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REPORTAGEM Timor-Leste Nascimento de uma nação DOSSIER África. Energias Lisboa, Portugal 8-9 Dezembro de 2007 Uma grande mudança AGENDA C rreio O A revista das relações e cooperação entre África-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia N o 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

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Venda proibidaISSN 1784-682X

REPORTAGEM

Timor-LesteNascimento de uma nação

DOSSIER

África. Energias

Lisboa, Portugal8-9 Dezembro de 2007Uma grande mudança

AGENDA

C rreioO

A revista das relações e cooperação entre África-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia

No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

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A revista das relações e cooperação entreÁfrica-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia

Comité EditorialCo-presidentesJohn Kaputin, Secretário-Geral Secretariado do Grupo dos países de Africa, Caraíbas e Pacífico www.acp.intStefano Manservisi, Director Geral da DG Desenvolvimento Comissão Europeia ec.europa.eu/development/

Equipa editorialDirector e Editor-chefe Hegel Goutier

ColaboradoresFrançois Misser (Editor-chefe adjunto), Aminata Niang, Debra Percival

Editora assistente e produção Sara Saleri

Colaboraram nesta edição Marie-Martine Buckens, Sandra Federici,Andrea Marchesini Reggiani, Akberet Seyoum

Relações Públicas e Coordenação de arteRelações PúblicasAndrea Marchesini Reggiani (Director de Relações Públicas e responsável pelas ONGs e especialistas) Joan Ruiz Valero (Responsável pelas relações com a UE e instituições nacionais)

Coordenação de arteSandra Federici

Paginação, MaquetaOrazio Metello OrsiniArketipa

Gerente de contratoClaudia RechtenTracey D’Afters

CapaVista de um arrozal em Manatuto, Timor Leste© Hegel Goutier

ContracapaUma bomba de gasolina em Cotonu, Benin© Peeter Viisima

ContactoO Correio45, Rue de Trèves1040 BruxelasBélgica (UE)[email protected]: +32 2 2374392Fax: +32 2 2801406

Publicação bimestral em português, inglês, francês e espanhol.

Para mais informação em como subscrever,Consulte o site www.acp-eucourier.infoou contacte directamente [email protected]

Editor responsávelHegel Goutier

ParceirosGopa-Cartermill - Grand Angle - Lai-momo

A opinião expressa é dos autores e não representa o ponto de vista oficial da Comissão Europeianem dos países ACP.

Os parceiros e a equipa editorial transferem toda a responsabilidade dos artigos escritos para oscolaboradores externos.

A revista das relações e cooperação entreÁfrica-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia

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O nosso parceiroprivilegiado:

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África, Caraíbas e Pacífico e o

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até à organização de conferên-

cias. É um lugar de encontro de

belgas, imigrantes de origens

diversas e funcionários europeus.

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C rreioEDITORIAL

Recusa de estratégias fatais 3

EM DIRECTO

Entrevista com Gertrude Mongella, Presidente do Parlamento Pan-Africano 4

PERSPECTIVA 6

DOSSIER

Energias: um grande potencial a desenvolver em ÁfricaEnergias fósseis: a África, valor estratégico em crescimento 9

O BEI intensifica o investimento em infra-estruturas 11

Corrida ao Urânio 12

Hidroelectricidade: um potencial imenso e mal explorado 14

As energias renováveis: um tesouro a valorizar 16

A parceria energética e a agenda da Cimeira UE-África 18

INTERACÇÕES

Uma viragem nas relações entre os dois continentes 20

Empresários dominicanos: pequenas empresas com imaginação 22

UE – África – China, a nova cooperação triangular? 23

Cooperação internacional e fundações: um encontro frutuoso 25

Celtel: a África dá que falar 27

Início de uma viragem decisiva na abordagem dos APE 28

Agenda 29

COMÉRCIO

Açúcar sem Protocolo 30

Períodos de teste para os pequenos produtores de bananas ACP 34

EM FOCO

Um dia na vida de Dieudonné Kabongo 34

NOSSA TERRA

Eritreia: o fóssil é o elo que falta na linhagem do elefante 36

Resíduos electrónicos: quando o privado se envolve em África 38

REPORTAGEM

Timor LesteNascimento de uma nação atormentada: um feito épico 40

Saída das crises com optimismo 43

A prioridade de Timor? Preparar-se para a adesão à ASEAN 45

Todos os meios para derrubar o governo,excepto o incitamento à violência 47

Para compreender os timorenses 48

Belezas e curiosidades ainda intactas. A descobrir antes do turismo de massas 50

Reforçar a capacidade institucional e o desenvolvimento rural. E reagir rapidamente às crises 52

DESCOBERTA DA EUROPA

EslovéniaLiubliana – uma porta para a Eslovénia e as suas inùmeras riquezas 53

Vinhos com reputação internacional 55

Acordar em Liubliana 57

ONG eslovenas no mapa mundial 58

CRIATIVIDADE

Festival Yambi: chegou o novo Congo! 59

Porquê a África? A Colecção Pigozzi 61

Ruanda: convite à viagem 63

Índice

No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

O CORREIO, N° 3 NOVA EDIÇÃO (N.E.)

O

A revista das relações e cooperação entre África-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia

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Ofinal deste ano tem uma importância signi-ficativa para as relações entre os Estados deÁfrica, Caraíbas e Pacífico e a UniãoEuropeia. Depois dos debates variados e

abertos das Jornadas Europeias do Desenvolvimento,em Novembro, vem a cimeira UE–África durante aqual, entre outros tópicos, serão debatidas questõesrelacionadas com a parceria no sector da energia entreos dois continentes.

O relatório especial desta edição da nova série de OCorreio examina, sob vários ângulos, a crescenteatracção dos recursos energéticos do continenteafricano numa altura em que o mundo inteiro receia ofuturo do abastecimento em energia, e até asobrevivência do planeta Terra nos próximos séculos,ou mesmo décadas. Os recursos energéticos docontinente africano são vastos, tanto em combustíveisfósseis, como o petróleo e o combustível nuclear, comoem energias renováveis, e contribuirão para tornar ocontinente no centro de muitos e variados interesses.

Os países ACP das regiões das Caraíbas e do Pacíficonão devem ser ignorados, embora a questão os afecte auma menor escala. Timor-Leste, um pequeno país noSudeste Asiático, é tema de um relatório aprofundadode O Correio pela primeira vez. As suas reservas depetróleo têm atraído um interesse considerável e, nospróximos anos, desempenharão provavelmente umpapel importante na cooperação entre Timor-Leste e aUnião Europeia, dada a decisão da EU de fazer da lutacontra as alterações climáticas e da gestão dos recursosenergéticos uma prioridade da sua política dedesenvolvimento.

Timor Leste é um país cuja história recente tem sidomuito triste e continua a ser largamente desconhecido.Desde que ficou independente, em 2002, Timor-Leste temraramente sido o centro da atenção da imprensa mundial,isto é, durante os tumultos que deixaram muitas pessoasdeslocadas, mas que resultaram em relativamente poucasmortes. Os seus activos são notáveis, a começar pela suaposição geoestratégica entre as potências asiáticasdominantes actuais e futuras, um sector patrimonialrelativamente bom e bem gerido, ausência de dívidaexterna, petróleo, e em particular a gestão das suasreservas, cuja transparência é mais frequentementecomparada à da Noruega do que à dos países onde asdificuldades e a pobreza contrastam frequente edirectamente com a respectiva riqueza natural.

Esta edição de O Correio põe em evidência outropequeno país. A Eslovénia, um país no outro lado daequação da cooperação, tem uma classe própria. É oprimeiro país da antiga federação da Jugoslávia aemergir da agitação e dos tumultos pós-soviéticos e atornar-se membro da União Europeia, e o primeiro dos10 novos Estados-Membros de 2004 a aceder à zonaeuro. No início de 2008, a Eslovénia será o primeirodestes dez a aceder à presidência da União Europeia.Será chamada a guiar e a definir as relações entre aUnião Europeia e os países ACP durante o períodocrucial da implementação dos próximos cinco anos definanciamento europeu ao desenvolvimento. Mas acimade tudo, será exigida à Eslovénia uma boa gestão dolançamento dos acordos de parceria económica entre asregiões de África, das Caraíbas e do Pacífico e a UE, ouque supervisione as restantes dificuldades dasnegociações.

Um dos nossos leitores perguntou se O Correio é umapublicação que cobre apenas as histórias de sucesso dospaíses ACP e a cooperação dos mesmos com a Europa,ou seja, se é apenas uma revista com boas notícias. Aresposta, muito simplesmente, é que O Correio cobretanto as boas como as más notícias. Timor-Leste, porexemplo, ainda não está completamente livre das suasangústias; as forças nas Nações Unidas ainda seencontram estacionadas no país para evitar maisproblemas. A Eslovénia, por outro lado, ainda nãoacompanhou o ritmo dos antigos países da UniãoEuropeia.

Nada é perfeito. Contudo, será esta uma razão para osmeios de comunicação caírem em exageros, tal comoem tantos outros aspectos da vida? O Correio recusa“estratégias fatais” de exagero, identificadas edenunciadas por Jean Baudrillard, que não apresentamo que é positivo ao lado do que é negativo e levam àdestruição através do excesso, no qual o que se procuraé a mais verdadeira das verdades, o mais real dos reais,o mais feio dos feios, o mais sensacional dossensacionais, e a paródia, mas sem o humor subjacenteda forte máxima da famosa actriz do século XIX, MarieDuval: “Je ne suis pas belle, je suis pire” (Não souapenas bonita, sou pior).*

* Jean Baudrillard “Les stratégies fatales” ED Grasset & Fasquelle 1983

Hegel GoutierEditor-chefe

Recusa de estratégias fatais

Um pôr-do-sol perto de Baucau, Timor Leste© Hegel Goutier

No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

Editorial

3

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No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

Em directo

54

E m directo

Gertrude MongellaD iplomada pela Universidade da África

Oriental em Dar es Salaam, Gerturde

Mongella ocupou vários cargos na educa-

ção na sua Tanzânia natal, durante a primei-

ra fase da sua carreira. Mais tarde deputada,

foi subsequentemente nomeada para pos-

tos ministeriais.

Na fase internacional, é principalmente

conhecida pelo seu trabalho na promoção

das questões e direitos das mulheres e, em

1995, como Secretária-Geral Adjunta das

Nações Unidas (NU), foi Secretária-Geral da

Quarta Conferência Mundial das Nações

Unidas sobre as Mulheres, em Pequim. Em

2002, integrou o painel consultivo de alto

nível de personalidades eminentes da

Organização da Unidade Africana (OUA). �

parlamentos. Por exemplo, estaremos na Cimeira dos Chefes deEstado da África/UE em Lisboa com os nossos colegas do ParlamentoEuropeu. Queremos ver o que os Chefes de Estado decidem. Esta éuma preocupação de todas as pessoas, quer do continente africano,quer da Europa. Fazendo as coisas juntos, teremos mais energia.Sozinhos, podemos correr velozmente, juntos, poderemos correr maisvelozmente.

PPA solicita apoio financeiro à União Europeia

Pedimos apoio financeiro à União Europeia. O apoio da UE à Áfricadeve ter uma base alargada. Não se pode apoiar a democracia se nãose apoiarem as instituições parlamentares, que têm um papel adesempenhar na promoção da democracia. O apoio da UE à Áfricadeve ser canalizado para a boa governação, o desenvolvimentoeconómico, etc. O PPA faz parte desse processo.

Como pode a UE contribuir para a boa governação?

Parte do nosso plano estratégico consiste em promover os processosdemocráticos no continente africano – eleições e estados de direito.Isto só pode ser feito se o PPA tiver capacidade para isso, em especialpara fiscalizar as leis.

Como pode o Parlamento contribuir para o processo de pacificaçãono Darfur?

Desde o início, levámos esta questão muito a peito. No início desteParlamento, a primeira coisa que abordámos foi o Darfur. Enviámos

lá uma missão e elaborámos um relatório sobre o conflito no Darfur.Fizemos algumas recomendações sobre a maneira de resolver algunsdos problemas internos do Darfur. Estamos totalmente empenhadosna análise da situação e das causas reais dos problemas do Darfur. Oque acontecerá quando cessarem as hostilidades? Haveráextravasamento para o Chade e a República Centro-Africana.Tencionamos enfim enviar outra missão às zonas de conflito.

Aquando da sua estadia em Bruxelas, suscitou a complexa questão doZimbabué. Como sabe, há um motivo de controvérsia entre a UE e aÁfrica sobre o Zimbabué. O consenso é possível?

A África não pode tratar a questão do Zimbabué apenas pela procurade consenso com a Europa. A questão é saber se a África podetrabalhar com o Zimbabué para resolver o seu problema. É nesse sentido que vai a nossa iniciativa que consiste em trabalharcom os Zimbabuenses na busca de uma solução. Pensamos que é derecomendar o envolvimento das questões sobre as quais as partes doconflito dialogam actualmente. Não devemos ser partidários de umalinha dura. Somos todos membros da família. Não se podemabandonar os membros da família simplesmente por se teremembriagado ou cometido erros. O Zimbabué é África. Estamospreocupados e devemos trabalhar com os Zimbabuenses paraencontrar uma solução. É isso que a África está a fazer. Se as relações entre a África e aEuropa forem avaliadas pela maneira como a África ama ou não amao Zimbabué, a reunião de Lisboa falhará o alvo. Não devemosdestruir a reunião de Lisboa com questões que podem ser tratadascom mais possibilidades de êxito no continente africano. �

Criação do Parlamento Pan-Africano

Oprincipal objectivo é procurar saber qual é a situação emÁfrica e fazer recomendações aos Chefes de Estado paraque tomem decisões sobre o desenvolvimento do conti-nente africano. Temos um papel a desempenhar na har-

monização das legislações em África. Nós obtivemos um papel legis-lativo com esta missão e temos a responsabilidade da integração polí-tica e económica do povo do continente africano.

Objectivos e realizações

Criámos a estrutura do Parlamento composta pela Presidência,membros do secretariado que representam as cinco regiões da Áfricae 10 comités que trabalham sobre diversos assuntos.Desenvolvemos os nossos planos estratégicos para 2006-2010 ehaverá outra estratégia em 2010 para nos dar um sentido deorientação.Foram criadas relações com vários parlamentos da mesma natureza nocontinente e fora da África. Por exemplo, há uma colaboração estreitacom o Parlamento Europeu, com o Parlamento Latino-Americano ecom os Parlamentos indiano, alemão e japonês. Estabelecemosigualmente relações estreitas com os nossos parlamentos nacionais,porque são eles que designam os cinco membros de cada país (estãorepresentados 53 países) com assento no PPA. Eles apoiam as nossasactividades e até pagam as despesas de alguns dos seus membros paraque possam assumir as suas responsabilidades como membros doPPA.Foi criado um Fundo Fiduciário para servir de complemento aosrecursos regionais que obtemos da União Africana, porque estatambém está a ser financiada. Por isso, procuramos amigos eparceiros que contribuam para o Fundo para que o Parlamento possa

desenvolver a sua capacidade, dispondo de mais recursos humanos,financeiros e técnicos.Executámos ainda um certo número de actividades de grandeinteresse para o continente africano. Conflitos e segurança estãopermanentemente na ordem do dia, assim como a discussão sobre odesenvolvimento da África em geral, além da NEPAD – a iniciativaafricana para o desenvolvimento.

Será que os Estados Membros prestam atenção suficiente aos pontosde vista do PPA? Muitas vezes, as resoluções do Parlamento Europeutêm este mesmo problema.

Decididamente, é um problema. Não é possível proceder a umavotação sobre cada resolução que adoptamos. É por isso que temosque trabalhar fora dos mecanismos de mobilização ou desensibilização para assegurar que as questões que levantamos e quesão de grande preocupação para todos não possam ser ignoradas.

Como é que a Assembleia Parlamentar Paritária (APP) dos ACP-UEe o Parlamento Europeu podem apoiar o PPA?

Quando o PPA foi criado, estávamos bem cientes de que a África é umcontinente que mantém relações com outros continentes, pelo que asquestões que dizem respeito ao continente africano não se situamtodas necessariamente em África. Necessitámos de atingir organismossimilares, como o Parlamento Europeu e outros, para ver comopoderemos colaborar e partilhar experiências e examinar o que outrosforam capazes de fazer e como o fizeram.Queremos partilhar informações e examinar em parceria se podemosresolver alguns dos problemas mundiais. Veja o VIH – é um problemamundial como o é a migração. Uma parceria pode reforçar o trabalhodo PPA e, identicamente, o PPA pode reforçar o trabalho de outros

ENTREVISTA COM GERTRUDE MONGELLA, PRESIDENTE DO PARLAMENTO PAN-AFRICANOGertrude Mongella foi nomeada Presidente do Parlamento Pan-Africano (PPA) na suainauguração em Midrand, África do Sul, em 2004. Falou-nos sobre a sua visão do“fledgling body”, um órgão da União Africana. Vinte e cinco dos seus membros reunir-se-ão com igual número dos seus homólogos do Parlamento Europeu antes da CimeiraUE-África de Dezembro, em Lisboa, para recolher os pontos de vista das pessoas.

François Misser & Debra Percival

Gertrude Mongella com o Presidente do ParlamentoEuropeu, Hans-Gert Poettering (à direita).© Parlamento Europeu / Manoocher Deghati

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No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

Perspectiva

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P erspectiva

Treze nações do Fórum das Ilhas do Pacífico irão receber nototal € 276 milhões de ajuda ao abrigo do 10º Fundo deDesenvolvimento Europeu (FED), um aumento de 20 porcento em relação ao 9º FED anterior. Os fundos serão gas-

tos em áreas de política específicas incluídas nos Documentos deEstratégia, conjuntamente elaborados com países individuais doFórum e assinados com a UE nos bastidores da reunião ministerial doFórum das Ilhas do Pacífico (FIP), em 19 de outubro, em Nuku’alofaTonga (Tonga).A região é a primeira a colocar a assinatura nos programas departicipação financeira do 10º FED que terão início no dia 1 deJaneiro de 2008. Os países beneficiários são: Ilhas Cook, Kiribati,Ilhas Marshall, Estados Federados da Micronésia, Nauru, Niue,Palau, Papua Nova Guiné, Samoa, Ilhas Salomão, Tonga, Tuvalu e

Vanuatu. Estão também a ser elaboradas estratégias para os outrosdois membros do FIP, Timor Leste e Fiji que está a normalizar asrelações com a UE após um golpe militar em Dezembro de 2006. O Comissário para o Desenvolvimento Louis Michel, em Tonga,afirmou que a gestão sustentável de recursos naturais como odesenvolvimento da energia renovável é uma prioridade dos 11 paísesdo FIP. Outro objectivo é ajudar a reforçar a boa governação. Asnações do FIP que incluam projectos de boa governação nosdocumentos de estratégia do país recebem um plafond de 25 por centonas respectivas dotações orçamentais.“O meu principal objectivo para convosco não é concentrar-meexclusivamente no que possa estar errado. Não me apanharão a dar-vos lições de moral. Estou interessado em apoiar o que tem potencialpara se tornar bom” – acrescentou Louis Michel.O controlo e a eficácia das despesas são grandes prioridades. O apoiodireto aos orçamentos nacionais é o meio privilegiado de utilizaçãode fundos. Vanuatu já segue o caminho, e está previsto que Samoafaça o mesmo.Espera-se também que os países do Fórum das Ilhas do Pacíficobeneficiem de um montante de € 95 milhões do Programa IndicativoRegional (PIR) para promoverem a integração regional e facilitarem aimplementação de um Acordo de Parceria Económica (APE) com aregião. Isto adiciona-se a um triplicar do pacote regional no âmbito do9º FED.

> Acordo comercial “Trampolim”

As partes ainda têm de chegar a acordo quanto a um verdadeiro APE,com o denominado acordo “trampolim” previsto até haver maisprogressos nas conversações sobre o comércio livre.O Director-Geral da EU para o Desenvolvimento, StefanoManservisi, disse aos ministros em Tonga que o APE se destinava aapoiar a própria agenda de integração dos mesmos e a fornecer-lhesuma ponte de integração gradual na economia mundial.Acrescentou que a vantagem de ter um acordo intercalar é permitir-lhes preencher a lacuna daquela situação ideal, assegurando aomesmo tempo os frutos que podiam ser colhidos naquele momento,tais como a oferta de mercado da UE e a especificidade das regras deorigem dos produtos da pesca no Pacífico.Em Bruxelas, no mês de Outubro, os ministros do Pacífico e os da UEvalidaram um APE abrangente até 31 de Dezembro de 2008, o qualincluirá igualmente regras e serviços relacionados com o comércio.A oferta de bens da UE prende-se com o acesso a tarifas isentas dedireitos aduaneiros relativamente a todas as importações do Pacífico,excepto o açúcar e as bananas. �

AComissão Europeia considera apossibilidade de reforçar as medi-das actuais para se certificar de quea madeira importada para a UE não

é proveniente de explorações ilegais. Pelomenos, é o que se deduz da consulta públicalevada a cabo pela Comissão entre Dezembrode 2006 e Março de 2007 quanto à necessi-dade de enquadrar a política atual da UE queassenta em acordos de parcerias voluntáriascom alguns países exportadores, acordos essesmais conhecidos pelo acrónimo inglêsFLEGT. Primeira constatação: para a maioriados participantes na consulta, incluindo o sec-

tor privado, as negociações bilaterais lançadaspela UE no âmbito do FLEGT não serão sufi-cientes para garantir a legalidade das madeirasque entram no território europeu. Uma maioria(uma curta maioria para a indústria) julga, poroutro lado, que não será prematuro considerarmedidas adicionais. Quais? As opiniões diver-gem um pouco neste ponto. Um terço dasindústrias, contrariamente às ONG, estimamque acordos voluntários que passem pelaindústria permitirão resolver grande parte doproblema. Tratando-se de uma moratória sobrea importação de madeira ilegal, as respostassão mais mitigadas. Por fim, a maioria dos

participantes mostra-se a favor de uma legisla-ção que garanta que só a madeira legalmenteexplorada possa ser comercializada na Europa.Neste momento, todas estas opções devem serobjecto de uma avaliação de impacto por parteda empresa finlandesa Indufor e devem serratificadas, se necessário, pela Comissão, quedeverá apresentar a sua avaliação formal emMarço de 2008. �

* O FLEGT (Aplicação da legislação, governação e comér-cio no sector florestal) é o plano de acção da UniãoEuropeia para o controlo da exploração ilegal das florestase para a redução do comércio ilegal de madeira. Em vigordesde Maio de 2003, une a boa governação aos instrumen-tos legais das trocas comerciais.

NNOOVVIIDDAADDEESS DO PACÍFICO

© Organização de Turismo do Pacífico Sul

OS 12 DE LIUBLIANA Em Fevereiro de 2008, a Presidência eslovena vai acolher uma reunião para os contribui-

dores do Fundo de Desenvolvimento Europeu (FED) que o fazem pela primeira vez.Todos os 12 novos Estados-Membros da UE participarão nos 22.682 mil milhões

(2008–2013) da 10ª edição do Fundo de Desenvolvimento Europeu (FED) a partir do dia 1de Janeiro de 2008, juntamente com os 15 membros mais antigos da UE.As contribuições individuais de todos os 27 Estados da UE para o FED são largamentedecididas por um factor baseado numa percentagem do respectivo Produto Interno Bruto(PIB) nacional. Por ordem, a Alemanha, França, Itália e o Reino Unido são os maiorescontribuidores em termos monetários.O Fundo destina-se a projectos da UE nas nações de África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP)e nos Países e Territórios Ultramarinos (PTU). Uma vez que o FED sai directamente dos bolsosdos Estados-Membros da UE, cada Estado intervém na aprovação de como é que o dinheiroé gasto nos Estados ACP/PTU. A reunião de Liubliana será uma oportunidade de explicar aopúblico dos novos estados para que servem os dinheiros do FED e também para ver como éque algumas empresas desses países podem beneficiar de concursos públicos futuros aoabrigo do Fundo.Poucos dos 12 estados têm um legado de projectos nos estados ACP, muitos deles, nosúltimos anos, têm centrado o auxílio aos seus vizinhos na Europa do Sudeste. Os fluxoscomerciais entre os novos membros da EU e os estados ACP são igualmente baixos.Um conselheiro da delegação eslovena junto da UE em Bruxelas confirmou que aimplementação dos Acordos de Parceria Económica (APE) que terá início a partir do dia 1 deJaneiro de 2008 e a erradicação da pobreza em África eram assuntos que estavam no topoda lista de prioridades da Presidência eslovena da UE, Janeiro-Junho de 2008. �

CCOONNTTRRIIBBUUIIÇÇÕÕEESS DDOOSS MMAAIISS RREECCEENNTTEESS EESSTTAADDOOSS--MMEEMMBBRROOSS DDAA UUEE PPAARRAA OO 1100ºº FFEEDD

% CHAVE DE CONTRIBUIÇÃO DO FUNDO TOTAL MILHÕES DE EUROS

JJOORRNNAADDAASS EEUURROOPPEEIIAASS DDOODDEESSEENNVVOOLLVVIIMMEENNTTOOAlterações climáticas e desenvolvimento

Las Jornadas Europeias do

Desenvolvimento realizadas em Lisboa,

de 7 a 9 de Novembro, reuniram funcioná-

rios europeus e dos países ACP, representan-

tes de muitas agências de desenvolvimento

da Europa, da ONU, da sociedade civil, do

sector empresarial, meios de comunicação,

peritos e cientistas, com o objectivo de se

centrarem nas alterações climáticas e no

desenvolvimento. Irá ser apresentado um

relatório sobre este acontecimento na quar-

ta edição do O Correio. �

Kofi Annan e José Manuel Durão Barroso nas JornadasEuropeias do Desenvolvimento em Lisboa.

© Comissão Europeia

REFORÇAR O CONTROLO DAS IMPORTAÇÕES DE MADEIRA

*Bulgária 0,14 31.754.800República Checa 0,51 115.678.200Estónia 0,05 11.341.000Chipre 0,09 20.413.800Letónia 0,07 15.877.400Lituânia 0,12 27.218.400Hungria 0,55 124.751.000Malta 0,03 6.804.600Polónia 1,30 294.866.000*Roménia 0,37 83.923.400Eslovénia 0,18 40.827.600Eslováquia 0,21 47.632.200

*Estimativa

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ENERGIAS: UM GRANDE POTENCIAL A DESENVOLVER

EM ÁFRICA Aexplosão dos preços do petróleo eas tensões no Médio Oriente reva-lorizaram, nestes últimos anos oestatuto da África como parceiro

energético da Europa.Segundo a BP Statistical Review of WorldEnergy 2007, o continente representava, nofinal de 2006, 12,1% da produção mundial depetróleo e 9,7% das reservas mundiaiscomprovadas, ou seja, um pouco menos demetade das reservas da Arábia Saudita. No ano passado, segundo a mesma fonte, aprodução africana de gás naturalrepresentava 6,3% do total mundial.Prevê-se, no entanto, um aumento destapercentagem, na medida em que, na mesmaaltura, as suas reservas comprovadas,localizadas principalmente na Nigéria (2,9%),Argélia (2,5%), Egipto (1,1%) e Líbia (0,7%),representavam 7,8% das reservas do planeta.Mas vista da Europa, a importância docontinente é ainda maior: em 2005, as

importações de petróleo bruto africano da UE-25 foram de cerca de 20% e atingiram 14% nocaso do gás, proveniente essencialmente daLíbia, Nigéria e Argélia. A África, e emespecial o Golfo da Guiné, é para a Europa umduplo trunfo: a proximidade geográfica e apossibilidade de diversificar as suas fontes deaprovisionamento em relação às suas duasfontes principais: a Rússia e o Golfo Pérsico.Estas dimensões não foram esquecidas nosmeios da defesa. Foi por isso que, em Junho de2006, a NATO realizou pela primeira vez naÁfrica subsariana, mais precisamente emCabo Verde, manobras de simulação com vistaà intervenção num Estado fictício, rico emrecursos minerais e petrolíferos.

> Assalto às jazidas “marginais”

Os orçamentos consagrados à exploraçãosobem a pique. Em 2005, a Exxonmobil, cujaprodução é 15% africana, tencionava investir

50 mil milhões de dólares até 2015. É aconsequência do efeito “tesoura”, implacável,amplamente na origem das tensões domercado. Segundo o Vice-Presidente dacompanhia Kevin Biddle, o crescimentoprevisto da procura de petróleo será de 2% porano até 2020, altura em que as reservas terãodiminuído 4% ao ano. Para a Shell, com 20%da produção de origem africana, estapercentagem tende a aumentar, até porque ocontinente foi subexplorado durante muitotempo. A subida dos preços torna agorarentáveis as jazidas ditas “marginais”, porqueestão encravadas. A exploração acelera naEtiópia, na Bacia Central do Congo, nasmargens do Lago Alberto, na fronteira entre oUganda e a República Democrática do Congoe no Mali. No Chade, a produção já arrancouhá vários anos. A pressão é tão forte que,nalgumas partes das bacias costeiras, comonos Camarões, a produção está a baixar. OBanco dos Estados da África Central prevê,

Um dos grandes eixos da parceria entre a UE e a África aabordar na cimeira de Lisboa, de 7 a 9 de Dezembro, é aenergia. Os dois continentes têm necessidade um do outroe esta interdependência tende a aumentar.

