O papel das Agências Reguladoras

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  • 7/28/2019 O papel das Agncias Reguladoras

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    Agncias Reguladoras - Instrumentos do Fortalecimento do Estado

    Agncias ReguladorasInstrumentos do Fortalecimento do Estado

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    ABAR - Associao Brasileira de Agncias de Regulao

    ASSOCIAO BRASILEIRA DEASSOCIAO BRASILEIRA DEASSOCIAO BRASILEIRA DEASSOCIAO BRASILEIRA DEASSOCIAO BRASILEIRA DE AGNCIAS DE REGULAO -AGNCIAS DE REGULAO -AGNCIAS DE REGULAO -AGNCIAS DE REGULAO -AGNCIAS DE REGULAO - ABABABABABARARARARARRua Bela Cintra, 847 - 13o andarTel/Fax (11) 3257-067601415-903 - SO PAULO - SPwww.abar.gov.br

    DIRETDIRETDIRETDIRETDIRETORIA DORIA DORIA DORIA DORIA DAAAAA ABABABABABAR:AR:AR:AR:AR:

    Presidente:Presidente:Presidente:Presidente:Presidente:

    Zevi KannZevi KannZevi KannZevi KannZevi KannCSPECSPECSPECSPECSPE - Comisso de Servios Pblicos de Energia

    Diretores:Diretores:Diretores:Diretores:Diretores:

    Eduardo Henrique Ellery FEduardo Henrique Ellery FEduardo Henrique Ellery FEduardo Henrique Ellery FEduardo Henrique Ellery Filhoilhoilhoilhoilho

    ANEELANEELANEELANEELANEEL - Agncia Nacional de Energia Eltrica

    lvlvlvlvlvaro Otvioaro Otvioaro Otvioaro Otvioaro Otvio VVVVVieira Machadoieira Machadoieira Machadoieira Machadoieira MachadoARSALARSALARSALARSALARSAL - Agncia Reguladora de Servios Pblicos do Estado de Alagoas

    MariaMariaMariaMariaMaria Augusta FAugusta FAugusta FAugusta FAugusta FeldmaneldmaneldmaneldmaneldmanAAAAAGERGSGERGSGERGSGERGSGERGS - Agncia Estadual de Regulao dos Servios PblicosDelegados do Rio Grande do Sul

    MarcoMarcoMarcoMarcoMarco Antonio Sperb LeiteAntonio Sperb LeiteAntonio Sperb LeiteAntonio Sperb LeiteAntonio Sperb LeiteAAAAAGRGRGRGRGR - Agncias Goinia de Regulao, Controle e Fiscalizaode Servios Pblicos

    Secretrio Executivo e FSecretrio Executivo e FSecretrio Executivo e FSecretrio Executivo e FSecretrio Executivo e Financeiro:inanceiro:inanceiro:inanceiro:inanceiro:

    Carlos FCarlos FCarlos FCarlos FCarlos Fernando de Souza Machadoernando de Souza Machadoernando de Souza Machadoernando de Souza Machadoernando de Souza Machado

    CSPECSPECSPECSPECSPE - Comisso de Servios Pblicos de Energia

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    Agncias Reguladoras - Instrumentos do Fortalecimento do Estado

    APRESENTAO

    Por ocasio da realizao do III CONGRESSO BRASILEIRO DE REGULAODE SERVIOS PBLICOS CONCEDIDOS e em face da primeira efetiva mudanano poder poltico havida aps o processo de redefinio do papel do Estadovivido por ns nos ltimos anos, a ABAR coloca o presente texto, da lavra doDoutor Floriano de Azevedo Marques Neto, para catalisar os imprescindveisdebates pblicos sobre o papel das Agncias Reguladoras. Ressaltamos que aABAR perfilha muitas das idias e conceitos tecidos no texto em questo. Contudo,

    pretende com esta divulgao fomentar o debate, constituindo novos avanos,os quais devero nortear e fortalecer a produo regulatria no Pas.

    No se pode perder de vista que os conceitos modernos de AgnciasReguladoras no Brasil so relativamente novos, impondo a necessidade deesclarecer-se sociedade a sua relevncia e importncia, no sentido de sedimentara funo regulatria das Agncias, bem como prospectar os eventuais ajustes ealteraes que precisam ser realizados.

    A ABAR tem se constitudo em um foro privilegiado para atuar fortementena troca de experincias entre as Agncias Reguladoras, ampliando os constructosda regulao, investindo em seus recursos humanos. funo da ABAR adivulgao das atividades regulatrias, cuja finalidade , antes de tudo, a decriar um ambiente favorvel ao aperfeioamento das instituies no Brasil.

    Recomendamos a leitura e consulta do texto ora apresentado, tanto peloseu contedo como pela clareza dos conceitos emitidos e objetividade daspropostas.

    ZEVI KANNZEVI KANNZEVI KANNZEVI KANNZEVI KANNPRESIDENTE DA ABAR

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    ABAR - Associao Brasileira de Agncias de Regulao

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    Agncias Reguladoras - Instrumentos do Fortalecimento do Estado

    APRESENTAPRESENTAPRESENTAPRESENTAPRESENTAOAOAOAOAO .................................................................................................................... 3

    I.I .I.I .I . IntroduoIntroduoIntroduoIntroduoIntroduo ...................................................................................................................... 7

    II.II.II.II.II. FFFFFinalidades e Fundamentos da Moderna Regulao Econmicainalidades e Fundamentos da Moderna Regulao Econmicainalidades e Fundamentos da Moderna Regulao Econmicainalidades e Fundamentos da Moderna Regulao Econmicainalidades e Fundamentos da Moderna Regulao Econmica .............................. 8

    II.a. A interveno estatal: a relao entre Estado e sociedade ..................................... 8

    II.b. A Interveno estatal orientada pelos interesses do Estado-nao ........................ 9

    II.c. Autonomia poltica e instabilidade decisria .......................................................... 10

    II.d. O papel regulador do Estado: pressupostos, objetivos e instrumento ..................... 11

    II.e. A moderna regulao e a busca do equilbrio no setor regulado........................ 13

    II.f. A moderna regulao e os interesses pblicos ....................................................... 14II.g. Atividade regulatria eatividade regulamentar ..................................................... 15

    II.h. A regulao como mudana no modo de interveno do Estado ........................... 18

    III.III.III.III.III. O Surgimento dasO Surgimento dasO Surgimento dasO Surgimento dasO Surgimento das Agncias como uma Decorrncia da Moderna RegulaoAgncias como uma Decorrncia da Moderna RegulaoAgncias como uma Decorrncia da Moderna RegulaoAgncias como uma Decorrncia da Moderna RegulaoAgncias como uma Decorrncia da Moderna Regulao.......... 19

    III.a. Agncias de Regulao: competncia e especificidades ......................................... 19

    III.b. Transparncia, permeabilidade e neutralidade ....................................................... 19

    III.c. O carter pblico das Agncias ............................................................................... 20

    III.d. A multiplicidade de funes e competncias das Agncias .................................... 20

    III.e. A especializao das Agncias ................................................................................ 20

    III.f. A busca do equilbrio sistmico como eixo da atividade regulatria ..................... 21

    III.g. A importncia da neutralidade ............................................................................... 21

    III.h. A moderna regulao e os rgos reguladores ...................................................... 22

    IVIVIVIVIV..... AsAsAsAsAs Agncias comoAgncias comoAgncias comoAgncias comoAgncias como Autoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras Independentes .................................... 22

    IV.a. Problemas conceituais: o nome Agncia ............................................................. 22

    IV.b. A autoridade das Agncias ..................................................................................... 23

    IV.c. A atividade objeto das Agncias e suas caractersticas .......................................... 25IV.c.i. A amplitude dos poderes das Agncias ................................................... 25IV.c.ii. A capacitao tcnica .............................................................................. 26

    IV.c.iii. A permeabilidade sociedade................................................................. 27IV.c.iv. A processualidade ................................................................................... 28

    IV.d. A independncia ..................................................................................................... 29IV.d.i. Independncia e agentes regulados ........................................................ 30IV.d.ii. Independncia e consumidores ............................................................... 30IV.d.iii. Independncia xPoder poltico................................................................ 31

    IV.e. Duas espcies de independncia: orgnica e administrativa .................................. 32

    IV.e.i. A independncia orgnica: estabilidade dos dirigentes e ausncia decontrole hierrquico ................................................................................ 32Estabilidade dos dirigentes ...................................................................... 33Ausncia de controle hierrquico ............................................................ 33

    IV.e.ii. Independncia administrativa: meios para exercer a regulaoindependente........................................................................................... 34

    NDICE

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    ABAR - Associao Brasileira de Agncias de Regulao

    Autonomia de gesto .............................................................................. 34Autonomia financeira .............................................................................. 34A liberdade para organizar seus servios ................................................ 35Regime de pessoal compatvel ................................................................ 35

    IV.f. Concluso: a imprescindibilidade da independncia .............................................. 36

    VVVVV..... Agncias e GovernoAgncias e GovernoAgncias e GovernoAgncias e GovernoAgncias e Governo ...................................................................................................... 36V.a. A legitimidade democrtica das Agncias ............................................................ 36V.b. Poltica de Estado, Poltica de Governo, Polticas Pblicas e Polticas Regulatrias .. 38

    V.b.i. Polticas de Estado ................................................................................... 38V.b.ii. Polticas de Governo ................................................................................ 38

    V.b.iii. Polticas Pblicas ...................................................................................... 39V.b.iv. Poltica Regulatria .................................................................................. 39V.c. Funes de Estado e Funes de Governo ............................................................ 40V.d. A implementao das polticas pblicas: critrios de mediao,

    ponderao e prudncia ....................................................................................... 40V.e. A difcil articulao entre polticas pblicas polticas regulatrias. .................... 41

    VI.VI .VI .VI .VI . Legalidade e Constitucionalidade dasLegalidade e Constitucionalidade dasLegalidade e Constitucionalidade dasLegalidade e Constitucionalidade dasLegalidade e Constitucionalidade das AgnciasAgnciasAgnciasAgnciasAgncias ......................................................... 43VI.a. Estabilidade dos mandatos dos dirigentes das Agncias ...................................... 43

    VI.a.i. A no violao do artigo 84, II da CF. ...................................................... 43VI.a.ii. O artigo 37, II, da CF. ............................................................................... 45VI.a.iii. A estabilidade dos dirigentes e o princpio democrtico. ......................... 45

    VI.b. Os mandatos no coincidentes ............................................................................. 46VI.c. A constitucionalidade da ausncia de subordinao hierrquica ......................... 47

    VI.c.i. O artigo 84, II, da CF. ............................................................................... 47VI.c.ii. O artigo 87, Pargrafo nico, I, da CF. ...................................................... 48

    VI.d. Da constitucionalidade da concentrao das funes dos poderes ...................... 48VI.d.i. Constitucionalidade dos poderes normativos das Agncias. .................... 49VI.d.ii. Constitucionalidade dos poderes quase judiciais das Agncias. .............. 49

    VI.e. O controle das Agncias ....................................................................................... 50

    VII.VII.VII.VII.VII. Dez Sugestes para oDez Sugestes para oDez Sugestes para oDez Sugestes para oDez Sugestes para o Aperfeioamento do Modelo deAperfeioamento do Modelo deAperfeioamento do Modelo deAperfeioamento do Modelo deAperfeioamento do Modelo de AgnciasAgnciasAgnciasAgnciasAgncias ............................. 50VII.a. A necessidade de uma lei geral sobre o regime jurdico das Agncias ................. 50VII.b. O controle das Agncias. ....................................................................................... 51VII.c. A articulao entre rgos de regulao .............................................................. 51VII.d. A efetivao do juzo tcnico no processo de indicao dos dirigentes

    das Agncias ......................................................................................................... 51VII.e. Maior pluralismo as Agncias ............................................................................... 51VII.f. O incremento da transparncia e participao popular ........................................ 52VII.g. A descentralizao territorial. ............................................................................... 52VII.h. As Agncias e os consumidores. ........................................................................... 52VII.i. A explicitao das fronteiras entre polticas. ........................................................ 52VII.j. A imprescindibilidade de se garantir meios e recursos para o funcionamento

    das Agncias ......................................................................................................... 52

    VIII.VIII.VIII.VIII.VIII. ConclusoConclusoConclusoConclusoConcluso ....................................................................................................................... 53

    Anexo - SumrioAnexo - SumrioAnexo - SumrioAnexo - SumrioAnexo - Sumrio .................................................................................................................... 55

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    Agncias Reguladoras - Instrumentos do Fortalecimento do Estado

    Agncias Reguladoras

    Instrumentos do Fortalecimento do Estado*

    Floriano de Azevedo Marques Neto**

    I.I.I.I.I. IntroduoIntroduoIntroduoIntroduoIntroduo

    I.1.I.1.I.1.I.1.I.1. A primeira efetiva mudana no poder poltico havida aps o processo de redefinio do papel doEstado vivido por ns nos ltimos anos trouxe, naturalmente, o questionamento acerca dospressupostos da nova configurao do Estado, mormente no que toca sua relao com a ordemeconmica. Como a alterao poltica foi profunda, poder-se-ia cogitar de uma tenso maior. A

    postura oportuna e pragmtica do novo governo afastou o risco de rupturas jurdicas e institucionais.A crtica e o debate polticos so inevitveis. E saudveis em si.

    I.2.I.2.I.2.I.2.I.2. Efetivamente, at agora, pouco se havia discutido salvo nos ambientes acadmicos e, mesmoassim, nem sempre com grande profundidade acerca do novo perfil da interveno estatal naeconomia e sobre um dos seus principais instrumentos, as Agncias Reguladoras. Se fato que nosltimos meses proliferaram publicaes sobre direito regulatrio e sobre o regime jurdico das Agncias,tambm verdade de um esforo doutrinrio ps fato. Tais mudanas no direito positivo no foramprecedidas de um amplo debate poltico ou jurdico. A pouca discusso justifica, a um s tempo, queo modelo institucional mostre agora suas falhas e que, passados mais de cinco anos do advento dasprimeiras agncias, persistam, no ambiente poltico, dvidas sobre sua importncia, limites e objetivos.

    I.3.I.3.I.3.I.3.I.3. Desta feita, s podemos receber com alvssaras que o tema surja na pauta do debate pblico. Sassim poderemos, a um s tempo, esclarecer a relevncia e a importncia das Agncias e prospectaros ajustes e alteraes que precisam ser feitos para aperfeioa-las. No debate que se inicia h aindamuito preconceito de parte a parte. As Agncias no so perfeitas (longe disso), nem se prestam aapangio para todos os males. Porm, tampouco so ardilosos instrumentos de esvaziamento dopoder poltico ou de renncia do Estado ao seu papel constitucional em face do domnio econmico.Como no h preconceito que resista ao debate amplo, transparente, e reflexo, temos que ao fime ao cabo desse processo advir o fortalecimento das Agncias como importante instrumento para ofortalecimento da atuao estatal.

    I.4.I.4.I.4.I.4.I.4. O presente trabalho no tem o objetivo de ser uma defesa incondicional das Agncias Reguladoras.

    Isso seria abraar o preconceito inverso. Pretendemos aqui muito mais defender um novo modelo deregulao estatal, no qual as Agncias jogam um papel fundamental. Para isso, antes de tentarexplicar (e, at certo ponto, defender) o modelo jurdico e institucional das Agncias, faz-se necessrioexpor a importncia da atuao regulatria como uma nova forma de interveno estatal em face dodomnio econmico.

    I.5.I.5.I.5.I.5.I.5. O texto est assim organizado: inicialmente, pretendemos expor brevemente os pressupostos damoderna regulao estatal, indicando a importncia que as Agncias tm no exerccio desta funopblica. Logo depois, entraremos na caracterizao dos pressupostos e fundamentos jurdicos das

    * O presente texto foi elaborado em ateno a uma solicitao da ABAR - Associao Brasileira de Agncias de Regulao. Tem por objetivo orientar

    as reflexes e discusses internas aos seus associados. A sua divulgao s pode ser feita mediante autorizao da Abar.** Advogado. Professor Doutor do Departamento de Direito Pblico da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo. Membro do Comit

    Executivo da Sociedade Brasileira de Direito Pblico.

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    ABAR - Associao Brasileira de Agncias de Regulao

    Agncias no Direito brasileiro Na seqncia, far-se- necessria uma digresso sobre a separaoentre Estado e Governo, visando a demarcar como se d a relao entre os espaos de legitimidadedemocrtica e os espaos institucionais voltados ao exerccio das funes de Estado. Na esteira

    dessa discusso, tentaremos delinear os marcos da separao entre polticas pblicas e atividaderegulatria. . No tpico seguinte sero abordados os aspectos atinentes constitucionalidade dasAgncias, analisando as principais crticas que se tm dirigido a estes rgos sob o prismaconstitucional. Algumas sugestes para o seu aperfeioamento sero enfrentadas na seqncia,pouco antes da concluso.

    I.6.I.6.I.6.I.6.I.6. No cogitamos de nos fixarmos em alguma Agncia especfica, pois nosso objetivo analisar osaspectos gerais do modelo. Isso no nos impedir de, ora e vez, fazer referncia a um determinadorgo regulador para exemplificar uma observao ou para traar alguma diferenciao. Ao trabalho.

    II.II.II.II.II. FFFFFinalidades e Fundamentos da Moderna Regulao Econmicainalidades e Fundamentos da Moderna Regulao Econmicainalidades e Fundamentos da Moderna Regulao Econmicainalidades e Fundamentos da Moderna Regulao Econmicainalidades e Fundamentos da Moderna Regulao EconmicaII.a.II.a.II.a.II.a.II.a. A interveno estatal:A interveno estatal:A interveno estatal:A interveno estatal:A interveno estatal: a relao entre Estado e sociedadea relao entre Estado e sociedadea relao entre Estado e sociedadea relao entre Estado e sociedadea relao entre Estado e sociedade

    II.1.II.1.II.1.II.1.II.1. O surgimento das Agncias entre ns no decorre (como chega a sustentar ferinamente parte dadoutrina1 ) de um modismo ou uma mudana perfunctria na estrutura da Administrao pblica.Foi fruto, isto sim, de uma profunda mudana na relao do aparelho estatal com a sociedade,particularmente com a ordem econmica.

    II.2.II.2.II.2.II.2.II.2. O Estado, de alguma maneira, sempre interferiu nas relaes econmicas. Inicialmente, o faziaeditando leis para disciplinar genericamente a ao dos agentes privados, manejava o poder depolcia ou, eventualmente, incumbia-se de algumas atividades de relevncia social, elevadas

    condio de servios pblicos. Posteriormente, essa interveno se avulta e a interferncia estatalno domnio econmico passa a envolver a prpria explorao de atividade econmica por enteestatal (empresas estatais, sociedades de economia mista, etc.). Estas hipteses de intervenosempre se fizeram a partir de decises polticas estratgicas e envolviam a subtrao do setorespecfico sujeito incidncia da ao estatal da regra de liberdade de iniciativa econmica.

    Ou seja, definida a necessidade de interveno do Estado num domnio econmico, procedia-se a umareserva daquela atividade econmica iniciativa estatal, quer mediante a introduo de um regime de privilgioda sua explorao (no caso dos servios pblicos, s explorveis pelo Estado ou por seus delegatrios), quermediante o regime de monoplio (nos casos de atividades econmicas consideradas estratgicas ou de relevnciapara o interesse nacional). Mesmo quando a interveno estatal direta se dava em setores onde havia o convvio

    entre o operador estatal e operadores privados (como ocorria e ocorre no setor bancrio), a atuao do entepblico revestia-se de algumas prerrogativas ou vantagens competitivas2 , alm de uma certa imunidade aocontrole pblico3 .

    1 Ver neste sentido o texto de meu dileto amigo e professor Eros GRAU AsAsAsAsAs AgnciasAgnciasAgnciasAgnciasAgncias,,,,, essas Reparties Pblicasessas Reparties Pblicasessas Reparties Pblicasessas Reparties Pblicasessas Reparties Pblicas, in Regulao eRegulao eRegulao eRegulao eRegulao eDesenvolvimento,Desenvolvimento,Desenvolvimento,Desenvolvimento,Desenvolvimento,Calixto SALOMO FILHO (coord.), So Paulo, Malheiros, 2002, pginas 25 e seguintes.

    2 Neste sentido, as disposies constantes da Constituio de 1988 (artigo 173, 1, II e 2) no foram suficientes para suprimir estas vantagenscompetitivas que se traduziam no especificamente em regime fiscal ou tributrio prprio, mas nos benefcios em si que decorrem da relao decontroladas do Estado.

    3 Imunidade que se manifestou de vrias formas. Interditando o controle de condutas das empresas estatais contrrias legislao de proteo concorrncia, dificultando a aplicao das normas de proteo ao consumidor de bens ou servios produzidos ou comercializados por empresascontroladas pelo Estado ou ainda tornando ineficaz a regulao sobre estas empresas mesmo em setores sujeitos regulao setorial. Exemplodisso foi a lenincia da regulao exercida pelo Banco Central sobre os bancos estatais. Neste sentido, a omisso em dar cumprimento regraconstante do artigo 173, 3, da Constituio apenas aguou essa evidncia.

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    Agncias Reguladoras - Instrumentos do Fortalecimento do Estado

    II.bII.bII.bII.bII.b..... A Interveno estatal orientada pelos interesses do Estado-naoA Interveno estatal orientada pelos interesses do Estado-naoA Interveno estatal orientada pelos interesses do Estado-naoA Interveno estatal orientada pelos interesses do Estado-naoA Interveno estatal orientada pelos interesses do Estado-nao

    II.3.II.3.II.3.II.3.II.3. O pressuposto da interveno estatal era o atingimento do interesse pblico justificador da atuaodireta do Estado no domnio econmico. Porm esse interesse pblico se revelava em interesses doEstado-nao, consoante objetivos de desenvolvimento nacional, interesse estratgico, segurananacional, relevncia pblica da atividade, etc. Tal perseguio do interesse pblico era suficientepara justificar a interdio da atuao dos atores privados no setor objeto da interveno (algo quese concretizava tanto no monoplio de atividade econmica em sentido estrito, como no regime deprivilgio ou exclusividade na prestao de servio pblico pelo estado ou ente delegado seu), bemcomo legitimava a imunidade aos instrumentos de controle do exerccio de atividade econmica.Justificava ainda a prescindibilidade de um aparato estatal para controlar a atividade cometida aoente estatal. Se a atividade do operador pblico era controlada (via cadeia de controle 4) peloEstado, o interesse pblico estaria sempre consagrado na atuao deste operador, tornando semsentido outras formas de controle da atividade explorada pelo ente estatal.

    II.3.1.II.3.1.II.3.1.II.3.1.II.3.1. Tal raciocnio servia tambm para sustentar a importncia menor que se dava proteo doadministrado, enquanto consumidor ou usurio de bens e servios produzidos oucomercializados pelas empresas estatais. Assim como no faria sentido invocar regras deproteo ao consumidor quando o Estado exerce sua autoridade (por exemplo, mediantesujeies de ordem geral ou exerccio do poder de polcia), tambm no caberia exigir talproteo enquanto usurio de um servio pblico explorado por uma estatal ou enquantoadquirente de um bem produzido ou comercializado em regime de monoplio estatal. Sendotais entes estatais meros instrumentos para consecuo do interesse pblico definido nombito do poder poltico, constitua uma aberrao sujeitar sua ao (e por conseqncia ainterveno estatal por meio dela concretizada) a interesses privados, mesmo que fosse o

    interesse do indivduo (consumidor) suposto beneficirio da atuao estatal.II.4.II.4.II.4.II.4.II.4. Neste processo, o beneficirio da interveno estatal direta no domnio econmico era o interesse

    pblico traduzido no interesse do Estado-nao (cujo contedo haveria de ser definido e redefinidopermanentemente pelo poder poltico). O interesse do cidado, do administrado, do consumidor, dasociedade em suma, somente seria consagrado como parte-beneficiria do interesse nacional.Razo pela qual no havia muita razo tomar estes interesses (interpretados no como difusos,mas como interesses privados contrapostos ao interesse pblico, estatal) como parmetro modeladorda interveno estatal.

    Da mesma forma, os interesses dos demais agentes econmicos privados que travassem contatocom os entes de interveno estatal (seja estabelecendo com eles relaes comerciais, seja serelacionando na cadeia econmica) tampouco haveriam de ser considerados. O ente estatal poderiapraticar condutas teoricamente contrrias s regras de direito concorrencial, abusar no preo dosinsumos necessrios a outras indstrias, exorbitar no exerccio de sua dominncia de mercado.Afinal, sendo mero vetor de consecuo do interesse geral da coletividade, sua conduta no poderiaser refreada por interesses menores (porque privados) de natureza empresarial.

    II.5.II.5.II.5.II.5.II.5. De resto, a interveno direta na ordem econmica, predominante entre ns at o incio dosanos 90, tinha por vis uma postura contrria ao mercado. Os interesses do Estado-nao eramnecessariamente contrrios aos interesses privados pois a realizao destes implicaria eminterdio consecuo daqueles. Nesta perspectiva, a absoro de atividade econmica pelo

    4 Entendendo-se por cadeia de controle as relaes hierrquicas de sujeio e subordinao que caracterizam a comunicao entre os agentespolticos e os quadros dirigentes das empresas estatais operadoras no domnio econmico.

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    Estado se justificava pela incompatibilidade (ou desconformidade) dos agentes privados atuaremno sentido da consagrao do interesse pblico. Como esse haveria de ter a supremacia sobreaquele, justificada estava a supresso da iniciativa privada em setores relevantes da economia.

    Da decorrer o carter predominantemente excludente da iniciativa privada nos setores ondehavia interveno estatal direta. Disso tambm advinha a presuno de que o interesse pblicoestaria automaticamente consagrado se um setor da atividade econmica fosse reservado explorao estatal.

    II.6.II.6.II.6.II.6.II.6. A lgica da interveno estatal prevalecente entre ns at h pouco tempo era, pois, centrada nasupremacia do interesse pbico (entendido como interesse do Estado-nao) sobre os interessesprivados. Ao governante de turno (investido ou no de legitimidade democrtica, pois, no perodomais intervencionista de nossa histria recente, os governos sequer eram eleitos) competia decidir,a partir de sua leitura poltica dos interesses gerais da sociedade, quanto, de que modo e emfavor de quem dar-se-ia sua ao na ordem econmica. E, por definio, esse interesse pblico

    era incontrastvel pelo indivduo (salvo, claro, quando seu exerccio se desse fora dos lindes dalei e do Direito).

    II.c.II.c.II.c.II.c.II.c. Autonomia poltica e instabilidade decisriaAutonomia poltica e instabilidade decisriaAutonomia poltica e instabilidade decisriaAutonomia poltica e instabilidade decisriaAutonomia poltica e instabilidade decisria

    II.7.II.7.II.7.II.7.II.7. Neste contexto da interveno estatal (marcada, reiteramos, por uma forte interveno direta, pelaabsoro de atividades econmicas pelo Estado) havia, por certo, uma maior autonomia para opoder estatal e, em contrapartida, uma substancialmente menor margem de autonomia para asociedade. Neste cenrio, a vontade poltica (entendida como a orientao do governante) se punhamuito mais eficaz (demandando menor necessidade de mediao para sua concretizao). Porm,

    a atividade econmica, fato, acabava por padecer de uma enorme instabilidade, pois as decisespolticas so necessariamente cambiantes (fruto da natural necessidade de acomodao dosinteresses polticos e das premncias da alternncia de poder) e buscam responder s demandasmais imediatas (prprias do ambiente poltico).

    II.8.II.8.II.8.II.8.II.8. Alm disso, num contexto de interveno predominantemente direta na economia, os objetivosperseguidos pelo Estado so de natureza geral, mormente sem grande preocupao com o equilbrioespecfico do setor onde recai essa interveno. Como os reflexos positivos ou negativos da aonum determinado setor visam ao interesse geral (interesse do Estado-nao), os resultados deveriamser repartidos por toda a coletividade. Do mesmo modo, como o sucesso ou insucesso de umdeterminado ente estatal (por exemplo, os prejuzos de uma empresa controlada pelo Estado ou

    sua ineficincia em prover a sociedade dos bens e servios a seu cargo) eram carregados peloEstado e, eventualmente, neutralizados pelo aporte de recursos pblicos, no havia razo para quea ao estatal no domnio econmico levasse em conta os reflexos especficos produzidos no setorobjeto da interveno.

    II.9.II.9.II.9.II.9.II.9. Bom exemplo para ilustrar essa forma do Estado operar no domnio econmico a poltica deremunerao pelos bens e servios produzidos por entidades estatais.

    No contexto em que a interveno se dava mediante assuno pelo Estado da explorao deatividades econmicas relevantes ou essenciais, a poltica de preos (sejam tarifas no caso deatividades consideradas servios pblicos sejam simples preos praticados por empresas estatais)era definida no ambiente poltico, a partir da avaliao de fatores que pouco ou nada serelacionavam com os interesses especficos do setor regulado. A majorao ou minorao depreos podia ser determinada, diretamente, pela vontade poltica do governante, pautada por

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    de competio em setores sujeitos interveno estatal direta), o que leva alguns autores a caracterizar essanova regulao como regulao para a competio6.

    II.11.II.11.II.11.II.11.II.11. A atividade estatal de regulao7 no deixa de ser uma forma de interveno estatal na economia.

    Porm uma forma de interveno que nos seus pressupostos, objetivos e instrumentos diferesubstancialmente da interveno direta no domnio econmico8.

    II.11.1.II.11.1.II.11.1.II.11.1.II.11.1. Difere nos seus pressupostosDifere nos seus pressupostosDifere nos seus pressupostosDifere nos seus pressupostosDifere nos seus pressupostos porque a interveno regulatria muito mais pautadapelo carter de mediaocarter de mediaocarter de mediaocarter de mediaocarter de mediao do que pela imposio de objetivos e comportamentos ditadapela autoridade. prprio dessa concepo de regulao a permeabilidade do enteregulador aos interesses dos regulados, sejam operadores econmicos, sejam usurios,sejam mesmo os prprios interesses estatais enredados no setor regulado.

    essencial noo de moderna regulao que o ente regulador estatal dialogue e interaja com osagentes sujeitos atividade regulatria buscando no apenas legitimar a sua atividade, como tornar a regulao

    mais qualificada porquanto mais aderente s necessidades e perspectivas da sociedade9

    . Fruto da prpriadificuldade do Estado, hoje, de impor unilateralmente seus desideratos sobre a sociedade, mormente no domnioeconmico, faz-se necessrio que a atuao estatal seja pautada pela negociao, transparncia epermeabilidade aos interesses e necessidades dos regulados. Portanto, o carter de imposio da vontade daautoridade estatal(que impe o interesse pblico selecionado pelo governante) d lugar, na moderna regulao, noo de mediao de interesses, no qual o Estado exerce sua autoridadeno de forma impositiva, masarbitrando interesses e tutelando hipossuficincias10.

    6 Asi, la liberalizacin y la reduccin do papel do Estado productor y director de la vida econmica (planificador en sentido tradicional) debecompensarse con el nuevo sentido de regulacin para la competencia y para garantizar la prestacin de servicios esenciales.(Cf. Gaspar ARIOORTIZ, Principios de Derecho Pblico EconmicoPrincipios de Derecho Pblico EconmicoPrincipios de Derecho Pblico EconmicoPrincipios de Derecho Pblico EconmicoPrincipios de Derecho Pblico Econmico, Granada, Comardes, 2001, pgina 292).

    7 De minha parte, entendo que por regulao deve-se compreender toda a atividade estatal sobre o domnio econmico que no envolva aassuno direta da explorao de atividade econmica (em sentido amplo). dizer, toda a atividade do poder pblico no campo da economia queno implique nem na assuno da titularidade da explorao de atividade econmica quer como servio pblico (artigo 175 da CF), quer comomonoplio de atividade econmica em sentido estrito (artigo 177 da CF) , e nem envolva a explorao destas atividades, em regime de mercado,por meio de empresas estatais (artigo 173 da CF). No mbito da regulao estatal estariam compreendidas atividades como a de coordenar,fiscalizar, dirigir, coibir ou desincentivar condutas, incentivar, fomentar, planejar, organizar, que sejam necessrias para atingimento de objetivos deordem pblica consentneos com os objetivos da ordem econmica constitucional (artigo 170 da CF). (CF. meu Regulao Setorial eRegulao Setorial eRegulao Setorial eRegulao Setorial eRegulao Setorial eAutoridadeAutoridadeAutoridadeAutoridadeAutoridadeAntitrusteAntitrusteAntitrusteAntitrusteAntitruste..... A Importncia da Independncia do Regulador,A Importncia da Independncia do Regulador,A Importncia da Independncia do Regulador,A Importncia da Independncia do Regulador,A Importncia da Independncia do Regulador, in Celso Fernandes CAMPILONGO, Jean Paul Cabral Veiga da ROCHA e PauloTodescan Lessa MATTOS, Concorrncia e Regulao no Sistema FConcorrncia e Regulao no Sistema FConcorrncia e Regulao no Sistema FConcorrncia e Regulao no Sistema FConcorrncia e Regulao no Sistema Financeiroinanceiroinanceiroinanceiroinanceiro, So Paulo, Max Limonad, 2002, pgina 96).

    8 Em outra oportunidade asseverei: De fato, a alterao no paradigma regulatrio e no modo do exerccio da autoridade estatal vivida por nsimplica em mudanas de vrias ordens. H uma primeira ordem de mudanas que se revela na mudana do foco principal da regulao, dizer, nosobjetivos pelos quais se justifica a atuao regulatria estatal. Um segundo plano se refere ao eixo da regulao, que perde um tanto de seucarter autoritrio, deslocando-se de eixo impositivo, vertical (tpico das relaes de autoridade) para um eixo mais negocial, pautado por relaeshorizontais (adequado a uma regulao mais mediadora, reflexiva). Um terceiro plano se refere ao modo de se exercer a atividade regulatria,

    operando-se no campo do mtodo de atuao estatal. Cuidam-se do que chamo de transformaes metodolgicas e que se mostram na crescenteprocedimentalizao, transparncia e especialidade no exerccio da regulao. Por fim, est o plano das transformaes mais visveis, aquelas quese do nos instrumentos jurdicos e administrativos, como a introduo de mecanismos de regulao contratual, o crescimento de normas quadro,instrumentos de poltica tarifria inovadores. neste plano especfico em que se coloca a criao das agncias independentes, entendidas comoinstrumentos aptos a concretizar as mudanas narradas nos trs outros planos. (Cf. Balano e PBalano e PBalano e PBalano e PBalano e Perspectiverspectiverspectiverspectiverspectivas dasas dasas dasas dasas dasAgncias Reguladoras noAgncias Reguladoras noAgncias Reguladoras noAgncias Reguladoras noAgncias Reguladoras noBrasilBrasilBrasilBrasilBrasil, in Conjuntura & Informao, Revista da ANP Agncia Nacional do Petrleo, julho a setembro de 2001, nmero 15, pgina 4).

    9 No meu Regulao Estatal e Interesses PblicosRegulao Estatal e Interesses PblicosRegulao Estatal e Interesses PblicosRegulao Estatal e Interesses PblicosRegulao Estatal e Interesses Pblicos(So Paulo, Malheiros, 2002) pude assim explicar esse processo: A emergncia de entesreguladores autnomos corresponde indubitavelmente necessidade do poder poltico de constituir espaos em que sejam possveis articulaoe a mediao de interesses, em que seja vivel a interlocuo com os diversos plos de poder poltico existentes na sociedade contempornea.Mais ainda, traduz-se como uma resposta necessidade de flexibilidade e de comunicabilidade que revestem o intervencionismo hodierno (intervenoreguladora). (Cf. pgina 199).

    10 Em outra oportunidade, expliquei esse processo da seguinte forma: se pe, portanto, imprescindvel a capacitao do poder poltico para i)assegurar a manuteno das regras do jogo que vo balizar os conflitos entre os interesses pblicos especiais ou assegurar o respeito aos direitosindividuais; ii) exercer sua capacidade regulatria de modo a preservar os interesses pblicos em geral mas com especial ateno aos hipossuficientes(o que envolve no s o interesse dos excludos sociais, como tambm aquele plexo de interesses que, pela sua desagregao natural, noconseguem ser auto-defendidos); e iii) manter uma permanente interlocuo, matizada por princpios de transparncia radical, do poder pblicocom os diversos atores sociais, erradicando-se o carter autoritrio da regulao. (Cf. meu A Republicizao do Estado e os InteressesA Republicizao do Estado e os InteressesA Republicizao do Estado e os InteressesA Republicizao do Estado e os InteressesA Republicizao do Estado e os InteressesPblicosPblicosPblicosPblicosPblicos, pgina 188).

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    II.11.2.II.11.2.II.11.2.II.11.2.II.11.2. Difere dos seus objetivosDifere dos seus objetivosDifere dos seus objetivosDifere dos seus objetivosDifere dos seus objetivos porque, contrariamente ao que ocorre na interveno estataldireta, os objetivos se deslocam dos interesses do Estado-nao e passam a se identificarmais com os interesses da sociedade (tanto os interesses dos cidados consumidores

    efetivos ou potenciais de bens econmicos quanto os interesses subjacentes s relaeseconmicas)11. A interveno estatal direta se justifica pela incompatibilidade supostaentre interesses pblicos e a atuao privada. J a moderna regulao estatal procuraatuar no sentido de compor e articular os interesses pblicos com os interesses dosparticulares, partindo do pressuposto de que a atuao privada em setores sujeitos regulao no s aceitvel como essencial para atingir o interesse pblico. Antesobjetivar suprimir espaos da atuao privada, procura condicionar, amoldar, incentivar ecoordenar (em uma palavra, regular) a atuao dos particulares12.

    II.11.3.II.11.3.II.11.3.II.11.3.II.11.3. Por fim, difere nos instrumentosdifere nos instrumentosdifere nos instrumentosdifere nos instrumentosdifere nos instrumentos porque a regulao vai demandar a construo demecanismos de interveno estatal que permitam efetivar essa nova forma de

    relacionamento com os agentes econmicos. Os espaos de exerccio da regulaodevero ser aptos ao exerccio da mediao e da interlocuo com os agentesinterlocuo com os agentesinterlocuo com os agentesinterlocuo com os agentesinterlocuo com os agentesenvolvidos no setor reguladoenvolvidos no setor reguladoenvolvidos no setor reguladoenvolvidos no setor reguladoenvolvidos no setor regulado.....De outro lado, o manejo das competncias regulatriaspassa a seguir regras e procedimentos aptos a impedir que a atividade regulatria sejacapturada por interesses privados ou que seja cerceada pelos interesses das foraspolticas. A esse tema retornaremos mais frente.

    II.eII.eII.eII.eII.e..... A moderna regulao e a busca doA moderna regulao e a busca doA moderna regulao e a busca doA moderna regulao e a busca doA moderna regulao e a busca do equilbrioequilbrioequilbrioequilbrioequilbrio no setor reguladono setor reguladono setor reguladono setor reguladono setor regulado

    II.12.II.12.II.12.II.12.II.12. A moderna noo de regulao remete idia de equilbrio dentro de um dado sistemaA moderna noo de regulao remete idia de equilbrio dentro de um dado sistemaA moderna noo de regulao remete idia de equilbrio dentro de um dado sistemaA moderna noo de regulao remete idia de equilbrio dentro de um dado sistemaA moderna noo de regulao remete idia de equilbrio dentro de um dado sistema

    reguladoreguladoreguladoreguladoregulado. Como dito, a regulao busca equilibrar os interesses internos a um sistema econmico(um setor ou uma atividade econmica). Porm, o equilbrio buscado pela regulao poderenvolver tambm a introduo de interesses gerais, externos ao sistema, mas que tenham deser processados pelo regulador de forma que a sua consecuo no acarrete a inviabilidade dosetor regulado. Explicamos.

    II.12.1.II.12.1.II.12.1.II.12.1.II.12.1. A partir do momento em que se aceita a possibilidade de interveno estatal, indireta emface da ordem econmica, sem excluir a atuao da iniciativa privada (abandonandoaquela postura hostil ao mercado de que nos fala Vital MOREIRA para uma concepoque v na competio e na atuao dos atores privados valores em si a serem fomentadospelo Estado), pe-se bvio que a ao estatal no possa se dar exclusivamente pela prtica

    de atos de fora ou pela interdio da explorao de uma atividade iniciativa privada.A ao estatal passa a depender do equilbrio entre os interesses privados (competio, respeito aos

    direitos dos usurios, admisso da explorao lucrativa de atividade econmica) com as metas e objetivos deinteresse pblico (universalizao, reduo de desigualdades, modicidade de preos e tarifas, maioresinvestimentos, etc.). Se, por exemplo, se podia impor ao operador estatal a reduo dos valores cobrados por

    11 nesse contexto que a velha interveno pesada, pr-Estado, se transforma numa interveno leve, pr sociedade. O papel do Estado muda: deagente monopolista, concorrente ou regulamentador, torna-se um agente regulador e fomentador. No se trata de um movimento para chegar aoEstado mnimo, como se poderia pensar, mas para torna-lo um Estado melhor.(Cf. Diogo Figueiredo MOREIRA NETO, Direito Regulatrio,Direito Regulatrio,Direito Regulatrio,Direito Regulatrio,Direito Regulatrio, Riode Janeiro, Renovar, 2003, pgina 74).

    12 Vital Moreira pondera que essa nova forma do Estado atuar em face do domnio econmico decorre de duas mudanas substanciais no paradigmaregulatrio. De uma lado, afirma o autor portugus, est o fato de que se passa de uma atuao estatal hostil ao mercado para uma posturaconstitutiva e fomentadora do mercado. De outro lado, muda-se de uma viso de proteo do setor objeto da interveno (defesa dos interessespblicos exclusivamente alocados setorialmente) para uma regulao voltada para o interesse geral e para o interesse dos usurios. (Cf. VitalMOREIRA e Fernanda MAS, Autoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras Independentes, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, pgina 10).

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    um bem ou a obrigao de expandir o universo de atendimento de seus servios sem grande necessidade demediao (ainda que isso importasse, no mdio prazo, malefcios para a coletividade), num contexto de novaregulao e de abertura de atividades relevantes explorao privada faz-se necessrio uma ponderao, um

    sopesamento, um equilbrio enfim, entre as metas de interesse geral e os objetivos dos particulares envolvidos(repita-se, sejam eles operadores econmicos ou consumidores). neste exato quadrante que se concebe amoderna regulao estatal da economia nos termos do que se introduziu entre ns nos ltimos anos.

    II.fII.fII.fII.fII.f..... A moderna regulao e os interesses pblicosA moderna regulao e os interesses pblicosA moderna regulao e os interesses pblicosA moderna regulao e os interesses pblicosA moderna regulao e os interesses pblicos

    II.13.II.13.II.13.II.13.II.13. Importante notar que haja quem sustente que a regulao visaria apenas a preservar as condiesde funcionamento de um dado sistema econmico (ou, se quisermos, de um setor da economia, deuma indstria ou de um mercado).

    II.13.1.II.13.1.II.13.1.II.13.1.II.13.1. Nesta perspectiva, mais restritiva, a regulao visaria exclusivamente a garantir o equilbriodo mercado, coibindo prticas distorcidas dos agentes econmicos. Buscaria apenas corrigiras assim chamadas falhas do mercado. Portanto, sua funo seria apenas assegurar oequilbrio interno ao sistema regulado13 , evitando abusos ou distores que, em ltimainstncia, pudessem comprometer o prprio funcionamento do setor sujeito regulao.

    II.13.2.II.13.2.II.13.2.II.13.2.II.13.2. Cremos que (particularmente no Brasil) a funo regulatria h de ser mais ampla 14. Seum dos fundamentos da regulao manter o equilbrio de um dado mercado (setor daeconomia), isso no h de impedir que pela atividade regulatria sejam introduzidosobjetivos de ordem geral (consentneos inclusive com os princpios reitores da ordemeconmica constantes do artigo 170 da Constituio Federal - CF) que no seriamalcanados exclusivamente pela ao a livre iniciativa dos agentes econmicos15. Emboraa definio destes objetivos no caiba aos entes reguladores (pois devero ser estabe-lecidos nos espaos de definio das polticas pblicas), cabe aos rgos reguladoresviabilizar o atingimento destes objetivos de modo que eles sejam absorvidos pelo sistemaregulado com o menor desequilbrio possvel.

    II.13.3.II.13.3.II.13.3.II.13.3.II.13.3. Tomemos um determinado setor regulado no qual seja interesse do Estado brasileiro,buscando reduzir as desigualdades sociais, ensejar uma poltica de universalizao deuma dada utilidade pblica. Definida essa poltica, caber ao regulador manejar suascompetncias para ver atingido este objetivo. Dever faz-lo arbitrando os nus de formavivel e equilibrada entre os diferentes agentes atuantes no setor, sopesando obrigaese vantagens competitivas, criando incentivos ou restries, ou seja regulando o setor para,mantendo seu equilbrio interno, consagrar o interesse pblico.

    13 Apesar da gama razoavelmente ampla de linhas doutrinrias que sustentam este entendimento, basicamente aqui estaramos diante dos seguidoresda Escola Clssica ou Econmica da regulao. Essa linha sustenta que a atividade regulatria estatal (e de resto toda hiptese de intervenoestatal na economia) no teria outro objetivo que no a preservao dos interesses do mercado, buscando corrigir suas falhas sistmicas e,conseqentemente, assegurar a reproduo das relaes econmicas. Essa linha de entendimento, marcadamente liberal, (que tem nas obras de G.Stigler e C. Friedland seu principal ncleo doutrinrio) v a subsidiariedade da interveno estatal de forma bastante restritiva de modo que ainterferncia estatal na ordem econmica s se justifica se inexistir soluo no mercado que seja economicamente mais eficiente. Fcil perceber daque dessa linha de concepo resulta o germe das teorias da desregulao. Ver, para uma panormica do tema Calixto SALOMO FILHO, RegulaoRegulaoRegulaoRegulaoRegulaodadadadadaAtividade EconmicaAtividade EconmicaAtividade EconmicaAtividade EconmicaAtividade Econmica, So Paulo, Malheiros, 2001, pginas 16 e seguintes.

    14 Por bvio, filio-me a uma corrente doutrinria mais afeita tradio do direito administrativo europeu, marcada pela noo de servio pblico ecom grande proximidade da Escola do Interesse Pblico. Por esta linha, entende-se que o objetivo da regulao seria a busca do bem comum, ouse quisermos a consecuo de interesses gerais inatingveis pelo livre jogo dos interesses econmicos privados.

    15 Com meu entendimento parece concordar Maral JUSTEN FILHO: Tradicionalmente, supunha-se que a interveno estatal no domnio econmicodestinava-se a dar suporte ao mecanismo de mercado e a eliminar eventuais desvios ou inconvenincias. J o modelo regulatrio admite a possibilidadede interveno destinada a propiciar a realizao de certos valores de natureza poltica ou social. O mercado no estabelece todos os fins a seremrealizados na atividade econmica. (Cf. O Direito dasO Direito dasO Direito dasO Direito dasO Direito dasAgncias Reguladoras IndependentesAgncias Reguladoras IndependentesAgncias Reguladoras IndependentesAgncias Reguladoras IndependentesAgncias Reguladoras Independentes, So Paulo, Dialtica, 2002, pgina 24 e 25).

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    II.13.4.II.13.4.II.13.4.II.13.4.II.13.4. Neste sentido, temos que a atividade regulatria estatal no envolve apenas uma funoestabilizadora (preservar o equilbrio do mercado), mas compreende tambm algumafuno redistributiva. Tanto assim que o texto constitucional (artigo 174), ao prever o

    papel do Estado como ente normativo e regulador da atividade econmica, lista dentresuas incumbncias a funo de incentivar e planejar atividades econmicas, o que d regulao uma conotao muito mais ampla do que a simples correo de falhas demercado. Porm, importante que se repita, esse carter redistributivo (ou, comoprefiro, de consecuo de objetivos pblicos extra sistema econmico) coloca-se pelaregulao a partir de uma perspectiva de mediao de interesses e de busca de equilbriointerno ao sistema regulado.

    II.g.II.g.II.g.II.g.II.g. Atividade regulatria eAtividade regulatria eAtividade regulatria eAtividade regulatria eAtividade regulatria eatividade regulamentaratividade regulamentaratividade regulamentaratividade regulamentaratividade regulamentar

    II.14.II.14.II.14.II.14.II.14. Neste passo, cumpre separar a atividade regulatria da atividade regulamentaratividade regulatria da atividade regulamentaratividade regulatria da atividade regulamentaratividade regulatria da atividade regulamentaratividade regulatria da atividade regulamentar.....O baralhamentoentre os dois conceitos leva alguns doutrinadores a reduzir a atividade de regulao estatal ao seucarter meramente normativo16. Esta mesma confuso est tambm na base de posies doutrinriasque procuram identificar o processo de reforma regulatria (e o crescimento dos mecanismos denova regulao estatal) com processos de desregulamentao ou de desregulao.

    II.14.1.II.14.1.II.14.1.II.14.1.II.14.1. A atividade de regulao estatal envolve dentro das balizas acima divisadas funesmuito mais amplas que a funo regulamentar17 (consistente em disciplinar uma atividademediante a emisso de comandos normativos, de carter geral, ainda que com abrangnciameramente setorial). A regulao estatal envolve, como veremos adiante mais amide,atividades coercitivas, adjudicatrias, de coordenao e organizao, funes de fiscalizao,

    sancionatrias, de conciliao (composio e arbitragem de interesses), bem como oexerccio de poderes coercitivos e funes de subsidiar e recomendar a adoo de medidasde ordem geral pelo poder central18. Sem essa completude de funes no estaremosdiante do exerccio de funo regulatria19.

    Porm, no fosse essa pliade de atividades intrnseca funo de regulao, a sua distino da atividademeramente normativa e regulamentar, entre ns, j estaria patente do prprio texto constitucional. Com efeito, oartigo 174 da CF imputa ao estado o papel de agente normativo e regulador da atividade econmica(a qual,nos parece, aqui utilizada no sentido amplo, compreendendo tanto as atividades econmicas em sentido estrito

    16 Esse parece ser o entendimento de Maria Sylvia Zanella DI PIETRO para quem Agncia reguladora, em sentido amplo, seria o direito brasileiro,qualquer rgo da Administrao Direta ou entidade da Administrao Indireta com funo de regular as matrias que lhe esto afetas. Nestesentido, a nica coisa que constitui inovao o prprio vocbulo, anteriormente no utilizado para designar entes da Administrao Pblica. AAAAAfuno normativfuno normativfuno normativfuno normativfuno normativa sempre foi exercida por inmeros rgos daa sempre foi exercida por inmeros rgos daa sempre foi exercida por inmeros rgos daa sempre foi exercida por inmeros rgos daa sempre foi exercida por inmeros rgos daAdministrao Pblica,Administrao Pblica,Administrao Pblica,Administrao Pblica,Administrao Pblica, com maior ou menor alcancecom maior ou menor alcancecom maior ou menor alcancecom maior ou menor alcancecom maior ou menor alcance,,,,, com ou sem fundamentocom ou sem fundamentocom ou sem fundamentocom ou sem fundamentocom ou sem fundamentoconstitucional.constitucional.constitucional.constitucional.constitucional.Tal como nos Estados Unidos, a prpria lei que instituiu esses entes j lhes confere poder normativo.(Cf. DireitoDireitoDireitoDireitoDireitoAdministrativoAdministrativoAdministrativoAdministrativoAdministrativo,So Paulo, Atlas, 13 edio, 2001, pgina 394). H que se reconhecer que na seqncia a ilustre administrativista reconhece que as agnciascumprem um papel novo ao assumir outras funes que no apenas as de carter normativo.

    17 Neste sentido ver Edmir Netto de ARAUJO, AAAAA AparenteAparenteAparenteAparenteAparente Autonomia dasAutonomia dasAutonomia dasAutonomia dasAutonomia das Agncias Reguladoras,Agncias Reguladoras,Agncias Reguladoras,Agncias Reguladoras,Agncias Reguladoras, in Alexandre de MORAES, AgnciasAgnciasAgnciasAgnciasAgnciasReguladorasReguladorasReguladorasReguladorasReguladoras, So Paulo, Atlas, 2002, pgina 40.

    18 Vital MOREIRA e Fernanda MAS desvelam perfeitamente o equvoco da interpretao ora refutada: Alguns autores, sob a influncia do Direitonorte-americano, tendem a identificar autoridades de regulao com autoridades detentoras de poderes regulamentares, com vista a garantir aordenao de um dado setor da actividade social. Tal modo de ver as coisas no corresponde ou no traduz a realidade, na medida em que aregulao no se identifica com a regulamentao. A regulamentao, ou seja, o estabelecimento de regras de conduta para os regulados, ,somente uma das vertentes da regulao, latu sensu, que tambm abrange a implementao das regras, a sua superviso e o sancionamento dasinfraces s mesmas.(in Autoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras Independentes, cit., pgina 16. Redao do original portugus).

    19 Como mais uma vez nos ensina Vital MOREIRA o conceito de regulao deve abranger todas as medidas de condicionamento da actividadeeconmica, revistam ou no de forma normativa.(Cf. Auto-Regulao Profissional eAuto-Regulao Profissional eAuto-Regulao Profissional eAuto-Regulao Profissional eAuto-Regulao Profissional e Administrao PblicaAdministrao PblicaAdministrao PblicaAdministrao PblicaAdministrao Pblica,,,,,Coimbra, Almedina, 1997,pgina 36).

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    como aquelas consideradas servios pblicos20). Ora, se o Constituinte se arvorou no dever de distinguir os doispapis do Estado em face da ordem econmica, separando a atividade regulamentar (normativa) da atividaderegulatria (esta ltima compreendendo o detalhamento dos aspectos de fiscalizao, incentivo e planejamento),

    certo que, para a ordem constitucional brasileira, regular no sinnimo de regulamentarregular no sinnimo de regulamentarregular no sinnimo de regulamentarregular no sinnimo de regulamentarregular no sinnimo de regulamentar.....II.14.2.II.14.2.II.14.2.II.14.2.II.14.2. A outra posio, a nosso ver equivocada, aquela que identifica a regulao estatal

    com os processos de desregulamentaoda atividade econmica. Quem melhor expeesse entendimento Eros GRAU quando afirma que como os norte-americanos usamo vocbulo regulation para significar o que designamos regulamentao, deregulation,para eles, assume o mesmo significado que indicamos ao usar o vocbulo regulao;vale dizer: a deregulation dos norte-americanos est para a regulation assim como,para ns, a regulao est para a regulamentao.21No nos parece cabvel aassociao tanto pelos seus pressupostos, quanto pelos seus resultados.

    II.14.2.1.II.14.2.1.II.14.2.1.II.14.2.1.II.14.2.1.Primeiro, o raciocnio falho na medida em que parte de uma identificao no

    necessariamente correta, mesmo no direito americano, entre regulao eregulamentao. O termo regulationdos americanos abrange no apenas aatividade normativa (de regulamentao), mas uma ampla gama de atividadesde interveno no domnio econmico. Querer associar, como sinnimos,regulatione regulamentao reduzir exageradamente a atividade regulatriadesenvolvida no direito americano22. Embora os rgos reguladores americanostenham como uma de suas principais funes regulamentar a indstria regulada,a sua atividade (de regulao do setor) muito mais ampla.

    II.14.2.2.II.14.2.2.II.14.2.2.II.14.2.2.II.14.2.2. Segundo, porque no h qualquer relao histrica entre os processos dederegulation e de mera desregulamentao. Os defensores, no debate

    americano, da desregulao da economia postulam a desmobilizao de todoo aparato regulatrio (particularmente as agncias independentes). Nopropugnam um singelo processo de desregulamentao. At porque os seusdefensores no descartam a remanescncia de algum papel normativo noEstado, ainda que advoguem a reduo (ou mesmo a supresso) do aparatoregulatrio estatal.

    II.14.2.3.II.14.2.3.II.14.2.3.II.14.2.3.II.14.2.3. Doutro lado, entre ns, querer identificar os processos de regulao da economia(mormente em substituio interveno estatal direta) com os processos dederegulationdos americanos implicaria em desconhecer que, nos setores quepassaram por uma reforma regulatria, houve, sim, um engrandecimento tanto

    da superviso estatal (mediante o exerccio da autoridade regulatria), quantona atividade de regulamentao (normatizao) do setor regulado. Seriacontraditrio entender que regulao implica em desregulamentao ao mesmo

    20 Ver neste sentido Eros Roberto GRAU: No que tange ao artigo 174, no entanto, a expresso atividade econmica utilizada em outro sentido.Alude , o preceito, a atividade econmica em sentido amplo. Respeita globalidade da atuao estatal como agente normativo e regulador.(Cf.Interpretao da Ordem Econmica na ConstituioInterpretao da Ordem Econmica na ConstituioInterpretao da Ordem Econmica na ConstituioInterpretao da Ordem Econmica na ConstituioInterpretao da Ordem Econmica na Constituio,,,,, So Paulo, RT, 1990, pgina 142).

    21 Eros Roberto GRAU, O Direito PO Direito PO Direito PO Direito PO Direito Posto e o Direito Pressupostoosto e o Direito Pressupostoosto e o Direito Pressupostoosto e o Direito Pressupostoosto e o Direito Pressuposto, So Paulo, Malheiros, 1996, pgina 93. Apesar dessa afirmao o ilustre professormais frente parece contrari-la afirmando que a proposta de regulao ambgua o movimento (a regulao) no postula a anomia dosmercados, porm novas modalidades de regulao mais eficientes ....

    22 Veja-se a ttulo de mera ilustrao o que assevera Bernard SCHWARTZ num dos mais difundidos manuais de Direito Administrativo americano:These are powers of immense scope and represent na amalgam of functions devised with l ittle to constitutional theory. The regulation of industrycannot be carried out effectively under a rigid separation of powers. Concentrated industrial power must be controlled by concentrated governmentalpower. Regulatory agencies like the ICC have been made the repositories of all types of governmental power: legislative, executive, and judicial.Instead of being separated in the traditional way, these powers have been telescoped into a single agency.(Cf. Bernard SCHWARTZ, AdministrativeAdministrativeAdministrativeAdministrativeAdministrativeLawLawLawLawLaw, Boston, Little, Brown and Co., Third Edition, 1991, pginas 15 e 16).

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    tempo em que se debate na doutrina a suposta exorbitncia da funonormativa exercida pelos novos rgos reguladores23.

    II.14.2.4.II.14.2.4.II.14.2.4.II.14.2.4.II.14.2.4. Nem se diga que a abertura para a competio dos setores da economia

    antes reservados ao Estado seria uma forma de desregulao por si s. Talraciocnio levaria ao entendimento de que s existiria regulao quandoexistente o regime de privilgio ou exclusividade estatal na explorao deatividade econmica. O que rotundamente falso. Regular s oposto idia de iniciativa privada se cairmos numa tautologia: s h regulaocom estatizao porque s pode haver regulao mediante estatizao.Ora, franquear aos agentes privados a atuao num dado mercado no fazdeste um mercado desregulado. A restrio de acesso (no interdio deste)a um mercado, mediante, por exemplo, um regime de licenas, uma frmulaclssica de interveno regulatria e, por definio, admite alguma

    competio entre agentes privados. A regulao profissional outro caso deregulao de atividade econmica aberta competio. No fosse isso e,novamente, a Constituio federal afastaria a tese de associar desestatizaocom desregulao. Enquanto o papel do Estado como agente regulador daeconomia vem previsto no artigo 184, o regime de servio pblico tem assentono artigo 175 e as hipteses (excepcionais e restritssimas) de monopliovem referidas no artigo 177. Deixou claro, pois, o constituinte que a inter-veno regulatria estatal no se confunde com os institutos de reserva ouexclusividade do Estado na explorao direta de atividade econmica.

    Logo, descabe integralmente a tese de se associar a quebra de monoplios, a desestatizao ou a abertura

    de setores competio como mecanismos necessariamente desregulatrios. O esforo que aqui fazemos justamente para demonstrar que estes processos propelem o desenvolvimento de uma nova forma de regulao,possivelmente mais firme e consistente.

    II.14.2.5.II.14.2.5.II.14.2.5.II.14.2.5.II.14.2.5. , portanto, absolutamente improcedente querer associar as transformaesno papel regulador do Estado aos processos de supresso da interveno estatalsobre o domnio econmico. A reforma regulatria por ns vivenciada vai nosentido exatamente contrrio dos processos de desregulao ou de auto-regulao pelo mercado24. No implica, de modo algum, em substituio daordenao da atividade econmica pelo prisma da autoridade estatal pelaauto-regulao gerida e balizada pelo mercado. A autoridade estatal no

    exercida sobre o domnio econmico somente por intermdio da atividade deregulamentao (embora deva sempre estar adstrita ao princpio da legalidade).Afirmar isso implicaria, em desconhecer, por exemplo, a possibilidade deinterveno estatal na economia mediante o manejo do poder de polcia (queno se confunde com a atividade normativa).

    23 Essa contradio no foi desapercebia pelo prprio Eros GRAU que, em texto j clssica e anterior afirmao ora em debate, consignava ao meuver com mais acerto que cumpre observar que a proposta de desregulamentao enquanto atine substituio de regras rgidas, dotadas desano jurdica, por regras flexveis, meramente indutoras de comportamentos, poder eventualmente no produzir a eficcia que a demanda, doprprio capitalismo, da regulao de mercados requer. Isso, por outro lado, provavelmente conduza ampliao do contedo de regulamentos(atos do Poder Executivo), instalando uma nova contradio: o exerccio pelo Estado do poder regulamentar tem sido vigorosamente repudiado, namedida em que, segundo se argumenta, conflita com os princpios da separao dos poderes e da legalidade. (Interpretao da OrdemInterpretao da OrdemInterpretao da OrdemInterpretao da OrdemInterpretao da OrdemEconmica na ConstituioEconmica na ConstituioEconmica na ConstituioEconmica na ConstituioEconmica na Constituio,,,,, cit., pginas 49 e 50).

    24 verdade que em alguns setores submetidos a reforma regulatria se pretendeu introduzir mecanismos e instrumentos de desregulao ou deauto regulao. No setor eltrico isso ocorreu no caso da criao do Operador Nacional do Sistema (ONS) ou do Mercado Atacadista de Energia(MAE). Porm, estas experincias no so suficientes para se identificar na reforma regulatria um vis de desregulao.

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    II.h.II.h.II.h.II.h.II.h. A regulao como mudana no modo de interveno do EstadoA regulao como mudana no modo de interveno do EstadoA regulao como mudana no modo de interveno do EstadoA regulao como mudana no modo de interveno do EstadoA regulao como mudana no modo de interveno do Estado

    II.15.II.15.II.15.II.15.II.15. A atuao do Estado (com os mecanismos decorrentes do poder extroverso que lhe so prprios)como agente de regulao da ordem econmica , como dissemos, um imperativo constitucional(expressamente previsto no artigo 174 da CF). E tal funo reguladora, reiteramos, deve se dartanto sobre atividades econmicas em sentido estrito (aquelas cuja explorao est sujeita aoregime privado, de mercado), quanto sobre aquelas atividades que tenham sido eleitas pelaConstituio ou pela Lei como servios pblicos. Se nestas ltimas a regulao estatal inerenteao prprio regime de prestao, naquelas a regulao tambm se justificar caso estejamos diantede um setor relevante ou essencial da vida econmica25.

    II.16.II.16.II.16.II.16.II.16. Temos, ento, que a moderna regulao, no sentido que foi acima exposto, representa no umasubtrao do papel do Estado como ordenador da economia. Representa, sim, uma mudana noparadigma pelo qual a interveno estatal na economia se d, mudana fortemente marcadapela substituio ou complementao26dos mecanismos de interveno direta na ordem econmicapor instrumentos de uma determinada modalidade especfica de interveno indireta quepoderamos designar de interveno regulatria. A regulao isso sim caracterstica de umcerto modelo econmico, aquele em que o Estado no assume diretamente o exerccio de atividadeempresarial, mas intervm enfaticamente no mercado utilizando instrumentos de autoridade.27

    II.16.1.II.16.1.II.16.1.II.16.1.II.16.1. O crescimento da interveno estatal direta na economia (mediante a assuno daexplorao de atividade econmica diretamente) levou ao surgimento e desenvolvimentode institutos jurdicos moldados a esse tipo de interveno (as sociedades de economiamista so bom exemplo), muitos dos quais rompendo inclusive com alguns paradigmasdo direito administrativo de antanho (como por exemplo um ente estatal constitudo soba gide de uma empresa privada). De igual modo, a introduo de uma nova forma deinterveno do Estado sobre a ordem econmica e a noo de moderna regulaoeconmica, tal como visto acima, demandam tambm o surgimento de instrumentos aptospara o exerccio regulatrio. neste contexto que deve ser avaliado o surgimento dasAgncias Regulatrias.

    III.III.III.III.III. O Surgimento dasO Surgimento dasO Surgimento dasO Surgimento dasO Surgimento das Agncias como uma Decorrncia da Moderna RegulaoAgncias como uma Decorrncia da Moderna RegulaoAgncias como uma Decorrncia da Moderna RegulaoAgncias como uma Decorrncia da Moderna RegulaoAgncias como uma Decorrncia da Moderna Regulao

    III.a.III.a.III.a.III.a.III.a. Agncias de Regulao:Agncias de Regulao:Agncias de Regulao:Agncias de Regulao:Agncias de Regulao: competncia e especificidadescompetncia e especificidadescompetncia e especificidadescompetncia e especificidadescompetncia e especificidades

    III.1.III.1.III.1.III.1.III .1. Vimos que, contemporaneamente, a atividade de regulao estatal sobre um determinado setorda economia predica uma srie de caractersticas bem peculiares. A mudana significativa daforma como o Estado intervm na ordem econmica torna necessrio o surgimento de

    25 O que no implica olvidar que subjaz idia de regulao uma forte influncia do princpio da subsidiariedade, no sentido de que s se admitiriaa interveno regulatria com vistas a atingir objetivos de ordenao ou promoo econmica que os atores privados no logrem alcanarautonomamente. Ver a respeito Maral JUSTEN FILHO, O Direito dasO Direito dasO Direito dasO Direito dasO Direito dasAgncias Reguladoras IndependentesAgncias Reguladoras IndependentesAgncias Reguladoras IndependentesAgncias Reguladoras IndependentesAgncias Reguladoras Independentes, cit.,pgina 21).

    26 Retomando o que acima expusemos, a introduo do papel do Estado como regulador pode se dar em setores em que se suprime a sua atuaocomo operador da atividade econmica (supresso da interveno direta) ou em setores que embora abertos atuao privada o Estado permaneceoperando como agente econmico (via empresas estatais ou empresas com participao do Estado no seu capital). Pode ainda haver casos em quese introduzam mecanismos de regulao estatal sobre setores em que o Estado nunca atuou diretamente, mas cuja relevncia econmica ou ointeresse social nele existente justifique essa interveno. , por exemplo, o que ocorreu no setor de sade suplementar no Brasil em que houve um

    reforo da atividade regulatria estatal (antes exercida em parte do sistema pela Susep) com a criao da Agncia Nacional de Sade Suplementar ANS (Lei n 9.961/00).

    27 Carlos Ari SUNDFELD, DireitoDireitoDireitoDireitoDireitoAdministrativo EconmicoAdministrativo EconmicoAdministrativo EconmicoAdministrativo EconmicoAdministrativo Econmico, So Paulo, Malheiros-SBDP, 2000, pgina 23.

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    instrumentos aptos a viabilizar essa nova forma de interveno. Dentre estes instrumentos, asAgncias talvez sejam o mais paradigmtico28.

    III.2.III.2.III.2.III.2.III .2. A tal nova regulao estatal, vimos, determinada pela perspectiva de um Estado pretender

    intervir em setores da economia: i)i)i)i)i) sem afastar a participao dos agentes privados; ii)ii)ii)ii)ii) separandoas tarefas de regulao das de explorao de atividade econmica, mesmo quando remanesceratuando no setor por ente controlado seu; iii)iii)iii)iii)iii ) orientando sua interveno predominantementepara a defesa dos interesses dos cidados enquanto participantes das relaes econmicastravadas no setor regulado; iv)iv)iv)iv)iv) procurando manter o equilbrio interno ao setor regulado demodo a permitir a preservao e incremento das relaes de competio (concorrncia), semdescurar da tarefa de imprimir ao setor pautas distributivas ou desenvolvimentistas tpicas depolticas pblicas; e, por fim, v)v)v)v)v) exercendo a autoridade estatal por mecanismos e procedimentosmenos impositivos e mais reflexivos (permeveis composio e arbitramento de interesses), oque envolve maior transparncia e participao na atividade regulatria.

    III.3.III.3.III.3.III.3.III .3. Para dar cabo a essas tarefas (distintas, insistimos, nos objetivos, nos pressupostos e no modode atuao das antigas modalidades de interveno estatal na economia), mostra-se necessriaa constituio de um tipo especfico de rgos pblicosum tipo especfico de rgos pblicosum tipo especfico de rgos pblicosum tipo especfico de rgos pblicosum tipo especfico de rgos pblicos (pblicos tanto por serem dotados deautoridade como por serem abertos ao controle e participao da sociedade), que enfeixemampla gama de competnciasampla gama de competnciasampla gama de competnciasampla gama de competnciasampla gama de competncias associadas a uma alta especializao tcnica,alta especializao tcnica,alta especializao tcnica,alta especializao tcnica,alta especializao tcnica, de modo aintervir num determinado setor da economiasetor da economiasetor da economiasetor da economiasetor da economia (cuja relevncia ou essencialidade da atividadeeconmica justifiquem essa interveno).

    III.bIII.bIII.bIII.bIII.b..... TTTTTransparncia,ransparncia,ransparncia,ransparncia,ransparncia, permeabilidade e neutralidadepermeabilidade e neutralidadepermeabilidade e neutralidadepermeabilidade e neutralidadepermeabilidade e neutralidade

    III.4.III.4.III.4.III.4.III.4. Estes rgos pblicos devem ser concebidos com ampla transparncia e permeabilidadetransparncia e permeabilidadetransparncia e permeabilidadetransparncia e permeabilidadetransparncia e permeabilidade demodo a receber e processar demandas e interesses dos regulados, dos consumidores e do prpriopoder poltico. Dos regulados porquanto os rgos de regulao tm por funo preservar asrelaes de competio, corrigindo falhas de mercado e impedindo a inviabilidade econmica dosistema. Dos consumidores, pois estes ho de ser os principais beneficirios da regulao e, portanto,os maiores interessados na eficincia regulatria. Por fim, do poder poltico: por muita vez terinteresse especfico no setor (v.g. sendo controlador de uma empresa que opere no setor ou sendodetentor de bens ou recursos essenciais atividade regulada); e por ser o responsvel peloestabelecimento das polticas pblicas que incidam sobre o setor.

    Inobstante devam estes rgos se articular e interagir com estes trs plos de interesse, se pe essencialque eles mantenham uma certa neutralidadecerta neutralidadecerta neutralidadecerta neutralidadecerta neutralidade em relao aos trs.

    III.5.III.5.III.5.III.5.III.5. Destas condicionantes resultam as caractersticas essenciais daqueles entes estatais que deverose incumbir da regulao estatal a saber: i )i )i )i )i) serem rgos pblicos; ii)ii)ii)ii)ii) que concentrem vriasfunes e competncias; iii)iii)iii)iii)iii) voltadas para um setor da economia que demande significativaespecializao; iv)iv)iv)iv)iv) marcados pela busca de equilbrio entre interesses envolvidos com a atividaderegulatria e v)v)v)v)v) que tenham uma significativa neutralidade em relao a estes interesses.

    28 No meu Regulao Estatal e Interesses PblicosRegulao Estatal e Interesses PblicosRegulao Estatal e Interesses PblicosRegulao Estatal e Interesses PblicosRegulao Estatal e Interesses Pblicos(cit., pgina 199), enumerei as razes pelas quais as Agncias representam essa transformaono modo do Estado se relacionar com a sociedade e com a economia: A uma, porque a multiplicao destes entes, no s no Brasil como tambmna Europa, revela claramente os efeitos das transformaes que esto a ocorrer no Estado e na sociedade e deles em face do Direito Pblico. 26.2.A duas, porque tal ngulo de anlise nos permite bem divisar a funo de regulao que entendemos constituir o ncleo do Estado republicizado.26.3. A trs, porque a partir do enfoque dos rgos reguladores verifica-se nitidamente a dupla funo do poder poltico que h pouco prenuncivamos:a mediao de interesses pblicos especiais e, concomitantemente, a promoo e proteo de interesses pblicos difusos. 26.4. Por fim, eprincipalmente, porque em torno destes organismos (ou agncias) se apresentam vrias das linhas mestras das transformaes em curso, nosparmetros que constituam o arcabouo jurdico do paradigma anterior.

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    III.c.III.c.III.c.III.c.III.c. O carter pblico dasO carter pblico dasO carter pblico dasO carter pblico dasO carter pblico das AgnciasAgnciasAgnciasAgnciasAgncias

    III.6.III.6.III.6.III.6.III.6. O carter pblicocarter pblicocarter pblicocarter pblicocarter pblico destes entes reguladores tem dupla acepo. So pblicos porque ho de serrgos do Estado (pois, reitere-se, estamos tratando de regulao estatal que no deve serconfundida com regulao pelo mercado ou auto-regulao), dotados de autoridade e revestidosdas prerrogativas e condicionantes inerentes a todos rgos pblicos (v.g., que manejam poderextroverso)29. Porm, so pblicos tambm no sentido de abertos ao pblico, dizer, transparentesna sua forma de atuao e permeveis participao dos administrados (regulados ou cidados)no exerccio da autoridade. Da o porqu dos entes com funes regulatrias terem um carterorgnico que, a um s tempo, seja apto ao exerccio da autoridade e permevel participaoda sociedade.

    III.d.III.d.III.d.III.d.III.d. A multiplicidade de funes e competncias dasA multiplicidade de funes e competncias dasA multiplicidade de funes e competncias dasA multiplicidade de funes e competncias dasA multiplicidade de funes e competncias das AgnciasAgnciasAgnciasAgnciasAgncias

    III.7.III.7.III.7.III.7.III.7. A multiplicidade de funes e competnciasmultiplicidade de funes e competnciasmultiplicidade de funes e competnciasmultiplicidade de funes e competnciasmultiplicidade de funes e competncias prpria da atividade regulatria. A partir domomento em que o Estado opta por intervir na ordem econmica como regulador, assume-se ocompromisso de manejar todos os instrumentos necessrios para, naquele setor da economia,atingir as finalidades precpuas da regulao. A regulao leva concentrao de funes dado oseu carter pragmtico e finalstico (o que legitima a atuao do regulador sua capacidade de,eficientemente, combinar o equilbrio do sistema regulado com o atingimento de objetivos deinteresse geral predicados para o setor). Para isso necessrio que o ente de regulao possuacompetncias e instrumentos amplos e efetivos.

    III.eIII.eIII.eIII.eIII.e..... A especializao dasA especializao dasA especializao dasA especializao dasA especializao das AgnciasAgnciasAgnciasAgnciasAgnciasIII.8.III.8.III.8.III.8.III.8. A terceira caracterstica se refere especializaoespecializaoespecializaoespecializaoespecializao.....Embora no seja impossvel a existncia de

    rgos de regulao multi-setoriais ou gerais30, tpico da atividade regulatria que o ente reguladorseja detentor de profundo conhecimento sobre o setor regulado e que, portanto, sua atuao sejafocada na sua rea de especialidade. Neste sentido, a especialidade se presta no apenas a garantirmaior eficincia regulatria, como tambm se pe como um instrumento para reduzir a assimetriainformacional (entendida como o dficit existente entre o patamar de informaes que o reguladopossui sobre a atividade em relao ao arcabouo de informaes acervadas pelo regulador). Aespecialidade, portanto, relaciona-se diretamente com a legitimao tcnica dos entes reguladores.

    III.fIII.fIII.fIII.fIII.f..... A busca do equilbrio sistmico como eixo da atividade regulatriaA busca do equilbrio sistmico como eixo da atividade regulatriaA busca do equilbrio sistmico como eixo da atividade regulatriaA busca do equilbrio sistmico como eixo da atividade regulatriaA busca do equilbrio sistmico como eixo da atividade regulatria

    III.9.III.9.III.9.III.9.III.9. Outra caracterstica que deve ser perseguida na regulao o equilbrioequilbrioequilbrioequilbrioequilbrio.....Equilbrio que deve semanifestar tambm em duas acepes. De um lado, o equilbrio traduzido na mediao, sopesamentoe interlocuo entre os vrios interesses existentes no setor regulado. Como outra feita afirmamos,a emergncia de entes reguladores autnomos corresponde indubitavelmente necessidade do

    29 A esse respeito ver Carlos Ari SUNDFELD, FundamentosFundamentosFundamentosFundamentosFundamentosde Direito Pblico,de Direito Pblico,de Direito Pblico,de Direito Pblico,de Direito Pblico, So Paulo, Malheiros, 1996, pginas 147 e seguintes.30 Ver a esse respeito a defesa que fiz no sentido da existncia de rgos de macro regulao assim entendidos aqueles que exercem atividade de

    caractersticas regulatrias sobre toda a economia mas com tutela de um dado interesse especfico (como ocorre com os rgos de defesa daconcorrncia ou do consumidor). Estes exercem uma regulao vertical sobre a economia, enquanto que os rgos de regulao setorial exerceriamuma regulao horizontal, dentro de uma perspectiva que designei de bidimensional da moderna regulao. A esse respeito ver meu textoRegulao Setorial eRegulao Setorial eRegulao Setorial eRegulao Setorial eRegulao Setorial e AutoridadeAutoridadeAutoridadeAutoridadeAutoridadeAntitrusteAntitrusteAntitrusteAntitrusteAntitruste..... A importncia da independncia do ReguladorA importncia da independncia do ReguladorA importncia da independncia do ReguladorA importncia da independncia do ReguladorA importncia da independncia do Regulador, na obra Concorrncia e Regulao noConcorrncia e Regulao noConcorrncia e Regulao noConcorrncia e Regulao noConcorrncia e Regulao noSistema FSistema FSistema FSistema FSistema Financeiroinanceiroinanceiroinanceiroinanceiro, cit., pginas 98 a 100.

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    poder poltico de constituir espaos em que sejam possveis a articulao e a mediao de interesses,em que seja vivel a interlocuo com os diversos plos de poder poltico existentes na sociedadecontempornea. Mais ainda, traduz-se como uma resposta necessidade de flexibilidade e de

    comunicabilidade que revestem o intervencionismo hodierno (interveno reguladora).31

    Esse carter de busca de equilbrio pela mediao de interesses dentro do sistema mediado decorre, deum lado, da necessidade do Estado interagir com os atores privados como forma de legitimar sua interveno naordem econmica e, de outro, do fato de que a regulao exercida hoje em ambientes abertos competio.Neste quadrante, a regulao deve favorecer no a imposio de pautas regulatrias, mas a busca do consensoe da mediao de interesses, sem perder de vista a tutela dos interesses gerais da sociedade. Ou seja, o reguladordeve praticar aquilo que outra feita designei de mediao-ativa32.

    De outro lado o equilbrio se traduz tambm na necessria estabilidade que deve ser assegurada naregulao. Voltando-se ela para setores em que se quer ver vicejar a competio e a atuao dos atores privados,coloca-se como essencial que a regulao no s no obste como tambm promova a previsibilidade de

    expectativas.

    III.g.III.g.III.g.III.g.III.g. A importncia da neutralidadeA importncia da neutralidadeA importncia da neutralidadeA importncia da neutralidadeA importncia da neutralidade

    III.10.III.10.III.10.III.10.III.10. Por fim, o trao talvez mais polmico dessa nova regulao. Trata-se da necessria neutralidadeneutralidadeneutralidadeneutralidadeneutralidade(eqidistncia) que o ente regulador deve manter em face dos interesses regulados, includosa tambm os interesses do poder pblico (quer quando controle algum operador sujeito regulao, quer no tocante aos prprios interesses de ordem geral que se queira ver imprimidosno setor regulado).

    Recorrendo uma vez mais a VITAL Moreira e Fernanda MAS, o surgimento dos entes encarregadosda regulao objetiva garantir a neutralidade poltica da gesto administrativa que desempenham, assegurandoque o setor sobre o qual actuam se desenvolva de acordo com suas prprias regras, as regras e os critriostcnicos do setor em causa.33 Importa dizer que essa neutralidade no significa que o regulador atue contraos interesses dos regulados ou em contraposio aos desgnios do poder pblico. Significa, sim, que no exercciode suas atividades o ente regulador deve manter eqidistncia dos interesses verificados no setor regulado, demodo a exercer, com prudncia e proporcionalidade, suas competncias de forma a melhor atingir aos objetivosvisados com a regulao.

    31 Ver meu A NovA NovA NovA NovA Nova Regulao Estatal e asa Regulao Estatal e asa Regulao Estatal e asa Regulao Estatal e asa Regulao Estatal e asAgncias IndependentesAgncias IndependentesAgncias IndependentesAgncias IndependentesAgncias Independentes, in Carlos Ari SUNDFELD, DireitoDireitoDireitoDireitoDireitoAdministrativo EconmicoAdministrativo EconmicoAdministrativo EconmicoAdministrativo EconmicoAdministrativo Econmico,,,,, So Paulo,Malheiros-SBDP, 2000, pgina 80.

    32 Esse processo pode ser assim explicado: 11. A noo de atividade regulatria numa perspectiva de mediao ativa de interesses envolve umadupla atividade estatal. De um lado, o regulador tem de arbitrar interesses de atores sociais e econmicos fortes, como ocorre no equacionamentode conflitos envolvendo compartilhamento de infra-estruturas ou interconexo de redes de suporte a servios essenciais. Doutro bordo, cumpre aoregulador induzir ou coordenar as atividades em cada segmento especfico com vistas a proteger e implementar interesses de atores hipossuficientes. o que tem lugar na defesa dos consumidores ou no atendimento de polticas pblicas (universalizao de servios, reduo de desigualdadessociais ou regionais, entre outros). 11.1. O equilbrio entre estas duas vertentes da moderna atividade regulatria (acima denominada comomediao ativa de interesses) faz com que o Estado, enquanto regulador, no seja apenas um mediador passivo das relaes sociais (o queremeteria o Estado a uma posio de mero rbitro, impotente e meramente reativo, dos interesses hipersuficientes, um singelo bedel do mercado).Porm, implica em uma atuao ativa marcadamente subsidiria, na qual a consagrao de metas de interesse social (consubstanciadas empolticas pblicas) e a defesa dos setores hipossuficientes devem ser estabelecidas a partir das possibilidades de cada setor da economia e no

    definida unilateral e exclusivamente a partir dos espaos decisrios estatais. (Cf. meu A NovA NovA NovA NovA Nova Regulao dos Servios Pblicos,a Regulao dos Servios Pblicos,a Regulao dos Servios Pblicos,a Regulao dos Servios Pblicos,a Regulao dos Servios Pblicos, in RDA,volume 228, abril a junho de 2002, pgina 17. Ver tambm Regulao Estatal e Interesses PblicosRegulao Estatal e Interesses PblicosRegulao Estatal e Interesses PblicosRegulao Estatal e Interesses PblicosRegulao Estatal e Interesses Pblicos,,,,, cit., pgina 180).

    33 Autoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras Independentes, cit., pginas 29 e 30.

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    III.h.III.h.III.h.III.h.III.h. A moderna regulao e os rgos reguladoresA moderna regulao e os rgos reguladoresA moderna regulao e os rgos reguladoresA moderna regulao e os rgos reguladoresA moderna regulao e os rgos reguladores

    III.11.III.11.III.11.III.11.III.11. Pois bem. So justamente os imperativos desse novo cenrio da interveno estatal sobre aordem econmica que ensejaram a criao das Agncias Reguladoras no s no direito brasileirocomo em diversos pases, mormente no direito europeu. Importa destacar, porm, que nonecessariamente os entes incumbidos de regulao carecem de se constituir na configuraojurdica de agncias. Entre ns, por exemplo, o primeiro rgo de regulao setorial criado foio Banco Central do Brasil (por intermdio da Lei Federal n 4.595, de 31 de dezembro de196434 ), embora haja na doutrina quem identifique essa primazia em outros rgos distintos35.Afirmamos isso para dizer que nem todo ente regulador se configura como uma Agncia.Porm, e isso essencial, a regulao estatal nos termos acima divisados nelas encontra uminstrumento mais apto e eficiente para seu exerccio.

    IVIVIVIVIV..... AsAsAsAsAs Agncias comoAgncias comoAgncias comoAgncias comoAgncias como Autoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesAutoridades Reguladoras IndependentesIVIVIVIVIV.a..a..a..a..a. Problemas conceituais:Problemas conceituais:Problemas conceituais:Problemas conceituais:Problemas conceituais: o nomeo nomeo nomeo nomeo nome AgnciaAgnciaAgnciaAgnciaAgncia

    IVIVIVIVIV.1..1..1..1..1. As Agncias foram introduzidas no direito brasileiro exatamente para desempenhar essa modernaregulao. A designao adotada, porm, no nos parece tenha sido das mais felizes. O termoagncias foi, claramente, importado do direito americano. Duas inconvenincias desaconselhariama adoo do nome.

    IVIVIVIVIV.1.1..1.1..1.1..1.1..1.1. A primeira inconvenincia decorre do fato de que no direito americano o termo agencies utilizado para designar o gnero rgos pblicos, envolvendo tanto aqueles rgosque aqui se quis des