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S U M Á R I O AGÊNCIAS REGULADORAS INDEPENDENTES: DESAFIOS ATUAIS - ANDRÉ GUSKOW CARDOSO AGÊNCIAS REGULADORAS, “CAPTURA REGULATÓRIA” E LEGITIMAÇÃO DEMOCRÁTICA - DANIEL MÜLLER MARTINS E MATHEUS FERNANDES DE JESUS continua na página 2 01 02 Nº 56 - J AN /F EVEREIRO 2015 ANDRÉ GUSKOW CARDOSO Advogado inscrito na OAB/PR sob o nº 27.074; Mestre em Direito do Estado pela UFPR 1. Introdução As agências reguladoras constituem experiência con- solidada em outros países. Nos Estados Unidos, a criação da primeira agência reguladora data de 1887 (Interstate Commerce Commission). No Brasil, foram instituídas a partir da metade da década de 1990, especificamente para exercer a atividade de regulação de determinados setores. O exercício de tal atividade congrega inúmeras compe- tências específicas, em entidades dotadas de maior autonomia com relação ao poder central. Esta autonomia se reflete, prin- cipalmente, na estabilidade de seus dirigentes, que exercem mandatos fixos, não sendo possível a sua exoneração ad nutum e na impossibilidade de revisão das decisões adotadas pelas agências por parte dos Ministérios da área correspondente. 2. O perfil jurídico das agências reguladoras As agências são entidades sujeitas ao regime de direito público. Mais especificamente, revestem-se de natureza de au- tarquias em regime especial. Inserem-se na estrutura do Estado e desenvolvem atividades tipicamente estatais. No entanto, gozam de relativa autonomia com rela- ção ao poder central, subvertendo a organização burocrática tradicional do Executivo. A despeito de serem qualificadas como independentes, essas novas figuras estatais não gozam de efetiva independência do poder político. Contam, na ver- dade, com uma maior autonomia com relação à organização administrativa tradicional e com relação ao poder central. Não devem se submeter às determinações emanadas da cúpula do Executivo, tal como ocorre com as entidades administrativas tradicionais. Seus dirigentes contam com mandato fixo, não cabendo a sua demissão ad nutum, mas tão somente em hipó- teses específicas, previstas em lei. As agências recebem das leis que as instituem com- petências específicas, essenciais à atividade de regulação dos setores em que atuam. Os órgãos reguladores normalmente são dotados de funções regulatórias que envolvem o exercício de diversas atribuições, desde aquelas tipicamente administrativas, até normativas e de solução de conflitos entre particulares (ou entre estes e o Estado). AGÊNCIAS REGULADORAS INDEPENDENTES: DESAFIOS ATUAIS

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S u m á r i o

AGÊNCiAS rEGuLADorAS iNDEPENDENTES: DESAFioS ATuAiS - André Guskow CArdoso

AGÊNCiAS rEGuLADorAS, “CAPTurA rEGuLATÓriA” E LEGiTimAção DEmoCráTiCA - dAniel Müller MArtins e MAtheus FernAndes de Jesus

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Nº 56 - Jan/Fevere iro 2015

André Guskow CArdosoAdvogado inscrito na OAB/PR sob o nº 27.074;Mestre em Direito do Estado pela UFPR

1. IntroduçãoAs agências reguladoras constituem experiência con-

solidada em outros países. Nos Estados Unidos, a criação da primeira agência reguladora data de 1887 (Interstate Commerce Commission). No Brasil, foram instituídas a partir da metade da década de 1990, especificamente para exercer a atividade de regulação de determinados setores.

O exercício de tal atividade congrega inúmeras compe-tências específicas, em entidades dotadas de maior autonomia com relação ao poder central. Esta autonomia se reflete, prin-cipalmente, na estabilidade de seus dirigentes, que exercem mandatos fixos, não sendo possível a sua exoneração ad nutum e na impossibilidade de revisão das decisões adotadas pelas agências por parte dos Ministérios da área correspondente.

2. O perfil jurídico das agências reguladoras As agências são entidades sujeitas ao regime de direito

público. Mais especificamente, revestem-se de natureza de au-tarquias em regime especial. Inserem-se na estrutura do Estado e desenvolvem atividades tipicamente estatais.