Segundo o serviço de estatísticas das comunidades europeias,Eurostat, em 2006, 29,4% da totalidade das exportações ACP para aUE (58,9 mil milhões de euros), consistiram em petróleo bruto erefinado, bem como em gás natural, proveniente essencialmente deÁfrica. E 15,5% das exportações da UE para os países ACP consistemem produtos ligados ao consumo, à produção ou ao transporte deenergia: combustíveis, equipamentos eléctricos ou geradores.Para a Europa, a África é um parceiro de primeiro plano. Em 2005, as

importações europeias de bruto e de gás africanos atingiram 20% e14% do total, respectivamente. Só um país africano, o Níger, já fornece 13,5% de todas asimportações europeias de urânio. Ao mesmo tempo, odesenvolvimento do continente africano passa pela valorização dassuas energias renováveis, amplamente subexploradas, a começar pelahidroelectricidade. Mas para libertar as forças dos gigantes que são oCongo ou o Nilo Azul, ou outros cursos de água, são necessáriosfundos e competência europeus.Este dossier convida o leitor para uma volta panorâmica destaparceria em curso e em perspectiva e das oportunidades que o sectorenergético africano pode oferecer. �

ENERGIAS FÓSSEIS:a África, valor estratégicoem crescimentoA importância das suas reservas de combustíveis fósseis e a sua proximidadegeográfica, fazem da África um parceiro de primeiro plano para uma Europa,preocupada em diversificar o seu aprovisionamento para reduzir a sua dependênciada Rússia e do Golfo Pérsico.

Europa e África à noite.© NASA-DLR

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ossier

François Misser

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aliás, que, entre 2007 e 2009, a produçãopetrolífera diminua 15% em toda a região,excepto no Congo-Brazzaville. Em contrapartida, segundo a InternationalEnergy Outlook 2007, a produção do Sudão,que deverá duplicar, poderia ultrapassar 700000 barris/dia até 2010. Mas a esperançareside sobretudo em Angola, que poderia,segundo a mesma fonte, triplicar a suaprodução actual para 4 milhões de barris/diaaté 2030, graças à exploração do offshoreultraprofundo.

> Reservas cada vez mais preciosas: a teoria do pico

A perspectiva do esgotamento anunciado dasreservas mundiais de petróleo ajuda areavaliar o valor do petróleo bruto africano.No entanto, as várias escolas têm opiniõesdivergentes. Entre os “pessimistas”, estão ospartidários do geofísico da Shell, MarionKing Hubbert, que, em 1956, haviadesenvolvido um modelo matemático,traçando, a partir das reservas estimadas e dopetróleo já consumido, uma curva queindicava o pico a partir do qual a curva dosrecursos mundiais iria descerinexoravelmente. Sentença: 2009. Ospartidários de Hubbert estão tanto maisconvictos quanto as suas previsões, relativasao declínio da produção americana a partir de1970, foram confirmadas pelos factos.Mas o economista principal da BP, PeterDavies, considera injustificados os receiosrelativos a uma penúria iminente. Na suaopinião, as reservas situadas em zonas dedifícil acesso poderão ser exploradas comrecurso à inovação tecnológica e as “reservasconvencionais de petróleo comprovadas”poderão dar, ao ritmo actual de produção,para 40 anos. Por sua vez, o economista daUniversidade de Havard, Joseph S. Nye,aposta numa redução provável da procura,sob pressão dos adversários das energias“sujas” e dos diplomatas, preocupados com adependência em relação ao petróleo“estrangeiro”. Mas esta previsão não encaixanas previsões da BP de uma subida doconsumo mundial, arrastada pelocrescimento chinês e indiano, de 85 para 113milhões de barris/dia até 2030.Quanto ao gás, se para os mais pessimistasas reservas começarem a declinar 20 anosapós as do petróleo, para o Jornal Oil & Gaselas correspondem a 65 anos de produção.Estas previsões não têm em conta a opiniãodo US Geological Survey que pretende haverrecursos importantes (cerca de dois terços donível actual) a descobrir. Seja como for, a

Eurogas, organização que defende osinteresses do sector europeu do gás, prevêum aumento do consumo superior a 40% naUE até 2030.Ora, a África deverá desempenhar um papelimportante neste domínio. Há dois grandesprojectos em carteira. O primeiro, é o doterminal de Olokola, a oeste de Lagos, comum custo avaliado em 6 mil milhões deeuros, associando a Nigeria NationalPetroleum Corporation (NNPC), a BritishGas, a Shell e a Chevron, cujo objectivo éexportar 22 milhões de toneladas de gásnatural liquefeito, que o Banco Europeu deInvestimento prevê financiar. Além disso,em Julho, a Sonatrach argelina e a NNPCapresentaram em Bruxelas os estudos deviabilidade do projecto de gasodutotransariano, com uma extensão de 4 218 kme um custo total de 7 mil milhões de euros,para transportar o gás natural da Nigéria parao sul da Europa, passando pelo Níger e pelaArgélia.Além dos hidrocarbonetos, a África que, em2006 contribuía com 4,8% da produçãomundial de carvão, possuía 5,5% dasreservas mundiais, provenientesessencialmente da África do Sul, o querepresenta mais do que toda a Europa dos 25(3,9%). Mas há uma parte crescente destepacote que se destina a alimentar a geração

de electricidade na própria África, comotestemunha o projecto de central de carvãode Mmamabula no Botsuana, que tem porobjectivo produzir 4 800 MW, a partir daexploração de minas cujas reservas estãoavaliadas em 2,3 mil milhões de toneladaspor conta da empresa sul-africana deelectricidade ESKOM e da Botswana PowerCorporation. Os promotores deste projecto,cuja primeira fase deveria arrancar em 2012,justificam-no pela necessidade de prevenir oreceio de uma penúria da capacidade naÁfrica Austral. A constatação valeigualmente para o gás. Em Moçambique,confia ao Correio o Ministro da Energia,Salvador Namburete, a produção de gás nãose destina unicamente à exportação: umaparte será absorvida pela nova central deciclo combinado de 750 a 1 000 MW deTemane, que ficará operacional dentro detrês a quatro anos. Por último, a interdependência não dizrespeito apenas aos investimentos em Áfricadas multinacionais de hidrocarbonetos ou dogigante brasileiro do aço – CVRD – queinvestiu na exploração das minas de carvãode Moatize em Moçambique. Diz respeitotambém ao diálogo sobre as condições deacesso ao sector do gás europeu desociedades como a Sonatrach argelina, quedeseja tomar posições a jusante. �

Segundo a Estratégia África aprovada pelo Conselho Europeuem Dezembro de 2005, o apoio às infra-estruturas é uma dasgrandes prioridades da União Europeia. Enquanto a Comissãotenciona afectar até 5,6 mil milhões de euros para desenvolver

as infra-estruturas africanas, a partir de 2008 e até 2013, o BEI propõe-se mobilizar, no conjunto dos países ACP, um montante de 1,5 mil mil-hões de euros, proveniente da Facilidade Investimento, um fundo reno-vável criado pelo Acordo de Cotonu, ao qual acrescem empréstimossobre recursos próprios por um máximo de 2,03 mil milhões de euros.As possibilidades de intervenção serão aumentadas graças ao fundofiduciário destinado a financiar infra-estruturas em África e criado emFevereiro de 2006 com a Comissão Europeia, que contribui, numa pri-meira fase, com um montante de 60 milhões de euros.

> Efeito acumulado

Dotado de uma verba inicial de 87 milhões de euros, este fundodesempenhará um papel multiplicador. Este fundo deverá permitir aoBanco autorizar mais de 400 milhões de euros em empréstimos pararedes transafricanas nos domínios da energia, água, telecomunicações,transportes e tecnologias da informação.O objectivo é assegurar a interligação do continente. Os dois primeirosprojectos a desenvolver são a barragem de Felou, no rio Senegal, queservirá o Mali, a Mauritânea e o Senegal, e a colocação do cabosubmarino de fibra óptica que contornará, de Sul a Norte, toda a costaoriental da África. Diferentes ligações servirão igualmente Madagáscare os países encravados. No domínio energético, o BEI prevê igualmenteo financiamento de duas interconexões na África Austral: Zâmbia-Namíbia, via a banda de Caprivi e Malaví-Moçambique. Está em estudoum empréstimo de 100 milhões de euros para a construção de umabarragem de 250 MW no Nilo Branco, no Uganda. Além disso, o BEItenciona financiar com 70 milhões de euros a construção do troço ganêsdo gasoduto oeste-africano, entre a Nigéria e o Togo. A mais longoprazo, o Banco analisa a possibilidade de participar na reabilitação dabarragem do rio Ingá, na RDC, juntamente com o Banco Mundial e oBanco Africano de Desenvolvimento. É um projecto estruturante da

NPEDA. As energias renováveis beneficiarão também da contribuiçãodo Banco, que decidiu, em Dezembro, financiar um parque eólico deuma capacidade de 9,4 MW, em Barbados.Além disso, o tecto dos empréstimos do BEI à África do Sul aumentoude 825 para 900 milhões de euros. A tónica é posta em acções quepermitam melhorar o acesso à água e à electricidade pelas populaçõesrurais e pelos townships (guetos criados durante o apartheid parasegregar os negros). Todavia, qual é a razão de pedir empréstimos aoBEI, quando a China está pronta a conceder financiamentosincondicionais no campo ambiental ou social e sem uma análise técnicarigorosa dos projectos? O Presidente do BEI, Philippe Maystadt,reconhece o problema e tenciona, a exemplo do Comissário Europeu doDesenvolvimento, Louis Michel, desenvolver o diálogo com asinstituições financeiras chinesas, por exemplo o Eximbank, e osgovernos africanos sobre as condições de investimento em África. F.M.

www.bei.org

O BEI INTENSIFICA O INVESTIMENTO EM INFRA-ESTRUTURASEntre 2008 e 2013, o Banco Europeu de Investimento (BEI) tenciona investir até4,4 mil milhões de euros nos países ACP e África do Sul. A tónica será colocadanomeadamente no desenvolvimento de infra-estruturas, em especial energéticas. Falta ter em conta o factor “chinês”...

QUADRO ESTATÍSTICOProdução e reservas de petróleo comprovadas no final de 2006 (em milhões de barris)

ProduçãoPercentagem/ /

Resto do mundo Reservas

Percentagem /Resto do mundo

2.0 2.2% 12.3 1.0%

Angola 1.4 1.8% 9.0 0,7%

Congo-Brazzaville 0.26 0.3% 1.9 0.2%

Egipto 0.67 0.8% 3.7 0.3%

Gabão 0.23 0.3% 2.1 0.2%

Guiné Equatorial 0.35 0.6% 0.23 0.3%

Líbia 1.83 2.2% 41.5 3.4%

Nigéria 2.45 3.0% 36.2 3.0%

Sudão 0.39 0.5% 6.4 0.5%

Chade 0.06 0.1% 0.9 0.7%

Tunísia 0.06 0.1% 0.7 0.1%

Outros países africanos 0.06 0.1% 0.6 0.1%

Total Africa 9.99 12.1% 117.2 9.7%

Fonte: BP Statistical Review of World Energy 2007

Bodys Isek Kingelez, Ville fantôme, 1996.Meio misto, 120 x 570 x 240 cm.

Cortesia de C.A.A.C.Colecção Pigozzi, Genebra.

Fotografia: Patrick Gries

Argélia

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comprovadas de urânio: o Níger (6,8%), aÁfrica do Sul (6,7%), a Namíbia (5,7%) e aArgélia (0,7%).Na Namíbia, onde a produção atingiu 3 200toneladas em 2005, a empresa australianaPaladin Resources tenciona produzir 1 200toneladas adicionais a partir da mina deHeinrich, no deserto da Namíbia, apesar dosprotestos dos ambientalistas, que temem quea exploração do mineral radioactivo ameacea ecologia do parque de Naukluft.O Níger, segundo produtor africano (3 093 t)que fornece, só à sua conta, 13,5% dasimportações da UE, conseguiuhabilidosamente neste Verão tirar partido daconcorrência entre grupos mineiros paraimpor, em Julho de 2007, uma valorização de46 % do preço do urânio vendido ao n.º 1mundial, a empresa francesa Areva, até entãoúnica cliente. Mas este monopólio está aviver os últimos dias. Em 2006, a ChinaNation Nuclear Corporation adquiriu duasconcessões. E três empresas australianas obtiveram

recentemente autorizações de pesquisa. Acorrida ao urânio diz respeito a pelo menosuma dezena de países. A Landmark Minerals(Canadá) interessa-se pelo maciço de Hoggarna Argélia, enquanto outra empresacanadiana, a Pan African Mining, realizaexplorações em Madagáscar. Os australianos mostram-se empreendedorese a Paladin Resources, já referida, está anegociar uma autorização no Malawi,enquanto na Tanzânia pelo menos cincocompanhias australianas obtiveramconcessões.Na Zâmbia e na Mauritânia também estão emcurso prospecções, enquanto o Instituto Sul-Coreano de Geociência e Recursos Mineraispretende iniciar explorações na Nigéria. No Uganda, o Banco Africano de Desenvol-vimento, o Fundo Nórdico e o BancoMundial financiam uma campanha deprospecção geofísica aerotransportada. Por último, a empresa britânica BrinkleyAfrica Ltd acaba de assinar um acordo com oComissariado-Geral para a Energia Atómica

da RDC, para lhe dar assistência no controlodas exportações de materiais e de substânciasradioactivas congolesas. Trata-se,nomeadamente, de lutar contra o contrabandoe os perigos de proliferação para finsmilitares ou terroristas que, como salienta«The Economist», aumentaram com adisseminação da tecnologia nuclear civil.O empenhamento dos países africanos nosector nuclear também os vai colocar perantenovos desafios, um dos quais é o custo muitoelevado das centrais, que se cifra emmilhares de milhões de dólares, assim comoo da gestão dos resíduos e da segurança.Também se colocará a questão da suarendibilidade a longo prazo. Os adversáriosdo nuclear civil já argumentam que os custosde produção da electricidade de origemrenovável serão inferiores até 2040. Assim, quer os países africanos tenham ounão entrado no sector nuclear, este continentejá estratégico no mercado mundial dopetróleo, também o é agora no do urânio.F.M. �

Desde há dois anos que as cotações do urânio sobem em fle-cha, provocando um aumento substancial da sua explora-ção em África, onde é cada vez maior o número de paísesque entram no sector nuclear.

Em menos de dois anos, de Dezembro de 2005 a Outubro de 2007, ospreços quase quadruplicaram, passando de 20 para 75 dólares/libra,depois de terem tido um pico de 135 dólares em Julho de 2007. Epoderão ainda duplicar, segundo a previsão do «analista de mercado»David Miller. A tensão no mercado é muito viva, devido não só aoaumento esperado da procura, mas também ao receio, veiculado pelasprofecias mais pessimistas, de o urânio se esgotar no horizonte 2015-2040. Este receio é contestado por Robert Vance, analista da Agênciapara a Energia Nuclear da Organização para a Cooperação eDesenvolvimento Económico (OCDE), segundo o qual «existeactualmente urânio suficiente para produzir electricidade durante 270anos», tanto mais que os novos reactores rápidos da 4ª geração sãosupostos consumir 50 vezes menos urânio do que actualmente. Dequalquer modo, a procura vai aumentar: nos próximos cinco anosserão construídas ou modernizadas 31 centrais no mundo. Até 2020, aChina só por si tenciona investir 8 mil milhões de dólares naconstrução de 27 centrais e a Índia tenciona construir 17 até 2012.A procura também vem de África. Na África do Sul, onde se receiaum défice da capacidade de produção de electricidade de 10 000 MWaté 2020, a companhia nacional de electricidade ESKOM tem emvista a construção de um reactor da 4ª geração, provavelmente emKoeberg, e outros projectos com uma capacidade total de mais de 4000 MW, a somar às duas centrais existentes (de um total de 442centrais no mundo), as únicas de África se exceptuarmos os pequenosreactores de investigação.

> Programas nucleares africanos

Outros países africanos perfilam-se como futuros clientes. Em Julhode 2007, o Presidente francês Nicolas Sarkozy e o guia da Jamahiriyalíbia, Muammar Khadafi, assinaram um protocolo de acordo queprevê o fornecimento de um reactor civil à Líbia, facilitado pelocompromisso da Líbia de renunciar às armas de destruição maciça ede cooperar com a Agência Internacional da Energia Atómica (AIEA).No ano anterior, a França tinha igualmente assinado um acordo decooperação nuclear com a Tunísia, que prevê a construção de umacentral de 600 MW.Em Abril último, o Gana, que dispõe desde 1994, tal como a Nigéria,de um pequeno reactor de investigação fornecido pela China, quealiás assinou um acordo de cooperação com o Egipto em 2006,anunciou que tencionava também lançar-se na produção de energianuclear. A Rússia, que já forneceu um reactor de investigação de 10 MW àLíbia, está a realizar estudos prospectivos na Argélia na óptica doarranque de um sector de produção nuclear neste país e dirige estudosde viabilidade para a construção da central de Sidi Boulbra, noMarrocos, que deverá entrar em serviço em 2016. A Namíbia,primeiro produtor africano de urânio, projecta utilizar este recursopara produzir electricidade. Mas talvez seja a Nigéria, para além daÁfrica do Sul, que tem as maiores ambições: estão em cursoconversações com a AIEA para desenvolver neste país umacapacidade de produção nuclear de 4 000 MW até 2025!Este contexto favorável contribui para a corrida dos investidores nocontinente, onde em 2006, segundo o Observatório da Energia deParis, quatro países tinham cerca de 20% das reservas mundiais

URÂNIOCORRIDAAO

Abu Bakaar Mansaray, Digital Man, 2004. Esferográfica e grafite sobre papel, 150 x 201,5 cm.Cortesia de C.A.A.C. – Colecção Pigozzi, Genebra.

Fotografia: Maurice Aeschimann

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satisfazer a procura interna, mas também aexportar electricidade para a região (Jibuti,Quénia, Sudão e Iémen). O contexto éfavorável à realização destes projectos, porquea antiga relutância do Sudão e do Egipto emrelação a qualquer projecto de barragem amontante do Nilo está em vias de desaparecer.Uma entidade de cooperação tripartida, oGabinete Técnico Regional do Nilo Oriental,cujo conselheiro jurídico é o ex-secretário-geral do Grupo ACP, Ghebray Berhane,fornece desde há algum tempo um quadrocomum de gestão dos projectos no rio.Para as companhias de electricidade de todo omundo, África, uma das últimas grandesfronteiras, oferece um filão de oportunidadesconsiderável. Os países emergentes estão àespreita, como a China, que está a discutir como governo da Guiné a opção de construção dabarragem de Souapiti (600 MW) no rioKonkouré, em troca do fornecimento debauxite.O rio Zambeze é outro eixo estratégico, comum potencial de 12 000 MW só na partemoçambicana do seu curso. Neste país, a quePortugal acaba de devolver a propriedade dabarragem de Cabora Bassa (2 075 MW), oministro da Energia, Salvador Namburete,espera para 2015 a construção, a jusante, deuma segunda obra importante, a barragem deMepanda Uncua (1 300 MW), cujo custo estáestimado em 1,3 mil milhões de dólares, bemcomo de uma segunda central de 850 MW, anorte de Cabora Bassa. As montagensfinanceiras destes projectos ainda não estãoconcluídas, mas tendo em conta asnecessidades da África do Sul e do mercadointerno em plena expansão, a Companhia deElectricidade de Moçambique não está muitopreocupada com esta questão. Angolaconstitui outro filão inexplorado, com asbacias dos rios Cuanza (6000 MW) e Queve(3000 MW). E a procura vai aumentarrapidamente, num país onde o crescimento doPIB ronda os 30% neste final de 2007.Há outros projectos que vão aparecerproximamente. Depois do Banco Mundial,que deu luz verde em Abril a umfinanciamento de 360 milhões de dólares paraa barragem de Bujagali no Nilo Branco, oBanco Africano de Desenvolvimento acaba deatribuir 110 milhões de dólares para oprojecto. No entanto é preciso contar com adescida do nível das águas no lago Vitória, amontante, que poderá reduzir a potênciaesperada da obra, que passará de 250 MW para175 MW. Na Nigéria, o Banco Mundialtenciona também contribuir para a reabilitaçãodas barragens de Kainji (760 MW) e de Jebba(540 MW) no rio Níger.

Dito isto, a execução destes projectos nemsempre tem a unanimidade. As autoridadesmoçambicanas, por exemplo, estão com muitadificuldade para persuadir os ambientalistasdo fundamento da construção da barragem deMepanda Uncua. Com efeito, estes alegamque provocará, por um lado, a expulsão de 2000 pessoas, na maior parte criadores de gado,e por outro que a retenção dos sedimentos edos lodos pela barragem terá um impactonegativo para os mangais do delta doZambeze. Ao mesmo tempo, toda a gentereconhece a necessidade de aumentar a

capacidade de produção energética emMoçambique, condição sine qua non dodesenvolvimento. Incluindo PME industriais.Em Bukavu, na RDC, os marceneiros,alfaiates ou reparadores de televisão da zonade Kadutu iriam todos para o desemprego outeriam de pagar a electricidade a um custoproibitivo se o fornecimento da electricidadeda barragem do Ruzizi fosse interrompido. Arealidade é sem dúvida mais complexa do quea clássica dicotomia elefantes brancos –pequenos projectos.F.M. �

África devia ser o paraíso das companhias de electricidade.Só o sítio de Inga, no rio Congo, entre Kinshasa e oAtlântico, possui um potencial estimado entre 39 000 e 44000 MW: mais de duas vezes o equivalente da potência da

maior barragem do mundo, a das Três Gargantas, na China. Mas só umapequena percentagem deste potencial é utilizada (1 774 MW); e menosde metade é operacional. A reabilitação está em curso com financia-mento do Banco Mundial.E Inga faz sonhar. Desde 1990, com financiamento do Banco Africanode Desenvolvimento, a Electricité de France e a Lahmeyer Internationalrealizaram um estudo de pré-viabilidade para a construção de umaterceira central, Inga III, de uma quarta, Grande Inga, e depois de umaauto-estrada da energia de 5 300 km, até à barragem de Assuão, noEgipto. Mas a factura já se calculava então em 29 mil milhões dedólares!É verdade que dos projectos às realizações vai uma grande distância.Mas o regresso da paz permite esperar um projecto de dimensão maismodesta, mas já considerável. A construção da Inga III (3 500 MW) edo Corredor Ocidental, uma segunda interconexão que liga Inga àÁfrica do Sul, via Angola e Namíbia, com uma ligação para oBotsuana. Um dos principais projectos da Nova Parceria Económicapara o Desenvolvimento de África (NEPAD).A procura existe, imperativa. Se até 2012 não tiverem sido construídasnovas infra-estruturas de produção de electricidade, é toda a ÁfricaAustral que conhecerá um défice líquido. Além disso, a procura provémigualmente da indústria mineira. Dois projectos gigantescos, a fábricade alumínio da BHP Billiton no Baixo Congo, com um custo de 2,5 milmilhões de dólares, e a siderurgia do gigante mundial CVRD no Soyo(Angola), exigem, por si só, uma capacidade de 1 800 MW, superior àdas centrais Inga I e Inga II actualmente em serviço! Um terceiro eixoprevisto é a interconexão entre Inga e Calabar, na Nigéria (2 100 km).Depois da República Democrática do Congo (RDC), cujo potencialhidroeléctrico total está avaliado em 100 000 MW, o potencial mais

importante do continente reside no planalto central etíope, onde o NiloAzul tem origem. Este também pouco explorado. A capacidadeinstalada é com efeito inferior a 1 000 MW, enquanto o potencial etíopeanda à volta dos 40 000 MW. Mas esperam-se desenvolvimentosrápidos. Em dois anos, a capacidade de produção do país vai mais doque duplicar com a entrada em serviço das barragens Takeze (300MW), Anabeles (460 MW) e Gigel Gibe II (420 MW). A estas juntar-se-á, em 2011, a de Halale Werabesa (367 MW). Além disso, foisolicitada a participação do Banco Europeu de Investimento nofinanciamento da parte electromecânica do maior projecto da região, acentral Gilge Gibe III (1870 MW), com um custo estimado de 1,8 milmilhões de dólares. Já foi assinado um contrato de engenharia para esteefeito entre a empresa etíope Electric Power Company e a empresaitaliana Salini Costruttori. Estes projectos não se destinam apenas a

HIDROELECTRICIDADE:um potencial imenso e mal exploradoO futuro do continente passa pelo domínio do seu principal trunfo energético, porquerenovável: a hidroelectricidade. Luz sobre o potencial dos principais rios.

Projecto Moma Titanium em Moçambique “Encher a represa dragada”.© EIB Photo Library

Barragem hidroeléctrica no Burkina Faso.© EIB Photo Library

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da Silva, aproveitou para lembrar o «enorme avanço» do seu país naprodução de biocombustíveis, acrescentando o seguinte: “sob aliderança do Senegal, queremos alargar esta iniciativa aos outros paísesafricanos que não são produtores de petróleo”, reunidos no grupodenominado “OPEP verde”.É assim que plantas outrora reservadas a utilizações limitadas, se vêemagora enriquecidas com novas virtudes. É sobretudo o caso do tabanani,ou purgueira, de que foram plantados recentemente no Senegal cerca de188 hectares, havendo o objectivo de cobrir mais de 5 000 hectares comeste arbusto de flor originário do Brasil, cujas sementes fornecem umóleo que até aqui era utilizado na medicina tradicional e na alimentaçãoanimal.No entanto, é a África do Sul que funciona como locomotiva nestesector. São utilizados milho, cana-de-açúcar e outras plantas para aÁfrica do Sul produzir, até 2010, 10% das suas necessidades emgasolina e em diesel a partir de biocombustíveis. Os números são dissotestemunho: em 2005, a produção de biocombustíveis na África do Sulatingiu cerca de 110 milhões de galões, permitindo que este país seposicionasse no sétimo lugar do mundo, longe, é verdade, do primeiroprodutor, o Brasil, com 4 mil milhões de galões e os Estados Unidoscom 3,5 mil milhões de galões. Ainda que sejam produtores liliputianos, quatro outros países ACPfiguram na lista dos principais produtores mundiais debiocombustíveis: Maurícia (26 milhões de galões), Zimbabué (6milhões) e Quénia e Suazilândia, cada um produzindo três milhões degalões. Outros países também decidiram lançar-se na produção debiocombustíveis, como o Benim, Etiópia, Gana, Guiné-Bissau, Malawi,Moçambique, Nigéria e, claro, o Senegal. �

Aprodução de energia renovável poderá fazer sair África dapobreza. Esta é pelo menos uma convicção que partilhamcada vez mais Estados africanos, a começar pelos paísesque não são produtores de petróleo. Mas o principal obstá-

culo ao desenvolvimento da produção de energia solar, eólica, geotér-mica ou de biomassa (os grandes projectos de hidroelectricidade sãoobjecto de um artigo separado) continua a ser o seu custo relativamen-te elevado, ainda que a prazo, com o barril de petróleo a poder atingirem breve os 100 dólares, os investimentos se tornem cada vez maisatractivos. Investimentos que beneficiam de múltiplos apoios, a come-çar pelos financiamentos do Banco Europeu de Investimento e do novofundo de capital de risco proposto pela Comissão Europeia, dotado àpartida de 100 milhões de euros. Sem esquecer a Facilidade ACP-UEpara a energia, cujo orçamento se eleva a 220 milhões de euros (ler oartigo consagrado a este fundo em O Correio n.º1).

> O continente menos electrificado

Segundo a Agência Internacional para a Energia (AIE), só 23% dapopulação subsariana tem acesso à rede eléctrica. As zonas rurais sãoas mais desfavorecidas, com 8% apenas de habitantes ligados à rede emuitas vezes têm de pagar um preço exagerado para produzirelectricidade a partir de grupos electrogéneos ou de painéis solares. Asenergias renováveis – sobretudo as energias descentralizadas, como asolar ou a eólica – poderão colmatar em grande parte este fosso. Masde momento não representam sequer 1% da electricidadecomercializada, quando o seu potencial é enorme. Segundo a OCDE,apenas 7% das capacidades hidráulicas e menos de 1% das capacidadesgeotérmicas são exploradas. Sem contar com as perdas de electricidadeno transporte, que chegam a atingir 40% em países como a Nigéria ouo Congo, quando a média mundial não chega a 10%. Mas apercentagem das energias renováveis (excluídos os grandes projectoshidráulicos) na produção de electricidade continua igualmente a serbaixa a nível mundial, ainda que o seu crescimento seja superior aoconsumo total, sobretudo nos países industrializados.

> Ventos caprichosos

Ainda que uma parte de África esteja situada na zona equatorial, ondeos recursos em matéria de vento são muito mais fracos do que naEuropa ou na América do Norte, o potencial eólico de África está longe

de ser negligenciável. A começar pelos países mais distanciados doEquador: África do Sul e os países situados ao longo do Mediterrâneo.Nas regiões do centro de África, a preferência vai para os projectos demenor envergadura. Em 2002, a capacidade eólica de África ainda erafraca, da ordem dos 150 MW, ou seja, 0,5% da capacidade instaladamundial. Mas o sector está em pleno crescimento e este ano apresentauma capacidade instalada de cerca de 1 000 MW. De momento, osprojectos mais importantes situam-se em Marrocos e na Namíbia,seguidos pelo Egipto, Eritreia, Tunísia, Argélia e Líbia e África do Sul.Assim, o parque eólico de Zafarana, na costa do mar Vermelho, ondeos ventos sopram fortes, produz 160 MW, alimentando emelectricidade 340 000 lares egípcios.

> A geotermia no Rift

A exploração da geotermia é particularmente interessante na «falhanatural» do vale do Rift. No entanto, actualmente nem a Etiópia, nemo Uganda ou a Tanzânia, exploram esta fonte; apenas o Quénia sedecidiu lançar na aventura, construindo, com a ajuda da UE e daAlemanha, a maior central geotérmica de África, que fornece 10% daelectricidade do país, percentagem que Nairobi tenciona duplicar.

