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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A TRANSAÇÃO PENAL NA AÇÃO PENAL PRIVADA:
Uma análise dos posicionamentos divergentes
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí
ACADÊMICO: MARCELO CESAR BAUER PERTILLE
São José (SC), novembro de 2004.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A TRANSAÇÃO PENAL NA AÇÃO PENAL PRIVADA:
Uma análise dos posicionamentos divergentes
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação do Prof. Dr. Gilberto Callado de Oliveira.
ACADÊMICO: MARCELO CESAR BAUER PERTILLE
São José (SC), novembro de 2004.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A TRANSAÇÃO PENAL NA AÇÃO PENAL PRIVADA:
Uma análise dos posicionamentos divergentes
MARCELO CESAR BAUER PERTILLE
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
São José, 10 de novembro de 2004.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________ Prof. Dr. Gilberto Callado de Oliveira - Orientador
_______________________________________________________ Prof. Ana Paula Kiche Gontijo - Membro
_______________________________________________________ Prof. Juliano Keler do Valle - Membro
Ao inesquecível mestre Manoel Beiro Caramez, quem me
desafiando na busca do conhecimento me mostrou a
importância dessa caminhada.
AGRADECIMENTOS
A quem organiza o mundo, o meu obrigado por eu fazer parte dele.
Aos meus pais, Gelson e Neusa, por acreditarem nos meus sonhos, incansáveis na
busca pelo melhor para mim. A certeza de que sem vocês nada disso seria possível.
A minha irmã, Angélica, a quem o futuro reserva grande sucesso, exemplo de
dedicação ao estudo e em quem tento me espelhar na busca por meus ideais.
A minha namorada, Mariana, verdadeira companheira e amiga, do lado de quem os
desafios se mostram superáveis. O teu apoio, compreensão e principalmente teu carinho foram
indispensáveis nessa jornada.
Aos colegas de turma, “pessoal do fundão”, pelos momentos de descontração que
passamos juntos. Fica a certeza de muitas amizades construídas.
Aos professores do curso, em especial meu orientador neste trabalho, Prof. Dr.
Gilberto Callado de Oliveira, com quem aprender não significou apenas conhecimentos
científicos.
Ao meu “brother” Fabiano pela amizade sincera nesses cinco anos. Aqui, registro
meu carinho por seus pais, Sr. Jorge e “tia” Eliane, pessoas que com muita presteza sempre me
trataram.
Ao pessoal da “carona”, Isabela, Geraldo, Marcelo e Guto, companheiros de todas as
manhãs.
Ao Sr. Newton Varella Júnior, Juiz de Direito, por acreditar no meu potencial e a
quem tenho a honra de assessorar.
Ao Sr. Vânio Martins de Faria, Promotor de Justiça, exemplo de dedicação à
atividade profissional e importante professor na minha prática forense.
Aos colegas do Juizado Especial Criminal da Capital, a quem agradeço os
ensinamentos de como alinhar a teoria com a prática.
Aos meus queridos professores do Colégio Elisa Andreoli, com especial atenção a
Irmã Firmina, obrigado pelos conceitos de formação de um verdadeiro cidadão e ser humano
solidário.
Para todos, um forte abraço.
SUMÁRIO
RESUMO
LISTA DE ABREVIATURAS
INTRODUÇÃO ................................................................................................................
1 DA CRIAÇÃO DA LEI 9.099/95 E OS ASPECTOS GERAIS DA PARTE
CRIMINAL
1.1 DA NECESSIDADE DE AGILIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DO
ESTADO ............................................................................................................................
1.2 HISTÓRICO DA LEI 9.099/95 ...................................................................................
1.2.1 Da previsão constitucional ........................................................................................
1.2.2 Os antecedentes da Lei 9.099/95 .............................................................................. 1.3 DAS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 9.099/95 ...............................................
1.3.1 Conceito de infração penal de menor potencial ofensivo e a competência dos
juizados criminais ..............................................................................................................
1.3.2 Dos princípios que norteiam os Juizados Especiais Criminais, a finalidade de reparação do dano sofrido pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade . 1.3.3 As novidades processuais da Lei 9.099/95 ...............................................................
1.3.3.1 As medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95 .....................................................
2 TRANSAÇÃO PENAL E SEUS ASPECTOS GERAIS
2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA TRANSAÇÃO PENAL ......................
2.2 DEPENALIZAÇÃO E DESCRIMINALIZAÇÃO .....................................................
2.3 TRANSAÇÃO PENAL, O DEVIDO PROCESSO LEGAL E A PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA .....................................................................................................................
2.3.1 A conversão da palavra “poderá” em “deverá” no caput do art 76 ..........................
2.4 REQUISITOS DA TRANSAÇÃO PENAL ................................................................
2.4.1 Causas impeditivas da transação penal .....................................................................
2.4.1.1 Anterior condenação à pena privativa de liberdade pela prática de crime ............
2.4.1.2 Anterior benefício, no prazo de cinco anos ...........................................................
36
35
06 08
36
26
29
36
03
06
11
11
18 21
14
01
31
38
RESUMO
Este trabalho de conclusão de curso destina-se a constatar a existência da importante discussão acerca da possibilidade de aplicação do instituto da transação penal, previsto no artigo 76, da Lei 9.099/95, aos delitos que se processam mediante ação penal de iniciativa privada. Consta nesta monografia a análise dos aspectos gerais da Lei 9.099/95 e da transação penal. Isto, nos capítulos um e dois respectivamente. No terceiro e último, a exposição dos entendimentos conflitantes, quanto à aplicabilidade da transação penal em sede penal privada, se fundou em pesquisas doutrinárias, na leitura de artigos e, sobretudo, na busca de julgados junto aos tribunais brasileiros. Salienta-se que houve a preocupação de se expor todas justificativas que compõem a divergência, com o fito de dar ao leitor a faculdade de seu posicionamento. Com isso, utilizou-se a metodologia qualitativa, buscando-se um método aproximativo no intuito de disponibilizar os subsídios necessários ao completo entendimento da problemática proposta.
Palavras-chave: Lei 9.099/95 – Transação penal – Ação penal privada – Possibilidade.
LISTA DE ABREVIATURAS
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TJ Tribunal de Justiça
T. Turma
Rel. Relator
Min. Ministro
Vol. Volume
HC Habeas Corpus
DJU Diário da Justiça
TACrim Tribunal de Alçada Criminal
SC Santa Catarina
SP São Paulo
Al Alagoas
MG Minas Gerais
Ap. Apelação
Crim. Criminal
Rec. Recurso
P. Página
Art. Artigo
AF Autor do fato
RT Revista dos Tribunais
FONAJE Fórum Nacional dos Juizados Especiais
LCP Lei das Contravenções Penais
INTRODUÇÃO
A necessidade de agilização do Estado quanto a sua prestação jurisdicional é ponto que
deve sempre vislumbrar justificada atenção das autoridades competentes.
Sabendo disso, o legislador constituinte em 1988 fez prever na Constituição
Federal a possibilidade de os Estados criarem juízos que iriam tramitar de forma célere e
informal os delitos que fossem estipulados como de sua competência.
Assim, com a urgência de uma lei que viesse regulamentar de que forma essas
unidades jurisdicionais iriam trabalhar e, sobretudo, que definisse a competência de suas
atuações, em setembro do ano de 1995 foi editada a Lei 9.099 que criava os juizados especiais
estaduais.
A Lei trouxe grandes novidades à sistemática penal brasileira quando definiu o
conceito de infração penal de menor potencial ofensivo e instituiu no ordenamento jurídico
pátrio algumas despenalizantes que possibilitariam, junto com os princípios trazidos pela Lei, o
trâmite rápido e funcional dos delitos de sua alçada.
Com isso, o presente trabalho de conclusão de curso visa apontar no primeiro
capítulo o processo de criação da Lei 9.099/95, seus antecedentes, analisando os aspectos
gerais de sua parte criminal e apontando algumas divergências inerentes às peculiaridades da
Lei, ressaltando seus resultados na prática forense.
Apresentada no primeiro capítulo, a transação penal é tema a ser debatido na
segunda parte. O conceito e a natureza jurídica do instituto, assim como a análise das causas
impeditivas para a aplicação da despenalizante e, a mais, a forma de como todo esse
procedimento ocorre dão base para que no terceiro capítulo o tema central seja abordado com
maior desprendimento.
O objeto central dessa pesquisa reside na possibilidade de aplicação do instituto
da transação penal aos delitos que se processam mediante ação penal privada. Tendo a Lei se
omitido quanto essa possibilidade, a celeuma vem sendo grande ponto de discussão entre
doutrinadores e nos tribunais.
Da tal forma, a última parte deste trabalho destina-se a apresentar as
justificativas que embasam os entendimentos contrários e favoráveis à transação penal privada.
A análise da divergência utiliza-se das justificativas doutrinárias, sendo que a
pesquisa jurisprudencial parece sacramentar um dos posicionamentos.
A Lei 9.099/95 constituiu importante passo para o ordenamento jurídico
nacional. A criação de um rito diferenciado, assim como a sensível mudança no cuidado de
muitas infrações penais, trouxe ligeira necessidade de se repensar acerca de inúmeros institutos
do direito penal e também do processo penal.
Com esta monografia, se expondo a problemática proposta, visa-se, por
conseqüência, também mostrar a necessidade de evolução das normas.
Havendo mudanças nas necessidades sociais atinentes à pacificação dos
conflitos, não pode a norma, por tradição ou por esquecimento do Legislativo, não acompanhar
o processo evolutivo.
1 1 DA CRIAÇÃO DA LEI 9.099/95 E OS ASPECTOS GERAIS DA PARTE CRIMINAL
1.1 DA NECESSIDADE DE AGILIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DO
ESTADO
Desde muito, a necessidade de se otimizar a prestação jurisdicional do Estado vem
sendo uma preocupação dos juristas brasileiros. A realidade do sistema judiciário carece de
generosa atenção das autoridades competentes e justificadas medidas que apresentem, em
tempo hábil, as respostas necessárias à criminalidade.
Essa idéia, ainda tão vertente nos dias de
hoje, já era preocupação do legislador quando da
confecção da Constituição da República de 1988.
No seu art. 98, I, a Constituição passou a prever a
criação dos juizados especiais, visando agilizar o
processamento e julgamento de casos que, depois
de delimitada a competência, passariam a
tramitar nesses juízos.
A preocupação se justificava quando, na época, os dados carcerários apontavam para
uma difícil situação, alarmando os números de cerca de 110 mil presos, em comparação aos
estabelecimentos penais que disponibilizavam, contemporâneos à Constituição de 1988, algo
em torno de 60 mil celas para a tutela dos condenados. Tais números são citados por
TOURINHO FILHO (2003, p. 02), quando dispõe sobre a problemática.
Assim, constantes rebeliões nas penitenciárias e casas de detenção foram fatores que
impulsionaram o legislador de 1988 a sentir a necessidade de juízos que, através de medidas
alternativas, agilizassem a tramitação de uma considerável porção de processos.
A idéia de juízos que estimulassem a eficiência da prestação jurisdicional era, não só
uma necessidade vislumbrada pelos juristas e legisladores da época, como também já uma
realidade em muitos outros países.
Um modelo que muitas vezes pudesse dispensar a figura do processo, tratando com
meios alternativos as contravenções penais e os delitos de menor gravidade, extinguindo a
punibilidade dos acusados, adotando a corrente aplicada no mundo moderno, parecia oportuno
e essencial.
Nessa corrente, MIRABETE (2002, p. 23) afirma:
Estando em vigor há mais de 50 anos o Código de Processo Penal
brasileiro, de há muito se tem sentido a necessidade de uma reforma das leis
processuais com o fim de atualizar aqueles pontos em que a legislação se
tornou disfuncional e ultrapassada, especialmente no que tange ao inadiável
estabelecimento de ritos sumaríssimos para a apuração de contravenções e
de crimes de menor gravidade, submetidos a um processo arcaico,
formalista e burocratizante que tem levado não só os estudiosos e
aplicadores do direito, mas também os leigos, a um sentimento de
descrédito sobre a administração da Justiça Penal.
TOURINHO FILHO (2003, p. 2) cita que, além dos exemplos bem sucedidos de
países europeus na adoção de juízos com ritos mais céleres, outro bom exemplo, este bem
nacional, trouxe otimismo aos que preocupavam-se com a morosidade da justiça penal. Surgiu
então a Lei dos Juizados de Pequenas Causas de 1984, que vinha apresentando bons
resultados.
Como exemplos pelo mundo, temos que, a partir da década de 70, algumas nações
passaram a preocupar-se com o atravancamento do judiciário. Em países como Alemanha,
Itália, Portugal e EUA, modelos mais céleres para o tratamento de pequenas infrações penais,
dispensando o Estado da preocupação com a reabilitação desses infratores, apresentou muito
êxito. Vale ressaltar que, como antes citado, a realidade carcerária no Brasil foi um dos
fatores que mais motivou a adoção de ritos especiais.
Ainda como exemplos de outros países, a França e a Alemanha apresentavam
modelos que chegavam a autorizar o Ministério Público a arquivar certos procedimentos
quando não presente o interesse público ou ainda quando “insignificante as conseqüências do
fato”.
Em casos como na Holanda se tornava possível a transação entre a polícia e o
acusado, não sendo necessária à instauração de ação penal.
TOURINHO FILHO, (2003, p. 03) comenta:
(...) o arquivamento condicional do Direito polonês (e também do
alemão), a cargo do Ministério Público, a suspensão provisória do processo,
art. 281/282 do Código de Processo Penal português de 1987, e o
procedimento sumaríssimo, introduzido com euforia, no art. 392, do mesmo
estatuto, eram medidas que, de certa forma, constituíam alternativas do
processo e faziam sucesso.
Para esta, corrente não se apresentava coerente deixar a cargo das varas criminais,
abarrotadas de processos de alta complexidade e com conteúdos de maior impacto social,
delitos que outrora poderiam ser resolvidos até mesmo sem a deflagração da ação penal.
Veja-se então, a figura de uma contravenção penal, qual seja, a prevista no art. 65 da
Lei das Contravenções Penais de 1941. A importunação ao sossego é tipo penal, tido como de
menor monta e mesmo possuindo caráter público incondicionado, a tentativa de uma
composição entre o incomodado e o acusado é a melhor resposta. Assim, parece evidente que
tais condutas típicas não poderiam dividir os “escaninhos” dos cartórios com processos que
versem sobre crimes contra a vida, dentre outros.
Nas palavras de FIGUEIRA JR. E LOPES, (2000, p. 41) tem-se que:
Essa nova forma de prestar Jurisdição significa antes de tudo um
avanço legislativo de origem eminentemente constitucional, que vem dar
guarida aos antigos anseios de todos os cidadãos, especialmente aos da
população menos abastada, de uma Justiça apta a proporcionar uma
prestação de tutela simples, rápida, econômica e segura, capaz de levar a
liberação da indesejável litigiosidade contida. Em outros termos, trata-se,
em última análise, de mecanismo hábil de ampliação do acesso à ordem
jurídica justa.
Importante salientar que o Estado não poderia, e nem o fez, deixar de se preocupar
com os delitos tidos como de menor gravidade, haja vista que em muitas oportunidades os
crimes de natureza grave terem nos seus históricos a aparição de tipos penais com penas mais
brandas.
A gravidade das conseqüências trazidas pelo modelo judiciário, disposta no
entendimento de FIGUEIRA JR. E LOPES (2000), não vinha trazendo satisfação ao
jurisdicionado, não agradando também aos juízes que não conseguiam atender à demanda de
justiça.
Com isso tem-se que a evolução social, que por vezes se parece regressão, fez com
que as grandes metrópoles, cada vez mais sofressem com o tão conhecido fenômeno do êxodo
rural1. As grandes cidades passaram a ter um crescente aumento de população, por
conseqüência um maior índice de criminalidade que também piorou a gravidade dos delitos.
FARIA, citado por FIGUEIRA JR. E LOPES (2000, p. 44), explica que: “Queiramos
ou não, a questão judiciária é, antes de tudo, uma complexa questão política; aliás, a história
nos fala vivamente com singular eloqüência.”
Em tela tal questão, considerando o direito uma ciência que necessita estar em total
harmonia com as necessidades da sociedade, está justificada a previsão dos juizados especiais
na Constituição da República de 1988.
MIRABETE (2002, p. 24) finaliza:
Deu-se resposta à imperiosa necessidade de o sistema processual
penal abrir-se às posições e tendências contemporâneas, possibilitando-se
uma solução rápida para a lide penal, quer pelo consenso das partes, com a
pronta reparação dos danos sofridos pela vítima na composição, quer pela
transação, com a aplicação de penas não privativas de liberdade, quer por
um procedimento célere para apuração de responsabilidade penal dos
autores de infrações penais de menor gravidade na hipótese de não se lograr
ou não ser possível uma ou outra daquelas medidas inovadoras.
1 Fenômeno comum entre as décadas de 60 e 80, onde milhares de pessoas deixaram os campos em busca de melhores condições de vida nas grandes cidades.
1.2 HISTÓRICO DA LEI 9.099/95
1.2.1 Da previsão constitucional
Como antes mencionado, a criação dos juizados especiais teve sua previsão ainda na
Constituição Federal da República de 1988, estando o artigo 98, inciso I, disposto com o
seguinte texto:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os
Estados criarão:
I – juizados especiais, providos por juizes togados, ou togados e
leigos, competentes para a conciliação, julgamento e a execução de causas
cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial
ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas
hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turma
de juízes de primeiro grau.
Vale lembrar que mesmo tratando de matéria diversa (cível) a experiência do
judiciário em ritos mais céleres foi a partir da Lei dos Juizados de Pequenas Causas (Lei
7.244/84), trazendo excelentes resultados nas respostas aos processos com alçada até quarenta
salários mínimos.
Os princípios que regiam esses juizados de pequenas causas foram em muito
aproveitados na elaboração da Lei 9.099/95, sendo eles: a oralidade, a economia processual e
a celeridade.
Então, com a experiência bem sucedida desses juizados e com a necessidade de
agilização do sistema judiciário penal, aproveitando-se a iniciativa trazida pela Constituição
no art. 98, no seu inciso I, estava aberta a possibilidade dos Estados criarem seus juízos
especiais.
Muito embora a Constituição Federal houvesse previsto essa possibilidade, o
Congresso Nacional não apresentava definições para o que seriam as infrações de menor
potencial ofensivo, como se daria a chamada transação e de que forma se processaria o rito
sumaríssimo.
TOURINHO FILHO (2000, p. 7) completa:
(...) é óbvio, as diretrizes teriam de vir do congresso, já que era
indispensável uma lei que dissesse quais as infrações penais de menor
potencial ofensivo, matéria eminentemente penal. A competência seria,
portanto, dele, nos precisos termos do art. 21, I, da CF.
Expõe ainda TOURINHO FILHO (2003, p. 8), que caberia não apenas ao Congresso
definir o conceito de delito de menor potencial ofensivo, como também definir o rito
sumaríssimo. Não que os Estados da Federação não pudessem definir como se tramitariam
esses procedimentos, já que o art. 24, X e XI, da Constituição Federal prevê esta
possibilidade, mas o problema estava no fato de haver uma real necessidade de que todos os
Estados adotassem o mesmo procedimento, evitando, assim, como ocorre nos demais ritos do
processo, divergências e/ou gritantes contradições.
Por derradeiro, TOURINHO FILHO (2000, p.7) pergunta: “(...) de que adiantaria os
Estados estabelecerem o procedimento se não podiam definir as infrações de menor potencial
ofensivo?”
Ainda nesta corrente, MIRABETE (2002, p. 29) completa:
(...) somente lei federal pode dispor sobre matéria penal, e estão
incluídas nesta os institutos da composição e da transação, medidas de
despenalização, e sobre regras gerais de direito processual, principalmente
quando em pauta os princípios do contraditório, da ampla defesa, da
presunção de inocência etc.
Conforme MIRABETE (2002, P. 30), vê-se que é apenas permitido aos Estados da
Federação legislarem sobre matéria processual quando forem autorizados por lei
complementar, agindo assim consoante menciona o art. 22, parágrafo único, da CFR/88.
