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105 Semina: Ciências Biológicas e da Saúde, Londrina, v. 29, n. 1, p. 105-114, jan./jun. 2008 Adoçantes dietéticos na alimentação de ratos: uma abordagem histológica e bioquímica Dietary sweeteners in rat nourishment: a histological and biochemical approach Carlos Alberto Vieira 1 ; Marco Antonio Pires Corbo 2 ; Thiago Martins Borges 2 ; Maurício Meirelles 3 ; Ana Cláudia Mestriner 4 ; Andreimar Martins Soares 5 ; José Roberto Giglio 6 Resumo Ratos Wistar foram submetidos a uma dieta composta de ração e: 1. água; 2. sacarose a 10%; 3. Aspartame a 1%; 4. ciclamato de sódio a 1%; e 5.sacarina a 1% ad libitum, a partir dos 15 dias de idade. Na fase adulta (5,5 meses), cortes histológicos do duodeno, fígado, baço, bexiga e pâncreas desses animais não revelaram alterações anátomo-patológicas. A evolução da massa corporal foi também muito próxima entre os cinco grupos. Detectou-se menor nível de triglicérideos séricos nos grupos Sacarose e Aspartame, assim como de colesterol no grupo Água. Essas variações foram aparentemente indiretas e ligadas à maior ou menor ingestão de ração e à sua composição. Palavras-chave: Ciclamato. Aspartame. Sacarina. Análise Histológica. Análise Bioquímica. Abstract Wistar rats were fed a diet composed of chow and: 1. water; 2. 10% sacarose; 3. 1% aspartame; 4. 1% sodium cyclamate and 5. 1% saccharin ad libitum, from the age of 15 days. At the adult phase (5.5 months), histologic cuts of these animals did not show anatomo-morphologic alterations. Evolution of body weight was also very close to one another among the five groups. Lower serum triglyceride levels were detected in the Sucrose and Aspartame groups, the same occurring with cholesterol in the Water group. These alterations were apparently indirect and due to a higher or lower ingestion of chow and its composition. Keywords: Cyclamate, Aspartame, Saccharin, Histological analysis, Biochemical analysis. 1 Biomédico, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, Depto. de Bioquímica e Imunologia. 2 Alunos de Iniciação Científica, Faculdade de Medicina Barão de Mauá, Ribeirão Preto, SP. 3 Professor de Patologia Clínica, Faculdade de Medicina Barão de Mauá, Ribeirão Preto, SP. 4 Professora de Histologia e Biologia Celular, Faculdade de Medicina Barão de Mauá, Ribeirão Preto, SP. 5 Professor Doutor de Toxicologia, Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto-USP. 6 Professor Titular de Bioquímica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP. E-mail: [email protected].

Adoçantes dietéticos na alimentação de ratos: uma ... · glicose plasmática em portadores de diabetes tipo 2 (ANDERSON et al., 1997). Numa dieta pobre em cromo, os adoçantes

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105Semina: Ciências Biológicas e da Saúde, Londrina, v. 29, n. 1, p. 105-114, jan./jun. 2008

Adoçantes dietéticos na alimentação de ratos: uma abordagem histológica e bioquímica

Dietary sweeteners in rat nourishment: a histological and biochemical approach

Carlos Alberto Vieira1; Marco Antonio Pires Corbo2; Thiago Martins Borges2; Maurício Meirelles3; Ana Cláudia Mestriner4;

Andreimar Martins Soares5; José Roberto Giglio6

Resumo

Ratos Wistar foram submetidos a uma dieta composta de ração e: 1. água; 2. sacarose a 10%; 3. Aspartame a 1%; 4. ciclamato de sódio a 1%; e 5.sacarina a 1% ad libitum, a partir dos 15 dias de idade. Na fase adulta (5,5 meses), cortes histológicos do duodeno, fígado, baço, bexiga e pâncreas desses animais não revelaram alterações anátomo-patológicas. A evolução da massa corporal foi também muito próxima entre os cinco grupos. Detectou-se menor nível de triglicérideos séricos nos grupos Sacarose e Aspartame, assim como de colesterol no grupo Água. Essas variações foram aparentemente indiretas e ligadas à maior ou menor ingestão de ração e à sua composição.Palavras-chave: Ciclamato. Aspartame. Sacarina. Análise Histológica. Análise Bioquímica.