> A atracção dos biocombustíveis

Ainda que os biocombustíveis estejam cada vez mais desacreditadospor causa, simultaneamente, do seu impacto maior do que previstosobre o clima e do risco que representam de aumento do preço dosmesmos produtos, mas utilizados para fins alimentares, para muitospaíses africanos não deixam de representar uma alternativa importantepara o petróleo. Além disso, os biocombustíveis são vistos comocriadores de empregos num sector, a agricultura, predominante na suaeconomia. Segundo o Banco Mundial, a indústria dos biocombustíveisexige 100 vezes mais mão-de-obra por unidade de energia produzida doque a energia fóssil. No Brasil, a indústria do bioetanol assegurariamais de meio milhão de empregos directos.Se exceptuarmos a África do Sul, o Senegal foi um dos primeirospaíses de África a revelar interesse nos biocombustíveis, cultivandomesmo a ambição de servir de plataforma para a entrada dosbiocombustíveis em África. Foi isto que reafirmou em Maio último emBrasília o Presidente senegalês Abdoulaye Wade, que veio assinar umasérie de acordos com o Brasil. O Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula

AS ENERGIAS RENOVÁVEIS,UM TESOURO

A VALORIZAR

Marie-Martine BuckensTitos Mabota, Bicicleta rural, 2006. Meio misto, 180 x 150 x 350 cm.

Cortesia de C.A.A.C. – Colecção Pigozzi, Genebra.Fotografia: Grant Lee Neuenburg

Calixte Dakpogan, Heviosso, 2007. Plástico, ferro, vidro, cobre, madeira, 76,5 x 57 x 26,5 cm.Cortesia de C.A.A.C. – Colecção Pigozzi, Genebra. Fotografia: Maurice Aeschimann

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promovendo ao mesmo tempo as energias renováveis e a eficiênciaenergética. O Conselho verifica que África dispõe de um enormepotencial no que diz respeito tanto a combustíveis fósseis como aenergias renováveis, mas no segundo caso este potencial estálargamente inexplorado, quer se trate de biocombustíveis ou dasenergias hidroeléctrica, geotérmica, solar ou eólica.Por consequência, o Conselho preconiza o reforço do apoio ao sectorenergético africano através da cooperação bilateral e do Fundo Europeude Desenvolvimento. Insiste na necessidade de executar a parceriaeuro-africana para as infra-estruturas, dotada de um envelope financeirode 5,6 mil milhões de euros para o período 2008-2013, assim como nareconstituição da Facilidade ACP-UE para a energia (250 milhões deeuros).Mas a UE pretende igualmente orientar o diálogo sobre as políticasenergéticas dos países africanos e a utilização das receitas do petróleo edo gás para fins de desenvolvimento. A Comissão e os Estados-

Membros são convidados a ajudar os parceiros africanos a aumentar ofluxo de receitas provenientes das indústrias extractivas afectadas aprojectos económicos e sociais. Para esse efeito, os ministros propõema criação de fundos de solidariedade no sector do petróleo, alimentadospelos utilizadores de energia e por investidores privados, bem comofundos de utilização alimentados por capitais provenientes daexploração dos recursos energéticos, destinados às gerações futuras.Nesta óptica, a UE propõe que seja melhorada a transparência dosfluxos financeiros provenientes da exploração dos recursos naturais,pressuposto essencial para a instauração de um melhor ambiente denegócios. Entende ajudar os governos africanos a reforçarem atransparência no processo de tomada de decisões e nas negociaçõescom os parceiros estrangeiros, nomeadamente contribuindo para oreforço das capacidades institucionais.Neste espírito, a UE tenciona promover a Iniciativa para aTransparência das Indústrias Extractivas (ITIE) e incentivar asmultinacionais europeias a respeitarem as suas normas e, por outrolado, os bancos europeus a aplicarem as da Sociedade FinanceiraInternacional do Grupo do Banco Mundial, no que se refere àtransparência dos pagamentos e dos contratos neste sector.Com base na lição retirada da presença crescente em África de actoresemergentes, confirmada pela realização da reunião anual do BancoAfricano de Desenvolvimento em Xangai, em Maio último, a UEpropõe que sejam associados ao diálogo «novos doadores einvestidores». Na sequência dos anúncios feitos no início do ano peloComissário para o Desenvolvimento Louis Michel e pelo Presidente doBanco Europeu de Investimento (BEI), Philippe Maystadt, da suaintenção de realizar um diálogo com a China sobre estas questões.A parceria deverá igualmente instalar um quadro regulador maisfavorável para as indústrias da energia em África. Daí a oferta de umapoio aos esforços africanos para criar o quadro jurídico, regulamentare fiscal específico para atrair investidores e capitais de risco. Medidas aconcretizar em sinergia com os Acordos de Parceria Económica (APE)que deverão ser assinados no final de 2007 com as seis regiões ACP. Aparceria integra igualmente as alterações climáticas na cooperação parao desenvolvimento, apoiando as capacidades dos países africanos parase adaptarem, para atenuarem os efeitos negativos, para limitarem assuas emissões de gás com efeito de estufa, em especial as devidas àdesflorestação, e para utilizarem mais eficazmente a biomassa. EmSetembro, o Comissário Louis Michel propôs, para este efeito, aosEstados-Membros da UE a criação de uma aliança a fim de ajudar ospaíses em desenvolvimento a adaptarem-se e a prepararem-se para asalterações climáticas. E a Comissão avançou com um montante inicialde 300 milhões de euros para o período 2008-2010, sem contar com ascontribuições suplementares que os países da UE poderão dar. Naprática, a UE conta apoiar os esforços destinados a reduzir a combustãocom chama do gás no processo de produção de petróleo. O sinalpolítico dado pelos 27 deverá favorecer as sinergias entre os diferentesinstrumentos da política europeia: o Fundo Europeu deDesenvolvimento e a Facilidade Euro-Mediterrânica de Investimento ede Parceria que gere o BEI, cujos empréstimos e capitais de risco sedestinam a grandes projectos de infra-estruturas industriais, dotado deum orçamento de 8,7 mil milhões de euros para o período 2007-2013.Grandes projectos como o gasoduto trans-sariano Nigéria-Argéliapodem ao mesmo tempo dar resposta aos imperativos de integraçãocontinental africana, de segurança de aprovisionamento para a Europae beneficiar de várias fontes. Os recursos do BEI para os países ACP(3,7 mil milhões de euros para o período 2008-2013) e os das agênciasou dos bancos bilaterais podem combinar-se para satisfazer objectivosde interesse mútuo. F.M. �

Tudo começou no Conselho Europeu de 8 e 9 de Março de2007, quando os Chefes de Estado e de Governo dos 27 adop-taram um plano de acção global no domínio da energia parao período 2007-2009, que prevê a instituição de um diálogo

específico sobre este tema com os países africanos. Posteriormente, emmeados de Maio, os ministros europeus dos Negócios Estrangeiros pro-puseram que fosse objecto de um acordo formal na Cimeira UE-Áfricauma parceria neste domínio.Nas suas conclusões, os ministros explicam que a UE tenciona criar umquadro global de diálogo a longo prazo, elaborado com a UniãoAfricana, em cooperação com a Nova Parceria para o Desenvolvimentode África (NEPAD) e o Fórum dos ministros da Energia em África(FEMA). Para esse efeito, os ministros europeus recomendam arealização de uma reunião euro-africana de alto nível sobre a energia,todos os dois anos.

Entre os seus objectivos figura a melhoria do acesso nos paísesafricanos a serviços energéticos seguros, fiáveis, de custo acessível,diversificados, respeitadores do clima e sustentáveis, em concertaçãocom o Banco Mundial. A parceria visa igualmente fazer com que osector contribua para os Objectivos do Milénio para o Desenvolvimentoe para reforçar a segurança de aprovisionamento energético. Garantiade abastecimento para os europeus e oportunidades de mercado para osafricanos. Aliás, a importância estratégica, enquanto fornecedor depetróleo, de África, cujo potencial em matéria de gás lhe permitiráproduzir 50 milhões de toneladas de gás natural liquefeito GNL porano, ou seja, 30% do total mundial, foi sublinhada igualmente pelodeputado neerlandês Jos Van Gennip, autor de um relatório sobre estaquestão publicado em 2006 pela Assembleia Parlamentar.Mas para atingir estes objectivos, prosseguem os ministros, é precisoaumentar os investimentos nas infra-estruturas do continente,

Devido à crescente interdependência entre os dois continentes em matéria de energia,deve ser criada formalmente uma parceria neste sector na Cimeira UE-África a realizarem Dezembro, em Lisboa.

A parceria energéticae a AGENDA daCIMEIRA UE-ÁFRICA

© EIB Photo Library

Projecto de electricidade no Quénia.© BEI Photo Library

© BEI Photo Library

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Dossier Energias DossierEnergias

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No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

InteracçõesACP-UE

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I nteracções

ACimeira de Lisboa é a segundo dogénero, após a do Cairo em 2000,que já tinha manifestado a vontadede alargar o campo da cooperação

entre os dois continentes a vários domínios:economia, luta contra a criminalidade, defesa,etc. Mas muitas coisas mudaram em sete anosem todos os parceiros. Assim, o número deEstados-Membros da UE quase duplicou, aopasso que a Organização da Unidade Africanase transformou em União Africana e integroua Nova Parceria Económica para oDesenvolvimento de África (NEPAD). Nosdois continentes, houve igualmente progres-sos em matéria de democratização, indica umdocumento preparatório europeu.Esta evolução torna urgente a realização dacimeira de 2007, tanto mais que a anterior,programada para 2003, não pôde realizar-sedevido a desacordos entre Africanos eEuropeus sobre a oportunidade daparticipação do Presidente do Zimbabué,Robert Mugabe. Se os Europeus, a começarpelos Britânicos, sublinhavam as violaçõesdos direitos humanos e do Estado de Direitono Zimbabué para justificarem o seu ponto devista, os Africanos objectavam que cada partedecidia soberanamente quem a deveriarepresentar.

> “Nada poderá impedir esta cimeira”, diz Louis Michel

Quatro anos depois, persistem as mesmasdivergências em relação ao caso zimbabuense.Mas predomina nas partes a vontade de evitarque esta questão delicada impeça a realizaçãoda cimeira. Embora o Primeiro-Ministrobritânico, Gordon Brown, e outrosresponsáveis europeus tenham dado a entenderque poderiam reconsiderar a sua participação,se o Presidente do Zimbabué estivessepresente, prevalecia a certeza entre osdiplomatas de que a cimeira teria lugar,independentemente do nível de representaçãode algumas delegações. Isto conforta aconvicção expressa no final de Setembro peloComissário Europeu do Desenvolvimento,Louis Michel, de que nada poderá impedir arealização da cimeira, aguardada há quatroanos, sobretudo após a recente Cimeira África-China. Porque, se a perspectiva de grandesinvestimentos chineses parece atraente a curtoprazo para os Estados financeiramente falidos,convém ultrapassar a exploração dos recursosnaturais e visar o longo prazo. A relação com aUE é talvez mais exigente a curto prazo, masmais promissora, sublinha um diplomataenvolvido na preparação da cimeira.

Por seu turno, a presidência da UE, pela vozdo Ministro das Relações Externas português,Luís Amado, indicou, em Outubro, que seriaum erro imenso no plano estratégico paralisara relação entre duas organizações continentaistão importantes por causa de um problema noZimbabué.A pressão política vem de todos os lados. NoConselho da UE, salienta-se que a AméricaLatina também realizou a sua cimeira em 2006com a África e, por isso mesmo, chegou a horade os dirigentes africanos se reunirem com oseuropeus, que são o parceiro mais importantesob todos os pontos de vista. E a necessidadedeste encontro é tanto mais premente que,depois da Cimeira do Cairo, a abordagemevoluiu imenso. Do lado europeu, há cada vezmais consciência de que a UE tem interessesestratégicos em África, nomeadamente nosector energético (ver dossiê consagrado a esteassunto e à parceria energética UE-África naspáginas 18 e 19).

> Agir juntos

A abordagem é, pois, que os grandes desafios,como os Objectivos de Desenvolvimento doMilénio, as migrações ou o terrorismo, devemser enfrentados em comum, em África e com a

África. Por outras palavras, Lisboa consagra oreconhecimento de que, se a África precisaindubitavelmente da Europa, a Europatambém precisa da África. Ultrapassou-se oparadigma doadores/beneficiários que passa afazer referência a uma interacção mais sólidaem vários domínios (paz e segurança,governação, comércio, migrações, alteraçõesclimáticas e energia), comenta um diplomataeuropeu.Todos estes elementos se encontram nos doisdocumentos que serão adoptados na cimeira: aEstratégia Comum e o Plano de Acção, cujoobjectivo é aprofundar a Estratégia África,aprovada em Dezembro de 2005 pela UE, coma ajuda da parte africana. Estes documentosdelimitam o roteiro de uma nova parceria, quetem em conta o processo de diversificação e dealargamento da cooperação entre os doiscontinentes.Entre os principais objectivos, refira-se oreforço da parceria ao serviço da EstratégiaComum. Esta visa, nomeadamente, continuara promover a paz e a segurança, mediante oapoio às capacidades africanas de manutenção

da paz e, em especial, à African Stand-ByForce. Visa também o desenvolvimentosustentável, os direitos humanos e a integraçãocontinental, a melhoria da boa gestão dosassuntos públicos, através do apoio àsreformas, com base no Mecanismo Africanode Revisão pelos Pares, mas também a lutacontra o tráfico ilícito dos recursos naturais.A estratégia diz também respeito às questões-chave do desenvolvimento, como o aumentoda ajuda e a melhoria da coerência daspolíticas nesta matéria. Deve tambémdisponibilizar meios para que as migraçõespossam colaborar no desenvolvimentosustentável nos dois continentes. As questõesambientais e a segurança alimentar tambémintegram a nova parceria.Terceira prioridade: responder juntos aosdesafios planetários, como as violações dosdireitos humanos, as questões de saúde, doambiente e da segurança energética, astecnologias da informação, o terrorismo e asarmas de destruição maciça. Outro destesdesafios importantes é a integração da Áfricana economia mundial e a melhoria da sua

competitividade, através dos Acordos deParceria Económica (APE) com as quatroregiões da África subsariana. Lisboa seráigualmente um teste à vontade política de unse de outros, em função do montante doscompromissos financeiros a subscrever.Enfim, a estratégia comum visa alargar aparceria aos agentes não estatais: empresas,sindicatos, sociedade civil e parlamentos. ACimeira de Lisboa terá o seu “festival off”,com uma série de acontecimentossimultaneamente periféricos e inerentes aoevento central: a Cimeira dos Chefes deEstado e de Governo. O programa incluitambém uma reunião dos parlamentares pan-africanos e europeus, encontros entremembros da sociedade civil, uma cimeira dajuventude, bem como um encontro AfricaFinance Investment Forum centrado nasoportunidades de negócios em África(www.emrc.be). No momento da publicaçãode “O Correio”, o único receio dos diplomatassusceptível de manchar a cimeira diziarespeito a eventuais dificuldades nasnegociações sobre os APE. F.M. �

A Cimeira UE-África de 8 e 9 de Dezembro, em Lisboa, inicia, segundo os seuspromotores, uma viragem capital nas relações entre os dois continentes sobre anecessidade de elaborar um roteiro para enfrentar conjuntamente vários desafios àescala planetária.

Cimeira UE-África

Pathy Tshindele, Untitled, 2007. 119x198 cm, acrílico em tela, “Porquê África?Colecção Pigozzi”, Pinacoteca Giovanni e Marella Agnelli, Electa 2007.

Créditos C.A.A.C. – Colecção Pigozzi, Genebra.

UMA VIRAGEM NAS RELAÇÕES ENTRE OS DOIS CONTINENTES

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Interacções ACP InteracçõesACP-UE

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Provam-no as múltiplas iniciativas tomadas nos últimos meses,a começar pelo encontro organizado em Junho último pelaComissão Europeia, reunindo pela primeira vez representantesoriundos não só da Europa e da África, mas também da China.

Um encontro que deveria permitir alargar o debate quando a UE encon-trar os seus parceiros nas Cimeiras UE/China e UE/África, previstaspara 27 de Novembro, em Pequim, e de 7 a 9 de Dezembro, em Lisboa,respectivamente.A UE, a África e a China, parceiros em concorrência? Foi esse o temacentral do encontro organizado pela Comissão, em 28 de Junho último,que reuniu em Bruxelas mais de 180 peritos – políticos, industriais,cientistas e diplomatas – provenientes de África, Europa e Ásia. Oobjectivo era explorar as possibilidades de uma cooperação UE-Chinacom a África. Porque, se o termo cooperação “triangular” se impunha,tratava-se, na realidade, de evitar um confronto potencial entre oprimeiro parceiro comercial e investidor em África, a UE, e o país que,em poucos anos, subiu ao terceiro lugar mundial, a China. “Somosconcorrentes”, declarou Louis Michel, Comissário Europeu doDesenvolvimento, na abertura da conferência, “mas também somosparceiros, e a África deve beneficiar de uma relação reforçada entre nóse não sair prejudicada”.

> Um comércio próspero

Convenhamos: os Europeus estão preocupados, acima de tudo, em nãoperder as relações privilegiadas que mantêm há décadas em África, emespecial na África subsariana. “A penetração chinesa em África atingiuuma expansão tal que nos incita a questionarmo-nos e a reflectir sobrequal será a melhor forma de reagir”, indicava em Junho passado umperito europeu. Os números são eloquentes: dos 6% de crescimentoeconómico que regista, em média, a África nos últimos anos, “o efeitoChina” contribuiria com 2 pontos para essa percentagem, directamentegraças aos seus investimentos e às cerca de 900 empresas implantadasem África, ou indirectamente devido à subida brusca dos preços dasmatérias-primas e dos produtos agrícolas ou haliêuticos, de que a Chinaé hoje o primeiro comprador mundial. Assim, Pequim é agora o terceiroparceiro comercial da África, com trocas que subiram para mais de 55

Rafael Diaz, dono da sua própria empre-sa “Soleil Vert”, trabalhava com o seuresponsável químico na sua pequenaindústria situada numa divisão nas tra-

seiras da sua própria casa, que dá para um peris-tilo e para uma antiga reserva. Estamos numa zona residencial mais ou menoschique dos arredores de São Domingos. Mal se sentava, chegava outro cliente. Paraalém de ser a sua residência e a sua fábrica, asua casa serve ainda de estação de serviço. E oresponsável químico é o seu empregado dasbombas. A bomba manual é accionada. Oenorme todo-o-terreno que chegou atesta odepósito. E o seu proprietário está claramentesatisfeito e orgulhoso por conduzir um veículo,cujo escape liberta um fumo limpo. Ademonstração fala por si. O próprio Rafael Diaz presta-se ao jogo e deixaestar a mão na saída do escape durante umminuto. Nenhuma sujidade.O cliente vai-se embora depois de ter louvado aSoleil Vert ao ponto do índice de satisfaçãopoder ser utilizado num anúncio publicitário:“Utilizo este combustível desde há um mês. Omotor tem menos fricção, polui menos e temum bom rendimento. Em termos de custo e dequalidade, é realmente rentável. Não tive quemudar nada no motor, passei muitosimplesmente de um combustível para o outro”.Rafael Diaz pode agora sentar-se e contar ahistória da Soleil Vert e a sua.*

> Matérias-primas gratuitas

Utilizamos óleo reciclado provenientesobretudo do sector hoteleiro. Trata-se de umóleo residual utilizado nos fritos. Existemtanques nos hotéis para recolher este tipo deóleos. Quando os tanques estão cheios,telefonam-nos e nós vamos buscá-los. E nãopagamos nada. Os hotéis são, em princípio,obrigados a tratar estes óleos e, se não ofizerem, ficam sujeitos a pagar coimas. Nóssomos uma solução.

> Preço da mercadoria

O preço do biodiesel é indexado pelo preço dogasóleo. Estamos actualmente a cobrar 85 pesospor galão, contra os 95 pesos do gasóleoclássico. 90% dos nossos clientes são empresas,essencialmente empresas de distribuição.

> Perspectiva

As empresas estão a desenvolver-se muito naRepública Dominicana. Espero que possamostirar partido muito rapidamente dessa realidade.Não é difícil encontrar clientes. Além disso, oEstado também fez uma campanha positiva deinformação. Se conseguíssemos produzir mais,venderíamos a produção toda. Mas o meuprojecto está ainda na primeira fase.Economicamente, já começámos a ter umaprodução e vendas contínuas, o que nos vaipermitir aumentar a nossa capacidade deprodução. Os dois primeiros anos foramconsagrados a estudos de mercado, àconstituição legal da sociedade e ao contactocom as estruturas do Estado. Agora entramosnum ritmo diferente de produção. A Soleil Verttem por objectivo produzir 5.000 galões por dia,com uma tecnologia emergente da Europa e dosEstados Unidos. O nosso produto poderá sercertificado nos mercados como “biodieseldominicano” e estará numa boa posiçãorelativamente à concorrência.

> Da Bolsa de valores de Manhattan ao biodiesel

Tornei-me empresário de biocombustível depoisde ter trabalhado como engenheiro de sistemasnuma empresa na bolsa de valores de NovaIorque. Era responsável pelas energiasalternativas. Há já algum tempo que pensava abrira minha empresa na República Dominicana. Umdia vi os dados sobre o consumo de gasóleo edecidi-me. O mercado na República Dominicanaestá avaliado em 500 milhões de galões por ano.1% representa uma pequena fortuna.

> Não há pressão por parte das empresas petrolíferas … por agora

No início, tive medo de ter como adversários aShell ou a Texaco, sendo eu um pequenoempresário e conhecendo historicamente acapacidade política dessas empresas, tanto naEuropa como na Ásia e na América Latina.Neste momento, não estamos a sofrernenhuma pressão. Nenhum país possui hoje acapacidade de ser auto-suficiente, porque aprodução de óleo vegetal não pode rivalizarcom a energia fóssil. E a produção de um sópaís é demasiado pequena para enfrentar aExxon ou a Texaco.Não foi fácil começar esta actividade, porquehavia muita incredulidade, certamente porfalta de conhecimento. Muitas pessoaspensavam que eu era louco e que estavaprofundamente enganado. Foram precisosmuitos esforços e praticamente só comrecursos próprios. E investimentos limitados.

> Apoio

Conseguimos obter um crédito de 150.000euros do Banco Europeu de Investimento, maso princípio é de 1 euro investido por cada eurode empréstimo. Não podemos aproveitar todo ocrédito porque não tínhamos 150.000 dólarespara investir. E o êxito da empresa até agora nãopode servir de garantia.

> Vantagem ecológica

Ecologicamente, é importante. Somos um paísde turistas. Menos poluição permite preservaros rios e mantê-los mais limpos. O mesmo sepassa com o mar e a atmosfera. Assinámos oProtocolo de Quioto, que representa umcompromisso ecológico. Além disso, o paíspode receber “créditos verdes” por cadatonelada de gás carbónico que não produz. �

* Entrevista de Hegel Goutier e Pedro da Fonseca

EMPRESÁRIOS DOMINICANOS:pequenas empresascom imaginação

Hegel Goutier UE – ÁFRICA – CHINA,A NOVA COOPERAÇÃO TRIANGULAR?Perante o desenvolvimento semprecedentes da China – e dos seuscapitais – em África, a União Europeia,primeiro parceiro do continente, decidiuapostar na cooperação em vez doconfronto.

Seni Awa Camara, Untitled, 1988. Terracota, 81 x 27.3 x 22.5 cm.Cortesia de C.A.A.C. – Colecção Pigozzi, Genebra.

Fotografia: Claude Postel

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As fundações europeias são agentesimportantes nos seus próprios paí-ses e a nível internacional: têm umagrande responsabilidade porque

podem utilizar os seus fundos para apoiar odesenvolvimento local, a investigação, o sec-tor social, as artes e a cultura, e reunir os deci-sores políticos e a sociedade civil.O que é uma fundação? É uma instituiçãoprivada com personalidade jurídica, detentorade um capital que pode ser disponibilizadopara missões específicas sem fins lucrativos.

> As fundações bancárias italianas

No âmbito das fundações europeias, asfundações bancárias italianas são um exemploextremamente interessante. A distribuição dosseus fundos no território é de tal vulto quedesempenha, especialmente no camposociocultural, um papel auxiliar das políticaspúblicas europeias, nacionais e locais. Poder-se-á dizer também que, em determinadasregiões, o seu contributo é de certo modonecessário.

As fundações foram instituídas em 1991 pelaLei Amato/Carli, que impôs a distinção entreos bancos (que tinham que iniciar um processode privatização) e as fundações em duasentidades jurídicas diferentes. Na sequênciadesta legislação, foram criadas fundações degrande dimensão, inicialmente identificadascomo proprietárias da totalidade do capital dosantigos bancos públicos, mas foramigualmente convidadas a injectar este mesmocapital no mercado.Estas instituições operam segundomodalidades diferentes, sendo a atribuição debolsas a principal, nos domínios clássicos dasgrandes fundações: formação e investigação,artes e cultura, saúde, bem-estar, a que sepodem acrescentar, para determinadosestatutos, as questões ligadas ao ambiente e àpromoção do desenvolvimento local. Asfundações funcionam na fronteira entre aeconomia privada, pública e civil (isto é, nasáreas sem fins lucrativos). Na verdade, asfundações conseguem os seus lucros naprimeira esfera e precisam de dialogar e ligarrecursos e políticas com a segunda. A terceira

esfera é o principal domínio ao qual elaspertencem de pleno direito e onde encontramos seus interlocutores mais importantes.Pelo menos dez destas fundações possuemcapitais que ultrapassam o limite de milmilhões de euros, ao passo que cerca de trintapossuem mais de cem milhões.Os limites máximos anuais aumentamconstantemente, indo de um milhão de euros,tratando-se de pequenas fundações, até cercade 200 milhões, para as três primeirasfundações: MontePaschi, Cariplo eCompagnia di San Paolo, que se encontramentre as dez principais fundações europeias emtermos de capital e de contribuição.Consequentemente, se considerarmos estemontante de verbas crescente a ser distribuídopor projectos sociais, culturais e deinvestigação com maior autonomia e liberdadede acção, logo constataremos o papelprimordial que as fundações desempenham.Estas estão a tornar-se em organizaçõesmodernas, dotadas de estratégias operacionaisespecíficas, de pessoal jovem e pessoalespecializado, de uma verdadeira

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Interacções ACP-UE InteracçõesACP-UE

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mil milhões de dólares em 2006, contra 40 milmilhões no ano anterior e que deverãoduplicar nos próximos cinco anos. Emcontrapartida, a parte da Europa, primeiroparceiro, diminui a olhos vistos.Paralelamente, as relações entre a China e aUnião Europeia prosperam. O comérciobilateral foi multiplicado por 40 desde asreformas iniciadas pela China em 1978, e jáascendia a mais de 174 mil milhões de eurosem 2004. A China é agora o segundo parceiroda UE, a seguir aos Estados Unidos, ao passoque a UE se tornou no primeiro parceiro dePequim em 2004. A nível institucional, a UE ea China mantêm relações constantes,assinaladas por uma reunião anual dos Chefesde Estado e de Governo, devendo a próximaocorrer em Novembro, em Pequim. Nomomento em que a UE sente dificuldades emorganizar uma reunião com os seus parceirosafricanos – a primeira Cimeira UE/África tevelugar em 2000 e a segunda está prevista paraDezembro deste ano – os dirigentes chinesesredobraram de esforços. Organizam, desde2000, o Fórum Ministerial de CooperaçãoÁfrica-China (FOCAC) transformado emCimeira em 2006, quando o Presidente HuJintao recebeu 48 Chefes de Estado africanos.Falta inventar uma Cimeira trilateral.

> A experiência africana

Em Bruxelas, os representantes chineses –entre eles, o Embaixador Liu Guijin,representante especial do governo chinês paraos assuntos africanos – sublinharam por seulado “a grande amizade entre o seu país e osirmãos e irmãs africanos”, criticando, nacircunstância, o passado colonial da Europa.Do lado africano, as reacções eram maismitigadas e vários participantes na reunião deBruxelas sublinharam a oportunidade real querepresenta o empenhamento chinês, mastambém o risco real – e já demonstrado – dedumping e de pilhagem dos recursos naturais. Por sua vez, a Comissão Europeia evitou todaa crítica, nomeadamente sobre a política “semcondição” praticada por Pequim na sua ajuda.Visivelmente, os Europeus preferiram acooperação ao confronto. Necessidade obriga.“Deixámos o lugar vazio”, prossegue o peritoeuropeu, e os Chineses ocuparam-no. Éimportante, diz ainda, analisar ofuncionamento da ajuda chinesa, mais flexívelque a nossa, aparentemente melhor adaptada eacompanhada de um diálogo de igual paraigual. Em contrapartida, os Chineses, apesardo seu empenhamento espectacular, são porvezes surpreendidos por determinadasrealidades deste continente e pedem-nos

explicações, acrescenta o perito. E é esta“experiência africana” que a Europa tencionanegociar com os chineses para levar Pequim aaceitar a parceria triangular.