Dessa maneira, claro fica que era necessária a edição de lei federal para que a mesma
delimitasse a competência e estipulasse o processamento desses novos juízos. Ficava para os
Estados a responsabilidade de, após satisfeitas essas condições essenciais e
constitucionalmente de responsabilidade da União, a criação dos juizados especiais. Estes
seriam adaptados de acordo com a organização judiciária peculiar de cada Unidade Federal,
podendo, inclusive, com fulcro no art. 24, X, da Constituição Federal, os Estados
completarem a legislação federal no que dissesse respeito às normas de procedimentos.
1.2.2 Os antecedentes da Lei 9.099/95
Mesmo antes da edição da Lei 9.099/95 alguns Estados brasileiros passaram a criar
seus juizados especiais, ainda que sem a anterior confecção de lei federal que regulamentasse
a competência, estipulasse o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo e
também definisse as regras básicas do então chamado rito sumaríssimo.
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraíba saíram na frente, criaram seus juizados
especiais com leis estaduais, e levantaram uma séria discussão sobre a constitucionalidade
dessas leis de cunho estadual.
GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES E GOMES (2002, p. 34) salientam:
Pairavam dúvidas sobre a constitucionalidade das leis estaduais
que os haviam instituído. Até que o Supremo Tribunal Federal finalmente
decidiu que a criação dos Juizados Criminais pelos Estados dependia de lei
federal, sendo inconstitucional a norma estadual que outorgara competência
penal a juizados Especiais (HC 71713 – PB). O entendimento foi reiterado
no HC 72.582-1 PB (DUJ 20.10.95, p 35.258).
No ano de 1990 o Estado do Mato Grosso do Sul, precursor na implantação dos
juizados Criminais, editou lei estadual (Lei 1.071/90), que disciplinava a criação.
A dita lei tratou de definir o que seriam os delitos de menor potencial ofensivo,
dispondo no seu art. 69 que a competência dos Juizados Criminais, naquele Estado, seria em
relação a crimes dolosos com pena de reclusão de até um ano, ou com pena de detenção de até
dois anos, absorvendo ainda o trâmite de crimes culposos e as contravenções. Nesse mesmo
compasso, o Estado da Paraíba deliberou sobre delitos de menor potencial ofensivo no art. 59,
da Lei 5.466/91, atribuindo a mesma definição.
Dessa forma, dada a total inconstitucionalidade das leis estaduais que passavam a
não apenas a regular os Juizados Criminais, como também tratar sobre questões de
competência federal, foram impetrados alguns Habeas Corpus junto ao Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, requerendo que fossem revistas as decisões
proferidas pelas Turmas de Recursos, entendendo a lei estadual que legitimava os juizados
Criminais, como inconstitucional. Todavia, restando infrutíferos os requerimentos, os pleitos
foram rejeitados.
TOURINHO FILHO (2002, p. 8) completa:
Foi uma experiência notável, a despeito do legislativo daqueles
Estados ter usurpado uma atribuição exclusiva da União, a qual a de definir
infrações de menor potencial ofensivo, como veio, mais tarde, nos idos de
1994, a dize-lo o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o pedido de Habeas
Corpus n. 71.713, Relator o eminente Ministro Sepúlveda Pertence,
impetrado contra decisão de uma turma Recursal constituída de juízes de
primeiro grau de Campina Grande, estado da Paraíba.
Nas palavras do Supremo Tribunal Federal, citadas por MIRABETE (2002, p. 29),
resta claro o antes exposto:
A lei estadual não é instrumento apto a instruir o sistema de
juizados especiais criminais, enquanto inexistente lei federal, porquanto no
âmbito da competência legislativa concorrente dos Estados para disporem
sobre procedimentos de matéria processual (CF, art. 24, XI) não é possível
incluir os critérios de delimitação da competência penal dos juizados
especiais. (RT 728/485).
Vale lembrar que mesmo depois de editadas as leis estaduais, que oficializaram os
juizados especiais criminais nesses Estados, alguns juristas, em especial do Mato Grosso do
Sul, desenvolviam estudos para a confecção de um anteprojeto de lei federal. Aparece então o
anteprojeto de lei que viria trazer como resultado a elaboração da Lei 9.099/95.
Interessante ressaltar que dois magistrados do Estado de São Paulo, antes até da
promulgação da Carta Constituinte de 1988, já haviam apresentado minuta de um anteprojeto
que tratava das questões referentes à matéria. Estes dois juízes, Pedro Luiz Ricardo Gagliardi
e Marco Antônio Marques da Silva, apresentaram para a Associação Paulista dos Magistrados
o dito anteprojeto.
Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, a idéia dos magistrados
paulistas foi levada à discussão em grupos de estudos integrados por juízes, membros do
Ministério Público e interessados. Dentre eles, estava a então professora titular de processo
penal na Universidade de São Paulo (USP), Ada Pellegrini Grinover.
Elaborados os estudos, o grupo resolveu por em pauta outro anteprojeto, explicando
seus motivos, frente ao Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo.
GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES E GOMES (2002, p. 35), com a
propriedade de terem participado do processo de elaboração da lei, esclarecem:
O anteprojeto foi discutido em São Paulo, na Seccional da Ordem
dos Advogados do Brasil, recebendo sugestões de aprimoramento de
representantes de todas as categorias jurídicas, tais como advogados, juízes,
membros do Ministério Público, delegados de polícia, procuradores do
Estado no exercício das funções de defensores públicos, professores,
estudantes de direito e interessados em geral.
Feitas as sugestões pertinentes, o anteprojeto foi entregue ao Deputado Michel Temer
que o transformou no Projeto de Lei 1.480/89. Vale lembrar que o projeto teve como relator
na Comissão de Constituição e Justiça, o Deputado Ibrahim Abi-Ackel que selecionou, na
área penal, o projeto do Deputado Michel Temer e, na seara cívil, o projeto do Deputado
Nelson Jobim, tendo sido procedida a unificação dos dois projetos sem que houvesse sido
feita uma alteração sequer em ambos.
Encaminhado ao Senado Federal, o projeto, agora com disposições cíveis e criminais,
teve, na Comissão de Constituição e Justiça, algumas poucas modificações feitas pelo
Senador José Paulo Bisol.
De volta à Câmara dos Deputados, Ibrahim Abi-Ackel manteve as alterações sendo
que, no dia 26 de setembro do ano de 1995, foi instituída a Lei 9.099, regulamentando, em
nível federal, as disposições necessárias para a aplicação pelos Estados do disposto, no antes
visto art. 98, I, da Constituição Federal de 1988.
1.3 DAS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 9.099/95
1.3.1 Conceito de infração penal de menor potencial ofensivo e a competência dos Juizados
Criminais
Um dos pontos mais discutidos antes da confecção da Lei e que mais trouxe
polêmica quando os Estados passaram a legislar para implantação dos Juizados Criminais foi
a definição do que seria infração penal de menor potencial ofensivo.
Pronta a Lei, o seu artigo 61 tratou de conceituar delitos de menor potencial ofensivo
de tal forma:
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial
ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a
que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos
em que a lei preveja procedimento especial.
Neste passo, a Lei excluía de sua competência algumas contravenções penais e os
delitos que fossem previstos como possuindo procedimentos especiais. MIRABETE (2002, p.
44) esclarece que duas interpretações diversas poderiam ser dadas ao dispositivo em questão.
A primeira interpretação, se utilizando um caráter literal e objetivo, leva ao entendimento de
que algumas contravenções, por possuírem penas superiores a um ano, não estariam sob a
égide da nova Lei, assim como, por exemplo, a contravenção da Lei 6.259/44, sobre o “jogo
do bicho”, já que possui procedimento estipulado em legislação esparsa e com procedimento
especial.
Sobre a segunda possível interpretação da Lei, MIRABETE (2002, p. 44) explica:
Entretanto, outra interpretação é possível, considerando-se,
isoladamente, os termos contravenções e crimes, valendo o limite da pena
máxima cominada à infração e a exceção referente ao rito especial para
estes. É a interpretação mais correta tendo em vista a finalidade e a
efetividade da lei. Nesse sentido concluiu a Comissão Nacional da Escola
Nacional da Magistratura realizada em Belo Horizonte nos dias 27 e 28 de
outubro de 1995: “As contravenções penais são sempre de competência do
Juizado Especial Criminal, mesmo que a infração seja submetida a
procedimento especial”. (conclusão nº 8).
Nesse sentido, independente de procedimento especial, todas as contravenções
passariam a tramitar nos Juizados Especiais Criminais. Tal medida contemplava o espírito da
nova Lei que visava, como ponto crucial, o desafogamento do judiciário na seara penal. Já
terem sido contempladas como infrações menores e por isso chamadas de contravenções
penais e não denominadas como crimes, não haveria lógica se confeccionar uma lei que
tutelasse os delitos menores e que não abraçasse as condutas tratadas pela Lei de 1941.
Fixada a competência dos Juizados Criminais, sendo estabelecida como concernente
aos delitos de menor potencial ofensivo, conceito constante no já visto art. 61, e as
contravenções penais, alguns pontos de controvérsia foram aparecendo.
Dentre eles, se discutiu acerca da possibilidade, ou não, de se somar as penas das
infrações apenadas com menos de um ano de privação da liberdade, o que excluiria a
competência dos Juizados Especiais Criminais. Tema debatido e sacramentado quando o I
Encontro de Coordenadores e Juízes das Turmas Recursais dos Juizados Especiais, citado por
MIRABETE (2003, p. 73) decidiu, no Enunciado 14, pelo seguinte: “Na hipótese de concurso
material de infrações de menor potencial ofensivo, não deve ser levado em consideração o
somatório das penas máximas para efeito de aplicação da Lei 9.099/95.”
Outra importante discussão acerca da competência se armou quando da vinda do
Código de Trânsito de 1997. O art. 291, parágrafo único, expõe que ficam sob a incidência do
que dispõe a Lei 9.099/95 os crimes praticados na direção de veículos automotores. O fato é
que muitos passaram a entender que os Juizados Especiais Criminais ficariam competentes
para o processamento e julgamento dos delitos de trânsito, questão interpretada de forma
errônea. A correta leitura do dispositivo revela que as varas criminais, quando tratassem de
crimes de trânsito, poderiam aplicar, no que coubesse, as despenalizantes da Lei 9.099/95. De
uma maneira objetiva, eram os institutos da nova Lei que iriam até as varas e não os delitos
com penas maiores do que um ano que viriam para os juizados criminais. Com isso percebe-
se que a Lei não instituiu pontos para a sua utilização apenas. Os institutos são inerentes ao
Processo Penal como um todo, evidente que observados os respectivos requisitos.
No ano de 2001, surgiu a Lei dos Juizados Especiais Federais. Vale dizer que não
havia, assim como ocorreu com os Juizados Estaduais, previsão Constitucional para a criação
de tais juízos em âmbito federal. Não obstante tal verdade, os juizados especiais estaduais
vinham apresentando um satisfatório resultado o que motivou o legislador, em 2001, a
elaborar a Lei 10.259.
O ponto que mais trouxe celeuma e que mudou inclusive a realidade dos juizados
estaduais foi quando, no art. 2º, parágrafo único, da Lei Federal, determinou-se a competência
para processamento e julgamento de casos com pena máxima em abstrato equivalente a dois
anos de detenção. Desta forma muitos foram os debates sobre a aplicabilidade ou não deste
artigo, em nível estadual, o que iria dilatar sua competência e trazer sérias mudanças ao
sistema.
Mas foi o que aconteceu. Vinda a lei dos juizados especiais federais, a competência
da justiça estadual para análise dos feitos de menor potencial ofensivo se estendeu para as
infrações apenadas com pena de detenção de até dois anos.
Além de tal metamorfose no processamento especial estadual, a Lei 10.259/01 não
tratou, assim como fez a ousada mas, porem, cautelosa Lei 9.099/95, de excluir os delitos com
procedimentos especiais.
Tal omissão até se explica em função da confiança do legislador. A criação da Lei
9.099/95 já tinha sido um passo considerável na sistemática processual penal brasileira e
vinha dando certo. É natural que passados seis anos, e com um exemplo favorável, o
legislador se sentisse mais à vontade para ousar além do que foi feito com a lei dos Juizados
Estaduais.
Em GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES E GOMES (2002, p. 71), tem-se
que:
Como a Lei 10.259/01 estatuiu que o novo conceito de infração
penal de menor potencial ofensivo só a ela se referiria (art. 2º, parágrafo
único), discute-se sobre a sua aplicação nos Juizados Especiais Estaduais.
Contudo, em face dos termos do art. 129, I, da CF e, principalmente, do
princípio constitucional da isonomia, possível sustentar que também na
Justiça Estadual deverá ser considerada a ampliação do âmbito da infração
de menor potencial ofensivo (v. infra, Cap. V, Seção III).
E acrescentam:
Em conclusão (e desde logo admitindo-se a derrogação do art. 61
da Lei 9.099/95 – lex posterior derogat priori), são (agora, inclusive no
âmbito dos Estados e do Distrito Federal) infrações de menor potencial
ofensivo:
a) todas as contravenções penais;
b) todos os delitos punidos com pena de prisão de até dois anos;
c) não importa se o crime tem multa cumulativa;
d) todas as infrações punidas somente com multa;
e) não interessa (seja nas contravenções, seja nos crimes) qual é o
procedimento (se ordinário ou especial).
Assim, não apenas a significativa alteração da competência pelo aumento do
parâmetro da pena, mas também o fato da Lei dos Juizados Federais não excluir as infrações
com procedimentos especiais, a Justiça Estadual passou a absorver tais influências. Desta
forma, passaram, os Juizados Estaduais, a serem competentes para toda e qualquer infração
com pena estipulada em até dois anos de detenção e ou multa.
Por fim, quanto a esta questão, o XII Fórum Nacional dos Juizados Especiais,
realizado em Maceió/AL, no ano de 2002, confeccionou a seguinte diretriz, encerrando a
discussão:
Enunciado 46 – A Lei 10.259/01 ampliou a competência dos
Juizados Especiais Criminais dos Estados e do Distrito Federal para o
julgamento de crimes com pena máxima cominada até dois anos, com ou
sem cumulação de multa, independente do procedimento.
1.3.2 Dos princípios que norteiam os Juizados Especiais Criminais, a finalidade de
reparação do dano sofrido pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade
Os critérios que regem os Juizados Especiais Criminais se encontram no art. 62 da
Lei 9.099/95. Mesmo que o artigo 2º, da mesma Lei, já tenha previsto os princípios
processuais dos juizados especiais de maneira genérica, o art. 62 reforça tais orientações.
No entender de MIRABETE (2002, p. 61), o mesmo contesta:
Desnecessariamente, o art. 62 prevê novamente os critérios que
devem orientar o processo perante o Juizado, já mencionados
expressamente no art. 2º, integrante do Capítulo I, que trata das Disposições
Gerais sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
Asseverando ainda, MIRABETE (2002, p. 61), expôs que: “Sem qualquer razão
aparente, não registra o art. 62 o princípio da simplicidade, que, entretanto, é aplicável aos
Juizados Especiais Criminais por estar previsto em norma que abrange estes além dos
Juizados Especiais Cíveis.”
Com a propriedade peculiar de quem participou da elaboração do anteprojeto que
sacramentou o discutido artigo, GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES E GOMES
(2002, p. 76) acrescentam:
O fato de fazer o art. 2º também referência à simplicidade nada
altera, pois, em face do que dispõe o art. 77, § 2º, o Juizado Criminal não
deve atuar nas causas de maior complexidade, a ele se aplicando portanto o
critério da simplicidade.
Assim, os princípios basilares dos Juizados Especiais Criminais, dispostos no art. 62,
da Lei 9.099/95, são a oralidade, informalidade, economia processual e celeridade.
Quanto ao princípio da oralidade, tem-se que a Lei 9.099/95 representa grande
exemplo da aplicação de tal critério. No rito ditado pela Lei percebe-se que grande parte dos
atos processuais podem ser feitos oralmente. Tal verdade é notada desde o art. 69 quando, por
informações orais da vítima, a autoridade policial faz lavrar o termo circunstanciado, que
substitui a figura do inquérito policial.
Além disso, a tomada da representação da vítima em audiência conciliatória também
pode ser feita sem exigências de forma. Até mesmo o oferecimento de queixa crime pode se
dar em audiência, desde que ditada por advogado com capacidade de postular em juízo.
A denúncia do Ministério Público e a defesa prévia do autor do fato são peças que a
Lei também autoriza que sejam elaboradas em audiência, assim como as alegações finais de
ambas as partes. Tal princípio, que torna os atos menos recheados de formalismos, permite
que, não só na fase preliminar, mas também na instrução do processo, se atinja aquilo que foi
o desejo do legislador quando da confecção da lei dos juizados estaduais, qual seja, a
agilidade do judiciário na tramitação processual e o conseqüente desafogamento da prestação
jurisdicional penal.
A informalidade, por conseqüência da oralidade dos Juizados Especiais, revela que o
legislador não se preocupou com a forma dos atos processuais, isto em nome da agilidade.
Hoje, de maneira geral, o que se vê é que, em determinados casos, há um excesso de
rigorosidade do sistema processual para a confecção de peças. Tornando esse rigorismo
menor, o art. 62 deu mais agilidade e desenvoltura aos procedimentos.
Em MIRABETE (2002, p. 37) colhe-se a seguinte explanação:
Uma nova mentalidade se reclama do operador jurídico, para que
não sejam frustrados os desígnios do legislador, atento ao clamor pela
realização de uma verdadeira Justiça, na qual se confere à vítima
protagonismo nunca antes considerado. Interessa ao justo concreto
propiciar-se às partes oportunidade para a discussão do caso, eventualmente
obtendo-se conciliação, eticamente superior – pois autônoma – à solução
heterônoma ditada pelo Estado-Juiz. A nova realidade de uma Justiça penal
discutida, negociada, é fenômeno irreversível e se insere na tendência de
adoção de mecanismos de auto-regulação da sociedade, já detectados por
Canotilho. A Lei 9.099/95 imergiu no acolhimento dessas aparentes regras
extralegais, quase equivalentes funcionais do direito, adotando a
concentração de interesses como fórmula eficiente de uma justiça menos
formal e mais próxima a seu destinatário. (RJTACRIM 46/461).
Outro princípio, o da economia processual, se revela quando se é possível adotar
mais de uma solução para se realizar determinado ato processual. Neste caso, opta-se por
aquela menos burocrática, que trará menos participação nos autos e se atingirá o mesmo fim.
Por fim, a celeridade aparece como princípio que pode resumir a união de todos os
demais. A partir do instante em que se age com oralidade, informalidade e com economia
processual, a celeridade se fará impressa.
O que se deve observar é que, embora a agilização do sistema judiciário seja uma
vertente necessária, os cuidados e a primazia aos princípios constitucionais de direito
precisam ser sempre observados e, sobretudo, respeitados. Caso contrário, se se tomar os
princípios dos juizados como regra única, pode-se trazer rapidez acompanhada de gritante
afronta aos direitos do cidadão.
Tratando as regras trazidas pelo art. 62, da Lei 9.099/95, em consonância com as
demais normas, nunca se indo de encontro ao prescrito em Lei, tal dispositivo trará sempre
bons resultados.
Neste compasso, todos os princípios serão utilizados para se atingir o espírito
principal da Lei: a prestação jurisdicional mais célere mas que realmente traga resposta aos
problemas da sociedade.
O art. 62, em sua parte final, prevê que todos os princípios, sempre que possível,
serão utilizados para a reparação do dano sofrido pela vítima e a aplicação de pena não
privativa de liberdade.
Tal dispositivo vem corroborar e sintetizar o ideal inovador da Lei. Ora, uma
resposta do Estado que, além de pacificar o conflito existente, pudesse trazer reparação à
vítima, reflete um avanço que por vezes faz pensar que a Lei por si só se basta.
Sobre a figura do art. 62, parte final, GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES
E GOMES (2002, p. 47), comentam: “(...) como se vê, é de natureza civil e penal”.
Assim, não havendo necessidade da reparação do dano em outra seara, conseguindo-
se acabar com o litígio e se punindo o autor do fato com pena não privativa de liberdade é
algo extremamente proveitoso e jamais visto em um só diploma legal.
GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES E GOMES (2002, p. 79), sufragando
o entendimento, completam: “Também, ao inovar com a previsão de renúncia ao direito de
representar ou de oferecer queixa em razão do acordo civil, estimulou a realização dos
acordos, aumentando a chance de a vítima ser reparada.”
