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1 A VIOLÊNCIA COMO FACE PERVERSA DO AGRONEGÓCIO EM MATO GROSSO José Victor Juliboni Cosandey Universidade Federal Fluminense (UFF) [email protected] Resumo Um dos Estados do Brasil em que os movimentos sociais e a violência se apresentam de modo expressivo é o Mato Grosso. No bojo desse processo, a violência se confirma como a face perversa do agronegócio. A fim de revelar tal situação, este artigo tem como objetivo apresentar uma cartografia da violência no campo em Estado do Mato Grosso. A ideia básica é associar a violência com as diversas atividades produtivas, de modo a ter um quadro menos reducionista da violência. O que se verifica é que, a partir da ocupação de propriedades realizada pelos movimentos sociais, principalmente nas fazendas de cana, pecuária e soja, aparecem as mais diversas formas de violência no campo, como os despejos, prisões, expulsões e assassinatos. Todavia, há o trabalho escravo, pois de todas as violências no campo, este não decorre da ocupação, e sim do interesse dos latifundiários na exploração da mão de obra. Palavras-chave: Violência. Cartografia. Agronegócio. Mato Grosso. Introdução Os conflitos sociais no campo aparecem, hoje em dia, num contexto de crise rural, tendo em vista a concentração fundiária e o desemprego. Todavia, tais questões remontam ao passado colonial brasileiro. Já os movimentos sociais de reivindicação da Reforma Agrária ganham mais expressão no século XX. Dentre os principais estão as Ligas Camponesas e o Movimentos do Sem-Terra. A ação desses movimentos se dá no embate com os atores do agronegócio ou oligarquias agrárias tradicionais. O resultado é o conflito entre interesses assimétricos acerca do modo de produzir no campo e da propriedade da terra. A partir do conflito, a violência no campo mostra a face dolorosa do trato com os excluídos ou inseridos precariamente nos espaços agrários do país. A violência é fruto da luta pela terra. Vale aqui lembrar que conflito e violência são conceitos distintos. Girardi e Fernandes (2008, pg. 339) afirmam que, o conflito no campo é uma reação às desigualdades impostas pelo modo capitalista de produção. O conflito é resultado e expressão da resistência ao poder dos atores do agronegócio. Por outro lado, as alianças políticas entre o Estado e os atores capitalistas se utilizam da violência para controlar o conflito. A violência emerge do conflito e caracteriza-se pelo ataque físico ou moral sobre as

A VIOLÊNCIA COMO FACE PERVERSA DO AGRONEGÓCIO EM MATO GROSSO · O Estado do Mato Grosso possui como grande destaque de sua economia o agronegócio (ou agrobusiness, ... pelo Instituto

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A VIOLÊNCIA COMO FACE PERVERSA DO AGRONEGÓCIO EM MATO GROSSO

José Victor Juliboni Cosandey Universidade Federal Fluminense (UFF)

[email protected]

Resumo Um dos Estados do Brasil em que os movimentos sociais e a violência se apresentam de modo expressivo é o Mato Grosso. No bojo desse processo, a violência se confirma como a face perversa do agronegócio. A fim de revelar tal situação, este artigo tem como objetivo apresentar uma cartografia da violência no campo em Estado do Mato Grosso. A ideia básica é associar a violência com as diversas atividades produtivas, de modo a ter um quadro menos reducionista da violência. O que se verifica é que, a partir da ocupação de propriedades realizada pelos movimentos sociais, principalmente nas fazendas de cana, pecuária e soja, aparecem as mais diversas formas de violência no campo, como os despejos, prisões, expulsões e assassinatos. Todavia, há o trabalho escravo, pois de todas as violências no campo, este não decorre da ocupação, e sim do interesse dos latifundiários na exploração da mão de obra. Palavras-chave: Violência. Cartografia. Agronegócio. Mato Grosso. Introdução Os conflitos sociais no campo aparecem, hoje em dia, num contexto de crise rural, tendo

em vista a concentração fundiária e o desemprego. Todavia, tais questões remontam ao

passado colonial brasileiro. Já os movimentos sociais de reivindicação da Reforma

Agrária ganham mais expressão no século XX. Dentre os principais estão as Ligas

Camponesas e o Movimentos do Sem-Terra. A ação desses movimentos se dá no

embate com os atores do agronegócio ou oligarquias agrárias tradicionais. O resultado é

o conflito entre interesses assimétricos acerca do modo de produzir no campo e da

propriedade da terra. A partir do conflito, a violência no campo mostra a face dolorosa

do trato com os excluídos ou inseridos precariamente nos espaços agrários do país. A

violência é fruto da luta pela terra.

Vale aqui lembrar que conflito e violência são conceitos distintos. Girardi e Fernandes

(2008, pg. 339) afirmam que, o conflito no campo é uma reação às desigualdades

impostas pelo modo capitalista de produção. O conflito é resultado e expressão da

resistência ao poder dos atores do agronegócio. Por outro lado, as alianças políticas

entre o Estado e os atores capitalistas se utilizam da violência para controlar o conflito.

A violência emerge do conflito e caracteriza-se pelo ataque físico ou moral sobre as

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pessoas que resistem às forças dominantes do capital. Além da violência privada,

também existe a violência praticada pelo Estado contra camponeses através de ações

diretas e indiretas, passivas ou ativas.

A violência direta, como aborda Vigna (2001 apud GIRARDI, 2008, pg. 293), é a

violência que usa a força física contra o camponês, sendo utilizada pelo poder privado

ou pelo Estado. Destacam-se os assassinatos, os despejos e as expulsões da terra. Na

violência direta e ativa, o Estado se utiliza dos despejos judiciais, com o uso da força

policial no cumprimento das ordens de despejo e no controle dos manifestantes, o que

pode provocar mortes. Já a forma passiva da violência direta aparece na omissão do

Estado em relação à violência direta praticada pelo poder privado contra os camponeses.