> Cooperação concreta

A Comissão Europeia vai mais longe. Emforma de encerramento da conferência deBruxelas, Bernard Petit, director-geral adjuntodo desenvolvimento na Comissão, enumerou alista, não exaustiva, dos domínios em que aChina e a UE poderiam trabalhar de mãosdadas: a reforma do sector da segurança naRepública Democrática do Congo, o processode Kimberley e FLEGT – dois programas

destinados a assegurar a legalidade docomércio de diamantes e de madeira,respectivamente, – mas também, e acima detudo, a reforma das infra-estruturas. Nestedomínio, pensa a Comissão Europeia, a UEdesfruta de uma experiência considerável quea China pode enriquecer com a suaexperiência nacional. Em seguida, convidouas autoridades chinesas para o lançamento daparceria UE-África sobre as infra-estruturas,que decorreu em 24 e 25 de Outubro na capitalda Etiópia, Adis Abeba. A China não foi aúnica convidada. Dois bancos chineses, aChina Development Bank e o Exim Bankparticiparam como observadores. M.M.B. �

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E FUNDAÇÕES: UM ENCONTRO FRUTUOSO

Andrea Marchesini Reggiani

Esther Mahlangu, Untitled, 1991. Acrílico sobre tela, 151 x 127 cm.Cortesia de C.A.A.C. – Colecção Pigozzi, Genebra.

Fotografia: Claude Postel

Centro de Cirurgia Cardíaca Salam, Sudão.© Contrasto / Marcello Bonfanti

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Interacções ACP-UE InteracçõesACP

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transparência (através de sítios web bemgeridos e actualizados) de anúncios econtribuições que têm sido atribuídas. Regrageral, os métodos de avaliação, as estruturasde convite para apresentação de candidaturase os formulários são idênticos aos utilizadospela Comissão Europeia.

> Uma forma europeia de filantropia

Ao lermos os documentos relativos aosprogramas, facilmente concluímos que existeuma vontade crescente de criar uma relaçãomais forte entre as esferas local einternacional, mundial e europeia. Anecessidade de desenvolver um modeloeuropeu para as fundações levou o CentroEuropeu das Fundações, uma associaçãointernacional de fundações e de empresasmecenas, com sede em Bruxelas, destinada ainformar o sector das fundações, a reforçar ainfra-estrutura deste sector e a promover acolaboração na Europa e no mundo.Desde a sua criação em 1989, os principaisobjectivos do CEF são representar osinteresses dos seus membros (mais de 200fundações), não só dos doadores e dasfundações bancárias, mas também dasorganizações caritativas, científicas eculturais, próximas dos governos, da UniãoEuropeia e dos organismos internacionais.A globalização está a deixar clara anecessidade de avaliar os problemas e asoportunidades ao nível supranacional e deorganizar programas e processos específicossobre as questões globais ao nível local.Na verdade, o CEF promove, desde 2003, oprograma Europe in the World (A Europa noMundo), que advoga e mobiliza maisliderança, mais colaboração e mais esforçosbaseados no conhecimento para odesenvolvimento global entre fundações e emparceira com os governos, instituiçõesmultilaterais, empresas e ONG. Segundo oCEF, é importante convencer o maior númeropossível de fundações europeias a aumentaros recursos actuais – capacidades,conhecimento e verbas – destinados aquestões globais e desenvolvimento numabase sustentável.

> Um espaço de intervenção mais alargado

A Fundação Cassa di Risparmio de Bolonhafoi a primeira a alterar os seus estatutos parapermitir a atribuição de fundos a acçõesdesenvolvidas fora do seu território,especialmente no hemisfério sul do planeta.

Esta alteração dos estatutos, feita em Outubrode 2000, foi fortemente apoiada pelo entãovice-presidente, uma pessoa com grandeexperiência. Referimo-nos a GiovanniBersani que, como eurodeputado, participoupessoalmente em muitas fases cruciais daConvenção de Lomé e da consequentecooperação na política de desenvolvimentopromovida pela União Europeia. Entremuitas outras funções que exerceu, GiovanniBersani foi Presidente da AssembleiaParitária UE-ACP, de que é actualmentepresidente honorário.Giovanni Bersani ultrapassou o velhoprincípio segundo o qual os fundos devem serdistribuídos para apoiar acções que sedesenvolvem no espaço de referência dafundação e disseminou a ideia de que estasentidades têm responsabilidades também emrelação a territórios e povos longínquos. Estafilosofia contribuiu para a perspectivacomum de uma paz real e duradoura.Consequentemente, as fundações têm hoje apossibilidade de operar no campo dodesenvolvimento e foram promovidosinúmeros programas para ONG do Norte e doSul do planeta, sobretudo nestes últimos 3-4anos. Entrevistámos Gabriello Mancini, Presidenteda Fundação Monte dei Paschi di Siena:“Nos últimos 4 anos, trabalhámosespecialmente com associações, consoante osprojectos propostos, mas temos a intenção definanciar acções de melhor e maiorqualidade, que devem ter como finalidadecolmatar necessidades reais destes países epossivelmente trabalhar em consonância comas instituições locais. Para melhorar as sinergias e a coordenação,foi assinado em 2004, juntamente com aRegião da Toscana, um protocolo deintenções com o objectivo de identificarprojectos que necessitem de financiamento,entre os quais podemos referir a construçãodo centro de cirurgia cardíaca Salam noSudão, realizada por Emergency, o centroSaving the children, que permitiu curar e darassistência médica a mais de mil crianças

palestinianas, ou o hospital ambulante criadopela associação Fatebenefratelli. Mas, talcomo para as grandes acções, ascontribuições também são atribuídas aassociações locais”.Nestes últimos quatro anos, foramfinanciados mais de 160 projectos nos paísesACP, uma ajuda que ultrapassou os 20milhões de euros. As principais áreas deintervenção destes projectos são o ensino, avacina das crianças, o tratamento e cura decrianças com a VIH/Sida, a criação dehospitais, estruturas sanitárias e centroscirúrgicos especializados, escolas,reservatórios de água potável e irrigação.Houve outras fundações que realizaramprojectos nestas áreas. A Compagnia di San Paolo dedicou-seainda à formação avançada nos países emdesenvolvimento, com cursos organizadospela OIT, Hydroaid, Water for DevelopmentManagement Institute e Higher EuropeanCooperation e Escola de Desenvolvimento daUniversidade de Pavia.Em 2004, a Fundação Cariplo assinou umplano de acção que aprova uma nova linhaoperacional tendente a reduzir as diferençasentre o Norte e o Sul. Em 2005, foramaprovadas 12 contribuições, totalizando ummilhão de euros, e o número de projectosfinanciados passou de 12 para 39 em 2006,com uma contribuição total de três milhõesde euros. Esta participação poderá aindaaumentar. A resposta de Mancini à nossapergunta “que tipo de experiências decoordenação existe entre as fundações paraapoiar o desenvolvimento?” revelaperspectivas positivas.“Estamos a trabalhar sob a égide da ACRI,Associazione delle Casse di RisparmioItaliane, com o objectivo de assegurar apossibilidade de realizar acções comuns nodomínio da cooperação internacional.Actualmente existem contactos com outrasfundações importantes no intuito de elaborariniciativas que, a meu ver, produzirãoresultados positivos”. Veremos o queacontece. �

Oque está na base do sucesso desta empresa, cuja lista declientes aumenta um milhão por mês? “Riscos equilibradose saber como fazer negócios em África”, fazem parte daexplicação, afirma Terry Rhodes, co-fundador da empresa e

Assessor de Estratégia.Uma boa imagem de marca com um logótipo activo, assim como uma“empresa baseada em princípios”, inclusive investimento no futuro decada funcionário, fazem parte do crescimento, diz Rhodes nos escritóriosda empresa em Hoopddorf, Países Baixos. A rede Celtel estende-se agoraa 15 países africanos, desde o Oceano Atlântico até ao Índico: BurquinaFaso, Chade, Congo, Gabão, Quénia, Madagáscar, Malávi, Nigéria,Níger, República Democrática do Congo, Serra Leoa, Sudão (onde operasob o nome “Mobitel”), Tanzânia, Uganda e Zâmbia. “Tivemos queconvencer as pessoas de que a empresa tinha riscos mais baixos do queos imaginados”, acrescenta Martin de Koning, Director de Comunicaçãoda Celtel.O Dr. Mo Ibrahim, expatriado sudanês e antigo consultor na área dastelecomunicações, criou a Celtel há quase uma década juntamente com ocolega, também ele consultor, Terry Rhodes, ao adquirir uma simpleslicença para operar no Uganda.Obter financiamento e o enorme esforço de investimento necessário parainfra-estruturas foi o primeiro passo, juntamente com a compra degeradores para assegurar o funcionamento das redes no caso de cortes deenergia. Reuniram mil milhões de dólares graças a uma combinação decapital privado e público.Em 2005, a Celtel foi vendida à MTC do Kuwait, empresa líder na áreadas telecomunicações no Médio Oriente, por 3,5 mil milhões de dólares.Esta venda resultou em ganhos equivalentes a seis meses de salário paramuitos empregados. Em 2006, a empresa penetrou no enorme mercadoda Nigéria, com uma aquisição, por mil milhões de dólares, de uma partemaioritária na ‘Vmobile’, posteriormente chamada “Celtel Nigeria”.

> Expansão rural

A Celtel concorre tanto para a aquisição de licenças como para aaquisição de empresas locais. Em 2007, o investimento da MTC/Celtelno continente africano deve rondar os dois mil milhões de dólares, comum foco de expansão nas zonas rurais.Dos 7500 trabalhadores da empresa, 99% são africanos, afirma Rhodes.Existem aproximadamente 400 000 pontos de venda de cartões pré-pagosnos 15 países onde a empresa está presente.De importadora de tecnologia para o continente, a empresa estáactualmente a lançar a primeira rede móvel mundial sem fronteiras entrepaíses africanos, oferecendo aos clientes de 6 países a possibilidade defazerem chamadas sem pagar o denominado custo de “roaming”, explicaRhodes. O cliente pode comprar um cartão SIM na RDC-Congo, Congo-Brazzaville, Tanzânia, Uganda, Quénia e Gabão e paga a mesma tarifaem qualquer um dos seis países. Sob a marca “One network”, esteproduto está muito mais avançado do que o oferecido pelas empresas detelecomunicações móveis na UE, que cobram tarifas altas pelaschamadas feitas e recebidas em qualquer um dos países da UE, que nãoseja o país onde foi comprado o cartão SIM, sublinha Rhodes.Koning explica que a Celtel providencia formação contínua aos seusfuncionários, incluindo um programa de formação de 15 meses comcertificado, o “Headstart”. As opções e acções da empresa são outrostrunfos. A Celtel está ainda envolvida em inúmeros projectos voluntáriosde distribuição de livros nas escolas e obras de construção de escolas. Aempresa quer estender a sua rede a outros países africanos,designadamente à Etiópia, Moçambique e Angola, e está em vias de setornar numa empresa de telecomunicações pan-africana líder. D.P. �

www.celtel.com

CELTEL:A ÁFRICA DÁ QUE FALARQuando a Celtel foi criada, em 1998, só existiam 2 milhões de utilizadores detelemóveis em África e a maioria dos quais na África do Sul. Hoje, de um total de 200milhões de utilizadores de telemóvel neste continente, 25 milhões são clientes da Celtel.

Centro de Cirurgia Cardíaca Salam, Sudão.© Contrasto / Marcello Bonfanti

Um Maasai pastoralista exibe o seu telemóvel, Quénia.© IRIN / Neil Thomas

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Interacções ACP-UE InteracçõesCalendário

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Foi no arquipélago daMadeira, traço de uniãoentre as costas africanas e olitoral europeu, que os

ministros da União Europeia res-ponsáveis pelo Desenvolvimentoforam convidados, em 21 e 22 deSetembro último, para uma reuniãoinformal consagrada a questõesessenciais da parceria que liga aUE e os países ACP(África/Caraíbas/Pacífico). JoãoGomes Cravinho, Secretário deEstado das Relações Externas e daCooperação de Portugal, actualPresidente do Conselho“Desenvolvimento”, tinha inten-ção, neste encontro semestral, deconvidar os seus colegas a reflecti-rem sobre três prioridades da presi-dência portuguesa: como melhoraras relações entre as políticas euro-peias de segurança e desenvolvi-mento nos países em desenvolvi-mento? Como melhorar o papeldesempenhado pela UE nos paísesem situação de fragilidade parauma resposta mais adaptada aosproblemas encontrados? Que fazerpara que as negociações laboriosasde acordos de parceria económica(APE) entre a UE e seis subconjun-tos regionais ACP conduzam, até31 de Dezembro de 2007, à assina-tura de APE inaugurando um novoregime comercial que combine anecessária compatibilidade com asregras de câmbio livre daOrganização Mundial do Comércio(OMC) e o respeito imperioso dosobjectivos de desenvolvimento dospaíses ACP?A ambição da presidência eradefinir pistas para reforçar apolítica de desenvolvimento da UE

e aperfeiçoar o conteúdo de algunsdossiês com vista à sua utilizaçãona segunda cimeira UE/África deLisboa (8-9 de Dezembro). Aaposta está ganha. O ConselhoInformal do Funchal ficará nosanais do desenvolvimento por teriniciado uma viragem decisiva naabordagem europeia dos APE. Mastambém por ter preconizado aaplicação do código de condutasobre a repartição ideal do trabalhoentre a Comissão e os Estados-Membros nos países emdesenvolvimento frágeis e teriniciado um debate de alto nívelsobre a necessidade de delinearcom precisão os limites respectivosda Política Externa e de SegurançaComum (PESC) e da PolíticaHumanitária da UE, para evitar aconfusão dos géneros.

> Especificar quando conjugar defesa e desenvolvimento

Embora possa ser útil a intervençãodo exército na esfera humanitária(a operação ARTEMIS em Ituri, noCongo, por exemplo, funcionoubem e a perspectiva dodesenvolvimento da EUFORChade/RDC visando proteger osrefugiados da crise do Darfur e ostrabalhadores humanitários é fontede esperança), todos consideramque a ajuda humanitária deveriamanter sempre “a liderança”. Asexperiências do Reino Unido, dosPaíses Baixos e da Dinamarca,campeões da cooperação intensaentre os seus Ministros doDesenvolvimento e da Defesa,devem servir de exemplo para os

outros Estados-Membros, estima oConselho. “Segurança e defesa esegurança e desenvolvimento sãoas duas faces da mesma medalha.Ainda temos dificuldades de ordemcultural para determinar quandoconjugar defesa edesenvolvimento, mas háunanimidade para trabalhar demãos dadas”, resume João GomesCravinho evocando “o início de umprocesso de longa duração”. LouisMichel, Comissário Europeu doDesenvolvimento e AjudaHumanitária, acrescenta: “Estamostodos de acordo para dizer que nãohá segurança semdesenvolvimento, nemdesenvolvimento sem segurança.Mas o desenvolvimento tem umfim próprio. E o sector militar nãotem vocação para prestar ajudahumanitária nem para odesenvolvimento. Por conseguinte,é primordial definir regras deactuação precisas das forçasmilitares, sem as quais não há meiode assumir a responsabilidadepolítica”. É esta a missão daComissão Europeia queapresentará proximamente umdocumento para “definir asmissões naturais de cada um” eprecisar estas regras deintervenção.

> APE em dois tempos?

Perante o Conselho, PeterMandelson, Comissário doComércio, fez um balanço sombriodas negociações dos APE com asregiões ACP. As dificuldadesencontradas com a maioria delas,intimidadas pela liberalização dastrocas comerciais, são enormes –sendo a África Ocidental e aÁfrica Oriental as mais atrasadas,as Caraíbas e o Pacífico, as maisavançadas, a África Austral,subitamente em dificuldade –, nãotendo ainda nenhuma das regiõesapresentado à UE qualquerproposta de abertura do seumercado aos produtoscomunitários. O Comissáriolembrou que, na falta de APE,nenhum dos 36 países ACP maisdesenvolvidos poderá esperar outracoisa que o sistema de preferências

generalizadas, acessíveis a todos ospaíses em desenvolvimento enitidamente menos vantajosas queo acesso ao direito nulo e semquotas para quase todos osprodutos (exceptuando o arroz e oaçúcar) proposto a partir de 1 deJaneiro de 2008 aos ACP queassinem um APE. Uma afirmação que contestou aeurodeputada Glenys Kinnock, Co-Presidente da AssembleiaParlamentar Paritária ACP/UE,favorável à prossecução dasnegociações e à aplicação doSistema de PreferênciasGeneralizadas + (SPG +) a todos osACP em dificuldade conformes àssuas necessidades dedesenvolvimento, enquanto não sechegar a um acordo sobre oconteúdo do APE. A participaçãoactiva de representantes doParlamento Europeu nas trocas depontos de vista é umaespecificidade do Conselho“Desenvolvimento”, “o único entreas formações sectoriais doConselho da UE a dar a palavra aoseleitos”, regozija-se a Srª Kinnock.Ao apoiarem a Comissão Europeiana ajuda aos ACP a garantirem aentrada em vigor dos APE em 1 deJaneiro de 2008 (data-limite fixadapela OMC), os ministrosconvidaram-na a rever em baixa oseu nível de ambição. “Não se tratade alterar a data. Não temosnecessidade absoluta de celebrar,antes do fim do ano, acordos tãocompletos quanto possível. Se issonão puder ser feito, é necessário umacordo geral de princípio comtodas as regiões”, reconheceupublicamente João GomesCravinho. Um acordo que estabeleça umquadro geral e os pormenores aregularizar nos três primeirosmeses de 2008, especifica. É umaforma de dizer que a UE deveráreconhecer a impossibilidade decelebrar com todas as regiões ACP,até 31 de Dezembro de 2007,acordos APE respeitantessimultaneamente aos produtos e àsquestões ditas “de nova geração”,segundo a gíria da OMC (serviços,mercados públicos, concorrência einvestimentos). �

INÍCIO DE UMA VIRAGEM DECISIVA NA ABORDAGEM DOS APEConselho Informal deDesenvolvimento do Funchal

Aminata Niang

Novembro de 2007

> 1 UE – Médio OriendeConferência Africana da Energia.Sharm El Sheikh, Egipto

> 5-8 Sessão plenária do Processo de Kimberley.Bruxelas, Bélgica

> 7-9 Jornadas europeias do desenvolvimento de 2007, consagradas nomeadamente ao estudo dos efeitos da mudança climática sobre os países em desenvolvimento. Lisboa, Portugal [email protected]

> 12-13 Conferência de Alto Nível sobre Empresas e Biodiversidade. Fundação Calouste Gulbenkian Lisboa, Portugal http://countdown2010.net/business

> 14-16 10ª Sessão da Assembleia Parlamentar ACP. Kigali, Ruanda

> 17-22 14ª Sessão da Assembleia Paritária ACP-UE. Kigali, Ruanda www.acp.int

> 23-25 Reunião dos Chefes de Estado do Commonwealth. Kampala, Uganda “Transformar as sociedades do Commonwealth para realizar o desenvolvimento político, económico e humano” é o tema da reunião semestral dos 53 Chefesde Estado do Commonwealth.

Estão previstas também sessões para os homens de negócio e os jovens. www.chogm2007.ugwww.thecommonwealth.org

Dezembro de 2007

> 3-4 Conferência “Diásporas e comunidades transnacionais”. Wilton Park, Reino Unido De que maneira as diásporas contribuem para o desenvolvimentodos seus países de acolhimento e dos seus países de origem.www.wiltonpark.org

> 8-9 Cimeira UE-África. Lisboa, Portugal

> 9-13 Reunião dos Ministros ACPresponsáveis pelos APE. Bruxelas, Bélgica

> 10-13 86ª Sessão do Conselho de Ministros ACP. Bruxelas, Bélgica www.acp.int �

AgendaNovembro - Dezembro de 2007

George Lilanga, Passeport size, 2000. Esmalte em tela, 143 x 251 x 2,3 cm.Cortesia de C.A.A.C. – Colecção Pigozzi, Genebra.

Fotografia: Maurice Aeschimann

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áreas como os biocombustíveis, e para osregimes sociais apoiarem os que abandonaramo sector. O pacote de 8 anos (2006–2013)eleva-se a 1,24 mil milhões de euros.

> Acesso aos APE

A União Europeia está no centro da discussãode acordos transitórios para o açúcar noâmbito dos APE regionais. Na sua formaactual, a sua oferta de 4 de Abril aumentará onível de acesso ao mercado para todos osprodutores de açúcar até 2009, o que significaque a República Dominicana entrará pelaprimeira vez no mercado da UE isenta dedireitos aduaneiros. Numa segunda fase, apartir de Outubro de 2009, aplicar-se-ãomedidas de salvaguarda estritas até 3,5milhões de toneladas a todos os exportadores,e até 1,3 milhão de toneladas a todos os paísesACP, sobre cujas exportações devem ser pagosdireitos aduaneiros. Até 2012, a UE ofereceráum “preço limite inferior atractivo eremunerativo”. Segundo os funcionários daUE, a transição faseada garantirá que amudança não será feita à custa dos maispobres. Lionel Jeffries, Ministro do ComércioExterno e da Cooperação Internacional daGuiana, afirmou em Setembro, numa reuniãoministerial especial ACP sobre o açúcar, queos Estados ACP estavam à procura de maisclareza e de melhorias para a oferta, tais comoum nível mais elevado de exportações antes daaplicação das medidas de salvaguarda e acontinuidade de quotas regionais e a preçosremunerativas até 2015. No centro das negociações, os Estados ACPdizem que acolheram com imenso desagrado adecisão da UE de “denunciar” o Protocolo atéfinal de Setembro. Peter Power, porta-voz doComissário do Comércio, Peter Mandelson,explicou que a UE tem de dar um aviso-préviode dois anos no final de Setembro, antes dasegunda fase da oferta de acesso aomercado do açúcar, ao abrigo dos APEque entrarão em vigor em Outubro de2009. “O Protocolo do Açúcar não pode

coexistir com estes novos acordos, razão pelaqual o Protocolo tem de terminar até essadata”, explicou.“A União Europeia está a renegar os seuscompromissos anteriores com os países ACPcom um ataque preventivo numa altura em queainda estamos a negociar os APE em boa fé.Se as garantias do Protocolo do Açúcar nãoforem transpostas para os novos acordos,ficaremos muito pior do que já estamos. Ora,isso estaria em total contradição com osobjectivos estabelecidos nos APE”, retorquiuPatrick Gomes, Embaixador da Guiana juntoda UE e Presidente do Grupo Consultivo sobreo Açúcar. Paul Goodison prevê que novasrondas de reduções do preço do açúcar em2013 e 2015, após a reforma da PAC, e oscustos de frete e de seguro cada vez maiselevados nos Estados ACP, só deixarão umpequeno número de nações da África Austral(Suazilândia, Moçambique, Malávi, Zâmbia eZimbabué) capazes de tirar proveito dasexportações do açúcar até 2015.Por ocasião do encerramento do Protocolo doAçúcar, Goodison afirmou que o ónus deveriarecair na preparação das melhores vantagensde mercado enquanto existem. “Por cada 10000 toneladas de açúcar exportado para a UEna estação de 2008/2009, em vez da estação2009/2010, as receitas extraordináriasdeveriam rondar 1,14 milhões de euros”,calcula Goodison. Afirma também que aentrega da ajuda prometida ao sector até aopresente deve ser feita rapidamente, mas dizainda, ao indicar o êxito da PlantationReserve, que no futuro é necessária uma boaquantidade de ajuda mais inovadora eempréstimos a custos reduzidos,designadamente para desenvolver artigos deluxo e produtos de Comércio Justo no sector, afim de criar novas receitas tanto para empresasde moagem como para os produtores (verabaixo). D.P. �

Oaçúcar é precisamente um dos dois produtos omissos daoferta de zona franca e de isenção de direitos aduaneiros daUE, de Abril de 2007, para Estados ACP nos termos dosAPE propostos a seis regiões, sendo o outro o arroz. As

sensibilidades foram rudes nas recentes conversações de alto nível ACP,em 12 a 14 de Setembro, sobre o modo de gerir esta transição para ummercado livre.“O Protocolo do Açúcar é por excelência, um acordo-modelo decomércio Norte-Sul com um desenvolvimento forte”, lia-se nadeclaração do Grupo ACP. Consagrado em sucessivos acordos dedesenvolvimento ACP-UE desde 1975, o protocolo tem representadoum crescimento económico e social para muitos países produtores deaçúcar.Os funcionários da União Europeia expuseram a necessidade dedissolver o Protocolo num contexto alargado de reforma da sua própriaPolítica Agrícola Comum (PAC). Não é possível justificar os preçoselevados do açúcar ACP quando se reduz o apoio aos seus própriosagricultores e se diminuem as reservas de intervenção internas.Paul Goodison, economista, residente na Bélgica, explica: “O objectivofinal é estabelecer um preço limite inferior para o açúcar, o quepermitirá que os preços de mercado UE sejam determinados pelastendências de preço no mercado do açúcar mundial”.

> Redução de preço

Já foi anunciada em 2005 uma redução do preço de 36%, a realizar em4 anos, que afecta os produtores ACP de açúcar, com início nacampanha de 2006-2007, em simultâneo com reduções internas depreço do açúcar bruto na UE. Os Estados ACP dizem que só istorepresenta uma perda anual de 250 milhões de euros para os seus 18membros do Protocolo.Outro factor que estimula a mudança é a necessidade de o APE, devidoà entrada em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2008, se conformar comas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), segundo asquais uma zona de comércio livre deve abranger substancialmente todoo comércio. Para muitas regiões ACP, o açúcar bruto representa umaparte considerável do comércio com a UE, incluindo a SADC (SouthernAfrican Development Community), as Caraíbas e o Pacífico.Um porta-voz acrescentou que a UE também tem que honrar oscompromissos assumidos com os Países Menos Desenvolvidos (PMD)no âmbito do seu livre acesso a todas as exportações provenientes dosPMD, a partir de 2009, acordados no âmbito da iniciativa “Tudo menosArmas”.Já estão operacionais as chamadas Estratégias Plurianuais financiadaspela UE para compensarem as reduções de preços. Trata-se de pacotesfeitos à medida para os produtores individuais ACP de açúcar,nomeadamente para melhorarem a produção, diversificarem outras

AÇÚCARsem ProtocoloAs recentes conversações sobre o sucessor do Protocolo do Açúcar da UE, que substituiráo actual sistema de quotas para cada país produtor ACP a um preço consideravelmentesuperior ao preço global, deixaram um travo amargo nos Estados ACP. Estamos aexaminar em que medida o mercado pós-Protocolo, nos termos dos Acordos de ParceriaEconómica (APE), pode ser vantajoso para os exportadores ACP de açúcar bruto.

PRIMEIRO O AÇÚCAR, DEPOIS O RESTO

Abra a tampa das caixas e desfrute dabrisa doce das Caraíbas que veicula o

perfume das canas prateadas vindo dointerior de cristais castanho-claros.Revender 500 g por 10 dólares dos EUA,o açúcar castanho-claro da PlantationReserve, ‘Made in Barbados’, convenceuos gastrónomos do Reino Unido e ospovos anglófonos das Caraíbas ahonrarem as mesas da tribuna realaquando da corrida de Ascot deste ano eas prateleiras do Harrods, Fortnum eMason, Selfridges, Waitrose e Tescos.O investimento de um milhão de dólaresde Barbados em dois anos pareceamortizado. Foi o Governo de Barbados que negociouquase o dobro do preço da UE pelomelhor açúcar da ilha. Só uma em cadacem canas atinge a graduação. “Na moagem, só se utilizam canasseleccionadas que produzem um açúcarcom grandes cristais e um sabor e aromadistintivos, a consumir com maismoderação do que outros açúcares”,explica Chris Docherty, Director-Geral daWest Indies Sugar & Trading Company.Afirma também que a sua empresaprojecta agora desenvolver outrosprodutos, embora não estejam disponíveisantes de 2008. Há outros vencedores. O processo deprodução assenta no património do açúcarde Barbados. A Barbados National Trust,onde é moída uma pequena quantidade daPlantation Reserve, é proprietária doúnico moinho de vento da cana de açúcarremanescente em Barbados. “Só através do fornecimento de umproduto de qualidade superior, apoiadopelo desenvolvimento de um novoproduto e conhecimentos de marketing declasse mundial, é que os países maispequenos poderão competir. A PlantationReserve demonstra que é possívelcompetir comercialmente à escala global,e contra concorrentes muito maiores, emmercados de retalho sofisticados como noReino Unido”, afirma Docherty. �

2 dolares Barbados = 1 dolar EUA

© Mark Percival

O açúcar da Plantation Reserve chega a novosmercados.

© West Indies Sugar & Trading Company

No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

Comércio

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C omércio

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Paisagem no vale da Mesopotâmia, São Vicente, que já não está coberta de bananais.© Debra Percival

Teoricamente, a oferta de zona franca e deisenção de direitos aduaneiros da UE noâmbito de um APE com países CARI-FORM parece generosa, afirma Renwick

Rose, coordenador da Associação de Agricultoresdas Ilhas de Barlavento (WINFA) que representa osprodutores de São Vicente, República Dominicana,Santa Lúcia e Granada.Em estudo e devido a só estar operacional em 1 deJaneiro de 2008, o acesso ao mercado aberto da UEabrange todos os produtos, excepto os maissensíveis, como o açúcar e o arroz. Vem substituir osactuais acordos de mercado no âmbito do Protocoloda Banana previsto em sucessivos acordos dedesenvolvimento da UE com o grupo ACP.Presentemente, dá acesso livre até 775 000toneladas, a dividir por todos os países ACP.Reflectindo melhor, há receios quanto à forma comoo mercado pós-protocolo se apresentará. Tudo seresumirá ao preço, prevê Rose, juntamente com osagricultores dos grupos mais vulneráveis, ou seja, osdas Ilhas de Barlavento, mas também os pequenosproprietários na Jamaica, Belize e nalgumas naçõesafricanas mais afectadas, como os Camarões.Alistair Smith da ONG sedeada no Reino Unido,Bananalink, que faz campanha a favor de umabanana comercializada a um preço justo que os

agricultores possam aceitar, explica que algumasgrandes multinacionais nos Estados ACP já sefixaram em várias nações africanas, incluindo aCosta do Marfim e o Gana.