E mais: “Outro aspecto importante é o de trazer para o processo criminal o
responsável civil, o que poderá facilitar os acordos tendentes a ressarcir o dano sofrido pela
vítima”. Por fim, PAZZAGLINI FILHO, MORAES, SMANIO E VAGGIONE (1999, p. 45)
explicam:
A amplitude da reparação dos danos fica a critério das partes. Não
há limite de proposição. Pode-se pleitear da mesma forma que se faria em
ação civil de ressarcimento por dano. Portanto, o acordo civil pode
compreender tanto os danos materiais quanto os danos morais e versar sobre
matéria de qualquer natureza ou valor.
Quanto a não aplicação de pena privativa de liberdade, a Lei contempla a nova
filosofia da seara criminal. Anos de experiência fizeram o legislador entender que o sistema
carcerário brasileiro, tal como está disposto na prática, em nada contribui para a
ressocialização do apenado. A Lei 9.099/95 tratou de consagrar no art. 62 essa nova
mentalidade da criminologia atual.
MIRABETE (2002, p. 62) ratifica: “(...) há uma nítida tendência na doutr ina e nas
legislações modernas no sentido de substituir a pena privativa de liberdade por outras sanções,
como a multa e as restrições de direitos.”
Neste contexto, como cerne dessa tendência, o instituto da transação penal2, objeto
de estudo no próximo capítulo, se apresenta como instrumento apto a viabilizar tal ideal.
1.3.3 As novidades processuais da Lei 9.099/95
2 Instituto despenalizador, criado pela Lei 9.099/95, constante no seu art. 76.
O nascimento da nova lei, recheada de muita expectativa por parte da sociedade, foi
considerado um grande avanço na sistemática processual penal brasileira. A respeito,
GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES E GOMES (2002, p. 37) salientam:
Em sua aparente simplicidade, a Lei 9.099/95 significa uma
verdadeira revolução nos sistema processual-penal brasileiro. Abrindo-se às
tendências apontadas no início desta introdução, a lei não se contentou em
importar soluções de outros ordenamentos, mas – conquanto por eles
inspirado – cunhou um sistema próprio de Justiça penal consensual que não
encontra paralelo no direito comparado.
A Lei 9.099/95 vinha disposta a desburocratizar o trâmite de processos, na seara
criminal e cívil, oferecendo maior agilidade na resposta do Estado. Começava, então, uma
realidade em que era possível até mesmo a aceitação, por parte do acusado, de uma pena
alternativa, sem a instauração do processo criminal. Tal medida não faria o acusado incidir em
reconhecimento de culpa, excluindo ainda responsabilidade civil. Tal medida foi denominada
de transação penal. Tal instituto, por ser objeto central deste trabalho, será melhor analisado
nos capítulos seguintes.
GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES E GOMES (2002, p. 70) citam um
perfil da Lei:
a) possibilidade de que o Ministério Público, por razões de
conveniência ou de oportunidade, deixe de oferecer a acusação;
b) previsão de acordos em fase anterior à processual, de modo a
evitar a acusação;
c) possibilidade de suspensão condicional do processo;
d) utilização do processo para reparação do dano à vítima.
No pacote das inovações, a suspensão condicional do processo, mais um benefício ao
acusado, faz com que, aceita a proposta feita pelo Ministério Público, o denunciado passe por
um período de prova. Tendo cumprido tal período, sem provocar meios para sua revogação,
tem extinta sua punibilidade. A diferença em relação à transação penal é que neste caso já há
o oferecimento da denúncia. Oportuno salientar que no rito dos Juizados Criminais a denúncia
tem seu recebimento, pelo juiz, apenas na audiência de instrução e julgamento, isto nos
termos do art. 81. Recebida a exordial acusatória, o juiz passa a palavra ao Ministério Público
que poderá propor a suspensão do processo, condicionada ao período de prova antes
comentado, conforme estipulado no art. 89, da Lei 9.099/95.
Para o tratamento dos delitos de menor potencial ofensivo, ainda em fase preliminar,
a lei institui também a figura do conciliador e do juiz leigo, legitimados a presidir audiências
conciliatórias na tentativa de resolverem as celeumas com diálogo.
GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES E GOMES (2002, p. 37), acerca da
figura dos conciliadores e juizes leigos, comentam: “(...) é outra inovação brasileira
possibilitada pela experiência vencedora da participação popular nas pequenas causas cíveis”.
Uma das medidas que também chamou muita atenção veio disposta no art. 69 da Lei
9.099/95. Diz o artigo que a autoridade policial que tomar conhecimento do ato delituoso de
menor potencial ofensivo fará lavrar termo circunstanciado o encaminhando, assim como
vítima e autor do fato, a sede do Juizado Especial Criminal. Assim, ficava abolida a figura do
inquérito em sede de Juizado Criminal.
Não bastasse, o parágrafo único do art. 69 inovou ainda mais quando dispôs da
seguinte forma:
Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo,
for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a
ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança.
Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de
cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a
vítima. (Redação dada pela Lei nº 10.455, de 13.5.2002)
De tal maneira, ficava vedada a possibilidade de prisão em flagrante desde que se
comprometendo o AF a comparecer a todos os atos do processo.
Importante salientar que a alteração feita pela Lei 10.445/02 disse respeito tão
somente a violência doméstica, sendo que, no que resta, o dispositivo permanece o mesmo
criado pelo legislador de 1995.
Com a nova Lei, outra importante novidade foi a necessidade da representação nos
casos de lesão corporal leve e de lesões culposas. Até então, possuíam ação pública
incondicionada. Tal inovação implicou em uma outra mudança, também bastante
significativa. Como toda a contravenção, o tipo do art. 21, da Lei das Contravenções Penais
de 1941, tem ação de natureza pública incondicionada. O fato é que seria descabido se exigir
a representação do ofendido em uma situação de lesão corporal, onde há ofensa da integridade
física da vítima, podendo ser instaurada a ação penal de pronto nos casos de vias de fato, em
tese, infração menos grave. Assim, a vias de fato, pela prática processual, passou a depender
da vontade da vítima para seu processamento. Vale dizer que não se trata de representação por
parte do ofendido, pois a infração em tela continua tendo ação de caráter público
incondicionada.
MIGLIARI JÚNIOR (2000, p. 56) contempla:
Não obstante a determinação constante do art. 74 da Lei das Contravenções
Penais, surgiu um problema com a edição da Lei 9.099/95 que exigiu que as
lesões corporais, dolosas e culposas, fossem processadas somente por meio
de ação penal condicionada à representação do ofendido (art. 88). Diante
disso, surgiu uma posição vencedora no sentido de que a presente
contravenção penal também fosse perseguida por meio de representação do
ofendido, posto que seria ilógico o crime, que é o mais, necessitar de
representação e a contravenção, que é o menos, processar-se por meio de
ação pública incondicionada. Assim, aplica-se por analogia, in bonam
partem, a Lei 9.099/95 às contravenções de vias de fato.
A mais, em MIRABETE (2002.p. 269) consta:
TACRSP: “A ação penal para apuração da contravenção penal de vias de
fato, prevista no art. 17, do Dec.-lei 3.688/41, tem como condição de
procedibilidade que o ofendido ofereça representação, em face de
interpretação analógica do art. 88 da Lei 9.099/95, que impôs tal condição
para o processamento dos crimes de lesão corporal leve e lesão corporal
culposa (...) (RT 790/621)”
Dentre as inovações, a instauração de um rito dito sumaríssimo, que alguns autores
preferem chamar de especial, introduziu uma nova sistemática no processamento dos delitos
sob a competência da nova Lei.
Em análise aos artigos pertinentes à fase sumaríssima, percebe-se que alguns atos,
como por exemplo o interrogatório, tiveram suas fases alteradas pela Lei. O interrogatório
passou a ser o último ato processual.
Com relação ao número de testemunhas a Lei não as fixou, sendo que são estipuladas
no número de cinco em se tratando de crime. Quanto às contravenções penais, há
entendimento do número máximo de três.
Por fim, a Lei, em todo o seu texto, trata o acusado como autor do fato, não sendo
correta a nomenclatura “réu” em sede de juizado especial. Ainda sobre nomencla turas, a Lei
confere ao local onde funcionam os juizados o nome de secretarias e não cartórios,
denominando a figura do escrivão de secretário.
A respeito das novidades da Lei, GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES E
GOMES (2002, p. 38) ensinam que: “(...) en tre todas as inovações, é oportuno dar ênfase
especial ao modelo consensual introduzido pela lei e as suas medidas despenalizadoras.” Estes
institutos serão tratados na seqüência.
1.3.3.1 As medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95
Em preliminar, importante salientar que a Lei 9.099/95 não tratou de tirar a ilicitude
de qualquer tipo penal ou contravenção. Os institutos supervenientes com a Lei são medidas
que, no intuito de conceder, visam penas não privativas de liberdade, assim, despenalizando
condutas, desde que obedecidas certas condições pertinentes a cada figura processual.
O que se alterou com o advindo da Lei foi a forma de processamento, que passou a
possuir a mentalidade de penas alternativas como finalidade, além, claro, do objetivo da
pacificação do conflito.
Como primeiro ponto despenalizador, o art. 74, parágrafo único da Lei, conclama
que em havendo composição civil dos danos, o autor do fato terá sua punibilidade extinta.
Isto em caso de ação penal privada3 ou ação pública condicionada4 à representação do
ofendido.
É a redação do artigo:
Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e,
homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título
a ser executado no juízo civil competente.
Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada
ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo
homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.
MIRABETE (2002, p. 116) assevera: “O que extingue a punibilidade pel a renúncia
ao direito de representação é a homologação transitada em julgado.”
TOURINHO FILHO (2003, p. 93) comenta que a utilização do termo renúncia usado
pela Lei não é o mais correto. O autor explica que estariam em melhor conformidade as
expressões desistência e retratação. Acreditando qual tal discussão não trará significado
relevante ao entendimento do art. 74 e seu parágrafo único, peço vênia para apenas citar a
controvérsia, não entrando no mérito de sua fundamentação.
A segunda característica despenalizadora da Lei foi a composição entre o autor do
fato e o Ministério Público, chamada transação penal. Tal instituto, por ser preocupação
central deste trabalho, será tratado a frente.
Seguindo, o art. 88 determinou que os casos de lesão corporal culposa e lesão
corporal leve passam a exigir representação da vítima para seu processamento.
A importante modificação quanto ao processamento de tais delitos, embora a
mudança não seja descriminalizadora e sim despenalizadora, passou a dificultar a pena
privativa de liberdade.
Em GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES E GOMES (2002, p. 213), fica
estabelecido que:
3 Ação penal que se inicia por queixa crime, sendo partes a vítima (querelante) e o autor do fato criminoso (querelado). Em tal situação o Ministério Público atua unicamente como fiscal da lei. 4 Ação penal que depende da vontade do ofendido para sua iniciação. Manifestando, a vítima, interesse na persecução criminal, o Ministério Público atuará como parte no processo.
A transformação da ação penal pública incondicionada em ação pública
condicionada significa despenalização. Sem retirar o caráter ilícito do fato,
isto é, sem descriminalizar, passa o ordenamento jurídico a dificultar a
aplicação da pena de prisão. De duas formas isso é possível: a)
transformando-se a ação pública em privada; b) ou transformando-se a ação
pública incondicionada em ação condicionada. Sob a inspiração da mínima
intervenção penal, uma dessas vias despenalizadoras (a segunda) foi
acolhida pelo art. 88 da Lei 9.099/95.
Por fim, a suspensão condicional do processo se apresenta como última medida
despenalizadora apresentada pela lei.
O art. 89 dispõe de tal maneira:
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a
um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a
denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos,
desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido
condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam
a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz,
este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o
acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II - proibição de freqüentar determinados lugares;
III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do
Juiz;
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para
informar e justificar suas atividades.
§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a
suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a
ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a
reparação do dano.
§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no
curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição
imposta.
§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a
punibilidade.
§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.
§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo
prosseguirá em seus ulteriores termos.
Assim, a suspensão condicional do processo se apresenta como mais um benefício ao
autor dos fatos. Cumprido o período de prova, o autor dos fatos terá extinta sua punibilidade.
Importante lembrar que mesmo o dispositivo utilizando a palavra “poderá”, a mesma
se converte em “deverá” se o autor dos fatos apresentar todas as condições para tanto. Não se
trata de uma faculdade do Ministério Público e sim de um direito do autor dos fatos como,
será tratado à frente.
Os benefícios trazidos pela suspensão condicional do processo e a realidade
judiciária penal brasileira, são apontados por JESUS (2003, p.116):
1) evita a prisão; 2) não obriga o acusado ao constrangimento de
comparecer várias vezes como réu perante a Justiça Criminal; 3) reduz o
custo do delito; 4) diminui o volume de serviço do judiciário, permitindo
que a justiça cuide com maior zelo da criminalidade violenta (espaço de
conflito).
Importante discussão também se firma na possibilidade de se propor a suspensão
condicional do processo nos crimes em sede de ação penal privada. Assim, neste contexto, os
autores se dividem quanto ao questionamento.
MIRABETE, (2002, p. 311) afirma que: “Mesmo na ação privada subsidiária da ação
penal pública não é admissível a proposta de suspensão pelo querelante, já que a proposta só
pode ser formulada, nos termos da lei, pelo Ministério Público.”
Tal idéia vem embasada da seguinte forma:
TJMG: “Nos crimes de ação privada, mesmo que a pena mínima cominada
seja igual ou inferior a 1 (um) ano, é inviável a suspensão condicional do
processo proposta pelo Ministério Público, nos termos do art. 89 da Lei
9.099/95, por não ser ele o dominus litis na referida ação.”
JESUS, (2003, p. 120) concorda: “Nela não há suspensão condicional do processo,
uma vez que já prevê meios de encerramento da persecução criminal pela renúncia,
decadência, reconciliação, perempção, perdão, retratação etc.”
Já GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES E GOMES (2002, p. 213), opinam
de modo diverso:
Bem refletido o assunto, no entanto, impõe-se destacar que a transação
processual (suspensão do processo) não possui a mesma natureza do perdão
(que afeta imediatamente o ius puniendi) nem da perempção (que é a sanção
processual ao querelante inerte, moroso). Havendo proposta e aceitação da
suspensão do processo não se pode dizer que o querelante esteja sendo
desidioso. Está agindo. Está fazendo uma opção pela incidência de uma
resposta estatal alternativa, agora permitida, mas que é também resposta
estatal ao delito. Isso não é inércia. Muito menos indulgência (perdão). Nem
sequer abandono da lide.
GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES E GOMES (2002, p. 213) completam:
“Se o querelante pode o mais, que é perdoar, é evidente que também pode o menos (optar pela
solução alternativa do litígio).”
Tendo em vista a genérica apreciação da Lei 9.099/95, efetuada neste capítulo, este
conteúdo habilita o leitor ao melhor entendimento do objeto central deste trabalho, que é a
transação penal (medida despenalizadora) no âmbito da ação penal privada.
A seguir, efetua-se o estudo dos aspectos específicos do instituto da transação penal
através da apresentação das peculiaridades do art. 76, da Lei 9.099/95, que regula tal instituto.
2 2 TRANSAÇÃO PENAL E SEUS ASPECTOS GERAIS
2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA TRANSAÇÃO PENAL
O legislador, conforme foi mencionado no capítulo anterior, criou formas de despenalização para o tratamento de alguns delitos apontados pelo texto da Lei 9.099/95 e, mais tarde, pela Lei 10.259/01, como sendo de menor potencial ofensivo.
Nesse ínterim, a Lei dos juizados especiais não tratou de definir um conceito para o
instituto. Assim, a fim de conceituar a transação, há que se buscar no direito civil uma
definição.
O art. 1.025, do Código Civil, trás a seguinte disposição: “É lícito aos interessados prevenirem, ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”. Neste sentido, fica claro que, como a Lei dos juizados não trata sobre o conceito de Transação Penal, o socorro à sistemática civil se faz pertinente.
O autor SOBRANE (2001, p. 72), comenta sobre ao assunto ao afirmar que:
O ordenamento jurídico penal pátrio não cuidou de cunhar um conceito próprio de transação, visto que arraigado nas noções do princípio da obrigatoriedade da ação penal, que não contempla qualquer forma consensual de composição da lide penal.
Tendo-se, então, que buscar no direito civil melhor entendimento acerca da palavra
transação. Feito isso, cabe adequar uma definição na seara penal. Portanto, percebe-se que,
em sendo partes em um processo o autor do fato e o Ministério Público, ou ainda, o querelante
e o querelado, o acordo entre tais fica definido como transação. Dando-se no âmbito de juízos
criminais, conseqüentemente terá a nomenclatura de Transação Penal. Nesta orientação,
SOBRANE (2001, p. 72) acrescenta:
Neste sentido, o Ministério Público e o autor do fato, ao acordarem acerca de uma proposta de aplicação de pena, estarão abdicando reciprocamente de direitos inerentes a cada um, objetivando prevenir ou extinguir um litígio.
Ademais, a Transação Penal veio disposta no art. 76 da Lei 9.099/95, e a leitura de
sua disposição é essencial ao melhor entendimento da figura processual:
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta. 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade. 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado: I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo; III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida. 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz. 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.
5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei. 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.
Ainda no intuito de se buscar melhor definição, vale observar os objetivos da medida
do art. 76. Por esta orientação, basta lembrar a idéia central que ensejou a criação da Lei
9.099/95, que configurou a busca pela a agilização da prestação jurisdicional do Estado como
escopo principal.
Assim, interpretando a transação penal nesse caminho, nota-se que a finalidade
central deste instituto é a resolução célere dos conflitos, de maneira a prevenir a lide sem a
instauração da ação penal, a partir da busca de composição do Ministério Público com o
agente delituoso.
Então, encontrando um ponto de convergência entre o conceito de transação e o
objetivo do art. 76 da Lei 9.099/95, chega-se à idéia de que transação penal pode ser
caracterizada como um ato judicial, onde o Ministério Público, desde que obedecidos os
requisitos exposados no texto do artigo, oferecerá ao autor do fato um benefício, qual seja, o
cumprimento de determinada medida alternativa com a finalidade de ver extinta a
punibilidade do autor do fato, sem fazer com que o mesmo incorra em aceitação de culpa e
reincidência. Feita a comprovação do cumprimento da transação penal nos autos, extingui-se
o termo circunstanciado, sem nem mesmo a instauração da ação penal.
O conceito vem ratificado quando a Escola Paulista do Ministério Público, citada por
MIRABETE (2002, p. 125), comenta que a transação penal é:
(...) instituto jurídico novo, que atribui ao Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, a faculdade de dela dispor, desde que atendidas as condições previstas na Lei, propondo ao autor da infração de menor potencial ofensivo a aplicação, sem denúncia e instrução de processo, de pena não privativa de liberdade.
Ainda, SOBRANE (2001, p. 75) ensina:
(...) transação penal pode ser definida como ato jurídico através do qual o Ministério Público e o autor do fato, atendidos os requisitos legais, e na presença do Magistrado, acordam em concessões recíprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela prática do fato típico, mediante o cumprimento de uma pena consensualmente ajustada.
A mais, PAZZAGLINI FILHO, MORAES, SMANIO E VAGGIONE (1999, p. 49)
conceituam o Instituto da seguinte forma:
A transação penal é novo instrumento de política criminal de que dispõe o Ministério Público para, entendendo conveniente ou oportuna a resolução rápida do litígio penal, propor ao autor da infração de menor potencial ofensivo a aplicação sem denúncia e instauração de processo, de pena não privativa de liberdade.
Visto o conceito, passa-se a compreensão da natureza jurídica da transação penal.
Esta pode ser classificada como de caráter processual material ou penal material, havendo
quem atribua, ainda, um caráter híbrido. Importante salientar que a transação é originária do
princípio da oportunidade, já que faculta ao titular da ação penal dispor de sua deflagração.
