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Brasília a. 39 n. 155 jul./set. 2002 293 Alexandre Santos de Aragão 1. Introdução A criação de entidades dotadas de espe- cial autonomia frente ao Poder Executivo Central não é fenômeno exclusivo do Brasil. Muitos países, uns há mais, outros há me- nos tempo, recorreram a esse modelo orga- nizativo para dar conta da regulação de se- tores sensíveis da vida social, neles incluí- dos certos setores da economia. O nosso objetivo não é traçar um perfil pormenorizado dessas instituições nos di- reitos nas quais foram adotadas, mas ape- nas o de realizar um corte metodológico para, sempre ressalvadas as peculiaridades de cada sistema jurídico, identificar como a doutrina e a jurisprudência desses países vêm tratando questões polêmicas também suscitadas entre nós. Em estudo de Direito Comparado, Dio- go de Figueiredo Moreira Neto (2000, p. 80), ao versar sobre as agências administrativas independentes, observou que, “tanto na Espanha como no Brasil, as opiniões se encontram divididas quanto à constitucionalidade das ad- ministrações independentes e às enti- dades que devem ser incluídas no gê- nero. Assim é que dificuldades técni- As agências reguladoras independentes – algumas desmistificações à luz do direito comparado Sumário 1. Introdução 2. Inglaterra 3. Estados Uni- dos da América do Norte 4. França 5. Espanha 6. Itália 7. Argentina 8. Conclusões Alexandre Santos de Aragão é Mestre em Direito Público pela U.E.R.J. Professor contra- tado de Direito Administrativo e da disciplina eletiva “Agências Reguladoras” da Universi- dade do Estado do Rio de Janeiro – U.E.R.J. Pro- fessor da Pós-Graduação em Direito Econômi- co Internacional da PUC/RJ e da Pós-Gradua- ção em Direito da Administração Pública da UFF. Procurador do Estado e Advogado no Rio de Janeiro.

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Brasília a. 39 n. 155 jul./set. 2002 293

Alexandre Santos de Aragão

1. Introdução

A criação de entidades dotadas de espe-cial autonomia frente ao Poder ExecutivoCentral não é fenômeno exclusivo do Brasil.Muitos países, uns há mais, outros há me-nos tempo, recorreram a esse modelo orga-nizativo para dar conta da regulação de se-tores sensíveis da vida social, neles incluí-dos certos setores da economia.

O nosso objetivo não é traçar um perfilpormenorizado dessas instituições nos di-reitos nas quais foram adotadas, mas ape-nas o de realizar um corte metodológicopara, sempre ressalvadas as peculiaridadesde cada sistema jurídico, identificar como adoutrina e a jurisprudência desses paísesvêm tratando questões polêmicas tambémsuscitadas entre nós.

Em estudo de Direito Comparado, Dio-go de Figueiredo Moreira Neto (2000, p. 80),ao versar sobre as agências administrativasindependentes, observou que,

“tanto na Espanha como no Brasil, asopiniões se encontram divididasquanto à constitucionalidade das ad-ministrações independentes e às enti-dades que devem ser incluídas no gê-nero. Assim é que dificuldades técni-

As agências reguladoras independentes –algumas desmistificações à luz do direitocomparado

Sumário

1. Introdução 2. Inglaterra 3. Estados Uni-dos da América do Norte 4. França 5. Espanha6. Itália 7. Argentina 8. Conclusões

Alexandre Santos de Aragão é Mestre emDireito Público pela U.E.R.J. Professor contra-tado de Direito Administrativo e da disciplinaeletiva “Agências Reguladoras” da Universi-dade do Estado do Rio de Janeiro – U.E.R.J. Pro-fessor da Pós-Graduação em Direito Econômi-co Internacional da PUC/RJ e da Pós-Gradua-ção em Direito da Administração Pública daUFF. Procurador do Estado e Advogado no Riode Janeiro.

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co-jurídicas, como a dependência di-reta do Legislativo sem intermediaçãoda Administração, a substituição deum controle de natureza judicial porum órgão estatal não judicial e o pro-blema da independência da direçãodas agências frente ao Governo cen-tral, suscitam, tanto aqui como alhu-res, instigantes debates”.

Com efeito, como veremos, é curioso no-tar como, em todo sistema jurídico em queforam adotadas, as agências reguladorasindependentes levantaram polêmicas e can-dentes questões quanto à incolumidade dopoder de direção da Administração centrale ao amplo poder normativo do qual sãodotadas. É curioso também como, em todoseles, a constitucionalidade dessas entida-des foi afirmada por meio de interpretaçõesconstrutivas da Constituição. São esses pon-tos que constituirão o foco da nossa investi-gação comparada, sempre com vistas a for-necer a maior luz possível sobre os desafioscolocados no Direito pátrio.

2. Inglaterra

As agências reguladoras independentesnão possuem, na Inglaterra, uma peculiari-dade que as distinga dos demais corposadministrativos, uma vez que a Adminis-tração Pública inglesa é caracterizada porseu fortíssimo policentrismo e pela autono-mia de seus órgãos1, denominados QuasiAutonomous non Governmental Organizations– QUANGOS, boards ou quasi tribunals.2

No dizer de Howard Machin,“os Ministérios em Londres não exis-tem para administrar, mas para geriras atividades administrativas de ou-tras organizações. Não existem, por-tanto, ‘serviços externos’, mas apenasuma pequena administração central,cujas funções se limitam a definir asgrandes linhas das políticas públicas,à preparação das leis, dos regulamen-tos, das respostas às questões formu-ladas pelos parlamentares e ao con-

trole da função administrativa exerci-da por outros organismos. (...) A no-ção de ‘autoridade’ implica, pois, aexistência de uma organização distin-ta e autônoma, exterior ao serviço pú-blico (à la fonction publique), e dotadade poderes, de responsabilidades e derecursos financeiros outorgados peloEstado”(1988, p. 236).

Começaram a surgir no século XIX.Como não havia a idéia de AdministraçãoPública, mas apenas de Governo, quandoera editada uma lei para dar conta de deter-minado interesse público, era concomitan-temente criado um órgão para implementá-la. Dessa maneira, foram criados quangospara as mais diversas finalidades (assisten-ciais, de controle, reguladoras3 etc.), chegan-do a alcançarem em seu conjunto o impres-sionante número de mil e quinhentas orga-nizações4.

Como exemplos, podemos citar a Mono-polies and Mergers Commission, criada em1949 e encarregada da proteção da concor-rência; a British Broadcasting Corporation(B.B.C.); a Independent Broadcasting Authori-ty, incumbida da supervisão das empresasprivadas de televisão; a University GrantsCommittee, incumbida da repartição de re-ceitas entre as universidades e os centros depesquisa; o British Council, executor da polí-tica de promoção cultural inglesa no exteri-or; o Medical Research Council, a Civil Aviati-on Authority etc.

A doutrina observa a diversidade estru-tural dos quangos, dificilmente sujeitos auma conceituação homogênea ou mesmo auma classificação dotada de maior raciona-lidade. Tony Prosser afirma a “necessidadede ser destacado o enorme pluralismo daregulação britânica: um enorme espectro dediferentes formas institucionais foi adota-do, com variedade de propósitos e aborda-gens, não tendo predominado ao longo dosanos qualquer razão ou tipo de instituição”(1997, p. 32).

Existem pequenas instituições como oConselho de Desenvolvimento da maçã e da

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pêra, até aquelas com grandes responsabi-lidades, a exemplo da Autoridade da Ener-gia Atômica. “As fronteiras deste estranhoreino do ‘quasi government’ é, destarte, mui-to difícil de ser delineada. Como notou SirNorman Chester, o único elemento comum aestes organismos é o de que a sua responsabi-lidade frente às autoridades políticas – o mi-nistro, o parlamento ou o Conselho local – éindireta e limitada” (MACHIN, 1988, p. 240).

A doutrina inglesa comenta que“o problema das relações entre umaautoridade e seu ministro supervisor,encarregado da sua tutela, geralmen-te não é difícil. Em princípio, a res-ponsabilidade do ministro é bastanteatenuada, e o ministro é responsávelperante o Parlamento pelas grandespolíticas e pelo orçamento da autori-dade. Normalmente esta idéia de res-ponsabilidade limitada é estabeleci-da pela legislação da autoridade emquestão, já que, sem definição jurídi-ca dos poderes de intervenção do mi-nistro, não há autoridade que seja re-almente ‘independente’. Todavia, al-gumas autoridades são regidas portradições ou regras não-escritas denão-intervenção ministerial, tradiçõesestas que muitas vezes evoluem se-gundo o contexto político. De qual-quer forma, a debilidade dos meiospolíticos do Executivo geralmente levaos ministros a não se imiscuírem”(MACHIN, 1988, p.247).

Inicialmente havia dúvidas quanto àpossibilidade de os quangos serem controla-dos jurisdicionalmente, o que foi expressa-mente afirmado por via legislativa em 1958.Também estão sujeitos ao controle adminis-trativo exercido pelo Council of Tribunals.

No Governo Tatcher, partidário da dere-gulation, buscou-se aumentar o controle so-bre os quangos e extinguir uma série deles.Todavia, apesar de terem sido extintos cer-ca de quinhentos quangos, foram criadosoutros sessenta, principalmente para regu-lar as atividades então desestatizadas (PAS-

SARO,1996, p. 64). Esses novos quangos, se-guindo a tendência global, adotaram a no-menclatura norte-americana de agencies oucommissions.

Todavia, ao contrário do que uma apre-ciação apressada poderia dar a entender,essas agencies ou commissions não se inspi-raram de maneira tão forte na secular expe-riência inglesa, nem nas Agencies norte-ame-ricanas. Para Tony Prosser (1997, p. 57) asprincipais razões para não adotar integral-mente modelos ingleses antigos ou os dosEUA5 foi o desejo de evitar formalismos elegalismos, assim como o de reduzir o con-trole jurisdicional – o que não foi de todoalcançado – e o de aumentar o controle mi-nisterial6.

De forma geral, os quangos reguladorespós-privatização tiveram a sua competên-cia repartida com os ministros de cada se-tor. Estes ficaram incumbidos da modela-gem inicial do setor regulado, possuindo acompetência para expedir as licences (equi-valentes aproximadamente às nossas con-cessões e permissões de serviços públicos),ao passo que as agencies ficaram com as com-petências sancionatórias, de alteração daslicenses e de proteção dos consumidores(PROSSER, 1997, p. 48). Aos ministros com-pete a fixação das políticas públicas; às agên-cias, executá-las com autonomia, inclusivefinanceira (CATTANEO, 1999, p. 259).

Apesar da enorme importância históri-ca dos quangos ingleses, a sua disciplina,pelas peculiaridades do Direito britânico,não é uma ferramenta comparada muitohábil para auxiliar-nos na resolução dasquestões postas no Direito brasileiro em re-lação às agências reguladoras.

Com efeito, o caráter flexível da Consti-tuição consuetudinária do Reino Unido, oseu exacerbado parlamentarismo e a verda-deira fusão (não separação) de poderes –fusion of powers – existente na arquiteturapolítico-institucional desse país (BAREN-DT, 1998, p. 34-35, 107-108), fazem com quequestões como a amplitude do poder regu-lamentar das agências independentes e a

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sua independência frente ao poder centraldo Estado, comuns a todos os demais paí-ses que adotaram esse modelo, não tenhamrazão de existir.

Nos EUA, país afiliado à common law,mas dotado de uma Constituição rígida eescrita que acolhe o Princípio da Separaçãodos Poderes, a situação é de todo diversa.

3. Estados Unidos da Américado Norte

O estudo das agências reguladoras noDireito norte-americano é de grande impor-tância, uma vez que os EUA foram o primei-ro país a adotar esse modelo organizativo7,apenas recentemente adotado em países datradição francesa do Direito Administrati-vo, tais como a própria França, Itália, Espa-nha, Brasil e Argentina.