> Pressão sobre os preços

“Os grandes volumes no mercado exercerão pressãosobre os preços”, explica Rose que acrescenta: “Se opreço não for remunerativo, essa zona franca ou oacesso a tarifas isentas de direitos aduaneiros nãoterá sentido”.Os agricultores das Ilhas de Barlavento não deixarãode enfrentar com determinação o problema dareestruturação iniciado na década de 90. A UniãoEuropeia (UE) tem financiado muitos projectos paramelhorar os métodos de produção, como a irrigação,construção de estradas, estações de recolha edistribuição e regimes de certificação. Outros fundosda UE foram afectados à diversificação noutrosregimes agrícolas e sociais para quem deixou osector.Há agora um núcleo duro de produtores alargados àsIlhas de Barlavento que vendem a sua produção“Comércio Justo” a hipermercados do Reino Unido.A banana pequena, cremosa, com sabor suave dasIlhas de Barlavento – ideal para marmitas de almoçonas escolas – é pouco conhecida fora do ReinoUnido.“A nossa preocupação é que, quando abrir omercado, as diferenças de preço entre o comérciojusto e a banana “normal” sejam cada vez maiores”,diz Rose, e acrescenta: “Para nós, é essencial ummercado controlado”.“Embora o Comércio Justo seja uma boa notícia,isso não nos protegerá da pressão geral do mercado”,avisa Rose que recorda aos negociadores UE-ACP:“Não há nada no texto do APE que sugira queseremos compensados pela banana”. D.P. �

Os produtores de bananas do Grupo ACP ainda não sabemquando se iniciarão os Acordos de Parceria Económica com asregiões ACP. Perguntámos aos que trabalham no sector o queestá em jogo quando se aborda o Protocola da Banana.

Bernard Cornibert

Presidente Executivo da

Windward Islands Banana

Development and Exporting

Company Ltd. (WIBDECO),

estabelecida no Reino Unido e

que comercializa fruta, dá a sua

receita sobre as propostas do

APE e do seu sector.

O sector da banana nas Ilhas de

Barlavento receia a concorrência

mais aberta no sector devido à

execução dos APE?

Muita gente do sector da

banana nas Ilhas de Barlavento

compreende que haja uma

concorrência aberta, mas o

sector ainda não está preparado

para isso. Ainda requer algum

tipo de apoio no mercado,

qualquer que seja a forma que

ele revista, para continuar a

sobreviver. Ainda não sabemos,

mesmo nesta fase tardia, qual

será o nível de preferência no

quadro do APE. Se, como a

pergunta insinua, o APE pro-

porcionar uma concorrência mais

aberta, é mau sinal.

Por outro lado, será que os APE

significam um futuro mais seguro

para o sector da banana nas Ilhas

de Barlavento, eliminando futuros

desafios para as exportações da

região na OMC?

Por si mesmo, o APE não trará um

futuro mais certo ou mais seguro

para o sector da banana nas Ilhas

de Barlavento. Embora o APE

elimine a ameaça dos desafios aos

acordos de acesso preferenciais

para as importações ACP, num

ambiente sem quotas, será a

tarifa sobre as importações NMF

(Nações Mais Favorecidas) que

minimizará a pressão competitiva

sobre as importações ACP e lhes

garantirá um lugar no mercado.

Por conseguinte, mesmo com o

APE, se a tarifa for demasiado

baixa, os fornecedores ACP, como

os das Ilhas de Barlavento, terão

muito poucas hipóteses de

sobrevivência num contexto de

mercado competitivo cruel.

Até que ponto a produção da região

foi reduzida desde o início da

década de 90?

As exportações de banana das

Ilhas de Barlavento passaram de

274 500 toneladas, em 1992,

para 61 300 toneladas, em 2006.

Cerca de 20 000 pequenos

proprietários saíram do sector,

devido ao aumento da

concorrência a que não estará

alheia a progressiva liberalização

do mercado.

O sector da banana das Ilhas de

Barlavento está agora numa

posição forte onde pode vingar no

mercado global?

Não há dúvida que o sector da

banana das Ilhas de Barlavento

está agora mais forte e mais

capaz de lutar no que se está a

tornar um mercado muito

concorrido e competitivo. Mas

nunca poderá sobreviver, quanto

mais vencer, a batalha sozinho. O

sector necessita de todo o apoio

que possa granjear. Comércio

justo e o seu grupo cada vez

maior de consumidores

desempenharam e continuam a

desempenhar um papel im-

portante na presença contínua

das bananas das Ilhas de

Barlavento no mercado. Mas o

comércio justo não garantirá, por

si só, a sobrevivência contínua do

sector da banana das Ilhas de

Barlavento. É necessário o apoio

contínuo dos seus clientes leais,

dos hipermercados e dos consu-

midores. É ainda mais importante

o apoio institucional da União

Europeia através do APE e de

outros.

Em que medida os ciclones desta

estação afectaram o sector?

Basta um só azar para arrasar o

sector e o ciclone Dean, este ano,

quase o fez. Os danos às culturas

da banana foram significativos. A

República Dominicana foi a mais

afectada, mas os danos gerais em

todas as Ilhas de Barlavento

foram da ordem de 55%. O

processo de reabilitação já está

em curso e esperamos que a

produção e as exportações

retomem em pleno por volta de

Março-Abril do próximo ano.

A diversificação económica está a

ser incentivada em toda a região.

Por que é importante manter o

sector da banana nas Ilhas de

Barlavento?

Mudar ou transferir actividades

de um sector para outro, ou até

no interior do mesmo, não é

fácil. Envolve uma extensa

deslocação tanto das pessoas

como dos recursos que (a) só

podem ser adaptados suave-

mente a muito longo prazo, e (b)

apenas se houver alternativas

viáveis. O sector da banana está

vivo hoje – e ainda é fonte de

rendimentos para muitas pessoas

nas Ilhas de Barlavento.

Ninguém com bom senso poderá

sugerir que estas pessoas

abandonem os seus meios de

subsistência antes de saberem se

há outras possibilidades de

ganhar a vida.

Dito isto, as ilhas devem

continuar a procurar alternativas,

mas o objectivo não deve

consistir em substituir as

bananas, mas em alargar a base

de produção e a base económica

em geral destes países.

Enquanto empresa que está no

centro do sector da banana das

Ilhas de Barlavento, estamos a

incentivar activamente a

diversificação, mas não temos

ilusões de que o sector da

banana se manterá, e deverá

manter-se, num futuro previsível,

uma parte importante do sector

agrícola e da vida económica

naquelas ilhas.

�Beneficiação da auto-estrada das Ilhas de Barlavento, valeRabacca, São Vicente, financiada com dinheiro do FED.© Debra Percival

PERÍODOS DE TESTE para os pequenos produtores de

BANANAS ACP

32 No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

Comércio Comércio

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No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

Em foco

3534

E m foco

não sem alguma dificuldade. Milagre!Acabados de entrar no palco perante Dragone,corre quase tudo às mil maravilhas. Otelo eIago estão diante de nós.

Vem cá, Iago.Otelo, os homens resmungam.Só homens?Não te rias, Otelo, as mulheres também,evidentemente.Que tens, Iago, és o comissário dosrequerimentos?Estou com eles.E que importa isso?

Dragone intervém com psicologia, ajustando asua vontade e a sua visão sobre a sensibilidadedos artistas com uma precisão cirúrgica, tendoestes compreendido exactamente o que lhes étransmitido. E recomeçam.Em cada pausa no ensaio podia ouvir-se a vozbaixa pausada de Kabongo sobre a arte, a vida,os seus encontros, o seu percurso. Percursocujo primeiro sucesso de vulto, em 1984, tinhaele um pouco mais de trinta anos, foi a suapeça co-escrita e executada com MirkoPopovitch “Méfiez-vous des tsé-tsé”, PrimeiroPrémio do Festival do Riso de Rochefort. E aoqual deu continuidade com muitos maistriunfos.O dia passado com Dieudonné Kabongoterminou pelas duas horas da manhã, muitashoras depois do regresso a Bruxelas. Compudor, falou dos seus êxitos, da sua juventude,do despertar da sua vocação, recordando o seutio narrador “que fazia, no fundo, a mesmacoisa que outros que me iriam maravilhar,como Robert Lamoureux ou Bourvil, mas sem

os grandes meiosdestes”. Falou tambémda sua aprendizagemcomo autodidacta daprofissão do palco e daescrita, após inícios deestudos superiores emElectromecânica napequena cidade valonade Virton, porque “issosoava bem” e porque,na época, era de bomtom seguir profissõesempenhadas quepermitissem ajudar oseu país a sair dosubdesenvolvimento.Mas falou também dasua “formaçãopermanente”, porquecontinua a aprender aprofissão em contactocom os outros. Jovenssobretudo. “Isso aviva-me o olhar”. No inícioda sua carreira artística,o teatro ensinou-lhe acomunicar com osjovens, permitiu-lheensinar-lhes, por exem-plo, as matemáticas.Fazia-os rir e eles retinham as suasexplicações. Experiência que, por sua vez,facilitará a sua criação artística e a sua maneirade abordar o palco “e, de um modo geral, aimportância do olhar do outro no seu próprioolhar”. Quanto ao seu lugar de cidadãoconhecido e reconhecido na cidade, a mesma

distância! Ajuda associações, participanalguns dos seus conselhos de administração,mas recusa ser um bombeiro social. Após umincidente grave no bairro Matonge, o bairrocongolês de Bruxelas, onde um jovemcongolês foi morto, solicitaram-lhe que desseconselhos ao Presidente da Câmara local. Masconfessa evitar desempenhar esse papel,preferindo intervir a montante para incitar àcultura em vez de policiar distúrbios. “Acultura é extraordinária. Tem a virtude de fazermilagres e de evitar choques e fracturassemelhantes. É isso que me maravilha”. H.G. �

Teatro, Filmografia, Discografia recente de

Dieudonné Kabongo. Ver nomeadamente:

http://fr.wikipedia.org/wiki/Dieudonn%C3%A

9_Kabongo ;

http://www.wbm.be/artist.php?lng=fr&id=577

“Otelo” Théâtre Le Manège (Mons, Bélgica)de 29 de Novembro de 2007 a 13 de Janeiro de

2008 às 20h30. De 9 a 12 de Janeiro de 2008

às 20h30 e no dia 13 às 16h — +32-

(0)65/39.59.39 www.lemanege.com

Encenação de Franco Dragone. Adaptação livre

de William Shakespeare por Yves Vasseur com

Vincent Engel.

Este homem dos sete ofícios de génio,conhecido na Bélgica e em muitos paí-ses do mundo francófono pelos seussucessos, pela sua afabilidade natural,

incluindo da parte de quem ele critica nos seusespectáculos, a sua voz grave e quente, a suaestatura de cantor, mantém-se modesto, quaseinconsciente da sua notoriedade e da simpatiaque suscita em todas as pessoas, mesmo as queo conhecem vagamente. Ele é, de facto, o“passador” da sua arte entre Bruxelas eKinshasa.Naquele dia, a greve dos comboios na linhaBruxelas – Mons – Liège não foi má paratodos. Em vez de nos encontrarmos em Mons,no Théatre du Manège, fizemos o trajectojuntos de carro, o que nos permitiu uma horasuplementar de conversa.O dia profissional de Kabongo devia começarpelos ensaios de roupas sob o controlo de umassistente do encenador da peça que ensaia. Àsua chegada, o encenador estava presente.Perdão, o mestre, o mágico! PorqueDieudonné Kabongo trabalhava sob a direcçãode Dragone. Franco Dragone, o belga queconquistou Las Vegas, a Califórnia, Montrealetc., o homem das encenações gigantescas. ADisney Cinema Parade é ele, “O sonho”, emLas Vegas, para inaugurar o complexohoteleiro Wynn cujas imagens maravilharam omundo inteiro, continua a ser ele… E omegaespectáculo de Céline Dion “A new day”,

e a exposição no “Museu da Civilização” parao 400.° aniversário da Cidade do Quebeque, eproximamente, no Outono de 2009, a “Cidadedos Sonhos”, em Macau, com um casting decentenas, senão de milhares, de ginastas,acrobatas, nadadores, equilibristas e artistas deartes visuais de todas as disciplinas.Evidentemente, não será Kabongo quesublinhará a distinção que lhe é feita. No carro,para especificar o papel que desempenha no“Otelo, o passador”, responde com toda anaturalidade do mundo: “Otelo”. Ele é Otelo,sem sombra de dúvidas, e ainda mais desdeque vestiu, na sequência da primeira prova deroupa, o fato feito da sobreposição de umcamafeu branco e esbranquiçado, para lembrara África mouresca e do Sael.Na estrada, explica-nos. “Otelo é passador deemigrantes clandestinos para a Europa. Mas,ao mesmo tempo, leu, conhece ou tem a pré-ciência do Otelo de Shakespeare. Rebaptizaráos seus passageiros com o nome das suaspersonagens. Gosta de uma moça.Desdemone, evidentemente. Enfrenta aadversidade. Conhece o destino de Otelo. Vaisegui-lo ou evitá-lo?”.E confia-nos a sua visão da sua própria vida.“Durante muito tempo, estive prisioneiro dodilema: artista-africano ou artista e africano?Evidentemente, o traço de união incomodava-me. Creio que se é artista. Muitosimplesmente. Mas pouco a pouco, esta

pressão desapareceu e parecia-me de menorimportância. E mesmo a quantidade detrabalho que se deve prestar como imigrantepara ser reconhecido se esvanecia na minhareflexão, porque há um fenómeno de“encantamento” em que nos mergulha acriação”.Maravilhado com a arte, maravilhado com omaravilhamento do público. É esta luzpermanente no seu jogo, na sua escrita, nassuas conversas, nas suas palavrasreconfortantes que caracteriza Kabongo e o fazignorar tanto os obscurantismos como oscálculos obscuros. Um dos orgulhos que aBélgica, sobretudo Bruxelas, se apropria,Dieudonné Kabongo que ali vive desde 1970,ainda adolescente à sua chegada, nuncapensou em naturalizar-se belga, por exemplo.“Não por ideologia, simplesmente não meimagino não ser Congolês. Mas não meincomoda nada que a imprensa local meadopte e me apresente como Belga”.No Manège, logo que as roupas são escolhidasao cabo de muitas provas e pausas, iniciam-seos ensaios. Dragone quer afinar fragmentos decenas, assegurar-se da justeza dos tons e daocupação ideal do espaço na sala de ensaioantes de passar, nos dias seguintes, àencenação na sala de espectáculos.Previamente, Kabongo, primeiro a preparar-se, troca impressões com um dos actores. Osdois procuravam rememorar os seus textos,

UM DÍA NA VIDA DE

Capa de Zone02 dedicada a Dieudonné Kabongo.

Parte do cenário de Othello.© Hegel Goutier

DDIIEEUUDDOONNNNÉÉ KKAABBOONNGGOOÉ um lobo branco na Bélgica este congolês, artista cómico de teatro e de cinema,dramaturgo, narrador, humorista, animador de televisão, músico e cantor

DDIIEEUUDDOONNNNÉÉ KKAABBOONNGGOOÉ um lobo branco na Bélgica este congolês, artista cómico de teatro e de cinema,dramaturgo, narrador, humorista, animador de televisão, músico e cantor

© Hegel Goutier

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As descobertas de fósseis ilustram habi-tualmente a história passada da Terra,que era absolutamente desconhecidapelos investigadores. O artigo princi-

pal da National Geographic, intitulado “The riseof Mammals”, publicado em Abril de 2003,afirma que os estudos do ADN complementarame reforçaram a capacidade de investigação sobreo fóssil. Acontece o mesmo com a descoberta deum fóssil em Dogali, ao longo do escarpamentooriental da Eritreia em 1997, que permitiu aoscientistas defender novas ideias sobre a tendênciaevolucionista do elefante. Em 1998, JeheskelShoshani, que é actualmente professor deBiologia na Universidade de Asmara, mudoupara a Eritreia para aí estudar uma população

única de elefantes que tinha sido isolada dosoutros membros da espécie, levando-a

assim a cruzamentos consan-guíneos e a mutações

genéticas. Mas ainvestigação sobre os

elefantes relevou-seextremamente difí-cil, dado o fato de amanada vaguearnuma zona da fron-teira Etiópia-Eritreia.

Após aturados estudossobre o fóssil, nos quais

participaram investigado-res locais e estrangeiros, foipublicado um documentoerudito nas Actas da

Academia Nacional de Ciência dos EstadosUnidos da América (PNAS) em Outubro de2006. Foram publicados relatórios idênticos em 6 deNovembro de 2006, pela Universidade deMichigan: uma criatura do tamanho de um porco,que vagueou há 27 milhões de anos na Terra,representa o elo que falta entre os parentesconhecidos mais antigos dos elefantes e o grupomais recente dos antepassados dos elefantesmodernos. Este estudo foi levado a cabo por umaequipa internacional à qual pertence William J.Sanders, paleontologista da Universidade deMichigan.As descobertas do grupo sugerem que osmastodontes e os ancestraisidos elefantes sãooriginários da África, ao contrário de mamíferostais como rinocerontes, girafas e antílopes, queencontram as suas origens na Europa e na Ásia,antes de imigrarem para África. Ao datar o novofóssil, descoberto num país da África Oriental, aEritreia, as origens dos elefantes e mastodontesrecuam mais 5 milhões de anos em relação aosregistos precedentes, afirma Sanders.“O novo fóssil descoberto na Eritreia éimportante porque mostra aspectos da anatomiadental comuns aos do grupo avançado, incluindomolares com mais pontas e coroas complexas ecom uma maturação e emergência de molaresretardada”. Mas a criatura que o novo fóssilrepresenta tinha também características comunscom paleomastodontes, entre outras, um corpomais pequeno e uma estrutura maxilar que sugeredefesas de elefante e trombas mais curtas.

No Verão de 1997, Melake Ghebrekristos, umagricultor de Dogali, encontrou uma maxila nasua exploração agrícola e verificou que esta eracompletamente diferente dos ossos que ele tãobem conhecia. Segundo o fóssil, o animal tinhaum focinho longo e defesas pequenas ealimentava-se essencialmente de vegetais. Oexame dos ossos revelou que estes tinham entre27 e 28 milhões de anos. É uma descoberta degrande relevo. Os elefantes remontam a cercade 55 milhões de anos, mas os elefantesmodernos adquiriram a sua aparência etamanho actual há cerca de um milhão de anos.Até à data, porém, os cientistas não tinhamdescoberto nenhum elefante pertencente aoperíodo de 34 a 24 milhões de anos. O prof. Shoshani considera difícil atribuir oosso a qualquer outra espécie animal anteriorconhecida, o que o levou, seguramente, aaprofundar o seu estudo. Foram efectuados estudos e análisesaprofundados dos dentes da maxila, necessáriospara identificar a espécie do indivíduo.Verificou-se que esse indivíduo pertencia àcategoria dos proboscídeos - grandesmamíferos com tromba - dos quais sãodescendentes os elefantes modernos de hoje.Verificou-se que a formação dos dentesocupava uma estrutura intermédia entre oselefantes modernos e os da antiguidade. Alémdisso, exibia uma deslocação dental horizontalque continua a verificar-se nos elefantesmodernos. Trata-se, sem dúvida, do mais antigovestígio desta característica jamais encontrado.Além disso, o documento mostra de quemaneira os investigadores extrapolaram otamanho do animal - cerca de 130 cm de alturaa nível da espádua e 484 kg de massa corporalem média. Estes tamanhos mostram que esseselefantes eram mais pequenos do que oselefantes modernos, embora o espécimenencontrado fosse um jovem adulto emcrescimento. Os investigadores lembraram igualmente que oanimal estava ainda a crescer e, provavelmente,não tinha atingido ainda o seu tamanhomáximo. Os dados analisados e ascaracterísticas do animal permitiram aosinvestigadores colocá-lo entre os cladosElephantimorpha e Elephantida, entre os quaisexistia uma lacuna do elo que falta - “umahipótese já defendida há 84 anos”. Trata-se deuma linha de evolução do elefante actual. Oprof. Shoshani acrescentou igualmente que “[oindivíduo encontrado] é um intermédio, pelotamanho, características físicas e pela data -características estas que fazem dele o elo quefalta”. Por esta razão, o significado dadescoberta deste animal é, sem dúvida, deextrema importância, devido ao seu contributo

para o esclarecimento da evolução doselefantes. Os membros do grupo deinvestigadores não quiseram acreditar em simesmos ao mencionarem a sua descoberta nasActas da Academia Nacional de Ciência dosEstados Unidos da América (PNAS) enomearam a espécie como sendo Eritreummelakeghekristosi, referindo-se à Eritreia, queé o país onde esta foi encontrada, e a MelakeGhebrekristos, que encontrou o espécimen ereconheceu a sua importância. Para a Eritreia, trata-se de uma descobertamuito importante que completa os resultados deescavações efectuadas e muitos outros queestão provavelmente escondidos algures àespera de investigações semelhantes. Como aEritreia se encontra na grande fossa tectónicaafricana, conhecida pelo seu papel delaboratório na evolução de mamíferos, não serásurpreendente que haja outras descobertas queserão uma importante contribuição para oconhecimento científico do mundo. Todavia,há que ter o máximo cuidado em preservar os

artefactos e as relíquias que são alicerces dahistória. Falando disso, o dr. Seife defendeu quetoda a pessoa empenhada deverá estarconsciente da importância do patrimóniohistórico do país, prenhe de históriasinenarráveis que não poderão ser desvendadasse for destruído.Frisa-se assim que as descobertas de Dogoli,Abdur e Buya deram à Eritreia o estatuto de umdos mais importantes repositórios da evolução ecultura da humanidade. A protecção dopatrimónio natural único da Eritreia é umcapital a promover através do ecoturismo para ageração actual e as gerações futuras. Esterelatório é a primeira narrativa combinada sobrea fauna mamífera extinta e existente da Eritreia.Antes de 1993, todas as publicações relativas àfauna da Eritreia eram feitas a título da Etiópia,uma vez que a Eritreia era uma província destepaís. Os dados aqui apresentados, espera-se,servirão de base à futura investigação sobre apaleozoogeografia e neozoogeografia dosmamíferos da Eritreia. �

Eritreia:O fóssil é o elo que falta na linhagem do

ELEFANTE?

Akberet Seyoum

Em cima:Restauração deGomphotherium angustidens e Eritreum melakeghebrekristosi.

Em baixo: Reconstrução do maxilarinferior. E. melakeghebrekristosi de Dogali, Eritreia.

© PNAS / Ilustração de Gary H.Marchant

© Mark percival

No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

Nossa terra

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N ossa terra

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Timor-Leste entrou recentemente na comunidadedas nações. A sua história romanesca simboliza os fei-tos épicos de um povo para conquistar a sua sobera-nia. Com homens que entraram vivos na lenda,como José Ramos-Horta, revolucionário, sensato,Prémio Nobel da Paz, e Xanana Gusmão, revolucio-nário, poeta e pintor, Prémio Sakharov da Paz e umacolecção de distinções não menos prestigiosas. Aindependência oficial deste pequeno país do Sudesteasiático em 20 de Maio de 2002 encerrou um dosmartirológios mais violentos a que um povo foi sujei-to na história contemporânea.Sofreu depois convulsões, de certo modo previsíveis,

após uma história tão atormentada. Mas o jogodemocrático é respeitado, orgulhoso de ser, na suaregião, um dos raros países que defende nas instân-cias internacionais os mesmos valores que a UniãoEuropeia. E os seus trunfos de desenvolvimento sãovisíveis, a começar por uma política económica rela-tivamente sã: sem dívidas, sem corrupção notória.Mas também uma futura exploração das suas reser-vas petrolíferas numa base aparentemente sustentá-vel e uma próxima adesão à ASEAN. E depois, umpaís de uma rara beleza e magnificência!A descobrir por quem desejar sair dos caminhoshabitualmente trilhados do turismo formatado.

© Hegel Goutier

R eportagem

No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007 3938

Nossa terra

Timor-Leste

Em Setembro, o gigante americano dainformática e da electrónica, Hewlett-Packard (HP), lançou um projectodestinado a reduzir o impacto dos

resíduos electrónicos sobre a saúde e oambiente nos países em desenvolvimento,principais destinatários destes resíduos. Oprojecto, levado a cabo em parceria com oGlobal Digital Solidarity Fund e o SwissInstitute for Materials Science andTechnology, será lançado na África do Sul.A ideia é reduzir os efeitos potenciais domau tratamento dos resíduos electrónicossobre a saúde e o ambiente, mas tambémcriar empregos nas comunidades maisdesfavorecidas. “Consideramos este projectocomo um meio de desenvolver infra-estruturas capazes de tratar os resíduoselectrónicos com toda a segurança, emfunção dos hábitos e das estruturas locais”,declarou Kalus Hieronymi, director daorganização de gestão do ambiente na HPpara a zona de Europa, Médio Oriente,África. E prosseguiu: “Esperamos que estaanálise inicial nos ajude a criar uma vastaparceria público-privada que melhore asnormas sanitária e ambientais e ajude ascomunidades desfavorecidas através da

promoção de competências e da criação deemprego”.

> Projecto-piloto na África do Sul

O modelo de gestão dos resíduoselectrónicos em África juntar-se-á aos planosde reciclagem já existentes. Sendo oobjectivo desenvolver esta iniciativa agrande escala até Dezembro de 2008. AÁfrica do Sul acolherá o projecto-piloto,seguida de Marrocos, Quénia e Tunísia.Além disso, a empresa impôs-se comoobjectivo, em 2004, reciclar 500 000toneladas de materiais electrónicos à escalamundial antes do final de 2007. Como esteobjectivo foi atingido seis meses mais cedoque o previsto, a HP aposta agora nareciclagem de 500 000 toneladassuplementares até ao final de 2010.

> A África caixote do lixo

Os resíduos provenientes de equipamentoselectrónicos e eléctricos (os REE) estãoavaliados em dezenas de milhões de toneladaspor ano e representam mais de 5% dasimundícies municipais, segundo a ONU, que

acaba de lançar um programa mundialchamado StEP (Solving the E-Waste Problem,resolver o problema dos resíduoselectrónicos). Segundo Basel Action Network(BAN), uma ONG internacional que lutacontra o comércio e o tráfico de matériastóxicas, entram todos os meses na Nigéria 400000 computadores e ecrãs usados, em diversosestados e de todas as idades. Sob o pretextodos dons, relata François Ossama, técnicocamaronês de electrónica e autor do livro “LesNouvelles technologies de l’information.Enjeux pour l’Afrique Subsaharienne”(www.riddac.org/blogs/francoisossama),“desembarcam milhares de computadoresobsoletos em países que não dispõem, noentanto, de nenhuma capacidade dereciclagem, cujo domínio é complexo a níveltecnológico”, e acrescenta: “Quando umaamiga responsável por uma associaçãofeminina nos Camarões me contactou há doisanos para a ajudar a instalar computadores queacabara de receber sob a forma de dons, qualnão foi a nossa surpresa e a nossa decepção aoconstatar que, entre os 8 computadoresrecebidos, só um (que aliás era uma máquinaIBM dos anos 80) arrancava!”.M.M.B. �

RESíDUOS ELECTRÓNICOS:Quando o privado se envolve em África

Rapaz contratado para rebocar sucata deequipamentos electrónicos do mercado deAlaba em Lagos, Nigéria, para esta lixeirainformal próxima que fica num pântano.

© Basel Action Network

Reportagem de Hegel Goutier

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40 No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

Reportagem Timor-Leste ReportagemTimor-Leste

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Aemergência de Timor-Leste como nação independente sim-boliza o feito épico de um povo na conquista da sua sobe-rania. A independência oficial deste pequeno país doSudeste asiático, em 20 de Maio de 2002, encerrou um dos

martirológios mais violentos a que um povo foi sujeito na história con-temporânea. Em vinte e cinco anos de ocupação indonésia, houve maisde 200 000 mortos numa população de um pouco mais de 700 000 habi-tantes. Uma libertação realizada quase sem ajuda externa, o mais dasvezes perante a indiferença da comunidade internacional. A barbárie

desta ocupação fez esquecer e relativizar a incúria da colonização por-tuguesa que a tinha precedido e que tinha deixado, após cinco séculosde presença portuguesa no território, um país num estado de pobrezaindescritível, sem infra-estruturas, praticamente sem recursos humanoscapazes de assegurar o desenvolvimento de uma nova nação.Vestígios arqueológicos remontam a mais de três mil anos e mostramque a ilha já era habitada por povos melanésios, os Atoli. Por volta de2500, começam a chegar quantidades sucessivas de novos habitantes dediversas tribos melanésias, nomeadamente os Belu (ou Tetum).