A transação penal tem como base de seu surgimento, então, o princípio da
oportunidade, sendo o princípio da discricionariedade regulada ou de acordo com JESUS
(2003, p. 67), “discricionariedade regr ada”, que determinará os casos em que a utilização da
despenalizante se faz aplicável. Observa-se que há a necessidade de estarem presentes alguns
requisitos para sua concessão, e desde que presentes, o Ministério Público assume o dever do
oferecimento. Tal discussão, acerca da livre discricionariedade do Ministério Público para a
propositura da transação penal, será objeto de análise em tópico próprio.
Quanto ao entendimento relativo à natureza do instituto, GOMES (2003, p. 85) cita
Maurício Antônio Ribeiro Lopes, quando este autor mencionou:
Tende à pacificação doutrinária o entendimento de que a norma relativa à transação penal destacada no art. 76 é de natureza prevalentemente penal. Não se pode perder de vista que, por um lado esse dispositivo possibilita ao Juiz alterar a pena em tese prevista in abstracto para a infração penal – ao permitir-lhe aplicar restritivamente pena restritiva de direitos ou multa -, fazendo desaparecer, inclusive e principalmente
depois do advento da Lei n. 9.268, de 1º.4.1996, a possibilidade de aplicação da pena privativa de liberdade – direta ou indiretamente (pela vedação do recurso à conversão em privação de liberdade da multa não paga) – trazendo como resultante um nova sistemática protetora do status libertatis do indivíduo.
Ato contínuo ao supra citado, nessa corrente JESUS (2003, p. 66) concorda e
adverte: “Cuida -se de instituto de Direito Penal material”.
2.2 DESPENALIZAÇÃO E DESCRIMINALIZAÇÃO
Ainda no primeiro capítulo, a transação penal foi apresentada como sendo uma das
despenalizantes trazidas pela Lei 9.099/95. Assim, mesmo que já se tenha auferido breve
noção sobre o conceito de despenalização, a análise de suas diferenças com relação a
descriminalização é idéia oportuna neste momento. Isto se justifica pelo fato de este capítulo
ser totalmente dedicado ao instituto da transação penal e tal diferenciação, portanto, se mostra
importante para o completo entendimento da medida alternativa prevista no art. 76 da Lei dos
Juizados Criminais.
A começar pela despenalização, LOPES citado por GOMES (2003, p. 73) aduz que:
“(...) despenalização pode ser entendida como a medida de cunho criminológico através da
qual, conservando-se a estrutura típica do Direito Penal, afasta-se a incidência da sanção
penal, mormente pelas técnicas de elisão das penas privativas de liberdade.”
Com tal ensinamento, percebe-se que despenalizar um tipo penal é ato pelo qual,
através de meios alternativos, se busca evitar a sanção penal imposta pelo Estado. Além disso,
salienta-se que o fato continua sendo típico e ilícito, apenas se priorizando a não imposição da
sanção penal.
Ainda no entendimento de LOPES citado por GOMES (2003, p. 74), sobre o antes
exposto o mesmo comenta: “continuaria a existir a figura deliti va, mas o prudente critério
judicial permitiria tornar isento de pena o autor de um crime assim considerado
insignificante”.
Nesse ínterim, pode se perceber que o critério é judicial e não legislativo. O Estado,
visando tratar com o peculiar apreço que é necessário, adota caminhos que, diante do
inexpressivo transtorno à ordem jurídica causado pelos delitos tidos como de menor potencial
ofensivo, justifique meios mais céleres e eficientes na tutela de tais delitos. Assim, utilizando-
se das palavras de GOMES (2003, p. 74) temos que: “(...) o Direito Penal renuncia à sua
intervenção em favor da atuação de outros mecanismos de controle social”.
A despenalização pode ser entendida ainda como forma de tentar a reinserção social
do indivíduo, priorizando-se também a composição civil, demonstrando, o Estado, que se
satisfeitas determinadas condições o mesmo abre mão de sua pretensão punitiva.
Neste sentido, GOMES (2003, p. 76) colaciona o seguinte entendimento:
Despenaliza-se aquilo que não afronta os interesses albergados na Constituição; penaliza-se aquilo que, antes atípico, revestiu-se, em face da Lei Maior, de significação social, por violar valores ou interesses que passaram a ser constitucionalmente tutelados. Márcia Dometila Lima de Carvalho propugna, acertadamente, que a lei penal necessita ficar circunscrita dentro dos limites bem definidos do texto constitucional. O resultado disso é que, na hierarquia dos valores expressos no texto da Lei Maior, capta-se a necessidade de realização de um processo despenalizador, e de outro processo de penalização, realizados, ambos, a partir de premissas constitucionais.
No que diz respeito à descriminalização tem-se como ponto de partida o
entendimento de SILVA (2000, p. 258), que conceitua descriminalização como: “(...) o ato de
se considerar atípico fato antes previsto como crime ou contravenção”.
No ensinamento supra, observa-se que, com objetividade, porém com total clareza, é
possível se atingir a idéia central do instituto, ou seja, descriminalizar é basicamente tirar a
tipicidade de determinada conduta que antes era definida como ilícita.
Aqui, percebe-se o critério legislativo sobre o judicial e GOMES (2003, p. 75)
comenta: “Assim, o que antes era proibido passa a ser permitido. Constituiu técnica de
processo legislativo orientada por critérios de política criminal.”
GOMES (2003, p. 76) adverte que a descriminalização pode ser derivada de dois
fatores, e sobre os mesmos expõe:
Por um lado, há situações em que a descriminalização da conduta corresponde a uma renúncia do Estado em regular determinada manifestação humana, principalmente quando os valores sociais não mais rotulam aquele comportamento como reprovável; por outro lado, verificam-se hipóteses em que a descriminalização resulta da necessidade de se buscar um outro mecanismo de controle social mais eficaz do que o Direito Penal. Nesse último caso, não se opera uma alteração no juízo social negativo que incide sobre a conduta incriminada, mas apenas uma mais adequada e racional reavaliação das vantagens e das possibilidades do sistema penal.
Desta forma, percebe-se que a Lei 9.099/95 não tratou de descriminalizar qualquer
conduta, trazendo ao sistema processual penal algumas despenalizantes, já antes comentadas
no capítulo anterior.
2.3 TRANSAÇÃO PENAL, O DEVIDO PROCESSO LEGAL E A PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA
Logo após a confecção da Lei 9.099/95 se estabeleceu importante discussão acerca
da possibilidade do novo instituto afetar os princípios constitucionais do devido processo
legal e da presunção de não culpabilidade do autor do fato.
O caso é que a própria Lei veio regulamentar uma disposição constitucional (art. 98,
I), criando, assim, um procedimento para a tramitação dos delitos de sua competência.
Assim, quando se fala em devido processo legal, princípio constitucional implantado
no art. 5º, dentre aqueles constantes nos incisos XXXIX, LIII, LIV e LVII, da Constituição
Federal, tem-se que, embora não seja o processo trazido pelo Código de Processo Penal, os
procedimentos da Lei 9.099/95 constituem a organização dos atos judiciais a fim de que sejam
observados os princípios constitucionais dentro da lógica do devido processo legal, sob a nova
ótica da Lei dos Juizados Criminais.
MIRABETE (2002, p.128) defende a tese de que a Lei dos Juizados Especiais não
trás prejuízo ao disposto no art. 5º da Constituição Federal, pelo que expõe:
Têm-se alegado que o instituto da transação viola os princípios constitucionais do devido processo legal e da presunção de não culpabilidade, com que não se pode concordar. Não se viola o princípio do devido processo legal porque a própria Constituição Federal prevê o instituto, não obrigando a um processo formal, mas a um procedimento oral e sumaríssimo (art. 98, I) para o Juizado Especial Criminal, e nos termos da Lei, estão presentes as garantias constitucionais de assistência de advogado, de ampla defesa, consistente na obrigatoriedade do consenso e na possibilidade da não aceitação da transação. Trata-se da possibilidade de uma tática de defesa concedida ao apontado como autor do fato. Não se viola o princípio da presunção de não culpabilidade porque há uma aceitação por parte do interessado, que não implica confissão de culpa.
Assim, tendo a própria Constituição Federal trazido a previsão de um processo mais
célere, baseado na oralidade e demais princípios já comentados, não há que se falar em
inconstitucionalidade, já que são observados os procedimentos de um processo.
Resta claro, portanto, que o devido processo legal é obedecido e que a presunção de
inocência é respeitada. Sobre esta última, é importante salientar ainda que a transação penal é
um benefício invocado pela Lei dos Juizados Criminais, e assim concede todo o direito do
autor do fato recusar a proposta formulada pelo Ministério Público, frente a possível vontade
de ter sua inocência comprovada em uma persecução criminal.
Tal caso fica evidente quando se efetua uma simples leitura no caput do art. 76, que
menciona a possibilidade de aplicação da transação penal desde que não seja caso de
arquivamento.
Ora, para se chegar à conclusão de o termo circunstanciado ser ou não caso de
arquivamento, percebe-se essencial que o Ministério Público analise os autos e encontre, no
mínimo, indícios de atividade criminosa e/ou de autoria do acusado. Não os encontrando,
como medida salutar à boa justiça, deve requer o arquivamento do termo circunstanciado.
Nesta orientação, TOURINHO FILHO (2003, p. 99) coaduna:
(...) bem poderá o Promotor de Justiça, antes de mais nada, se o fato for atípico, ou se cuidar de infração de bagatela, por exemplo, requerer o arquivamento do Termo Circunstanciado ou de outras peças que venham a substituí-lo, cabendo ao Juiz, se discordar das razões invocadas, aplicar a regra do art. 28 do CPP (...).
Deste modo, fica evidente que o instituto da transação penal se atém aos princípios
constitucionais, não imputando culpa ao transacionado, nem fazendo com que o mesmo
conste no rol dos condenados, haja vista estar na fase pré-processual, sem denúncia e, por
conseqüência, sem fase probatória apta a instruir um processo.
A mais, FIGUEIRA JR. E LOPES (2000, p. 600) também opinam:
(...) embora vigore o critério da informalidade e da oralidade, nesse novo “processo legal” deverão estar reunidos todos os elementos necessários para a caracterização do fato delituoso a ser decidido, de forma a permitir ao MP a formação da opinio delicti e ao autor do fato e sua defesa técnica o exame, no exercício de sua ampla defesa, do que melhor lhe convier, nas circunstâncias. Tanto isso é verdade, que a Lei dos Juizados Especiais Criminais determina que a proposta de transação penal seja feita apenas quando não seja caso de arquivamento.
Uma interessante explanação é feita por JESUS (2003, p. 66) quando comenta acerca
de a transação penal ser instituto que está, no que ele denominou, de espaço de consenso. O
autor chama a atenção para o fato de que os princípios não devem ser absolutos e sim
relativos. Dessa maneira, desde que o legislador analise determinadas circunstâncias em que a
adoção de determinadas medidas trarão melhor resposta às necessidades sociais, o mesmo não
pode se prender a princípios que na idéia geral, como no caso em estudo, não afetaram de
maneira grosseira e prejudicial a figura do autor do fato.
Sobre esta discussão, JESUS (2003, p. 66) ainda acrescenta:
A aceitação, pelo autuado, de uma pena menos severa, encerrando-se o episódio, encontra fundamento como expressão da autonomia de sua vontade e como livre manifestação de sua defesa. Ele, voluntariamente, abre mão de suas garantias constitucionais.
Outro elemento importante é que a transação penal não trás ao autor do fato o
prejuízo da aceitação tácita de sua culpa no evento, não gerando, inclusive, efeitos para
reincidência. Não há como a aceitação do benefício indicar ao autor do fato sua culpabilidade
no ocorrido já que não há a instrução do processo, este que é a única forma de se discutir o
mérito da questão, trazendo ao Juiz condições para sua manifestação nos autos.
Vale lembrar que, em não havendo denúncia e instrução criminal, figuras típicas de
um processo, ratifica-se ainda mais o caráter de benefício do instituto, já que o autor do fato,
por livre arbítrio, aceita, ou não, a transação penal.
GOMES (2003, p. 125), citando a obra Processo Penal Constitucional de Antônio
Scarance Fernandes, comenta acerca da não atribuição de culpa ao beneficiado com a
transação penal: “(...) o autor do fato, ao aceitar a proposta do Ministério Público, não estará
reconhecendo a sua culpa, tanto assim que não perde a primariedade e a anotação no registro
criminal só terá a finalidade de impedir outra transação no prazo de cinco anos”.
Com relação à reincidência, MIRABETE (2003, p. 161) cita o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça que assim se manifestou:
Transação penal – Sentença homologatória – Ato que não gera reincidência, nem fomenta maus antecedentes, acaso praticada posteriormente outra infração – Inteligência da Lei 9.099/95 – Voto vencido. (...) A sentença homologatória de transação penal realizada nos moldes da Lei 9.099/95, não obstante o caráter condenatório impróprio que encerra, não gera reincidência, nem fomenta maus antecedentes, acaso praticada posteriormente outra infração. (RT 789/573).
Sobre isto, comentam GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES E GOMES
(2002, p. 160): “Outra importante c omprovação de que a aplicação da sanção penal não
implica reconhecimento da culpabilidade penal está na previsão legal no sentido da proibição
de registro criminal, salvo para impedir nova transação penal no prazo de cinco anos.”
2.3.1 A conversão da palavra “poderá” em “deverá” no caput do art 76
Está presente no texto do artigo que o Ministério Público poderá propor a aplicação
imediata de pena restritiva de direitos ou multa. Desta forma, ainda nessa discussão acerca da
constitucionalidade da medida alternativa, pode ser notada no texto da lei certa deficiência
quanto à expressão utilizada pelo legislador.
O fato é que a transação penal é, como antes visto, uma despenalizante capaz de
extinguir a punibilidade do autor do fato, por óbvio se cumpridas algumas condições.
Observados os requisitos, não sendo ainda caso de arquivamento, o Órgão Ministerial tem sim
o “dever” de ofertar o benefício ao autor do fato.
Seria descabido, se mesmo que legalmente apto a sofrer a transação penal, o
Ministério Público não a disponibiliza-se, alegando motivos outros que não aqueles
explicitados no art. 76, §2º, da Lei 9.099/95 (as condições para a transação penal serão
analisadas ainda no curso deste capítulo).
TOURINHO FILHO (2003, p. 99) trás seu entendimento sobre a problemática:
Não vigora, entre nós, o princípio da oportunidade. Uma vez satisfeitas as condições objetivas e subjetivas para que se faça a transação, aquele poderá converte-se em deverá, surgindo para o autor do fato um direito a ser necessariamente satisfeito. O Promotor de Justiça não tem a liberdade de optar entre ofertar a denúncia e propor simples multa ou pena restritiva de direitos. Não se trata de discricionariedade. Formular ou não a proposta não fica a sua discrição. Ele é obrigado a formulá-la. E esse deverá é da Instituição.
No que explicam GRINOVER, GOMES FILHO, FERNADES E GOMES (2002, p.
143) a leitura do artigo deve ser feita no sentido de se interpretar como um poder-dever do
Ministério Público e em virtude comentam: “Pe nsamos, portanto, que o “poderá” em questão
não indica mera faculdade, mas um poder-dever, a ser exercido pelo acusador em todas as
hipóteses que não se configurem as condições do § 2º do dispositivo.”
Tomando-se por base a citação acima e tendo em conta que tais autores supra
referidos participaram da criação da Lei 9.099/95, fica claro que o espírito do legislador era de
que, presentes as condições, o Ministério Público teria a obrigação da oferta despenalizante.
Com isso, não se trata da possibilidade de que o instituto da transação penal afronte a
presunção de inocência e nem tão pouco não dê atenção ao devido processo legal. Trata-se,
antes de mais de nada, de um benefício. Assim, importante é frisar que tal medida é facultada
ao autor do fato, caso entenda melhor discutir o mérito da situação, e, desde que presentes os
indícios capazes de embasar uma denúncia, assim será feito.
2.4 REQUISITOS DA TRANSAÇÃO PENAL
Conforme antes exposto, há a necessidade de o autor do fato preencher algumas
condições para ser capacitado a transacionar. Vale salientar que essas condições são causas
que inviabilizam o oferecimento do benefício e necessitam serem comprovadas, sendo que o a
intenção do legislador foi no intuito de o Ministério Público comprovar caso o autor do fato
incorresse em um dos incisos do parágrafo segundo do art. 76. Dessa maneira, a seguir será
comentado a respeito dessas causas impeditivas.
2.4.1 Causas impeditivas da transação penal
2.4.1.1 Anterior condenação à pena privativa de liberdade pela prática de crime
A primeira causa impeditiva trata da impossibilidade de se oferecer a transação penal
ao autor do fato anteriormente condenado à pena privativa de liberdade pela prática de ato
criminoso.
Do texto da Lei se lê: § 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado: I - ter
sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por
sentença definitiva.
Relevante notar que o texto legal fala em crime, não fazendo menção às
contravenções penais, também se referindo à pena privativa de liberdade e não àquelas
substituídas por restritivas de direitos e/ou multa.
Outro importante ponto se apresenta quando o inciso primeiro expõe a condição de a
sentença que condenou o autor do fato, em processo anterior, ser definitiva. À luz do que
prescreve a Constituição Federal, em especial o art. 5º, LVII, não se pode atribuir a culpa de
determinada atividade criminosa a alguém até que se tenha transitado em julgado a decisão
condenatória.
Assim, quando se lê “sent ença definitiva” percebe -se que o legislador se reporta
àquela sentença em que não cabe mais recurso, ou seja, com trânsito em julgado. Ademais, o
inciso menciona a expressão autor da infração, o que poderia ter sido evitado assim como foi
em outras oportunidades no texto legal.
GRINOVER, GOMES FILHO, FERNADES E GOMES (2002, p. 150), a respeito,
ensinam:
Note-se, antes de mais nada, que a lei s refere aqui ao autor da infração, talvez por tratar-se de pessoa já condenada por sentença passada em julgado. Contudo, com relação ao fato que deu margem à audiência de conciliação, o suposto agente ainda é simplesmente um autuado. Melhor fora, se o inc. I em exame tivesse se referido, como em outras passagens, ao autor do fato.
Ponto que trouxe alguma divergência quando levantado, mas que hoje encontra
amparo no pensamento de muitos juristas é o fato de se levar em conta o transcurso do prazo
de cinco anos do trânsito em julgado de sentença condenatória à pena privativa de liberdade e
o fato que deu origem ao termo circunstanciado.
Abre-se, neste sentido, a possibilidade de se analisar analogicamente o que diz o art.
64, I, do Código Penal, quando trata da reincidência, e o próprio inciso II, do parágrafo
segundo, do artigo em estudo.
Demonstrando-se a celeuma que o ponto trás, vale ler o que MIRABETE (2001, p.
145) pensa:
(...) ainda que decorridos mais de cinco anos entre o trânsito em julgado da sentença condenatória anterior e a audiência preliminar, veda-se a possibilidade de transação. Ainda que se possa criticar essa omissão, não é possível aplicar aqui a analogia, visível que é a vontade da lei em não estabelecer, no caso, o princípio da temporariedade quanto ao impedimento em exame, como faz no inciso II. Não há, na hipótese, lacuna involuntária da lei que possibilite a aplicação da analogia. Há, porém, manifestações em contrário.
TOURINHO FILHO (2003, p. 114) contesta:
(...) se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração de menor potencial ofensivo decorreu lapso de tempo superior a cinco anos aquela condenação perdeu toda a sua eficácia pêra efeito de reincidência. O condenado retorna à sua condição de primário, e, por isso mesmo, seria um não-
senso negar-lhe o benefício da proposta na audiência preliminar.
Exposados os entendimentos contrários, faz-se mister destacar que este último é o
majoritário. Além do mais, como comentário derradeiro acerca desta causa impeditiva,
percebe-se que a prática forense tem adotado o entendimento da maioria. O próprio Juizado
Especial Criminal da Comarca de Florianópolis, Fórum Central, tem adotado tal prática,
sendo que a 22ª Promotoria de Justiça, que atua junto ao juízo, pratica a transação penal
nesses termos.
2.4.1.2 Anterior benefício, no prazo de cinco anos
Menciona o inciso II, que fica inviabilizada a proposta de transação penal caso
tenho sido, o autor do fato, beneficiado com o mesmo instituto no prazo inferior a cinco anos.
A redação do inciso vem assim disposta: II - ter sido o agente beneficiado
anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos
deste artigo.