Por fim, a violência indireta é uma prática concomitante do Estado, com fazendeiros e

empresários. A ação política é a principal forma de execução dessa violência.

Em termos geográficos, “a violência permite mostrar outra dimensão da criminalidade,

que é a da territorialização da mesma: a formação dos territórios da violência e como a

violência se realimenta pela inércia espacial” (FERREIRA e PENNA, 2005, pg. 167).

Sendo assim, é no território que “a pobreza, a exclusão social, a omissão do estado, a

violência e as carências tornam-se mais visíveis, mais presentes e escapam das máscaras

que as abordagens setoriais lhes imprimem e minimizam” (Ibidem, pg. 157).

Segundo Martuccelli (1999, pg.158), “o raciocínio foi, durante muito tempo, sempre o

mesmo: a violência "vinda de baixo" e uma resposta à violência "vinda de cima" e esta,

por sua vez, uma maneira de controlar ou de prevenir a violência que vem de baixo”.

Há duas razões principais para a ocorrência da violência no campo: a concentração de

terra e a impunidade. Como aborda Caralo, A concentração de terra está diretamente relacionada como a concentração do poder. Os poucos donos das terras, que sempre receberam privilégios e exerceram influência sobre as instâncias do Estado brasileiro, além de se sentirem donos da natureza e com isso explorá-la até à exaustão, também se comportam como se fossem donos das pessoas, especialmente as mais pobres. Em nome de seus interesses pessoais, financeiros e políticos, os latifundiários exploram, escravizam, ameaçam, torturam e matam aqueles e aquelas que ousam lutar contra seus privilégios. [...] A impunidade [...] é uma importante cúmplice da violência e traz para a cena, além da não penalização dos responsáveis pelos crimes, uma situação de atemorização da população e de impotência das autoridades (CARALO, 2005, não pág.).

A resistência do poder é realizada pelos atores sociais que estão presentes em condições

desvalorizadas pela lógica da dominação, erguendo, assim, “trincheiras de resistência

com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade, ou

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mesmo oposta a estes últimos” (CASTELLS, 1998, pg.24). O principal local onde

ocorre a resistência, neste caso, é o acampamento. Acampamentos e assentamentos são novas formas de luta de quem já lutou ou de quem resolveu lutar pelo direito à terra livre e ao trabalho liberto. A terra que vai permitir aos trabalhadores – donos do tempo que o capital roubou e construtores do território comunitário e/ou coletivo que o espaço do capital não conseguiu reter à bala ou por pressão – reporem-se/reproduzirem-se no seio do território da reprodução geral capitalista. Nos acampamentos, camponeses, peões e boias-frias encontram na necessidade e na luta, a soldagem política de uma aliança histórica. Mais do que isso, a transformação da ação organizada das novas lideranças abre novas perspectivas para os trabalhadores. Greves rurais na cidade para buscar conquistas sociais no campo são componentes ainda localizados no campo brasileiro, sinal inequívoco de que estes trabalhadores, apesar de tudo, ainda lutam. (OLIVEIRA, 2001, pg. 194).

A articulação de interesses coletivos entre peões, camponeses, boias-frias, sem-teto nas

cidades, igreja (Comissão Pastoral da Terra), professores, partidos políticos, estudantes,

ONGs etc. anunciam formas de ação política com estratégias definidas para a realização

dos objetivos pretendidos.

Os acampamentos/assentamentos são os locais onde a resistência camponesa é

organizada na forma de rede política. Conforme Brenneisen, A história está repleta de acontecimentos que têm demonstrado que os camponeses, longe da passividade a eles atribuída, têm resistido a toda sorte de dominação que lhes tem sido imposta. Esta resistência tem se dado seja de maneira localizada, espontânea, em pequena escala, na vida cotidiana, ou através da resistência em larga escala. A própria organização dos sem-terra constitui-se numa resistência em larga escala, que tem imposto mudanças na configuração da propriedade da terra no Brasil e nas próprias relações sociais no campo (BRENNEISEN, 2002, pg. 244).

No geral, o conflito entre os jagunços/pistoleiros e os posseiros começa na tentativa

destes últimos de garantirem um pedaço de terra para trabalhar, o que grandes

proprietários não têm permitido. Conforme Oliveira (1994, pg. 69), “as lutas proliferam

e os movimentos sociais, em diferentes lugares, vão surgindo, unificando lutas

aparentemente específicas: luta por terra; luta por preços mais justos; e luta contra a

política agrícola discriminatória”.

Dilemas sociais do agronegócio no Mato Grosso O Estado do Mato Grosso possui como grande destaque de sua economia o agronegócio

(ou agrobusiness, em inglês), numa nítida constituição de um meio técnico-científico-

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informacional, conforme assinala Santos (1996). O espaço agrário e agrícola é marcado

por latifúndios pecuaristas ou de lavouras temporárias de grãos e cana. A monocultura

de alto conteúdo tecnológico incorpora pouca mão de obra. Grande parte da produção é

voltada para o mercado externo. Segundo a estatística de produção agrícola realizada

pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, o Estado do Mato

Grosso é o segundo maior produtor de grãos do país. Destaca-se como o segundo maior

produtor de milho, o maior produtor de soja e algodão, além de ter mais 27 milhões

cabeças de gado, o maior rebanho e produção de carne do Brasil.