Quando começaram as aventuras coloniais, oIslão estava a implantar-se na região. Foi entãoque chegaram à parte oriental da ilhamissionários portugueses que converteram osTetum (Bélu) à religião católica. No séculoXVI, o país entrou em guerra com o reinomuçulmano de Sombay na parte ocidental,protegida pelos Holandeses.Estes últimos ganharam-na e estabeleceram oseu domínio nos territórios mais importantes, aIndonésia e a parte ocidental de Timor e osPortugueses só puderam manter o Leste deTimor e o enclave de Oecussi no norte da parteocidental. Em 1914, o Tribunal Internacionalde Justiça de Haia legalizou estas fronteiras.No início do século XX, Portugal já quasetinha abandonado Timor. O interesse destametrópole pela ilha só renasceu à entrada daSegunda Guerra Mundial, no contextoescaldante do confronto de ideologias. Comoque paradoxalmente o governo portuguêsoptou pelos Aliados, Timor-Leste acabariarapidamente por ficar à mercê dos exércitosjaponeses. O pequeno país resistiuheroicamente para defender a causa aliada àcusta de uma perda de mais de 50 000 vidashumanas e da sua devastação total.Finda a guerra, não houve nenhumreconhecimento do seu heroísmo. Pensou-senos negócios, como de costume. A ditaduramilitar salazarista reinstalou-se no Leste.A população de Timor-Leste revoltou-secontra o regime fascista em 1961, mas a férulada ditadura não relaxou a pressão.Após a Revolução dos Cravos, que derrubouo regime fascista em 25 de Abril de 1974,Portugal reconheceu o direito das colónias àindependência. Surgiram então partidospolíticos em Timor-Leste. Verificaram-se trêstendências: uma de direita, preconizando aassimilação à Indonésia (Associação PopularDemocrática Timorense - APODETI), outraconservadora, visando uma autonomia noquadro de uma República Portuguesa (UniãoDemocrática Timorense - UDT) e a terceira,revolucionária, independentista de esquerda(Frente Revolucionária do Timor-LesteIndependente - FRETILIN), sempre presentena cena política. Em Outubro de 1978, oParlamento português decidiu organizar emTimor Oriental a eleição de uma assembleiapopular que deveria conduzir à soberania dopaís.Em reacção à escolha de Portugal, a UDT e aAPODETI desencadearam, desde Novembrode 1975, as hostilidades contra a FRETILIN.O país mergulhou numa guerra civilfinalmente ganha pela FRETILIN, queproclamou a independência do país em 28 deNovembro. Vitória de curta duração: dez dias

depois, em 7 de Dezembro de 1975, as forçasindonésias espalharam-se pelo território eiriam mergulhar o país num quarto de séculode massacres bárbaros. Nos cinco primeirosdias de invasão morreram 5 000 timorenses.Como a resistência se revelou, para mal dosplanos dos invasores, mais forte do queimaginariam, estes desenvolveram umautêntico arsenal de barbárie, com campos deconcentração, utilização de civis comoescudos humanos, torturas, deportações,execuções sumárias e incêndios da coberturavegetal. 200 000 mortos ligados directamenteà ocupação indonésia numa população que, naaltura, era de 700 000 habitantes. Timor-Lestefoi oficialmente anexado como uma das suasprovíncias.A guerrilha, que durou 24 anos e meio, tinhauma organização perfeita. Não obstante aausência quase total de apoio internacional,que receava a sua tendência marxista do início,o Mundo deixou a Indonésia agirimpunemente. Apesar de uma resistência detitãs, a Fretilin foi perdendo as suas bases

pouco a pouco. Era o período a que o ocupantechamava “cerco e aniquilamento”, favorecidodesde 1978 por aviões de ataque ao solofornecidos pelos Estados Unidos. Em 1981, osIndonésios iniciaram a construção macabra da“barreira de pernas”, forçando 80 000 homenstimorenses, muitos deles jovens, a formaremuma cadeia humana para encurralar osguerrilheiros da Fretilin no centro do país. Aoperação foi um fracasso.Encostada à parede no final da década de 80, aFretilin não capitulou. Em 12 de Novembro de1991, aconteceu o massacre de Santa Cruz, ohorror a mais! 19 mortos segundo osindonésios, mais de 250 na realidade. Massobretudo, o símbolo visível do horror. Agoraque a guerrilha estava quase moribunda, opovo “substituiu-a” indo constantemente paraa rua manifestar-se. Xanana Gusmão, cheferebelde e poeta (actual Primeiro-Ministro deTimor-Leste) é preso em 1992. Tarde demais.Demasiado conhecido para ser liquidado.Prisioneiro, tornou-se um ícone, tanto dentrocomo fora do país.

NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO ATORMENTADA:NUM FEITO ÉPICO

Hegel Goutier

Declaração da independência.© Hegel Goutier

Time dedicado a Timor-Leste, 19 de Junho de 2000.

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Reportagem Timor-Leste ReportagemTimor-Leste

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A comunidade internacional já não podiadesresponsabilizar-se por mais tempo. Doisnovos símbolos, o Arcebispo de Díli, CarlosXimenes Belo, e o representante da Fretilin naONU, José Ramos Horta, receberam o PrémioNobel da Paz em 1996.A situação parecia gelada até ao derrube deSuharto, em 1998. Apesar da firmezademonstrada após a sua ascensão ao poder, oseu sucessor, Habibie, decidiu alguns mesesdepois organizar, sob controlo da ONU, umreferendo sobre a autonomia ou aindependência de Timor-Leste. Milíciasfavoráveis à integração, toleradas pelo exército,reagiram instaurando uma onda de violência.Apesar de todas estas intimidações, o referendode 30 de Agosto de 1999 traduziu-se numavitória esmagadora do “Sim” à independência:78,5%.Uma vez mais, as milícias pró-indonésias, edesta vez com o apoio activo do exército,puseram o país a ferro e fogo. 200 000 cidadãosde Díli e de outras cidades tiveram de procurarrefúgio nas montanhas. Entre as cidadesmártires desta raiva infernal, uma viria a tornar-se simbólica, Suai, a sudoeste de Timor-Leste,onde o exército, depois de ter cercado osrefugiados numa igreja, abateu a sangue friotrês padres que saíram para negociar e

perpetrou um massacre no lugar santo fazendo200 vítimas, segundo algumas fontes. Estacarnificina foi praticada na presença de umatestemunha de peso: a imprensa internacional.A Indonésia teve de aceitar o envio de forças daONU para o local. Ao cabo de algumassemanas, os últimos 15 000 soldadosindonésios, corados de vergonha, evacuaram opaís que tinham deixado exangue, sem água,sem electricidade nem telefone, todo destruídopelo fogo que atearam a inúmeras infra-estruturas, algumas delas escolas. Em três anos,as tropas da ONU e a Administração Transitóriadas Nações Unidas em Timor-Leste (Untaet),chefiada pelo brasileiro Sérgio Vieira de Melo,criaram as condições que permitiram ao paísentrar na era da sua independência. As eleiçõeslivres e democráticas de 30 de Agosto de 2001,nas quais participou 93% da população, deramuma vitória nítida à Fretilin, o partido queconduziu a resistência durante um quarto deséculo. A independência oficial de Timor-Lestefoi proclamada em 20 de Maio de 2002, tendocomo primeiro presidente o combatente e poetaXanana Gusmão e como Primeiro-Ministro olíder emblemático da Fretilin, regressado doexílio em Moçambique, Mari Alkatiri. Uma veznão são vezes. David acabava de vencer abatalha que travara contra Golias. H.G. �

* Sérgio Vieira de Mello foi um diplomata

brasileiro das Nações Unidas bastante experiente

que morreu, juntamente com 21 funcionários da

ONU, no atentado à bomba do Hotel Canal, no

Iraque, enquanto representante especial do

secretário-geral das Nações Unidas naquele país.

Foi o Administrador Transitório das NU em Timor-

Leste de Dezembro 1999 – Maio 2002.

Mergulhado numa crise grave emAbril de 2006, Timor-Leste sóvoltou a encontrar uma pazrelativa com a chegada dos

capacetes azuis e de outras forças estrangeiras.Esta crise fez dezenas de mortos e perto deduzentos mil “deslocados”, que enchem cam-pos improvisados. Apesar disso, foi possívelrealizar eleições transparentes e pacíficas emAbril último, mas seguiram-se alguns sobres-saltos inquietantes. A maior parte dos interve-nientes políticos timorenses e internacionaisparece acreditar que a crise passou. Mas todosconsideram que seria prematura a evacuaçãodas forças estrangeiras.O romantismo do nascimento da naçãotimorense e a estatura internacional dos seusprincipais dirigentes tinha esbatido os riscos

efectivos de convulsões num país que saiudum traumatismo histórico sem comparação.Após a independência, o preço a pagar pelaunidade do país foi o esquecimento, ou mesmoperdão, daquilo que noutros sítios teria sidoconsiderado colaboracionismo oucumplicidade de crime contra a Humanidade.Todas as famílias tinham feridas abertas.Apesar do carisma dos homens lendários queconduziram à criação de Timor-Leste e quepresidiram aos seus primeiros dias, nãoconseguiram prevenir as primeiras decepçõesnem impedir que degenerassem em tumultosapenas alguns meses depois da proclamaçãoda independência. E tudo isto diante das forçasdas Nações Unidas, cujo mandato, derenovação em renovação, devia chegar ao fimem Maio de 2005. Pouco antes deste prazo

terminar, o país mergulhou noutra crise aindamais grave.Em Março de 2006, o Primeiro-Ministro MariAlkatiri demitiu cerca de 600 militares, umterço do exército, por sublevação. O queaconteceu foi que estes militares entraram emgreve para protestar contra alegadasdiscriminações no exército contra os militaresoriundos da parte oriental de Timor-Leste. Adecisão do Chefe de Governo foi seguida deuma explosão de violência em Abril, Maio eJunho de 2006, que provocou pelo menos 46mortos. Dezenas de milhares de pessoas,receando pelas suas vidas, migraram e foramocupar tendas em acampamentosimprovisados. Desde o início da crise o seunúmero atingiu 70 000 na capital e perto dissonos arredores de Díli.

SAÍDA DAS CRISES COM

optimismoSituação político-económica

Museu da Revolução.© Hegel Goutier

Colecção Xanana Gusmão: Prémio Sakharov.© Hegel Goutier

Campo de refugiados perto do aeroporto de Díli.

© Hegel Goutier

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Reportagem Timor-Leste ReportagemTimor-Leste

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A ONU teve de decidir com urgência reforçara sua presença, mas enviou apenas políciasvindos essencialmente de Portugal.Paralelamente, a Austrália, bem como a NovaZelândia e a Malásia, enviaram um fortecontingente de militares que não quiseramcolocar-se sob o controlo da ONU.Como consequência política da crise, oPrimeiro-Ministro, mesmo apoiado pelo seupoderoso partido, a Fretilin, foi obrigado ademitir-se em 25 de Junho de 2006. Em 10 deJulho, o Presidente Xanana Gusmão nomeouJosé Ramos-Horta, antigo Ministro dosNegócios Estrangeiros do governodemissionário, para chefiar a nova equipagovernamental. A tensão diminuiurapidamente e de forma considerável. E menosde um ano mais tarde realizaram-se em Timor

eleições transparentes, primeiro presidenciais(9 de Abril de 2007) e depois legislativas (30de Junho de 2007).

> Eleições transparentes, mas perturbações depois da formação do governo

Infelizmente, a designação do Primeiro-Ministro foi não só objecto de controvérsia,mas serviu também de pretexto parapartidários da Fretilin, agora na oposição,manifestarem o seu descontentamento ealguns bandos semearem de novo a violência,originando uma nova vaga de deslocados.A Fretilin, o partido mais votado nas eleições(29 % dos votos), quando se vaticinara a suaderrota total, considera inconstitucional adesignação do novo Primeiro-Ministro. Estepreside a uma coligação formada depois daproclamação dos resultados, quando aConstituição determina que uma coligaçãotem de ser anunciada antes das eleições. OPresidente Ramos-Horta considerou queatendendo à situação de crise, o país não sepodia permitir o luxo de perder seis meses.Pragmático mas inconstitucional?

> Quais as razões profundas destas crises?

Parece evidente que o país vive (ou viveu)uma crise de crescimento previsível. A incúriaadministrativa dos últimos anos dacolonização portuguesa e o desastre daocupação indonésia não permitiram a Timordispor de recursos humanos e de infra-estruturas para um desenvolvimento rápido.Subsistem ainda pesadas tensões na

população, não tanto numa base étnica, mas derepartição geográfica. As regiões orientais deTimor-Leste forneceram o maior número deresistentes durante a guerra da independência,enquanto as regiões a ocidente, próximas doTimor indonésio, se mobilizaram menos. Alémdisso, o país quis construir-se a partir da ficçãoda reconciliação entre os resistentes e oscolaboracionistas, sem verdadeiro debatepúblico. Não foi feita justiça às vítimas dasatrocidades.O estado da Justiça é inquietante por falta deespecialistas. polícia falta absolutamenteexperiência. Os bandos de jovens quesemeiam a violência não são enquadrados nemcontrolados. Apesar de a democracia formalser respeitada no país, subsiste um déficedemocrático por falta de meios decomunicação social e de comunicação. Efrequentemente foram os rumores queestiveram na base de motins e de outrosincidentes graves.

> E no entanto há optimismo

Se considerarmos normais as crises decrescimento da jovem nação, os motivos deoptimismo tornam-se relativamente maisevidentes. Menos de um ano depois da crise de2006, Timor conseguiu realizar eleições livrese transparentes.A política económica de Timor é relativamentesã. O país é pobre, mas não tem quaisquerdívidas. Além disso, o acordo com osaustralianos sobre as receitas do petróleo aexplorar nas águas territoriais entre os doispaíses é bastante favorável a Timor.A maior parte dos analistas das instituiçõesinternacionais, bem como os peritos militarespresentes no país, parecem optimistas econsideram que a crise terminou e que agora épreciso acompanhar Timor na execução da suaestratégia de desenvolvimento sustentável.Outro ponto forte do país é o interessegeopolítico que suscita. A sua candidatura àASEAN está praticamente aceite. Osfinanciadores internacionais mostram-sedisponíveis para o país. Testemunho disso é adecisão da Comissão Europeia de aí instalarproximamente uma delegação de alto nível.H.G. �

* ASEAN Fundada em 1967, a Associação das

Nações da Ásia do Sudeste (ASEAN) tem como

objectivos o crescimento económico, o progresso

social, o desenvolvimento cultural e a paz e esta-

bilidade regionais entre os seus 10 membros actu-

ais: Brunei Darusaalam, Cambodja, Indonésia,

Laos, Malásia, Mianmar, Filipinas, Singapura,

Tailândia e Vietname.

José Ramos-Horta é o aglutinador deideias, o conciliador. Já na época da lutapela independência limava as arestasentre as tendências da guerrilha, entre por

exemplo o guerrilheiro Xanana Gusmão e oorganizador do exterior, Mari Alkatiri. Agora,em situações diferentes, continua a fazer deponte entre estes irmãos inimigos da políticatimorense. Interveio em todas as fricções entrea Igreja e o Governo precedente. Nas últimasgrandes crises aproximou igualmente os mili-tares “em greve” do Governo. Antigo Ministrodos Negócios Estrangeiros da guerrilha e doprimeiro Governo timorense em 2001-2005,demitiu-se para mostrar o seu desacordo como Primeiro-Ministro Alkatiri sobre a gestão dacrise, colocando assim na balança a estima queo país tem por ele. Apesar disso, Alkatiri, queteve de se demitir e que foi por ele substituídoprovisoriamente enquanto se aguardavam aseleições, parece não lhe querer mal. Um con-ciliador destes é demasiado útil num paísainda nostálgico da sua cultura antiga de acor-dos amigáveis e de alianças para resolver asdivergências.

Quais são as prioridades da Presidência e asprioridades de Timor neste momento?

O mais importante são as prioridades do país,que são consensuais do ponto de vista daPresidência, do Governo e do Parlamentonacional. A luta contra a pobreza é uma

prioridade e a estabilização política e aconsolidação da paz são prioridades paratodos. Mas para conseguir reduzir a pobreza épreciso que a partir do próximo ano o Governoinvista muito seriamente nas infra-estruturas, afim de criar empregos e oferecer meios detransporte à população nas zonas rurais. Aagricultura emprega 70 % da mão-de-obra.

Evidentemente, para aplicar esse programa épreciso que a crise tenha terminado.Considera que neste momento já passou?

Sim, a situação é absolutamente normal.Conseguimos realizar eleições que foramreconhecidas pela comunidade internacionalcomo livres e justas e num clima de segurança.A ordem pública em Díli está de longenormalizada. De tempos a tempos temospequenos problemas, tal como na Europa, emFrança, na Dinamarca, nos Estados Unidos, jápara não mencionar outros países como o Haitiou as Filipinas, onde as preocupações sãomuito mais sérias. As dificuldades quepersistem aqui são absolutamente normaisnum país com desemprego e pobreza.

Não haverá no entanto ainda um resíduo dacrise, que são todos os campos de deslocadosque se vêem aqui e além?

A missão das Nações Unidas em Timor-Lesterealizou recentemente um inquérito aos

refugiados, às pessoas deslocadas, e concluiuque nenhuma pessoa menciona a questão dasegurança como uma das suas preocupações.Ao contrário do ano passado, em que aresposta foi a segurança. Uma boa parte destessupostos refugiados permanecem nessescampos porque adquiriram o mau hábito dereceber ajuda humanitária gratuita. Muitosdeles são simples oportunistas. Os campos derefugiados são controlados por grupos deoportunistas, de bandos. Há outros que sãomais sinceros, que perderam as suas casas,queimadas ou destruídas, mas a grande parte,a maioria, está ali para receber a ajudahumanitária das agências das Nações Unidas,do Governo de Timor-Leste ou de outros.

Anunciou as grandes linhas do seu programa.Timor pode passar a ter receitas do petróleo.Quando pensa que poderá haver um aumentodo bem-estar da população?

Creio que no próximo ano. Vamos começar adebater o orçamento do ano que vem. Vamosver como é que podemos investir mais erapidamente para melhorar as condições devida das pessoas no interior do país.Infelizmente a capacidade do Governo paraexecutar o orçamento é muito diminuta.

Nós temos consultores estrangeiros, quer porvia de relações bilaterais, quer das NaçõesUnidas.

A PRIORIDADEDE TIMOR:PREPARAR-SE PARA A ADESÃO À ASEANJosé Ramos-HortaPresidente da República Democrática de Timor-LestePrémio Nobel da Paz

Sede da ONU. © Hegel Goutier

Chefe do exército.© Hegel Goutier

Chefe da polícia portuguesa.© Hegel Goutier

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Reportagem Timor-Leste ReportagemTimor-Leste

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O sector da justiça também é prioritário paranós. Contamos com o apoio de juristas vindosde Portugal, do Brasil e de Cabo Verde queactuam no âmbito de um programacoordenado pelo PNUD para formar juristastimorenses.

Podemos talvez passar a um sector mais vasto,a geopolítica. Qual é a de Timor? Apesar dasua situação geográfica, Timor aderiu aogrupo ACP, à cooperação ACP-UE. Como éque esta cooperação se situa em relação aosinteresses pela ASEAN e por outros pólos?

As nossas relações com as ilhas do PacíficoSul são relações fraternas de solidariedade.Mas à parte as relações formais diplomáticas,não existe nada, não há relações comerciaispor causa do seu isolamento geográfico. Nãotemos capacidade de exportar para paísescomo Fiji ou Vanuatu. Nem eles para o nossopaís. Em relação ao Fórum do Pacífico, éevidente que temos relações muito estreitascom a Austrália e a Nova Zelândia, sendo asnossas relações sobretudo com a Austrália, queestá aqui ao lado, e com os países da Ásia doSudeste.A nossa realidade vira-se de preferência para oocidente, a Indonésia, e para o norte, emdirecção de países como a Malásia, a Índia,Singapura e as Filipinas. Fazemos parte daregião geográfica da Ásia do Sudeste. Esperoque daqui a alguns anos, talvez antes de 2012,Timor-Leste se torne o décimo-primeiromembro da ASEAN. Estamos a trabalharnessa óptica. Todos os países membros deste

grupo já aceitaram o princípio da admissão deTimor na sua organização. Mas para chegar aesta adesão é preciso prepararmo-nos bem,melhorar a nossa economia, as nossas infra-estruturas, criar quadros de desenvolvimento.

E as relações com a União Europeia, tendo emconta as vossas ligações especiais comPortugal?

Temos muito boas relações com a UniãoEuropeia enquanto instituição comunitária etambém muito boas relações com paísesindividuais, nomeadamente Portugal, mastambém a Espanha, a França, a Alemanha, aInglaterra, a Irlanda, a Itália, etc. Temos muitoboas relações com o Parlamento Europeu.Durante os anos negros da nossa luta, quandoa questão de Timor-Leste era uma causaperdida em que nem sequer nas NaçõesUnidas era discutida, apesar de inscrita naordem do dia da Assembleia Geral, foi oParlamento Europeu o fórum mais activo afavor do direito do povo timorense àautodeterminação. Hoje, o Presidente DurãoBarroso da Comissão Europeia, éverdadeiramente um amigo de Timor. Nosanos da nossa luta, enquanto Secretário deEstado da Cooperação e depois como Ministrodos Negócios Estrangeiros de Portugal,conduziu uma luta diplomática muitoimportante a nosso favor nas instânciasinternacionais, nomeadamente nas NaçõesUnidas. Agora que é Presidente da ComissãoEuropeia guarda Timor-Leste num canto

muito especial do seu coração. À parte asrelações históricas entre Timor-Leste ePortugal, salientamos que desde a nossaindependência, em 2002, no quadro dasNações Unidas, na Comissão dos DireitosHumanos, hoje no Conselho dos DireitosHumanos em Genebra, Timor-Leste semprevotou com a União Europeia todas asresoluções sobre os Direitos do Homem.Partilhamos com os países da UE valoreshumanos, éticos muito importantes. E sãoestes valores que tornam as nossas relaçõescom a União Europeia muito especiais.

E em relação aos países de África e dasCaraíbas?

Sobretudo com os países de África, temosrelações históricas, nomeadamente com osPALOP (Países Africanos de LínguaPortuguesa), Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.Mas também temos laços sólidos com a Áfricado Sul. Por causa das relações históricas coma ANC, com Nelson Mandela. A África do Sul,por exemplo, é actualmente no quadro doConselho de Segurança das Nações Unidas odefensor e coordenador do grupo de apoio aTimor-Leste. Portanto, apesar da distância epor causa da História, temos relações fraternascom muitos outros países africanos, como aTanzânia, cujo Presidente, Julius Nyerere,quando o mundo se esquecia de Timor-Leste,defendeu sempre a nossa opção na ONU.H.G. �

Mari Alkatiri, chefe do histórico partido

da Fretilin, está determinado: o seu

partido não fará qualquer concessão ao

Governo. Considerando que o seu partido,

com 29% dos votos, ganhou as últimas eleiçõ-

es, ficando de longe à frente dos três partidos

seguintes, que se coligaram depois da procla-

mação dos resultados, portanto ilegalmente,

para se apoderarem do poder. A irredutibilida-

de da Fretilin fez a primeira demonstração de

força no debate do orçamento no Parlamento,

que foi obrigado a reunir-se dia e noite quase

uma semana inteira no início de Outubro.

De imediato diz ao Correio:

Não vamos encorajar a violência, mas

utilizaremos todos os meios e instrumentos

legais à nossa disposição para contrariar as

iniciativas de um Governo de facto, ilegal.

Vamos obrigá-lo a demitir-se. Para isso, o

máximo que podemos tolerar é um prazo

de dois anos. Um ano é o tempo que

verdadeiramente lhe damos para provar a

sua incapacidade para resolver os

problemas do país.

O Governo nasceu de eleições livres. E o seu

partido é minoritário em relação à coligação

que está no poder.

Sim, mas a nomeação do Primeiro-Ministro

é inconstitucional. O Governo deve ser

dirigido, segundo a Constituição, pelo

partido que ganhou as eleições. Foi a

Fretilin. A Constituição define claramente

como proceder nestas situações. Uma

coligação tem de ser anunciada antes das

eleições. A lei eleitoral é clara nesta matéria.

Em que casos é que o seu sentido de Estado o

faria votar a favor de uma proposta do

Governo?

Não vamos ajudar este Governo a

sair-se bem. Sim, temos o sentido de

dever para com o Estado, mas não

quero que os outros fiquem com todo

o Estado e deixem o sentido para a

Fretilin. Agora apresentou um

projecto para esvaziar os cofres do

Estado que eu lhes deixei cheios.

Mas o rigor da sua gestão não conduziu ao

paradoxo de um país rico com uma

população pobre?

Isso não é exacto, é propaganda. O

orçamento progrediu substancialmente

com o nosso Governo. Em Agosto de 2005

era de 85 milhões de dólares. Em

Dezembro de 2005, os recursos petrolíferos

permitiram-nos aumentá-lo para 140

milhões e em Agosto de 2007 tinha

atingido 327 milhões.

O dinheiro não é tudo num orçamento. A

experiência tem enorme importância.

Este Governo não tem experiência.

Desbarata dinheiro. Por exemplo, em dois

meses e meio foram gastos 4 milhões de

dólares para o turismo. Para fazer o quê?

É preciso aumentar as capacidades dos

serviços públicos, que são o maior

empregador do país. É preciso também

ajudar o sector privado a tornar-se um

verdadeiro sector privado.

Porquê um verdadeiro sector privado? Não

tem confiança neste?

Não, mas em Timor o sector privado é

constituído praticamente por contratantes

de projectos do PNUD, da Comissão

Europeia ou do Governo. Não é um

verdadeiro sector privado. Esse é preciso

ajudar a construí-lo. Fui eu que assinei com

o Banco Mundial um projecto de

desenvolvimento do sector privado.

Deixei um país sem um cêntimo de dívidas.

Fala-se de pobreza. Eu vivi durante anos em

África e sei o que é a pobreza.

O país tem meios para planear bem o seu

desenvolvimento em vez de se precipitar.

No momento da independência achei que

dispunha de seis meses para vencer a

grande pobreza.

No final de 2002, 17% da população tinha

electricidade e no final de 2004 já eram

47%. Em 2002 havia 20 médicos, em 2004

já eram 400.

No que se refere à boa gestão, a electricidade

era gratuita em Díli, em 2002. Em 2005, a

taxa de cobrança atingiu 80%. Com as

declarações demagógicas do Governo, a taxa

de cobrança desceu para 20%.

Outro exemplo. O Governo decidiu atribuir

subsídios cumulativos às igrejas: subsídios

directos e outros para que os pais não

paguem as despesas de escolaridade.

Quando as igrejas não suprimiram estas

despesas. Teria sido mais correcto pagar

aos professores das escolas cristãs.

Parece que as duas instituições poderosas do

país são a Igreja e a Fretilin?

Como o Governo não pode apoiar a

Fretilin, apoia a Igreja. H.G. �

TODOS OS MEIOS PARA DERRUBAR O GOVERNO,

EXCEPTOO INCITAMENTO À VIOLÊNCIAMari Alkatiri, líder da oposição

O Presidente de Timor-Leste, José Ramos-Horta.© Hegel Goutier

Campo de refugiados a caminho de Baucau.Omnipresença da Fretilin.

© Hegel Goutier

Mari Alkatiri.© Hegel Goutier

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Rapidamente após a chegada dos portugueses a Timor no iníciodo século XVI, a Igreja Católica passou a ter um papel de refe-rência numa sociedade com demasiadas disparidades em ter-mos de constituição tribal, linguística ou cultural. E em cada

momento-chave da história do país revelou-se o elemento unificador,traço de união ou artífice do poder. A sua adesão à causa da guerrilhapara a independência foi determinante. Tal como a sua oposição aoGoverno precedente de Timor, quando este quis determinar a instruçãoreligiosa nas escolas, marcando o princípio do fim do mandato da FRE-TILIN. E no entanto, até os dirigentes deste partido, apesar de algumascensuras contra as liberalidades do actual Governo em relação à IgrejaCatólica, lhe continuam a ser reverentes, considerando-a como umtraço de união incontornável entre os diferentes protagonistas da cenapolítica e um guia para a nação. Monsenhor Basílio Nascimento, umadas principais figuras da Igreja Católica, dá-nos a sua percepção dopovo timorense e explica porque é que a sua lendária calma contrastacom alguns dos seus surtos de violência.

> Incompreensão entre resistentes do interior e do exterior

“As expectativas do povo de Timor eram muito elevadas. Durante aluta, o sonho da independência deixou entender que todas asnecessidades iam ser satisfeitas e todos os sonhos realizados.Mas a tónica foi colocada na luta, nunca na formação de quadros.Talvez os timorenses do interior tenham, neste domínio, colocado a suaconfiança nas pessoas que estavam na diáspora, quando estas, ocupadascom a luta diplomática, não se aperceberam suficientemente da questãodos recursos humanos para o futuro.E a independência chegou tão depressa.É que havia uma diferença muito grande de perspectiva entre os queestavam no exterior e os outros. A classe política era constituída

sobretudo pelos primeiros. Não tinham, parece-me, conhecimento dasmudanças que tinham ocorrido no país durante a sua ausência.Construíram uma estratégia com base no Timor de 1975.

> A alma

“Existe uma imagem da natureza que representa o nosso carácter: osrios. Durante todo o ano estão quase secos. Mas logo que chove, a águada montanha corre para eles com tal violência que ai de quem tentaratravessá-los. Nós somos delicados e calmos, mas de tempos a tempospassa-se qualquer coisa nas nossas cabeças que altera todo o nossocomportamento social. Se lerem os historiadores portugueses, que são os que nos conhecemmelhor, eles trabalharam sobre pequenos reinos onde havia umconjunto complexo de grupos, de clãs que não toleravam qualquerintromissão de uns nos assuntos dos outros.

Chegavam a viver juntos mediante alianças. Logo que havia umproblema, revoltavam-se uns contra os outros. A discórdia podia terorigem na água ou no gado ou ter razões sexuais ou outras. Mas existiaum mecanismo de resolução dos conflitos: o conselho dos sábios decada grupo. Havia símbolos a que estes povos atribuíam um significadoprofundo. São sobretudo povos de cultura simbólica.