Tal condição exposta por este inciso denota que a Lei intentou, com tal disposição,
evitar a sensação de impunidade que a concessão corriqueira do benefício poderia causar.
Nesse compasso, GRINOVER, GOMES FILHO, FERNADES E GOMES (2002, p. 151)
opinam: “A lei quis beneficiar o autor de fatos enquadráveis nas infrações penais de menor
potencial ofensivo, mas não incentivar sua impunibilidade”.
Concernente à contagem do lapso temporal, MIRABETE (2001, p. 145) comenta da
seguinte forma: “Na falta, de expresso termo inicial desse prazo, o decurso do lapso temporal
deve ser contado entre a transação efetivada anteriormente e a data de realização de audiência
preliminar”.
FIGUEIRA JR. E LOPES (2000, p. 609) reforçam: “O prazo de cinco anos referido
no inciso II do artigo em comento será contado da data em que for declarada extinta a pena
restritiva de direitos ou multa anteriormente aplicada e não da data da sentença que a fixar ou
de seu trânsito em julgado”.
Acerca de o período atribuído ser de cinco anos, TOURINHO FILHO (2003, p. 115),
tece o seguinte comentário a respeito: “Ora, por que no prazo de cinco anos? Certamente
partindo do princípio de que após cinco anos do cumprimento da multa ou da medida
restritiva o autor do fato retorna ao cotidiano, com conduta penalmente incensurável”.
Neste sentido, ao se efetuar a leitura do § 4º, do art. 76, se percebe que, também se
fazendo alusão ao fato da transação penal não gerar reincidência, o citado parágrafo explica
que se fará o registro da concessão do benefício apenas para se evitar o oferecimento do
mesmo instituto no prazo inferior ao de cinco anos.
2.4.1.3 Ausência de condições ou circunstâncias pessoais do autor do fato que autorizem a
proposta de transação penal
Nos termos do inciso III, se as circunstâncias pessoais do autor do fato não
indicarem, de bom alvitre, a propositura da transação penal, o Ministério Público pode deixar
de propô-la. Percebe-se, como se verá pela leitura do dispositivo, que está presente neste
inciso a demonstração de certa cautela por parte do legislador.
O inciso III está assim disposto: III - não indicarem os antecedentes, a conduta social
e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e
suficiente a adoção da medida.
Além dos requisitos antes expostos, o legislador deixou ainda uma saída caso pareça
visível que a transação penal ao autor do fato possa não surtir efeito. Trata-se, aqui, de única
causa impeditiva de caráter subjetivo, autorizando o Ministério Público omitir-se no exercício
da transação penal.
Quanto à nomenclatura usada, referindo-se ao agente, também no caso do inciso
anterior, e não ao autor do fato como utilizado pela lei em outras passagens, denota-se um
ponto negativo. A utilização padronizada da expressão autor do fato seria melhor empregada,
já que, neste caso, não se está falando de condenação anterior assim como no inciso I.
Quanto ao caráter subjetivo da adoção desta causa impeditiva, MIRABETE (2001, p.
146) se posiciona:
Nesse caso pode ser que seja necessária a aplicação de pena mais severa, deixando o Ministério Público de apresentar, justificadamente, a proposta de aplicação das penas menos rigorosas. Evidentemente, tratar-se de uma apreciação subjetiva do membro do Parquet e só a ele caberá decidir se o
agente reúne ou não as condições e circunstâncias favoráveis para a obtenção do benefício da transação.
Importante ponto, no que diz respeito à análise aos antecedentes do autor do fato,
citada no inciso III, levanta TOURINHO FILHO (2003, p. 116) quando comenta:
Que antecedentes seriam, então, impeditivos? Por antecedentes se entende a vida anteacta, a vida pretérita do autor do fato. Se esses fatos elencados nos itens I e II do § 2º, cujo estudo vimos de empreender, não constituem antecedentes obstativos à proposta de aplicação de pena restritiva ou multa, quais seriam esses antecedentes? Inquéritos arquivados? Sentenças absolutórias por falta de prova? Cremos que representando este um minus em relação àqueles, não devem ser levados em consideração, em respeito mesmo ao princípio da “presunção de inocência”. Assim, entendemos que nessas condenações anteriores, atingidas pela prescrição, inquéritos arquivados, absolvições por insuficiência de provas, devem ser levadas em conta para impedir o benefício dês que valoradas em face do comportamento social do autor do fato, da sua vida privada, do seu comportamento antes e depois da prática da infração.
Vê-se, dessa maneira, que a valoração dos antecedentes e das condições pessoais do
autor do fato objetivando-se a não oferta da transação penal, é medida que exige muita
cautela.
Vale salientar que pela simplicidade do termo circunstanciado, por vezes pode pairar
a dúvida sobre tais condições. Neste caso, a dúvida, entende-se, deve atender ao autor do fato,
pela dificuldade de se observar aos critérios subjetivos inerentes ao presente inciso.
2.5 O PAPEL DO JUIZ NA TRANSAÇÃO PENAL
2.5.1 Possibilidade da proposta ser feita pelo juiz
Existe importante discussão quanto à possibilidade de o magistrado realizar a proposta
de transação penal quando o Órgão Ministerial assim não o fizer.
Já foi apresentada a idéia de que o Ministério Público não possui a faculdade de
ofertar a proposta despenalizante caso estejam presentes todas as condições do art. 76 da Lei
dos Juizados, tratando-se, logo, de um direito do autor do fato e um dever do Promotor de
Justiça. Não obstante isso, há entendimento em lados opostos, que serão vistos na seqüência.
MIRABETE (2003, p. 131) transparece clara sua opinião quando discorre o seguinte:
Ao contrário do que se tem afirmado, entendemos não ser a transação prevista no art. 76 um direito público subjetivo do autor do fato, de modo a possibilitar que seja apresentada contra a vontade do Ministério Público, quer por iniciativa do juiz, quer por requerimento do interessado. Trata-se aqui, aqui, do eventual exercício da pretensão punitiva, cabendo exclusivamente ao Promotor de Justiça a titularidade do jus persequendi in judicio, nos expressos termos do art. 129, I da Constituição Federal.
O mesmo autor ainda adverte: “Assim, o Poder Judiciário só pode verificar a presença
de condições legais que permitem a opção por parte do Ministério Público, mas não fiscalizar
a oportunidade, o mérito da opção formulada pelo titular”. (MIRABETE,2003, p.131)
Neste sentido, percebe-se evidente a posição do doutrinador. Todavia, os argumentos
em contrário também são fortes. O doutrinador JESUS (2003, p. 74) apresenta três posições
caso o Ministério Público se recuse a ofertar a transação penal. São elas:
1) O juiz especial não pode fazer proposta ao autuado nem lhe aplicar, imediatamente, pena restritiva de direitos ou multa (...); 2) O juiz pode fazer a proposta. É a nossa orientação (...); 3) O juiz não pode propor a medida de ofício, cumprindo remeter o feito ao Procurador Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP.
Desta forma, fica notório o embate entre as opiniões dos doutrinadores. Indo ao
encontro da posição adotada por Damásio de Jesus, antes citado, o Fórum Nacional dos
Juizados Especiais (FONAJE), editou enunciado tratando do assunto, e mais, combatendo a
possibilidade de envio dos autos ao procurador Geral de Justiça, na forma do art. 28 do CPP.
Vale ressaltar que mesmo considerando que os enunciados não possuem força de lei,
estes denotam a vontade de padronização das atividades judiciais. Neste sentido, trás o
enunciado a seguinte orientação: “Enunciado 6 – O artigo 28 do CPP é inaplicável, no caso de
não apresentação de proposta de transação penal ou de suspensão condicional do processo,
cabendo ao juiz apresentá-las de ofício, quando satisfeitos os requisitos legais.” Enunciado
constante no material distribuído no XV FONAJE realizado na cidade de Florianópolis entre
os dias 26 e 28 de maio de 2004.
Quanto à possibilidade de remessa dos autos de acordo com o art. 28 do Código de
Processo Penal, assim como o Fórum Nacional dos Juizados Especiais estabeleceu,
MIRABETE (2003, p. 136), indo ao encontro da corrente majoritária, explica a
impossibilidade da adoção de tal medida ante a clareza da redação do comentado artigo,
através da seguinte fundamentação:
(...) inaplicável a analogia na hipótese. Em primeiro lugar, por não haver lacuna involuntária na lei, já que esta prevê a iniciativa exclusiva do Ministério Público, excluindo, portanto, a de terceiro. Em segundo lugar, porque o art. 28 do Código de Processo Penal tem a finalidade de se impedir que se arquive indevidamente o inquérito policial, deixando o Ministério Público de exercer a sua titularidade da penal.
Assim, quanto à possibilidade do juiz ser o titular da transação penal, parece mais
coerente a adoção desta última medida explicitada pelo FONAJE, haja vista que o espírito da
Lei 9.099/95 fundamenta-se em seu caráter de agilidade e celeridade, não podendo, como
antes comentado, afrontar os princípios constitucionais.
Portanto, deixando o magistrado de oferecer a transação penal ao autor do fato que
preencha os requisitos legais e que tenha sido vedada tal possibilidade pelo Ministério
Público, o juiz estaria agindo conforme o desiderato proposto pela Lei dos Juizados e pela Lei
Maior, a Constituição Federal.
2.5.2 Homologação da proposta aceita
Realizada a audiência de transação penal, tendo sido aceita a medida alternativa pelo
autor dos fatos, o próximo passo é a apreciação do juiz para se analisar a sua concordância
quanto ao ato realizado. Este procedimento passa pelo crivo do magistrado para efetuar a
última análise quanto à legalidade e a conveniência da adoção da despenalizante.
Desta forma, o juiz exerce o controle jurisdicional sobre o instituto da transação. O
magistrado, se atendo aos requisitos da transação penal e à a aceitação por parte do autor do
fato e de seu defensor, homologa o acordo avençado com o Ministério Público, podendo, caso
a medida tenha cunho pecuniário, diminuí-la da metade, consoante estabelece o art. 76, § 1º,
da Lei 9.099/95.
Existem, ainda, duas posições conflitantes quanto à possibilidade de o juiz interferir na
proposta do Ministério Público. Acerca de tal idéia vale citar dois entendimentos contrários.
GRINOVER, GOMES, FILHO, FERNANDES E GOMES (2002, p. 156), a favor da
participação do juiz na proposta, alegam:
(...) entendemos que a participação do juiz deve ocorrer antes da aceitação da proposta, alertando o autuado e seu defensor quanto ao rigor excessivo da oferta do ministério Público e tentando persuadir o represente do órgão sobre a conveniência de sua mitigação. (...) em último caso deverá observar a vontade dos partícipes.
Já MIRABETE (2003, p. 150) afirma:
Não cabe ao juiz avaliar o valor da proposta, se vantajosa para o Estado ou para o infrator, verificando apenas a legalidade da adoção da medida proposta, tratando-se, como se trata, de conciliação entre as partes em que obedeceram aos requisitos legais.
Respeitando os entendimentos divergentes, vale destacar que tal discussão não se
apresenta preponderante, cabendo apenas ser citada. O fato é que na audiência destinada à
proposta da medida alternativa estarão presentes juiz, Ministério Público, autor do fato e seu
defensor. Assim, não sendo repleto de formalismos, o dito evento pode ser travado um
diálogo entre todos acerca da proposta. A questão maior, que necessita ser sempre observada,
é o fato de se tratar de uma despenalizante que visa a tramitação célere e informal dos feitos.
Desta forma, há que haver a vontade sempre de se resolver o problema, sobretudo de pacificar
o conflito. Do contrário, não vislumbrando condições pessoais do autor do fato para a oferta
da proposta, o Promotor de Justiça tem suas faculdades descritas no texto da Lei.
Entendimento pacificado está quanto ao fato da impossibilidade de o juiz homologar a
transação penal sem antes ter ocorrido o evento conciliatório, destinado à composição entre
em as partes, podendo inclusive ser de caráter pecuniário. Tal necessidade, claro, versa sobre
delitos com ação penal pública condicionada à vontade da vítima. Em se tratando de ação
pública incondicionada, a única etapa preliminar é a transação penal.
Fica vedado ao juiz acrescentar efeitos penais sem a manifestação dos interessados.
Cabe o magistrado, após encerrada a audiência, concordar com a transação ou não, sendo
impossível o acréscimo de condições sem a anterior consulta do autor do fato.
Em não sendo aceita a proposta pelo autor do fato ou não sendo homologada a
transação penal pelo juiz, seguem-se os trâmites nos moldes do rito da Lei 9.099/95, podendo
o Promotor de Justiça oferecer denúncia oral, sobrevindo, então, caso faça jus o autor do fato,
a outra despenalizante: suspensão condicional do processo (art. 89). Sobrevivem, no caso de
não homologação, por parte do magistrado, algumas possibilidades que serão analisadas no
tópico 2.5.2.2.
2.5.2.1 Natureza jurídica da sentença homologatória
Como alguns pontos já tratados, a natureza jurídica da sentença que homologa a
transação penal também trás discussão quanto a sua classificação. Há entendimentos de que a
decisão possui caráter declaratório, constitutivo ou condenatório.
Assim, por sentença de caráter declaratório tem-se, nas palavras de PAZZAGLINI
FILHO, MORAES, SMANIO E VAGGIONE (1999, p. 59), aquilo que “(...) declara o que já
existe, torna seguro o que era até então inseguro, através da coisa julgada sobre o fato
existente (...). Produz efeito ex tunc, isto é, retroage para alcançar a data do fato declarado”.
Nessa vertente, uma decisão classificada como constitutiva é aquela que além de
declarar uma situação já existente, cria outra. Vale ressaltar que decisões com esta
característica geram efeitos ex tunc, que retroagem, e ex nunc, que apresentam eficácia para o
futuro.
A classificação condenatória, apresentada por muitos como a que classifica o instituto
da transação penal, se caracteriza, no entendimento de PAZZAGLINI FILHO, MORAES,
SMANIO E VAGGIONE (1999, p. 59), como:
(...) declaratória por declarar a situação existente, além de ser constitutiva, criando para o sentenciado uma situação nova, até então inexistente, e impondo-lhe uma sanção penal, que
será posteriormente executada. A execução é a efetivação da sentença condenatória.
Dessa maneira, asseveram os mesmos autores acerca da natureza jurídica do instituto
da transação penal da seguinte forma:
(...) a natureza jurídica da sentença homologatória da Transação Penal é condenatória. Primeiramente, declara a situação do autor do fato, torna certo o que era incerto. Mas além de declarar, cria uma situação nova para as partes envolvidas, ou seja, cria uma situação jurídica que ante então não existia. E ainda impõe uma sanção penal ao autor do fato, que deve ser executada.
Corroborando tal entendimento MIRABETE (2001, p. 152) explana que:
Ainda que em desacordo com outras opiniões, a pena restritiva ou multa imposta tem natureza jurídica de sanção penal. Não só a lei refere-se às penas restritivas de direitos e multa, como, em sua execução, privados são os autores do fato de bens jurídicos que só podem ser atingidos por sanções penais (liberdade, na limitação de fim de semana, trabalho gratuito na prestação de serviços à comunidade etc.
Já na corrente contrária existem aqueles que não atribuem à transação penal o caráter
condenatório, afirmando tratar-se de uma decisão de simples cunho homologatório.
GRINIVER, GOMES, FILHO, FERNANDES E GOMES (2002, p. 157) advertem: “Na
verdade, a sentença não é absolutória nem condenatória. Trata-se simplesmente de uma
sentença homologatória de transação”.
Para embasarem tal idéia GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES E GOMES
(2002, p. 157) explicam:
A conclusão só pode ser esta: a sentença que aplica a pena em face do consenso dos interessados, não é absolutória nem condenatória. Trata-se simplesmente de sentença homologatória de transação, que não indica acolhimento nem desacolhimento do pedido do autor (que sequer foi formulado), mas que compõe a controvérsia de acordo com a vontade dos partícipes, constituindo título executivo judicial. São os próprios envolvidos no conflito a ditar a solução para a sua pendência, observados os parâmetros da lei.
No entendimento de TOURINHO FILHO (2003, p. 120), o mesmo adota a corrente
contrária à aceitação do caráter condenatório da transação penal. Da seguinte forma discorre o
autor:
(...) a última parte do § 6º deixa bem claro que a decisão que homologa a transação não é condenatória. Se fosse, teria ela eficácia executória para os fins civis, nos termos dos arts. 91, I, do CP e 63 do CPP. Não a tendo, cumprirá ao ofendido promover a ação reparatória no juízo competente.
Percebe-se, então, a existência de grande controvérsia acerca da classificação quanto à
natureza jurídica da transação penal. O que se pode notar, não obstante a celeuma que o tema
apresenta, é que todos reconhecem que a transação penal gera uma obrigação ao autor do fato
e que pode ser executada, sendo que quando cumprida põe termo ao procedimento para a
apuração de responsabilidade criminal. Isso se percebe quando, por exemplo, GRINOVER,
GOMES, FILHO, FERNANDES E GOMES (2002, p. 158) comentam que “(...) é
inquestionável que a homologação da transação configura sentença, passível de fazer coisa
julgada material, dela derivando o título executivo penal”.
2.5.2.2 Possibilidade de recurso contra a decisão homologatória
Está explicitado no parágrafo quinto, do art. 76, que da sentença prevista no parágrafo
quarto, decisão homologatória, caberá apelação, referida no art. 82 desta Lei.
Tomando-se a leitura do artigo 82, colhe-se o entendimento de que caberá o recurso no
prazo de dez dias da intimação do autor do fato e de seu defensor.
Abrindo aqui um breve parêntese, nota-se que a Lei fala também na figura do
defensor, presença que se não confirmada traz nulidade ao ato. A respeito, MIRABETE
(2002, p. 148) comenta que “é inadmissível, aliás, p or forca do art. 76, § 3º, a homologação da
transação na ausência de advogado ou defensor nomeado”,
A jurisprudência catarinense ratifica o entendimento quando desta forma decidiu a
Turma de Recursos em autos oriundos da Comarca de Gaspar:
TRANSAÇÃO PENAL. Artigo 76, parágrafo terceiro da Lei n° 9.099/95 Inexistência da presença de defensor. Nulidade verificada. Sentença homologatória anulada. Nos termos do enunciado n° 11 do Primeiro Encontro das Turmas de Recursos do Estado de Santa Catarina: "O autor da infração penal, em caso de transação, deve ser obrigatoriamente assistido por advogado". Recurso conhecido e provido para o fim de anular a sentença homologatória (A.C. 48/99. Juiz Relator: Rubens Schulz).
Esposado a obrigatoriedade da presença de advogado em ato de transação penal, a
questão a ser analisada, então, recai sobre em quais situações cabe recurso da decisão
homologatória.
O recurso da sentença homologatória, que alude o artigo 82, é cabível quando o juiz
não toma por base aquilo que foi acordado entre o Ministério Público e o autor do fato.
Imputando o juiz na sentença homologatória algo diverso daquilo que foi decidido em
audiência de transação penal com o Ministério Público, o autor do fato pode apelar à Turma
de Recursos no prazo antes evidenciado.
O que não se pode confundir, e por vezes ocorre na prática, é a idéia descabida de que
há a possibilidade de recurso por parte da vítima em relação à transação penal aceita pelo
autor do fato. Isto em se tratando de ação pública, já que na ação penal privada, tratada no
próximo capítulo, a questão apresenta diferenças basilares que serão observadas.
Como foi antes explicado, a transação penal configura um benefício, uma
despenalizante que pode socorrer aqueles que preenchem as condições necessárias. Dessa
forma, se nem o Ministério Público possui total faculdade, possuindo uma discricionariedade
regulada, conforme já mencionado em tópico anterior, na oferta do Instituto, o que se dirá da
vítima manifestando a sua oposição.
Com isso, tem-se que o magistrado não pode alterar os limites da composição antes
firmada em ato próprio. Percebe-se, desse modo, que o recurso que menciona o Art. 82 cabe
somente em hipótese de homologação do juiz quando do exercício do seu controle
jurisdicional.
Mas o que cabe ao autor do fato quando o mesmo firma a obrigação com o Órgão
Ministerial e o juiz não homologa o acordo avençado? A resposta, neste caso, não encontra
abrigo na legislação.