A demora na adoção do modelo dasagências reguladoras independentes pelosdemais países se deve menos a um supostoatraso na evolução do Direito Administrati-vo e mais às circunstâncias político-econô-micas neles verificadas. Mais especificamen-te, os EUA sempre tiveram uma perspectivaliberal e não-estatizante bastante forte, aopasso que a América Latina e a Europa Con-tinental se viram ao longo de todo o séculopassado envolvidas em uma série de deman-das e convulsões sociais que levaram o Es-tado a adotar uma política estatizante.

Nessas circunstâncias, não era necessá-ria a criação de agências independentespara regular atividades econômicas ou ser-viços públicos que já eram prestados pelopróprio Estado ou por empresas da suaAdministração Indireta.

Tudo mudou com o movimento da de-sestatização, que fez com que as circunstân-cias político-econômicas desses países seaproximassem daquelas que sempre se ve-rificaram nos EUA.

Sendo assim, mais do que supostos “im-perialismos”, a adoção do modelo das agên-cias reguladoras independentes é decorrên-cia natural da mudança da realidade dos

países da América Latina e da Europa Con-tinental, que os fez se aproximarem dosEUA. Podemos dizer que, partindo de extre-mos opostos em direção à mesma direção,EUA e América Latina/Europa acabaramchegando a um ponto aproximado do pon-to de vista do Direito Econômico.

Os EUA saíram de uma situação em queo liberalismo vigia em toda a sua ortodoxia(até cerca de 1887), passaram a uma forteregulação estatal (New Deal), gradativamen-te atenuada após a guerra. Na década deoitenta, os EUA sofreram o movimento daderegulation, pelo qual se propugnava a ex-tinção ou a diminuição da regulação esta-tal. O ideário, nunca implementado em suaradicalidade, até pelo insucesso da maiorparte das suas experiências, não gerou mui-tos frutos, o que levou ao retorno de umasituação de equilíbrio.

A América Latina e a Europa tambémpartiram de um liberalismo ortodoxo (sécu-los XVIII e XIX), passaram a um breve perío-do de regulação da economia, embarcandoentão na estatização da economia a partirdo Segundo Pós-Guerra, situação revertidaapenas na década de oitenta com a desesta-tização acompanhada da regulação dos se-tores passados à iniciativa privada.

Na América Latina/Europa, o Estadodeixou de prestar ou explorar diretamente(ou por intermédio da sua AdministraçãoIndireta) a maior parte dos serviços públi-cos e atividades econômicas que, no entan-to, pela sua sensibilidade com os interessesmaiores da coletividade, deviam ser objetode uma regulação independente, inclusivefrente aos eventuais ocupantes de cargospolíticos. Esse é o principal telos das agênci-as reguladoras independentes, que sempreexistiu nos EUA, mas que apenas recente-mente tomou corpo na América Latina e naEuropa Continental.

Destacando a diferença de formação his-tórica das duas realidades, Sabino Casseseafirma que,

“nos Estados Unidos, o desenvolvi-mento das independent regulatory agen-

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cies foi o fruto do alargamento da gor-venment regulation e da produção le-gislativa do direito. Na Itália, ao re-vés, a instituição de autoridades in-dependentes é acompanhada de umamudança na disciplina pública dasatividades privadas dirigida antes àliberalização, à deregulation, à substi-tuição de normas finalísticas por nor-mas condicionais” (1996, p. 219).

Podemos, calcados nas lições de AndresBetancor Rodríguez (1994, p. 32-55), elen-car as seguintes razões para o fato de osEUA terem conferido independência a mui-tas de suas agências: (a) o fato de, ainda quesem caráter de coisa julgada, comporemconflitos (função quase-jurisdicional), o querequer uma posição de “terceiro imparcial”;(b) a tradicional desconfiança do Congres-so em relação ao Presidente; (c) a neutrali-zação política da Administração promove-ria a competência profissional, a estabilida-de das instituições colocadas sob a prote-ção do Congresso e seria favorecida a coe-rência e a responsabilidade das ações ad-ministrativas; (d) o pragmatismo típico doespírito anglo-saxão; (e) para, na época doNew Deal, compensar o inevitável incremen-to das funções e regulamentações estatais,evitando, com a atribuição de grande partedestas funções a agências independentes,que o poder do Presidente aumentasse des-mesuradamente; (f) as novas tecnologiasexigiam uma regulação técnica, de especia-listas, com o que também se asseguraria aadoção de critérios objetivos de decisão, des-vinculados de interesses político-partidári-os; (g) as eventuais contradições com o Prin-cípio da Separação dos Poderes não as tor-nou desfuncionais por terem atendido aosobjetivos do New Deal e por contarem com orespaldo da maioria dos congressistas; e (h)são importantes para o equilíbrio das rela-ções entre os Poderes porque a impossibili-dade de livre exoneração dos seus dirigen-tes pelo Presidente as torna um importanteinstrumento à disposição do Congresso paraassegurar a fidelidade da Administração à

lei, funcionando como um contra-peso dospoderes do Executivo.

A primeira agência reguladora indepen-dente de que se tem notícia foi a InterstateCommerce Commission, criada nos EstadosUnidos da América do Norte em 1887 pararegulamentar os serviços interestaduais detransporte ferroviário8. Essas entidades fo-ram-se multiplicando de tal forma que hojeo direito administrativo norte-americano épraticamente confundindo com o direito dasagências (DI PIETRO, 1999, p. 385), sejamelas reguladoras ou meramente executivas,independentes ou subordinadas hierarqui-camente ao Presidente da República9.

Para a compreensão da disciplina dasagências nos EUA e das possibilidades desua utilização como ferramenta de DireitoComparado, devemos estar atentos para aformação do Direito Administrativo dessepaís. Neste escopo, Mariano Magide Herre-ro observa que

“no final do século XIX era tradicio-nal na literatura norte-americana adistinção entre poder executivo e po-der administrativo. O primeiro era di-retamente atribuído ao Presidentepela Constituição, e não ia muito alémdas atribuições concretas do artigo II(relações internacionais, defesa, etc.)e tinha substância política. O segun-do era, em tese, um poder basicamen-te apolítico, que deveria ser exercidoprincipalmente por especialistas esobre cujos titulares decidia o Con-gresso. O incremento de funções daAdministração interventora da déca-da de trinta progressivamente aumen-tou esse poder administrativo, quecumulava potestades próprias dostrês poderes tradicionais para melhorcumprir as suas funções de direção esupervisão dos diferentes setores emque operava. Essa concentração depoderes executivos, legislativos e ju-diciais, entendidos à maneira norte-americana, justificava para alguns asua atribuição a uma quarta instân-

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cia, não hierarquicamente subordina-da ao presidente, para que fosse man-tida a essência do princípio da divi-são dos poderes entendido como sis-tema de cheks and balances tal comoadotado pela Constituição de 1787”(HERRERO, 2000, p. 170).

O mais relevante do estudo da discipli-na legal dos EUA e, sobretudo, da jurispru-dência da Suprema Corte acerca das agên-cias reguladoras é o fato de revelarem dis-cussões que já são seculares e que apenasagora, obviamente que com suas peculiari-dades, se iniciam na América Latina e naEuropa Continental.

É realmente curioso notar a homogenei-dade com que as mais importantes e polê-micas questões referentes às agências regu-ladoras independentes se repetem ao longodo tempo nos mais diversos países, inclusi-ve, e pela primeira vez, nos EUA.

Assim, questões como a posição dasagências reguladoras independentes no tra-dicional esquema dos três poderes; as suasrelações com o Chefe do Poder Executivo,inclusive a possibilidade deste exonerar adnutum os seus dirigentes; o seus poderesnormativos; a legitimação dos seus proce-dimentos; e a abrangência do controle juris-dicional sobre os seus atos são há décadasdiscutidas nos EUA e, certamente, guarda-das as peculiaridades do sistema norte-ame-ricano, as decisões e fundamentos que asdirimiram podem lançar ótimas luzes à suasolução também em outros países em que,tal como o nosso, apenas recentemente, mascom intensidade, surgiram.

Uma das mais tormentosas questões co-locadas pelas agências reguladoras inde-pendentes, mas que não é exclusiva delas,abrangendo também outros órgãos e enti-dades administrativas não-independentes,é a atribuição de competências relaciona-das com os três poderes tradicionais do Es-tado: administram, compõem conflitos en-tre os particulares e o Estado ou até mesmoapenas entre particulares e editam normasgerais e abstratas. Assim, nos EUA se come-

çou a afirmar que exerciam funções admi-nistrativas “quase-judiciais” e “quase-legis-lativas”, o que, no entanto, não violaria oPrincípio da Separação de Poderes consti-tucionalmente consagrado.

Aqui cabe uma observação: nos EUA adecisão de conflitos com administrados e aexpedição de normas gerais e abstratas pelaAdministração não são consideradas, aocontrário do que se dá entre nós, funçõesadministrativas materiais.

Alguns chegaram a defender que as agên-cias teriam-se tornado um verdadeiro “hea-dless forth branch”. O Juiz da Suprema CorteRobert Jackson afirmou que

“ter-se-iam tornado um verdadeiroquarto campo de Governo, que ultra-passou a nossa teoria dos três pode-res. (...) As agências administrativasforam chamadas de ‘quasi-executi-vas’, ‘quasi-judiciais’ e ‘quasi-legisla-tivas’ como forma de conciliá-las como esquema de separação de poderesconsagrado na Constituição. A sim-ples qualificação como ‘quasi’ trazimplícita a confissão de que as classi-ficações reconhecidas não mais sãoaplicáveis sem problemas e ‘quasi’ éuma cobertura que damos para alivi-ar nossa confusão da mesma formaque poderíamos usar uma colcha paracobrir uma cama desarrumada”10.

Refutando a figura de um “quarto po-der”, mas sustentando uma benéfica “con-fusão dos poderes” típicos da divisão tri-partite, Peter Strauss (apud VASCONCE-LOS, 1994, p. 92) afirma que o Princípio daSeparação dos Poderes deve ser hoje inte-grado por considerações ligadas à proteçãodas garantias individuais, mediante a im-posição de requisitos de objetividade e im-parcialidade, e por preocupações inerentesao “sistema de freios e contrapesos” entreos diversos órgãos e entidades estatais. As-severa ainda que a separação do poder intothree separate branche apenas diz respeito àcúpula do Estado, sendo as agencies irredu-tíveis a um só dos poderes. A vitalidade e

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legitimidade destas adviria, ao contrário,exatamente do equilíbrio entre os influxos –cheks and balances – sobre elas exercidos pe-los três poderes tradicionais do Estado11.

Todavia, constata-se na evolução juris-prudencial que, de uma posição que asse-gurava amplas ingerências de todos os po-deres nas agências independentes, a Supre-ma Corte passou a restringir a existência depoderes do Legislativo sobre os dirigentesdas agências com competências administra-tivas, contemplando, dessa forma, a teoriado executivo unitário12. Em Buckley v. Valeo(1976), rechaçou a nomeação de dirigentesde agências pelo Congresso; em Immigrati-on and Naturalization Service v. Chadha (1983),reconheceu a inconstitucionalidade dos ve-tos legislativos, pelos quais o Congressopoderia suspender decisões das agências;em Bowsher v. Synar (1986), refutou a possi-bilidade de exoneração de dirigente da Ad-ministração pelo Congresso.

A concepção originária dos EUA e o sis-tema do Common Law praticamente desco-nheciam a função administrativa, daí a jámencionada utilização da nomenclatura defunção “quase-judicial” e “quase-legislati-va” das agências reguladoras, para o que,em realidade, não era nada mais do que, res-pectivamente, a função processual e regula-mentar da Administração Pública. Com aatual posição da Suprema Corte, que impe-de uma série de ingerências do Poder Legis-lativo sobre as agências que exercem fun-ções administrativas, ficou claro que as ou-trora chamadas funções “quase-judiciais”e “quase-legislativas” das agências regula-doras são espécies da função administrati-va lato sensu, sendo inclusive de se observarque os autores mais modernos abandona-ram essa nomenclatura.

Especificamente quanto à vedação de li-vre exoneração dos dirigentes das agênciasindependentes por parte do Presidente daRepública, condicionada às justas causasenumeradas em lei, o que é considerada aprincipal nota da sua conceituação e dife-renciação das demais agências, a jurispru-

dência norte-americana tem os seguintesprincipais marcos: (a) Myers v. United States(1926): interpretando a seção 1ª do art. II daConstituição Norte-Americana, a SupremaCorte inferiu da competência do Presidentede zelar pela fiel execução das leis a suacompetência para exonerar livremente ostitulares dos órgãos da Administração; (b)Humphrey’s Executor v. United States (1935):limitou as conclusões havidas em Myersapenas às agências puramente executi-vas, afirmando que seria constitucional odispositivo que limitasse às justas cau-sas a possibilidade de exoneração dosdirigentes das agências que exercem po-deres quase-jurisdicionais e quase-legis-lativos; (c) Wiener v. United States (1958):indo além, a Corte afirmou que se a agên-cia exerce funções quase-jurisdicionais ouquase-legislativas, os seus dirigentes nãopodem ser exonerados sem justo motivo,ainda que a lei se silencie a este respeito;e (d) Morrison v. Olson (1988): a SupremaCorte entendeu que as limitações ao po-der de exoneração dos dirigentes dasagências independentes pelo Presidente,limitada a algumas hipóteses taxativas de“justa causa”, não é inconstitucional, vezque, “apesar de supor uma limitação dospoderes presidenciais, esta não era tal queimpedisse ao Presidente exercer a sua obri-gação de velar pela fiel execução das leis,nem a um indevido enfraquecimento daautoridade do Executivo” (HERRERO, 2000,p. 170). O poder de exoneração, apesar decondicionado a uma good cause, continua-va, entendeu a Suprema Corte, nas mãos doExecutivo (RODRIGUES, 1994, p. 52).

Diretamente afinada com a concepção de“poder executivo unitário” acima vista, essaúltima decisão é de grande importância,uma vez que, confirmando as conclusões deHumphrey’s Executor v. United States, adotou-as sob outra perspectiva.

Como observa Andres Betancor Rodrí-guez (1994, p. 52), o que se afirmava emHumphrey’s era a inexistência de livre exo-neração nas agências que não fossem pura-

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mente executivas, ao passo que em Morrisona perspectiva é outra:

“apesar de o Congresso ter limitado opoder presidencial de exoneração, estecontinua contando com o poder ne-cessário para cumprir as suas atribui-ções constitucionais, para o que o Tri-bunal afirma que o relevante não é seé puramente executiva ou não, massim se as restrições ao poder de exo-neração impedem ou não ao Presiden-te o cumprimento de suas atribuiçõesconstitucionais. O Tribunal conclui quenão, já que o Presidente continua tendouma ampla autoridade para assegurarque o Conselho (a agência independen-te, diríamos) execute competentementeas suas responsabilidades legais”13.

Isso fez com que os que se opunham àsagências não mais insistissem na impossi-bilidade de o Congresso fixar limites à exo-neração, propugnando principalmente apartir de então pela possibilidade de o Pre-sidente editar normas cogentes para as agên-cias, integrando e harmonizando a sua atu-ação no conjunto do Executivo, sempre den-tro da idéia de unidade deste. Ora, se umaagência descumprisse essas normas, verifi-cada estaria a good cause para legitimar asua exoneração. Seria a idéia de que “nãoimporta quem faça, desde que faça o que eudetermine”.

Os marcos dessa nova tendência foramas Executive Orders nº 12.291 e 12.498, emiti-das pelo presidente Reagan, que, em sínte-se, submeteram os atos das agências à pré-via aprovação do Office of Management andBudget (OMB), diretamente vinculado aoPresidente. Para evitar eventuais argüiçõesde inconstitucionalidade, eram apenas fa-cultativas para as agências independentes.Todavia, por conveniências políticas, pelomenos sete das mais importantes agênciasindependentes a elas aderiram, o que aca-bou lhes retirando de fato o caráter inde-pendente (RODRIGUES, 1994, p. 48-49).

Essa disciplina foi aperfeiçoada pelaExecutive Order nº 12.886/93 – Regulatory

Planning and Review, editada pelo Presiden-te Bill Clinton. Esse ato estabelece procedi-mentos obrigatórios para as agências, nosentido de que, antes de iniciarem os seusprocedimentos regulatórios, devem comu-nicar a sua intenção a um órgão central doGoverno – o Regulatory Working Group – in-cumbido de alertá-las para as regulaçõesdesnecessárias, dúplices ou contraditóriasentre si ou com a política governamental.“O procedimento de revisão, em princípio,só afeta às agências executivas e aos regula-mentos de aplicação geral significativa – sig-nificant regulatory action – , tanto por seu im-pacto (superior a cem milhões de dólaresanuais), como por razões de coordenação(interferência nas ações de outras agênciasfederais, na política presidencial, nas açõesdos estados ou dos entes territoriais lo-cais)”14.

Podemos constatar que, em virtude daevolução da jurisprudência da SupremaCorte, hoje sufragadora de um “Executivounitário”, e da edição das Executive Ordersacima citadas, a relação das agências inde-pendentes nos EUA tem-se aproximado bas-tante do que se verifica nos países da tradi-ção do direito administrativo.

Colocado o quadro geral das agênciasreguladoras independentes dos EstadosUnidos da América do Norte, deve ser des-tacado o avanço procedimental a que che-garam com o Administrative Procedure Act –APA de 1946, que assegura a participaçãodos indivíduos e dos grupos (relacionadoscom interesses coletivos e difusos) nos pro-cessos decisórios das agências, mesmo na-queles que visam à emissão de normas ge-rais e abstratas.

Note-se, todavia, que na doutrina e ju-risprudência majoritárias essas garantias deexigências não são consideradas decorrên-cias diretas do due process of law constitucio-nalmente assegurado, tendo, portanto, na-tureza meramente infraconstitucional (LA-VILLA RUBIRA, 1991, p. 1101-1120).

De toda forma, Laurence H. Tribe obser-va que as garantias procedimentais concer-

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nentes às decisões das agências objetivamimpedir arbitrariedades no desempenho dasfunções a elas delegadas pelo Congresso(2000, p. 988).

Quanto ao desempenho de funções re-gulamentares pelas agências (na nomencla-tura norte-americana, funções quase-legis-lativas), a orientação prevalecente, apesarde alguns adeptos da non-delegation doctri-ne, é no sentido de que a lei deve conter osstandards mínimos – inteligible principle doc-trine – pelos quais deve a Administração sepautar (CARBONEL, 1996, p. 25-29).

Ocorre que também esses parâmetrospodem ser extraídos tanto da letra de algu-ma disposição legal como, de forma implí-cita, do seu espírito ou do sistema jurídicocomo um todo. Nesse sentido, a SupremaCorte Norte Americana chegou a decidir queo mero estabelecimento da finalidade de al-cançar o “interesse público”, a ser persegui-da no exercício do poder regulamentar decerta agência independente, já era capaz delegitimar o seu exercício: “O termo ‘interes-se público’, tal como empregado, não é umconceito desvestido de critérios, mas possuirelação direta com a adequação dos servi-ços de transporte, com as suas condiçõesessenciais de economia e eficiência (...)(SCHWARTZ, 1950, p. 26).

Quanto ao controle jurisdicional sobreas decisões das agências, o Poder Judiciárioacaba, em razão de uma salutar autolimita-ção, tendo pouca ingerência material nasdecisões das agências, desde que razoáveis,limitando-se, na maioria das vezes, comoimposição do Estado de Direito, aos aspec-tos procedimentais assecuratórios do devi-do processo legal e da participação dos di-reta ou indiretamente interessados no obje-to da regulação. Assim, Bernard Schwartzafirma que, “se há um ponto duvidoso, nósdevemos hesitar em rejeitar a conclusão daComissão, baseada em juízos claros, espe-cíficos e compreensíveis apoiados nos fa-tos” (1950, p. 119). Em outras palavras, emhavendo diversos entendimentos razoáveis,deverá prevalecer o adotado pela agência.

4. França

O fenômeno das agências reguladorasindependentes, que implica um pluricentris-mo administrativo, alcançou até mesmo aFrança, país que tradicionalmente semprezelou pela unidade e organização hierár-quica da sua Administração Pública15.

Na França, esses centros competenciaisautônomos de regulação adotaram a deno-minação de “autoridades administrativasindependentes”16, possuindo algumas pe-culiaridades em relação aos demais países,entre as quais destaca-se a ausência de per-sonalidade jurídica, o que nos leva a cons-tatar a prescindibilidade desta para a con-cepção de organismos autônomos dado opróprio relativismo da importância da per-sonalização jurídica no Direito Público17.

A doutrina gaulesa18 costuma conceitu-ar as autoridades administrativas indepen-dentes a partir dos seus próprios termos, ouseja, seriam (a) autoridades, no sentido deexercerem competências decisórias, exclu-indo-se, assim, aqueles órgãos que exercemfunções meramente consultivas; (b) admi-nistrativas, “exercentes de uma função deregulação destinada a estabelecer as ‘regrasdo jogo’ entre os atores sócio-econômicos –missão mais ampla que aquela de coman-do”; e (c) independentes, já que não inte-gram a linha hierárquica do Poder Executi-vo central. “Apesar de serem desprovidasde personalidade jurídica, sendo orçamen-tariamente ligadas às estruturas ministeri-ais, escapam a todo poder hierárquico oude tutela19. Os únicos limites à sua autono-mia consistem na obrigação de publicar umrelatório anual de prestação de contas e nocontrole exercido sobre certas decisões suaspelo juiz, normalmente do contencioso ad-ministrativo, e às vezes do Poder Judiciá-rio”. Além disso, René Chapus observa que

“o estatuto funcional destas autorida-des é geralmente concebido de manei-ra tal que assegure a efetividade dasua liberdade de decisão. Em outraspalavras, notadamente, os requisitos

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de investidura das pessoas que serãodotadas desta liberdade decisória e omodo de sua designação, o regime decassação do seu mandato, assim comoa instituição de casos de incompati-bilidade tendentes a prevenir ou tor-nar inócuas as pressões e influênciasde qualquer ordem que poderiam sur-gir em relação a eles.

Contribuindo para este estatuto, oConselho de Estado decidiu que oGoverno não pode legalmente dar fimàs funções do presidente (e, sem dúvi-da, também dos demais membros) deuma autoridade administrativa inde-pendente por ter alcançado a idadede aposentadoria no seu órgão públi-co de origem” (CHAPUS, 1999, p. 215).

Essa caracterização, aparentemente sim-ples, gera, no entanto, muitas divergênciasao serem abordadas as autoridades admi-nistrativas independentes em espécie. Me-recem destaque as divergências existentesem relação à característica de “autoridade”:parte da doutrina a concebe de maneira maisampla, abrangente não apenas dos órgãosque exercem decisões obrigatórias – fiscali-zatórias, sancionatórias e regulamentares –, verticais, em sentido tradicional, mas tam-bém as “organizações que exercem umaautorité morale ou algum outro tipo de influ-ence déterminante, ainda que os seus atos se-jam formalmente meras recomendações”20.

Nesse sentido, GÉRARD TIMSIT, pro-pugnando mesmo por uma autre logique dudroit, afirma que

“as instâncias de emissão de normasnão podem ser reduzidas apenasàquelas investidas de um poder deedição de normas obrigatórias, isto é,cujo desrespeito acarreta uma sançãono sentido clássico do termo. As auto-ridades administrativas independen-tes contribuem tanto para a elabora-ção do Direito quanto as autoridadesadministrativas clássicas, por meiosque não são necessariamente meios deconstrição e de imposição, mas que –

geralmente – não são menos eficazes:informação, investigação, proposição,recomendação” (1988, p. 316).

Essa concepção mais ampla das autori-dades administrativas independentes foilegislativamente adotada em relação aoMédiateur de la Republique (Leis de 3 de ja-neiro de 1973 e de 13 de janeiro de 1989),semelhante a um ombudsman; à CommissionNationale de d’Évalution des Universités (Leide 10 de julho de 1989); à Commission Natio-nale de Contrôle des Interceptions de Securité(Lei 10 de julho de 1991) e à Commission Con-sultative du Secret de la Défense Nationale (Leide 8 de julho de 1998) (VAN LANG, 1999, p.37). Parte da doutrina também inclui entreas autoridades administrativas independen-tes a Commission d’Accès aux Documents Ad-ministratifs – CADA (Lei de 17 de julho de1978), que, apesar de não possuir poderescoercitivos sobre os proprietários públicose privados de bancos de dados, tem exerci-do um eficaz papel persuasivo, bastandodizer que 80% das suas recomendações têmsido voluntariamente atendidas pela Admi-nistração. Jacqueline Morand-Deviller assi-nala que “estas recomendações são consi-deradas como uma quase ‘jurisprudência’com grande valor pedagógico, o que corres-ponde à própria missão da CADA, que é deconvencer e não de obrigar” (1996, p. 116).

Uma característica peculiar das autori-dades administrativas independentes fran-cesas é que, ao contrário de muitos países,tais como o próprio Brasil, não se limitam àregulação de setores econômicos ou de ser-viços públicos delegados a particulares,abrangendo também funções de proteção dedireitos fundamentais e de proteção dos ci-dadãos frente à Administração Pública, nãosendo, portanto, no seu conjunto, vincula-das exclusivamente à desestatização e à li-beralização de setores da economia.

A relação das autoridades administra-tivas qualificáveis como independentesvaria bastante de autor para autor, todosdestacando, no entanto, a sua heteroge-neidade.

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Michel Gentot (1994, p. 100-148), queadota um conceito amplo para as autorida-des administrativas independentes, exclui,malgrado opiniões divergentes, o ComitéConsultatif National d’Étique pour les Sciencesde la Vie et de la Santé (Decreto de 23 de janei-ro de 1983) e o Banque de France (Reformadas Leis de 4 de agosto e de 31 de dezembrode 1993) por possuírem personalidade jurí-dica21; o Conseil des Bourses de Valeurs, já que,além de possuir personalidade jurídica, temnatureza corporativa; o Conseil du Marché àTerme, por ser composto apenas pelos pro-fissionais do setor; o Conseil de la Réglemen-tation Bancaire, por ser presidido pelo Mi-nistro das Finanças, não sendo, portanto,independente; e a Commission Nationale deControle des Campagnes Électorales, por fun-cionar apenas nos períodos das eleiçõespresidenciais – não tendo um caráter per-manente, não podendo ser considerada uma“instituição”.

Partindo da classificação constante daobra de Michel Gentot (1994, p. 99-100)acrescidas da enumeração mais recentemen-te elaborada por René Chapus (1999, p. 215-217), podemos dividir as autoridades ad-ministrativas independentes francesas nosseguintes grupos:

1) Autoridades Administrativas Inde-pendentes de Regulação de Atividades Eco-nômicas e Financeiras: Commission des Ope-rations de Bourse – COB, dirigidas, a exem-plo das demais autoridades administrati-vas independentes, por um órgão colegiadocomposto por membros designados peloConselho de Ministros, pelo Conselho deEstado, pela Corte de Cassação, pelo Tribu-nal de Contas, pelo Banco da França e pelosprofissionais do setor (Lei de 2 de agosto de1989); Conseil de Discipline des Organismes dePlacement Collection em Valeurs Mobilières –OPCVM (Lei de 2 de agosto de 1989); Com-mission Bancaire (Lei 24 de janeiro de 1984),integrante da Estrutura do Banque de Fran-ce22; Commission de Contrôle des Assurances (Leide 31 de dezembro de 1989), criada em vir-tude da abertura do mercado francês de se-

guros; Conseil de la Concurrence (Decretos de29 de dezembro de 1986 e de 2 de maio de1988), incumbido da manutenção das regrasdo livre mercado e do controle das concen-trações do poder econômico, exercendo for-tes poderes sancionatórios por meio do co-legiado que o dirige, composto de 16 mem-bros, sendo que sete deles advêm do Conse-lho de Estado, da Corte de Contas e da Cortede Cassação; a Commission des Clauses Abu-sives (Lei de 10 de janeiro de 1978) e a Com-mission de la Securité des Consommateurs (Lei21 de 1983), que, desprovidas de poderescoercitivos, são destinadas à proteção dosdireitos dos consumidores; Médiateur du Ci-nema (Lei de 29 de julho de 1982), que, sempoderes de decisão, vela pela manutençãoda livre concorrência na indústria cinema-tográfica; Autorité de Régulation des Télecom-munications (Lei de 26 de julho de 1996), do-tada de poderes regulamentares e sancio-natórios.

2) Autoridades Administrativas Indepen-dentes de Regulação da Informação e da Co-municação: Conseil Supérieur de l’Audivisuel –CSA (Lei de 17 de janeiro de 1989), compostode membros indicados pelo Presidente daRepública, pelo Senado e pela AssembléiaNacional, e dotado de poderes autorizatóri-os e sancionatórios sobre o setor televisivo eradiofônico, anteriormente monopolizadospelo Estado23; Conseil Supérieur de l’AgenceFrance-Presse (Lei de 10 de janeiro de 1957);Commission Paritaire des Publications et desAgences de Presse, criada por Decreto de 1950,destinada a proteger os benefícios e imuni-dades fiscais dos órgãos de imprensa; Com-mission des Sondages (Lei de 19 de julho de1977), encarregada da deontologia dos ins-titutos de pesquisa; Commission Nationale desComptes et des Financements Politiques, criadaem janeiro de 1990.

3) Autoridades Administrativas Inde-pendentes de Proteção contra a Adminis-tração Pública: Commission Nationale del’Informatique et des Libertes – CNIL (Lei de 6de janeiro de 1978), que controla as aplica-ções da informática às informações pesso-

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ais; Commission d’Accès aux Documents Ad-ministratifs – CADA (Lei de 17 de julho de1978), que vela pelo direito de acesso aosdocumentos e dados pessoais e que possuialguns pontos de conflitos de competênciacom a CNIL; Médiateur de la Republique (Leisde 3 de janeiro de 1973 e de 13 de janeiro de1989), semelhante a um ombudsman, despro-vido de poderes decisórios; Commission desInfractions Fiscales (Lei de 29 de setembro de1977), que tem como principal escopo as-segurar os contribuintes contra os abusosda persecução penal em matéria tributária.

4) Autoridades Administrativas Inde-pendentes de Avaliação da AdministraçãoPública: Comité National d’Évalution des Éta-blissements Publics à Caractère Scientifique,Culturel et Profissionel (Lei de 22 de janeirode 1990), em cujo colegiado participam di-versos representantes das universidades.

Podemos constatar que, segundo essaenumeração, nem todas as autoridades ad-ministrativas independentes francesas po-dem ser incluídas no conceito de autorida-des reguladoras, o que pressupõe a elabora-ção de regras e/ou aplicação de sançõesincidentes sobre setores não integrantes dopróprio Estado. Assim, poderíamos dizerque o conceito das nossas agências regula-doras independentes está contido no con-ceito de autoridades administrativas inde-pendentes francesas.

Podemos constatar também que, diver-samente das nossas agências reguladoras,o Poder Executivo não é o único órgão a in-dicar os membros dos seus respectivos cole-giados, o que não seria admissível no nossosistema presidencialista.

Todavia, algumas das orientações juris-prudenciais concernentes às autoridadesadministrativas independentes francesaspodem ser de grande valia para a avaliaçãode questões que também surgiram entre nós.

Uma das mais relevantes diz respeito àsubtração desses organismos à linha hie-rárquica da Administração central, vez quea Constituição da França, a exemplo, danossa, atribui ao Governo a determinação

da política nacional e da AdministraçãoPública (art. 20), ao passo que os dirigentesdas autoridades administrativas indepen-dentes são nomeados em caráter irrevogá-vel por determinado prazo de tempo.

O Conselho de Estado, em seus estudos,ou seja, não em sede jurisdicional, primei-ramente afirmou que “se integram sem difi-culdade no sistema político e administrati-vo francês”, e posteriormente recuou ao res-salvar que “as autoridades administrativasindependentes constituem uma categorianão prevista pela Constituição, e dificilmen-te conciliável com o equilíbrio de poderespor ela estabelecido” (apud HERRERO,2000, p. 190).

Apesar de o Conselho Constitucionalnunca haver tratado da questão especifica-mente, ao julgar matérias concernentes àsautoridades administrativas independen-tes, jamais inquinou a sua constitucionali-dade, afirmando que a direção da Adminis-tração central pode ser satisfeita pela possi-bilidade de desencadeamento dos contro-les jurisdicionais de legalidade. Já atestou,por outro lado, a possibilidade de o Legisla-dor extinguir uma autoridade administrati-va independente no curso do mandato dosseus dirigentes (HERRERO, 2000, p. 191).

A questão da confusão e acumulaçãonas autoridades administrativas indepen-dentes de poderes de diversa natureza tam-bém aflige a doutrina e a jurisprudênciafrancesa. Nicole Decoopman afirma que,“de um ponto de vista funcional, a confu-são de poderes geralmente caracteriza asautoridades administrativas independen-tes. Mesmo considerando que a leitura clás-sica da separação de poderes deve ser mati-zada, as autoridades administrativas inde-pendentes oferecem exemplos tópicos deinstâncias que dispõem de poderes os maisvariados e que são constantemente fortale-cidos” (1998, p. 251).

Quanto aos robustos poderes regulamen-tares dos quais a maioria dessas autorida-des é dotada, o Conselho Constitucional osadmitiu, mas, semelhantemente à doutrina

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norte-americana dos inteligible principles,exige que a lei estabeleça critérios e princí-pios retores determinados para o seu desen-volvimento (HERRERO, 2000, p. 192-193),ressalvando ainda que a determinação daspolíticas públicas a serem implementadasdeve ficar a cargo do Governo, ou seja, daAdministração central (p. 191-192), quepode, inclusive, editar regulamentos na áreade competência da autoridade independente(GUÉDON, 1991, p. 44).

Como denota Jacques Chevallier, as au-toridades administrativas independentesforam aclimatadas ao arcabouço constitu-cional francês “graças a um trabalho de in-terpretação, notadamente jurisprudencial,objetivando aparar as arestas de algumasde suas particularidades e a suavizar algu-mas das suas asperezas, a fim de que fos-sem compatibilizadas com a arquitetura ins-titucional” (CHEVALLIER, 1998, p. 41).

5. Espanha

O surgimento de entidades de regulaçãodotadas de grande autonomia em relação àAdministração Pública central tambémvem, desde 1980, desafiando a doutrina ejurisprudência espanholas, que destacam ainspiração norte-americana do modelo (RA-MÓN, 1994, p. 576), sem esquecer das mar-cantes influências francesas e germânicas24.

A Espanha sempre contou com entida-des dotadas de personalidade jurídica ins-tituídas pelo Estado, que em seu conjuntosão denominadas Administração Instru-mental, termo equivalente à nossa Adminis-tração Indireta.

Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández (1999, p. 420), após des-tacar a “artificiosidade da personificação”das entidades instrumentais, que se man-têm sob a direção e controle da Administra-ção Central, que tem sempre a possibilida-de de recuperar a direção eventualmenteperdida mediante a substituição dos seusdirigentes, afirmam que desse quadro geralescapam algumas entidades recentemente

criadas que representam uma “vontadeconsciente de limitar a, de outra forma, in-condicionada disponibilidade das mesmas– e das funções a elas confiadas – por partedo Governo que estiver no poder, ou seja,uma vontade de ‘neutralizar’ politicamentea sua gestão, afastando-a, na medida dopossível, dos conflitos partidários”.

Com isso se pretende que “certas fun-ções de regulação e ordenação da vida soci-al, econômica ou cultural, ainda quandoestejam materialmente integradas no Exe-cutivo, sejam, de forma estável e permanen-te, subtraídas pelo Legislador da influênciaindiscriminada das maiorias políticas”(ORTIZ, 1994, p. 62).

As autoridades administrativas inde-pendentes espanholas foram criadas comopessoas jurídicas de direito público, apesarde haver setores da doutrina que sustentamque a personificação jurídica não é um dadoessencial do seu conceito, uma vez que po-dem existir órgãos despersonalizados aosque se atribuam as mesmas prerrogativasde autonomia25.

A doutrina espanhola é tranqüila em cri-ticar a adoção do termo “independente”,afirmando que o que ele quer expressar é,outrossim, uma autonomia real ou reforça-da em relação à que gozam as entidades daadministração instrumental (indireta) emgeral.

Referindo-se às autoridades administra-tivas independentes, Elisenda Malaret ob-serva que,

“apesar de a atribuição de personali-dade jurídica implicar sempre reco-nhecimento de um certo grau de auto-nomia, na hipótese agora considera-da a autonomia não é tanto a conse-qüência, mas uma das condições quegarantem a efetividade do cumpri-mento da tarefa atribuída. Evidente-mente, sempre que a personificaçãoseja acompanhada dos corresponden-tes recursos pessoais e financeiros eque o reconhecimento de poderes e arespectiva atribuição de competênci-

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as configure um âmbito de livre confi-guração sem a adoção de mecanismosadministrativos de controle ou de tu-tela” (MARALET).

Essa independência deve ser assegura-da tanto do ponto de vista orgânico – ga-rantias de incolumidade aos seus dirigen-tes – como funcional – proteção das suasdecisões contra os juízos políticos do Go-verno –, sem o que a entidade não poderáser caracterizada como uma autoridade ad-ministrativa independente.

Nesta senda, é mencionada a existênciade uma série de medidas e garantias de neu-tralidade desses organismos, qualificadas de

“garantias de caráter orgânico – entre asquais se inclui: a) a existência de umpluralismo nas instâncias de nomea-ção dos seus órgãos dirigentes; b) ainclusão de requisitos que suponhama despolitização dos dirigentes a se-rem nomeados; c) a tomada de deci-sões por órgãos colegiados; d) estabe-lecimento de prazo para o mandatodos dirigentes superior ao da legisla-tura; e) estabelecimento de causas ta-xativas que possam permitir a exone-ração dos dirigentes – e de garantiasde caráter funcional – entre as quais secita: a) a independência frente as de-cisões do Governo; b) a inexistênciade faculdades de direção típicas deuma relação hierárquica; e c) a inexis-tência de recurso ao Governo contraas decisões do organismo” [grifo nos-so] (NAVAJAS REBOLLAR, 2000, p.145-146).

Mais uma vez podemos verificar a se-melhança com que as questões constitu-cionais se colocam nos diversos países emrelação a essas autoridades ou agênciasindependentes.

Com efeito, também em Espanha as mai-ores dúvidas quanto à sua constitucionali-dade dizem respeito ao art. 97 da Consti-tuição Espanhola, que atribui ao Gover-no a direção de toda a AdministraçãoPública, colocando-se ainda dúvidas

quanto à possibilidade de exercerem pode-res regulamentares.

Em favor da constitucionalidade dasautoridades administrativas independen-tes, muitos setores doutrinários invocam oprincípio da imparcialidade da Adminis-tração Pública (art. 103, Constituição de Es-panha).

Todavia, José Ramón Parada Vásquezafirma, minoritariamente, que,

“além do desrespeito ao poder de di-reção do Governo sobre toda a Admi-nistração, há outra razão para descar-tar no constitucionalismo espanhol atécnica das administrações indepen-dentes: a Constituição espanhola obri-ga todas as Administrações a servircom ‘objetividade’ (...). Não cabe, porisso, que umas administrações sejammais objetivas e neutrais que outrasem razão das funções por elas de-sempenhadas. (...) Ademais, admitirque determinadas funções ou serviçospúblicos exigem garantias especiaiscontra o Governo significa aceitar quea regra é a do desrespeito da objetivi-dade e da imparcialidade, o que seriaconstitucionalmente inaceitável”(1994, P. 688-669).

A doutrina amplamente majoritária, con-tudo, afirma que as administrações inde-pendentes são compatíveis com o poder dedireção do governo, já que a Constituiçãopreceitua que este deve ser exercido na for-ma da lei, o que faz com que esta possa mo-delá-lo com maior ou menor intensidade,

“não se rompendo, em todo caso, oslaços com o Governo e o Parlamento,o que seria inconstitucional, mas se-ria sim um simples reforço da autono-mia de gestão para melhor implemen-tação de valores albergados pelaConstituição (pluralismo informativo,direito à intimidade, estabilidade eco-nômica...), valores que poderão sermelhor protegidos e satisfeitos se a suagestão for colocada a salvo das lutaspartidárias.

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Apenas nestes casos, isto é, quan-do a ‘neutralização’ inerente à ‘sepa-ração’ ou ‘independentização’ carac-terísticas desta figura seja exigidapela realidade, seja avalizada por umconsenso social e se apóie em algumvalor constitucional relevante, paracuja melhor implementação a reclame,poderá ser considerada constitucio-nalmente legítima a criação destasentidades de autonomia reforçada,autonomia que, de qualquer maneira,não poderá se traduzir em uma ruptu-ra total dos vínculos de união com oGoverno e o Parlamento. Tampouco,naturalmente, não poderá jamais levarà exclusão do controle jurisdicionalsobre as suas decisões” (GARCÍA EN-TERRÍA; FERNANDEZ, 1999, p. 423).

Quanto ao geralmente amplo poder re-gulamentar atribuído às autoridades admi-nistrativas independentes, devemos fazeruma distinção. Há questões que tradicional-mente sempre são postas quanto à amplitu-de do poder regulamentar da Administra-ção Pública, inclusive das entidades daAdministração Pública Instrumental. Toda-via, deparamo-nos também com questõesespecíficas relacionadas à atribuição depoder regulamentar às entidadeS adminis-trativas independentes, não subordinadasao Governo, desvestidas, portanto, aindaque indiretamente, da legitimidade demo-crática da qual este é investido e que nor-malmente é exercida por meio da livre exo-neração dos dirigentes das entidades daadministração instrumental – cuja inadmis-sibilidade (da livre exoneração) é a princi-pal nota caracterizadora das autoridadesadministrativas independentes.

O Tribunal Constitucional espanhol,consolidando a posição inicialmente ado-tada na STC 135/92, decidiu na STC 133/97 serem constitucionais as atribuições depoder regulamentar às autoridades admi-nistrativas independentes, desde que hajahabilitação legal específica (MAGIDE HER-RERO, 2000, p. 435-450).

Analisando a questão de forma seme-lhante à orientação do Conselho Constitu-cional Francês vista no item anterior, Lucia-no Parejo Alfonso afirma que “é imprescin-dível que a atribuição às autoridades admi-nistrativas independentes de um poder nor-mativo seja objeto de uma habilitação legal(formal) expressa e determinada (no senti-do de delimitadora do âmbito, caráter e al-cance do respectivo poder normativo). Asautoridades independentes são, pois, orde-namentos apoiados em outro ordenamento,possuindo, portanto, natureza derivada”(1994, P. 651).

Devemos observar que as autoridadesadministrativas independentes não são umfenômeno homogêneo, havendo, ao revés,grandes disparidades entre elas em funçãodos distintos graus de “autonomia reforça-da” que lhes é assegurada, o que inclusiveleva a um sem-número de divergências dou-trinárias quanto à inclusão desta ou daque-la entidade na categoria.

A exemplo da França, as autoridadesadministrativas independentes espanholasnão se limitam à seara econômica, incidin-do também sobre a seara dos direitos fun-damentais.

Existem posições mais amplas, que in-cluem na categoria entidades sem funçõesregulatórias, mas cuja autonomia é consti-tucionalmente assegurada, como as univer-sidades (GARCÍA ENTERRÍA; FERNAN-DEZ, 1999, p. 421-422); e mais restritivas,que contemplam apenas as entidades regu-ladoras que possuem um grau bastante ele-vado de autonomia.

Podemos adotar, não sem algumas críti-cas, a posição intermediária de Miguel Na-vajas Rebollar (2000, p. 151-160), para quema Espanha teria as seguintes autoridadesadministrativas independentes:

1) Banco de Espanha, que, na forma dasLeis nºs 13/94 e 12/98, vem gozando de umacrescente autonomia, mormente em funçãodas diretivas européias concernentes ao sis-tema financeiro; 2) Comisión Nacional delMercado de Valores, criada pela Lei nº 24/98,

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dotada de um amplo poder regulamentar;3) Consejo de Seguridad Nuclear, criada pelaLei nº 15/80, é considerada a primeira au-toridade administrativa independente espa-nhola26; 4) Agencia de Protección de Dados, atu-almente disciplinada pela Lei nº 15/99; 5)Comisión del Mercado de las Telecomunicacio-nes, cujos poderes normativos, apesar de nãoserem explícitos, foram sendo afirmadospela doutrina (SALA ARQUER, 2000, p. 70-75); 6) Comisión Nacional de Energia, criadapela Lei nº 34/98 para regular o setor dehidrocarburetos – a indústria petrolífera emgeral –, sendo asseguradas aos seus diri-gentes amplas garantias funcionais; 7) EntePúblico Radio Television Española, objeto daLei nº 4/80, que por muitos não é conside-rado uma autoridade administrativa inde-pendente por não ser um ente regulador, massim prestador de serviços de radiodifusão.

A maioria da doutrina não considera aComisión del Sistema Eléctrico Nacional umaautoridade administrativa independente, vezque o Governo pode revogar ou suspender assuas decisões tanto nos aspectos de legalida-de como de conveniência e oportunidade27.

Vemos assim que as autoridades admi-nistrativas espanholas – nem sempre regu-ladoras (p. ex., Ente Público Radio TelevisionEspañola) –, apesar de serem em número bemmais reduzido que as francesas, incidemsobre várias áreas sensíveis do ponto de vis-ta dos valores tutelados constitucionalmen-te, o que justifica o reforço da autonomiaorgânica e funcional, inclusive normativa,a elas assegurado.

6. Itália

A Itália vem acompanhando o movimen-to europeu de criação de autoridades ad-ministrativas independentes, sendo sempredestacada a relevância que o instituto ad-quiriu após a desestatização de uma sériede serviços até então prestados diretamentepelo Estado, não olvidado, contudo, o rele-vante papel que desempenham também natutela de direitos fundamentais28.

A importância do estudo das autorida-des administrativas independentes da Itá-lia se deve em grande parte ao fato de a dou-trina desse país ser uma das mais ricas ecriativas na matéria, razão pela qual nãopodemos dela prescindir, vez que nos podenos fornecer elementos essenciais para oesclarecimento de algumas das nossas per-plexidades com as agências reguladorasindependentes brasileiras.

A riqueza da doutrina italiana faz comque haja uma enorme quantidade de cor-rentes acerca das entidades administrativasindependentes. Uma primeira e grande di-ferença de perspectiva é dada por aqueles quea vêem como um quarto poder e aqueles que aintegram entre as funções administrativas29.

Afirmam os primeiros, partindo do pres-suposto de que as autoridades independen-tes exercem parte dos poderes normativosordinariamente exercitáveis pelo Parlamen-to e restringem as competências do Gover-no, que “tornou-se impossível a inclusãodas autoridades em questão ao âmbito dequalquer um dos tradicionais poderes doEstado” (FRANCHINI, 2000, p. 281-282).

A tese foi, no entanto, refutada pela Cor-te Constitucional Italiana. Em uma dessasdecisões, asseverou que “a independênciada Autoridade deve ser vista não como umaseparação do ordenamento geral, mas, emoutros termos, como ‘a expressão de umaprofunda transformação das concepçõesrelativas à intervenção do Estado na econo-mia, imposta pela necessidade de determi-nadas atividades econômicas se desenvol-verem sob o controle de autoridades imparci-ais, em posição de eqüidistância em relaçãoaos interesses públicos e privados em jogo’”30.

Claudio Franchini, bem ao estilo da teo-rização e profundidade características dadoutrina italiana, vê

“na base da difusão deste novo mo-delo organizativo um fenômeno par-ticular: aquele da dissociação entre aalocação formal do poder e o efetivoexercício que se verifica por razõespolíticas, econômicas ou burocráticas.

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Com efeito, geralmente as decisões, emvez de derivarem livremente dos seusatores formais, são expressões de umasérie de elementos que se produzemem diversos níveis e condicionam defato, às vezes de maneira definitiva, adecisão final: é notório que, freqüen-temente, numerosos sujeitos – dospartidos aos sindicatos, dos gruposde pressão à burocracia, das grandesempresas às instituições financeiras– influem as decisões do Estado: emconseqüência, se verifica que nem sem-pre a sede formal do poder coincide comaquela do seu real exercício”31,32.

Conclui o jurista italiano afirmando quecontra as ingerências ilegítimas sobre osprocessos decisórios da Administração Pú-blica, notadamente naqueles setores social-mente sensíveis, demandou-se a instituiçãode entidades que “exercessem as suas fun-ções sem condicionamentos ou interferên-cias de quem quer que seja, públicos ou pri-vados” (FRANCHINI, 2000, p. 279).

Comparando as autoridades administra-tivas independentes com os outros entesinstrumentais do Estado (equivalentes àsnossas entidades da Administração Indire-ta), que acabaram vinculados à Adminis-tração central de forma quase absoluta, Vi-cenzo Cerulli Irelli afirma que “fenômenodiverso é aquele mais recente das autorida-des administrativas independentes, dota-das ou não de personalidade jurídica, insti-tuídas por lei para disciplinar setores daadministração em sentido substancial, se-gundo modelos organizativos e funcionais detodo desvinculados de quaisquer relaçõescom a organização ministerial” (1997, p. 230).

É destacada a heterogeneidade das au-toridades administrativas italianas, haven-do ainda, como não poderia deixar de ser,divergências quanto a enumeração das en-tidades que integram o seu rol.

Pensamos poder adotar a enumeraçãoelaborada por Filippo ROMANO (2000,p. 25-43) que possui a completude neces-sária para expressar a importância des-

sas entidades no Direito Público Italiano.Vejamo-la33:

1) Difensore Civico Regionale, DifensoreCivico Comunale e Difensore Civico Provinci-ale: equivalente ao ombudsman escandinavo,é um órgão monocrático incumbido de pro-teger os direitos dos cidadãos perante asadministrações regionais, atuando de ma-neira precipuamente informal e preventivade conflitos. É displinado pelas Leis de cadaregião (por exemplo, a Lei reg. Lazio 17/80), que, naturalmente, dão diversos contor-nos aos seus respectivos Difensores Civicos.

2) Autorità Garante della Concorrenza e delMercato (o Antitrust): criada pela Lei nº 287/90 para proteger o livre mercado e a concor-rência, é dirigida por um colegiado cujosmembros são nomeados por determinaçãoem comum acordo dos Presidentes das Câ-maras entre integrantes das categorias pro-fissionais enumeradas na lei (magistrados,professores universitários etc.). Com exce-ção do seu Secretário-Geral, que é nomeadopelo Ministro da Indústria, o Poder Executi-vo não tem qualquer outra ingerência sobrea autoridade independente em questão.

3) Autorità per l’Energia Elettrica ed il Gas:criada pela Lei nº 481/95, compõe, junta-mente com a Autorità per le Garanzie nelleComunicazioni, o grupo das autoridades in-dependentes reguladoras de serviços públi-cos, cuja criação adveio da desestatizaçãodos respectivos setores. Os Autorità perl’Energia Elettrica ed il Gas são nomeados peloPresidente da República para um prazo desete anos sem recondução, após prévia deli-beração do Conselho de Ministros e a apro-vação da Comissão Parlamentar do setor.

Um ponto interessante da Autorità perl’Energia Elettrica ed il Gas e que pode trazeruma contribuição para o legislador brasi-leiro é o sistema de incompatibilidades, aquarentena imposta pela lei aos seus diri-gentes. Por um prazo de quatro anos, nemos ex-dirigentes ou seus parentes próximospodem ter qualquer espécie de relação comas empresas do setor regulado, sendo que,em caso de inobservância da quarentena,

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tanto o ex-dirigente como a empresa que ocontratou devem sofrer sanções pecuniárias.

4) Autorità per le Garanzie nelle Comunica-zioni: possui os mesmos traços da Autoritàper l’Energia Elettrica ed il Gas, sendo disci-plinada pela mesma Lei nº 481/95 e pelaLei nº 249/97. O seu Presidente é nomeadopelo Presidente da República por propostado Ministro das Telecomunicações. Os seusdemais membros dirigentes são escolhidospelo Parlamento. A ela compete a regulaçãodos serviços de telecomunicação e da im-prensa em geral.

5) Garanti dei dati Personali (Lei nº 31/96): o Garanti dei dati Personali é um órgãocolegiado, composto de quatro membros,dois deles eleitos pela Câmara dos Deputa-dos e dois pelo Senado da República, e, naforma disposta na própria lei institutiva, atuacom plena autonomia e independência.

O ente tem como função disciplinar o tra-tamento dos bancos de dados pessoais, es-pecialmente aqueles informatizados, ditan-do as normas para a sua instituição, coibin-do abusos, emitindo autorizações para insti-tuição de bancos cujos dados sejam conside-rados sensíveis, fomentar a auto-regulamen-tação dos operadores de bancos de dados etc.

6) Comissione di Garanzia per l’Attuazionedella Legge sull’Esercizio del Diritto di Sciope-ro (Lei nº 146/90): a Comissão possui novemembros nomeados pelo Presidente da Re-pública por designação do Parlamento deespecialistas em Direito Constitucional, Di-reito do Trabalho e relações industriais. A suafunção é atuar na composição e solução deconflitos coletivos de trabalho, inclusive nosque envolvam o exercício do direito de greve.

7) Autorità per la Vigilanza sui Lavori Pub-blici (Lei nº 109/94): demonstrando a hete-rogeneidade das razões que levam à insti-tuição de autoridades independentes na Itá-lia, à Autorità per la Vigilanza sui Lavori Pub-blici é atribuída a função de zelar pelo es-correito andamento das obras públicas. Écomposta de cinco membros nomeados con-juntamente pelos Presidentes da Câmara edo Senado.

8) Autorità per l’Informatica nella PubblicaAmministrazione (D. L. 39/93): composta decinco membros nomeados após deliberaçãodo Conselho de Ministros, é encarregada dacoordenação e planejamento das iniciativase investimentos estatais em informática, in-clusive sobre as aquisições governamentaisno setor. Atua com autonomia técnica e fun-cional e independência decisória.

9) Commissione Nazionale per le Società e laBorsa – CONSOB (Lei nº 281/85): é uma daspoucas autoridades administrativas inde-pendentes italianas dotadas de personali-dade jurídica, composta de quatro membrosnomeados pelo Presidente da Repúblicaapós deliberação do Conselho de Ministros.É incumbida da regulação do mercado devalores mobiliários, sendo dotada inclusi-ve de elevado poder regulamentar sobre osagentes do setor.

10) Instituto Superiore per la Vigilanza sul-le Assicurazioni Private – ISVAP (Lei nº 576/82): também é dotado de personalidade ju-rídica, sendo o seu Presidente nomeado peloPresidente da República após deliberaçãodo Conselho de Ministros por proposta doMinistro da Indústria. Regula o mercado deseguros, velando pela sua eficiência, estabi-lidade e solvabilidade. É, contudo, sujeito àtutela do Ministério da Indústria.

A enumeração elaborada é oriunda deuma concepção abrangente das autoridadesadministrativas independentes. Há autoresque, a exemplo de Vicenzo Cerulli Irelli(1997, p. 233), entendem que qualquer vín-culo com a Administração Pública desna-tura a sua independência. Para esses auto-res, seriam autoridades administrativas in-dependentes apenas aquelas em cuja nome-ação dos membros a Administração Públi-ca ou o Governo sequer participassem, como que guardariam uma posição bastante se-melhante à do Conselho de Estado e da Cor-te de Contas.

É isso que leva muitos autores a susten-tarem a existência de autoridades adminis-trativas semi-independentes, corresponden-tes àquelas em que, malgrado a existência

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de mandatos irrevogáveis ad nutum, os seusdirigentes são nomeados pelo Governo ouas suas funções se submetem a qualquerespécie de controle ministerial (AMATO,1997, p. 645-664).

Outros autores, outrossim, afirmam quea nomeação pelo Parlamento não deve sercolocada como condição da caracterizaçãocomo autoridade independente, vez quepode, tanto quanto a nomeação feita peloGoverno, estar imbuída de critérios políti-cos. Essa posição dá relevo, outrossim, aosrequisitos de nomeação e à autonomia orgâ-nica e funcional da qual os entes enumera-dos são dotados34 (ROMANO, 2000, p. 40).

Algumas das discussões mais canden-tes na Itália, até mesmo pela amplitude dofenômeno das suas autoridades indepen-dentes, que, como visto, diversamente do quese dá entre nós, abrangem entes cujos diri-gentes são nomeados diretamente pelo Po-der Legislativo, não possuindo qualquervínculo com a Administração Pública, di-zem respeito à sua constitucionalidade fren-te ao seu sistema parlamentar de responsa-bilidade do Governo pelos órgãos e entesadministrativos.

Como justificativa para essa certa exce-ção ao seu sistema parlamentar, os argu-mentos são vários, fulcrando-se principal-mente no princípio da imparcialidade daAdministração Pública (art. 97, ConstituiçãoItaliana) (MASSERA, 1988, p. 453) ou na ne-cessidade de especial tutela de valores cons-titucionais de maior sensibilidade, seja a li-vre concorrência, o direito à intimidade dosdados pessoais etc (LONGO, 1996 p. 14-15).

7. Argentina

O estudo dos entes reguladores argenti-nos é relevante tendo em vista a raiz comumque Argentina e Brasil possuem na matéria.De fato, lá, como aqui, o surgimento de en-tidades reguladoras dotadas de um especialperfil institucional se iniciou com o processode desestatização a partir de 1989 (BIANCHI,2001, p. 201) concentrando-se nos setores pri-

vatizados35, não abrangendo, ao contrário daexperiência européia, entes de garantia dedireitos fundamentais, também não possuin-do a acentuada heterogeneidade institucio-nal que se verifica nos países europeus, como que se reduzem consideravelmente as dis-cussões que a respeito deles surgem.

A exemplo das nossas agências regula-doras, os chamados “entes reguladores”argentinos “possuem a condição jurídicaprópria das entidades autárquicas, tratan-do-se de descentralizações jurídicas do Es-tado, de cuja natureza pública participam,pertencendo, na realidade, à sua organiza-ção administrativa, apesar de possuírempersonalidade jurídica diferenciada” (CAS-SAGNE, 1994, p. 152).

Existe, todavia, uma diferença funda-mental dos entes reguladores argentinos emrelação às agências reguladoras brasileiras.As nossas agências reguladoras, apesar denão possuírem alguns traços atípicos dasautoridades administrativas independenteseuropéias, são dotadas de uma especial au-tonomia frente à Administração central doEstado, consistente principalmente na ve-dação da exoneração ad nutum dos seus di-rigentes e sujeição a uma supervisão minis-terial bastante atenuada. Já os entes regula-dores argentinos, malgrado possuírem al-guns traços institucionais especiais, mor-mente quanto aos requisitos técnicos dosseus dirigentes, não se revestem de garanti-as funcionais para os seus dirigentes ou deproteções da sua esfera competencial emface da supervisão ministerial.

O fundamento constitucional específicodos entes reguladores da Argentina está noterceiro parágrafo do art. 42 da sua Consti-tuição, que dispõe: “La legislación estableceráprocedimientos eficaces para la prevención y so-lución de conflictos, y los marcos regulatorios delos servicios públicos de competencia nacional,previendo la necesaria participación de las asocia-ciones de consumidores y usuarios y de las pro-vincias interesadas, en los organismos de control”.

Agustín GORDILLO (2000, p. VII18-VII20), certamente um dos maiores adminis-

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trativistas da América Latina, lamenta, to-davia, a distância existente entre o preceitua-do no dispositivo constitucional e as leis ins-tituidoras dos entes reguladores, o que fazcom que na prática sejam comuns, por exem-plo, os recursos de alzada (correspondentes aosnossos recursos hierárquicos impróprios),julgados pelos Ministros de Estado contra atospraticados pelos entes reguladores36.

O autor portenho enumera de maneiranão exaustiva como entes reguladores o EnteNacional Regulador de la Electricidad – ENRE(Lei nº 24.065), Ente Nacional Regulador DelGas – ENERGAS (Lei nº 24.076), ComisiónNacional de Comunicaciones – CNC (Decretonº 660/96), Ente Tripartito de Obras y Servici-os Sanitários – ETOSS (Lei nº 23.696), Comisi-ón Nacional de Correos y Telégrafos – CNTC,Comisión Nacional de regulación del Transpor-te (Decreto nº 660/96), Organo de Control delas Concessiones de la Red de Acessos a la Ciu-dad de Buenos Aires – OCRABA (Decreto nº1994/93), Ente Nacional Regulador Nuclear(Decreto nº 1504/94), Comisión Nacional deValores (Decreto-Lei nº 17.811), Superinten-dencia de Seguros de la Nación (Lei nº 20.091),Superintendencia de Administradoras de Fon-dos de Jubilaciones y Pensiones (Lei nº24.241), Comisión Nacional de Comercio Exte-rior (Decreto nº 766/94), etc (GORDILLO,1998, p. XV2-XV3).

Da enumeração podemos constatar quemuitos dos entes reguladores foram criadospor Decreto do Poder Executivo, o que, alémdas indagações quanto à sua inconstitucio-nalidade37, deixa fora de dúvidas a sua par-ca ou nenhuma autonomia, uma vez que,pelo Princípio do Paralelismo das Formas,podem ser extintos a qualquer momento porato (Decreto) do Poder Executivo.

Quanto à inamovibilidade, elemento es-sencial para a eventual caracterização comoentes “independentes”, a disciplina legis-lativa é bastante díspare, mas, em geral, sepode afirmar que os integrantes dos seuscolegiados diretores são exoneráveis ad nu-tum. Apenas os dirigentes da Comisión Naci-onal de Comunicaciones – CNC podem ser

exonerados por descumprimento de suasfunções38. Em relação aos dirigentes do EnteNacional Regulador de la Electricidad – ENREe do Ente Nacional Regulador Del Gas – ENER-GAS, a lei não estabelece condições para aexoneração, dispondo tão-somente que oPoder Executivo os exonerará por ato moti-vado previamente comunicado a uma co-missão parlamentar bicameral39.

Também na Argentina é reconhecida amultiplicidade de funções conferidas aosentes reguladores, sendo que especiais con-trovérsias despertam as suas amplas com-petências regulamentares, condicionadas,no entanto, aos standards40 que devem serpreviamente fixados pela lei formal regula-mentada. Neste sentido, Daniel M. Nallarentende que seria “ilógico aceitar as compe-tências do Legislador para criar entidadesdescentralizadas e ao mesmo tempo imporlimites à atribuição de competências e fa-culdades a estas entidades por parte doCongresso” (1999, p. 90).

Podemos ver, portanto, que, se os entesreguladores argentinos são competencial-mente bastante semelhantes às nossas agên-cias reguladoras, dela se distinguem pelaausência de uma autonomia reforçada emrelação às demais autarquias, o que é deno-tado pela possibilidade de exoneração adnutum dos dirigentes da maior parte delas ede interposição do recurso de alzada.

8. Conclusões

O nosso objetivo foi o de abordar o fenô-meno dos órgãos ou entidades independen-tes de regulação nos países cujo direito po-sitivo, doutrina e jurisprudência podem for-necer maiores contribuições para destrin-char as questões que são colocadas às agên-cias reguladoras brasileiras. Não nos pro-pusemos a tratar do fenômeno em todos ospaíses em que se verifica, a exemplo do Ca-nadá41, Irlanda, Suíça, Suécia, Áustria, Ale-manha42 e Portugal43, ou a analisar a impor-tância desses entes independentes para aestruturação da integração européia44.

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Ao longo de cada Tópico, já chegamos aalgumas conclusões parciais. No ponto aque chegamos, podemos, todavia, sintetizaralguns aspectos comuns aos países anali-sados: (a) a “independência” de que sãodotados consiste na realidade em uma au-tonomia reforçada em relação ao aparatotradicional da Administração Direta e Indi-reta; (b) a restrição ao poder de exoneraçãodos dirigentes dos órgãos ou entidades in-dependentes de regulação não compromete opoder de direção do Governo, sendo este com-preendido nos termos das respectivas leis cri-adoras; (c) todos eles concentram poderes fis-calizatórios, sancionatórios, compõem con-flitos e editam regulamentos; e (d) os amplospoderes regulamentares que geralmente pos-suem são admitidos desde que a lei fixe osstandards em que deverão se desenvolver.

Constatamos, assim, que a maioria dasquestões hermenêuticas existentes em rela-ção às nossas agências reguladoras inde-pendentes também foram suscitadas nosdemais países em que esse modelo organi-zativo foi adotado, onde foram dadas solu-ções jurisprudenciais bastante semelhantes.É importante notar, inclusive, o importantepapel que a jurisprudência teve em compa-tibilizar tais entes ao arcabouço constituci-onal de cada país, desmistificando algumasperplexidades iniciais da doutrina.

Tudo indica que a jurisprudência doSupremo Tribunal Federal – STF está a tri-lhar a mesma senda, já tendo reconhecido aconstitucionalidade do modelo de autono-mia reforçada inerente às agências regula-doras45, assim como a legitimidade da ve-dação da exoneração ad nutum dos seus di-rigentes enquanto vigente o prazo dos res-pectivos mandatos.

As restrições ao poder de livre nomea-ção e exoneração pelo Chefe do Poder Exe-cutivo, principal nota característica da sua“independência”, foram consideradas cons-titucionais pelo Supremo Tribunal Federalno julgamento da Medida Cautelar pedidana ADIN nº 1949-0. A primeira em virtudede o art. 52, III, “f”, da Constituição Federal

admitir a prévia aprovação do Senado Fede-ral na escolha de “titulares de outros cargosque a lei determinar”. Quanto à constitucio-nalidade da vedação da exoneração ad nutumdos dirigentes das agências reguladoras in-dependentes, o Supremo entendeu que nãoviola as competências do Chefe do Poder Exe-cutivo, admitindo a exoneração apenas porjusta causa e mediante o prévio procedimen-to administrativo, assegurado o contraditó-rio e a ampla defesa, ou se advier a mudançada lei criadora da agência independente46.

Notas

1 Observe-se que o Direito inglês não elaboroua figura da personalidade jurídica de direito públi-co, razão pela qual é despicienda a discussão acer-ca da personificação jurídica ou não das suas agên-cias reguladoras.

2 Alguns autores afirmam que a gênese da in-dependência das Agências reguladoras está no es-pírito auto-regulatório e juridicamente pluralistadas comunidades inglesas, reminiscência, talvez,das guildas medievais. As funções dessas peque-nas auto-organizações sociais teriam-se tornado tãovultosas e complexas que se impôs a criação de umgoverno em miniatura, uma agência (cf. PROSSER,1997, p. 34, 37).

3 Na área regulatória, os principais setores atin-gidos no primeiro momento, ainda nas dinastiasTudor e Stuart, foram o mercado exterior, a quali-dade de produtos, emprego, agricultura e uso dosolo. Na regulação das public utilities, merece desta-que a criação da Board of Trade, criada pelo The EletricLighting Act de 1882 (cf. PROSSER, 1997, p. 33, 37).

4 Ao contrário das independent agencies norte-americanas, geralmente não são criadas pelo Parla-mento, mas por “cartas reais” ou decisões ministe-riais (cf. Quermonne, 1991, p. 255).

5 Em sentido contrário, afirmando a grande se-melhança dos quangos reguladores às Agências in-dependentes americanas, ver, Howard Machin(1988, p. 250).

6 Howard Machin observa, contudo, que, apósuma série de escândalos, tem-se novamente reafir-mado a independência dessas autoridades.

7 É inegável o fato de que os EUA se abebera-ram da tradicional organização policêntrica ingle-sa, o que certamente contribui para obstar a intensi-dade dos preconceitos contra as suas primeiras agên-cias independentes (cf. PROSSER, 1997, p. 40 -).

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8 Bernard Schwartz, (1950, p. 6 - 7). O objetivodas agências reguladoras não era o de limitar oMercado, mas sim o de organizá-lo e racionalizá-lo, evitando inclusive a concorrência predatória e odesperdício de recursos, como ocorreria, por exem-plo, se fossem construídas várias ferrovias no mes-mo percurso.

9 Para uma classificação das agências no Direi-to Norte-Americano, ver Ángel Manuel MorenoMolina, (1995, p. 44 -), destaca inclusive a existên-cia de agências independentes que não são regula-doras, mas meramente executivas (p. 64 - 65). Po-demos observar inclusive que, na década de 70,proliferaram as agências encarregadas de prestarassistência social.

10 Citação feita por Peter Strauss em Conferên-cia proferida no Seminário Internacional de Direito,realizado na Fundação Armando Álvares Pentea-do, São Paulo, em 2000.

11 Vê-se, portanto, que a independência de gran-de parte das agências reguladoras norte-america-nas não é total, sendo, inclusive, mais próprio fa-lar-se em autonomia, que, por definição, semprepossui balizamentos.

12 “Essa inversão marca a mudança de atitudedo Tribunal face aos poderes do Executivo. Não setrata tanto de fixar os limites do poder do Executi-vo, mas de definir os limites do poder do Legislati-vo em relação ao âmbito do Poder Executivo, preci-samente para resguardar o exercício coordenadoda direção política que ao Presidente compete parazelar pela execução das leis. O Tribunal foi conclu-sivo: ‘precisely because they exercise a substancial functi-on in the administration and enforcement of public law,those agencies are to be numbered among the Depart-ments’” (RODRIGUEZ, 1994, p. 45 – os trechos eminglês constam do original).

13 O autor, citando Bernad Schwartz, destaca oparadoxo a que essa orientação pode levar, umavez que pode representar a possibilidade de o Con-gresso impor limitações às exonerações dos diri-gentes de quaisquer agências, ainda que sejam pu-ramente executivas.

14 Eloísa Carbonell e José Luis Muga, (1996, p.43 – 47). Essa disciplina, apesar de ter reduzido aliberdade das agências independentes na elabora-ção de “regulamentos de aplicação geral significa-tiva”, não acarretou o fim da distinção entre elas eas agências desprovidas de independência, umavez que aquelas continuam fora da linha hierárqui-ca do Poder Executivo, que não pode ditar-lhesordens diretamente, possuindo, como visto, influ-ência apenas sobre alguns regulamentos, não podeexonerar ad nutum os seus dirigentes etc.

15 “A expressão apareceu pela primeira vez naLei de 6 de janeiro de 1978 relativa à informática,arquivos e liberdades, a propósito da CommissionNationale de l’Informatique et des Libertes – CNIL (art.

8 da Lei). A atribuição de independência a organis-mos públicos não é totalmente nova (CommissionCentrale des Banques, criada em 1941, posteriormen-te substituída). Mas foi a partir dos anos 70 que adoutrina começou a colocar na categoria das auto-ridades administrativas independentes organismosdiversos, dotados, no entanto, de algumas caracte-rísticas semelhantes”, (VAN LANG, 1999, p. 37).

16 Como demonstração de que a recente legisla-ção brasileira das agências reguladoras se abebera,não apenas na experiência norte-americana, comotambém nas recentes construções legislativas e dou-trinárias européias, cuja escola do Direito Admi-nistrativo integramos, é digno de nota o art. 9º daLei Geral de Telecomunicações – Lei nº 9.472/97 –, que dispõe que a Agência Nacional de Telecomu-nicações – ANATEL “atuará como autoridade ad-ministrativa independente”. A mesma qualificação éutilizada pelo art. 1º, § 2º do Projeto de Lei decriação da Agência Nacional de Defesa do Consu-midor e da Concorrência, atualmente submetido àconsulta pública pela Casa Civil da Presidência daRepública. Todavia, tal como se dá entre nós, tal“independência” é relativizada, sendo identificadamais propriamente como uma “autonomia” maisefetiva, mais reforçada do que a dos demais orga-nismos apenas nominalmente “autônomos” (cf.TEITGEN-COLLY, 1988, p. 50).

17 O Conselho de Estado, por exemplo, já deci-diu que, mesmo sem possuírem personalidade jurí-dica, podem, em razão da sua autonomia, “acionaro Poder Judiciário sem terem que se fazerem repre-sentar por um Ministro” (CHAPUS, 1999, p. 218).

18 Valemo-nos aqui das lições de JacquelineMorand-Deviller, (1996, p. 107).

19 Jean-Louis Quermonne (1991, p. 253). Aonosso ver, essa afirmação deve ser matizada, umavez que, ao tratarmos especificamente de algumasautoridades administrativas independentes, pode-remos verificar mecanismos de tutela ou supervi-são ministerial bastante fortes, podendo chegar, porexemplo, no caso extremo da Commission des Opera-tions de Bourse – COB, à submissão de algumas dassuas decisões à aprovação do Ministro (cf. CHA-PUS, 1999, p. 218).

20 Mariano Magide Herrero, (2000, p. 187-188).Para uma profícua exposição das duas posiçõesver Jean-Louis Quermonne, (1991, p. 259).

21 Já vimos que na França a ausência de perso-nalidade jurídica é considerada requisito da qua-lificação dos organismos como autoridades admi-nistrativas independentes.

22 Para uma análise pormenorizada das rela-ções entre o Banque de France e a Commission Bancai-re, assim como das suas respectivas naturezas jurí-dicas, ver Mariano Magide Herrero, (2000, p. 193).

23 O Conseil Supérieur de l’Audivisuel – CSA é osucessor de uma série de organismos independen-

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tes anteriores que, todavia, foram extintos, por te-rem sido colocados sob suspeita de parcialidade(MORAND-DEVILLER, 1996, p. 117).

24 Eduardo García Enterría e Tomás-Ramón Fer-nández, (1999, p. 420). Também merece nota o fatode as autoridades administrativas independentesnão se sujeitarem à Ley Orgánica de Funcionamientode la Administración General del Estado, a conhecidaLOFAGE.

25 Mariano Magide Herrero, (2000, p. 33-34). Aautora destaca, inclusive, que na França todas asautoridades administrativas independentes sãodespersonalizadas.

26 Por essa razão – foi criada quando as autori-dades administrativas independentes ainda “nãoestavam na moda” – foram muito ricos os debatesparlamentares que envolveram a sua instituição,sendo interessante observar, já que as autoridadesou agências independentes são muitas vezes indi-cadas como obra do neoliberalismo, que foi justa-mente a bancada comunista que mais lutou pelamaior autonomia possível do Consejo de Seguri-dad Nuclear (cf. RODRIGUEZ, BETANCOR, (1994,p. 111 et seq.).

27 Eduardo García Enterría e Tomás-Ramón Fer-nández, (1999, p. 422). Em sentido contrário, parteda doutrina afirma que a Comisión del Sistema Eléc-trico Nacional apenas se encontra em um nível infe-rior de autonomia reforçada, já que, de qualquerforma, foram conferidas garantias orgânicas aosseus dirigentes (cf. ALVAREZ GRACÍA; DUARTEMARTÍNEZ, 1997, p. 110). Ao nosso ver, comoacima já mencionamos, a caracterização de deter-minada entidade como autoridade administrativaindependente só pode se dar pela conjunção dasgarantias de autonomia orgânicas e funcionais.Como o Governo pode revogar ou anular livremen-te as suas decisões, não possui garantia funcional,elemento indispensável para que pudesse ser ca-racterizada como autoridade administrativa inde-pendente.

28 Nesa passagem é bom lembrarmos que omodelo das autoridades administrativas indepen-dentes, adotado também pela Itália, é mais amplodo que o das nossas agências reguladoras indepen-dentes, que nele estariam contidas.

29 Ao contrário do que se deu em nosso país, emque as agências reguladoras independentes foramdesde logo denominadas autarquias, o que deixouclaro o seu vínculo e integração à Administração,mesmo que com efetiva autonomia.

30 C.d.S., Comm. Spec., parere 29-5-1998, nº988/97.

31 Claudio Franchini, (2000, p. 278). Na mesmapassagem, o autor observa, no entanto, que o fenô-meno não é novo, que desde o início do século pas-sado era advertida a necessidade de neutralizaçãoda Administração Pública. Esses problemas teri-

am sido, todavia, agravados, sublinha o autor, pelacomplexização das funções estatais nas esferas eco-nômicas e sociais.

32 Alguns autores vêem a proliferação das au-toridades independentes na Itália também comouma decorrência da desmoralização de uma Ad-ministração Pública envolvida por escândalos decorrupção e de ligações com a máfia (verbi gratia,ARCIDIACONO, Luigi. Governo, autorità indipen-denti e pubblica amministrazione. Le Autorità indi-pendenti: da fattori evolutivi ad elementi della tran-sizione nel diritto pubblico italiano. Milano Giuffrè:1999. p. 72-78).

33 Observamos que várias das entidades inde-pendentes enumeradas advêm da fusão ou datransformação de autoridades igualmente indepen-dentes já existentes anteriormente.

34 Note-se que no Brasil a discussão é despicien-da, uma vez que a natureza autárquica das agênci-as reguladoras, com a conseqüente inclusão naAdministração Indireta, e a necessidade de obser-vância das políticas públicas traçadas pela Admi-nistração central deixam fora de dúvidas a sua in-tegração ao Poder Executivo, ainda que dotadasde uma especial autonomia “reforçada” em com-paração com as demais entidades da Administra-ção Indireta.

35 Para uma ampla exposição do processo dedesestatização argentino, ver Chirillo, Eduardo J.Rodríguez. Privatización de la empresa pública y postprivatización, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1994.

36 Note-se que Juan Carlos Cassagne chega acolocar a possibilidade de interposição de recursosde alzada como uma das características comuns quese extraem do regime jurídico dos diversos entesreguladores (cf. Cassagne, 1994, p. 152). Há, con-tudo, aqueles que sustentam que as suas decisõestécnicas ou de natureza jurisdicional não estão su-jeitas ao recurso de alzada, ao passo que outros en-tendem que os entes criados por Decreto, por esta-rem sujeitos ao Reglamento de Procedimientos Admi-nistrativos (RPA), submetem-se aos recursos de alza-da, enquanto tal regulamento pode ser excepciona-do para aqueles entes criados por lei. As correntesdoutrinárias existentes a respeito são expostas porAlberto Bianchi, (2001, p. 254 –256).

37 Atualmente a doutrina Argentina majoritáriaentende que as entidades autárquicas podem sercriadas pelo Poder Executivo, salvo quando a Cons-tituição expressamente exigir lei para a sua cria-ção. Para uma detalhada abordagem das contro-vérsias existentes na matéria, ver Bianchi, AlbertoB., La Regulación Económica, Editorial Ábaco de Ro-dolfo Depalma, Buenos Aires, 2001, Tomo 1, pp.227 a 237.

38 Art. 18, Decreto nº 1.185/90.39 Fazendo uma construção sobre a letra da lei,

Juan Carlos Cassagne, admitindo que a sua opi-

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nião é questionável, entende que tal “ato motivadonão pode ser um ato totalmente discricionário eque, em todo caso, deverá invocar uma causa justade exoneração relacionada com o descumprimentodas obrigações e deveres do funcionário” (CAS-SAGNE, 1994, p. 163).

40 Agustín Gordillo se refere aos “marcos esta-belecidos pelas respectivas leis” (GORDILLO, 1998,p. XV-8).

41 Para um estudo das régies canadenses, verFrank Moderne, Les Modèles étrangers, constante daobra coletiva Les autorités administratives indépendan-tes, coordenada por Claude-Albert Colliard e Ge-rard Timsit. (1988, p. 198-199).

42 Apesar da profundidade do Direito Públicoalemão, a figura nele adotada dos “âmbitos livresde direção ministerial” (ministerialfreie räume) é tãoampla que necessariamente nos levaria muito lon-ge dos nossos objetivos, razão pela qual remete-mos o leitor a Mariano Magide Herrero, (2000, p.178-186), assim como para Giorgio Giraudi e Ma-ria Stella Righettini, (2001, p. 124-134).

43 Também Portugal adotou o modelo europeudas autoridades administrativas independentes,mas curiosamente a atenção a elas dispensada peladoutrina é bastante escassa, sendo que os princi-pais manuais de Direito Administrativo, inclusiveo célebre Curso de Diogo Freitas do Amaral, sequerlhes faz alusão. Uma das poucas referências dou-trinárias pode ser encontrada em António CarlosSantos, Maria Eduarda Gonçalves e Maria ManuelLeitão Marques, (1998, p.144-148).

44 A neutralização de centros de poderes nacio-nais possibilita a sua integração em redes regulató-rias comunitárias. O exemplo mais significativo nosé dado pela atribuição de independência aos Ban-cos Centrais dos países membros, cuja ação inte-grada com o Banco Central da Europa, tambémindependente, possibilitou a instalação e funciona-mento do sistema financeiro europeu. Ver a respei-to Luciano Parejo Alfonso, (1994, p. 18). Giampie-ro Di Plinio afirma que “a difusão do modelo (dasautoridades administrativas independentes) corres-ponde ao interesse preciso, vital para as institui-ções européias, de criação de sistemas uniformes ecomuns (e, portanto, técnicos e certos à luz da ges-tão do poder) de administração, de modo a facili-tar os processos de aproximação dos sistemas jurí-dicos e de integração administrativa, e criar as ba-ses para uma rede de novas instituições sobre asquais poderá se apoiar a constitucionalização daunidade européia. (...) Se este processo não sofrerrupturas ou retrocessos, é provável que no futuroas autoridades independentes nacionais venham aser formalizadas como instituições comunitáriasdescentralizadas, mas algumas delas já desenvol-vem, de fato, este papel” (1998, p. 345-346). Dignode nota também é o art. 8º da Carta dos Direitos

Fundamentais da União Européia que dispõe, paratodos os países da UE, que o respeito aos direitosde proteção dos dados pessoais será fiscalizado“por uma autoridade independente”.

45 ADIn nº 1.668-5.46 O entendimento minoritário considerou apli-

cável à espécie a Súmula nº 25, que dispõe: “Anomeação a termo não impede a livre demissão,pelo Presidente da República, de ocupante de car-go de dirigente de autarquia” (fonte: www.stf.gov.br). Note-se, contudo, que, apesar de nãoser muito notado pela doutrina, a Súmula nº 25nunca foi tomada em termos absolutos, tendo sidosempre excepcionada em relação aos reitores dasuniversidades públicas, geralmente de natureza au-tárquica, conforme o que dispõe a Súmula nº 47:“Reitor de Universidade não é livremente demissí-vel pelo Presidente da República durante o prazode sua investidura.”

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