No entanto, gozam de relativa autonomia com rela-ção ao poder central, subvertendo a organização burocrática tradicional do Executivo. A despeito de serem qualificadas como independentes, essas novas figuras estatais não gozam de efetiva independência do poder político. Contam, na ver-dade, com uma maior autonomia com relação à organização administrativa tradicional e com relação ao poder central. Não devem se submeter às determinações emanadas da cúpula do Executivo, tal como ocorre com as entidades administrativas tradicionais. Seus dirigentes contam com mandato fixo, não cabendo a sua demissão ad nutum, mas tão somente em hipó-teses específicas, previstas em lei.

As agências recebem das leis que as instituem com-petências específicas, essenciais à atividade de regulação dos setores em que atuam. Os órgãos reguladores normalmente são dotados de funções regulatórias que envolvem o exercício de diversas atribuições, desde aquelas tipicamente administrativas, até normativas e de solução de conflitos entre particulares (ou entre estes e o Estado).

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Dentre as agências criadas no Direito brasileiro, pode--se citar, no âmbito federal, a ANEEL (Lei nº 9.427/1996 e Decreto 2.335/1997), a ANP (Lei nº 9.478/1997 e Decreto 2.455/1998), a ANATEL (Lei nº 9.472/1997 e Decreto 2.338/1997), a ANVISA (Lei nº 9.782/1999 e Decreto 3.029/1999), a ANS (Lei nº 9.961/2000 e Decreto 3.327/2000), a ANA (Lei nº 9.984/2000 e Decreto 3.692/2000), a ANTT e a ANTAQ (Lei nº 10.233/2001 e Decretos 4.122/2002 e 4.130/2002), a ANCINE (Medida Provisória nº 2.228-1/2001 e Decreto 4.121/2002) e a ANAC (Lei 11.182/2005 e Decreto 5.731/2006). Além disso, há duas autarquias que, a despeito de não lhes ter sido atribuída de forma expressa a natureza jurídica de agências reguladoras, exercem inequivocamente importantes atividades de regulação. Trata-se do CADE (Leis 8.884/1994 e 9.021/1995) e da CVM (Leis 4.728/65, 6.385/76, 10.303/2001 e 10.411/2002 - Decreto 4.763/2003).

Existem também agências reguladoras instituídas no âmbito estadual.

3. Principais questionamentos Os principais questionamentos relacionados à insti-

tuição das agências reguladoras relacionam-se (i) à falta de legitimação em face do circuito democrático-representativo (a que deveriam estar relacionados todos os órgãos e enti-dades estatais, de forma direta ou indireta), (ii) à falta de coordenação no âmbito da ação estatal, (iii) ao risco da busca de ampliação de poder e autonomia por parte das entidades autônomas e (iv) ao risco de que as agências reguladoras passem a exercer um papel político sem a necessária res-ponsabilização política de seus dirigentes.

Em específico, questiona-se a compatibilidade com a Constituição da criação de entidades que exercem compe-tências regulatórias com autonomia em face do Presidente da República e do Legislativo. Alude-se a um déficit demo-crático das agências, que exercem competências relevantes e cujos dirigentes contam com mandatos fixos, sem que tenham sido eleitos de forma democrática.

Os questionamentos a respeito da legitimidade demo-crática das agências podem ser superados com base nos seguin-tes pontos: (a) compatibilidade da instituição dos organismos reguladores com o princípio da soberania popular, tendo em vista a existência de outros mecanismos de legitimação da atuação estatal, além da eleição (cite-se a atuação do Poder Judiciário, cujos membros não são eleitos); (b) as agências possibilitariam o aperfeiçoamento do sistema de freios e contra-pesos (checks and balances) na estruturação do poder estatal, através do incremento da fragmentação da estrutura estatal; (c) a importância das funções detidas pelas agências e a necessidade de seu exercício de forma imparcial e isenta de influências políticas (neutralização de sua atuação); (d) a permanência da definição de políticas com os órgãos centrais, sendo que as entidades reguladoras apenas promoveriam a sua implementação no caso concreto; (e) a existência de diferenças entre as formas de legitimação política e administrativa; e (f) a promoção da processualidade e da eficiência na atuação da estrutura administrativa estatal.

4. A experiência concretaA primeira agência reguladora instituída no Direito

brasileiro (a ANEEL) já conta com mais de 15 anos de funcionamento. As discussões iniciais a respeito da legiti-midade democrática das agências reguladoras foram sendo superadas na medida em que se estabilizou a sucessão de grupos políticos no Governo federal. Atualmente, essa discussão perdeu a sua força inicial.

Questionam-se outros aspectos, relacionados à própria atuação das agências. De certo modo, o foco de atenção passou à eficiência de sua atuação e à sua capacidade de atender as finalidades para as quais foram criadas, de forma transparente e assegurando a participação dos interessados e dos atingidos pela atividade regulatória.

5. Desafios atuais para o modelo de agênciasNesse sentido, as agências reguladoras enfrentam de-

safios específicos, principalmente relacionados à transparência e eficiência de sua atuação.

A transparência de sua atuação – especialmente na ati-vidade de edição de normas regulatórias – dá-se normalmente por meio de audiências e consultas públicas. No entanto, a experiência concreta demonstra que, até mesmo em razão do baixo grau de envolvimento da sociedade civil nas ques-tões reguladas, a participação em tais audiências e consultas concentra-se nos agentes regulados.

É essencial, portanto, ampliar o âmbito das discussões relevantes no âmbito das agências reguladoras. Cabe definir procedimentos claros e específicos para a edição de normas regulatórias com o objetivo de (i) ampliar a participação dos diversos setores da sociedade civil e (ii) assegurar que as con-tribuições apresentadas para as agências sejam efetivamente consideradas e ponderadas pelos reguladores.

Quanto à eficiência da regulação, cumpre intro-duzir e institucionalizar a análise de impacto regulatório (AIR) na atuação das agências. A AIR consiste em técnica para a adoção de decisões no âmbito do Estado regulador, que fornece mecanismos de avaliação de determinada situação concreta, com vistas à ponderação dos direitos e interesses em jogo, dos custos envolvidos, das opções de mecanismos e soluções a ser adotados para a regulação de determinada situação e das consequências de cada forma de regulação possível.

A falta de tal ponderação está ligada à maioria dos questionamentos que se colocam às normas regulatórias edi-tadas pelas agências.

6. Considerações finaisPortanto, passadas quase duas décadas da institui-

ção da primeira agência reguladora (a ANEEL), pode-se dizer que o modelo de regulação por meio de agências independentes está consolidado no direito brasileiro. No entanto, isso não significa que não haja espaço para questionamentos e aperfeiçoamentos do modelo. Trata-se afinal, como toda e qualquer instituição estatal, de um modelo em constante mutação e aperfeiçoamento.

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AGÊNCIAS REGULADORAS, “CAPTURA REGULATÓRIA” E

LEGITImAçãO DEmOCRáTICAdAniel Müller MArtinsAdvogado inscrito na OAB/PR sob nº 29.308, Mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP, Professor de Direito Administrativo da FAE – Centro Universitário, Secretário da Comissão de Direito da Infraestrutura e Estudo das Concessões da OAB/PR

MAtheus FernAndes de JesusAdvogado inscrito na OAB/PR sob nº 69.982

A Constituição da República de 1988, seja na sua redação original, seja na redação hoje vigente após diversas emendas, em nenhum momento faz referên-

cia ao termo agência reguladora.É sabido, porém, que após as reformas do Estado leva-

das a efeito em meados da década de 90, houve a implantação de uma sensível mudança na organização administrativa do Estado brasileiro, com a criação de autarquias especiais sob de-nominação de agências reguladoras e o incremento quantitativo e qualitativo da outorga de competências regulatórias - a elas e também a outros órgãos e entidades estatais não denominados formalmente de agências.

Esse incremento teve - e ainda tem - matriz constitu-cional na atribuição expressa das funções inerentes à condição de agente normativo e regulador da ordem econômica (art. 174) e na competência de criação de órgãos reguladores (a exemplo do art. 21, XI e do art. 177, §2º), sendo certo que as competências regulatórias são exercidas mediante a atribuição de deveres-poderes normativos e decisórios de fiscalização, incentivo e planejamento da atividade econômica em sentido amplo, ou seja, têm como destinatários tanto o setor público (determinante) como o setor privado (indicativo), incluindo a regulação de monopólios, a regulação competitiva para asse-gurar a livre concorrência e a regulação de serviços públicos1.

Como condição necessária ao exercício pleno dessas competências, a organização do Estado passou a exigir uma fragmentação especializada das unidades de poder (dever-poder). O modelo piramidal napoleônico concentrado é substituído por uma Administração Pública policêntrica inspirada na experiência norte-americana das autoridades regulatórias independentes, embora sob contexto e propósitos substancialmente distintos2.

Essas novas estruturas de organização administrativa

foram instituídas sob roupagem de autarquias especiais, sendo que a especialidade do regime jurídico tem como razão fun-damental a pretensa despolitização do ambiente regulatório, permitindo uma atuação profissional (autônoma e imparcial), técnica e especializada, não responsiva à lógica político-elei-toral, em especial porque fundada na especialização setorial e autonomia política dos seus dirigentes (mandato fixo não sujeito à exoneração ad nutum).

Como bem sintetiza Gustavo Binenbojm, “as autoridades independentes quebram o vínculo de unidade no interior da Ad-ministração Pública , eis que a sua atividade passou a situar-se em esfera jurídica externa à da responsabilidade política do governo. Caracterizadas por um grau reforçado da autonomia política de seus dirigentes em relação à chefia da Administração central, as autoridades independentes rompem o modelo tradicional de recondução direta de todas as ações administrativas ao governo (decorrente da unidade da Administração). Passa-se, assim, de um desenho piramidal para uma configuração policêntrica”3.

Ocorre que as disposições normativas abstratas quanto aos mecanismos institucionais e jurídicos de caracterização e garantia da autonomia e independência das agências regula-doras - primeira onda regulatória -, não se mostraram e não se mostram suficientes a resolver as sensíveis tensões entre a regulação independente e a legitimação democrática dessa relevante função estatal.

Vale dizer, a autonomia e independência desse policen-trismo estruturante da Administração Pública trouxe a reboque algumas disfunções sistêmicas que passaram a reclamar preo-cupações diversas, a exemplo do desenvolvimento de sistemas de controle político e jurídico, da responsividade social e da legitimação democrática

Nesse plano de tensões dialéticas, é indispensável notar que os mecanismos tradicionais de legitimação da Administração Pública remissivos à Lei como produto da vontade geral e à escolha dos dirigentes públicos pelo voto popular não se mostram suficientes a suprir um déficit de legitimação democrática inerente ao perfil de uma gestão regulatória essencialmente técnica e profissional.

É preciso reconhecer, então, que a participação popular e a legitimação pelo procedimento devem ser incrementadas quantitativa e qualitativamente como condi-ção necessária ao desenvolvimento desse novo modelo de estruturação administrativa, sempre com absoluta primazia

1 ARAGÃO, Alexandre Santos de. As agências reguladoras independentes e a separação de poderes: uma contribuição da toeira dos ordenamentos setoriais. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, nº 10, 2007. Disponível em http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp. Acesso em 20 de novembro de 2014.

2 BINENBOJM, Gustavo. uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitutcionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 268 e seguintes.

3 idem, p. 44.

continua na página 4

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da transparência e da proteção da confiança, permitindo uma interlocução às claras, materializando-se nas agências reguladoras um espaço de diálogo de legitimação entre o agentes reguladores e a sociedade regulada.

Não se pode olvidar, por outro lado, que a legitimação democrática não decorre exclusivamente do voto direto ou da vontade estática da maioria, pois “a ideia de submeter o con-trole sobre políticas vocacionadas ao longo prazo e exigentes, por sua natureza, de uma gestão predominantemente técnica e profissional, pode ser vista como uma forma de exercício democrático. Relembre-se que democracia não é um conceito que se confunda com a regra da maioria; democracia é, sobre-tudo, um projeto de exercício de autogoverno coletivo em que as deliberações sociais se realização ao longo do tempo. Nesta toada, uma deliberação coletiva que represente um pré-com-prometimento em médio ou longo prazo exige, como condição para seu cumprimento, uma gestão menos responsiva à lógica político-eleitoral e mais responsiva ao direito e à racionalidade técnica. Em última análise, fazer cumprir os pré-compromissos assumidos democraticamente é, também, uma forma de realizar o ideal democrático de autogoverno coletivo”4.

