Sob a ótica da definição legislativa, os sujeitos ativos para efeito da Lei de
Improbidade Administrativa têm uma amplitude maior, fazendo com que surja a
necessidade de uma interpretação teórica que venha a permitir o alcance na
responsabilização na aplicação do dispositivo legal.
Caminhando então nessa direção, são sujeitos passivos as administrações
diretas e indiretas (autarquias, sociedade de economia mista e fundações); a empresa
incorporada ao patrimônio público; entidade para cuja criação ou custeio o erário haja
concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da renda anual; entidade
para cuja criação ou custeio o erário tenha concorrido ou concorra com menos de 50%
do patrimônio ou da receita anual; entidade que receba subvenção, benefício ou
incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público.
64BRASIL. STJ: Hospitais Particulares conveniados ao SUS também são considerados agentes públicos.
Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em: 01.07.2006.
89
É preciso que se tenha em mente que as sociedades de economia mista e
as empresas públicas, ao fazerem parte da administração indireta, assim como as
entidades para cuja criação o Tesouro tenha contribuído ou contribua com menos de
cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, não estão excluídas do braço da
lei. Oportuno, no entanto, esclarecer que em tais casos a sanção patrimonial limitar-se-á
aos prejuízos causados aos cofres públicos.
A Lei sujeita ainda as suas penalidades os atos de improbidade
administrativa praticados contra o patrimônio de entidades que recebam subvenção,
benefício ou incentivo fiscal ou creditício de órgão público.
3.6.6.2 - Sujeito Ativo
O sujeito ativo do ato de improbidade poderá ser qualquer agente público
(art.2º da Lei 8429/92), ou mesmo, todo aquele, que exercendo mesmo que
transitoriamente, ou sem remuneração, por eleição, contratação, designação ou
qualquer outra forma de vínculo ou investidura, mandato, cargo ou função nas entidades
indicadas no art. 1º da Lei de Improbidade.
Alcança ainda todo aquele que não sendo agente público, concorra ou
induza para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie, sob qualquer forma
direta ou indireta.
Um dado interessante e que precisa ficar registrado é quanto a definição
dos sujeitos ativos, porque isso ocorre com o reconhecimento dos sujeitos passivos,
pois é agente público tudo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem
remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma
de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego, ou função nas entidades
mencionadas no art. 1º e parágrafo único da Lei nº. 8.429/92.
90
Outro ponto importante e que precisa ser ressaltado diz respeito ao
empresariado privado, que mesmo estando nessa condição, podem as respectivas
empresas serem enquadradas como possíveis sujeitos passivos, podem ser reputados
agentes públicos, ao efeito da lei de improbidade, sendo, inclusive, passíveis de
afastamento liminar, no curso do processo, para garantia de instrução como se infere do
art. 20, parágrafo único da Lei de Improbidade.
Desse modo percebe-se com clareza que pode ser sujeito ativo do ato de
improbidade, todo aquele que estiver enquadrado no art. 1º e seu parágrafo único da Lei
nº. 8429/92, o qual vincula o art. 2º da mesma lei.
É ainda, considerado para efeito da lei sujeito ativo aquele que, mesmo
não sendo agente público, induza ou concorra para a prática de ato de improbidade ou
dele se beneficie de forma direta ou indireta.
Nesse caso não se aplicará a perda da função pública, pois esse sujeito
não a tem.
A gama de pessoas sujeita a responsabilização por ato de improbidade
administrativa é muito grande, tornando-se por isso mesmo obrigatório que se use do
bem sendo e analise o elemento subjetivo do agente na hora da imputação da conduta
ilícita.