Este simbolismo foi quebrado pela Indonésia. A importância dos sábios,dos velhos, dos anciãos foi substituída por um sistema novo de estatuto,sem explicações. Perdemos as nossas referências sem termosencontrado outras. O fundo desta autoridade local, feudal está sempresubjacente. Nos europeus, os problemas têm de ser resolvidos pelostribunais. Mas isso era novo para os timorenses. Quando há qualquerviolência, as vítimas vão à polícia. Às vezes, esta diz que não podefazer detenções, porque não houve flagrante delito. Enquanto na cultura

Para compreender os

timorensesÀ escuta de Monsenhor Basílio Nascimento

Estátua de Cristo na baía perto de Díli.© Hegel Goutier

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Reportagem Timor-Leste ReportagemTimor-Leste

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local isto se resolvia facilmente. Ouviam-se as duas partes e se eradetectada a culpa, o culpado reconhecia a falta e bastava sacrificarum galo ou um porco. As duas etnias comiam juntas e o problemaficava resolvido. A vítima sentia-se reconhecida. No tempo dos portugueses havia, no espírito da população,demasiadas injustiças não resolvidas. Demasiados danos semreparação. E as pessoas aproveitavam o menor distúrbio para sevingarem. E a violência atraía a violência. E permanecia ainsatisfação em cada vítima, porque não lhe fora feita justiça. Quando eu aconselhava esta gente simples, que reclamava vingançacontra algum poderoso que ordenara a morte de um marido ou aprisão de um filho durante a ocupação, a apresentar queixa, aresposta era sempre: mas quem é que me vai acreditar, padre?As pessoas estão frustradas nas suas aspirações, nos seus direitos eno seu ser. Na cultura do meu povo, enquanto o culpado não tiver reconhecidoo seu crime, a dor mantém-se. Mas no dia em que ele se aproximarda vítima e dos outros e reconhecer a sua culpa, esta confissão ésuficiente. A vítima chora juntamente com o criminoso. Comovítima, a minha dor fica apaziguada. “ H.G. �

Timor-Leste não possui apenas a riqueza da história épica doseu povo, de um conjunto de homens que entraram na lendaainda em vida, de uma verdadeira democracia política, dolugar das mulheres nas estruturas do poder – por exemplo,

mais de um quarto dos deputados são mulheres. Também tem paisagensluxuriantes de enorme beleza e curiosidades culturais a descobrir antesda chegada do turismo de massas. De momento, Timor é desconhecido. Desde logo, o nome: Timor-Leste,Timor Oriental, Timor-Este, Timor Lorosae, Timor Loro’sae.Oficialmente, é a República Democrática de Timor-Leste, mas na práticasão sobretudo as designações em português e em tétum simplificadas asmais utilizadas: Timor-Leste e Timor Lorosae ou Timor Loro’sae, asduas grafias em tétum. Significado: Timor do lado onde nasce o Sol. Se é verdade que o país conheceu algumas convulsões desde aindependência em 2002, os avisos alarmantes que se vêem nalgunssítios Internet de governos ocidentais são mais que exagerados. Ostumultos que ocorreram desde 2002 provocaram deslocados, levaram aONU a manter as suas tropas no país para garantir melhor os primeirospassos da jovem nação e, sobretudo, fizeram no total cerca de 50 mortosem cinco anos. É verdade que é muito. Mas os estrangeiros nunca foramespecialmente visados. E é preciso relativizar: qual é o número demortes violentas por semana nalgumas grandes cidades do mundo, queatraem milhões de turistas?Desde logo, a capital, Díli, surpreende. Nada de extraordinário, mas seprestar atenção, observará que a cidade está bastante limpa. Não sevêem pobres esfarrapados nem grande miséria, mesmo nos campos dedeslocados. A beira-mar de Díli. Passar aí o fim do dia, num dos muitos restaurantesexistentes, admirando os tons rosados dos últimos raios de sol na baíaparadisíaca, enquanto espera que o cozinheiro prepare o peixe e omarisco que escolheu, são curtos momentos preciosos para apreciar. À porta de Díli, para norte, as paisagens de mangais esbatidas nas águaspreguiçosas do mar, sobre a areia branca ou os seixos, inspiram oromantismo. Admirá-las lá de cima, depois de subir os degraus quelevam à estátua do Cristo Rei, é simplesmente grandioso. Do norte deDíli, o mais fácil para descobrir as belezas geográficas de Timor épercorrer os cerca de 140 quilómetros que levam à segunda cidade dopaís, Baucau. A estrada é alcatroada, mas pouco transitável nalgunstroços. Timor é como um papel amarrotado. Exceptuando as planíciesdo sul, que não ultrapassam trinta quilómetros de largura, só hámontanhas, entre as quais se insinuam alguns vales, com fragmentos daorla costeira entre a base das falésias e o oceano. Alguns monteselevam-se a perto de três mil metros.

Se não tiver vertigens, vai contemplar cenários de uma ópera naturalgigante, alucinações de cores do céu ao amanhecer ou ao pôr-do-sol,fundos de montanhas que escondem outras montanhas enevoadas, queescondem ainda outras que se desfazem ao longe, contrastando com asolidão das ilhas adjacentes.Deve parar em Laleia para admirar a igreja e os seus arrozais, que seestendem como um parque natural. E Manatuto constitui uma lufada dear fresco, também com arrozais que brincam com os raios de sol. Umaimagem graciosa. Baucau é o toque português. Cidade burguesa edistinta. A sua pousada é digna da que existe no Alentejo. É apenas aantecipação de um gosto. Os montes de Gunung Tatamailu (2 965 metrosno centro do país), as planícies do sul ou os vales elevados são surpresasinesquecíveis.A cultura e os usos e costumes de Timor são outras tantas curiosidades.Para uma população de apenas um milhão de habitantes, conta-se umaquinzena de grupos linguísticos que se subdividem em centenas defalares muito diferentes uns dos outras. Mesmo que uma língua, o tétum,seja compreendida por mais de metade da população. O indonésio talvezseja a língua mais difundida, mas já não é uma língua oficial e provocademasiado más memórias de quando, para a impor, passou a ser crime autilização do português, sob qualquer forma.A música de Timor começa a atrair. É um cocktail de quatro séculos emeio de colonização e de mestiçagem. Antes de mais o Tebe-dai, umamúsica que se toca sobretudo na igreja e nas cerimónias oficiais ou nascasas tradicionais sagradas (uma lulik) ou nas colheitas do arroz e quelembra certas músicas religiosas portuguesas. Mas a música maisapreciada é o koremetan. Domingos de Sousa, Director-Geral noMinistério da Educação, especialista no domínio da cultura, fala-nosdisto: “Antigamente as pessoas utilizavam poucos instrumentos demúsica para tocar e era com o jogo dos seus corpos a dançar queproduziam sons e com os pés a bater no solo, por exemplo, que davam oritmo”. “Alguns grupos de koremetan, como os Smith Bothers, ganharamfama que ultrapassa actualmente as fronteiras.

A música em moda para os mais jovens é o rock de Timor-Leste, que seinspira no rock dos cinco continentes, das influências reggae ao rockmoderno. Uma boa dezena de artistas e de grupos como o New Cinco doOriente ou Jahera são já vedetas no seu país.Outra paixão de muitos jovens timorenses são as artes marciais. Umapaixão com dois gumes, se me é permitida esta elipse, porque algunsbandos que praticam esta disciplina são manipulados desde o períodoindonésio ou dedicam-se eles próprios a actividades criminosas. Noentanto, estas práticas suscitam grande interesse pelas expressõescorporais. E constituem uma bagagem para criações artísticas.O tais (pano em tétum). Os lenços do pescoço ou as faixas de taistimorenses também são célebres e tão representativas do país como okeffieh dos palestinianos. No tempo da guerra de libertação, os resistentesusavam muitas vezes os lenços de tais como um símbolo. Tal comoacontece com as tapeçarias europeias da época clássica, cada região deTimor tem o seu estilo e os peritos identificam-nos facilmente. Existe ummuseu virtual dedicado ao tais, registado na Austrália:http://www.etimortais.org/. Os coleccionadores ocidentais começam aprocurá-los com avidez. Felizmente que no interior de Timor os seuspreços ainda são abordáveis. Os combates de galos constituem igualmente uma paixão em Timor.Com os seus estádios, apostas e uma etiqueta própria. “Na épocaportuguesa, refere Domingos de Sousa, eram organizados em mercadoscobertos, pagava-se um direito de entrada e havia autorizações oficiais.Agora já não há esses controlos. É uma paixão.” As casas Fataluco, de que restam relativamente poucas no país,representam uma arquitectura típica e original. Com as esculturas emmadeira ou em chifre, as cerâmicas e os cestos tecidos, inserem-se numrepertório de objectos de cultura dignos de curiosidade. Todos estesobjectos ou estas práticas são “sobreviventes” da noite que se abateudurante muito tempo sobre este pequeno país. É a sobrevivência dacultura que testemunha a capacidade de resistência de um povo. H.G. �

BELEZAS ECURIOSIDADESAINDA INTACTAS.A descobrir antes doTURISMO DE MASSAS

Basílio Nascimento, Bispo de Baucau.© Hegel Goutier

© Hegel Goutier

Da esquerda para a direita, paisagens deManatuto, Laleia e Díli. © Hegel Goutier

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Reportagem Timor-Leste ReportagemTimor-Leste

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Opercurso da Eslovénia rumo à independência após o desmem-bramento da ex-Jugoslávia foi menos perturbado do que o dosseus vizinhos balcânicos (ver caixa). A sua história actual pare-ce recheada de primeiros lugares: primeiro país da ex-

Jugoslávia a tornar-se membro da UE em Maio de 2004, primeiro do grupodos 10 novos países aderentes à UE a entrar na zona euro no início deJaneiro de 2007 e primeiro do mesmo grupo a assumir a presidência daUnião Europeia.Promover a integração dos seus vizinhos da ex-Jugoslávia é um dos pontosimportantes da agenda para os seis meses de presidência. A Croácia tornou-se oficialmente candidata em 2004 e a candidatura da República daMacedónia também está a ser examinada em Bruxelas. Todas as outrasantigas repúblicas são potenciais candidatas: Bósnia-Herzegovina,Montenegro e Sérvia. A Eslovénia também deseja ajudar estes estados atornarem-se membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte(NATO), à qual aderiu em 29 de Março de 2004.As relações da Eslovénia com a Croácia estão em melhores termos desdeque os dois países confiaram ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) emHaia a resolução de uma disputa de fronteira ao longo da sua faixa costeiramediterrânica de 50 km.Há uma novidade logo à saída do avião, o aeroporto renovado Joče Pučnikfora de Liubliana, que é apenas um dos principais projectos destinados apromover o crescimento económico.Partilhando fronteiras com a Áustria a norte, a Hungria a nordeste, a Itália a

LLIIUUBBLLIIAANNAAUMA PORTA PARA A ESLOVÉNIAE AS SUAS INÚMERAS RIQUEZAS

Independente há apenas 15 anos, a Eslovénia regozija-secom a perspectiva de presidir à União Europeia deJaneiro a Junho de 2008. As bandeiras da UE e daEslovénia estão hasteadas em todos os edifícios públicos.O período da presidência da UE traz para a ribalta aspolíticas do país para atrair mais investimentoestrangeiro e promover a integração na UE dos seusvizinhos balcânicos. A presidência servirá também devitrina do património natural do país: florestas,montanhas, lagos e a costa mediterrânica.

Timor-Leste aderiu ao grupo África, Caraíbas

e Pacífico (ACP) e à cooperação ACP-União

Europeia em Maio de 2003, mas já beneficiava,

desde a sua independência de facto em 1999,

da ajuda da UE destinada aos países da Ásia-

América Latina (ALA). Desde a ratificação por

este país do Acordo de Cotonu, que rege as

relações UE-ACP, é elegível para o Fundo

Europeu de Desenvolvimento (FED). No total,

são mais de 200 milhões de euros que a UE

atribuiu a Timor-Leste entre 1999 e 2006. A

ajuda total da Europa (a União mais os seus

Estados-Membros) neste período representa

metade da ajuda a Timor-Leste e eleva-se a 600

milhões de euros.

As contribuições da União Europeia para o

“Trust Funds”, constituído por diferentes

doadores através das agências das Nações

Unidas, elevaram-se a 85,5 milhões de euros. As

ajudas humanitárias para as situações de

emergência, a assistência e a reabilitação

ascenderam a 56,5 milhões de euros, 44

milhões dos quais para as intervenções do

Serviço de Ajuda Humanitária da UE (ECHO), 6

milhões para a segurança alimentar e os

restantes 6,5 milhões através de ONG presentes

no terreno. Por sua vez, o desenvolvimento rural

recebeu 34,5 milhões de euros, o sector da

saúde 24,5 milhões de euros e o reforço das

capacidades dos ministérios, bem como os

sectores da educação, justiça, turismo, apoio à

liderança das mulheres e apoio à organização

das eleições 2,5 milhões de euros. De 1999 até

à independência oficial de Timor-Leste em

2002, a ajuda da União Europeia procurou criar

uma dinâmica entre a assistência após a

urgência, a reabilitação e o desenvolvimento.

Aós a adesão de Timor-Leste ao processo de

Cotonu, este país e a União Europeia criaram um

Programa Indicativo Nacional de transição entre

os fundos destinados aos países da ALA e os

disponibilizados aos países ACP (Fundo Europeu

de Desenvolvimento - FED). O primeiro

“Programa Indicativo Nacional” de Timor-Leste

financiado pelo FED só diz respeito ao último

ano de utilização destes fundos, 2007-2008. Foi

estabelecido por um “documento de estratégia”

apresentado em Junho de 2006. Ser-lhe-ão

consagrados 18 milhões de euros.

> Dois sectores prioritários

A ajuda da UE neste domínio concentra-se em

dois sectores. O primeiro sector visa reforçar as

capacidades institucionais com três projectos: o

primeiro diz respeito à abertura de um gabinete

do Gestor do Orçamental Nacional, o membro

do governo local encarregado de gerir as ajudas;

o segundo é gerido de concerto com o

Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD) e destina-se a apoiar a

organização de eleições presidenciais e

legislativas, bem como as futuras eleições

autárquicas em 2008; o terceiro consiste num

apoio ao programa do Banco Mundial para

ajudar o país a executar o seu orçamento.

O segundo sector de concentração diz respeito

ao desenvolvimento rural. Ao abrigo da ALA,

havia dois programas consecutivos dedicados a

este sector. Haverá um terceiro com

financiamento do FED, que consistirá sobretudo

em obras de infra-estrutura (estradas, pontes,

canais) e no encaminhamento dos produtos

agrícolas para os mercados.

A programação no âmbito do 10° Fundo

Europeu de Desenvolvimento (2008-2013) está

em curso. Está prevista uma subvenção inicial de

63 milhões de euros para Timor-Leste, destinada

aos sectores do desenvolvimento rural e ao

reforço das capacidades institucionais e da

saúde.

Relativamente ao desenvolvimento rural,

prestar-se-á especial atenção à qualidade dos

produtos agrícolas e aos serviços à agricultura,

incluindo a formação. As capacidades

institucionais a apoiar são novamente a justiça, o

ponto mais fraco da Administração timorense, e

o Parlamentarismo. A ajuda europeia ao sector

da saúde será utilizada em colaboração com

outros doadores, como a Austrália.

Eventualmente, poder-se-ia pensar num apoio

orçamental posterior.

O interesse das instituições europeias por Timor-

Leste manifestou-se nos últimos anos da

ocupação indonésia, a começar pelos apoios

declarados do Parlamento Europeu que atribuiu,

recorde-se, o seu “Prémio Sakharov” dos

Direitos Humanos a Xanana Gusmão, o herói da

independência de Timor-Leste, actual Primeiro-

Ministro. Quanto à Comissão Europeia, o seu

Presidente, José Manuel Durão Barroso, sempre

manifestou um interesse pessoal pelo pequeno

país asiático. Após a explosão das crises de Abril,

Maio e Junho de 2006, enviou ao território, logo

em Julho, um enviado especial na pessoa de

Miguel Amado para fazer uma avaliação política,

económica e social da situação. Depois disso, a

Comissão decidiu abrir uma delegação em Díli.

Até a essa altura, a Comissão era representada

apenas por um serviço técnico cujas actividades,

aliás, já eram consequentes e cujo responsável,

Guglielmo Colombo, desempenhava um papel

activo na execução dos programas de ajuda da

Comissão e na coordenação com os serviços dos

Estados-Membros da UE na capital timorense. À

pergunta sobre as razões de uma delegação da

União num país tão pequeno, quando se

encerram outras noutros lados, Colombo

sublinhou a importância geopolítica deste

pequeno país encravado entre dois gigantes, a

Austrália e a Indonésia, e que atrai o interesse de

muitos outros, como a China, os Estados Unidos

e o Japão. Será que está em gestação uma

geopolítica da União Europeia? H.G. �

REFORÇARa capacidade institucional e o desenvolvimento rural.E REAGIR RAPIDAMENTE

ÀS CRISESTimor-Leste e a União Europeia

Vitrina em Liubliana.© Debra Percival

Reportagem de Debra Percival

No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007 53

D escoberta da Europa

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Reportagem Timor-Leste

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54 No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

Descoberta da Europa Eslovénia Descoberta da EuropaEslovénia

55

sudoeste e a Croácia a sudeste, a Eslovénia é um centro de transporte paratodos os quadrantes da UE, Norte-Sul, Este-Oeste e procura penetrar nosector do frete. Está a planear o projecto de renovação das suas vias-férreas, orçamentado em 8,9 mil milhões de euros, a ser financiado porfundos públicos, capital privado e alguns fundos da UE, que, porenquanto, prometeu uma ajuda de 450 milhões de euros.

> Uma economia em mutação

A caminho da capital encontram-se indícios de uma economia emtransição. No meio de um mosaico de pequenas explorações,principalmente de milho e de couves, vê-se afixado um painel de aviso dedistribuição de forragem para o gado, que se repete e que parecesimbolizar a transição da agricultura para os serviços. Isso é ainda maisóbvio à medida que se vislumbram os subúrbios de Liubliana, com a sualinha do horizonte reluzente e reflexiva.As empresas farmacêuticas e de telecomunicações figuram entre osmelhores agentes da economia, diz-se na Câmara de Comércio eIndústria, nomeadamente: a Lek Pharmaceuticals, de Liubliana; a KrkaPharmaceuticals, de Nopvo Mesto; a Telecommunications TelekomSlovenije, de Liubliana e o grupo retalhista, Mercator, de Liubliana.O comércio é feito essencialmente com outros países da UE. 67,9% dasexportações tiveram como destino, em 2005, o mercado comunitário e17,2% rumou aos seus vizinhos da ex-Jugoslávia. No mesmo ano, deacordo com as estatísticas dos Serviços de Informação do Governo,

80,9% das importações totais da Eslovénia vieram de países da UE eapenas 6,5% dos países da ex-Jugoslávia. A subida dos preços noconsumidor foi uma preocupação constante para o Governo nos meses deVerão. A imprensa eslovena analisou as razões que levaram os alimentosde base, como o leite e os legumes, a subirem 20% em tão pouco tempo.As estatísticas do Governo mostram que a inflação atingiu um pico de3,8% em Julho de 2007, o dobro da média dos 13 membros da zona euro.Alguns culpam factores incontroláveis, como os elevados preços docombustível, e outros apontam o arredondamento dos preços aquando daentrada na zona euro. Há também a pressão das despesas com projectospúblicos que fazem disparar a inflação. O país atribuiu muito poder à UEpara promover a integração económica regional e atrair mais investidoresestrangeiros. As áreas em crescimento da economia são indústrias queincorporam tecnologias, frete e serviços baseados no conhecimento,como serviços de informática, finanças e telecomunicações, seguros ecomércio. O investimento estrangeiro vem principalmente da Áustria,Suíça e Países Baixos, por ordem decrescente, enquanto que a maiorparte do investimento esloveno dirige-se para a Croácia, os PaísesBaixos, a Sérvia e o Montenegro, por esta ordem, segundo os dados daAgência Pública da Eslovénia para o Empreendedorismo e oInvestimento Estrangeiro (JAPTI). A JAPTI é de opinião que o turismoencerra um grande potencial económico (ver artigo separado). A CidadeVelha de Liubliana tem uma arquitectura fascinante. Cada esquinaarredondada espelha uma página da história europeia. As autoridades dacapital também têm uma visão moderna no projecto – Liubliana 2025 –promovido pelo Vice-Presidente da Câmara, Janez Kocelj. Trata-se deum plano director de 20 anos para a capital, incluindo um parque natural,uma nova via-férrea e uma estação de autocarros, um estádio paradesporto e zonas comerciais e residenciais e, nomeadamente, zonasurbanas totalmente novas, como o local Tobaãna, a construir nos terrenosda antiga fábrica de tabaco. www.ukom.gov.siwww.investslovenia.org

> A génese de uma nação

Os Habsburgos tiveram o povo da Eslovénia sob controlo do século XIVaté ao fim da Primeira Guerra Mundial em 1918, embora a identidadecultural e nacional levasse 600 anos a construir-se. A reforma doiluminismo na Europa foi especialmente importante na fundação daliteratura eslovena. O período do iluminismo acelerou odesenvolvimento do ressurgimento nacional esloveno com a primeiragramática específica da língua eslovena elaborada por Jernej Kopitar. A “Primavera das Nações” de 1848 conduziu ao primeiro programapolítico esloveno, a “Eslovénia Unificada”, com a exigência de que todasas terras desabitadas pelos Eslovenos fossem unificadas numa

Vinhos com reputaçãoINTERNACIONAL

O encontro do passadoCOM O PRESENTE O passado rico de Liubliana parece estimular os criadores

contemporâneos. A bienal de artes gráficas da capitaleslovena, exibindo material impresso, arte baseada na informáti-ca e na web, vídeo e fotografia, é o maior evento de arte repro-dutível internacional, organizado de dois em dois anos emLiubliana desde 1955. Procedeu-se à conversão de uma antigacadeia militar da ex-República da Jugoslávia na Celica, uma pou-sada de juventude, em Metelkova, uma zona da cidade conheci-da como o ponto de encontro dos artistas. Cada uma das 20células foi originalmente decorada com a colaboração de 80artistas eslovenos e estrangeiros.Aberta em 2003, é necessário reservar as células com muitaantecedência, visto ser extremamente popular com turistasestrangeiros, atraídos pelo romantismo dos aspectos maisdraconianos da Europa de Leste – objectivos militares. “Pode-sesussurrar de uns para os outros através das paredes”, disse umpensionista da pousada, aguardando com impaciência umanoite de encarceramento. �

www.souhostel.com

Dušan Brejc© União Comercial de Viticultura e Vinhos da Eslovénia

EslovéniaFactos e números

Superfície: 20 273 km2

Habitantes: 2 010 377 (31 de Dezembro de 2006)

Nacionalidades: eslovenos: 1 631 363italianos: 2 258húngaros: 6 243outros: 149 259 desconhecidos: 174 913

Estimativa do crescimento do PIB em2006: (5,2%).

Presidente da República: DaniloTürk, candidato democrataesloveno e vencedor das eleiçõespresidenciais em Novembro de2007.

Primeiro-Ministro: Janez Janša(Partido Democrático Esloveno). O Governo formado em coligaçãocom a Nova Eslovénia – o PartidoPopular Cristão e o PartidoDemocrático dos PensionistasEslovenos como parceiros dacoligação. A duração de umalegislatura é de 4 anos.

Assembleia Nacional: 90 deputados(88 representantes eleitos pelospartidos parlamentares, e um decada uma das comunidades nacio-nais – a italiana e a húngara)(Serviço de Comunicação do Governo)

Conselho Nacional: 40 represen-tantes eleitos do patronato,empregados, agricultores, comer-ciantes por conta própria e outrosgrupos de interesse do sector nãoeconómico. �

Paisagens de Liubliana.© Debra Percival

As prateleiras dos supermercados eslovenos não estão guarnecidas

com vinhos do Novo Mundo mas com o ‘Produto da Eslovénia’

fermentado em solo nacional. Os fregueses eslovenos são fiéis aos vin-

hos das três principais regiões vinícolas do país: Podravje no Nordeste,

Posavje no Sudeste e os vinhos soalheiros do interior, perto da costa

mediterrânica, no Sudoeste.

Há um tilintar de vidro quando os visitantes partem: o som das

garrafas de prova desarrolhadas durante a sua estadia. A viticultura

existe há 2 000 anos na Eslovénia. Há todas as variedades de vinhos:

de seco a doce, de tinto a branco e algum espumante. “Temos

condições naturais fantásticas para a viticultura”, atalha Dušan Brejc,

Director da União Comercial de Viticultura e Vinhos da Eslovénia, no

seu escritório em Liubliana. Brejc diz que os vinhos eslovenos figuram

nas listas de vinhos de restaurantes de Nova Iorque, Londres e Berlim.

Sendo assim, porque são tão raros nos principais mercados da União

Europeia (UE)? Em primeiro lugar, a Eslovénia não pode competir com

os vinhos procurados e especialmente apreciados do Novo Mundo.

“Poderíamos provavelmente fazer uma superprodução de

Chardonnay”, diz Brejc, “mas nem a extensão da Eslovénia, nem a sua

topografia o aconselham”. A Eslovénia é um país de produtores em

pequena escala, afirma Brejc. Cerca de 20 000 viticultores têm menos

de 0,7 hectare de terras e apenas 400 possuem mais de três hectares.

“66% dos vinhedos eslovenos ficam em declives escarpados, o que

significa que tudo tem de ser feito à mão”, explica Brejc. Este factor

faz subir o preço por garrafa acima da barreira de compra de 4,99

libras esterlinas (cerca de 7 euros)*, o que representa uma grande

parte do importante mercado do Reino Unido.

“O socialismo de estado não deu provavelmente uma imagem

positiva do vinho”, acrescentou. Disse também que os produtores de

vinho na Eslovénia estão a mudar a sua táctica comercial, incluindo

uma rotulagem simples e bem apresentada, com um grafismo mais

contemporâneo. Brejc acrescenta que não se confirmou o receio de

uma queda nas vendas do vinho esloveno até 20% no mercado

interno após a adesão à UE, o que prova a existência de uma clientela

nacional leal. Pensa ter chegado a hora de destacar a Eslovénia no

mapa dos compradores de vinhos. Interroga-se ainda por que razão

não haveria de ter, daqui a 10 anos, um vinho claro e saboroso para

competir com o do Novo Mundo? �

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província, a Eslovénia, com o esloveno comolíngua oficial. Tinha sido encarada a ideia deuma província autónoma com a sua própriaassembleia provincial no interior da monarquiade Habsburgo. Os representantes eslovenosobtiveram a maioria nas eleições provinciais. Atransformação do império austríaco namonarquia austro-húngara, no mesmo ano,resultou na Eslovénia, mantendo-se a parteaustríaca da monarquia.Com a ameaça de construção do territórioesloveno na parte final da Primeira GuerraMundial (1914-1918), houve tentativas paraformar um estado comum de Eslovenos,Croatas e Sérvios que viviam no território daMonarquia Habsburgo, incorporados nachamada Declaração de Maio de 1917. OsHabsburgos rejeitaram a ideia. Na sequência daderrota austro-húngara, a assembleia croata emZagrebe e a reunião nacional em Liublianaapelaram, em Outubro de 1918, à liberdadenacional e à formação de um estadoindependente de Eslovenos, Croatas e Sérviosem Zagrebe. Este estado de Eslovenos, Croatase Sérvios uniu-se ao Reino da Sérvia paraformar, em Dezembro de 1918, o Reino dosSérvios, Croatas e Eslovenos, renomeado Reinoda Jugoslávia em 1929. Este desintegrou-se no início da SegundaGuerra Mundial e o território esloveno foidividido entre a Alemanha, a Itália e a Hungria.Em 1941, foi fundada em Liubliana a Frente de

Libertação da Nação Eslovena, apresentando aresistência armada às forças de ocupação, como partido comunista a liderar a causa. Aassembleia dos representantes da naçãoeslovena decidiu incluir a Eslovénia na novaJugoslávia e, dois anos depois, foi declarada aRepública dos Povos Federais da Jugoslávia.Em 1963, foi renomeada República FederalSocialista da Jugoslávia, chefiada peloPresidente Josip Broz Tito.

> Uma Eslovénia independente

A República Federal Socialista da Jugoslávianão sobreviveu mais de 10 anos à morte deJosip Broz Tito, em 1980. A Eslovéniaproclamou a sua independência e, em 1988,foram criados os primeiros partidos políticos daoposição. Em Maio de 1989, a declaração doEstado Soberano da Nação Eslovena foiseguida, em Abril de 1990, pelas primeiraseleições democráticas onde 88% dos votantesse pronunciaram a favor da independência.Houve uma declaração subsequente sobre aindependência em 25 de Junho de 1991. Istolevou o exército jugoslavo a atacar o novoestado. Seguiu-se um armistício que pôs fim àguerra. O exército jugoslavo saiu do território ea União Europeia reconheceu oficialmente aEslovénia como Estado soberano em meados deJaneiro de 1992. Em Maio de 1992, tornou-semembro das Nações Unidas. �

56 No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

Descoberta da Europa Eslovénia Descoberta da EuropaEslovénia

57

Infelizmente, a cidade de Liubliana adormeceu hádécadas e só agora começa a acordar. Os principaisprojectos de Liubliana têm mais de 20 anos.Tencionamos mudar esta situação, sendo também

essa a razão por que criámos esta visão para a cidade –Liubliana 2025 O principal objectivo do Liubliana 2025é a renovação de todos os aspectos da vida da cidade:ecológico, cultural, social, comercial, urbanístico, arqui-tectónico, etc. O objectivo consiste em reduzir o tráfegopara poupar energia, reduzir as emissões de gases emaximizar a utilização do espaço.Em 2004, Liubliana representava 35,6% do produtointerno bruto esloveno (os dados de 2005 estarãodisponíveis em Dezembro). Está a expandir-serapidamente, tornando-se numa cidade regional. A suaregião conta mais de 500 000 habitantes.Cultura criativa, ciência inovadora, universidades dealto nível, cuidados de saúde de topo e abertura àcooperação internacional caracterizam esta capital

europeia competitiva em termos de qualidade doambiente, de oportunidades de desenvolvimento, desegurança e de hospitalidade. Liubliana evoluirá parauma cidade ideal, uma cidade histórica de pessoascriativas adaptada às necessidades dos seus habitantes,uma cidade ecológica situada entre dois rios limpos euma metrópole pan-eslovena, uma cidade cosmopolitano centro do território nacional, na intersecção demacro-regiões europeias. A Presidência da UE éimportante para a cidade de Liubliana, principalmentedo ponto de vista promocional. Tencionamos apresentara nossa cidade como uma capital aberta, tolerante,moderna e com um excelente potencial dedesenvolvimento. Estamos a preparar, para Maio de2008, uma conferência europeia onde serão abordadosdois temas principais: relações e cooperação entre oEstado e a sua capital e diálogo multicultural. �

* Opiniões recolhidas por Debra Percival

AACCOORRDDAARRAACCOORRDDAARR EEMM LLIIUUBBLLIIAANNAA

© Debra Percival

Turismo: UM GIGANTEADORMECIDOA Eslovénia tem muitos viajan-

tes em trânsito rumo à costa

mediterrânica da Croácia e outros

destinos. O Governo pensa que a

Eslovénia tem atracções susceptí-

veis de levar os viajantes a atarda-

rem-se um pouco na travessia do

seu território e que o turismo deve

desempenhar mais do que um

incentivo na economia e atrair

mais investimento estrangeiro.