O agronegócio veicula princípios da modernidade, representações simbólicas da

modernização, da industrialização, da globalização, do desenvolvimento do campo e da

cidade. Se discurso é uma forma de poder, o discurso do agronegócio alterou padrões

identitários da vida, desterritorializando diversos grupos sociais. Logo, há uma

problemática a ser discutida. A grilagem de terras, por exemplo, é reconhecida como um

dos vilões da violência no campo em Mato Grosso, já que terras do Estado ficam em

mãos de um pequeno grupo em vez de ser destinada para a Reforma Agrária.

Além disso, a violência no campo vem obtendo números expressivos. Em uma rápida

análise dos últimos dados de cada tipo de violência no campo, percebe-se que o número

de trabalhadores escravos libertados em Mato Grosso foi de 308 em 2009, um pouco

mais de 7% do total no Brasil. No entanto, segundo a CPT, entre os anos de 1995-2002

e 2003-2009, o estado do Mato Grosso apareceu em segundo lugar entre os números de

trabalhadores escravos, perdendo apenas para o estado do Pará.

Nos assassinatos, 16% dos casos, no Brasil, aconteceram em MT em 2009. Em 2006, o

número de famílias despejadas no Brasil foi de 17.443, sendo que em Mato Grosso

foram 525 famílias, ou seja, 3% do total em todo o país. Nas expulsões, em 2005, foram

4.366 famílias expulsas pelo poder privado e, em Mato Grosso, foram 448 registrados,

ou seja, 10,26%. O único índice que apareceu com um valor bem abaixo do normal

foram as prisões no meio rural. No Brasil, havia um número de 917 presos em 2006,

porém em Mato Grosso ocorreu apenas uma prisão.

Tais números revelam que o atual celeiro agrícola brasileiro é também um dos

campeões da violência no campo. O avanço da fronteira agrícola em direção à faixa de

tensão ecológica tende a ampliar tais números. Isso comprova que o agronegócio tem

uma de suas bases de reprodução à violência aos que resistem aos atores dominantes da

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agricultura capitalizada. A estratégia da violência é uma forma de eliminar os

obstáculos sociais para a reprodução exclusiva do agronegócio no cerrado.

Uma visão da violência do campo em Mato Grosso A partir de dados coletados no site e em revistas da Comissão Pastoral da Terra (CPT),

foram elaborados mapas, tabelas e gráficos com os índices de Assassinato, Prisão,

Despejo, Expulsão e Trabalho Escravo. Em alguns dados não estavam disponíveis as

atividades agropecuárias realizadas nas fazendas, glebas, assentamentos¹. Logo,

aproximadamente 4% das ocorrências da violência no campo não apareceram.

O estudo em tela analisa as diversas formas de violência praticadas contra os

trabalhadores rurais, tais como assassinatos e prisões, que possuem uma expressiva

ocorrência e números mais concretos dos que os de tentativas de assassinato e ameaças

de morte, também presentes nas pesquisas da CPT. Despejo e expulsões foram

escolhidos para perceber qual é o principal poder (público ou privado) que retira os

camponeses das terras por estes ocupadas. Por fim, a análise do trabalho escravo se dá

pelo fato de ser a forma de violência no campo com maior destaque em Mato Grosso,

perante o cenário nacional. Por mais que esses dados fornecidos pela CPT possam não

ser a totalidade², mostram o quanto a violência no campo é um problema sério no Brasil.

Mais do que números, são vidas, são informações sobre a situação dos trabalhadores do

campo e revelam a luta dos camponeses. As tabelas, os gráficos e os mapas

apresentados codificam os problemas e a violência a que estão submetidos diversos

grupos sociais no campo.

No levantamento dos dados, foi considerada a principal atividade de cada fazenda, já

que há fazendas que apresentam mais de uma atividade, seja na agricultura, na pecuária,

no extrativismo. Em todos os casos, com exceção do trabalho escravo, os conflitos que

ocorrem nas fazendas são entre os acampados/assentados e fazendeiros. Outro dado

importante a ser apresentado é a presença de pequenos produtores rurais, que, na

verdade, são os assentados com a emissão de posse da terra, constituindo-se em

cooperativa de produtores com produção diversificada de alimentos para subsistência do

grupo e venda dos excedentes. Vejamos, a seguir, a distribuição geográfica dos tipos de

violência em Mato Grosso, entre 1990 e 2009, por tipo de atividade produtiva.

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Assassinato Os homicídios no meio rural em Mato Grosso são frequentes todos os anos. Foram 35

assassinatos no período de 1994 – 2009, relacionados à pecuária, responsável por 14

mortes, à soja com uma morte e 20 mortes nas pequenas propriedades rurais. Os

municípios com maiores índices neste quesito foram Colniza, Rosário Oeste e Peixoto

de Azevedo, apresentando cada um cinco mortes.

As razões para os assassinatos estão relacionadas à reintegração de posse por parte do

MST. O conflito direto se dá entre o MST e os grileiros, que, normalmente, contratam

pistoleiros para matar os trabalhadores rurais. Outra razão do assassinato é o bloqueio

de estradas por parte de integrantes do MST e os conflitos com caminhoneiros. As

mesorregiões que apresentaram homicídio no campo são o Centro-Sul, Nordeste e Norte

mato-grossense (Mapa1).

Segundo o "Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros" realizado pela OEI

(Organização dos Estados Ibero-Americanos), 2004, a cidade mais violenta do Brasil, e

com apenas 12 anos de existência (pertencia ao município de Aripuanã) é Colniza,

localizada no noroeste do Estado. Durante muitos anos sem sede do Poder Judiciário e

com um policiamento ineficiente, o município sofreu e ainda sofre com a impunidade.

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Não faltam terras griladas por pessoas com poderes políticos e econômicos na cidade

que vendem “suas terras” para empresas madeireiras. O desmatamento ilegal faz com

que a cidade esteja entre os municípios que mais desmatam no Brasil, segundo o

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Os pequenos produtores rurais, ou seja, os assentados são os que mais sofrem com esta

ação (Gráfico1), correspondendo a um pouco mais de 57% dos casos. Os camponeses

também são a maioria dos assassinados na pecuária e na soja, devido às ameaças e aos

homicídios provocados pelos pistoleiros.