Apontando tal problemática, FIGUEIRA JR. E LOPES (2000, p. 614) com o seguinte
asseveram:
(...) em caso de uma execução forçada, com base em uma sentença que não atendeu aos pressupostos e requisitos legais para sua validade, poderá se socorrer do habeas corpus, posto que, se tal ocorrer, é evidente que estará havendo constrangimento e coação ilegais, já que o agente só poderá ser obrigado na forma da lei.
O Habeas Corpus5, então, se apresenta como figura de recurso a ser adotada, visando
o trancamento da ação penal.
2.6 CONSEQUENCIAS DO NÃO CUMPRIMENTO DA TRANSAÇÃO PENAL
Aceitando a proposta formulada pelo Ministério Público, o autor do fato assume o
compromisso de satisfazê-la. A questão que cerca a possibilidade do autor do fato não dar
quitação ao acordo firmado com o Ministério Público insurge-se de opiniões divergentes.
É bastante discutido o caso do autor do fato deixar de atender ao acordado na
transação penal, se impondo contra o mesmo a decretação de prisão e/ou oferecimento de
denúncia.
Tal ponto foi objeto de pauta no XV FONAJE, quando alguns magistrados da região
norte do país comentaram a prática reiterada da decretação de prisão aos autores do fato que
deixassem de atender ao acordo de transação penal, levantando-se, inclusive, a idéia da
dúvida quanto à natureza jurídica que teria essa prisão.
O fato já foi decido pelo próprio FONAJE, quando do XI Encontro, ocorrido em
Campo Grande/MS, que chegou à conclusão de que, no caso de homologada a transação penal
e não sendo cumprida a medida alternativa, o procedimento penal prosseguirá. Porém, a
questão que se apresenta como dúvida por parte dos próprios magistrados é quanto ao
próximo passo a ser tomado.
5 Instituto jurídico que visa proteger a liberdade de locomoção.
Fica a idéia do Enunciado 57 do FONAJE que menciona: “A transação penal será
homologada de imediato e poderá conter cláusula de que, não cumprida, o procedimento
penal prosseguirá”.
O entendimento dado quanto à orientação, que fala em prosseguimento do
procedimento penal, é no sentido de ser dada vista dos autos ao Promotor de Justiça para
possível deflagração da ação penal.
Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal já decidiu da seguinte maneira:
TRANSAÇÃO – JUIZADOS ESPECIAIS – PENA RESTRITIVA DE DIREITOS – CONVERSÃO – PENA PRIVATIVA DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE – DESCABIMENTO. A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente da transação, em privativa do exercício da liberdade discrepa da garantia constitucional do devido processo legal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia. (HABEAS CORPUS Nº 79.572-GO – REL. MIN. MARCO AURÉLIO) – (grifo nosso).
Vale ressaltar que o Enunciado 57 comenta a necessidade de conter na sentença
homologatória cláusula que abra essa oportunidade. Não havendo sido feita essa ponderação,
fica inviável o oferecimento da denúncia, conforme menciona o Enunciado 14 do FONAJE,
que traz a redação de tal maneira: “É incabível oferecime nto de denúncia após sentença
homologatória de transação penal, podendo constar da proposta que a sua homologação fica
condicionada ao cumprimento do avençado.”
Indo ao encontro do esposado, AMARAL (2003, p. 441) cita a jurisprudência que
assim se posiciona:
TRANSAÇÃO PENAL – Homologação por sentença – Oferecimento de denúncia em virtude do descumprimento do acordo – Inadmissibilidade – Decisão com caráter condenatório impróprio abrindo ensejo a um processo autônomo de execução – Inteligência do art. 76 da Lei 9.099/95.
A sentença homologatória da transação tem caráter condenatório impróprio (não gera reincidência, nem pesa como maus antecedentes, no caso de outra superveniente infração), abrindo ensejo a um processo autônomo de execução, não havendo falar em renovação de todo o procedimento, com oferecimento de denúncia, mas, tão-somente, na execução ao julgado (sentença homologatória). O acusado, ao transacionar, renuncia a alguns direitos perfeitamente disponíveis, pois, de forma livre e consciente, aceitou a proposta e, ipso facto, a culpa.
Assim, não cumprida a proposta de transação penal ofertada pelo Ministério Público,
deve o juiz abrir vista dos autos ao Promotor de Justiça para que requeira a insubsistência do
benefício dado e ofereça a exordial acusatória, isto, com a ressalva de o descumprimento ter
sido previsto na decisão homologatória.
Feitas tais considerações sobre os aspectos gerais do instituto da transação penal, cabe
a partir do próximo capítulo, passar ao estudo da análise da oferta de transação penal em sede
de ação penal privada.
3 3 A TRANSAÇÃO PENAL NA AÇÃO PENAL PRIVADA
O presente capítulo é dedicado ao estudo do tema central deste trabalho, qual seja,
a análise do instituto da transação penal na ação penal privada. O objetivo é destacar os
interessantes conflitos de idéias a respeito do assunto que são travados por doutrinadores,
promotores de justiça e juízes, enquanto na prática forense.
Além disso, serão destacados os diversos posicionamentos dos tribunais quando o assunto é a possibilidade da aplicação do art. 76, da Lei 9.099/95, aos delitos com ação penal privada. Cabe salientar que se pretende expor ambos os entendimentos, asseverando seus motivos. Desde já, vale observar que o assunto é polêmico, sendo necessário o socorro à jurisprudência a fim de ver
pacificado o entendimento, como se observará na seqüência. 3.1 AÇÃO PENAL – ASPECTOS GERAIS
De forma introdutória vale trazer à colação uma breve noção de ação penal, apontando de maneira objetiva um conceito de ação penal de natureza privada, indispensável neste capítulo.
A começar, ação penal é o meio através do qual as partes levam a problemática da
criminalidade até o Estado-Juiz. Nas palavras de CAPES (2003, p. 102) tem-se que ação penal é:
(...) o direito de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto. É também o direito público subjetivo do Estado-Administração, único titular do poder-dever de punir, de pleitear ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo, com a conseqüente satisfação da pretensão punitiva.
Assim, tendo a legislação criminal imposto aos delitos uma tramitação judicial coerente
com suas necessidades, a ação penal característica do tipo penal a ser examinado indicará os atos
a serem processados e a forma para tanto.
Ao passo, as ações penais são classificadas em públicas e privadas. As ações
penais públicas são aquelas em que são partes no processo crime o acusado e o Ministério
Público, ou seja, tendo-se ciência da notícia crime poderá o membro do Órgão Ministerial
oferecer denúncia dependendo apenas da segunda classificação das ações penais públicas,
referente à representação.
As ações de caráter público se subdividem em condicionadas e incondicionadas.
Diz-se que a ação é condicionada quando há a necessidade de a vítima, ou seu representante
legal, manifestar sua representação contra o autor da infração. Nessa situação é apenas o
ofendido, ou seu representante legal, que tem a opção de desejar a persecução criminal.
Ofertando a representação dentro do prazo legal, estipulado no art. 38 do Código
Penal, o Ministério Público poderá, desde que haja indícios para tanto, ofertar a denúncia
requerendo a deflagração da ação penal.
Vale dizer que essa representação não necessita de forma, podendo, inclusive, ser
colhida na fase policial, no termo de declaração.
Em sede de Juizado Criminal a representação pode se dar na audiência de
conciliação, desde que dentro do prazo decadencial, de forma oral. Há a possibilidade, ainda, no
que preceitua o art. 75, parágrafo único, da Lei 9.099/95, de a vítima não ofertar a representação
no evento conciliatório, exercendo seu direito até o término do prazo argüido no antes citado art.
38, do Código Penal, que é de seis meses a partir da ciência do autor ato criminoso.
Quanto às ações penais públicas incondicionadas, não se vislumbra a vontade da
vítima, ou de seu representante, na instauração de procedimento policial e judicial. Basta o
Ministério Público ter ciência da infração penal que pode requerer a instauração de termo
circunstanciado, inquérito policial ou até mesmo oferecer a denúncia.
Ademais, como já citado no primeiro capítulo, todas as contravenções penais
possuem ação penal pública incondicionada, com a exceção jurisprudencial e doutrinária do art.
21, vias de fato.
Por fim, apresenta-se a ação penal privada. Esta se caracteriza pelo fato de o
Ministério Público não atuar como parte no processado, exercendo apenas o papel de fiscal da
lei. Neste tipo de ação penal as partes são chamadas de querelante e querelado, sendo
querelante a vítima.
Outra peculiaridade é a forma de início da ação penal. A denúncia do Promotor de
Justiça está para a ação penal pública, assim como a queixa crime está para a ação penal privada.
Ao final do processo, o juiz julga procedente, parcialmente procedente ou improcedente a
denúncia ou a queixa.
Vale lembrar que a queixa crime, assim como a representação, possui prazo para
seu intento, este também estipulado no art. 38, do Código Penal, qual seja de seis meses.
A queixa crime possui, também, a necessidade de procuração especial, nos
moldes do art. 44 do Código de Processo Penal, sendo indispensável a descrição do ato
criminoso e a capitulação do crime praticado pelo querelado.
Como forma de ação penal que foge à regra, tem-se a ação penal privada
subsidiária da pública. Este tipo se configura pelo fato de o crime apurado ser de natureza
pública condicionada ou incondicionada, sendo competência do Ministério Público o
requerimento da deflagração da ação penal. Não tendo sido ofertada a denúncia em tempo hábil,
a vítima poderá oferecer a ação penal privada subsidiária da pública. Essa é a única exceção ao
princípio da titularidade do Ministério Público nas ações penais públicas, previsto na
Constituição Federal de 1988.
3.1.1 Os princípios da disponibilidade e da oportunidade
Com o objetivo de facilitar o entendimento das teses levantadas em relação à
possibilidade ou não da proposta de transação penal em sede de ação penal privada, faz-se
oportuno a explanação acerca de dois princípios inerentes a ação penal privada, são eles a
disponibilidade e a oportunidade, principalmente argüidos por aqueles que defendem a
inaplicabilidade do instituto despenalizador às infrações de alçada privada.
Trata o princípio da oportunidade, também denominado de princípio da
conveniência, da faculdade que é dada ao ofendido de propor a ação penal no intuito da
persecução criminal. Isso, diverso do que ocorre nas ações penais públicas, quando se aplica o
princípio da legalidade, na oportunidade em que o Ministério Público, titular da ação, tem o
dever de requerer a deflagração da ação penal enquanto presentes os indícios que afastem a
possibilidade de arquivamento.
A respeito, CAPEZ (2003, p. 124) explica:
O ofendido tem a faculdade de propor ou não a ação de acordo com a sua conveniência, ao contrário da ação penal pública, informada que é pelo princípio da legalidade, segundo o qual não é dado ao seu titular, quando da sua propositura, ponderar qualquer critério de oportunidade e conveniência. Diante disto, se a autoridade policial se deparar com uma situação de flagrante delito de ação penal privada, ela só pode prender o agente se houver expressa autorização do particular (Código de Processo Penal, art. 5º, § 5º).
No que concerne ao princípio da disponibilidade, o mesmo fundamenta-se na
vontade do ofendido de perseguir a ação penal até seu desfecho por parte do juiz quando o
mesmo exara a sentença.
Aliás, vale chamar a atenção para o fato de que se na ação privada vigora o
princípio da oportunidade, em que a vítima, ou seu representante legal, ingressa com a ação se
entenderem necessário, por lógico pode desistir da investida penal ao passo de um entendimento
extra judicial, ou mesmo pela simples vontade de dispor da ação penal.
CPAEZ (2003, p. 124) completa:
Na ação penal privada, a decisão de prosseguir até o final ou não é do ofendido. É uma decorrência do princípio da oportunidade. O particular é o exclusivo titular dessa ação, porque, o Estado assim o desejou, e, por isso, é-lhe dada a prerrogativa de exerce-la ou não, conforme suas conveniências. Mesmo o fazendo, ainda lhe é possível dispor do conteúdo do processo (a relação jurídica material) até o trânsito em julgado da sentença condenatória, por meio do perdão ou da perempção (Código de Processo Penal, arts. 51 e 60, respectivamente).
Ainda se constata a ocorrência de outros princípios inerentes à ação penal privada, como
o da indivisibilidade e da intranscendência. Pelo fato de suas análises não somarem ao bojo deste
capítulo, faz-se dispensável os esclarecimentos pertinentes, recomendando-se a leitura de
Fernando Capez, em sua obra Curso de Processo Penal.
Assim, colacionados tais princípios, pensa-se se ter habilitado o leitor a ingressar na
discussão a que se propõe este trabalho.
3.2 A FALTA DE PREVISÃO LEGAL QUE AUTORIZE A APLICAÇÃO DA TRANSAÇÃO
PENAL AOS DELITOS COM AÇÃO PENAL PRIVADA
Em uma simples leitura ao texto do art. 76, nota-se que não se encontra presente menção
quanto à ação penal privada, no que possa autorizar o uso do instituto da transação penal.
Desta forma, mencionando a Lei que a despenalizante pode ser usada nos casos de ação
penal pública condicionada e incondicionada, desde que não seja caso de arquivamento, temos o
ponto onde a celeuma se instaurou.
Em uma reflexão acerca, pode-se pensar que se a lei não tratou de dispor sobre a alçada
privada, expondo as demais, assevera-se clara a negativa do legislador quanto à aplicabilidade
nesses casos.
Mas, então, quais seriam os motivos que levaram o legislador a não evitar tal discussão,
apenas acrescentando no texto legal a possibilidade?
GRINOVER, GOMES FILHO, FERNADES E GOMES (2002, p. 140) respondem,
ressalvando-se, contudo, as suas importantes participações na confecção do ante projeto da Lei
9.099/95, o que de certo modo pode revelar a real intenção do ditame legal:
A lei só cuida da proposta de aplicação da pena com relação à ação penal pública, condicionada ou não. Exclui-se das primeiras linhas do art. 76 a previsão de transação penal proposta pelo titular da queixa crime. E certamente, numa visão mais tradicional do papel da vítima no processo penal, poder-se-ia afirmar não ter ela interesse na pena. De modo que, frustrada a tentativa de reparação dos danos, somente abrem-se-lhe duas alternativas: apresentar queixa, para o exercício da ação penal, como substituto processual, ou quedar-se inerte, não dando margem à persecução penal. Por outro lado, ainda nessa visão, poderia parecer estranho permitir à vítima transacionar sobre a aplicação da sanção penal. Tal ato de disponibilidade (parcial) se coadunaria com os poderes do substituto processual, que em nome próprio defende o interesse público à persecução penal? Estas foram, sem dúvida, as razões que impeliram o legislador a restringir a tentativa de transação penal aos casos de ação penal pública (condicionada e incondicionada).
Com tal explanação, chegamos à conclusão de que por uma utilização das normas
processuais tradicionais, onde a vítima de um delito com ação penal privada só possui a opção
de ver punido o seu ofensor, ou simplesmente abrir mão desse direito, o legislador tratou de
omitir a possibilidade da transação penal privada, vislumbrando tais aspectos.
GRINOVER, GOMES FILHO, FERNADES E GOMES (2002, p. 140) ainda completam:
“É certo que no proc esso penal tradicional essas são as duas únicas opções que se abrem ao
ofendido. Mas é igualmente certo que a introdução da transação penal em nosso ordenamento
obriga a repensar diversos assuntos”.
Tal comentário, se vê, é de peculiar inteligência. Como já antes exposto, a Lei 9.099/95
representou uma importante inovação ao sistema jurídico nacional. A apresentação de novas
despenalizantes, de um rito mais célere, tudo regrado por princípios compatíveis com a
necessidade de agilização da prestação jurisdicional, obrigaram e ainda fazem com que os
operadores do direito discutam e revejam muitas das questões concernentes ao direito penal
material e principalmente processual.
Deste modo, é notória a proposital omissão quanto à ação penal privada no texto do
artigo. O que não se pode aceitar, sob pena de se negar uma das maiores características da
ciência jurídica, é a não observância a necessidade de evolução da norma, sempre apta a atender
as primordiais necessidades da pacificação dos conflitos.
3.3 DA ANÁLISE DOS POSICIONAMENTOS ACERCA DA DIVERGÊNCIA QUANTO A
APLICAÇÃO DO ARTIGO 76 AOS DELITOS COM AÇÃO PENAL PRIVADA
3.3.1 Posicionamentos contrários
Na corrente daqueles que não vislumbram a abertura do instituto da transação penal às
ações penais privadas temos justificativas que variam da não previsão legal, já comentada, até a
impossibilidade fundada no fato de a despenalizante se chocar com os princípios que norteiam a
ação penal privada, princípios também antes analisados, entre outros posicionamentos.
Assim, DEMERCIAN E MALULY (1997, p. 90) opinam:
(...) a lei não previu o oferecimento da proposta por parte do querelante porque este não é detentor do jus puniendi estatal e também porque na ação de natureza privada vigem os princípios da oportunidade e da disponibilidade, sem qualquer mitigação. Isto é, somente ao ofendido cabe o exame da controvérsia da propositura e prosseguimento da ação penal, sem quaisquer limites. A proposta de outro lado está intimamente ligada à discricionariedade controlada ou regrada, deferida excepcionalmente ao Ministério Público.
Os pontos levantados pelos autores apresentam as justificativas da não previsão legal, o
conflito com os princípios da ação penal privada e o fato do jus puniendi, o direito de punir, ser
excepcionalmente conferido ao Ministério Público na transação penal.
A alegativa quanto aos princípios da oportunidade e disponibilidade, insurge-se no fato
de que se a vítima exerceu sua faculdade de iniciar a ação penal e ter à sua disposição a chance
de dispor da ação ou de perdoar o ofensor, não seria oportuno a utilização da transação penal,
sendo que esta seria até desnecessária.
DEMERCIAN E MALULY (1997, p. 90), sobre o papel do Ministério Público, ainda
comentam: “(...) não parece razoável que se atribua ao Ministério Público o poder de dispor de
um direito de ação do qual ele não é titular e para cuja propositura não tem legitimidade”.
Aqui a questão encontra talvez o ponto mais colacionado por aqueles que defendem a não
aplicabilidade da transação penal em sede privada. O fato de na ação penal privada o Ministério
Público agir como fiscal da lei, não tendo característica de parte, não sendo o dono da ação, não
permitiria, segundo o entendimento, ao Promotor de Justiça pôr termo à persecução criminal.
Se o querelante é o dono da ação, que não possui caráter público, e como antes afirmado
pelos autores citados, o Ministério Público não pode delegar a titularidade de um instituto que a
si já foi dado em caráter excepcional, a transação penal realmente torna-se impossível nesses
casos.
Outros entendimentos corroboram. SOBRANE (2001, p. 94) menciona: “Na ação de
iniciativa privada, não se pode vislumbrar com coerência a aplicação da transação penal e muito
menos que a proposta seja deduzida pelo próprio querelante”.
Ainda o mesmo autor, logo em seguinte completa:
A clareza do texto legal (art. 76, caput) é tanta que fica inviabilizado qualquer exercício imperativo com fito de atribuir ao querelante – ou mesmo ao Ministério Público depois de apresentada a queixa crime – a formulação de proposta de transação.
E para tanto, na mesma obra, o autor explica que poderia parecer incoerente o ofendido
pretender transacionar com o acusado, haja vista já ter demonstrado interesse na persecução
criminal quando ingressou com a queixa crime. Percebe-se, aqui também, que como justificativa
vem a idéia central de ofensa aos princípios da ação penal privada.
Assim explica SOBRANE (2001, p. 94):
A transação, em si, traduz uma disponibilidade parcial da titularidade da ação e, em que pese o interesse da vítima na busca da aplicação da sanção penal, esta é inerente ao poder estatal. A vítima tem o direito de perseguir o delito contra si praticado, enquanto o Estado reserva-se o direito de impor a respectiva pena. O direito de punir, em ultima ratio, pertence ao Estado e não à vítima, a quem cabe apenas adotar o meio necessário para sua materialização, consistente no ajuizamento da ação privada.
A legião dos posicionamentos contrários ainda possui outros nomes.