91
CAPÍTULO 4 - A DISCUSSÃO NACIONAL E INTERNACIONAL SOBRE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
A discussão sobre a corrupção pode ser sentida como uma preocupação
tanto no cenário nacional, como no internacional, assim é que ao completar dez anos da
lei de improbidade administrativa, alguns autores pátrios, dentre eles, André Carvalho
Ramos em seu trabalho sobre o tema com o título “O combate Internacional à
Corrupção e a Lei da Improbidade” conclamou para que se fizesse uma reflexão sobre a
inserção de nossa lei num contexto mais amplo de combate internacional a corrupção e
práticas administrativas ímprobas, pretendendo demonstrar com isso que a tutela da
probidade administrativa não estava mais restrita aos diplomas normativos internos,
entre os quais a Lei de Improbidade Administrativa, que sem dúvida se constitui num
marco.65
Nenhuma dúvida pode pairar que essa preocupação de combater a
corrupção, especialmente no âmbito do organismo estatal tem aumentado sobremodo,
pois se verifica além de alguns tratados internacionais sobre o tema, há ainda, uma
incessante produção de estudos e análises, bem como de resoluções de importantes
órgãos das Nações Unidas, como o Alto Comissariado para Direitos Humanos e
também a Comissão dos Direitos Humanos.
65RAMOS, André Carvalho. Op. cit., loc. cit.
92
Por isso que interessa aos estudiosos brasileiros que seja inserida a Lei de
Improbidade Administrativa na estrutura da normatização internacional em
desenvolvimento, como uma maneira de comparar os institutos e através desse estudo
comparativo recomendar o aprimoramento quer das normas internas, quer nas
internacionais.
Por outro lado, existe ainda um outro interesse, que é o que reside no fato
de que a tutela internacional de probidade hoje é influenciada amplamente pelos
diplomas internacionais de direitos humanos e estipulada em vasta escala pelos órgãos
internacionais de proteção aos direitos humanos, que encontram na corrupção e na
improbidade em sentido maior, um dos fatores de impedem a implementação dos
direitos sociais.
Assim é que o autor citado acima afirma que é a partir dessa idéia que
surge o conceito do “Good Governance e do direito de todos a uma administração
proba, que bem utilize os escassos recursos da sociedade para o bem comum e não
para obtenção de vantagens e privilégios de uma minoria”.66
Outro fato apontado como interesse que conduz ao estudo sobre o
assunto sob enfoque vem a ser a crescente cooperação no combate a corrupção, por
isso que se pode constatar que nos diplomas internacionais estão previstas a
cooperação e a assistência jurídica para dar combate a tal prática, determinando
inclusive, não ser cabível a oposição de sigilo bancário em casos de investigação e
processos de crimes de corrupção, ainda se estabelece o dever de extraditar ou
acusados ou julgar.
De outro modo, pode-se verificar que é incipiente o regramento
internacional sobre sanções não penais ao sujeito ativo de atos de corrupção e
66RAMOS, André Carvalho. Op. cit., loc. cit.
93
improbidade, o que nos leva a necessidade de ver o governo brasileiro modificar tal
cenário.
Observa-se que a abordagem do tema tem obrigatoriamente que passar
pelo estudo de dois tratados internacionais, especialmente porque atinge diretamente o
Brasil, que são a Convenção Interamericana contra a corrupção elaborada sob os
auspícios da Organização dos Estados Americanos e a Convenção Internacional contra
a corrupção de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais
internacionais, demonstrando à integração da lei de improbidade administrativa com os
atuais parâmetros de combate internacional a corrupção.
94
CAPÍTULO 5 - A TUTELA DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COMO
INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS
A nossa Constituição estruturou em seu preâmbulo, o Estado Democrático
de Direito, com o objetivo de “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais”
como um dos “valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos”.
Nesse mesmo diapasão, figura, em seu artigo 1º, entre os fundamentos
desse Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana, que então ocupa
o topo da ordem jurídica brasileira e se concretiza na previsão da proteção de direitos
humanos em diversos de seus dispositivos, sem excluir ainda, aqueles previstos em
tratados internacionais, entendo-se por direitos humanos ou direitos fundamentais
fundados na percepção de Hesse, como um conjunto mínimo de direitos necessário
para assegurar uma vida de ser humano baseada na liberdade e na dignidade.