O número é expressivo nas pequenas produções rurais, pois é a partir do

assentamento/acampamento que os camponeses podem conseguir a terra improdutiva da

qual eles invadiram. Porém, os fazendeiros não querem perder a terra que lhes

pertencem. O problema não são as pequenas propriedades rurais, e sim a intimidação

que os fazendeiros fazem perante os camponeses. As pequenas produções rurais são o

único jeito que os camponeses acharam para conseguir terras para sua subsistência.

Diversos casos não chegam às autoridades, e ocorrem no meio rural, distante da área

central do município. O mais assustador é que as pessoas encaram os assassinatos como

algo natural, até porque não há repressão e punição que condizem com a violência.

Como informa o relatório “Mapa da Falência”, realizado em 2010 pelo Sindicato dos

Investigadores da Polícia Civil de Mato Grosso, presente no site 24HorasNews³, não há,

em diversos municípios de Mato Grosso, policiais suficientes, ou há municípios sem

policiais, como é o caso de Planalto da Serra. Falta fiscalização principalmente para

combater a chegada dos grileiros.

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Embora os casos de assassinatos apareçam com certa frequência em Mato Grosso, há

uma vantagem maior em impor o medo do que matar, pois o terror psicológico sobre os

trabalhadores sem-terra faz com que haja uma saída deles da região, sem que exista a

necessidade das mortes e, consequentemente, aparecimento da mídia e da policia.

Prisão As prisões são efetuadas principalmente contra os acampados. Dentre as atividades que

apresentam este tipo de violência estão: algodão (oito presos), cana (cinco presos),

madeireira (um preso), mandioca (quatro presos), pecuária (26 presos), pequenos

produtores rurais (35 presos), quilombola (dois presos) soja (28 presos). Há um total de

109 prisões, entre os anos de 1990 - 2006.

As prisões ocorreram devido à posse ilegal de armas, confronto de manifestantes contra

a polícia, despejos efetuados em algumas fazendas, tentativas de assassinato, acusação

de roubo, desacato à autoridade e formação de quadrilha. As prisões ocorrem em todas

as mesorregiões de Mato Grosso (Mapa 2).

São raros os casos em que os fazendeiros e seus comparsas são presos. Isso só acontece

caso haja uma fiscalização da polícia para verificar a existência de posse ilegal de armas

e/ou formação de quadrilha, devido a esquemas relacionados à extração ilegal de

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madeira. De acordo com o gráfico 2, as atividades que apresentam um maior destaque

são os pequenos produtores rurais (32,1%), soja (25,7%) e pecuária (23,8%). Nas

pequenas produções rurais, as prisões ocorrem por ações de despejo provocado por

forças policiais. A partir do momento em que há a reintegração da posse de terra que

estava na mão dos camponeses e retorna ao fazendeiro, há conflitos de interesses. A

partir daí qualquer manifestação contrária ao despejo gera violência e prisões.

Mesmo em terras cedidas pelo INCRA há conflitos. O quilombo Mata Cavalo, em

Nossa Senhora do Livramento, foi criado em 1999, já que esta área foi reconhecida pelo

INCRA como território de remanescente de quilombos. O problema é que esta terra hoje

está em mãos de fazendeiros, que lutam para expulsá-los. Numa das ações de despejo,

feitas pela policia, ocorreu a prisão de três representantes do quilombo.

Expulsão A expulsão ocorre quando o poder privado impõe o medo e a expulsão (a partir dos

pistoleiros, jagunços) das famílias nos assentamentos/acampamentos. Foram 1679

pessoas expulsas, sendo 570 na pecuária, 553 nos pequenos produtores rurais e 556 na

soja. Infelizmente, muitas famílias expulsas não avisam aos órgãos competentes sobre

as ações irregulares que são cometidas pelos contratados dos fazendeiros. O medo de

retaliação desloca a família para outra área de acampamento.

A expulsão ocorre principalmente a partir do conflito direto entre fazendeiros e

posseiros. Os primeiros detêm armas e intimidam, e, caso necessário, assassinam quem

“invade” seu território. Localizam-se na mesorregião Centro-sul, Norte, Nordeste e

Sudeste do Estado do Mato Grosso (Mapa 3).

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A resistência à ação de expulsão provoca conflito e, consequentemente, pode provocar

mortes. Em 2005, ocorreu uma morte na fazenda Serra Verde, em Santo Antônio do

Leverger, uma morte na Gleba Conselvam, em Aripuanã e três mortes na Gleba do

Gama, em Peixoto de Azevedo. Alguns fazendeiros podem até não confirmar a presença

de pistoleiros, mas todo proprietário tem o direito de defender a sua propriedade e usam

ameaças e homens armados para fazer isso. Muitas das famílias expulsas já tinham

plantações, mas, mesmo assim, acabaram sendo expulsas.

As únicas atividades (pecuária, soja e pequenos produtores rurais) que apresentaram

expulsões no campo tiveram praticamente o mesmo número de famílias expulsas. No

geral, os pistoleiros intimidam os moradores, os agridem fisicamente ou assassinam. Os

pistoleiros também atiram próximo ao acampamento para amedrontar os acampados.

Despejo O despejo ocorre quando o poder público expulsa as famílias dos sem terra de uma

determinada fazenda com a ação policial. O número de despejo é expressivo, pois entre

o período de 1990 – 2006 ocorreu o despejo de 17366 famílias, uma média superior a

1000 famílias despejadas por ano. As atividades rurais que estão envolvidas com

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despejo são, a saber: algodão (1346), banana (75), cana (991), pecuária (6263),

pequenos produtores rurais (6801), piscicultura (500), quilombo (70) e soja (1340).