Outro desafio no plano das tensões dialéticas entre a regulação independente e a legitimação democrática diz respeito ao fenômeno denominado de “captura regulatória” (hipótese cunhada por Stigler em 19715) ou “risco de captura”, quando “a agência perde sua condição de autoridade e passa a produzir atos destinados a legitimar a realização dos interesses egoísticos de um, alguns ou todos os seguimentos empresariais regulados”6.

A “captura regulatória” é um fenômeno próprio do modelo de regulação por agências e resulta da natural inte-ração entre os entes reguladores, através de seus agentes, e os setores econômicos regulados no curso do “ciclo de vida” de uma agência (fase jovem, fase de maturidade e fase de velhice)7. Em suma, refere-se à vulnerabilidade das entidades reguladoras de determinado setor a uma subversão por parte dos agentes econômicos regulados, tornando-a um mero instrumento para realização dos seus interesses.

A “captura regulatória” não é uma condição necessária da regulação, mas sim uma contingência que pode estar presen-te no modelo de autoridades independentes. A situação é bem caracterizada, pois, como “risco de captura”, cabendo ao Estado preveni-lo ou atenua-lo através de mecanismos institucionais e jurídicos de atuação a priori, sempre que possível, ou então

através de atuação repressiva quando necessário. A ausência desses mecanismos de atuação eficiente

diante da “captura regulatória” conduz ao esvaziamento da função de regulação e um desequilíbrio dos vetores que devem guiar a atuação estatal para a proteção da ordem econômica.

Esse desequilíbrio é ainda mais evidente a partir de uma leitura fundada na assimetria informacional. De fato, de acordo com o que dispõe a teoria dos jogos, os agentes econômicos portam-se de forma estratégica e utilizam-se das informações que dispõem para direcionar seus atos. Por outro lado, os agentes econômicos nem sempre dispõem de informações equivalentes para embasar suas decisões, caso em que uma das partes tem vantagem sobre a outra no ambiente negocial.

Nesse plano, a “captura regulatória” pode proporcionar um agravamento sensível na desigualdade de informações, em especial porque o exercício da própria função regulatória pode ter como pedra de toque as informações fáticas e técni-cas prestadas por um sujeito regulado - o agente de captura -, ou então o ente regulador capturado pode proporcionar a um determinado agente econômico acesso aos direcionamentos da autarquia e assim privilegiar um ou mais agentes regulados com informações ainda desconhecidas publicamente.

Em síntese, é fácil perceber que a “captura regulatória” igualmente compromete a indispensável legitimação da regu-lação, o que reforça a necessidade de aprimorar e concretizar continuamente mecanismos políticos, jurídicos e sociais de controle e que permitam delimitar, de modo democrático e adequado, a independência das agências reguladoras sem desnaturar ou eliminar as suas características essenciais quanto à atuação profissional, técnica e especializada, não responsiva à pura lógica político-eleitoral.

O modelo de regulação independente no Brasil ainda carece de amadurecimento jurídico e institucional. O grande desafio atual repousa sobre a harmonização das tensões dia-léticas entre a translação dos centros de competência estatal (deveres-poderes de regulação) para as agências e a legitima-ção democrática da Administração Pública, atentando-se ao desenvolvimento de um espaço de interação dialógica entre o Estado e os sujeitos regulados que permita, a um só tempo, o acautelamento da “captura regulatória”, o aprimoramento da participação e colaboração cidadã, bem como o fortalecimento institucional dos entes reguladores. Algo que somente o tempo e o respeito ao Estado Democrático de Direito é capaz de permitir.

ISSN 2175-1056

diagramação:Ctrl S Comunicaçãowww.ctrlscomunicacao.com.br

Coordenação Acadêmica: Estêvão Lourenço CorrêaAdvogado inscrito na OAB/PR sob nº. 35.082

oAB Paraná – Rua Brasilino Moura, 253 – 80.540-340Telefone: 3250-5700 | www.oabpr.org.br

expediente:

4 BINENBOJM, Gustavo. Ob. cit., p. 297.

5 STIGLER, George. the theory of economic regulation. The bell jornal of economics and management Science, Vol. 2, nº1, Spring, 1971, 3-21. Disponível em: <http://web.mit.edu/xaq/Public/Stigler.pdf> Acesso em 20 de novembro de 2014.

6 JUSTEN FILHO, Marçal. o direito das agências reguladores independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 370.

7 Idem, p. 370.