Abstract

Wistar rats were fed a diet composed of chow and: 1. water; 2. 10% sacarose; 3. 1% aspartame; 4. 1% sodium cyclamate and 5. 1% saccharin ad libitum, from the age of 15 days. At the adult phase (5.5 months), histologic cuts of these animals did not show anatomo-morphologic alterations. Evolution of body weight was also very close to one another among the five groups. Lower serum triglyceride levels were detected in the Sucrose and Aspartame groups, the same occurring with cholesterol in the Water group. These alterations were apparently indirect and due to a higher or lower ingestion of chow and its composition.Keywords: Cyclamate, Aspartame, Saccharin, Histological analysis, Biochemical analysis.

1 Biomédico, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, Depto. de Bioquímica e Imunologia.2 Alunos de Iniciação Científica, Faculdade de Medicina Barão de Mauá, Ribeirão Preto, SP.3 Professor de Patologia Clínica, Faculdade de Medicina Barão de Mauá, Ribeirão Preto, SP.4 Professora de Histologia e Biologia Celular, Faculdade de Medicina Barão de Mauá, Ribeirão Preto, SP.5 Professor Doutor de Toxicologia, Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto-USP.6 Professor Titular de Bioquímica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP. E-mail: [email protected].

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Vieira, C. A. et al.

Introdução

A obesidade, representa, atualmente um problema de saúde em vários países desenvolvidos. Embora existam poucas evidências de que adoçantes artificiais sejam significativamente eficientes para o controle da obesidade, sua utilização nos casos de diabetes mellitus é geralmente recomendada em substituição ao açúcar refinado.

O refino ou “polimento” dos alimentos (como o açúcar, trigo e arroz), por outro lado, remove elementos importantes, como o cromo, fundamental para o metabolismo da glicose. Sua falta promove o desenvolvimento do diabetes em pessoas predispostas porque o cromo é componente do GTF (“Glucose Tolerance Factor”), um complexo natural de Cr3+, ácido nicotínico, glicina, glutamato e cisteína ou glutationa. O GTF potencializa a ação da insulina, presumivelmente, facilitando seu “binding” aos sítios receptores. Suplementos de cromo comprovadamente melhoram os índices de glicose plasmática em portadores de diabetes tipo 2 (ANDERSON et al., 1997). Numa dieta pobre em cromo, os adoçantes artificiais, se não removem o problema, pelo menos o atenuam. Uma alternativa, estranhamente ainda não explorada industrialmente em grande escala, seria o uso da monelina, uma proteína incrivelmente doce (veja Tabela 1), extraída de uma cereja africana denominada “Serendipity Berry”. Este seria o adoçante ideal: extremamente potente e inofensivo, 2.000 vezes mais doce do que a sacarose. Seu poder edulcorante está ligado

à sua conformação, porque, após desnaturação por aquecimento, ela perde o sabor adoçante.

Por muitos anos, os mais usados adoçantes artificiais foram a sacarina e os ciclamatos. Os ciclamatos, de sódio e cálcio, foram banidos nos EUA em 1970, depois que estudos sugeriram que causavam câncer em animais de laboratório. Estudos subseqüentes, porém, não confirmaram esses achados, mas o FDA (“Food and Drug Administration”) não cancelou o banimento. Arruda, Martins e Azoube (2003) relatam que o ciclamato e a ciclohexilamina, seu principal metabólito, atravessam a barreira placentária em humanos e podem atingir o feto, e que o rim de ratos pode ser afetado por elevadas doses de ciclamato de sódio. De Matos, Martins e Azoubel (2006) realizaram estudos morfométricos acerca dos efeitos do ciclamato de sódio na placenta de ratas durante a embriogênese, e verificaram que a massa dos fetos e de suas placentas, assim como o comprimento do cordão umbelical, foram menores do que aqueles do grupo controle.