Segundo Dallari:
[...] direitos humanos representam uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida.67
Nesse sentido Canotilho preleciona que a interpretação da Constituição
pré-compreende uma teoria de direitos fundamentais.68
67ABREU, Dallari Dalmo de. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. p. 07. 68CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1998, p. 363.
95
Desse modo a tutela constitucional e internacional de probidade
administrativa não foge desse entendimento, pois não há como entender normas
constitucionais e legais referentes à defesa do patrimônio e moralidade pública sem a
premissa de que tal proteção é essencial para assegurar a dignidade da pessoa
humana.
Tudo isso visa combater as práticas de corrupção, para que o homem
possa viver uma vida digna, com satisfação de suas necessidades materiais e
espirituais básicas e por isso os agentes devem atuar com probidade, que não é só
parra evitar o enriquecimento ilícito e os desvios, mas também para assegurar uma
aplicação correta dos escassos recursos públicos.
Portanto chega-se num ponto em que a conclusão é de que a tutela da
probidade administrativa não é mais um imperativo meramente nacional, mas sim
internacional, que busca de forma incessante coibir as práticas de corrupção, com a
implementação de direitos humanos.
5.1 - O INÍCIO DO COMBATE INTERNACIONAL À CORRUPÇÃO.
Extrai-se com nitidez dos estudos realizados que o desenvolvimento de
normas internacionais de combate a corrupção, inicialmente teve impulso pela crescente
preocupação com as práticas de concorrência desleal.
São citados como exemplo os estudos realizados na década de 70, da
Securities and Exchange Commission dos Estados Unidos da América sobre subornos
pagos a funcionários públicos estrangeiros por empresas norte-americanas para
obtenção de vantagem competitiva sobre as empresas rivais.
Em meio ao clamor que exigia moralidade pós-Watergate, em prol do
fortalecimento de praticas e empresariais sérias e éticas, os Estados Unidos então na
96
época do governo Carter, editaram o Foreign Corrupt Pratices Act, que se tornou
célebre ao ser aplicado no escândalo LOCHEED-TAKLA, de 1989, quando veio à tona a
propina de 600 mil dólares paga pela empresa americana LOKHEED a uma autoridade
egípcia para ser vencedora de uma licitação. A empresa foi condenada a pagar uma
multa de 25 milhões de dólares, que representava o dobro do potencial ganho que a
empresa esperava obter.69
Esse impulso que André de Carvalho Ramos denomina de pró-
competição leal, motivou as primeiras investigações de corrupção, mesmo quando
realizadas fora das fronteiras americanas e exigiu que o combate à corrupção fosse
incluído na pauta das organizações internacionais, pois o que se objetivava é que
houvesse uma comunhão de esforços dos Estados através de compromissos
internacionais, pois as ações isoladas não alcançariam êxito e seria por certo, mesmo,
interrompida, caso as práticas de corrupção como formas de competição por mercados
e ganhos tivessem seguidores nos Estados concorrentes.70
Em 1984 a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) elaborou o seu Antibribery Recommendation, que entre outros itens, solicitava
aos Estados-membros da OCDE que envidassem todos os esforços na coibição de
subornos, práticas de corrupção que favorecessem ilegalmente determinada empresa
ou negócio.
Em 1986, a OCDE reiterou apelo editando nova recomendação que se
propunha a estimular medidas que através de leis internas que proibissem a dedução
tributária, como uma espécie de “despesa operacional” das propinas pagas pelas
empresas em atividade no exterior.
69RAMOS, André Carvalho. Op. cit., p. 78. 70Ibidem, loc. cit.
97
De forma semelhante foram editadas Resoluções pela União Européia,
que com base no Tratado de Maastricht, que buscou coibir os casos de corrupção no
qual participam funcionários dos Estados ou mesmo da própria União Européia.
Do mesmo modo, a ONU tem elaborado uma série de informes e
resoluções contra a corrupção, podendo-se ser citada entre outras, a Resolução 51/59
da Assembléia Geral, sobre ações contra a corrupção, que tem anexo o chamado
Código Internacional de Conduta para os Titulares de Cargos Públicos e também a
Resolução 51/191, que trata da declaração da ONU contra a corrupção nas transações
comerciais internacionais.
Também como marco dessa fase de combate internacional a corrupção
pode ser citada a Convenção sobre Corrupção de Funcionários Públicos em Transações
Comerciais Internacionais elaborada pela OCDE e posta a assinatura a qualquer
Estado, membro ou não da citada organização, sendo que o Brasil já ratificou a sua
adesão, que foi incorporada ao Direito Brasileiro por meio do Decreto 3.678, de
30.11.2000.
No entanto, em 1990, o combate à corrupção internacional ingressou em
uma nova fase: a de defesa dos direitos humanos.
Essa nova fase é fundada na constatação da relação entre a corrupção e a
ausência de efetividade do recebimento pelas pessoas dos chamados direitos sociais,
que são aqueles que reclamam pela intervenção do Estado, afundado em práticas
corruptas.
5.2 - DESENVOLVIMENTO DA TUTELA INTERNACIONAL DA PROBIDADE
O Direito Internacional possui hoje normas que regem temas como:
direitos humanos, meio ambiente, integração regional e cooperação interjurisdicional,
entre outros, o que retrata forte desenvolvimento da disciplina desde a chamada época
98
clássica, na qual as normas internacionais regiam apenas o relacionamento formal dos
Estados e regras mínimas de conduta na guerra.
Necessário também registrar que a humanidade de um momento para
outro também se viu na obrigação de comungar todos os esforços, pois a humanidade
da era nuclear enfrentava o risco de desaparecimento como um todo.
O homem se vê preso ao planeta terra em que vive, mas toma consciência
que os seus recursos de sobrevivência começam a se diluir, a escassear e que o Direito
Internacional ancorado em regras limitadas, presos a temas tradicionais, como
representação diplomática, imunidade de jurisdição, determinação de território, bem
como o regramento das soluções controversas, mostravam-se perigosamente
insuficiente para assegurar uma vida digna com um mínimo de qualidade no globo.
No caso dos Direitos humanos, conforme ensina Dunshee de Abranches:
O Direito Internacional dos Direitos Humanos abrange “o conjunto de normas substantivas e adjetivas do Direito Internacional, que tem por finalidade assegurar ao indivíduo, de qualquer nacionalidade, inclusive apátrida, e independente da jurisdição em que se encontrem os meios de defesa contra os abusos e desvios de poder praticado por qualquer Estado e a correspondente reparação quando não for possível prevenir lesão”.71
Desse modo os direitos do homem devem ser compreendidos na esfera
internacional como o conjunto de direitos e faculdades que garantem a dignidade da
pessoa humana e se beneficiam de garantias internacionais institucionalizadas.
A consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos aconteceu
após a constatação das barbáries da Segunda Guerra com a necessidade de evitar
repetição do ocorrido, assim é que após a edição da Declaração Universal dos Direitos
do Homem, em 1948, foram realizados estudos para elaboração de um tratado
internacional de direitos humanos, contendo os direitos protegidos reconhecidos pela
comunidade internacional.
71ABRANCHES, Dunshee apud RAMOS, André de Carvaho. Op. cit., p. 11.
99
Entretanto, a Guerra Fria impediu a edição de um tratado único, pois os
dois blocos (capitalistas e comunistas), não acordaram sobre o peso a ser dado aos
direitos da primeira geração ou aos direitos sociais, de segunda geração. Foram então
elaborados dois tratados, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Então foram classificados os direitos protegidos em cinco espécies, a
saber: direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Entendendo-se por
direitos civis, os direitos de autonomia do indivíduo contra interferências indevidas do
Estado ou de terceiros. Assim é que o conteúdo de tais direitos é relativo à proteção dos
atributos da personalidade de da dignidade da pessoa humana.