As ordens de despejo ocorrem principalmente na pecuária e nas pequenas produções

rurais (Gráfico 3). Essas duas atividades representam 75% das ordens de despejos. Os

produtores despejados buscam a terra improdutiva e grilada. O problema para os

camponeses é que a justiça, em vários casos, dá parecer favorável para os grandes

proprietários de terra.

Os conflitos entre fazendeiros/assentados são o principal motivo da ordem de despejo.

Por mais que o INCRA ceda terras consideradas do Estado para famílias em regime de

comodato, essas terras são usadas por fazendeiros há anos. A outra situação é quando

diversas fazendas com terras improdutivas chamam a atenção e o interesse das famílias

ligadas ao MST para o uso próprio. O problema é que os proprietários das fazendas

possuem dinheiro para contratar bons advogados, dificultando a posse definitiva dessas

terras aos sem-terra.

Em Mato Grosso, os despejos ocorreram em todo o Estado, como ilustrado no Mapa 4.

Em uma das fazendas, localizada entre os municípios de Várzea Grande e Jangada,

predomina a piscicultura, atividade que não utiliza toda a fazenda, deixando espaços

improdutivos. Sendo assim, 500 famílias sem-terra acamparam, mas acabaram sendo

despejadas.

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Os trabalhadores, quando sofrem as ações de despejo ou expulsão, acabam tendo os

seus pertences destruídos ou deixados para trás. Os animais criados, as plantações, os

barracos e, em alguns casos, a própria vida. Depois, acabam indo para outros

assentamentos ou acampam na beira da estrada, criando conflitos com os

caminhoneiros.

Nas terras griladas, o Estado, quando pressionado, move uma ação judicial para

recuperar esta terra. Os produtores rurais sem-terra chegam à propriedade e acampam,

pedindo a posse da terra ao INCRA. Só que o fazendeiro ou a empresa pede a

reintegração de posse por considerar os acampados invasores. Dá-se início a uma

“guerra” judicial, que pode durar anos.

Trabalho escravo: as formas de combate do Governo Brasileiro Segundo a Convenção nº 29 da OIT (Organização do Internacional do Trabalho), de

1930, a expressão "trabalho forçado ou obrigatório" compreende a “todo trabalho ou

serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha

oferecido espontaneamente” (art. 2°). A escravidão é uma forma de trabalho forçado,

que faz com que uma pessoa tenha total controle sobre uma ou um grupo de pessoas,

que estão vivendo em situação, em geral, degradante, somada à impossibilidade de

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deslocamento devido ao isolamento geográfico ou coerção física, até pagarem suas

“dívidas” com o patrão.

A forma mais comum, no Brasil, de trabalho forçado é a servidão por dívida, que vem

quase sempre associada com as outras três formas de cercear a liberdade já citadas. A

servidão por dívida é caracterizada quando o dono da fazenda ou de qualquer

empreendimento rural proporciona um empréstimo aos trabalhadores, contratados pelo

“gato” (contratador da mão de obra), sob a forma de adiantamento de dinheiro. Em

seguida os trabalhadores têm seus direitos confiscados.

A partir de 1995, quando o governo reconheceu a necessidade de combater o trabalho

escravo, foram criados o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e o Grupo

Executivo de Repressão ao Trabalho Escravo (GERTRAF). O Grupo de Fiscalização

Móvel tem como objetivo, como informa o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a

erradicação do trabalho escravo, por meio de ações fiscais nos focos mapeados.

Em 2003, o governo Lula prometeu a erradicação do trabalho escravo. O GERTRAF foi

substituído pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo

(CONATRAE), que elaborou o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo,

hoje em sua segunda edição. Além do CONATRAE, também existe nos Estados o

COETRAE (Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo), que age nas

ações de combate ao trabalho ilegal e desenvolve ações preventivas, repressivas e de

políticas públicas, buscando alternativas para que estes trabalhadores não retornem ao

trabalho escravo através da qualificação via cursos profissionalizantes.

O Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, como salienta o MTE: ...apresenta medidas a serem cumpridas pelos diversos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Ministério Público e entidades da sociedade civil brasileira. Atualização de propostas que já vinham sendo articuladas em anos anteriores, o documento considera as ações e conquistas realizadas pelos diferentes atores que têm enfrentado esse desafio ao longo dos últimos anos4.

O MTE criou uma forma de tentar impedir o crescimento do trabalho escravo, a

chamada Lista Suja. Os fazendeiros que estão nesta lista ficam proibidos de receber

empréstimos de bancos estatais. A lista é disponibilizada para consulta pública no site

do MTE, sendo usada, principalmente, por empresas que querem evitar a compra de

produtos que advém do trabalho escravo, impondo o fim da comercialização desses

produtos, pelo menos até a saída do nome do fazendeiro da Lista Suja.

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A atualização da Lista Suja é semestral. O cadastro, conforme o assessor da Secretaria

de Inspeção do Trabalho (SIT) do MTE, Marcelo Campos, consiste: ...na inclusão de empregadores cujos autos de infração estejam com decisão definitiva e não estejam mais sujeitos aos recursos na esfera administrativa, bem como, da exclusão daqueles que, ao longo de dois anos, contados da sua inclusão no Cadastro, lograram êxito em sanar irregularidades identificadas pela inspeção do trabalho e atenderam aos requisitos previstos na Portaria retro mencionada5.

Ainda segundo Marcelo Campos, o MTE, ...como subsídio para proceder às exclusões, adotou o seguinte procedimento: análise das informações obtidas por monitoramento direto e indireto nas propriedades rurais incluídas, por intermédio de verificação “in loco” e por meio das informações dos órgãos e das instituições governamentais e não governamentais, além das informações obtidas junto à Coordenação Geral de Recursos da Secretaria de Inspeção do Trabalho. Outro aspecto a ser esclarecido é aquele relativo aos empregadores que recorreram ao Poder Judiciário visando sua exclusão do Cadastro. Em cumprimento à decisão judicial (liminar), o nome é imediatamente excluído e assim permanece até eventual suspensão da medida liminar ou decisão de mérito. Havendo decisão judicial pelo retorno do nome ao Cadastro, este passa novamente a figurar entre os infratores e a contagem do prazo se reinicia computado o tempo anterior de permanência no Cadastro, até que se completem dois anos. A propriedade volta, então, a ser monitorada durante esse tempo restante, para efeito de futura exclusão por decurso de prazo e por cumprir as demais exigências previstas na aludida portaria6.

Além disso, um fator de grande importância é a necessidade de reinserção dos

trabalhadores resgatados. O governo os insere no programa Bolsa Família e no

Programa Nacional Resgatando a Cidadania, projeto piloto em Mato Grosso, para fazer

intermediação de mão de obra. Portanto, se alguma empresa estatal precisar de um

trabalhador, procura os trabalhadores cadastrados neste programa.

Trabalho escravo no período 2000–2009 No período de 2000–2009, foram 76 municípios com 7405 casos de trabalhadores

resgatados. O Estado do Mato Grosso possui 141 municípios, metade deles tem registro

de escravidão. As principais atividades envolvidas com a escravidão são: algodão (879

trabalhadores), cana (2066 trabalhadores), pecuária (2524 trabalhadores) e soja (1543

trabalhadores). As duas principais atividades agropecuárias do estado (soja e a criação

de gado) correspondem a 62% dos trabalhadores encontrados, conforme Tabela I.

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Tabela I: Trabalhadores escravos no campo em Mato Grosso (2000-2009)

UF Municípios Período Libertados Atividade MT Alto Garças 2000 - 2009 124 Algodão MT Alto Taquari 2000 - 2009 200 Algodão MT Campo Verde 2000 - 2009 52 Algodão MT Diamantino 2000 - 2009 135 Algodão MT Jaciara 2000 - 2009 44 Algodão MT Primavera do Leste 2000 - 2009 2 Algodão MT Itiquira 2000 - 2009 129 Algodão MT Guiratinga 2000 - 2009 181 Algodão MT Porto Estrela 2000 - 2009 12 Algodão MT Porto Espiridião 2000 - 2009 11 Arroz MT Lucas do Rio Verde 2000 - 2009 6 Avicultura MT Sorriso 2000 - 2009 9 Avicultura MT Campos de Júlio 2000 - 2009 249 Cana MT Confresa 2000 - 2009 1179 Cana MT Cuiabá 2000 - 2009 35 Cana MT Lambari d'Oeste 2000 - 2009 96 Cana MT Lucas do Rio Verde 2000 - 2009 40 Cana MT Nova Olímpia 2000 - 2009 67 Cana MT Poconé 2000 - 2009 400 Cana MT Feliz Natal 2000 - 2009 15 Carvoaria MT Marcelândia 2000 - 2009 5 Carvoaria MT Nova Ubiratã 2000 - 2009 12 Carvoaria MT Pontal do Araguaia 2000 - 2009 23 Extração de Látex MT Carlinda 2000 - 2009 13 Extrativismo Mineral MT Nova Ubiratã 2000 - 2009 6 Extrativismo mineral (calcário) MT Nortelândia 2000 - 2009 58 Extrativismo mineral (pedra) MT Rosário Oeste 2000 - 2009 11 Extrativismo Vegetal(Pau-de-Balsa) MT Bom Jesus do Araguaia 2000 - 2009 26 Madeireira MT Campo Novo do Parecis 2000 - 2009 14 Madeireira MT Marcelândia 2000 - 2009 9 Madeireira MT Nova Ubiratã 2000 - 2009 6 Madeireira MT Tapurah 2000 - 2009 69 Milho MT Alta Floresta 2000 - 2009 43 Pecuária bovina MT Alto Boa Vista 2000 - 2009 65 Pecuária bovina MT Araputanga 2000 - 2009 6 Pecuária bovina MT Barra do Garças 2000 - 2009 17 Pecuária bovina MT Brasnorte 2000 - 2009 61 Pecuária bovina MT Cáceres 2000 - 2009 5 Pecuária bovina MT Canabrava do Norte 2000 - 2009 11 Pecuária bovina MT Cláudia 2000 - 2009 18 Pecuária bovina MT Colniza 2000 - 2009 16 Pecuária bovina MT Comodoro 2000 - 2009 6 Pecuária bovina MT Confresa 2000 - 2009 98 Pecuária bovina MT Diamantino 2000 - 2009 1 Pecuária bovina MT Feliz Natal 2000 - 2009 20 Pecuária bovina MT Guarantã do Norte 2000 - 2009 95 Pecuária bovina MT Jauru 2000 - 2009 101 Pecuária bovina MT Juara 2000 - 2009 106 Pecuária bovina MT Nobres 2000 - 2009 100 Pecuária bovina MT Nova Bandeirantes 2000 - 2009 66 Pecuária bovina MT Nova Canaã do Norte 2000 - 2009 11 Pecuária bovina MT Nova Guarita 2000 - 2009 9 Pecuária bovina MT Nova Lacerda 2000 - 2009 3 Pecuária bovina MT Nova Maringá 2000 - 2009 10 Pecuária bovina

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Fonte: Comissão Pastoral da Terra (2000 – 2009), adaptado pelo autor.

As principais commodities em Mato Grosso são a carne, a soja, a cana, o milho e o

algodão. Consequentemente são influenciadas pelas cotações do mercado internacional.

Há produtores, como já sinalizado, que reduzem os custos trabalhistas e ignoram

MT Nova Monte Verde 2000 - 2009 49 Pecuária bovina MT Novo Mundo 2000 - 2009 126 Pecuária bovina MT Nova Mutum 2000 - 2009 33 Pecuária bovina MT Nova Xavantina 2000 - 2009 17 Pecuária bovina MT Paranaíta 2000 - 2009 19 Pecuária bovina MT Peixoto de Azevedo 2000 - 2009 223 Pecuária bovina MT Pontal do Araguaia 2000 - 2009 16 Pecuária bovina MT Pontes e Lacerda 2000 - 2009 10 Pecuária bovina MT Porto dos Gaúchos 2000 - 2009 14 Pecuária bovina MT Querência 2000 - 2009 58 Pecuária bovina MT Ribeirão Cascalheira 2000 - 2009 9 Pecuária bovina MT Rondolândia 2000 - 2009 33 Pecuária bovina MT Rosário Oeste 2000 - 2009 10 Pecuária bovina MT Santa Rita do Trivelato 2000 - 2009 75 Pecuária bovina MT Santa Terezinha 2000 - 2009 136 Pecuária bovina MT São Félix do Araguaia 2000 - 2009 165 Pecuária bovina MT São José do Xingu 2000 - 2009 94 Pecuária bovina MT Tabaporã 2000 - 2009 21 Pecuária bovina MT Tapurah 2000 - 2009 106 Pecuária bovina

MT Vila Bela da SantíssimaTrindade 2000 - 2009 6 Pecuária bovina

MT Vila Rica 2000 - 2009 436 Pecuária bovina MT Paranatinga 2000 - 2009 71 Produção de semente de capim MT União do Sul 2000 - 2009 29 Produção de semente de capim MT Alta Floresta 2000 - 2009 11 Soja MT Bom Jesus do Araguaia 2000 - 2009 7 Soja MT Brasnorte 2000 - 2009 24 Soja MT Campo Novo do Parecis 2000 - 2009 172 Soja MT Campo Verde 2000 - 2009 15 Soja MT Campos de Júlio 2000 - 2009 35 Soja MT Comodoro 2000 - 2009 100 Soja MT Gaúcha do Norte 2000 - 2009 9 Soja MT Ipiranga do Norte 2000 - 2009 6 Soja MT Lucas do Rio Verde 2000 - 2009 35 Soja MT Nova Canaã do Norte 2000 - 2009 11 Soja MT Nova Monte Verde 2000 - 2009 10 Soja MT Nova Ubiratã 2000 - 2009 377 Soja MT Novo São Joaquim 2000 - 2009 1 Soja MT Poxoréo 2000 - 2009 1 Soja MT Ribeirão Cascalheira 2000 - 2009 50 Soja MT Santo Antônio do Leste 2000 - 2009 71 Soja MT São José do Rio Claro 2000 - 2009 25 Soja MT Sapezal 2000 - 2009 245 Soja MT Sinop 2000 - 2009 118 Soja MT Sorriso 2000 - 2009 111 Soja MT Tangará da Serra 2000 - 2009 50 Soja MT Tapurah 2000 - 2009 59 Soja

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direitos humanos a fim de obter posições de destaque no cenário de competitividade.

Daí o destaque destas atividades nos registros de trabalho escravo (Gráfico 4).

Há um total de 217 casos registrados como análogos a trabalho forçado neste mesmo

período. A pecuária aparece em 113 casos, 52% das fiscalizações e diversas fazendas

reincidentes. Conforme o Mapa 5, todas as mesorregiões registram este problema. O

número de ocorrência aumentou nos últimos anos porque a fiscalização melhorou.

A produção do etanol virou um dos grandes destaques da política ambiental brasileira.

A fim de reduzir o custo de produção, há a ocorrência de escravidão por dívida nos

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canaviais. Um dos casos em Mato Grosso foi a Destilaria Araguaia (antiga Gameleira)

que fica em Confresa. Em 2001, apresentou trabalho escravo, e o resgate de 105

pessoas. Em 2003, foram 13 libertados trabalhadores. Em 2005, o número de

trabalhadores submetidos à escravidão na usina subiu para 1.003 pessoas. Por fim, em

2009, foram 55 trabalhadores libertos, ou seja, chegando a um total de 1176

trabalhadores em situações subumanas.

Umas das mais importantes ONGs brasileiras contra a violência no campo e,

principalmente, contra o trabalho escravo, a ONG Repórter Brasil, publicou, em 2009, o

relatório “O Brasil dos Agrocombustíveis - Impactos sobre a terra, o meio e a sociedade

- Cana 2009”. Consta no relatório que a Gameleira entrou para a lista suja do trabalho

escravo, divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em novembro de

2003 e saiu em maio de 2008. Durante esse período, ela chegou a ter seu nome retirado

da lista oficial de empregadores escravagistas por força de liminares, posteriormente

derrubadas pela própria Justiça.

O mesmo relatório aponta que, em 2006, A Gameleira passou a se chamar Destilaria Araguaia, uma tentativa de desvincular a imagem dos escândalos trabalhistas. [...] O MPT ofereceu à Destilaria Araguaia um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por meio do qual a empresa se compromete a se adequar às normas de segurança e saúde no trabalho. Entre as medidas exigidas para que ela volte a funcionar está a construção de aterramentos para os geradores de energia elétrica, a instalação de dispositivos de abertura interna para câmaras frias e de sistemas de proteção contra incêndios e explosões em áreas consideradas de risco. [...] A Destilaria Araguaia processa de 300 a 350 mil toneladas de cana por ano, produzindo cerca de 25 milhões de litros de etanol. [...] No período em que constava da lista suja do trabalho escravo, a então Gameleira não conseguia vender sua produção a grandes distribuidoras, comprometidas com o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Ao sair do cadastro oficial de escravagistas, porém, a agora Destilaria Araguaia voltou imediatamente a ser fornecedora da Petrobras. (REPÓRTER BRASIL, 2009, pg. 17-19)

Além da cana, a intensa mecanização no setor sojicultor promove algumas atividades

relacionadas à preparação do solo que envolve trabalho manual. O trabalho escravo na

soja ocorre porque os fazendeiros utilizam os trabalhadores tanto para limpar antigos

pastos quanto para derrubar mata nativa. São trabalhadores temporários, contratrados

para serviços que requerem baixa qualificação profissional e grande força física. Assim

como a soja, a colheita do algodão é praticamente toda mecanizada, mas existe a

necessidade do serviço braçal de limpar a terra, catando as raízes e preparando para um

novo plantio. Essa é a brecha para a introdução do trabalho escravo.

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Considerações finais A violência no campo de Mato Grosso não é visível na paisagem. Em áreas extensas de

soja, cana e gado, quem olha não percebe que, atrás do uso produtivo da terra, há uma

face perversa, marcada pela concentração fundiária, assassinatos, despejos e trabalho

escravo. É nesse cenário de contradições inerentes ao agronegócio que práticas de

resistências se afirmam e anunciam conflitos fundiários. A luta é por direito à terra de

trabalho em contraposição à terra de negócio. Sendo assim, o agronegócio já carrega

em si resistências a uma racionalidade que é nociva à socio-biodiversidade.

A cartografia da violência no campo em Mato Grosso apresenta resultados em

consentâneo com o avanço da fronteira agrícola. O Mapa 6, da distribuição do trabalho

escravo, entre 2000 e 2009, revela uma concentração de ocorrência na faixa de tensão

ecológica, onde os problemas de desmatamento são mais relevantes, para fins de

abertura da pecuária. É ai onde a fronteira avança por conta da nova logística de

transporte que se dirige para o Norte, sobretudo no trecho da rodovia BR-163, em

direção à Santarém (PA). O Nordeste de Mato Grosso é também uma área de abertura

de novos projetos do agronegócio. Querência é o município de destaque no

desmatamento para pecuária e lavoura de grãos. Já onde a fronteira já está consolidada,

é a agricultura capitalizada a principal responsável pelo trabalho escravo. As prisões e

expulsão de famílias se concentram também na faixa de tensão ecológica, em direção à

floresta equatorial, área de interesse do agronegócio brasileiro. Por fim, os assassinatos

repetem o mesmo padrão locacional devido as mesmas razões já assinaladas. Tal quadro

sinaliza para o fato de a violência do campo em Mato Grosso ser resultado das

contradições socioespaciais do capitalismo e da relação conflituosa entre as classes

sociais.

De acordo com Alentejano (2008), o conflito no campo é a manifestação dos

antagonismos de classes sociais e da construção de identidades coletivas, motivadas por

interesses coletivos compartilhados e contrários à ordem capitalista. Para tanto, a luta

exige formas de organização dos movimentos sociais. É nesse ponto que a constituição

de redes políticas de resistências ao agronegócio se afirma na defesa de ideologias

próprias e posição política de combate ao avanço da fronteira agrícola capitalista. A

violência no cerrado mato-grossense é fruto do recuo da socio-biodiversidade em favor

do agronegócio. De fato, os conflitos e a violência no campo são o meio pelo qual as

representações e discursos da modernidade avançam e constituem territórios

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corporativos sob a égide do agronegócio internacional. O uso da força e do medo tem

sido um dos imperativos das redes políticas das corporações para atingir os objetivos e

metas pretendidos. Daí a importância da Reforma Agrária e da luta dos sem-terra por

moradia, educação, alimentação, saúde, respeito à socio-biodiversidade e à função

social da terra. A luta por tais direitos se traduz em conflito e violência. Logo, a

violência no campo é um indicador de que os movimentos sociais organizados no

campo são uma realidade. Todavia, infelizmente, as questões fundiárias ainda não são

assumidas como um problema nacional, em face do peso da urbanização dominante do

país, cenário por excelência das ideias de modernidade e progresso. O rural ainda

carrega o estigma do atraso, do arcaico, do tradicional, do periférico e do vazio

demográfico. Talvez o debate em torno dessas representações simbólico-ideológicas nas

universidades, escolas e famílias contribuam para uma maior mobilização e militância

na defesa dos sem-terra e de outra racionalidade socio-produtiva.

Notas 1.Alguns dados da CPT não foram considerados por não haver informações suficientes do local onde

ocorreu a ação ou o número preciso de pessoas que sofreram a ação. 2.Os dados fornecidos pela CPT são dinâmicos, podendo ser atualizados. Algumas informações tendem a

ser corrigidas e/ou acrescentadas, mesmo após a publicação dos dados. Por isso, os dados trabalhados e publicados neste artigo podem ser diferentes dos apresentados em outras publicações.

3.Informações no site: http://www.24horasnews.com.br/index.php?tipo=ler&mat=353154, acessado em 20/02/2011.

4.Extraído do Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em: http://www.mte.gov.br/trab_escravo/7337.pdf, acessado em 20/01/2011

5.Extraído do Site do Ministério do Trabalho e Emprego. Atualizada a Lista Suja de trabalho escravo. Acessado em 20/01/2011

6.Extraído do Site do Ministério do Trabalho e Emprego. Inspeção do Trabalho: Combate ao Trabalho Escravo. Acessado em 20/01/2011.

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