NEGRÃO (2001, p. 33) ressalta a justificativa de o texto legal não ter feito a previsão de
forma proposital, afirmando, ao final, a impossibilidade da aplicação do instituto, quando assim
discorre:
Em uma interpretação literal do art. 76, caput, da Lei 9.099/95, verifica-se que não é possível a transação penal nos crimes de ação penal privada. De fato, no aludido preceito o legislador utilizou as expressões: “havendo representação” (crime com ação penal pública condicionada); “ou tratando -se de crime com ação penal pública incondicionada”; “o Ministério Público poderá”. Assim, tudo leva a crer ser impossível a transação penal.
Pensa-se já se ter feito comentários quanto à interpretação literal do artigo 76 no tópico
anterior, tendo-se mencionado, inclusive, não ter sido mero esquecimento do legislador o fato de
a transação penal não estar no seu caput. O que vale frisar é que para tal omissão houve
justificativas, também já comentadas, que com a utilização do instituto na prática judicial se
foram demonstrando não muito plausíveis.
Seguindo, vale colacionar o entendimento de MIRABETE (2002, p. 137) quando discorre
sobre a questão. Aliás, vale comentar que o próprio autor afirma, na mesma obra, que apesar de
seu entendimento encontrar razão na inaplicabilidade do instituto em alçada penal privada, a
corrente majoritária assim não entende, citando, para tanto, jurisprudências que confirmam a
alegativa. Da seguinte forma exclama o autor:
Não prevê a lei a possibilidade de transação penal de iniciativa privada. Isto porque, na espécie, o ofendido não é representante do titular do jus juniendi, mas somente do jus persequendi in juditio. Não se entendeu possível que se propusesse, assim, a aplicação de pena na hipótese de infração penal de menor potencial ofensivo, permitindo à vítima transacionar sobre uma sanção penal. Ademais, numa visão tradicional, o interesse da vítima é o de ver reparados os danos causados pelo crime, o que lhe é possibilitado no instituto da composição, ou com a execução da sentença condenatória penal. Na ação penal de iniciativa privada, prevalecem os princípios da oportunidade e disponibilidade e, no caso afeto aos juizados, a composição pelos danos sofridos pela vítima, tornando-se desnecessária e desaconselhável a previsão de oferecimento de proposta para a transação.
Percebe-se, mais uma vez, que as justificativas vêm montadas na questão da não previsão
legal, na afronta aos princípios da ação penal privada e na visão tradicional que possui o
processo penal acerca da ação penal de iniciativa privada.
A mais, o autor citado bem esclarece que a vítima, ou querelante, não possui o direito de
punir, utilizado em suas palavras na forma latina, jus puniendi. O fato que precisa ser
questionado é que também não é dado esse direito ao Ministério Público nos casos de ação penal
pública. O Promotor de Justiça faz a proposta que ainda passará pelo crivo do judiciário e então
homologada e apta a ser cumprida pelo autor do fato.
MIRABETE (2003, p. 138) menciona que a idéia defendida por ele foi também aclamada
pelo I Congresso Brasileiro de Direito Processual e Juizados Especiais, à Tese 7.
Citando o entendimento do Supremo Tribunal Federal, PAZZAGLINI FILHO,
MORAES, SMANIO E VAGGIONE (1999, p. 61) defendem a impossibilidade da transação
penal privada: “(...) o Supremo Tribunal Federal decidiu a questão afirmando: Transação penal e
crimes contra a honra – não se aplica a transação penal, pois possuem rito especial” (STF – HC
nº75.386/MG, Rel. Min. Moreira Alves, decisão – 3 – 6 – 97, informativo STF nº 74).
A respeito do julgado pelo Supremo Tribunal Federal e que segundo os autores últimos
citados foi entendimento do IV Encontro de Coordenadores de Juizados Especiais Cíveis e
Criminais do Brasil, no Enunciado de número 5, vale lembrar que já foi decido, e no primeiro
capítulo dissertado, que a competência para tramitação nos Juizados Criminais não observa rito
especial, sendo que ficam sob a égide da Lei 9.099/95 todos os delitos penas com penas
privativas de liberdade de até dois anos.
Assim, tal justificativa cai por terra, sendo que o próprio Supremo Tribunal Federal e o
Fórum para discussão de assuntos inerentes aos Juizados Especiais Estaduais, o FONAJE, já
evidenciam entendimento diverso.
Tais afirmativas serão comprovadas no próximo tópico, quando dos comentários
relativos à possibilidade de aplicação da despenalizante aos delitos com ação privada.
Ainda defendendo a impossibilidade, NEGRÃO (2001, p. 34) cita o entendimento do
Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo que assim julgou:
AÇÃO PENAL PRIVADA – Transação – Art. 76 da Lei 9.099/95 – Inaplicabilidade à espécie – Considerações a respeito – Anulação da decisão homologatória do acordo – Recurso provido para esse fim. (Apelação n. 1.020.439/8 – 16ª Câmara, Revista dos Juizados Especiais, Vol. 2, p. 274).
NEGRÃO (2001, p. 34) esclarece, assim como fez MIRABETE, que o entendimento não
é pacífico, citando que: “No entanto, não é este o entendimento do STJ”. Menciona também a
posição do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, que assim como o Superior Tribunal de
Justiça, é favorável ao uso do art. 76 em sede privada.
No embate, vale aludir mais entendimentos contrários. Para BITENCOURT (1996, p.
248), tem-se a seguinte explanação: “No entanto, como já a firmamos, em casos de ação de
exclusiva iniciativa privada, é inviável a transação penal.”
JESUS (2003, p. 47), é categórico ao afirmar: “Ação penal privada: nela a transação é
incabível’. Além disso, para KUENE, FISCHER, GUARAGNI E JUNG (1996, p. 35):
O dispositivo em questão abrange os casos de ação penal privada, conforme conclusão décima primeira da Comissão Nacional de interpretação da Lei, as quais seguem adiante. Tal posicionamento, toda via, é insustentável, pois o legislador apenas legitimou à proposta ao Ministério Público.
Na intenção de acrescentar, salienta-se o artigo de PINHO (2004), onde o mesmo,
manifestamente contrário à aplicação do instituto em sede penal privada, explana: “Parece -me,
com efeito, não ser mesmo possível a oferta de proposta de transação penal em ação de iniciativa
privada”. Ademais, acrescenta o autor:
Visualizando-se a questão por outro ângulo, a hipótese mostra-se bem mais acadêmica do que prática, já que não é do interesse do lesado propor a transação penal, uma vez que não poderá utilizar tal decisão como título executivo no juízo cível, sendo-lhe também vedado condicionar a proposta de transação à prévia composição civil dos danos.
De tal maneira, observando-se os entendimentos expostos e, sobretudo, entendendo suas
justificativas, há a possibilidade de agora, então, passar-se a um estudo das opiniões favoráveis.
Interessante lembrar, mais uma vez, que pelo número de autores citados neste tópico e,
mais, por suas conclusões, o assunto denota justificada divergência.
3.3.2 Posicionamentos favoráveis
Ato contínuo, passando a expor os entendimentos favoráveis, nota-se, assim como no
tópico anterior, uma considerável porção de doutrinadores assumindo esta vertente.
Percebe-se, também, que os tribunais em sua grande maioria estão deste lado, tornando o
entendimento ora em exame o majoritário na atualidade.
As justificativas, do mesmo modo que do lado contrário, são diversas e coerentes,
denotando uma outra celeuma inerente à possibilidade de aplicação da transação penal em sede
privada, a legitimidade ativa da proposta; juiz, querelante ou o Ministério Público? Tal questão
será objeto de tópico próprio mais à frente.
Assim, inicia-se a apresentação deste posicionamento com as palavras de GRINOVER,
GOMES FILHO, FERNADES E GOMES (2002, p. 140) quando expõem:
(...) a evolução dos estudos sobre a vítima faz com que por parte de muitos se reconheça o interesse desta não apenas à reparação civil, mas também a punição penal. De outro lado, não existem razões ponderáveis para deixar à vítima somente duas alternativas: buscar a punição plena ou a ela renunciar.
Percebe-se nas palavras citadas uma resposta ao argüido pela tese contrária quando foi
levantada a idéia de que a vítima possui, através do princípio da oportunidade, a faculdade de
ingressar com a queixa crime no intuito da persecução criminal, sendo que se dessa intenção
desistir, ainda lhe resta o uso do princípio da disponibilidade.
O fato é que realmente essa justificativa utilizada pela visão contrária é conservadora e
possui sustentável embasamento.
Sabendo disso, GRINOVER, GOMES FILHO, FERNADES E GOMES (2002, p. 140)
oportunamente observam, conforme já antes feita esta citação, tornado-se indispensável sua
releitura: “É certo que no processo penal tradicional essas são as duas únicas opções que se
abrem ao ofendido. Mas é igualmente certo que a introdução da transação penal em nosso
ordenamento obriga a repensar diversos assuntos”.
Outro ponto ressaltado por esses autores é o fato de a transação penal tratar-se de matéria
penal e, por conseguinte, deve também no caso de queixa crime prevalecer a questão da norma
mais benéfica em socorro ao acusado.
Com isso, já antes foi exposto que a transação significa de uma despenalizante, e, como
tal é um benefício que vai ao encontro daqueles que preenchem os seus requisitos.
Seguindo nesse escopo, GARCIA (1996, p. 484) justifica:
Respeitando os entendimentos contrários, mas deles discordando, entendemos ser perfeitamente cabível a transação na ação penal privada (...). Não seria lógico que ofendido tivesse apenas a opção de promover a queixa ou renunciar
ao direito de promove-la. A proposta não privativa de liberdade é alternativa intermediária entre as duas opções.
Ora, em uma nova realidade jurídica onde prova da evolução é a própria confecção da
Lei 9.099/95, nada mais normal que outras correntes surjam de acordo com a aplicação da norma
aos casos concretos.
O passar do tempo traz, principalmente pela jurisprudência, novos entendimentos,
exemplo disso é a antes citada evolução do estudo da vítima, revelando que além da sua
indenização no campo civil a mesma tende a querer discutir o mérito também no campo penal.
No ânimo de demonstrar ser esse o posicionamento majoritário, corroborando a
possibilidade da transação aos delitos com ação penal privada, imprescindível trazer à tona os
entendimentos da jurisprudência.
No Superior Tribunal de Justiça, AMARAL (2003, p. 439), a questão foi assim tratada:
A Lei 9099/95 aplica-se aos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão condicional do processo inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada. (S.T.J., Conflito de Competência 30164/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, em 13.12.01)
Ainda relativo ao Superior Tribunal de Justiça, GRINOVER, GOMES FILHO,
FERNADES E GOMES (2002, p. 141) trazem a afirmativa bastante contundente:
A jurisprudência do STJ tem admitido a transação e a suspensão condicional do processo nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada, desde que obedecidos os requisitos autorizadores. (RCH 8.480-SP, 5ª Turma, rel. Gilson Dipp, DJU 22.11.1999; HC 13.337-RJ, 5ª Turma, rel. Felix Fischer, DJU 13.08.2001).
E mais, no Tribunal de Alçada Criminal do estado Rio de Janeiro, em (AMARAL, 2003,
p. 440):
Transação penal e suspensão condicional do processo. Aplicação à ação penal privada. Possibilidade. Sistema de consenso entre ofensor e vítima. Modalidade de justiça consensuada que não equivale à renúncia do direito de ação na transação penal e não implica na mitigação do princípio da indisponibilidade da ação penal, com relação à suspensão. Sistema de modelo político-criminal consensuado, que, além da simplicidade, economia
processual, oralidade de celeridade, se apóia na conciliação e transação, sobressaindo-se os interesses da vítima. (RJDTACRIM, 34/257).
Aqui, outra importante resposta àqueles que afirmam ser a transação penal privada
ofensiva aos princípios da ação penal privada.
Corrobora o entendimento o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, citado em
AMARAL (2003, p. 437):
TRANSAÇÃO PENAL. APLICABILIDADE DO INSTITUTO ÀS AÇÕES PENAIS PRIVADAS. É cabível o instituto da transação penal nas ações penais privadas, havendo necessidade, contudo, de consenso, pois ‘quando um não quer, dois não transacionam. (Ap. Crim. n.º 2003.050.01015, julgada em 12.08.2003).
Dessa forma, a mais, tem-se a tese de que negar o benefício da transação penal ao autor
do fato em ação penal privada é ofender os princípios da Constituição Federal, já que a mesma
prevê a possibilidade da transação sem fazer distinção ao tipo de ação.
PEDROSA (2002) em seu artigo adverte: “Onde a Constituição não distingue, não cabe
ao intérprete da legislação infra distinguir”.
A tese de Pedrosa aponta e exemplifica a possível não observância Constitucional:
A se aceitar a tese dos que são contrários à possibilidade de transação em delitos privados, princípios constitucionais não serão respeitados. Da igualdade (autores de infrações de menor potencial tratados diversamente). Da razoabilidade (não há proporcionalidade entre a reprimenda para uns, de ação pública, em relação a outros, de iniciativa privada). Do devido processo legal (ofensa ao direito público subjetivo do envolvido em receber os benefícios da lei). Do acesso à justiça (a obtenção da ordem jurídica justa foi cerceada). Por último, o mais importante, da dignidade da pessoa humana (submeter alguém a um processo criminal, vedando-lhe a possibilidade de obter transação penal para comportamento de menor gravidade).
Como derradeiro, o Fórum Nacional dos Juizados Especiais, no XII encontro ocorrido em
Maceió, Alagoas, criou a seguinte orientação: “Enunciado 49 – Na ação de iniciativa privada,
cabe a transação penal e a suspensão condicional do processo, por iniciativa do querelante ou do
juiz”.
Por fim, TOURINHO FILHO (2003, p. 103) objetivamente afirma: “(...) sabe -se ser
possível a transação nos delitos de alçada privada”.
Interessante observar que Tourinho Filho nem discute a questão da possibilidade da
transação privada, apenas afirma o acima citado e parte para a discussão da legitimidade ativa da
proposta.
3.3.2.1 Legitimidade ativa na transação penal privada
Outra discussão estabelecida em torno da possibilidade da transação penal privada é
questão relacionada a quem teria o papel de oferecer a proposta despenalizante.
É sabido que o Ministério Público não é parte, já que a iniciativa é exclusivamente
privada, desenvolvendo o Promotor de Justiça o papel de fiscal da lei.
Nesse ínterim, o oferecimento ficaria a cargo do querelante ou, por ser instituto atribuído
ao Ministério Público, do Promotor de Justiça, ou ainda sob responsabilidade do juiz?
Os entendimentos também são conflitantes, mas é notório, e isso se comprova em
congressos e fóruns, que a tentativa de solução para a problemática vem avançando e evoluindo
na frente que defende a autorização do Ministério Público como sujeito legítimo na titularidade
ativa também no âmbito privado.
As controvérsias vêm acompanhadas de muitas observações que de várias maneiras se
fundam.
Como justificativa para se tentar impedir que a proposta seja formulada pelo querelante,
vem a tese de que o Estado não pode delegar à parte a tarefa de aplicar a pena. PINHO (2004),
em artigo, comprova a existência da celeuma, quando assim se posiciona:
(...) ao querelante é dado tão somente o poder de instaurar a persecução penal em juízo. Não pode ele propor a aplicação de uma pena pois não está legitimado a isso, na medida em que não recebeu do estado essa autorização. Em outras palavras, isso está fora do seu poder legislativo.
PINHO (2004) ainda adverte: “Não me parece lógico deixar tamanho poder nas mãos do
ofendido, que muitas vezes é movido tão somente por sentimentos de vingança ou de busca de
ressarcimento civil”.
Os argumentos citados encontram ainda mais força quando SOBRANE (2001, p. 94)
afirma de maneira clara:
Na ação de iniciativa privada, não se pode vislumbrar com coerência a aplicação da transação penal, e, muito menos, que a proposta seja conduzida pelo próprio querelante. A clareza do artigo 76 é tanta que fica inviabilizado qualquer exercício interpretativo com o fito de atribuir ao querelante – ou ao Ministério Público depois de apresentada a queixa crime – a formulação de proposta de transação.
Em socorro à possibilidade da proposta ser feita pelo querelante é forte a corrente que
defende ser o querelante o dono ação penal. Sendo que assim, não poderia ficar à mercê de outro
sujeito ativo a opção de transacionar com o querelado.
PEDROSA (2001), arduamente defendendo a possibilidade da transação penal privada
por parte do querelante, afirma: “(...) verifica -se que não há obstáculo jurídico, ao contrário, para
que o ofendido proponha a transação penal. E isso não importa, em absoluto, em qualquer
renúncia ao direito de queixa, inclusive já oferecida. Nem implica a desistência”.
Quanto à possibilidade do Ministério Público ser o elemento ativo na proposta, outras
ponderações são feitas.
Desde logo vale trazer o posicionamento da jurisprudência constante em AMARAL
(2003, p. 437), quando o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao julgar possível a proposta de
transação penal em sede penal, assim articulou a cerca do papel do Ministério Público:
Por acórdão publicado em 26.08.2003, a eg. Sétima Câmara do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu questão relacionada com a possibilidade jurídica de transação penal (cf. art. 76, L. n.º 9.099/95) em ação penal de iniciativa privada. Sob a relatoria do e. Des. EDUARDO MAYR, a Câmara unanimemente decidiu que é possível a realização de transação penal em caso de ação penal privada exclusiva, sendo necessária, todavia, a concordância do querelante, que não pode ser suprida por manifestação do Ministério Público.
O corpo do mesmo julgado trás o que se segue:
A decisão é bem inspirada. Embora a lei n.º 9.099/95 não preveja expressamente a possibilidade de transação em ação penal de exclusiva iniciativa privada, é perfeitamente possível aplicação analógica, por tratar de norma processual (cf. art. 3.º, CPP). Ainda que se tratasse de norma de direito material, a analogia seria possível, por ser in bonam partem. Se, em processos iniciados exclusivamente por queixa, é possível reconciliação entre as partes, perdão do ofendido e retratação, nada obsta a que se admita transação penal. Admitir transação penal em queixa constitui mera reafirmação do princípio da disponibilidade, vigente quanto a ações penais privadas.
Vale ressaltar que o mesmo argumento utilizado por aqueles que manifestam
entendimento desfavorável a aplicação da transação privada, a afronta aos princípios da ação
penal privada, aqui é utilizado para embasar entendimento favorável, o que parece mais
apropriado.
Fica claro pela leitura do julgado que se faz necessária a anuência do querelante e a
proposta deve partir do Ministério Público.
Com esse mesmo entendimento de que a proposta deve ser formulada pelo Promotor de
Justiça, desde que anuída pelo querelante, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, NEGRÃO
(2001, p. 34):
RCH. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. COMPETÊNCIA. CRIME DE DIFAMAÇÃO. AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA. PROPOSTA DE TRANSAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. 1 – A teor do disposto nos arts. 519 usque 523, do CPP, o crime de difamação, do art. 139 do CP, para o qual não está previsto procedimento especial, submete-se a competência dos Juizados Especiais Criminais. 2 – Na ação de iniciativa privada, desde que não haja formal oposição do querelante, o Ministério Público poderá, validamente, formular a proposta de transação que, uma vez aceita pelo querelado e homologada pelo juiz, é definitiva e irretratável. (Recurso Ordinário em HC n 8.123/AP, 6ª Turma, Rel. Min. FERNANDO GOLÇALVES, j. 16.04.99, DJU de 21.6.99, p. 202). (Grifo nosso)
Contrário à idéia do Ministério Público como sujeito ativo na transação penal privada
PINHO (2004) salienta: “(...) em se tratando de ação penal de iniciativa privada, sua autuação é
restrita à função de custos legis”.
Rebatendo e defendendo a legitimidade do Órgão Ministerial, o Promotor de Justiça
BORGES (2004) do Estado de São Paulo se manifesta da seguinte maneira:
(...) a transação não é instituto vassalo que deva ser submetido ao capricho do titular da ação penal, sendo pois, de rigor a sua aplicação a toda e qualquer situação, em que, analisado o caso concreto, não exista fato impeditivo para a proposta imediata de pena restritiva de direitos ou multa.
E, ainda, o autor, assevera contra a alegativa de não ser o Ministério Público parte na
ação penal e por isso não poder transacionar:
O argumento fácil, pseudo-científico, antifilosófico e fetichista, sintetizado na afirmativa pouco convincente de que não sendo o Ministério Público parte legítima para propor a ação penal também não o é para formular a proposta do art. 76 da Lei 9.099/95, peca por atentar contra o objetivo maior da Lei, claro que é para, nas hipóteses dos crimes que se inserem no conceito de infração de menor potencial ofensivo, não permitir que o processo vá adiante, se cabível a chamada transação penal.