Já os direitos políticos são direitos de participação, ativa ou passiva, na
elaboração das decisões políticas e na gestão da coisa pública.
Com relação aos direitos econômicos, são aqueles relacionados com a
organização da vida econômica de um Estado, na ótica produtor- consumidor.
O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ora em
comento, estabelece o direito de toda pessoa a um nível de vida capaz de garantir a si
próprio e para sua família, o que deve incluir alimentação, moradia e vestimenta, assim
como a melhoria contínua de suas condições de vida, (como mencionado no artigo 11
como verdadeiro direito a esperança).
No artigo 12 encontramos a menção ao direito a saúde, com a previsão da
criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em
caso de enfermidade;
No artigo 13 o direito a educação, exigindo-se inclusive a implementação
progressiva da gratuidade da educação de nível superior.
100
Entretanto, não basta ficar numa simples menção é preciso que sejam
esses direitos efetivamente recebidos pelas pessoas e seus familiares.
Ao tratar da dimensão objetiva dos direitos humanos veremos que essa
consiste em reconhecer que os direitos humanos não devem ser entendidos apenas
com um conjunto de posições jurídicas conferidas aos seus titulares, mas também como
um conjunto de regras impositivas de comportamentos voltadas à proteção e satisfação
daqueles direitos subjetivos conferidos aos indivíduos.
Realmente essa dimensão objetiva faz com que direitos humanos sejam
regras de imposição de deveres, em geral ao Estado, de implementação e
desenvolvimento dos direitos individuais.
Segundo Peter Häberle, citado por André de Carvalho Ramos, “os direitos
fundamentais possuem um duplo conteúdo. De um lado apresentam aspecto de direito
individual, são direitos da pessoa. Titulares dos direitos fundamentais são, segundo a
natureza do direito fundamental em questão, ora os indivíduos singulares, ora grupos
como associações e sindicatos”.72
Por outro lado ensina Häberle, “os direitos fundamentais são
caracterizados por um aspecto institucional (“institutionelle Seite”). Representam,
também, a garantia de esfera de vida regulada e organizada segundo princípios de
liberdade, que, devido seu significado objetivo-institucional não se deixa fechar no
esquema restrito de liberdade do indivíduo e de seus limites.” 73
Esse duplo caráter caracteriza a própria essência dos direitos
fundamentais.
O direito a uma administração proba com combate à corrupção
fortalecendo a chamada good governance ou administração proba, tem sido a tônica
72HÄBERLE, Peter. apud RAMOS, André de Carvaho. Op. cit., p. 14. 73HÄBERLE, Peter. apud RAMOS, André de Carvaho. Op. cit., p. 14.
101
permanente do Alto Comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações
Unidas, que seria o processo pelo qual as instituições públicas conduzem os negócios
públicos em obediência ao Estado de Direito (rule of law), imunes a corrupção, voltadas
para a promoção de igualdade social.
Com isso concluí-se com a feliz expressão de Bobbio, que o problema de
nosso tempo não é mais declarar ou fundamentar os direitos humanos, mas sim
protegê-los com efetividade. Ou seja, implementá-los.74
De concreto do estudo realizado verifica-se que de fato, a improbidade
administrativa é a designação técnica da chamada corrupção administrativa, pelo qual é
promovido o desvirtuamento dos princípios basilares de uma administração
transparente, eficiente equânime, em prol quer de vantagens patrimoniais indevidas,
quer para beneficiar, de modo ilegítimo, servidores ou mesmo terceiros.
5.3 - A SOCIEDADE - VÍTIMA E RESPONSÁVEL PELA APLICAÇÃO DA LEI DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
A Lei de Improbidade Administrativa não estabeleceu apenas obrigações
para os administradores públicos, mas também procurou ser um instrumento de defesa
que permitisse a sociedade acompanhar e denunciar os atos praticados pelos agentes
públicos, passou a ser um instrumento capaz revela a transparência das ações
administrativas, permitindo que o cidadão pudesse fazer uma radiografia dos atos
praticados pelos servidores públicos de um modo geral.
Ora se a sociedade é a grande vítima desses crimes de “colarinho branco”,
nada mais justo que ela também possa participar desse processo como forma de
apontar as transgressões sofridas.
74BOBBIO, Norberto apud RAMOS, André de Carvaho. Op. cit., p. 18.
102
Como pode ser observado, a LIA (Lei de Improbidade Administrativa) não
estabeleceu responsabilidade apenas para os administradores públicos, mas igualmente
para a sociedade, pois se ela se omite ou se torna conivente por ação ou omissão,
deixando de se manifestar, estará convalidando, de forma irreversível, possíveis erros e
até lesões que são perpetradas contra o erário, com a proliferação acentuada de
pessoas desprovidas de caráter, que fazem da vida pública uma forma de conseguirem
fama e fortuna por caminhos tortuosos e as custas do sangue de pessoas que vivem em
estado miserável e que são as que mais precisam dos serviços públicos.
O rico, o abastado, não necessita da prestação dos serviços públicos,
esses já vivem em situações de desigualdade social que lhe é amplamente favorável,
para eles nada afeta quando falta a previdência, o hospital, os serviços em geral de
natureza pública, pois dispõem de recursos capazes de contornar esses possíveis
problemas.
No entanto, os segmentos mais humildes da sociedade é que sofrem
diretamente os efeitos e as conseqüências danosas dessas práticas maléficas que
aviltam o ser humano e o transformam em subespécie dependente dessa gente sem
escrúpulo.
A luta da sociedade para se ver livre da corrente de corrupção que
percorre anos após anos, desfilando imponente pelos corredores e gabinetes dos
Poderes constituídos dessa república chamada Brasil, tem que ser travada de forma
incessante, implacável, tanto nos municípios, onde os Prefeitos ainda não entenderam
que são simples gestores da coisa pública e não os donos que pensam ser, como em
cada segmento de poder que seja mantido pelo povo.
A Lei 8429/92, como foi popularmente denominada de lei do “colarinho
branco” representa um considerável avanço, como já dito, na medida que a sociedade
103
como vitima dos abusos de poder praticados pelos agentes públicos, se mobiliza e
denuncia os ímprobos, que não são só os que se beneficiam nos casos de
enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na
administração direta, indireta ou fundacional, mas também, igualmente, os que recebem
subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público.
Por oportuno deixar mais uma vez registrado que se trata de um avanço
quando lei equipara aos agentes públicos, todos aqueles que exercem, ainda que
transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação
ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função
nas entidades da administração pública, ou por ela beneficiada.
A característica principal da lei, ou seja, o seu traço marcante evidencia-se
na sua tipicidade para sancionar o agente público.
E, é nessa mesma lei, que a sociedade encontra respaldo para enquadrar
os infratores da Lei de Responsabilidade Fiscal, pois que autoriza qualquer pessoa a
representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada
investigação destinada a apuração de ato de improbidade administrativa, bem como,
ainda, autoriza o Ministério Público o mister de investigar e apurar possíveis
cometimentos de ilícitos por ela previstos, requisitar a instauração de inquérito policial
ou procedimento administrativo, de ofício ou a requerimento de autoridade
administrativa.
Como já ficou demonstrado em tópicos anteriores, a Lei de Improbidade
Administrativa, pode sancionar conduta tendente à prática do enriquecimento ilícito,
prejuízos ao erário e as que afrontem os princípios da administração pública.
É uma lei de tutela extrapenal, mas em qualquer dos casos pode-se
verificar o percurso da esfera penal para apuração de ilícito com conseqüência direta
104
nessa área, além de sanções civis e administrativa, agravada pela possível perda dos
direitos políticos, além a função pública e outras punições.
105
CONCLUSÃO
Nossa proposta nesse trabalho é identificar a conduta do administrador
público, que age com abuso de poder tornando vitima a sociedade, de acordo com a Lei
de Improbidade Administrativa, procurando demonstrar que os benefícios da correta
aplicação do texto legal, representa um grande benefício para o organismo social,
permitindo que as pessoas possam ter uma vida mais decente, digna e capaz de
receber os serviços que são distribuídos pelos Governos para as camadas, mas
sensíveis financeiramente.
A Administração Pública tem seus limites impostos na Constituição Federal
para segurar os abusos e os desmandos de seus agentes, pois tem sido de constância
ao longo dos tempos, escândalos e mais escândalos envolvendo esses cidadãos que
chegam ao poder pelo voto ou por escolha de quem foi eleito, num verdadeiro festival
de notícias jornalísticas, televisivas e radiofônicas, mas é preciso mais para parar essas
pessoas cujo único objetivo é usar o cargo público para proveito pessoal.
A experiência pessoal como Procurador Geral de Município propiciou o
conhecimento da máquina pública pelo lado da administração, de sua engrenagem mais
complexa, cujas condutas dos agentes muitas vezes não são compatíveis com os
princípios constitucionais, mas que para esses administradores faz parte do cotidiano,
razão do desenvolvimento desse modesto trabalho acadêmico, onde após examinar
106
mais detidamente o conteúdo da Lei de Improbidade Administrativa, chega-se a
inarredável conclusão que o texto legal em apreço é bom e merece ser aperfeiçoado
para permitir a sua aplicação de forma mais eficaz contra os que teimam em
desobedecer aos seus contornos.
O ponto de partida seria sem dúvida obstaculizar a ação desses agentes
quanto ao enriquecimento ilícito que se dá através dos mais variados modos,
especialmente das licitações públicas, que são viciadas e se tornam uma porta de
entrada para a prática da corrupção.
À guisa de exemplificar a linha de raciocínio, poder-se-ia dizer, à primeira
vista, que uma licitação pública sob a modalidade de pregão eletrônico, estaria imune à
prática ilícita, num primeiro momento esse seria o raciocínio, mas se mais detidamente
analisar-se o problema se verá que o ser humano ao enveredar para tais práticas não
age sozinho, tem ao lado dele todo um esquema facilitador do seu modo de agir e aí se
pode começar no terreno das hipóteses a indagar o motivo que sendo o sistema
acessível a uma grande parte da sociedade, que toma conhecimento de forma imediata
da realização do certame, essas pessoas poderiam ter alguma fórmula capaz de
contornar, de se locupletar através do mesmo.
A pesquisa poderia se iniciar, partindo da premissa em que sendo realizado
o pregão eletrônico e nele comparecendo licitantes, para, por exemplo, venderem 1000
(mil) unidades de uma determinada medicação, que seria a princípio a quantidade
previamente avaliada para atendimento a pacientes num determinado período (trinta
dias) e essa mercadoria teria sido entregue e conferida pelo funcionário encarregado,
acabasse em uma semana, não seria o caso de se levantar quem foram os beneficiários
recebedores, através de um órgão externo de controle, que não fosse tão somente os
Tribunais de Contas?
107
Até porque os órgãos de controle externo auxiliares do legislativo que
deveriam atuar nessa direção de impedir a fraude encontram-se à distância o que nem
sempre permite uma fiscalização diligente.
Os legislativos, que têm atribuição além de legislar, fiscalizar os atos dos
Executivos, nem sempre vem cumprindo com fidelidade esse papel, não raras são as
vezes em que se constata o comprometimento dessas ações, através do favorecimento
das benesses ofertadas pela máquina administrativa.
As Organizações não Governamentais e as pessoas jurídicas legitimadas,
nem sempre têm condições de cumprir esse papel, eis que lhes falta autonomia para se
insurgir contra ato de poder, ou prática de ato administrativo lesivo a sociedade.
Não são organizadas de forma independente, precisam do braço do
Executivo para existirem ou estão sob seu comando, o que importa dizer que não terão
condição de se levantar para ajuizar, noticiar ou representar contra as condutas lesivas
ao erário.
Acontece que se tem que achar uma fórmula que mesmo que não venha
coibir totalmente, mas pelo menos iniba a vontade de praticar qualquer ilícito nessa
modalidade e assim deveria ser, se os órgãos fiscalizatórios realmente atuarem através
de sucessivas e rotineiras fiscalizações, intensificando o controle, pois o reflexo seria
bem melhor para a coletividade.
Do mesmo modo que se dotasse o Ministério Público de mecanismos
capazes de permitir que possam ter acesso a tais informações, que são de interesse
público, de forma mais ágil, procurando pesquisar imediatamente a correta a aplicação
dos recursos públicos e dos certames licitatórios estar-se-ia, quem sabe dando um
importante passo na direção de impedir que a sociedade fosse a grande vítima dos
crimes de improbidade administrativa.
108
O contra-argumento nessa direção é de que nesse caso poderia ocorrer
uma intromissão indevida quanto a liberdade do administrador público exercer
livremente o mandato que lhe fora outorgado pela vontade popular, mas a resposta
natural a essa resistência está em que os atos são públicos, passíveis de publicidade, a
Constituição garante o direito a informação, do mesmo modo que é obrigação
institucional do órgão ministerial fiscalizar a correta aplicação da lei.
De tudo, observa-se que se o Administrador Público portar sua conduta
dentro da ética, da moral, dando transparência aos seus atos, ele por certo,
conseqüentemente seguirá seu trajeto na vida pública sem afrontar a Lei de
Improbidade Administrativa.
Induvidosamente, apesar da dificuldade para que o processo tenha solução
mais eficaz e rápida a sociedade está amparada com mecanismos legais de proteção
dos seus interesses, contra os maus agentes, mas é preciso que no regime
democrático, todos façam sua parte, que denunciem os seus maus representantes, que
exijam do Poder Judiciário e do Ministério Público atuações compatíveis com suas
atribuições institucionais e que pressionem seus representantes, para fazerem
adequações à lei capazes de permitir maior agilidade na punição dos ímprobos,
limitando para esse tipo de práticas os infindáveis apelos recursais, que permitem que
se sintam seguros e que o fato, após tanto retardamento, caia no completo
esquecimento, com a lógica conseqüência da impunidade.
Dentre as adequações, poder-se-ia pensar num mecanismo capaz de
existindo indícios suficientes de práticas reiteradas de cometimento de ilícitos que se
tornasse obrigatório o afastamento do agente do cargo, para evitar que pudesse exercer
influência na colheita de provas e continuasse exercendo o poder na plenitude com
favorecimento pessoal com prejuízo para a sociedade,
109
Nesse caso, indiscutivelmente, seria garantido o devido processo legal, com
a amplitude de defesa constitucionalmente prevista, mas por outro lado se preservaria o
erário e facilitaria conseguir por vias lícitas as provas para a instrução do processo que
fosse instaurado, estabelecendo-se com isso um maior equilíbrio entre a defesa da
sociedade e a do agente acusado da prática.
Com todo respeito, não se venha contra-argumentar que isso fere o princípio
da ampla defesa constitucionalmente garantido, pois a contrario sensu poder-se-ia
argumentar com segurança que a supremacia do interesse público a ser protegida tem
maior amplitude do que o direito individual do ímprobo, que retira do cidadão a recepção
de seus direitos fundamentais.
O que pretendeu o legislador constitucional foi proteger direito individual
sério, não direito de quem lesa os cofres públicos, fazendo verdadeiras fortunas às
custas da desgraça do povo, que desassistido se vê sem a garantia dos direitos
fundamentais e sociais previsto no texto constitucional.
A sociedade é também a grande vítima de seu estado de letargia, de sua
inércia, de sua deliberada e manifesta omissão, que faz com que os ímprobos se sintam
fortalecidos para saquearem “a maravilhosa caverna do erário” e depois como num
passe de mágica usarem a varinha de condão que lhes abra as portas para que vivam
imunes e impunes para todo o sempre. “É preciso não esmorecer”.
110
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