Para quem quer que tenha

visitado o país, isso não é

surpreendente. Só em Liubliana, o

visitante é transportado para outra

era pelos sumptuosos contornos

da Velha Cidade: o Castelo do

século XII, os edifícios

renascentistas, barrocos e

scessionist e a famosa ponte tripla

do arquitecto esloveno do século

XX, Joce Plecnik.

Deixe-se assombrar em cada

esquina por outra surpresa

escultural ou faça uma paragem

sossegada para petiscar na

Vodnikov trg (praça) um pão

recheado de chocolate fresquinho

ou regalar-se com um trago da

famosa aguardente de ameixa da

Eslovénia na cidade universitária,

perto de Kongresni trg.

A apenas uma hora de comboio

da capital, destaca-se o parque

nacional Triglav, com o pico mais

alto da Eslovénia na cordilheira

alpina, e no sopé da qual

encontrará o conhecido Lake Bled,

muito fotografado. Desfrute das

termas (spas) onde lhe apetecer

ou das casas rústicas, onde lhe será

servido um ‘potica’, uma espécie

de bolo recheado com nozes e

queijo de sementes de papoilas e

mel. Depois, há as caves de

Postojna e Š kocjan e as florestas

virgens e casinos ao longo da

fronteira com a Itália.

Se tudo correr bem, a Eslovénia

não deverá ter dificuldade em

alcançar o seu objectivo de

aumentar 6% o número de

visitantes de 2007 a 2011, com

8% mais de receitas provenientes

do sector. �

*1Euro = 0,69 libras esterlinas

© Debra Percival

Lago Bled.© Debra Percival

Antiga Liubliana.© Debra Percival

O popular Presidente da Câmara de Liubliana, Zoran Jankovic, que é o fundador deMercator, um dos retalhistas líderes do país, tem planos para pôr sua cidadedefinitivamente no mapa da União Europeia.*

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No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007 59

C riatividade

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Descoberta da Europa Eslovénia

Together – Centro Regional para o Bem-estar Psicossocial dasCrianças – foi fundada em 2002 pelo Governo e a filantropiaeslovenos depois de acompanharem, da Eslovénia, o retorno de100 000 refugiados bósnios, quando procuravam reintegrá-los

no seu próprio país após a guerra no final da década de 90. Foram as cri-anças que enfrentaram as maiores dificuldades psicológicas aquando dareadaptação. A ONG pôde responder à enorme necessidade de aconsel-hamento. ”As crianças não sabem como lidar com o seu próprio sofri-mento”, explica a directora executiva da ONG, Vera Remškar, que sub-linha que, na sede do Together em Liubliana, o início de cada projecto émuito importante. O primeiro passo consiste em contactar os que neces-sitam de ajuda. Isto consegue-se muitas vezes através das escolas, nãoestivessem os professores bem colocados para identificar os que passamnecessidades, que muitas vezes têm defeitos de elocução ou dificuldadesde comportamento. O passo seguinte é encontrar um parceiro local paraformar os professores no terreno que possa dar aconselhamento psi-cológico directo e organizar seminários, muitas vezes em aldeias. “Onosso objectivo é reforçar a capacidade local. Nós não deslocamos aspessoas”, afirmou Vera Remškar. Os programas de voluntariado destina-dos a envolver jovens de mais de 15 anos na assistência às pessoas defi-cientes ou idosas nas suas comunidades locais representam uma mudançade papéis, no sentido de conferir aos jovens voluntários um sentidoimprescindível da responsabilidade.

> Cultura partilhada

Com a sua riqueza de dados e conhecimentos sobre as crianças afectadaspela guerra, a ONG alargou rapidamente as suas actividades ao Kosovovizinho e à Macedónia. O Together utiliza agora os seus conhecimentosnoutras partes do mundo, sem deixar de prosseguir o seu trabalho vitalnos Balcãs Ocidentais. Aguarda ainda a possibilidade de ajudar ascrianças afectadas pelo conflito no Darfur e de prosseguir o seu trabalhono Iraque, onde ultimamente tem sido difícil angariar fundos. Osconhecimentos da ONG serão igualmente preciosos no Ruanda, naRepública Democrática do Congo e no Norte do Uganda. A ONG nãotoma partido em nenhum conflito: “Somos extremamente cuidadosos aeste respeito”, afirma Vera Remškar e acrescenta: “O nosso trabalhoconsiste em socorrer lares – pessoas”.

> Conhecimentos em matéria de desminagem

O Fundo Fiduciário Internacional (ITF) de Desminagem e Assistência àsVítimas das Minas também foi criado em Março de 1998 pelosMinistérios da Defesa, da Saúde e dos Negócios Estrangeiros daEslovénia em resposta ao enorme problema das minas terrestres e daartilharia não explodida que ainda provocam mutilações e mortes na ex-Jugoslávia, diz Sabina Beber Bostjančič, sua Chefe de Departamentopara as Relações Internacionais, na sede da organização, nasproximidades de Ig.Partindo da solução do vasto problema das terras contaminadas na BósniaHerzegovina, o seu trabalho rapidamente se alargou a outras partes da ex-Jugoslávia e ao Sudeste da Europa, nomeadamente na Croácia e nafronteira Norte da Albânia com o Kosovo e a Sérvia. São admitidoscontratantes locais oficiais através de concurso para a execução dotrabalho. Até à data, o ITF descontaminou 76 milhões de metrosquadrados de terras nos Balcãs.As regiões da Bósnia ainda estão muito contaminadas, explica SabinaBeber Bostjančič, assim como a fronteira Croácia-Sérvia. A Croácia foideclarada desminada no fim do ano passado. A Macedónia também jáestá desminada. Prevê-se que o Montenegro fique desminado até ao finalde 2007, disse, e que a Albânia o seja brevemente, de acordo com amonitorização rigorosa do ITF.

> Financiamento da União Europeia

Até hoje, o ITF colaborou com 27 países doadores e um grande númerode doadores privados e instituições como a UE, que financiaram váriosprojectos de desminagem das zonas de fronteira das repúblicas da ex-Jugoslávia no período 2003-2006.Particularmente bem sucedida tem sido a cooperação com o ‘MatchingFund’ dos EUA. Cada dólar angariado pelo ITF é equiparado peloDepartamento de Estado dos EUA, contribuindo com mais de 100milhões de dólares EUA até ao presente para o trabalho da organização.Os projectos incluem a ida às escolas para avisar as crianças dos perigosdas minas terrestres. As tampas brilhantes em amarelo, vermelho e azulatraem muitas vezes as crianças a apanhá-las. Sabina Bostjančič sublinhaa abordagem “holística” do ITF para a desminagem. Há uma necessidadeconstante de projectos de reabilitação das vítimas das minas. Um adultonecessita de novas próteses cada 2-3 anos, uma criança de 6 em 6 meses.Há um centro especializado financiado pelo governo esloveno emLiubliana com esse objectivo, mas é caro e perturbante para osinteressados irem a Liubliana fazer tratamento. �

www.itf-fund.si / www.together-foundation.si

ONGS ESLOVENASNO MAPA MUNDIAL

Energia, paixão e capacidade detrabalhar facilmente onde outras não oconseguem. Duas Organizações NãoGovernamentais (ONGS) eslovenasutilizam agora os conhecimentosdiscretamente adquiridos na cenainternacional. O Together ajuda ascrianças vítimas de guerra a recuperarema normalidade e o ITF desactiva as o chãode minas e reabilita as vítimas das minasterrestres.

Otermo “yambi” significa “bem-vindo”, tanto em lingalacomo em suaili. É esse o título dado a este festival organi-zado pelo Comissariado-Geral da Comunidade Francesa daBélgica para as Relações Internacionais (CGRI), a colecti-

vidade ao serviço dos francófonos belgas em matéria cultural, e em par-ceria com o Ministério da Cultura da República Democrática do Congo(RDC). Segundo Mirko Popovic, presidente da associação Africalia,parceiro da iniciativa, Yambi é o maior acontecimento cultural que valo-rizou o Congo desde a independência, com pelo menos 380 actividadesque envolvem mais de 160 artistas congoleses numa centena de locaisespalhados por vários países: Bélgica, França, Luxemburgo e Suíça.

> Sair dos moldes habituais

Todas as disciplinas estiveram representadas: música, teatro, dança,literatura, cinema, banda desenhada e artes plásticas. O comissáriocongolês do Yambi, o africano André Lyoka, e os seus parceiros belgaspercorreram o Congo de lés a lés para seleccionar os artistasparticipantes. A maior parte são desconhecidos. Mas é precisamenteesse o papel do Yambi: proporcionar a emergência de novos talentos.Como sublinha Mirko Popovic, os valores confirmados da rumba ou da

pintura popular, os Papa Wemba, os Chéri Samba não precisam doYambi para se darem a conhecer. O objectivo da iniciativa ia mais nosentido de sair dos moldes habituais para oferecer ao público o lequemais alargado possível de hipóteses de criação actual, de representar oque o povo congolês tem de melhor na sua criatividade artísticaprofissional. A ideia era mostrar o que nunca se vê: os “griots”modernos, os cantores-compositores que saem da rotina da rumba eexploram novas formas, como o jazz etno por exemplo, mas também oscoros e as fanfarras que, herdeiros da força pública, foram “revisitados”magistralmente pelos Congoleses a ponto de “estomagar” (sic) opúblico que assistiu, na Grand-Place de Bruxelas, a este encontro entreduas fanfarras, uma belga e outra congolesa.

> “Para além da esperança”, “o Congo em marcha”

Yambi é certamente um acontecimento para Bruxelas, mas tambémpara os artistas congoleses participantes. “Ter uma obra em Matonge,que é a encruzilhada de todas as culturas, é qualquer coisa!”, afirmaFreddy Tsimba, autor da primeira obra africana de arte contemporâneanunca exposta na capital da Europa. Intitulada Para além da esperança,esta escultura de Freddy Tsimba, realizada com cartuchos recuperados

FESTIVAL YAMBI:CHEGOU O NOVO CONGO!De meados de Setembro a fins de Novembro, a Bélgica acolheu o festival Yambi, omaior encontro alguma vez organizado em torno da cultura congolesa. Este acontecimento terá repercussões futuras.

Severna Osetija.© ITF

Nono Katanga, Vas-tu enfin te réveiller, Afrique?, 2006.

Fotografia a preto e branco, 40 x 30 cm.

Cortesia do artista.

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Na sequência da novalinha cultural dedi-cada à questão darecolha de obras, a

galeria de pintura deGiovanni e de MarellaAgnelli, jóia da coroa dafamília radicada em Turime fundadora do grupoFIAT, inaugurou a exposi-ção “Porquê África? A colec-ção Pigozzi”, gerida porAndré Magnin, director artísticoda Colecção de Arte AfricanaContemporânea. Pela primeira vez, acolecção Pigozzi, uma das colecçõesmais importantes de obras de arteafricana contemporânea, está expostana Itália!O início da colecção data de 1989, graçasa Jean Pigozzi e André Magnin,conservador da exposição “Os Mágicos daTerra” que, na altura, foi conservada noCentro Pompidou, em Paris, e contribuiu para oreconhecimento internacional dos artistas que eledescobriu.A exposição, que inclui 16 artistas e uma centena deobras de arte, apresenta obras muito famosas e algunsclássicos, numa selecção que reflecte perfeitamente a sólida identidadedas escolhas de Magnin: uma preferência por artistas autodidactas quevivem numa grande cidade da África subsariana, onde os artistas têmtendência a utilizar as mesmas técnicas, estilos e temas pelos quaisforam inicialmente apreciados e que lhes permitem construir um forte

reconhecimento, que impõe acolocação no mercado. Estasobras de arte têm umconteúdo político forte,claramente visível em

representações figura-tivas, por vezesmesmo escritas,como nas pinturas deChéri Samba e emcartazes por FrédéricBruly Bouabré.

Nos textos deapresentação, os

promotores dizem queestas obras mostram como a

arte africana contemporânea supera aarte folclórica e decorativa pós-coloniale entra em relação com a arte ocidentaldesenvolvendo uma linguagem pessoal et

autónoma. A maior parte das suas obrasfigurativas, inspiradas em eventos

correntes, são a expressão de uma realidade,que é simultaneamente local e global.

Na realidade, há que dizer que as abordagens dealguns conservadores de museus anglo-afro-

americanos opuseram a preferência pelos estilos“primitivo” e “caricatural” ao uso de materiais reciclados, com

referências – mais ou menos irónicas – à cultura tradicional. É o caso deClémentine Deliss em “África 95”, Okwui Enwezor na Bienal’97 deJohannesburgo, Salan Hassan e Olu Oguibe em “Autentic-ex-centric” naBienal de Veneza de 2001, exposições onde linguagens maisinternacionais, como a vídeo-instalação e a vídeo-performance, foram

pelo artista nos campos de batalha, emKisangani ou noutros, representa uma mulherque carrega ao colo uma criança mutilada. É“um grito pela vida”, sintetiza o artista.Manifestamente, Yambi testemunha que, noCongo, nem toda a gente passa o seu tempo achorar na lama e nos campos de batalha. Estesartistas, que representam 60 milhões deCongoleses, aspiram a ser alguém na vida,reivindicam coisas, comenta Mirko Popovic.Mas a guerra marcou profundamente o país eos seus habitantes. Não é obra do acaso se estador profunda reaparece em várias obrasvedetas da exposição de arte contemporânea“Congo em marcha” apresentada no CentroCultural Botanique em Bruxelas,nomeadamente esta “instalação” de VitshoisMwilambwe intitulada O Congo sob perfusão:a fotografia de um homem cheio de tubos ecoberto de pensos. “É um país que deve seguirum tratamento ambulatório para se curar dadoença que dura há quatro décadas”, explicaAlain Mwilambwe, autor da fotografia.

> Depois do Yambi

Para Alain Mwilambwe, o Yambi representaum “modo de ser propelido, de ser apresentadoa nível internacional”. Yambi é também ummeio para os artistas tentarem emergir darealidade social difícil em que se debatem,sem subvenções governamentais. Umarealidade que, aliás, se repercute nas suascondições de trabalho. Os ateliês são exíguos eos artistas nem sempre podem escolher osmateriais que utilizam.Entre as formas de expressão exaltadas peloYambi, a BD ocupa um lugar de destaque coma exposição “Talatala” de autores congoleses,representando a vida quotidiana em Kinshasaem tudo o que ela tem de mais homérico, enomeadamente os sempiternos vexames daparte da polícia sobre os seus concidadãos, odesejo da Europa e a arte do salve-se quempuder. Outro grande momento, em 12 ou 13 deOutubro, foi o encontro, sob a égide daassociação “Cooperação pela Educação eCultura de Bruxelas”, de vinte romancistas,poetas e novelistas com o público e escritoresbelgas, por ocasião de um “grande fórum dasletras congolesas”. Exercício até então inédito!Mas o Yambi pretende ser mais que um fogode artifício sem dia seguinte. “Encontro entredois povos, através de cantares artísticos” que

visam reforçar a dignidade, a criatividade e aidentidade e recriar intercâmbios emotivos eestéticos entre as pessoas, o Yambi pretendetambém lançar as sementes da cooperaçãofutura. É igualmente um programa deintercâmbio e de cooperação. O CGRI ateou amecha, sintetiza Mirko Popovic.Haverá certamente continuidade. A Africaliapublicou uma colectânea com obras de duasdezenas de fotógrafos. O CGRI realizou umCD promocional, que estará no Midem 2008,apresentando nomeadamente as percussões deLa Sanza, os cancioneiros Goubald e Lokas, oCoro a Graça e a Fanfarra a Confiança. Domesmo modo, foi igualmente editado umDVD promocional de curtas metragens dosvideastas congoleses. São cartões de visitamuito úteis para artistas ontem desconhecidos.“Charleroi Danse”, a instituição da dançacontemporânea na Bélgica francófona,acolheu coreógrafos congoleses, ao passo queo Centro dramático de Mons encara apossibilidade de uma digressão teatral de doismeses pelo Congo fora.Por último, mas não menos importante, MirkoPopovic espera que o Yambi seja determinantepara o próprio acto de criação dos artistas, pelaprimeira vez confrontados com outras formasde expressão e com a crítica. “Alguns vãoreflectir, procurar novas vias e valorizá-las”,pressente o presidente da Africalia.F.M. �

Sandra Federici

A Colecção Pigozzi

Sammy Baloji, Travailleurs à la Gécamines, 2005. Fotografia a preto e branco, 60 x 224,8 cm.Cortesia do artista.

Freddy Tsimba, Au-delà de l'espoir.Fotografia: François Misser

© AfricaliaGulda El Magambo, Le divin devin, 2005/2006.Fotografia a preto e branco. Cortesia do artista.

Romuald Hazoumé, Ati, 1994. Plástico, pêlo sintético, nylon e borracha, 44 x 45 x 23 cm.

Cortesia de C.A.A.C. - Colecção Pigozzi, Genebra.Fotografia: Claude Postel

PORQUÊA ÁFRICA?

60 No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

Criatividade Criatividade

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62 No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007

Criatividade CriatividadeGostámos de

63

Se se tra-tasse dequalquero u t r o

país, fosse ele afri-cano, o aconteci-mento seria banal.Mas no caso doRuanda, que saiuexangue do genocí-dio de 1994, oa c o n t e c i m e n t oassume outradimensão: o sinalde um novo fôlegonum país que querviver, empreende-dor. Queremos falarda publicaçãorecente do primeiroguia de viagens emlíngua francesadesde a shoá (holocausto) dos Grandes Lagos,«le Petit Futé Rwanda». Como escreve oautor, François Janne d’Othée, jornalistabelga, o genocídio afectou tanto a imagem dopaís e invadiu as consciências que acabou porofuscar a sua imensa beleza. A calma doslagos, o perfume dos eucaliptos, a graça dosbailarinos Intore, a majestade dos seus vulcõ-es, o contacto tão inquietante com os nossosprimos gorilas de montanha, a flora exuberan-te! O espaço de que dispomos é limitado.Como qualquer guia que se preze, este tam-bém passa em revista os bons endereços esugere os bons programas susceptíveis de se

adaptarem a váriosperfis de visitantes,os amantes do trek-king, da escalada deum vulcão, do turis-mo com animais oumelómanos desejo-sos de se deixaremcativar pela voz dagrande CécileKayirebwa. Le PetitFuté trata igualmen-te com rigor as pági-nas mais sombriasda história contem-porânea. «Um paísdifícil, que é precisomerecer. Não se vaiao Ruanda como sevai ao Quénia ou àGuadalupe», diz oautor, que recomen-

da como um «must» a visita a um dos memo-riais do genocídio. Questão de respeito. Postoisto, a estadia é um pouco cara para quemambicione visitar vários parques nacionais.Mas o país é hoje um dos mais seguros deÁfrica. Quanto à cultura, a obra torna-se fami-liar para os amantes de lendas, nomeadamentea lenda de Lyangombe, o mais poderoso dosespíritos dos antepassados, e as diversasexpressões artísticas. No total, este guia rebus-cado, útil e prático apela à moderação, recon-ciliando imagem e realidade. Existe um novoRuanda. Le Petit Futé foi ao seu encontro.F.M. �

“As belas coisas vindas do céu”… EE DDIINNAAWWMMEENNGGEESSTTUUT odas as quintas-feiras, ou quase, Ken, o

Queniano, e Joseph, o Congolês, jun-

tam-se a Sepha, o Etíope, na sua pobre mer-

cearia de um subúrbio miserável de

Washington em vias de aburguesamento.

Ken e Joseph são os únicos amigos de

Sepha, que fugiu ao terror vermelho, até se

ter instalado no bairro uma jovem branca e

a sua filhita mestiça, perturbando assim o

seu equilíbrio precário. A vida de Sepha nos

Estados Unidos, “um país de oportunida-

des”, vai correndo como um sonho – não

um pesadelo nem um sonho de esperança –

salpicado de recordações dolorosas do pai

torturado pelos revolucionários do coronel

etíope Mengistu.

Para passar o tempo, ou antes para exorcizar

o seu passado, os três amigos entregam-se a

um jogo surrealista: fazer o inventário dos

ditadores africanos. As suas lembranças

recordam o quão as suas vidas nos Estados

Unidos têm sido uma fuga do Inferno de

Dante (o título do livro é uma referência às

últimas linhas do poema sobre o Inferno da

Divina Comédia). O jogo repete-se

incansavelmente, como que para conjurar

um presente miserável, marcado pelo cunho

do eterno recomeço. “Não era suposto eu

viver aqui” – diz-nos Dinaw Mengestu, pela

voz de Sepha. Num texto que alterna

narração, por vezes burlesca, e meditação,

Dinaw Mengestu apresenta-nos uma

meditação sobre a regressão social e a

miséria afectiva que o exílio forçado num

novo país implica. “Um homem entalado

entre dois mundos vive e morre sozinho. Há

muito tempo que eu vivo assim, em

suspensão” – diz-nos Sepha que encontrará

uma boa consolação na companhia da

pequena mestiça que ele inicia à literatura

lendo-lhe Os Irmãos Karamazov. �

Dinaw Mengestu, As belas coisas vindas do

céu, Ed. Albin Michel – ISBN 978-2-226-

17976-0

pensadas de modo a atingir os artistas dadiáspora e a mostrar uma abordagemanticolonialista.André Magnin afirma que “o tema maisrecorrente das obras expostas é a ligaçãoprofunda ao território ao qual os artistasdirigem a sua atenção propondo umaexperiência pessoal da realidade. É, porconseguinte, uma arte ‘inclusiva’, enraizada nahistória presente e passada, contrária a cadaforma de divisão racial. Uma arte que brota dopovo, que é dirigida ao povo e que volta parao povo”. Do nosso ponto de vista, é nestacaracterística que assenta o mercado e o êxitoda crítica do estilo popular de autores comoChéri Samba ou Frédéric Bruly Bouabré,Malick Sidibé e Kingelez. Estes artistas são, defacto, perfeitamente capazes de dialogarvantajosamente com comerciantes ecoleccionadores de arte. Eles não se situamnum espaço de vanguarda, num espaço dedesafio conceptual, com uma linguagemrenovada, mas têm ultrapassado coerentementeos meios de que dispõem, criticando eexprimindo problemas típicos africanos“passados”, graças à sua inclusão na exposiçãointernacional. A afirmação do conservadorMagnin confirma que a questão da identidadeda arte africana contemporânea ainda é aquestão principal destas exposições. A partirdesta altura, cada exposição parece retomarcada momento desde o início, partindo danecessidade de definir a legitimidade da suaexistência. Será que ainda somos obrigados afazer uma declaração como “um grandecontinente que tem uma identidade e riquezainesperadas” ou “qual é o significado da arteafricana”? Terá sentido isso, mesmo depois demuitas exposições nos melhores pavilhões

mundiais, após as bienais eas exposições colectivas,agora que os vários artistasafricanos são extremamentepoderosos no mercadointernacional?Porque temos de nosinterrogar sempre “Porquê aÁfrica”?Podemos começar pelasrespostas, que são muitomais interessantes. Osconservadores de museus,historiadores de arte,antropólogos erepresentantes diplomáticosque trabalharam comartistas africanos duranteestes anos, responderam devez em quando a estasperguntas, contribuindo,com as suas posiçõesdiferentes, para a criação deuma imagem multifacetadae polifónica da arte africana contemporânea.As histórias dos artistas da exposição sãohistórias de sucesso: o velho fotógrafo desetenta e dois anos, Malick Sidibé, ganhou oLeão de Ouro pela sua carreira na 52ª Bienal deVeneza; Romuald Azoumé foi galardoado naDocumenta 12; as obras de Kingalez estãoaltamente cotadas. Nos países africanos nãoexiste um “sistema” normal de artecontemporânea, com galerias qualificadas querepresentem de certo modo uma garantia, tantopara os artistas, relativamente à sua promoçãoe benefícios, como para os compradores, noque diz respeito à originalidade e cotação dasobras. Neste contexto, Magnin teve o mérito de

descobrir um certo número de artistas, cujacondição mudou devido à sua inclusão nacolecção: a mudança vai desde os artistas queoperaram apenas para turistas e um pequenomercado em embaixadas (condição em quemuitos outros artistas ainda se encontram) aosartistas que agora têm uma posição poderosa euma grande importância devido à sua presençaem museus, colecções internacionais e nomercado da arte. A situação de relativaanarquia em que alguns autores afirmaram asua posição provocou disputas violentas eproblemas jurídicos a respeito da autenticidadedas obras dos artistas já falecidos, como SeidouKeyta e Jorges Lilanga. Por um lado, é verdadeque Magnin tem tido uma relação privilegiadacom estes artistas, mas, por outro, outrosconservadores e associações reivindicam aautenticidade das obras.Depois de muitos anos de discussões acesassobre a identidade da arte africanacontemporânea, parece agora que o maisimportante é apelar à razão e ao trabalhoacerca do sistema de arte e da indústriacultural. Neste contexto, de facto, o tema dacolecção de arte parece ser crucial. Para isso, acolecção de Giovanni e Marella Agnelli, quelevou à Itália um retrato do que é a colecçãoprivada mais importante da arte africanacontemporânea, parece ser um bom ponto departida. �

Porquê a África? A Colecção Pigozzi

6 de Outubro de 2007 – 3 de Fevereiro de 2008

Lingotto – Galeria de pintura de Giovanni e

Marella Agnelli, Turim, Itália

A capa do guia do Ruanda publicado por Petit Futé.

Seydou Keïta, Untitled, 1956/57. Gelatin silver print, 120 x 180 cm.Courtesy of C.A.A.C. - The Pigozzi collection, Geneva.

André Magnin, Seydou Këita e respectiva família, Bamako, 1999. Cortesia de C.A.A.C. - Colecção Pigozzi, Genebra.

RRUUAANNDDAA::CONVITE À VIAGEM

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ÁFRICAÁfrica do Sul Angola Benim Botsuana Burquina Faso Burundi Cabo Verde CamarõesChade Comores Congo (República Democrática) Congo (Brazzaville) Costa doMarfim Djibouti Eritreia Etiopía Gabão Gâmbia Gana Guiné Guiné-Bissau GuinéEquatorial Lesoto Libéria Madagáscar Malawi Mali Mauritânia Maurícia (Ilha)Moçambique Namíbia Níger Nigéria Quénia República Centro-Africana Ruanda SãoTomé e Príncipe Senegal Seicheles Serra Leoa Somália Suazilândia Sudão TanzâniaTogo Uganda Zâmbia Zimbabué

CARAÍBAS Antígua e Barbuda Baamas Barbados Belize Cuba Domínica Granada Guiana HaitiJamaica República Dominicana São Cristóvão e Nevis Santa Lucía São Vicente eGranadinas Suriname Trindade e Tobago

PACÍFICOCook (Ilhas) Fiji Kiribati Marshall (Ilhas) Micronésia (Estados Federados da) Nauru Niue Palau Papuásia-Nova Guiné Salomão (Ilhas) Samoa Timor Leste Tonga Tuvalu Vanuatu

UNIÃO EUROPEIAAlemanha Áustria Bélgica Bulgária Chipre Dinamarca Eslováquia Eslovénia EspanhaEstónia Finlândia França Grécia Hungria Irlanda Itália Letónia Lituânia LuxemburgoMalta Países Baixos Polónia Portugal Reino Unido República Checa Roménia Suécia

As listas dos países publicadas pelo Correio não prejudicam o estatuto dos mesmos e dos seus territórios, actualmente ou no futuro. O Correio utiliza mapas de inúmeras fontes.O seu uso não implica o reconhecimento de nenhuma fronteira em particular e tão pouco prejudica o estatuto do Estado ou território.

Países de África – Caraíbas – Pacíficoe União Europeia

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Aimé Mpane, 16 portraits gravés et peints sur bois. 149 x149 x10 cm.Cortesia da Colecção Jean-Paul Blachère.

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Venda proibidaISSN 1784-682X

REPORTAGEM

Timor-LesteNascimento de uma nação

DOSSIER

África. Energias

Lisboa, Portugal8-9 Dezembro de 2007Uma grande mudança

AGENDA

C rreioO

A revista das relações e cooperação entre África-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia

No 3 N.E. - NOVEMBRO DEZEMBRO 2007