BORGES (2004) ainda aduz que cabe ao Ministério Público corrigir a resistência
imotivada do querelante em ofertar a transação penal ao autor do fato, afirmando que “no âmbito
da ação penal privada o Ministério Público não é mero espectador, mas coadjuvante
incontestável.”
Vale, com isso, salientar o que prescreve o art. 45 do Código de Processo Penal, onde
consta que ao Ministério Público cabe intervir em todos os termos do processo, sendo legal,
inclusive, a possibilidade do mesmo aditar a queixa.
O fato, então, em resumo, é que há entendimentos que permitem a transação penal
privada, mas com a anuência do querelante. Outros opinam pela legitimidade exclusiva do
querelante. E outros afirmando que mesmo com a recusa da parte vítima o Ministério Público
pode agir com a transação.
No que diz respeito à possibilidade do juiz fazer a proposta, tem-se que o assunto foi
tratado anteriormente, mas como a discussão reside na ação penal privada, vale ressalvar.
Diz o entendimento mineiro constante em PEDROSA (2001):
É possível a transação penal privada, se o autor do fato satisfaz os requisitos legais. A transação penal é instituto inovador e que deve ser prestigiado pelo Judiciário independentemente da legitimidade ativa para a ação ou a sua titularidade ou da vontade do querelante ou do Ministério Público. (Turma Recursal de Belo Horizonte, Rec. 10078, Rel Juiz Eli Lucas de Mendonça, em 30.9.98).
Com o citado, percebe-se que há quem entenda, assim como na ação penal pública, que
se presentes os requisitos autorizadores do art. 76, ante a recusa da parte querelante ou do
Promotor de Justiça, o juiz poderá propor a transação.
Nesse sentido concluiu o Fórum Nacional dos Juizados Especiais no XII encontro de
Maceió, Alagoas: “Enunciado 49 – Na ação de iniciativa privada, cabe a transação penal e
suspensão condicional do processo, por iniciativa do querelante ou do juiz”.
Por fim, exaradas as divergências, encerra-se este trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chega-se ao termo deste trabalho de monografia, quando se espera ter-se
atingido o objeto precípuo da pesquisa, qual seja: expor de maneira clara e objetiva as
divergências instauradas acerca da aplicabilidade do instituto da transação penal aos delitos
que se processam mediante ação penal com iniciativa privada.
Tendo-se pretendido realizar a pesquisa de maneira a permitir que, ao final, o
propósito fosse conquistado, o desenvolvimento deste se deu de forma aproximativa.
No primeiro capítulo, foram apontados os aspectos gerais da Lei 9.099/95, com
a análise de seu processo legislativo e, ainda, mencionadas as novidades processuais por ela
trazidas. Ficou clara, a partir desta análise, a necessidade de o Estado tomar decisões que
viessem a agilizar a resposta estatal ao problema da criminalidade. Preocupação esta que deu
maior causa ao surgimento da Lei dos Juizados Criminais.
Da mesma forma, não podendo deixar de lado a seriedade no tratamento dos
delitos de menor monta, a Lei 9.099/95 veio com o propósito claro de tratar com a devida
necessidade os delitos, definidos por ela, como sendo de menor potencial ofensivo. Aqui,
entrou também o cuidado com a definição de competência da Lei 10.259/01, quando os
Juizados Federais, por esta, foram criados, possuindo competência para processamento de
delitos com pena privativa de liberdade de até dois anos. O que foi demonstrado, influenciou
os Juizados Estaduais.
Observou-se, então, que a Lei trouxe novidades importantes ao sistema jurídico
nacional, trazendo celeridade na tramitação dos autos de sua competência.
Procurou-se mostrar ainda a importância das despenalizantes, ponto crucial da
Lei, mesmo que vistas de forma sucinta. Nesse ínterim, a transação penal foi apresentada,
ainda no primeiro capítulo, como uma delas.
Já os aspectos gerais da transação penal foram abordados no segundo capítulo.
Trazida ao ordenamento jurídico ainda na Constituição Federal de 1988, foi no artigo 76 da Lei
dos Juizados, que o instituto foi tratado, trazendo sensíveis mudanças ao processo penal.
Atribuiu-se ao órgão do Ministério Público a titularidade da proposta de
transação e com isso mostrou-se a possibilidade de grande parte das infrações penais de menor
potencial ofensivo não chegarem, sequer, a se transformar em processo.
O conceito do instituto, as condições para a sua oferta e as peculiaridades para
sua concessão foram preocupações primeiras na confecção do segundo capítulo desta
monografia.
Por fim, a discussão pertinente à possibilidade de aplicação da despenalizante do
artigo 76 ao trâmite dos delitos com ação penal privada foi o objeto do terceiro capítulo.
Foi efetuado, antes, um breve comentário sobre a ação penal, isto com a
finalidade de conceituar ação penal privada e permitir uma melhor compreensão do tema
proposto. Logo após, foi a vez da exposição dos posicionamentos contrários e favoráveis a
aplicação da transação penal privada.
Colacionados os motivos contrários, percebe-se que o assunto, mesmo passados
nove anos da elaboração da Lei, denota sensíveis contraposições. Os motivos alegados pelos
que defendem a não aplicabilidade da transação em sede privada encontram embasamento,
principalmente, no fato de o Ministério Público não ser parte em casos de iniciativa privada,
não podendo, desta forma, pôr fim a uma persecução criminal que não depende de sua vontade
para a instauração.
Mostrados os rebates feitos pelos que defendem a transação penal privada, os
argumentos residem no fato de que não pode a vítima possuir apenas a faculdade da instrução
dos autos, muito embora seja assim que o tradicional processo penal ensina.
Não obstante seja visível que o legislador não tenha se omitido de forma
involuntária à ação privada, parecem mais convincentes as justificativas trazidas pelos que
apóiam a aplicação do instituto independentemente da respectiva ação penal.
Traz-se como ponto crucial à tese que corrobora favorável a tal idéia, o fato de
que não pode parecer coerente que em um delito cuja vítima seja o Estado, como em uma ação
pública incondicionada, por exemplo, o acusado tenha direito a um benefício, enquanto aquele
que tenha ofendido a um particular, cometido um delito que em tese não interessa a sociedade,
não faça jus ao seu uso.
Com base no que foi aludido no parágrafo anterior, faz-se perder o sentido da expressão “quem pode mais, pode o menos”. Se com uma prática contra a honra o autor do fato não terá direito a despenalizante, o Estado força o mesmo a pensar: “então vamos aos tapas”.
Deste modo, constitui a transação penal preceito inclusive constitucional que
não caberia ao legislador negar a alguém se a Constituição assim não o fez.
A aplicação da transação penal aos delitos de ação penal privada, assim como já
vem entendendo grande parte da doutrina e dos tribunais, reflete uma das maiores
características da ciência jurídica, a sua capacidade de adaptação às reais necessidades da
pacificação do conflito.
A Lei 9.099/95 constituiu importante avanço ao sistema jurídico brasileiro e
nada mais normal que, acompanhada das inovações, novas reflexões surjam no objetivo de
repensar inúmeros pontos do direito penal e de seu processo.
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ANEXO
FÓRUM NACIONAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS - FONAJE
ENUNCIADOS CRIMINAIS
Enunciado 1 - A ausência injustificada do autor do fato à audiência preliminar implicará em vista dos autos ao Ministério Público para o procedimento cabível.
Enunciado 2 - O Ministério Público, oferecida a representação em juízo, poderá propor diretamente a transação penal, independentemente do comparecimento da vítima à audiência preliminar. (Redação alterada no XI Encontro, em Brasília-DF).
Enunciado 3 - O prazo decadencial para a representação nos crimes de ação pública condicionada é de trinta (30) dias, contados da intimação da vítima, para os processos em andamento, quando da edição da Lei 9.099/95.
Enunciado 4 - Substituído pelo Enunciado 38.
Enunciado 5 - Cancelado em razão da nova redação do Enunciado 46.
Enunciado 6 - O artigo 28 do Código de Processo Penal é inaplicável no caso de não apresentação de proposta de transação penal ou de suspensão condicional do processo, cabendo ao juiz apresentá-las de ofício, quando satisfeitos os requisitos legais.
Enunciado 7 - Cancelado
Enunciado 8 - A multa deve ser fixada em dias-multa, tendo em vista o art. 92 da Lei 9.099/95, que determina a aplicação subsidiária dos Códigos Penal e de Processo Penal.
Enunciado 9 - A intimação do autor do fato para a audiência preliminar deve conter a advertência da necessidade de acompanhamento de advogado e de que, na falta deste, ser-lhe-á nomeado Defensor Público.
Enunciado 10 - Havendo conexão entre crimes da competência do Juizado Especial e do Juízo Penal Comum, prevalece à competência deste.
Enunciado 11 - Os acréscimos do concurso formal e do crime continuado não devem ser levados em consideração para efeito de aplicação da Lei 9.099/95.
Enunciado 12 - Substituído pelo enunciado nº 64. (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC)
Enunciado 13 - É cabível o encaminhamento de proposta de transação através de carta precatória.
Enunciado 14 - É incabível o oferecimento de denúncia após sentença homologatória de transação penal, podendo constar da proposta que a sua homologação fica condicionada ao cumprimento do avençado. (SUBSTITUÍDO pelo Enunciado 57 – XIII Encontro - Campo Grande/MS). Enunciado 15 - O Juizado Especial Criminal é competente para execução da pena de multa. (Alteração aprovada no XII Encontro – Maceió - AL)
Enunciado 16 - Nas hipóteses em que a condenação anterior não gera reincidência, é cabível a suspensão condicional do processo.
Enunciado 17 - É cabível, quando necessário, interrogatório através de carta precatória, por não ferir os princípios que regem a Lei 9.099/95.
Enunciado 18 - Na hipótese de fato complexo, as peças de informação deverão ser encaminhadas à Delegacia Policial para as diligências necessárias. Retomando ao Juizado e sendo caso do art. 77, parágrafo 2º, da Lei 9.099/95, as peças serão encaminhadas ao Juízo Comum.
Enunciado 19 - Substituído pelo Enunciado 48. (Aprovado no XII Encontro – Maceió - AL)
Enunciado 20 - A proposta de transação pode de pena restritiva de direitos é cabível, mesmo quando o tipo abstrato só comporta pena de multa.
Enunciado 21 - Cancelado
Enunciado 22 - Na vigência do sursis, decorrente de condenação por contravenção penal, não perde o autor do fato o direito à suspensão condicional do processo por prática de crime posterior.
Enunciado 23 - Cancelado
Enunciado 24 - Substituído pelo Enunciado 54.
Enunciado 25 - O início do prazo para o exercício da representação começa a contar do dia do conhecimento da autoria do fato, observado o disposto no Código de Processo Penal ou na legislação específica. Qualquer manifestação da vítima que denote intenção de representação vale como tal para os fins do art. 88 da Lei 9.099/95.
Enunciado 26 - Substituído pelo Enunciado 55.
Enunciado 27 - Em regra não devem ser expedidos ofícios para órgãos públicos, objetivando a localização de partes e testemunhas nos Juizados Criminais.
Enunciado 28 - Em se tratando de contravenção às partes poderão arrolar até três testemunhas, e em se tratando de crime o número admitido é de cinco testemunhas, mesmo na hipótese de concurso de crimes.
Enunciado 29 - Nos casos de violência doméstica, a transação penal e a suspensão do processo deverão conter, preferencialmente, medidas sócio - educativas, entre elas acompanhamento psicossocial e palestras, visando à reeducação do infrator, evitando-se a aplicação de pena de multa e prestação pecuniária. (Alteração aprovada no XII Encontro – Maceió-AL)
Enunciado 30 - Cancelado ( Incorporado pela Lei n. 10.455/02 )
Enunciado 31 - O conciliador ou juiz leigo não está incompatibilizado nem impedido de exercer a advocacia, exceto perante o próprio Juizado Especial em que atue ou se pertencer aos quadros do Poder Judiciário.
Enunciado 32 - O Juiz ordenará a intimação da vítima para a audiência de suspensão do processo como forma de facilitar a reparação do dano, nos termos do art. 89, parágrafo 1º, da Lei 9.099/95.
Enunciado 33 - Aplica-se, por analogia, o artigo 49 do Código de Processo Penal no caso da vítima não representar contra um dos autores do fato.
Enunciado 34 - Atendidas as peculiaridades locais, o termo circunstanciado poderá ser lavrado pela Polícia Civil ou Militar.
Enunciado 35 - Até o recebimento da denúncia é possível declarar a extinção da punibilidade do autor do fato pela renúncia expressa da vítima ao direito de representação.
Enunciado 36 - Havendo possibilidade de solução de litígio de qualquer valor ou matéria subjacente à questão penal, poderá ser reduzido a termo no
Juizado Especial Criminal e encaminhado via distribuição para homologação no juízo competente, sem prejuízo das medidas penais cabíveis.
Enunciado 37 - O acordo civil de que trata o enunciado 36 poderá versar sobre qualquer valor ou matéria.
Enunciado 38 - Substitui o Enunciado 4 - A Renúncia ou retratação colhida na fase policial será encaminhada ao Juizado Especial Criminal e, nos casos de violência doméstica, deve ser designada audiência para sua ratificação.
Enunciado 39 - Nos casos de retratação ou renúncia do direito de representação que envolvam violência doméstica, o Juiz ou o Conciliador deverá ouvir ou envolvidos separadamente.
Enunciado 40 - Nos casos de violência doméstica, recomenda-se que as partes sejam encaminhadas a atendimento por grupo de trabalho habilitado, inclusive como medida preparatória preliminar, visando a solução do conflito subjacente à questão penal e à eficácia da solução pactuada.
Enunciado 41 - Cancelado - Vide Enunciado 29
Enunciado 42 - A oitiva informal dos envolvidos e de testemunhas, colhida no âmbito do Juizado Especial Criminal, poderá ser utilizada como peça de informação para o procedimento.
Enunciado 43 - O acordo em que o objeto for obrigação de fazer ou não fazer deverá conter cláusula penal em valor certo, para facilitar a execução cível.
Enunciado 44 - No caso de transação penal homologada e não cumprida, o decurso do prazo prescricional provoca a declaração de extinção de punibilidade pela prescrição da pretensão executória.
Enunciado 45 - Cancelado.
Enunciado 46 - A Lei n. 10.259/2001 ampliou a competência dos Juizados Especiais Criminais dos Estados e Distrito Federal para o julgamento de crimes com pena máxima cominada até dois anos, com ou sem cumulação de multa, independentemente do procedimento. (Alteração aprovada no XII Encontro – Maceió-AL)
Enunciado 47 - A expressão conciliação prevista no art. 73 da Lei 9099/95 abrange o acordo civil e a transação penal, podendo a proposta do Ministério Público ser encaminhada pelo conciliador, nos termos do art. 76, parágrafo 3º da mesma lei. (nova redação do Enunciado 47). (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC)
Enunciado 48 - O recurso em sentido estrito é incabível em sede de Juizados Especiais Criminais.
Enunciado 49 - Na ação de iniciativa privada, cabem a transação penal e a suspensão condicional do processo, por iniciativa do querelante ou do juiz. (Alteração aprovada no XII Encontro – Maceió-AL)
Enunciado 50 - (CANCELADO no XI Encontro, em Brasília-DF).
Enunciado 51 - A remessa dos autos à Justiça Comum, na hipótese do art. 66, parágrafo único, da Lei 9099/95 (enunciado 12 ), exaure a competência do Juizado Especial Criminal, que não se restabelecerá com localização do acusado.
Enunciado 52 - A remessa dos autos à Justiça Comum, na hipótese do art. 77, parágrafo 2º, da Lei 9099/95 (Enunciado 18), exaure a competência do Juizado Especial Criminal, que não se restabelecerá ainda que afastada a complexidade.
Enunciado 53 - No Juizado Especial Criminal, o recebimento da denúncia, na hipótese de suspensão condicional do processo, deve ser precedido da resposta prevista no art. 81 da Lei 9099/95.
Enunciado 54 - Substitui o Enunciado 24. - O processamento de medidas despenalizadoras, aplicáveis ao crime previsto no art. 306 da Lei nº 9503/97, por força do parágrafo único do art. 291 da mesma Lei, não compete ao Juizado Especial Criminal.
Enunciado 55 - (CANCELADO no XI Encontro, em Brasília-DF).
Enunciado 56 - Os Juizados Especiais Criminais não são competentes para conhecer, processar e julgar feitos criminais que versem sobre delitos com penas superiores a um ano ajuizados até a entrada em vigor da Lei nº 10.259/01. (Aprovado no XI Encontro, em Brasília-DF). Enunciado 57 - A transação penal será homologada de imediato e poderá conter cláusula de que, não cumprida, o procedimento penal prosseguirá. (Aprovado no XIII Encontro - Campo Grande/MS). Enunciado 58 - A transação penal poderá conter cláusula de renúncia à propriedade do objeto apreendido. (Aprovado no XIII Encontro - Campo Grande/MS). Enunciado 59 - O juiz decidirá sobre a destinação dos objetos apreendidos e não reclamados no prazo do art. 123 do CPP. (Aprovado no XIII Encontro - Campo Grande/MS).
Enunciado 60 - Exceção da verdade e questões incidentais não afastam a competência dos Juizados Especiais, se a hipótese não for complexa. (Aprovado no XIII Encontro - Campo Grande/MS).
Enunciado 61 - O processamento de medida despenalizadora prevista no artigo 94 da Lei 10.741/03, não compete ao Juizado Especial Criminal. (Aprovado no XIV Encontro – São Luis/MA).
Enunciado 62 - O Conselho da Comunidade poderá ser beneficiário da prestação pecuniária e deverá aplicá-la em prol da execução penal e de programas sociais, em especial daqueles que visem a prevenção da criminalidade. (Aprovado no XIV Encontro – São Luis/MA).
Enunciado 63 - As entidades beneficiárias de prestação pecuniária, em contrapartida, deverão dar suporte à execução de penas e medidas alternativas. (Aprovado no XIV Encontro – São Luis/MA). Enunciado 64 - (Substitui o Enunciado 12) - O processo será remetido ao Juízo Comum após a denúncia, havendo impossibilidade de citação pessoal no Juizado Especial Criminal, com base em certidão negativa do Oficial de Justiça, ainda que anterior à denúncia. (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC)
Enunciado 65 - Nas hipóteses dos artigos 362 e 363, inciso I, do Código de Processo Penal, aplica-se o parágrafo único do artigo 66 da Lei 9.099/95. (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC)
Enunciado 66 - É direito do réu assistir à inquirição das testemunhas, antes de seu interrogatório, ressalvado o disposto no artigo 217 do Código de Processo Penal. No caso excepcional de o interrogatório ser realizado por precatória, ela deverá ser instruída com cópia de todos os depoimentos, de que terá ciência o réu. (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC)
Enunciado 67 - A possibilidade de aplicação de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículos automotores por até cinco anos (art. 293 da Lei nº 9.503/97), perda do cargo, inabilitação para exercício de cargo, função pública ou mandato eletivo ou outra sanção diversa da privação da liberdade, não afasta a competência do Juizado Especial Criminal. (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC)
Enunciado 68 - É cabível a substituição de uma modalidade de pena restritiva de direitos por outra, aplicada em sede de transação penal, pelo juízo do conhecimento, a requerimento do interessado, ouvido o Ministério Público. (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC)
Enunciado 69 - Deve ser tentada a conciliação (composição civil) visando atender ao princípio da pacificação social, mesmo transcorrido o prazo decadencial ou prescricional. (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC)
Enunciado 70 - O conciliador ou o juiz leigo podem presidir audiências preliminares nos Juizados Especiais Criminais, propondo conciliação e encaminhamento da proposta de transação. (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC)
Enunciado 71 - A expressão conciliação prevista no artigo 73 da Lei 9099/95 abrange o acordo civil e a transação penal, podendo a proposta do Ministério Público ser encaminhada pelo conciliador ou pelo juiz leigo, nos termos do artigo 76, § 3º, da mesma Lei. (nova redação do Enunciado 47). (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC)