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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
DAYANE ROBERTA DE FRANÇA
ACHADOS FONOAUDIOLÓGICOS EM UM
PACIENTE COM SÍNDROME DE TREACHER COLLINS
CURITIBA,
2014
DAYANE ROBERTA DE FRANÇA
ACHADOS FONOAUDIOLÓGICOS EM UM
PACIENTE COM SÍNDROME DE TREACHER COLLINS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Fonoaudiologia da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Fonoaudiologia. ORIENTADORA: Professora Fonoaudióloga Doutora Giselle Aparecida de Athayde Massi
CURITIBA
2014
SUMÁRIO
RESUMO..............................................................................................................01
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................01
2. APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO..........................................................03
2.1. AVALIAÇÃO AUDIOLÓGICA ........................................................................07
2.2. AVALIAÇÃO DE MOTRICIDADE OROFACIAL ............................................07
2.3. AVALIAÇÃO DE DEGLUTIÇÃO....................................................................07
2.4. AVALIAÇÃO DE VOZ....................................................................................08
2.5. AVALIAÇÃO DE LINGUAGEM ORAL...........................................................08
3. DISCUSSÃO....................................................................................................10
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................13
REFERÊNCIAS....................................................................................................13
1
ACHADOS FONOAUDIOLÓGICOS EM UM
PACIENTE COM SÍNDROME DE TREACHER COLLINS
DAYANE ROBERTA DE FRANÇA *
* Aluna do quarto ano do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Biológicas e de Saúde da Universidade Tuiuti do Paraná
RESUMO
O objetivo deste trabalho consiste em relatar o caso de um paciente com síndrome de Treacher Collins, buscando descrever as alterações fonoaudiológicas que podem ser encontradas em indivíduos com essa síndrome. O presente estudo foi realizado com uma criança de três anos de idade, do gênero masculino, em acompanhamento fonoaudiológico em uma clínica escola situada em Curitiba-Paraná. O paciente foi submetido à avaliação audiológica, de motricidade orofacial, de deglutição, de voz e de linguagem oral. Ele apresenta perda auditiva moderada, com componente misto bilateral; inadequação de órgãos fonoarticulatórios, com base de língua posteriorizada e colabamento da epiglote sobre a laringe devido, o que o impede de executar a mastigação e deglutição de alimentos sólidos e pastosos. Apesar de participar de situações enunciativas e de compreender sentenças e histórias que lhe são narradas, o paciente evidencia significativa dificuldade na produção dos sons da fala, devido as alterações musculo-esqueléticas que apresenta. Pode-se concluir que tais características são compatíveis com os resultados descritos pela literatura científica que trata da síndrome de Treacher Collins. Palavras-chave: Fonoaudiologia. Síndrome. Treacher. Collins. Disostose. Mandibulofacial.
1. INTRODUÇÃO
A síndrome de Treacher Collins (STC), também conhecida como Síndrome de
Berry-Franceschetti-Klein ou Síndrome de Franceschetti-Zwahlen-Klein1, caracteriza-
se como um tipo de disostose mandibulofacial2, ou seja, um distúrbio que se
apresenta a partir de anomalias congênitas craniofaciais, manifestadas sob
diferentes níveis de severidade3. Tal síndrome foi descrita inicialmente por Thomson,
em 1846. Porém, foi o pesquisador E. Treacher Collins quem identificou e descreveu
seus componentes essenciais, em 1900, razão pela qual a literatura majoritária o
homenageia adotando o seu nome para denominar a síndrome. Por fim, em 1943
2
Franceschetti e Klein aprofundaram o conhecimento deste distúrbio ao publicarem
os seus intensivos estudos a respeito das características do mesmo4.
De um ponto de vista genético, a STC é classificada como um distúrbio raro,
com incidência aproximada de um caso a cada 40.000 a 70.000 nascidos vivos5.
Cerca de 60% dos casos decorrem de mutação genética nova (tipo “de novo”),
ocorrida no próprio paciente sem a transmissão do gene defeituoso por seus
progenitores. Aproximadamente 40% dos casos provêm de herança genética
autossômica e dominante6, de modo que nestes casos a probabilidade de uma
criança herdar a condição de seus pais é de 50%, independentemente do seu sexo.
O primeiro gene relacionado à síndrome foi identificado apenas em 1996, recebendo
a denominação TCOF17. Mutações neste gene são responsáveis por mais de 90%
dos casos de STC8. Mais de 130 mutações patogênicas já foram identificadas no
gene TCOF16. Em 2011, foram identificados outros dois genes relacionados à
síndrome, o POLR1C e POLR1D9.
A STC é caracterizada por hipoplasia dos ossos zigomáticos e mandíbula,
anormalidades do ouvido externo, coloboma da pálpebra inferior e ausência dos
cílios inferiores. Cerca de 40% a 50% dos indivíduos têm perda auditiva condutiva
atribuída à malformação dos ossículos e hipoplasia das cavidades do ouvido médio.
As estruturas da orelha interna tendem a ser normais. Outras alterações menos
comuns incluem fenda palatina com ou sem fissura de lábio e estenose ou atresia
coanal, unilateral ou bilateral10.
O tratamento da STC deve ser planejado para as necessidades específicas
de cada paciente e conduzido por uma equipe multidisciplinar ou interdisciplinar11.
No âmbito da fonoaudiologia, o trabalho destinado a pacientes com deformidades
craniofaciais deve estender-se desde o nascimento até a idade adulta, atuando em
musculatura orofacial, linguagem oral, linguagem escrita, qualidade vocal e funções
de respiração, sucção, mastigação e deglutição11.
Conforme estudo realizado no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais
da Universidade de São Paulo9, procedimentos clínicos fonoaudiológicos voltados a
pacientes com STC são relevantes, tendo em vista que tais pacientes apresentam
comprometimentos de diversas funções relacionadas a aspectos fonoaudiológicos,
tais como alterações articulatórias com significativo prejuízo da inteligibilidade da fala
e perdas auditivas.
3
Nessa mesma direção, outro estudo12 indica que um dos aspectos a serem
considerados junto a pacientes com STC é a alimentação dos mesmos, sobretudo
durante a infância, já que a STC associa-se a apneias obstrutivas, em níveis que vão
desde os mais leves aos mais graves, além de dificuldades para deglutir.
Assim, o presente estudo tem como objetivo relatar o caso de um paciente
com síndrome de Treacher Collins, buscando descrever as alterações
fonoaudiológicas que podem ser encontradas em indivíduos com essa síndrome.
2. APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO
O presente estudo de caso foi aprovado pelo Comitê de Ética Institucional sob
número CEP-UTP047/2009, sendo realizado em uma clínica fonoaudiológica
vinculada a uma instituição de ensino superior, a qual é credenciada pelo Sistema
Único de Saúde (SUS), situada na capital do Paraná.
Participou do presente estudo, o paciente identificado pelas iniciais M.X., uma
criança do gênero masculino, com quatro anos de idade e diagnosticado com STC,
nascido em Curitiba/PR, na data de 23/09/2010. Logo ao nascer, já foi constatada a
síndrome de Treacher Collins, pois M.X. apresentava severas deformidades crânio-
faciais, dentre as quais sobressaltaram: ausência do pavilhão auricular, hipoplasia
da maxila, eminências malares e zigomáticas, comprometendo a sua audição, sua
motricidade orofacial, sua voz e sua linguagem oral.
FIGURA 1
M.X. masculino, aos três anos e seis meses de idade
4
Inicialmente, a pesquisa voltou-se aos dados históricos, pessoais e familiares
do paciente, sendo realizada por meio de entrevistas estabelecidas com a mãe de
M.X, ao longo do período de estudo e que se iniciaram em fevereiro de 2014. M.X.
reside com seu pai, sua mãe e um irmão mais velho. Os pais são professores da
rede pública municipal. Segundo relato da mãe, a gravidez transcorreu de forma
normal, não havendo intercorrências durante a gestação. O acompanhamento pré-
natal não revelou qualquer problema com o bebê; foi apenas, no decorrer do parto,
que os pais descobriram que o filho apresentava a STC. O parto foi realizado através
de cesárea em um Hospital Universitário. Entretanto, não havia preparativo especial
para receber o bebê, pois a equipe médica não esperava qualquer anormalidade.
Segundo a mãe, os próprios médicos se desesperaram após o nascimento, quando
descobriram a gravidade do caso.
M.X. precisou ser submetido a traqueostomia imediatamente após o
nascimento. Nas horas subsequentes ao parto, ele sofreu paradas cardíacas e
respiratórias, sendo que uma UTI neo-natal precisou ser improvisada, pois a
estrutura do hospital encontrava-se interditada naquela data. A equipe médica
informou aos pais que M.X. não possuía qualquer expectativa de vida ao nascer,
pois a síndrome havia se manifestado em um grau “muito forte” (sic).
Apesar disto, a mãe contou que, enquanto seu filho estava na UTI, ela e seu
marido - pai do paciente - decidiram que despenderiam todos os esforços para que
M.X. tivesse uma vida normal e com qualidade, apesar dos obstáculos e dificuldades
provenientes da síndrome de Treacher Collins. A mãe diz saber que o diferente
choca e desperta a curiosidade das pessoas, porém ela e sua família decidiram
fazer com que vida de M.X. “fosse o mais normal possível”(sic).
Indagando a mãe sobre a rotina atual do seu filho, ela relatou que M.X.
possui uma vida praticamente normal, como qualquer outra criança: acorda tarde,
gosta de assistir TV e dos personagens Backyardigans, Cocoricó, Mickey, além de
apreciar atividades que envolvem músicas.
A única exceção relacionada à rotina de M.X. diz respeito ao fato do paciente
não estar frequentando a escola. Apesar de aceito por uma instituição de ensino
particular, houve uma denúncia anônima pelo fato dele fazer uso de traqueostomia e
5
sonda alimentar e não ser acompanhado, em âmbito educacional, por um
profissional da área de saúde. Atualmente, a questão vem sendo acompanhada pelo
Ministério Público, o qual está requerendo a disponibilização de um profissional para
acompanhá-lo no período escolar.
Prosseguindo com seu discurso, a mãe do paciente relatou que, após o
nascimento, o filho ficou internado por bastante tempo na UTI e, ao longo da vida, já
passou por quinze cirurgias plásticas reconstrutivas e corretivas.
Questionada sobre a alimentação de M.X., a mãe respondeu que ele é
acompanhado por dois gastroenterologistas e uma nutricionista. No momento, seu
filho deglute apenas líquido. “No passado, ele não conseguia engolir nem
saliva”(sic).
A mãe informou que houve uma tentativa de uso de cânula de traqueostomia
fenestrada para facilitar a fala de M.X., porém tal tentativa foi desastrosa. De acordo
com a mãe, M.X. não possuía estrutura fisiológica capaz de suportar o equipamento.
Por isto, foi preciso retirar tal cânula e fazer raspagem: “a carne entrou nas frestas e
causou uma lesão bem séria” (sic).
Durante o encaminhamento das entrevistas, a mãe relatou que seu filho havia
sido submetido a diversos exames, os quais apresentaram os seguintes resultados
de relevância fonoaudiológica:
- Potencial Evocado Auditivo de Tronco-Encefálico - PEATE/BERA realizado
em 24/05/2011, quando M.X. tinha 8 meses de idade, o qual relata que, para a via
aérea, foram obtidos potenciais por cliques em intensidade de até 60 dbNA. Aos 80
dbNA a onda V apareceu com tempo de latência aumentado. Para a via óssea,
foram obtidos potenciais por cliques em intensidade de até 28dbNA. A conclusão do
exame foi que o paciente apresentava “sinais sugestivos de perda auditiva
moderada, com componente misto bilateral”. Equipamento marca Vivosonic. Laudo:
VA latência aumentada em limiares de 80dB. VO encontrada em 28dB.
- Ressonância magnética encefálica, realizada em 25/07/2012, quando M.X.
tinha um ano de idade, relatando sinais de importante desproporção crânio-facial
com severa hipoplasia dos condutos auditivos externos bilateralmente e ausência
dos pavilhões auriculares.
6
- Endoscopia digestiva alta, realizada em 12/09/2012, quando M.X. contava
com um ano de idade, relatando esôfago de calibre e mucosa normais, sem sinais
de esofagite; estômago com presença de disco de gastrostromia em região antral e
duodeno sem alterações.
- Estudo da deglutição por radioscopia, realizada em 30/10/2012, quando
M.X. tinha dois anos de idade, referindo distúrbio da deglutição com refluxo de
contraste para a rinofaringe; esôfago, estômago, arco duodenal e esvaziamento
gástrico sem alterações e ausência de refluxo gastro-esofageano.
- Traqueoscopia, realizada em 05/03/2013, quando o paciente contava com
dois anos de idade, relatando narinas direita e esquerda com estruturas de aspecto
habitual; adenóide de aspecto normal não obstrutiva; hipofaringe e base de língua
posteriorizada sem alterações anatômicas; epiglote de aspecto anatômico com
queda completa sobre a laringe durante a respiração com traqueo fechada,
impedindo a respiração por cima; seios piriformes e valéculas sem alterações;
pregas ariepiglóticas sem alterações; aritenóides de aspecto normal, sem malácia;
pregas vocais de aspecto, coloração e mobilidade normais; subglote normal sem
sinais de estenose; traquéia de aspecto normal até a Carina. Conclusão: base de
língua posteriorizada e colabamento da epiglote sobre a laringe.
- Tomografia computadorizada 3D da face 28/08/2013, quando M.X tinha dois
anos de idade, referindo indefinição dos côndilos mandibulares; displasia das
cavidades glenóides; hipoplasia da face e dos seios maxilares; células etmoidais,
seio frontal e esfenoidal pouco aerados; cornetos nasais preservados; tortuosidade
do septo nasal; não há lesão óssea expansiva e perda da oclusão dentária.
Tendo em vista o relato da mãe sobre a história e a rotina atual de M.X., bem
como os exames realizados por ele, na sequencia, foram feitas avaliações
fonoaudiológicas do paciente focadas na sua audição, motricidade oral, deglutição,
voz e linguagem oral, cujos resultados são apresentados na sequência.
7
2.1. AVALIAÇÃO AUDIOLÓGICA
As observações comportamentais indicaram perda auditiva moderada, com
componente misto bilateral.
A audiometria em campo, realizada em 01/10/2014, com o dispositivo BAHA,
revela limiares entre 20dB e 50dB, o que revela ganho funcional de 40dB.
2.2. AVALIAÇÃO DE MOTRICIDADE OROFACIAL
A avaliação de MO foi baseada nos critérios estabelecidos pelo protocolo
MBGR13.
O paciente apresenta palato ogival, dificuldade de vedamento labial, redução
de fluxo aéreo nas vias superiores, bochechas e olhos assimétricos, mandíbula
retrognática e ausência de movimentos de captação, preparação e mastigação de
alimento.
Não foi possível avaliar a mobilidade de bochechas e mandíbula devido à
fixação dos extratores fixados às laterais da face do paciente, que se encontrava em
período pós-operatório de cirurgia reparadora craniofacial.
2.3. AVALIAÇÃO DE DEGLUTIÇÃO
Usando a escala funcional de ingestão por via oral (FOIS), M.X. é classificado
como “Nível 2 - Dependente de via alternativa e mínima via oral de algum alimento
ou líquido” 14, pois o paciente ingere apenas líquidos e se alimenta por meio de
sonda.
O paciente apresenta disfagia oral leve/moderada devido à ausência de
movimentos de captação, preparação e mastigação, com proteção laringotraqueal
para as consistências líquida e pastosa fina, sem estase em recessos faríngeos,
8
conforme estudo dinâmico da deglutição por videofluoroscopia realizado em
16/10/2014.
2.4. AVALIAÇÃO DE VOZ
O paciente faz uso de traqueostomia, apresenta modo respiratório oronasal e
tipo respiratório superior associado à incoordenação pneumofonoarticulatória.
No tocante à avaliação perceptivo-auditiva da voz de M.X., foi observado que
o paciente apresenta foco de ressonância faríngea, acompanhado de tensão na
região laringofaríngea, esforço fonatório e mobilidade laríngea prejudicada.
Apresentou pitch elevado e loudness rebaixado. O tempo máximo de fonação foi de
três segundos na emissão da vogal [a] prolongada.
A análise perceptivo-auditiva foi pautada com base nos parâmetros
estabelecidos pela escala GRBASI.
Em relação à análise acústica, foi utilizado o protocolo do software
“VoxMetria”. Entretanto, as dificuldades fonoarticulatórias do paciente o
impossibilitaram de fornecer a amostra exigida pelo software para a execução da
opção “análise de voz”.
Assim, a utilização do programa foi realizada utilizando-se a função de análise
de “qualidade vocal”, na qual foi observado que o paciente apresenta frequência
fundamental modal dentro dos padrões de normalidade para crianças (maior que
250 Hz). Em relação aos valores de jitter e shimmer, os mesmos encontram-se
aumentados, evidenciando que o paciente possui irregularidade na variabilidade da
frequência fundamental e da amplitude da onda em curto prazo.
2.5. AVALIAÇÃO DE LINGUAGEM ORAL
A avaliação da linguagem oral do paciente foi pautada numa perspectiva
clínica dialógica baseada em pressupostos que tomam a linguagem como
9
constitutiva do sujeito. De forma geral, M.X. apresenta boa percepção e
compreensão da fala de seu interlocutor, visto que interage facilmente com o outro.
Apesar das dificuldades para produção da fala, ele consegue se fazer entender,
produzindo enunciados por meio expressões faciais, de gestos manuais e corporais
e da vocalização prosódica de sons. Sobre tais vocalizações, convém ressaltar que
as mesmas são sistematicamente alcançadas a partir de uma baixa intensidade
vocal.
M.X. apresenta uma significativa dificuldade para produzir sons da fala por
conta de alteração na estrutura músculo-esquelética de seus órgãos
fonoarticulatórios. Ele produz os sons vocálicos [a, e, E], com intensidade baixa. Ao
tentar emitir sons consonantais anteriores, tais como o bilabial surdo [p], o
linguodental surdo [t], o palatoalveolar [z] e o nasal [m], estes apresentam-se
distorcidos atipicamente em região posterior da boca. Em função dessa distorção
atípica, M.X. produz um som que aproxima-se do velar surdo [k]. Ou seja, ao tentar
pronunciar vocábulos elaborados a partir de sons articulados na região anterior da
boca, como em [pata], por exemplo, M.X. acaba por emitir [kaka], sendo que o som
[k] é frequentemente elaborado com golpe de glote.
Dessa forma, M.X. pronuncia assistematicamente poucas palavras, tais como
“mãe”, “casa” e seu próprio nome, as quais são produzidas de forma distorcida,
podendo ser compreendidas a partir do contexto interativo. Ele não elabora
sentenças, nem tampouco relatos orais. Mas, participa de situações enunciativas e
entende com tranquilidade sentenças afirmativas e interrogativas que são
direcionadas a ele, bem como relatos pessoais e narrativas de ficção.
Durante o período de realização do presente estudo, o paciente foi submetido
a exames com a finalidade de verificar a possibilidade de utilização da válvula
Passy-Muir, em especial para avaliar o grau de colabamento da epiglote sobre a
laringe do paciente, pois um dos critérios para o uso da válvula de fala é existência
de espaço ao redor do tubo de traqueostomia para o fluxo aéreo destinado às vias
superiores. Entretanto, tal avaliação não foi finalizada durante o período do presente
estudo devido a repetidos adiamentos dos exames pelo SUS, razão pela qual não é
possível afirmar sobre a viabilidade de M.X. fazer uso ou não de tal válvula fonatória.
10
3. DISCUSSÃO
Há poucas pesquisas relatando aspectos fonoaudiológicos relacionados à
motricidade orofacial, deglutição, voz e linguagem oral na população acometida por
STC9. A partir de consulta realizada junto as bases de dados Cochrane, LILACS,
MEDLINE e SciELO com o uso dos termos Síndrome de Treacher Collins e
Fonoaudiologia, entre os anos de 2008 e 2014, é possível afirmar que há carência
de estudos focados em procedimentos clínicos fonoaudiológicos voltados a sujeitos
com STC, tanto de um ponto de vista avaliativo como de acompanhamento
prolongado de casos de crianças e adultos. Entretanto, apesar de tal carência, Silva
et al.5 afirmam que crianças com STC devem ser examinadas precocemente por
profissionais de otorrinolaringologia e de fonoaudiologia, para que sejam
identificadas perdas auditivas e o grau de comprometimento das vias aéreas de tais
crianças.
No presente estudo observou-se que M.X. apresenta perda auditiva
moderada, com componente misto bilateral. Tal resultado é compatível com os
resultados encontrados por CASSAB et al.9, o qual relata que 80% dos pacientes
com STC apresentam perda auditiva confirmada do tipo condutivo ou misto.
No tocante à avaliação vocal, destaca-se a ressonância de foco faríngeo
observada na emissão de M.X. Tal achado afasta-se do grupo majoritário
identificado no estudo de CASSAB et al.9, o qual aponta que 60% dos pacientes
com STC apresentam hipernasalidade, 10% apresentam hiponasalidade e os
demais casos (30%) apresentam ressonância normal.
Já o padrão respiratório, pitch, loudness e demais aspectos da avaliação
vocal de M.X. são compatíveis com o comprometimento anatomofisiológico
apresentado pelo paciente decorrente da síndrome e descritos pela literatura.
No que se refere à avaliação da motricidade orofacial e de deglutição, o
paciente em questão evidencia base de língua posteriorizada e colabamento da
epiglote sobre a laringe devido à síndrome que possui, com redução de fluxo aéreo
nas vias superiores, mandíbula retrognática e disfagia ocasionada pela ausência de
movimentos de captação, preparação e mastigação de alimento. Nesse sentido, este
caso mostra-se compatível com estudo de Andrea e Jhandir15, o qual refere
11
problemas de respiração e de deglutição como manifestações clínicas recorrentes
em pacientes com STC, ocasionadas por micrognatia e glossoptose, sendo que esta
última se produz pelo fato de a língua se posicionar em região mais posterior da
boca. Para dar conta dessas manifestações, a literatura pesquisada sugere que a
equipe multidisciplinar envolvida avalie a possibilidade de proceder correção do terço
inferior da face por meio de cirurgias craniofaciais, com o objetivo de promover
alargamento gradual do osso mandibular e, assim, melhorar as funções de órgãos
envolvidos na respiração, alimentação e na fala de crianças com STC.
Quanto à produção dos sons da fala, conforme Andrea e Jhandir15,
problemas vinculados ao desenvolvimento da linguagem oral, em crianças com STC,
podem ser consequencia de perdas auditivas ou de dificuldades para articular tais
sons ocasionadas por distorções estruturais. No caso aqui apresentado, não é
possível relacionar as dificuldades de produção de sons da fala de M.X. a sua perda
auditiva. Pois, este paciente participa ativamente de situações interativas tanto em
seu contexto familiar como em outras situações sociais, compreendendo com
facilidade sentenças e relatos que seus interlocutores lhe dirigem. Portanto, a
dificuldade que ele apresenta na fala está relacionada com alterações estruturais de
órgãos envolvidos na articulação dos sons.
CASSAB et al.9 afirmam que pacientes com STC podem apresentar a
oralidade afetada por distorções obrigatórias ou produções compensatórias
ocasionados por anomalias estruturais. De acordo com esses autores, distorções
obrigatórias são causadas por estrutura anormal, e não por função anormal,
impondo a necessidade de uma cirurgia ou outra forma de intervenção física de
ordem estrutural. No caso de M.X, esse vem se submetendo a cirurgias craniofaciais
reparadoras, além de recorrer ao uso de extratores laterais de face. Segundo a
equipe médica que o acompanha, M.X., será submetido a cirurgias reparadoras até
aproximadamente os seus vinte e um anos de idade.
Além disto, devido ao crescimento do paciente, está prevista a iminente
substituição da cânula de traqueostomia, da atual metálica tamanho nº 02 para uma
nº 03.
12
Por fim, foi observada pela equipe médica a melhoria do fluxo aéreo das vias
superiores do paciente, motivo pela qual se visualizou a probabilidade futura de
retirada definitiva da traqueostomia de M.X..
Enquanto a retirada não ocorre, a utilização da válvula Passy-Muir poderia
constituir-se em um importante recurso a ser utilizado no caso de M.X, pois tal
equipamento responde ao aumento de pressão (consistente com a vocalização)
para fechar automaticamente o tubo da traqueostomia e redirecionar o ar
integralmente para as pregas vocais, sem a necessidade de manipulação externa.
Com o reestabelecimento do fluxo aéreo nas vias superiores, devolver-se-ia ao
paciente um estado fisiológico mais normal, o que resultaria na melhoria da
deglutição, redução de aspiração e das complicações próprias devidas ao uso do
tubo de traqueostomia.
No que se refere ao desenvolvimento da oralidade, estudos apontam que o
trabalho fonoaudiológico pode ser mais efetivo após a normalização estrutural,
podendo ser indicado antes de tal normalização9. Por sua vez, COLTON et al.16
esclarecem que crianças que precisam de uma traqueostomia por tempo prolongado
são um desafio particular à classe fonoaudiológica, pois deve-se buscar o
desenvolvimento de fala e linguagem sem descuidar-se das habilidades funcionais
de comunicação.
Assim, no caso aqui apresentado, convém explicitar parte da história de M.X.,
pois ela pode elucidar aspectos a serem considerados na prática clínica
fonoaudiológica. Apesar de apresentar deformidades faciais severas, M.X. consegue
estabelecer relações interlocutivas satisfatórias com familiares e demais pessoas de
seu convívio social. Seus pais investem no desenvolvimento global de M.X.,
garantindo que ele participe de todas as atividades sociais em que a famílias de
insere. E a posição assumida pelos seus pais têm sido determinante para facilitar a
integração social desta criança
Por fim, de acordo com a literatura pesquisada, pacientes com STC
geralmente sofrem em consequência de estigmas sociais decorrentes das anomalias
que apresentam na face4. Nesse sentido, convém ressaltar que M.X. não sofre esse
tipo de estigma, tendo em vista que mostra-se integrado na comunidade em que
vive. Assim, além de focar-se na função de estruturas orofaciais envolvidas na
13
respiração, mastigação, deglutição e produção de sons da fala, o fonoaudiólogo
pode ter papel relevante para garantir que pacientes com STC possam fazer uso da
linguagem, por meio da criação de situações enunciativas capazes de trabalhar a
integração dessa criança no meio social em que vive.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O paciente do presente estudo de caso apresenta alterações de relevância
fonoaudiológica nas áreas de audição, linguagem, motricidade orofacial e voz.
O planejamento da conduta fonoaudiológica adequada para cada caso de
STC deve considerar as peculiaridades e a individualidade de cada paciente,
respeitando a sua história e as suas limitações inclusive anatomofisiológicas
decorrentes da STC.
Ressalta-se a importância de um acompanhamento multidisciplinar ao
paciente com STC, pois um diagnóstico precoce e uma estratégia terapêutica
adequada são fundamentais para alcançar-se o desenvolvimento global satisfatório
do indivíduo.
Por fim, considerando-se as limitações do presente estudo em face de tão
complexa síndrome, agravada pela raridade, diversidade de sinais e sintomas e à
carência de literatura fonoaudiológica específica, certamente se faz necessária a
realização de outros estudos que venham a contribuir e aumentar o conhecimento
da classe fonoaudiológica sobre a STC e assim auxiliar no planejamento avaliativo e
terapêutico de casos futuros.
REFERÊNCIAS
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