Em 1977, aventou-se que a sacarina provocava câncer de bexiga em animais de laboratório. Os esforços do FDA para bani-la do consumo foram porém barradas pelo Congresso norte-americano, porque, naquela época, a sacarina era o único adoçante artificial aprovado. Seu banimento teria significado o fim dos refrigerantes “diet” e produtos “light”.

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Adoçantes dietéticos na alimentação de ratos: uma abordagem histológica e bioquímica

Tabela 1. Poder educorante de vários compostos

Composto Poder edulcorante relativo(referência: sacarose = 100)

Lactose 16Maltose 33Glicose 74Sacarose 100Frutose 173Ciclamato de sódio 3.000Aspartame 16.000Acesulfame K 20.000Sacarina 50.000Monelina 200.000P-4000 400.000

Em 1981, o FDA aprovou o aspartame, éster metílico do dipeptideo L-Asp-L-Phe, como adoçante artificial, 160 vezes mais doce do que a sacarose, e ele substituiu a sacarina, como adoçante preferido. Existem relatos inexpressivos de problemas com o aspartame, mas os estudos até agora demonstraram ser ele seguro, pelo menos em doses moderadas, com advertências para pessoas com fenilcetonúria. Trata-se de uma condição hereditária na qual a Phe não pode metabolizar adequadamente a Tyr, por falta de Phe hidroxilase, e se transforma em fenilpiruvato, inibidor competitivo da piruvato translocase, por transaminação com o α-cetoglutarato. O acesulfame K foi também aprovado para uso nos EUA, e resiste

às altas temperaturas do processo de cozimento, enquanto o aspartame é decomposto pelo calor excessivo. Leme e Azoubel (2006) estudaram o efeito do aspartame no pâncreas exócrino de fetos murinos e observaram alterações morfométricas induzidas por esse edulcorante, principalmente se pré-aquecido a 40°C.

Os autores sugerem que o pré-aquecimento poderia decompor hidroliticamente o aspartame em seus constituintes Asp, Phe e metanol, mas admitem que não é possível extrapolar seus prováveis efeitos para seres humanos. Estruturas dos principais adoçantes comercializados (exceto os Compostos I e II) são apresentados:

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Vieira, C. A. et al.

Vários edulcorantes adiconais foram em seguida lançados no comércio, entre eles: sucralose, stevia, alitame e neotame.

O que torna um composto doce? Esta é uma pergunta sem resposta até hoje. Há pouca similaridade estrutural entre sacarina, ciclamato, composto P-4000 e os açúcares. Ainda mais desconcertantes são os sabores de dois compostos muito parecidos com o P-4000: o composto I, com grupos –NO2, e -NH2, é insípido; o composto II, com dois grupos –NO2, é extremamente amargo. O composto P-4000 é uma das substâncias mais doces conhecidas. Em 1974, seu uso nos EUA foi banido, devido a possíveis efeitos tóxicos. Outro fato curioso é que o sabor doce do aspartame muda para amargo quando substituímos a L-Phe por D-Phe.

Açúcares são compostos polihidroxilados. Muitos compostos com grupos –OH em carbonos adjacentes são doces. Até o etileno glicol (HOCH2CH2OH) é doce. Ele é usado como aditivo em alimentos, principalmente por ser umectante, mas não como adoçante. Monossacarídeos e dissacarídeos são doces, enquanto polissacarídeos são insípidos. Outros adoçantes polihideoxilados são: o sorbitol, produzido pela redução da glicose e encontrado em várias frutas; e o xilitol, com cinco carbonos hidroxilados, utilizado em gomas de mascar, balas e cereais adoçados.

Esses compostos levam uma vantagem sobre os açúcares: não são fermentados na boca e, por isso, não contribuem para a formação de cárie dentária, o que os torna úteis na fabricação de gomas de mascar. O sorbitol tem sido usado por diabéticos (DEVLIN, 1997; HILL; KOLB, 1998).

O surgimento de novas substâncias com propriedades adoçantes, industrializadas e utilizadas rotineiramente em todo o mundo, levantaram questões relacionadas às conseqüências da utilização destas substâncias na dieta. A utilização contínua dessas substâncias a longo prazo prejudica a saúde humana? A partir dessas questões, o objetivo deste trabalho foi avaliar a influência da ingestão de sacarina, aspartame, ciclamato e sacarose no desenvolvimento e saúde de ratos, na faixa etária de 15 dias até a fase adulta, discutindo aspectos histológicos e bioquímicos.

Materiais e métodos

Foram utilizados 25 ratos Wistar, com peso médio aproximado de 50 g (ínicio) a 650 g (após 5 meses). Os animais foram divididos em cinco grupos. No grupo Água, (n = 5), denominado grupo controle, foi utilizada água potável como único líquido ingerido; no grupo Ciclamato (n = 5), solução a 1% substituindo a água; no grupo Sacarina (n = 5), solução a 1%; no grupo Aspartame (n = 5), solução a 1%; e no grupo Sacarose (n = 5), solução a 10%. Os animais de cada grupo foram albergados em gaiolas específicas e devidamente identificados. Desde o início receberam ração ad libitum e sua massa corporal foi avaliada mês a mês e, no final de 5 meses, fez-se a avaliação de glicose plasmática, assim como de triglicerídeos e colesterol séricos.

Para as análises bioquímicas e histológicas, os animais dos grupos controle e teste foram anestesiados profundamente por inalação de CO2 e tiveram, então, as cavidades abdominal e torácica abertas por incisão mediana até exposição dos órgãos internos. Foram colhidos 2 ml de sangue por punção

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cardíaca, separados em 2 frascos contendo 1 ml cada. O primeiro frasco não continha anticoagulante e o sangue foi utilizado para obtenção do soro. O segundo frasco continha anticoagulante e o sangue foi utilizado para a obtenção do plasma, após centrifugação por 10 minutos a 3000 rpm (~ 1085 xg) em temperatura ambiente.

Após a coleta do sangue, fragmentos de fígado, baço, duodeno, bexiga urinária e pâncreas foram colhidos, fixados em formalina (formol a 10%) e processados para inclusão em parafina. Secções com 5 µm de espessura foram coradas com Hematoxilina – Eosina e analisados em microscopia de luz.

Os triglicerídeos totais, glicose e colesterol foram quantificados como descrito a seguir: (BUCOLO; DAVID, 1973; WESTGARD; BARRY; HUNT, 1981; WARNICK; NGUYENT; ALBERS, 1985; KAPLAN; SZABO; OPHEIM, 1988; BURTIS; ASHWOOD, 1998):

Triglicerídeos

Princípio do teste

Os triglicerídeos são hidrolisados pela ação da lípase lipoprotéica e o glicerol liberado é fosforilado pelo ATP, sob catálise da glicerolquinase, formando glicerolfosfato, que é oxidado a dihidroxiacetona e água oxigenada por ação da glicerol-3-fosfato oxidase. Por meio de reação de acoplamento oxidativo catalisada pela peroxidase, a água oxigenada reage com a 4-aminoantipirina e 4-clorofenol, produzindo a quinoneimina (vermelha) cuja absorbância, medida em 500 nm, é diretamente proporcional à concentração de triglicerídeos.

Lípase lipoprotéica Triglicerídeos + H2O Glicerol + Ác. Graxos

Glicerolcinase Mg++

Glicerol + ATP Glicerol – 3 – P + ADP

Glicerol-3-P Oxidase Glicerol – 3 – P + O2 Dihidroxiacetona + H2O2

Peroxidase 2H2O2 + 4-Aminoantipirina + 4-Clorofenol 4H2O2 + Quinoneimina

Glicose

Princípio do teste

A glicose oxidase catalisa a oxidação da glicose a ácido glicônico com produção de peróxido de hidrogênio. Por meio de uma reação oxidativa de acoplamento catalisada pela peroxidase, o peróxido de hidrogênio formado reage com 4-aminoantipirina + 4-clorofenol, formando um complexo de cor vermelha (quinoneimina), cuja absorbância, medida em 500 nm, é diretamente proporcional à concentração de glicose na amostra.

Glicose oxidase Glicose + ½ H2O Ácido Glicônico + H2O2

Peroxidase 2H2O2 + 4-Aminoantipirina + 4-Clorofenol Quinoneimina + 4H2O

Colesterol

Princípio do teste

Os ésteres do colesterol são hidrolisados pela ação da colesterol esterase e formam colesterol livre que, após oxidação sob catálise da colesterol oxidase, forma peróxido de hidrogênio. Este, ao reagir com o 4-clorofenol e 4-aminoantipirina, por meio de copulação oxidativa catalisada pela peroxidase, produz uma quinoneimina de cor vermelha. A absorbância do complexo formado, medida em 500 nm, é diretamente proporcional à concentração de colesterol da amostra.

Colesterol esterase Ésteres do colesterol Colesterol + Ácidos graxos

Colesterol oxidase Colesterol + O2 Colestenona + H2O2

Peroxidase 2H2O2 + 4-Clorofenol + 4-Aminoantipirina 4H2O + Quinoneimina

Análise estatística

Os dados obtidos foram analisados estatisticamente (ANOVA), e os resultados expressos pela média +/- desvio padrão (SD) (p < 0,05).

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Resultados e discussão

A utilização de adoçantes artificiais na alimentação humana continua polêmica até hoje mas, além de sua generalizada indicação para diabéticos e pré-diabéticos, e apesar das advertências veiculadas, o fato de estimularem as papilas gustativas muito mais intensamente do que os açúcares e por serem não calóricos (exceto o aspartame), favoreceu sua difusão em todo o mundo. Principalmente no caso particular do aspartame, não há relatos significativos inconvenientes de seu uso moderado e esporádico, mesmo para portadores genéticos de fenilcetonúria, uma vez que a quantidade utilizada para adoçar um café resume-se a 10 miligramas aproximadamente, dos quais apenas 56% são Phe, muito menos do que a Phe proveniente da digestão de uma quantidade modesta de proteína alimentar. Ao contrário da sacarina e ciclamato, não metabolizados em nosso organismo, o aspartame é hidrolisado a Asp, Phe e metanol, que seguem suas vias metabólicas normais. Mais uma vez, a produção de metanol não deve ser motivo de preocupação, em vista da quantidade liberada (menos de 11% do aspartame ingerido), lembrando que traços de metanol já são encontrados até no café. Em termos de valor calórico, o aspartame, apesar de fornecer aproximadamente 4 Kcal/g, na dosagem utilizada (~10mg/xícara de café) sua contribuição calórica é desprezível (~0,04 Kcal, frente a ~2.500 Kcal ingeridas por um adulto em 24h). Essa preocupação em reduzir o valor calórico se estende até aos açúcares. Um exemplo é o xarope de glicose, obtido por hidrólise do amido de milho, que é industrialmente convertido em frutose, sob catálise da glicose isomerase, com poder edulcorante relativo igual a 173, contra 74 da glicose (Tabela 1).

As secções histológicas do duodeno, fígado, baço, bexiga urinária e pâncreas dos animais tratados podem ser vistas na Figura 1 (A a E, respectivamente).

A Fig. 1A mostra secção longitudinal da túnica mucosa do duodeno com vilosidades e criptas intestinais revestidas por epitélio cilíndrico simples e lâmina própria adjacente. Na Fig. 1B, observa-se secção de fígado de animal pertencente ao grupo tratado com aspartame. A distribuição dos hepatócitos em cordões é característica do fígado. Entre os hepatócitos, são observados capilares sinusóides. Secção de baço de animal do grupo tratado com sacarose é evidenciada na Fig. 1C, demonstrando a distribuição das polpas branca e vermelha do parênquima esplênico. A Fig. 1D mostra secção longitudinal da parede da bexiga urinária com túnicas mucosa e muscular. Na Fig. 1E, observa-se secção de pâncreas com ácinos pancreáticos e ilhotas de Langerhans separados por septos de tecido conjuntivo.

As secções dos órgãos dos animais pertencentes aos grupos tratados (Sacarose, Aspartame, Ciclamato e Sacarina) não apresentaram alterações histológicas, quando comparados, em microscopia de luz, com as secções dos animais controles (Água). Não há, portanto, sinal aparente de anomalia anátomo-patológica induzida pelos adoçantes, pelo menos no período a partir dos 15 dias de idade até plena fase adulta.

A massa corporal média de cada grupo não mostrou também diferença significativa em relação aos grupos vizinhos ao longo de 5 meses, enquanto a evolução dessa massa nitidamente foi maior no período de 0,5 a 1,5 mês de idade (Fig. 2). Como os valores relativos, até os 5,5 meses de idade, foram aproximadamente constantes, podemos inferir que nenhum prejuízo detectável na massa corporal ocorreu em função do uso dos adoçantes, tendo sempre como referência o grupo Água.

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Figura 1. Secção longitudinal com 5 µm de espessura do duodeno (A), fígado (B), baço (C), bexiga (D) e pâncreas (E) dos animais tratados com água, aspartame, sacarose, ciclamato e sacarina, respectivamente.

A B C

D E

Figura 2. Evolução da massa corporal, ao longo de 5,5 meses, dos animais tratados com água, sacarose, sacarina, ciclamato e aspartame. Resultados expressos pela média ± SD (n=5).

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Na Figura 3, mostrando os níveis de glicose, colesterol e triglicerídeos na fase final (5,5 meses de idade), podemos observar algumas alterações significativas em relação aos triglicerídeos. O grupo Sacarose, e principalmente o grupo Aspartame, mostraram os menores níveis. Dos 5 grupos estudados, esses são os únicos que receberam soluções calóricas. Considerando-se que parte da energia foi suprida pelas soluções, a ingestão de ração foi atenuada nesses dois grupos. A ração, rica em milho, soja e trigo integrais, e, portanto, nos respectivos óleos, foi provavelmente a responsável,

via β-oxidação e ressíntese de ácidos graxos, pelo aumento dos triglicerídeos nos três grupos restantes. Num estudo comparativo entre os grupos Sacarose e Aspartame, de acordo com o exposto, deveríamos favorecer o grupo Sacarose (solução a 10%) em detrimento do grupo Aspartame (solução a 1%). A inversão observada na Fig. 3 pode ser explicada pelo fluxo metabólico normal sacarose → glicose + frutose → acetil~CoA → ácidos graxos → triglicerídeos. Portanto, a menor ingestão de ração pelo grupo Sacarose foi compensada pela alta ingestão de açúcar.

Figura 3. Níveis séricos de glicose, colesterol e triglicerídeos, na fase final (5,5 meses), dos animais tratados com água, sacarose, aspartame, ciclamato e sacarina. Resultados expressos pela média ± SD (n=5).

Concluindo, enquanto nenhuma alteração anátomo-patológica ou na evolução da massa corporal dos animais, devido à ingestão de adoçantes, foi notada, os níveis de triglicerídeoss foram menores para os grupos Sacarose e principalmente Aspartame, os dois únicos adoçantes calóricos do grupo. Apesar de a ingestão de Sacarose ter sido bem superior à de Aspartame, os triglicerídeos do grupo Sacarose ficaram mais altos por ser ela precursora dos mesmos.

É observado, na Fig. 3, que os níveis de glicose e triglicerídeos se aproximam daqueles encontrados no plasma e soro humanos respectivamente, mas

os níveis de colesterol estão bem abaixo. Uma provável razão para isso seria o alto conteúdo de triglicerídeos poli-insaturados (milho, soja, trigo) e de fibras vegetais da ração, tudo favorecendo a ação anticolesterolêmica, principalmente no grupo Água, cuja ingestão foi maior, comparável ao grupo Aspartame, ambos inferiores ao do grupo Sacarina, sendo esta precursora também do colesterol via aceti-SCoa. Cabe ressaltar que o nível relativamente mais elevado de colesterol para o grupo Ciclamato e, principalmente, para o grupo Sacarina ficam em aberto para esclarecimento futuro.

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Agradecimentos

Ao Dr. Victor D. Galban pela assistência na área de informática.

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