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em REVISTA Ano III, nº 4, maio de 2012 Esta é uma publicação da Embrapa Agroenergia www.cnpae.embrapa.br ISSN 2238-1023

Agroenergia em revista

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Publicação da Embrapa Agroenergia. Edição 4 com o tema biorrefinarias

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Ano III, nº 4, maio de 2012Esta é uma publicação da Embrapa Agroenergia

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Biorrefinarias:Presente e futuro

ISSN 2238-1023

Todos os direitos reservados.Permitida a reprodução das matérias publicadas desde que citada a fonte.

Embrapa AgroenergiaParque Estação Biológica - PqEB s/n°, Av. W3 Norte (final)

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Caixa Postal: 40.315

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Tel.: 55 (61) 3448 1581

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EXPEDIENTEEsta é a edição nº 4, de maio de 2012, da Agroenergia em Revista, publicação quadrimestral de responsabilidade da Núcleo de Comunicação Organizacional da Embrapa Agroenergia

Chefe-GeralManoel Teixeira Souza Júnior

Chefe-Adjunto de Pesquisa e Desenvolvi-mentoGuy de Capdeville

Chefe-Adjunto de Adjunto de Transferência de TecnologiaJosé Manuel Cabral de Sousa Dias

Chefe-Adjunta de AdministraçãoMaria do Carmo de Morais Matias

Jornalista ResponsávelDaniela Garcia Collares (MTb/114/01 RR)

ReportagemDaniela Collares (MTb/114/01 RR) e Vivian Chies (MTb/42.643/SP)

RevisãoJosé Manuel Cabral de Sousa Dias

Projeto gráfico e diagramaçãoMaria Goreti Braga dos Santos

Fotos das capasGilberto Tomm e José Dílcio Rocha

ISSN 2238-1023

Tiragem: 2.000

Impressão e acabamentoEmbrapa Informação tecnológica

Sumário

4 Biorrefinarias

5 As biorrefinarias como estratégia de inovação e adensamento produtivo

7 Considerações sobre as estratégias público-privadas para o desenvolvimento de biorrefinarias

10 CTBE desenvolve biorrefinaria virtual de cana-de-açúcar

11 As biorrefinarias como oportunidade de agregar valor à biomassa

13 Do campo para a indústria: matérias-primas para biorrefinarias

17 Melhoramento genético de microrganismos para aplicações em biorrefinarias

20 Florestas podem ser matéria-prima energética para biorrefinarias

21 Biorrefinarias: presente ou futuro?

23 A Importância da química verde para as biorrefinarias

24 Biorrefinarias: tecnologias e produtos segundo a visão da Braskem

27 A engenharia de processos no contexto de uma biorrefinaria

31 A plataforma termoquímica aplicada à biorrefinaria

33 Análises químicas para a cadeia produtiva das biorrefinarias

35 Aspectos econômicos das biorrefinarias

38 Discussão sobre biorrefinarias aproximam empresas e instituições de pesquisa

42 Embrapa publica livro sobre biorrefinarias

Editorial

Biorrefinarias

As biorrefinarias constituem-se, ao mesmo tempo, em excelentes oportunidades e em grandes desafios para o Brasil e para a

Embrapa. O petróleo é hoje a principal matéria-prima para uma gama imensa de produtos que fazem parte do nosso dia a dia: combustíveis, plásticos, polímeros, tecidos e uma infinidade de químicos utilizados na fabricação destes e de tantos outros bens importantes para o nosso cotidiano. No entanto, sabemos que não poderemos contar com esses recursos por muito mais tempo; e o aumento da sua escassez caminha lado a lado com o aumento do seu custo, que gera impacto imediato na vida de milhões de brasileiros. Isso sem contar os problemas ambientais que advêm de sua utilização, haja vista que, quando queimamos o petróleo, jogamos na atmosfera o carbono que havia sido “aprisionado” no subsolo ou no fundo dos oceanos, aumentando assim a quantidade de gases de efeito estufa, que tem influencia direta no aumento da temperatura na superfície do nosso planeta.

Nesse sentido, as biorrefinarias surgem como oportunidade de obter os mesmos produtos ge-rados a partir do petroleo, só que utilizando ma-térias-primas renováveis, o que permite reduzir os impactos decorrentes do efeito estufa. Afinal, as plantas retiram carbono da atmosfera, transfor-mando este em alimentos para os seres humanos e animais, como também gerando biomassa que pode ser aplicada na produção de biocombusti-veis, biomateriais, etc.

Dois importantes produtos agrícolas brasileiros já são processados sob uma logica de biorrefinaria: a cana-de-açúcar e a soja. Uma vez nas usinas, elas dão origem a diversos produtos: biocombus-tíveis, alimentos, rações, fertilizantes, bioenergia e produtos químicos como a lecitina de soja e áci-dos graxos.

No entanto, para que essa gama de produtos seja ampliada e as biorrefinarias possam ganhar mais espaço, inclusive em outras cadeias de produção agricola, há muitos desafios a vencer, tanto de ca-ráter tecnológico, quanto de caráter econômico e até mesmo cultural. A Embrapa Agroenergia está

se organizando para ter uma atuação forte em pesquisa, desenvolvimento & inovação, além de transferência de tecnologia, que contribua para viabilizar o uso da biomassa como matéria-prima desse segmento industrial que tanto espaço tem para crescer no nosso Brasil. Os desafios tecno-lógicos nas biorrefinarias encontram eco na Quí-mica Verde e, sem sombra de dúvida, demandam um intenso trabalho de caracterização e uso de grande parte da biomassa brasileira ainda não ex-plorada.

Nossa equipe está empenhada em estudar espé-cies promissoras como fontes de açúcares, óleos e material lignocelulósico para biorrefinarias – os trabalhos com palmeiras nativas (babaçu, ina-já, macaúba e tucumã), dendê, cana-de-açúcar e pinhão-manso são exemplos concretos. Também está focada nas pesquisas com microrganismos que possam processar a biomassa, convertendo-a em biocombustíveis e diversos outros produtos. Ainda faz parte do nosso escopo de atuação, o estudo dos processos industriais que viabilizem, técnica e economicamente, a implantação das biorrefinarias.

Atuamos, também, no sentido de promover o de-bate técnico, científico e estratégico a respeito do tema. Foi com esse intuito que promovemos o I Simpósio Nacional de Biorrefinarias, o Workshop de Metabolomica, ambos no final de 2011, o Sim-posio Nacional de Microrganismos em Agroener-gia, no ultimo mês de abril, e diversos seminários de promoção do tema Analise de Ciclo de Vida (ACV). Agora, apresentamos ao público esta edi-ção do Agroenergia em Revista, na expectativa de contribuir mais uma vez para a difusão e debate desse complexo e desafiante tema, que tem extre-ma importância para a sustentabilidade e competi-tividade econômica do País.

Boa leitura!

Manoel Teixeira Souza JúniorChefe-Geral

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Agroenergia em Revista

As biorrefinarias como estratégia de inovação e adensamento produtivo

Por: Clayton Campanhola, diretor da ABDI, e Carlos Eduardo Flores de Araújo, especialista da ABDI

O Brasil conquistou liderança mundial na produção de bioetanol a partir da cana-de-açúcar, embora nos últimos anos

o setor esteja enfrentando novos desafios de investimentos e modernização tecnológica. A despeito disso, as usinas de açúcar e bioetanol têm ampliado seu escopo de negócio. Com a crise energética nacional, em 2001, houve incentivos governamentais para que as usinas gerassem excedente de energia elétrica por meio do processo de cogeração, já conhecido e utilizado para autoconsumo de energia.

É fato que este setor tem se destacado por seu dinamismo na busca de novas oportunidades de negócios, mas é preciso avançar mais. O que se projeta para o futuro é que as usinas sucroalco-oleiras se transformem em um complexo fabril à semelhança de uma refinaria de petróleo – as bior-refinarias. Estas seriam direcionadas a produzir não só biocombustíveis como também produtos químicos. Para tal, é necessário incorporar novas tecnologias e processos produtivos. No caso es-pecífico de biocombustíveis, é preciso incorporar processos de biofermentação economicamente viáveis para produção de bioetanol a partir da bio-massa.

Os produtos de biorrefinaria podem ser agrupados em duas categorias (Rodrigues, 2011)1. A primei-ra refere-se aos produtos de energia, podendo ser gasosos (biogás, singás, hidrogêncio, biometano), sólidos (péletes, lignina, carvão) e líquidos (bioe-tanol, biodiesel, biocombustíveis-FT, bio-ó leo). E a segunda trata de produtos químicos e materiais, podendo ser agrupados em: químicos (produtos de alta tonelagem, da química fina e blocos de construção sintéticos), ácidos orgânicos (lático, succínico, propiônico, itacônico e outros deriva-dos de açúcar), polímeros e resinas (plásticos de-rivados de amido, polietileno, polipropileno, po-libutadieno, resinas fenólicas, resinas furânicas), biomateriais (derivados da madeira, polpa, papel, celulose), alimentos e ração animal, fertilizantes, cosméticos e fragrâncias.

Ademais, é importante considerar a integração da Química Verde na biorrefinaria, produzindo mo-léculas químicas que sejam amigáveis ao meio ambiente, tanto no processo de geração como na utilização e destino final. Portanto, além das bior-refinarias poderem substituir grande parte dos produtos químicos gerados a partir do petróleo e do gás natural, têm a vantagem de utilizar maté-rias-primas renováveis, como o bioetanol e a sa-carose.1 RODRIGUES, José Augusto. Do engenho à biorrefinaria. A

usina de açúcar como empreendimento industrial para ge-ração de produtos bioquímicos e biocombustíveis. In: Quí-mica Nova, vol.34, nº 7, São Paulo, 2011

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Sob a ótica da indústria, a perspectiva de se incor-porar o conceito de biorrefinaria nas usinas sucro-alcooleiras vai requerer grandes aportes de recur-sos em inovação tecnológica e no adensamento da cadeia produtiva. Automoção, novos equipamen-tos, parcerias tecnológicas, inovação aberta com incorporação de tecnologias de outros setores, e novos arranjos produtivos figuram como objetivos estratégicos a serem perseguidos pelas empresas do setor.

O Plano Brasil Maior (PBM), que é a nova políti-ca industrial do Governo Federal para o período 2011-2014, apresenta entre suas diretrizes estraté-gicas a promoção da inovação e do adensamento produtivo, a criação e fortalecimento de compe-tências críticas da economia nacional e a garantia do crescimento socialmente inclusivo e ambien-talmente sustentável. O PBM também estabeleceu em sua estrutura formal de gestão duas instâncias de articulação e formulação das propostas seto-riais: os Comitês Executivos e os Conselhos de Competitividade. Os primeiros são formados por representantes governamentais e os segundos, por membros do governo, do empresariado e dos trabalhadores. Os biocombustíveis (bietanol e bio-diesel) são tratados no Comitê e Conselho Seto-rial de Energias Renováveis, no qual estão sendo formuladas diretrizes estratégicas para as cadeias produtivas, os objetivos estratégicos, as metas e as medidas necessárias para o cumprimento das metas estabelecidas. Posteriormente, essas pro-postas serão submetidas e aprovadas nas instân-cias superiores do Plano Brasil Maior, que são o

Grupo Executivo e o Comitê Gestor de Ministros, ouvido o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), este de natureza público-privada.

Uma das iniciativas de destaque no âmbito do Go-verno Federal é o Projeto PAISS (Plano Conjunto de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos Seto-res Sucroenergético e Sucroquímico), organizado pelo BNDES e pela FINEP na seleção de projetos que vislumbrem o desenvolvimento, a produção e a comercialização de novas tecnologias destina-das ao processamento da biomassa derivada da cana-de-açúcar em três linhas de atuação: bioeta-nol de segunda geração; novos produtos de cana--de-açúcar; e gaseificação. Um total de 25 empre-sas foi selecionado para estruturação do plano de suporte conjunto. Essas poderão receber apoio financeiro como participação acionária, recursos não-reembolsáveis e subvenção econômica.

Em resumo, as biorrefinarias estão perfeitamente alinhadas às diretrizes estratégicas do PBM e se constituem em nova estratégia de negócio para agregação de valor à cadeia da cana-de-açúcar. Propiciam também benefícios para os trabalhado-res do setor, que poderão melhorar sua remunera-ção na medida em que uma maior capacitação e especialização sejam requeridas. A sociedade em geral também se beneficiará com a utilização de produtos químicos que gerem menor impacto ao meio ambiente, com menos emissão de gases do efeito estufa e produtos químicos menos persis-tentes no ambiente.

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Considerações sobre as estratégias público-privadas para o desenvolvimento de biorrefinarias

Por: Luiz Fernando Leite, engenheiro químico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

►Cenário sócio-econômico-ambiental

Para o estabelecimento de estratégias, é essencial que se olhe o cenário sócio-econômico-ambiental e geopolítico, no âmbito mundial e nacional. Nesse sentido, as biorrefinarias têm a seu favor a contri-buição para a sustentabilidade ambiental e para a redução da pobreza e da fome, itens que são preo-cupações registradas pela Organização das Nações Unidas (ONU) no “Relatório de Metas de Desenvol-vimento para o Milênio 2011”. Além disso, estudos divulgados pela própria ONU indicando perspecti-vas de mudanças climáticas reforçam a necessida-de da preservação ambiental e da implantação de projetos de redução de emissão de gases do efeito estufa (GEE).

Por outro lado, as biorrefinarias tentam se firmar num momento em que Estados Unidos e União Eu-ropéia enfrentam crises econômicas e, consequen-temente, terão dificuldade de liderar e fomentar fi-nanceiramente projetos “verdes”.

No âmbito nacional, o período de 2005 a 2010 apre-sentou profundas transformações sociais, tendo ha-vido aumento de renda em todas as classes sociais. Em função disso, a demanda por combustíveis au-mentou 8,4% em 2010. Quanto ao comportamento, a maioria dos brasileiros afirma que mudaria seu es-tilo de vida para beneficiar o meio ambiente e 71% se dizem dispostos a pagar mais por um produto ambientalmente saudável. A recente escassez de

etanol, contudo, mostrou que, na prática, o consu-midor ainda é sensível aos preços e deixa de adquirir o biocombustível à medida que seu preço aumenta.

►O desafio das biorrefinarias

Num cenário com um elenco enorme de possíveis matérias-primas, produtos e rotas de produção, al-guns desafios para este novo segmento econômico parecem bem nítidos:

� Desenvolver as melhores práticas de aproveita-mento da energia química contida na biomassa, através de técnicas de conversão de alta efici-ência;

� Focar na minimização de custos e na competiti-vidade de seus produtos finais;

� Os processos de conversão e sua combinação têm impacto significativo na sustentabilidade dos produtos derivados da biomassa, devendo impactar de modo significativo a análise de ciclo de vida dos mesmos.

►Integração refino-biorrefinaria

As perspectivas apontam que precisaremos tan-to dos combustíveis fósseis como dos renováveis para atender à demanda em forte expansão. Uma das possibilidades que precisamos explorar é a in-tegração do refino convencional às novas biorrefi-narias. Até então esta integração tem se dado via combustíveis drop-in que são adicionados ao pool dos combustíveis fósseis, como no caso do etanol à gasolina e do biodiesel à mistura B5, diesel com 5%

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de biodiesel renovável. Há outros modos de integrar estes dois modelos, tais como: o coprocessamen-to de frações intermediárias e o coprocessamento de bio-óleo com o petróleo cru. Pode-se considerar, também, o caso do eteno “verde” para a produção de resinas termoplásticas, pois este era antes obtido do petróleo.

Há, contudo, dificuldades para essa integração. Por exemplo, as operações clássicas do refino e petro-química não apresentam bons resultados para as cargas renováveis. Do outro lado, rotas bioquímicas têm problemas como a cinética mais lenta e a quan-tidade de energia gasta para recuperar produtos como álcoois e ácidos de soluções diluídas. Outro aspecto que dificulta a integração é a sazonalidade de algumas fontes de biomassa.

►Os biocombustíveis no Brasil

O etanolO etanol de 1ª geração (1G) brasileiro é o biocom-bustível convencional mais competitivo e ambien-talmente mais amigável, além de não concorrer com alimentos e ração animal. No entanto, convive-se atualmente com ineficiências na sua produção. Não fossem elas, o aproveitamento da biomassa poderia ser maior.

Nesse sentido, as estratégias de agregação de valor aplicadas ao etanol devem levar em conta:

� A melhoria da competitividade do etanol 1G deve permanecer como um tema central, bus-cando-se: maior produção de cana por hectare, melhoria da resistência às pragas, maior teor de açúcar na cana, maior rendimento na extração e na fermentação, etc;

� Desenvolvimento do etanol 2G;

� Obtenção de produtos de maior valor agregado, por meio do desenvolvimento de bioprodutos;

� Integração com outras culturas agrícolas, como o sorgo sacarino, para mitigar problemas de sa-zonalidade.

O biodieselO Brasil é um dos maiores produtores mun-diais de biodiesel. Mais de 80% da produção tem como matéria-prima a soja, cultura com uma agroindústria já estabelecida e madura no País. No entanto, com suas dimensões continentais e cli-ma variado, o Brasil possui uma gama grande de culturas oleaginosas que podem vir a integrar a ca-deia de produção do biodiesel. É o caso do pinhão--manso e da palma (dendê), plantas com capacida-de de produzir de duas a oito vezes mais óleo do que a soja.

Assim como para o etanol, as estratégias de agrega-ção de valor ao biodiesel deverão considerar:

� Evitar regulações restritivas desnecessárias que possam impedir negócios promissores;

� Analisar e selecionar, dentre as matérias-primas mais promissoras, aquelas em que dispomos de vantagens competitivas reais;

� Para a viabilidade econômica das biorrefinarias é preciso volume de produto competitivo - pen-sar os biocombustíveis como agente de viabili-zação desta indústria;

� É importante fazer escolhas e priorizar ao longo do tempo, pois existe uma trajetória de viabilização para um novo segmento econômico - deve-se primeiro viabilizar as commodities e blocos construtores, para dispormos de um am-biente de negócio mais favorável, antes de focar nas especialidades e seus pequenos negócios.

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Agroenergia em Revista

►Os bioprodutos ou “produtos verdes”

A Braskem liderou a produção de plásticos verdes, tendo como estratégia a segmentação de mercado para o polietileno verde: embalagens especiais apli-cadas em mercados de produtos de alto valor em que o custo da embalagem é pouco significativo. Além do polietileno verde, outros bioplásticos estão sendo desenvolvidos: a Braskem está investindo no polipropileno a partir de etanol; a Dow, em epiclori-drina a partir de glicerina; a Dupont, em 1,3-propa-nodiol (PDO) a partir de açúcar do milho.

►Conclusões

O Brasil tem presença relevante na produção mun-dial de biomassa – solo, água, sol e natureza com-põem a base de um grande potencial para a pro-dução de bioenergia e bioprodutos, que ganham importância no cenário descrito.

Como estratégia de negócio: � Continuar a melhorar a competitividade do eta-

nol 1G e desenvolver etanol 2G.

� Escolher matérias-primas e rotas de produção para o biodiesel mais promissoras para as con-dições brasileiras;

� Unir competências: processos bioquímicos e processos químicos tradicionais; fóssil e reno-vável e não fóssil versus renovável;

� Priorizar o investimento ao longo do tempo, de modo a estabelecer estratégias consistentes com o acúmulo de conhecimento e a infraestru-tura existente. Como estratégia macro buscar uma trajetória de viabilização evolutiva: biocom-bustíveis → blocos construtores → especialida-des.

Como estratégia tecnológica: � Construção de Redes de Inteligência Tecnológi-

ca (Gestão do Conhecimento);

� Análise de portfolio de projetos, visando o ba-lanceamento entre longo e curto prazo, prioriza-ção das opções mais promissoras para etapas subsequentes;

� P&D&D (Pesquisa, Desenvolvimento e Demons-tração). Fomento para a etapa de demonstração e para a primeira planta comercial (Flag-ship).

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CTBE desenvolve biorrefinaria virtual de cana-de-açúcarPor: Daniela Collares e Vivian Chies, jornalistas da Embrapa Agroenergia

O Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) está

desenvolvendo uma ferramenta chamada Biorrefinaria Virtual de Cana-de-açúcar (BVC). O diretor de programação e avaliação tecnológica do CTBE Antonio Bonomi explica que ela foi concebida para avaliar, do ponto de vista da sustentabilidade, diferentes configurações de processos em uma biorrefinarias que opera com cana-de-açúcar como matéria-prima.

Para tanto, a equipe do institu-to de pesquisa está trabalhando num software de simulação de processos para facilitar a obten-ção dos balanços de massa e energia, modelagem, otimização e avaliações sócio-econômicas e ambientais de processos de pro-dução integrados – característica principal de uma biorrefinaria.

Bononi diz que a ideia é reu-nir dados de todas as etapas de produção da cana-de-açúcar, da fase agrícola à comercialização e uso de produtos. “A simulação integrada da cadeia produtiva da cana-de-açúcar será empregada para avaliar diversas alternativas e rotas de processo com software e modelos para cálculo dos im-pactos de sustentabilidade con-siderando seus três focos: am-

bientais, econômicos e sociais”, resume o diretor.

A BVC baseia-se na elaboração de três estruturas básica: uma plataforma de simulação da etapa agrícola, de processos industriais e de comercialização e uso; um software para cálculo de impactos de sustentabilidade; um banco de dados com informações agrícolas e de processos, de equipamen-tos, de custos, entre outros (ver figura).

Segundo Bonomi, a BVC permi-tirá avaliar diferentes alternativas de biorrefinaria no que se refere aos seus impactos técnicos e de sustentabilidade (econômica, am-biental e social). A expectativa é que a ferramenta também seja usada para comparar o estágio

de desenvolvimento de novas tecnologias para produção de etanol, coprodutos e derivados a partir do aproveitamento integral da biomassa de cana-de-açúcar.

Na opinião do diretor do CTBE, “biorrefinaria é um conceito mo-derno de olhar para o aproveita-mento da biomassa agrícola de uma forma integrada. É de ex-trema importância para o Brasil investir na conceituação e im-plantação de biorrefinarias de cana-de-açúcar como forma de viabilizar o uso integral desta bio-massa para produção de etanol de 1ª e 2ª geração, açúcar, eletri-cidade, outros biocombustíveis e produtos da química verde, me-lhorando os impactos na susten-tabilidade da cadeia produtiva".Fo

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As biorrefinarias como oportunidade de agregar valor à biomassa

Por: Sílvio Vaz Jr., pesquisador da Embrapa Agroenergia

As biorrefinarias fazem parte da agenda de P&D&I da maioria dos

países desenvolvidos e em desenvolvimento, como o Brasil, mobilizando grandes quantias de recursos e esforços públicos e privados voltados para o aproveitamento otimizado da biomassa, para agregar valor a essas cadeias produtivas e reduzir possíveis impactos ambientais das mesmas.

Os conceitos de biorrefinaria e química verde enfocam o apro-veitamento de modo que haja ca-deias de valor similares àquelas dos derivados do petróleo, po-rém com menor impacto ao meio ambiente, visando contemplar sistemas integrados (matéria-pri-ma, processo, produto e resídu-os) sustentáveis.

Nesses casos, são levados em conta parâmetros técnicos que consideram, dentre outros as-pectos, os balanços de energia e massa, o ciclo de vida e a redução de gases do efeito estufa. Uma biorrefinaria pode integrar em um mesmo espaço físico processos de obtenção de biocombustíveis, produtos químicos, energia elétri-ca e calor, biomateriais, alimen-tos, etc.

Em uma escala de valoração eco-nômica (ver figura) os produtos químicos desenvolvidos a partir da biomassa são os que possuem maior potencial em agregar valor a esta cadeia, em função da par-ticipação estratégica da indústria química no fornecimento de insu-mos e produtos finais a diversos setores da economia, como os petroquímico, farmacêutico, au-tomotivo, agronegócio, cosméti-cos, de construção, etc.. Biocom-bustíveis e materiais estão em um segundo patamar de valoração, seguidos por energia e insumos químicos, como fertilizantes e de-fensivos agrícolas.

Como pode ser observado na fi-gura, ao nos referirmos a uma biorrefinaria, estamos nos refe-rindo às tecnologias e processos utilizados para a transformação da biomassa nos cinco tipos de produtos apresentados (energia, insumos químicos, biocombus-tíveis, materiais e produtos quí-micos). As tecnologias são com-piladas em processos os quais, por sua vez, são relacionados às chamadas plataformas tecnológi-cas – plataforma bioquímica, pla-taforma química e plataforma ter-moquímica. Pode-se citar como exemplo: o processo de obten-ção de etanol de cana-de-açúcar

é a fermentação por leveduras, que obedece a determinadas téc-nicas de uso (ou tecnologias), es-tando este processo inserido na plataforma bioquímica de uma biorrefinaria.

Como o conceito de biorrefinaria é amplo por sua própria definição e abrangente em seu potencial de aplicação industrial e econômi-co, pode-se destacar a chamada desconstrução da biomassa lig-nocelulósica para uso como ma-téria-prima para as plataformas bioquímica e química, excetuan-do-se para o caso da plataforma termoquímica, que a utiliza de forma direta. Na desconstrução, a biomassa, após passar por di-versos tipos de pré-tratamentos físicos e químicos, disponibiliza os polímeros lignina, celulose e hemicelulose. Quando se utiliza oleaginosas, também não é ne-cessária esta desconstrução, mas sim a extração do óleo.

Segundo levantamentos recen-tes do U.S. Department of Energy (DOE), existe a possibilidades de utilização da lignina como precur-sor de produtos químicos, em sua maioria em alternativa aos deriva-dos de petróleo, a serem utiliza-dos como antioxidantes, resinas fenólicas, solventes, agentes an-

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Figura. Representação do conceito de biorrefinaria.

tivirais, agentes sequestrantes, preservantes de madeira, estabili-zantes enzimáticos, controladores de vazamento de óleo, dentre ou-tros. Cabe ressaltar que tais usos dependerão grandemente do tipo de pré-tratamento aplicado para a obtenção da lignina, já que a mesma possui estrutura molecu-lar heterogênea e complexa e do uso de catalisadores químicos.

A celulose e a hemicelulose, uma vez hidrolisadas, se decompõem em hexoses e pentoses. Os no-vos produtos derivados desses açúcares também foram objeto de publicação do DOE, tendo-se concluído que os derivados des-ses açúcares de maior potencial industrial são ácidos carboxílicos como ácido lático e succínico, etanol, sorbitol, entre outros de menor uso. Tais compostos pode-rão ser utilizados como solventes, combustíveis, monômeros para

plásticos, intermediários quími-cos para a indústria farmacêutica e de química fina em geral. Nes-te caso, utiliza-se a plataforma bioquímica (uso de processos biotecnológicos) associada à pla-taforma química (uso de rotas sin-téticas).

O biocarvão, por sua vez, é um coproduto de interesse agronô-mico para aplicação como ferti-lizante de liberação controlada por suas possíveis aplicações na prevenção da poluição ambiental e na descontaminação de corpos d’água e de solo impactados por metais tóxicos. Quanto ao bio--óleo, este poderá ser utilizado como combustível em substitui-ção ao óleo diesel para a produ-ção de calor e energia, com um menor impacto ambiental. Am-bos os produtos são obtidos na plataforma termoquímica, por meio de processo de pirólise.

Cabe ressaltar, ainda, as possibili-dades de uso da glicerina, que é o principal coproduto da produção do biodiesel, como matéria-prima para a obtenção de commodities químicas e de antioxidantes sen-do que, assim como no caso da lignina, este aproveitamento de-pende do uso de catalisadores químicos.

Desta forma, as possibilidades ad-vindas do aproveitamento da bio-massa por meio das biorrefinarias a tornam uma matéria-prima de enorme potencial para o Brasil, país que ainda possui uma gran-de deficiência tecnológica em setores químicos e afins. Abre--se, portanto, uma nova fronteira tecnológica e econômica para o agronegócio e para a biomassa como matéria-prima renovável e sustentável.

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Do campo para a indústria: matérias-primas para biorrefinariasPor: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia

O grande diferencial das biorrefinarias em relação às refinarias convencionais está nas matérias-primas, ou seja, na substituição

do petróleo por biomassa. Essa pode vir de fontes amiláceas (milho, mandioca), sacarinas (cana-de-açúcar, sorgo sacarino), lignocelulósicas (resíduos agrícolas, espécies florestais) e, ainda, oleíferas (soja, dendê). Das três primeiras obtêm-se açúcares (hexoses e pentoses, principalmente). A diferença está na forma de acesso a esses açúcares, que é mais simples nas sacarinas e amiláceas e mais complexa nas lignocelulósicas.

Com a glicose (hexose), é possível produzir etanol, polímeros e produtos químicos de alto valor agrega-do conhecidos como blocos construtores e interme-diários – que dão origem a insumos para as indústrias química, farmacêutica e alimentícia. Tais produtos químicos também podem ser obtidos da xilose (pentose). Dos materiais lignocelulósicos também

se extrai a lignina, molécula que pode dar origem a polímeros, antioxidantes, surfactantes (empregados principalmente na fabricação de cosméticos e sane-antes) e polieletrólitos (utilizados para condução de corrente elétrica em processos eletroquímicos). Já os óleos vegetais contêm ácidos graxos e ésteres, que podem ser empregados na produção de biodie-sel e surfactantes, como os sabões.

O pesquisador Silvio Vaz Júnior, da Embrapa Agro-energia, explica que, embora possa avançar, a tec-nologia de utilização da glicose, dos ácidos graxos e dos ésteres já está consolidada. A lignina vem sendo utilizada industrialmente para a produção de surfac-tantes e polieletrólitos. No entanto, o aproveitamen-to pleno dessa molécula e da xilose ainda depende de muitos investimentos em pesquisa. “Viabilizar o aproveitamento completo da xilose e da lignina é o grande desafio para utilização do material lignocelu-lósico da cana-de-açúcar”, comenta.

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Foto: Hugo Molinari

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►Cana-de-açúcar

Com o caldo da cana, o Brasil consegue produzir o etanol com o melhor balanço energético do mundo, que é sete vezes superior ao do combustível equivalente fabricado nos Estados Unidos a partir do milho.

A cana-de-açúcar já serve como matéria-prima para biorrefinarias já que, nas usinas, dá origem a alimento (açúcar), biocombustível (etanol), fertilizante (vinha-ça) e energia elétrica (queima do bagaço). Pesquisadores do Brasil e de outros países estão concentrando esforços para encontrar formas de aproveitar os açú-cares contidos no bagaço e na palhada da cana para produzir o chamado etanol lignocelulósico, além de produtos químicos. “Cerca 70% da palhada podem ser aproveitadas na indústria; recomenda-se que o restante seja deixado no campo para manutenção da fertilidade do solo e controle de ervas daninhas”, afirma o pesquisador Hugo Molinari, da Embrapa Agroenergia.

De acordo com o levantamento realizado pela Companhia Nacional de Abaste-cimento (Conab) em março, estima-se em 8,5 milhões de hectares a área culti-vada com cana-de-açúcar no Brasil na safra 2012/2013 – mais da metade dessas plantações está no estado de São Paulo. A produção da cultura está estimada em 602,2 milhões de toneladas.

A entressafra da cana-de-açúcar vai de dezembro a abril na Região Centro-Sul e de abril a agosto no Nordeste do Brasil. Para evitar o desabastecimento e a eleva-ção dos preços do etanol nesse período, estuda-se a introdução do sorgo sacari-no no setor sucroalcooleiro. “Apesar da produção de etanol a partir de cana-de--açúcar ser um complexo produtivo dos mais representativos, está baseado em apenas uma cultura”, ressalta Molinari.

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Foto: Patrícia Barbosa

Foto: Bruno LaviolaFoto: Embrapa Amazônia Ocidental

►Sorgo

O sorgo é o quinto cereal mais cultivado no mundo, sendo a principal fonte de alimento em países da África, Sul da Ásia e América Central. Entre as vantagens dessa cultura estão a sua capacidade de adaptação a diferentes ambien-tes, a resistência ao estresse hídrico e o baixo requerimen-to de fertilizantes. Possui 12% de teor de açúcar e já é utili-zado para produção de etanol em países como Índia, China, Austrália e África do Sul. Os grãos e o bagaço podem ser utilizados na alimentação animal, bem como para produção de etanol e cogeração de energia.

Outra possibilidade que vem sendo analisada para a gera-ção de energia é a utilização de gramíneas, especialmente capins. O foco tem sido a produção de pellets e eletricida-de, mas estudos laboratoriais já apontam a possibilidade de emprega-las na fabricação de etanol lignocelulósico.

►Oleíferas

No Brasil, existem cerca de 200 espécies vegetais que produzem óleo em frutos ou grãos. Elas possuem di-ferentes potencialidades e capacidade de adaptação às várias regiões do País. O desafio é aproveitar essas características para obter o maior benefício social possível com a fabricação de biocombustíveis e produtos químicos. Para tanto, os pesquisadores estão focando seu trabalho nas espécies com maior potencial de produção de óleo por hectare.

Atualmente, cerca de 80% do óleo empregado na produção brasileira de biodiesel provem da soja. “Em-bora essa planta tenha baixa densidade energética, é a única que atende aos três parâmetros básicos para atender o Programa Brasileiro de Produção e Uso de Biodiesel: domínio tecnológico, escala de produção e logística”, explica a pesquisador Bruno Laviola, da Embrapa Agroenergia.

O rendimento da soja, assim como o da maior parte das oleaginosas com domínio tecnológico, é inferior a 1.000 quilos por hectare. A exceção é a palma-de-óleo ou dendê que produz até cinco vezes esse valor. Apesar disso, sua participação na produção de biodiesel é irrisória, o que levou o governo a criar o Pro-grama Nacional de Produção Sustentável de Palma-de-óleo. Este visa a estimular o plantio, regulamentar a expansão e estabelecer o zoneamento agroecológico econômico.

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Foto: Arquivo Embrapa Foto: Arquivo Embrapa

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Tendo em vista que o Plano Nacional de Agroenergia preconiza a busca por oleaginosas com rendimento superior a 600kg/ha considerando o desenvolvimen-to regional, a Embrapa está investindo nas pesqui-sas com pinhão-manso e palmeiras nativas (babaçu, inajá, macaúba e tucumã). O primeiro é encontra-do em diversas regiões do país e deve ser uma boa opção para a região central. As pesquisas apontam também que a macaúba tem potencial para ser pro-duzida no cerrado; o babaçu, no Nordeste; e o inajá e o tucumã, no Norte do País. “Para transformar a possibilidade em realidade, são necessários inves-timentos constantes em pesquisa, desenvolvimento e inovação”, ressalta o pesquisador Alexandre Alon-so, da Embrapa Agroenergia.

Melhoramento genético, sistemas de produção sus-tentáveis e processos agroindustriais eficientes são as áreas em que a pesquisa precisa avançar para a utilização dessas espécies oleaginosas na produção de biocombustíveis e produtos químicos de alto valor agregado. “As espécies que estudamos pro-duzem óleos com características interessantes para as indústrias de lubrificantes, cosméticos e produ-tos farmacêuticos, por exemplo”, diz Alonso. Outra aposta é na utilização de óleos, especialmente o de pinhão-manso como matéria-prima para biocom-bustíveis de aviação. Os primeiros testes realizados mostraram bom desempenho.

Mas os trabalhos não estão restritos aos estudos agronômicos e do óleo. Os pesquisadores estão in-vestindo na busca de alternativas para destinação dos coprodutos e resíduos. “Buscar soluções tecno-lógicas para agregar valor a esses materiais é essen-cial para viabilizar a cadeia produtiva das espécies oleíferas”, afirma Alonso.

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Agroenergia em Revista

Melhoramento genético de microrganismos para aplicações em biorrefinarias

Por: João Ricardo M. de Almeida, pesquisador da Embrapa Agroenergia

A demanda pelo uso de recursos renováveis para produção de energia, biocombustíveis e químicos tem levado ao desenvolvimento de

biorrefinarias. Nas biorrefinarias, diferentes tipos de biomassa são convertidos por processos biológicos, físicos e químicos a diferentes produtos de interesse (Figura 1). As usinas de cana para produção de açúcar, etanol e energia elétrica no Brasil são bons exemplos de biorrefinarias; entretanto estas ainda se encontram em estágio inicial de desenvolvimento. No futuro, espera-se uma maior integração dos processos de produção, onde os diferentes constituintes da biomassa e resíduos do processo sejam utilizados mais eficientemente.

O pleno desenvolvimento de biorrefinarias depende da utilização dos diferentes componentes da bio-massa lignocelulósica em processos de produção.

Neste sentido, os componentes da biomassa lig-nocelulósica (celulose, hemicelulose e lignina) de-verão ser processados e utilizados para produção de energia, biocombustíveis e produtos químicos. Neste contexto, microrganismos são essenciais para o desenvolvimento de biorrefinarias, já que são responsáveis por diferentes processos de con-versão da biomassa e produção de moléculas de interesse. Microrganismos são capazes de produzir uma ampla variedade de produtos químicos, tais como ácidos orgânicos, álcoois, hidrocarbonetos, e outros. Além disso, podem fornecer vários insu-mos importantes para um determinado processo de produção, tais como enzimas hidrolíticas. Um bom exemplo da importância dos microrganismos para o desenvolvimento de biorrefinarias é a dependên-cia da obtenção de leveduras (ou bactérias) capazes de fermentar todos os açúcares (açúcares C5 e C6) provenientes da biomassa para o desenvolvimento de plantas de produção de etanol lignocelulósico (Figura 2).

Atualmente, várias espécies microbianas são utiliza-das em processos industriais, e o número de pro-cessos de produção por rota microbiana continua a crescer. Isso porque os microrganismos permitem a produção de moléculas com características especí-ficas, tais como diferentes isômeros de uma molé-cula – possibilidades a serem exploradas pelas bior-refinarias. A capacidade de moldar geneticamente os microrganismos para aumentar a produção ou mesmo produzir novas moléculas de interesse tem contribuído bastante para a aplicação desses na in-dústria. Desta forma, tem-se notado que o estabele-

Figura 1. Esquema simplificado de biorrefinarias.

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cimento de programas de melhoramento genético de linhagens microbianas para aplicações em bio-processos é um passo que auxiliará o desenvolvi-mento de biorrefinarias.

Programas de melhoramento genético têm sido es-tabelecidos para os mais diversos fins, e novas li-nhagens são obtidas a cada dia. Na Embrapa Agro-energia, por exemplo, técnicas de melhoramento genético continuado têm sido aplicadas para o de-senvolvimento de leveduras para, entre outros, fer-

mentação de açúcares C5 e C6 provenientes de biomassas lignocelulósicas. Neste contexto, pesqui-sadores têm aplicado estratégias de melhoramen-to genético continuado para obtenção de linhagens superiores (Figura 3). A estratégia é baseada na sele-ção de genes, enzimas e linhagens hospedeiras, os quais podem ser combinados de diferentes formas em estratégias de engenharia metabólica. A enge-nharia metabólica é atraente por permitir a inserção de novas vias metabólicas e, consequentemente, novas características em organismos tradicional-

Figura 2. Esquema simplificado de um processo de produção de etanol lignocelulósico. Os mi-crorganismos destacam-se como produtores de enzimas hidrolíticas e na fermentação (levedu-ras) dos açúcares. SSF: Sacarificação e fermentação simultâneas.

Figura 3. Etapas da estratégia de melhoramento continuado para obtenção de linhagens microbianas aplicáveis em bioprocessos.

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Agroenergia em Revista

Figura 4. Estratégia de engenharia metabólica para construção de li-nhagens de levedura Saccharomyces cerevisiae capazes de fermen-tar xilose.

mente utilizados na indústria. A caracterização das novas linhagens geradas e o melhoramento gené-tico continuado das mesmas permite o desenvolvi-mento de linhagens superiores para aplicação em bioprocessos (Figura 3).

Atualmente, diversos grupos têm utilizado técnicas de engenharia metabólica para o desenvolvimento de linhagens microbianas produtoras de bioetanol e outros químicos. Por exemplo, leveduras do gênero Saccharomyces, o microrganismo utilizado mun-dialmente na produção industrial de etanol, não são naturalmente capazes de fermentar xilose, o C5 mais abundante na natureza. Entretanto, linhagens dessa levedura capazes de metabolizar xilose vêm sendo construídas por engenharia metabólica. Na Embra-pa Agroenergia, a construção de leveduras Saccha-romyces capazes de produzir etanol a partir de xi-

lose é baseada na expressão de genes codificantes para enzimas da via de metabolismo de xilose em linhagens específicas dessa levedura (Figura 4). Para tanto, bancos de germoplasma microbiano e biblio-tecas metagenômicas são triados para seleção de enzimas da via de xilose. Posteriormente, os genes codificantes para tais enzimas são introduzidos em linhagens previamente selecionadas e melhoradas de Saccharomyces sp. Ao final, estas leveduras de-vem ser utilizadas para a produção de bioetanol de segunda geração, onde vários açúcares liberados a partir da hidrólise da celulose e hemicelulose são convertidos a etanol. Assim, o desenvolvimento de microrganismos com características especialmente desenhadas para aplicações em bioprocessos, tais como bioetanol a partir de xilose, mostra-se como importante etapa para o desenvolvimento de bior-refinarias.

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Florestas podem ser matéria-prima energética para biorrefinarias

Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia

Além das sacarinas e das oleíferas, as espécies florestais também podem

servir de matérias-primas para biorrefinarias. Segundo a pesquisadora da Embrapa Agroenergia Mônica Damaso, “o Brasil tem um grande potencial competitivo por possuir a melhor tecnologia no mundo para a implantação, manejo e exploração de floresta de eucaliptos”. Essa espécie ocupa cerca de 75% do área cultivada com florestas no Brasil, que atingiu, em 2011, 6,5 milhões de hectares, segundo a Associação Brasileira do Produtores de Florestas Plantadas.

Fonte de material lignocelulósi-co, as espécies florestais consti-tuem matéria-prima abundante e sustentável, que não competem com a produção de alimentos. Elas apresentam potencial para a produção de diversos insumos energéticos. Etanol, carvão vege-tal, gás combustível e hidrogênio são alguns exemplos de produtos que podem ser obtidos a partir desses recursos.

Mônica ressalta que “além da questão da matéria-prima, outro ponto a ser discutido é a viabi-lidade técnica e econômica da

adoção de soluções sustentáveis para transformar essa matéria--prima em produtos energéticos”. A tendência mundial é que as em-presas que processam biomassa se aproximarem das refinarias de petróleo, gerando alimentos, rações, combustíveis, energia e produtos químicos de forma in-tegrada. A pesquisadora acredita que as indústrias produtoras de papel são as que hoje estão mais bem preparadas para se adaptar ao conceito de biorrefinarias.

A Embrapa Agroenergia, junta-mente com a Escola de Enge-nharia de Lorena (USP), a Embra-pa Florestas e outras unidades da Empresa, devem iniciar nos próximos meses um projeto de pesquisa para estudar rotas tec-nológicas para a obtenção de produtos energéticos a partir de biomassa florestal.

Um dos produtos a ser estudado é o etanol. Atualmente, a safra de cana-de-açúcar não tem sido su-ficiente sequer para atender a de-manda interna brasileira. Mônica acredita que “o etanol obtido de biomassa florestal possa comple-mentar a produção do biocom-bustível, permitindo inclusive a exportação”.

O bio-óleo, outro produto obtido a partir das espécies florestais, pode ser usado diretamente como combustível industrial ou como matéria-prima para outros produ-tos energéticos. O gás de síntese é empregado na produção de di-versos insumos e produtos quí-micos. Por sua vez, o hidrogênio obtido a partir de biomassa pode ser integrado ao refino do petró-leo, já que a sua disponibilidade é a fator limitante da produção de derivados da matéria-prima fóssil.

Foto: Embrapa Florestas

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Agroenergia em Revista

Biorrefinarias: presente ou futuro?

Por: Daniela Collares e Vivian Chies, jornalistas da Embrapa Agroenergia

Biorrefinaria é apenas um conceito para o futuro ou já está sendo colocado em prática nas indústrias brasileiras? A equipe da Agroenergia em Revista entrevistou sobre esse assunto o diretor-técnico e presidente interino da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), Antônio de Pádua Rodrigues.

Conversou também com o consultor técnico da União Brasileira do Biodiesel (Ubrabio) Donato Aranda, que também é professor do Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Leia as duas entrevistas, a seguir.

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Antônio de Pádua Rodrigues

Diretor-técnico e presidente interino da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica)

►Hoje, as usinas de açúcar e etanol podem ser consideradas biorrefinarias?

►Sem dúvida alguma, esse é o futuro. Porém, já há unidades que poderiam ser classificadas assim.

►Além do açúcar e do etanol, quais outros produtos são gerados nas usinas?

►A bioeletricidade é o terceiro produto do setor em importância, mas há uma diversidade de outros produtos. Várias usinas vendem leveduras secas para alimentação animal, outras destinam o bagaço para esse fim e algumas também produzem biogás a partir da vinhaça. Existem casos em que culturas oleaginosas, produzidas nas terras em que há rotação de culturas, são utilizadas para a produção de biodiesel. Também há o caso de uma usina que fabrica um plástico biodegradável no próprio local e de outras engajadas em parcerias para o desenvolvimento da alcoolquímica, em particular para a produção de biopolímeros. Várias dessas empresas estão também estabelecendo parcerias para a produção de novos produtos derivados da cana, como é o caso do butanol e de insumos

para a produção de medicamentos, cosméticos, aromatizantes, aditivos químicos etc.

► Que outros bioprodutos podem ser gerados nas usinas em um futuro próximo?

►Alguns dos produtos – como diesel de cana, que-rosene e lubrificantes – já podem ser produzidos hoje e já há alguma produção. Outro produto é o etanol de segunda geração. Essa já é uma tecnolo-gia que ainda não ganhou escala industrial, porém já há plantas piloto.

►Qual a sua opinião sobre biorrefinarias? É importante o Brasil investir nesse tipo de indústria?

►Sem dúvida, é o futuro. Hoje o objetivo mundial não é apenas evoluir para uma economia de baixa emissão de carbono, mas também para uma eco-nomia de baixa dependência do petróleo, até por-que o seu custo de extração é cada vez mais eleva-do. Além disso, não podemos nos esquecer de que se trata de um produto finito e o mundo precisa de-senvolver substitutos gradualmente – não somente para energia, mas também para outras aplicações.

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►Hoje, as usinas que produzem biodiesel podem ser consideradas biorrefinarias?

►Por biorrefinarias entendemos fábricas que produzem combustível e vários outros coprodutos. O único coproduto comum a toda fábrica de biodiesel é a glicerina. Portanto, a princípio, uma fábrica de biodiesel não é considerada uma biorrefinaria. No entanto, a fábrica de biodiesel pode ser verticalizada, com a geração da matéria-prima, por exemplo, óleo de soja, outros produtos como o farelo de soja, a lecitina de soja, ácidos graxos de soja, além do próprio biodiesel de soja e glicerina. Esse caso caracteriza melhor uma biorrefinaria.

►Além do biodiesel, quais outros produtos são gerados nas usinas atualmente?

►Glicerina e, em alguns casos, a oleína (mistura de ácidos graxos e triglicerídeos).

►Que outros bioprodutos podem passar a ser gerados nas usinas futuramente?

►Algumas usinas poderão estender seus produtos e coprodutos para processos oleoquímicos. Nesse caso, ácidos graxos fracionados, ácidos graxos hidrogenados, álcoois graxos e aminas graxas poderão vir a ser produzidos. No Brasil, a empresa Oxiteno já produz parte desses produtos.

►Qual a sua opinião sobre biorrefinarias? É importante o Brasil investir nesse tipo de indústria?

►Sem dúvida, como grande produtor de óleos vegetais e biodiesel, o Brasil deveria ampliar a industrialização desses insumos. Infelizmente, seguimos ainda importando produtos derivados de óleos vegetais e açúcares, sendo grande produtor mundial dessas commodities. Uma política de incentivo a industrialização seria bastante desejável.

►Com relação ao mercado exterior, a adoção do conceito de biorrefinarias pode facilitar a entrada dos nossos produtos em outros países?

►Seria fundamental uma politica fiscal de incentivo à exportação de produtos industrializados. A industrialização gera mais empregos e, a exemplo de outros países como a Argentina, menores alíquotas de impostos deveriam ser criadas para produtos com maior grau de industrialização.

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Donato Aranha

Consultor técnico da União Brasileira do Biodiesel (Ubrabio)

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A Importância da química verde para as biorrefinariasPor: Rafal Bogel-Lukasik, engenheiro químico, pesquisador do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (Portugal)

A Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 indica claramente o papel da sustentabilidade para

humanidade. Isso coloca para todos nós o desafio de determinar os objetivos do desenvolvimento sustentável e de oferecer instrumentos tecnológicos, científicos e sociais para cumprir estes objetivos. Seis anos após as declarações das Nações Unidas, Anastas e Warner apresentaram os 12 princípios da Química Verde:

1. Prevenção2. Economia atômica3. Sínteses químicas menos perigosas4. Projetos de produtos químicos mais seguros5. Solventes e compostos auxiliares mais seguros6. Projeto para eficiência energética7. Uso de matérias-primas renováveis8. Redução de derivatizados9. Catálise10. Projeto para degradação11. Análises em tempo real para prevenção da

poluição12. Química mais segura para prevenção de

acidentes

Esses 12 princípios mostraram a importância da mi-nimização da geração de resíduos e do consumo de energia. A purificação e separação de compostos são responsáveis por 50% a 80% de toda a ener-gia gasta em processos químicos. Na última década, métodos de intensificação de processos foram de-senvolvidos, promovendo a integração de diferen-tes operações unitárias. Contudo, muitos processos ainda são realizados sem intensificação adequada. Como consequência, a indústria química européia tem gerado centenas de milhões de toneladas de resíduos. Para evitar esse efeito, há que se inves-

tir na substituição das tecnologias existentes por novas baseadas na eficiência atômica. Sheldon de-monstrou que, utilizando condições estequiométri-cas, a eficiência atômica é de 82% para a redução e de 44% para a oxidação, enquanto que os mesmos processos realizados com um catalisador resultam em aproximadamente 100% de conversão para a redução e 87% para a oxidação.

Outra forma de contaminação do ambiente é a perda de solventes por evaporação. O ideal é os proces-sos sejam livres de solventes para evitar a emissão de efluentes residuais líquidos e gasosos. Já que nem sempre isso é possível, deve-se buscar solven-tes menos nocivos e que podem ser facilmente re-cuperados. A água é o menos perigoso para o meio ambiente, além de ser o mais barato. Porém, é um composto muito polar e coordenador de prótons, o que limita a sua utilização. Os solventes fluorados são úteis nas reações catalíticas, mas são gases de efeito estufa e sua decomposição produz o tóxico fluoreto de hidrogênio. Os líquidos iônicos, sim, são considerados verdes e, por conta disso, têm atraído investimentos. São facilmente recicláveis e reutilizá-veis, oferecendo soluções para problemas como a emissão de efluentes dos solventes e a reciclagem de catalisadores.

Há um grande número de pontos comuns potenciais entre a química verde e biorrefinarias. Por exemplo, o uso de coprodutos e resíduos de biomassa para a produção de produtos de maior valor cumpre um dos princípios da química verde. A aplicação gene-ralizada de solventes não perigosos (água) no pré--tratamento da biomassa é uma das principais van-tagens destacadas sob o ponto de vista da química verde. Além disso, os processos catalíticos da bio-massa, caracterizados pela elevada eficiência atômi-ca, cumprem um de seus objetivos.

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Biorrefinarias: tecnologias e produtos segundo a visão da BraskemPor: Paulo Coutinho, engenheiro químico, gerente de P&D da Braskem

Face à crescente preocupação da sociedade com o meio ambiente, empresas como

Basf, Braskem, Bayer, DSM e Vale têm assumido, como estratégia, compromissos com a redução do consumo de água e energia e da produção de resíduos. Essa nova visão abre espaço para as chamadas biorrefinarias. Combinando biocombustíveis com bioprodutos de alto valor agregado que este novo conceito de “negócio” passa a ter chance de se viabilizar economicamente. Estamos, porém, longe de uma definição plena das biorrefinarias.

Embora já se vislumbre uma nova cadeia de produção, os seus atores ainda são incertos. Empresas de diferentes segmentos, com tamanhos variados e interesses diversos, transitam em um ambiente em que tecnologias emergentes parecem ser o fator que determinará o futuro desta nova indústria.

►Tecnologias em competição

Da mesma forma que os atores, as tecnologias para conversão da biomassa em biocombustíveis e bioprodutos também não estão definidas. Hoje, pode-se afirmar que temos três plataformas distin-

tas: a termoquímica, a bioquímica e a de extração e modificação de óleos (grãos e algas). Cada uma delas envolve grande variedade de tecnologias, as quais podem levar a diferentes produtos.

A plataforma termoquímica abrange basicamente três tec-nologias: pirólise, torrefação e gaseificação. As duas primeiras geram um produto que pode ser empregado diretamente como combustível. Além disso, resol-vem problemas relacionados à logística, com o adensamento da biomassa e a viabilização de seu transporte por maiores distân-cias. Em alguns casos, dependen-do da tecnologia de gaseificação, elas se tornam imprescindíveis, compreendendo a primeira etapa deste processo, seja por logística, seja pela necessária preparação do material para alimentar o equi-pamento em questão. A gasei-ficação da biomassa gera o gás de síntese (CO + H2) que pode ser empregado para geração de energia e bioprodutos. Novas tecnologias se agregam, então: Fischer-Tropsh para produção de hidrocarbonetos, reação catalítica ou fermentação para a produção de álcoois, etc.

A tecnologia bioquímica compre-ende a fermentação dos açúcares contidos nas plantas ou obtidos a partir da lignocelulose. Existem várias alternativas e estratégias para liberação de açúcares da es-trutura lignocelulósica. O proces-so se inicia pelo pré-tratamento, que busca expor a celulose e a hemicelulose ao ataque de enzi-mas para liberação dos açúcares e posterior fermentação. As es-tratégias de desenvolvimento po-dem variar desde a hidrólise dos açúcares C6, e fermentação em separado dos açúcares C5 e C6; hidrólise e fermentação conjunta dos açúcares C6; fermentação conjunta dos açúcares C5 e C6, etc. Os produtos obtidos podem variar de combustíveis (etanol, hidrocarbonetos) a bioprodutos (propanodiol, ácido succínico, ácido lático, etc.). Estas fermen-tações podem usar leveduras ou bactérias, modificadas genetica-mente ou não.

A última plataforma diz respeito à utilização de óleos vegetais ou óleos obtidos a partir de algas. Depois de extraídos, é possível obter glicerina e biodiesel por meio da transesterificação (dife-rentes processos e catalisadores). No entanto, outras tecnologias são desenvolvidas, tais como me-

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tátese, por meio da qual o óleo pode ser convertido a combustí-veis de maior valor (gasolina de aviação) e mesmo alfa-olefinas e ácidos graxos.

Verifica-se que todas as possíveis tecnologias já em uso, ou a serem desenvolvidas, devem ser consi-deradas quando da definição de uma biorrefinaria. Alguns produ-tos chegam a transitar por mais de uma plataforma tecnológica.

►Tecnologias versus produtos

No início da década passada, os Estados Unidos e vários países europeus iniciaram estudos para encontrar moléculas provenien-tes de biomassa que pudessem vir a se tornar os novos blocos de construção para esta nova indús-tria. Algumas listas chegaram a ser feitas, mas, à medida que no-vas tecnologias se desenvolvem algumas moléculas vão caindo enquanto outras vão crescendo em termos de potencial. No en-tanto, este talvez seja o momento de definir critérios para uma nova seleção e novas apostas. Nesse sentido, parecem se tornam im-portantes os parâmetros estabeci-dos por Bozell e Petersen: volume e nível de trabalho em literatura recente; potencial de geração e produtos; tecnologia emprega-da aplicável a produtos de alto volume e exibindo alto potencial como plataforma; viabilidade de escalonamento da tecnologia e do produto; o bioproduto já ser um produto comercial existente; ser passível de utilização como bloco principal de uma biorrefi-naria; produção comercial a partir

de matéria-prima renovável já es-tabelecida.

Com base nestes critérios, eles avaliam as principais moléculas e as dividem, então, por grupos no curto, médio e longo prazo. No curto prazo são listados o etanol, glicerol e seus derivados, sorbitol e possivelmente furfural e ácido levúlinico. Neste caso, as tecnolo-gias já existem e estas moléculas compreendem, em alguns casos, a própria base da biorrefinaria ou têm um grande potencial para ge-

rar toda uma gama de derivados que já existem no mercado.

No médio prazo, são citado áci-do lático, ácido succínico, xilitol e possivelmente FDCA (ácido fura-nodicarboxílico) e isopreno. Para longo prazo, o hidroximetilfurfu-ral, o ácido hidroxipropiônico e os biohidrocarbonetos. Em todos os casos, a grande incógnita é se a tecnologia será capaz de chegar a processos que façam com que estas moléculas sejam competiti-vas no mercado.

Figura. Pensando a cadeia de renováveis. Existem produtos derivados da bio-massa que ainda não têm definidas suas rotas de obtenção.

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Outro ponto que poderá impactar a biorrefinaria compreende a definição de seus limites. Na cadeia do petróleo observa-se uma sequência: exploração, refino, central petroquímica. A cadeia de renováveis se inicia na produção de biomassa e seu processa-mento, disponibilizando, de imediato, açúcares, ál-cool, lignocelulose e resíduos. Este processamento pode ser comparado à atuação da refinaria na ca-deia do petróleo. A figura procura buscar as simi-laridades da cadeia de produção de petróleo com a cadeia de produção de renováveis que deve vir a se formar.

Por cultura e baixa preocupação com aspectos de saúde, segurança e meio ambiente, é difícil acredi-tar que produtos que envolvam processos “perigo-sos” ou produtos tóxicos possam ser incorporados às biorrefinarias. O próprio conceito de utilização de organismos geneticamente modificados em pro-cessos de fermentação deverá criar uma discussão que se não for bem conduzida poderá resultar em restrições para este setor no país. O segundo ponto

está relacionado à busca por sinergias. A indústria nacional de etanol combustível produz apenas sete a oito meses por ano. O uso de biomassas comple-mentares ou de novas fontes de biomassa pode sig-nificar um salto de competitividade. Isso deve estar alinhado com a disponibilidade de terra e com os custos de logística de transporte da biomassa. Es-tes custos hoje já limitam as capacidades das usinas instaladas no país.

►Conclusões

Ainda não é possível definir tecnologias ou produtos vencedores para a nova cadeia de biomassa que está se formando. Além disso, deve ser levado em conta que mesmo aqueles produtos mais promissores es-tão demandando plataformas tecnológicas bastante diversas. Neste sentido, não há como desconsiderar qualquer das alternativas hoje em estudo no mundo. Países e empresas devem investir em ambas as plataformas que deverão ser dominantes neste setor: a bioquímica e a termoquímica.

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A engenharia de processos no contexto de uma biorrefinariaPor: Emerson Léo Schultz e Mônica Caramez Triches Damaso, pesquisadores da Embrapa Agroenergia

Para se tornarem competiti-vas, as biorrefinarias preci-sam operar de forma seme-

lhante às refinarias de petróleo tanto no que tange à escala de produção como em relação ao portfólio de produtos, e para se-rem economicamente viáveis é necessário que sejam versáteis, com a produção direcionada de forma a acompanhar as tendên-cias mundiais de mercado.

Atualmente, a usina de cana-de--açúcar é a que mais se enquadra

no escopo de uma biorrefinaria, porém, existe a tendência de outros segmentos, tais como as indústrias de óleos vegetais, em-presas de papel e celulose, dentre outras, de se adequarem a este conceito.

Com base nos diferentes proces-sos bioquímicos e químicos dis-poníveis para conversão de bio-massa, diversas configurações de biorrefinarias podem ser adota-das, dependendo da matéria-pri-

ma e/ou dos produtos que se pre-tende obter dessas instalações.

Os processos bioquímicos envol-vem os processos enzimáticos, os processos fermentativos e a produção de algas. Os processos químicos englobam os processos termoquímicos, a transesterifi-cação química, o hidroprocessa-mento, o craqueamento catalítico e a síntese de Fischer-Tropsch (FT). Muitos dos processos quí-micos foram desenvolvidos pela

Figura. Representação de uma biorrefinaria agrícola

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indústria química, principalmente, pela indústria do petróleo, e estão sendo adaptados para uso da bio-massa como matéria-prima.

Um exemplo de biorrefinaria é a biorrefinaria agrícola que proces-sa produtos agroindustriais, prin-cipalmente cereais, como milho, trigo e centeio (ver figura). Nesse tipo de biorrefinaria, diversos pro-cessos bioquímicos e químicos, incluindo os termoquímicos, são integrados para obter a máxima variedade de produtos e, portan-to, maior retorno financeiro da instalação industrial. A primeira etapa é a separação mecânica em grão e palha. A palha é um mate-rial lignocelulósico que pode ser separado em celulose, hemicelu-lose e lignina, sendo que essas frações podem ser convertidas em vários produtos em uma bior-refinaria lignocelulósica, como por exemplo, o gás de síntese via gaseificação. Uma das aplicações do gás de síntese é a produção de combustíveis pela síntese de FT. Os grãos podem ser fontes de óleos vegetais que são obtidos por processos de extração ou se-rem usados como farinhas dire-tamente após moagem, ou ainda podem ser convertidos em amido que após hidrólise e fermentação, torna-se o etanol. Outros proces-samentos podem ser realizados para a obtenção de amidos modi-ficados e filmes bio-plásticos atra-vés de processos de conversão química e plastificação, respecti-vamente. A plastificação objetiva a obtenção de um filme biodegra-dável através da reação com um poliol, normalmente o glicerol.

Tomando-se como exemplo a biorrefinaria agrícola, segue uma descrição resumida dos princi-

pais processos bioquímicos e quí-micos que podem ser utilizados para converter a matéria-prima em produtos.

►Processos bioquímicos

Os processos bioquímicos po-dem ser usados para obtenção de diversos bioprodutos, como a produção de etanol, que será abordada a seguir. Dependendo do tipo de matéria-prima a ser utilizado, serão necessárias eta-pas diferentes de processo antes da fermentação para produção de etanol. A matéria-prima saca-rínea (como por exemplo, cana de açúcar) não requer nenhum tratamento prévio, exceto uma simples moagem, pois a saca-rose já está biodisponível. Caso a matéria-prima seja amilácea (como os grãos), existe a neces-sidade da hidrólise do amido para transformá-lo em glicose fermen-tescível, que pode ser realizado via química ou, de preferência, por via enzimática com o uso de um complexo amilolítico. Porém, se a matéria-prima for lignocelu-lósica (palha), é necessária a des-construção da matéria-prima nas frações hemicelulose, celulose e lignina, por uma etapa de pré--tratamento químico (ácido e/ou básico) ou físico-químico, como explosão a vapor. Normalmente, neste pré-tratamento a hemice-lulose é hidrolisada formando, principalmente, pentoses (C5), mas para a hidrólise da celulose em glicose (C6), ainda faz-se ne-cessária a ação de um complexo enzimático celulolítico. Ao final, têm-se os açúcares C5 e C6 que podem ser transformados por bioconversão em etanol (Segun-da Geração - 2G) ou em diversos

outros produtos de maior valor agregado.

Hidrólise enzimáticaA hidrólise enzimática ocorre em temperaturas amenas (40-60 oC) e a quantidade de enzima neces-sária para uma maior eficácia e eficiência do processo dependerá do tipo de matéria-prima utiliza-da, da atividade da enzima e da relação sólido:líquido do sistema. A enzima pode ser utilizada sob a forma livre ou imobilizada, sendo que a segunda tem a vantagem, na maioria dos casos, de ser rea-proveitada.

FermentaçãoA conversão de glicose em eta-nol é um processo fermentativo anaeróbico e, portanto, para a produção eficiente deste biopro-duto há a necessidade de contro-le adequado do nível de oxigênio e também da temperatura do cal-do de fermentação. As leveduras do gênero Saccharomyces são as principais responsáveis pela produção de etanol no Brasil, mas convertem eficientemente somente glicose (C6) em etanol. Portanto, uma estratégia muito interessante quando se pensa no conceito de biorrefinaria é o uso das pentoses (C5) para produção

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de outros bioprodutos de maior valor agregado vi-sando ajudar a tornar esta instalação economica-mente viável.

►Processos químicos

TransesterificaçãoÓleos vegetais e gorduras animais são ésteres de ácidos monocarboxílicos saturados e insaturados com glicerídeo. Esses ésteres são chamados de triacilgliceróis, os quais reagem com álcool na presença de um catalisador, processo conhecido como transesterificação. Normalmente, metanol é o álcool mais utilizado para a produção de biodiesel. Nesse processo, os catalisadores empregados podem ser homogêneos e heterogêneos dos tipos ácidos ou alcalinos.

HidroprocessamentoNo hidroprocessamento utiliza-se o hidrogênio com o emprego de um catalisador (por exemplo, NiMo/Al2O3) para a obtenção de hidrocarbonetos de cadeia longa. O processo opera tipicamente a altas pressões (em torno de 200 bar) e temperaturas moderadas (até 400ºC) e necessita de uma fonte suplementar de hidrogênio. O processo fornece um

produto tipo nafta que requer processo de refino para obtenção de combustíveis convencionais. O hidroprocessamento pode ser aplicado a óleos vegetais e ao bio-óleo obtido de processos termoquímicos (pirólise ou liquefação). Os produtos obtidos pelo processo incluem diesel, gasolina e querosene de aviação.

Craqueamento catalíticoProcesso de craqueamento catalítico é aplicado na conversão de frações do petróleo com alto ponto de ebulição e alto peso molecular em gasolina e olefinas nas refinarias de petróleo. Craqueamento catalítico é um dos modos mais eficientes de craquear (“quebrar”) matéria-prima renovável na presença de catalisador para produzir biocombustíveis e outros compostos químicos. Esse processo pode ser aplicado em óleos obtidos de oleaginosas (triacilgliceróis) ou no bio-óleo obtido da pirólise e/ou liquefação. Entre os catalisadores empregados pode-se citar zeólitas, sílica-alumina e alumina. No caso dos triacilgliceróis, existem algumas vantagens desse tipo de tecnologia, comparado com a transesterificação, como:

(a) o uso da infraestrutura existente de uma refinaria de petróleo típica, diminuindo os investimentos em instalações e os custos operacionais;

(b) o combustível produzido possui compatibilidade com motores e padrões de combustíveis atuais; e

(c) o processo possui uma maior flexibilidade em termos de matéria-prima.

Foto: Leonardo Ferreira

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Síntese de Fischer-TropschA síntese de FT converte uma mistura de H2 e CO (gás de síntese), derivado de carvão, metano ou biomassa, em combustíveis líquidos. A síntese FT foi estabelecida em 1923, pelos cientistas alemães Franz Fischer e Hans Tropsch. O objetivo da síntese FT é a síntese de hidrocarbonetos de cadeia longa a partir de CO e H2. Os produtos obtidos são, prin-cipalmente, hidrocarbonetos alifáticos de cadeia linear (CnHn). Além de CnHn, hidrocarbonetos ra-mificados, hidrocarbonetos insaturados, e álcoois primários também são formados em quantidades menores. Condições típicas de operação para a sín-tese de FT estão em uma faixa de temperatura apro-ximada de 750 a 900°C e pressões de 15 a 40 bar, dependendo do processo. Catalisadores de ferro e de cobalto normalmente são empregados nesse processo.

►Processos termoquímicos

Os processos de conversão termoquímica incluem combustão, gaseificação, liquefação e pirólise.

Na combustão, a biomassa reage com oxigênio em uma série de reações químicas, nas quais o carbo-no é oxidado a dióxido de carbono, e o hidrogênio é oxidado para a formação de água, com a conse-quente liberação de calor. Industrialmente, esse pro-cesso é empregado em caldeiras e termoelétricas para geração de calor e/ou energia elétrica.

Na pirólise tem-se a decomposição térmica na au-sência de oxigênio, produzindo gases, líquidos e só-lidos. A pirólise rápida para produção de líquidos é atualmente de grande interesse, pois o líquido pode ser estocado e transportado, e usado para produção de combustíveis e produtos químicos.

A liquefação é um processo que ocorre na presen-ça de solvente orgânico em temperaturas de mode-

radas a altas (250 a 550°C) e pressões de 50 a 250 bar. O bio-óleo produzido pela liquefação é insolúvel em água, devido à sua acentuada característica não--polar, e quando comparado com o óleo obtido na pirólise, possui conteúdo de oxigênio menor e, por-tanto, maior conteúdo energético.

A gaseificação é um processo no qual um material carbonáceo sólido ou líquido, tal como biomassa, carvão ou petróleo, reage com ar, oxigênio e/ou va-por d’água, para produzir uma mistura gasosa con-tendo H2, CO, CO2, CH4, C2H4 e impurezas como nitrogênio, enxofre, compostos alcalinos e alcatrão. Estes compostos são posteriormente utilizados para a síntese de compostos químicos de grande aplica-ção industrial, de combustíveis a polímeros e quími-ca fina.

►Conclusões

Com base nas informações apresentadas foi possí-vel identificar diferentes processos que podem ser utilizados visando obter produtos energéticos dife-renciados a partir de uma mesma biomassa reno-vável, dentro de uma instalação versátil e capaz de se adequar às demandas comerciais e econômicas que surgirem.

Na concepção de uma biorrefinaria, tanto a platafor-ma bioquímica como a química são fundamentais e complementares. Ainda não é possível definir as melhores tecnologias e produtos para as novas ca-deias de biomassa que se encontram em formação, sendo que na atualidade todos eles devem ser con-siderados.

Além da questão tecnológica, existe a necessidade de políticas públicas de incentivo ao desenvolvi-mento e implantação de diferentes concepções de biorrefinarias dependendo da matéria-prima e/ou dos produtos que se pretende obter.

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Agroenergia em Revista

A plataforma termoquímica aplicada à biorrefinaria

Por: José Dilcio Rocha, pesquisador da Embrapa Agroenergia

A conversão termoquímica de biomassa é uma rota tecnológica que funciona em temperaturas elevadas. O uso de calor é a

sua principal característica. A agroindústria brasileira utiliza exaustivamente os processos termoquímicos, sendo que, os seus principais exemplos são a queima de biomassa como casca de arroz, bagaço de cana e cavacos de madeira para gerar eletricidade e calor (cogeração) e a carbonização de lenha para produzir carvão vegetal, importante fonte de energia e bioredutor para a indústria siderúrgica.

Porém, os dois exemplos citados acima não são os únicos. Através da gaseificação e da pirólise rápida de biomassa residual é possível produzir biocom-bustíveis como bio-óleo, diesel e gasolina sintéti-cos, via síntese de Fischer-Tropsch, além de fertili-zantes como uréia e fertilizantes de liberação lenta. Em todos esses casos existem diferentes graus de inovação tecnológica.

Biorrefinarias é um caminho desejável, mas ainda é um conceito muito acadêmico e precisa ser lapidado para virar realidade e superar as barreiras econômi-cas. Uma biorrefinaria é uma instalação industrial na qual entra a matéria-prima e saem diversos produ-tos. Estamos falando de diversificação da produção, integração energética, eficiência energética e de au-mento da complexidade das instalações. Por outro lado, a realidade na produção em larga escala nos mostra que o caminho natural para o setor produti-vo é o da especialização e isso passa pela produção de um único produto para ganhar competitividade.

Especificamente, no caso brasileiro a saída mais se-gura para a economia em bases sustentáveis é a ino-vação tecnológica. Isso significa agregar valor aos

nossos produtos primários e não apenas exportar a maior parte da produção na sua forma in natura.

Então, o que seria realmente inovador quando fa-lamos de termoquímica para a geração de bioener-gia, produção de biocombustíveis e a fabricação de matérias renováveis? Toda a família de processos termoquímicos é conhecida e como exposta acima já fazem parte de cadeias produtivas importantes na economia do país. O campo fértil da inovação está literalmente aberto e à disposição para o de-senvolvimento de novas tecnologias, ou seja, má-quinas, equipamentos, dispositivos e sistemas para executarem esses processos e serem inseridos nas cadeias produtivas já existentes ou em desenvolvi-mento.

O alto risco está inserido na inovação tecnológica. Assim, o desafio de introduzir as inovações neces-sárias à indústria brasileira será um trabalho conjun-to entre os setores públicos e privados objetivando a diminuição desses riscos. Historicamente, a indús-tria brasileira, a despeito de ser a mais desenvolvida da região latino-americana, é ainda muito depen-dente dos países desenvolvidos. Essa indústria na-cional sempre inovou na produção via importação de máquinas e equipamentos de tecnologias de ponta desenvolvidas em outros países. Assim, o de-safio da indústria brasileira é incorporar a inovação gerada localmente seja em laboratórios próprios seja em universidades ou institutos de pesquisa.

O componente inovador da biorrefinaria é ponto de consenso, porém a forma de como atingir essa in-dústria de produtos e serviços de alto valor agrega-do é que ainda está em plena discussão. No caso particular do desenvolvimento da conversão ter-

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moquímica de biomassa fica bem claro que existe grande demanda pela industrialização dos proces-sos, principalmente a pirólise e a gaseificação, além é claro da própria combustão. No setor siderúrgico com carvão vegetal a demanda é evidente e óbvia. Por se tratar de um setor altamente competitivo e atender completamente o apelo por tecnologias mais limpas e mitigadoras das emissões dos gases de efeito estufa, o carvão vegetal para biorredutor de minérios é candidato privilegiado a incorporar as inovações nacionais.

Para tentar explicar mais claramente a situação sin-gular da siderurgia brasileira a carvão vegetal, é ne-cessário entender inicialmente que esse é um setor energético relevante no Brasil. Trata-se de um setor denominado energo-intensivo, termo que significa grande consumidor de energia, característica de uma típica indústria de base. A sua grande impor-tância está no fato de ser o substituto natural do car-vão mineral, a fonte fóssil que mais polui no mundo inteiro. As características principais desse setor são: baixa inserção tecnológica, baixa qualificação da mão-de-obra e baixo custo da matéria-prima. Exis-tem exceções. E são nessas exceções que estão as respostas para a mudança de paradigma da siderur-gia a carvão vegetal. Essa mudança necessária deve ser na valorização da matéria prima passando de ex-trativismo insustentável para a produção sustentá-vel, na capacitação da mão-de-obra e profissionali-zação dos técnicos e operadores e na transformação tecnológica que passa pelo abandono dos tradicio-nais fornos de alvenaria para uma agroindústria tec-nificada e com um forte viés de biorrefinaria. Exata-mente porque além de produzir o desejado carvão vegetal em bases sustentáveis também produzirá a fração líquida rica em vários produtos químicos de alto valor agregado. São essas as bases para a indústria carboquímica vegetal, na qual não apenas a biomassa lenhosa será a matéria prima, mas tam-bém outros resíduos lignocelulósicos poderão ser convertidos em produtos energéticos ou materiais e insumos químicos.

Finalmente, para descrever um pouco em números o significado do setor do carvão vegetal e da lenha no Brasil, e citando os dados do Balanço Energético Nacional, publicado anualmente pela Empresa de Pesquisas Energéticas – EPE – nas suas séries histó-ricas mostra que a produção e o consumo de carvão

vegetal são de 10 milhões de toneladas anualmente. O principal consumidor é a siderurgia. A taxa média de conversão adotada é de 25% em massa. Assim, um rápido cálculo mostra que cerca de 40 milhões de toneladas de lenha são consumidas para man-ter essa produção. Sendo uma produção constante ao longo das últimas décadas e tendo em vista o crescimento econômico do país e junto o aumento do consumo de energia, pode-se concluir que é um setor condenado ao desaparecimento se nada do exposto acima for feito.

O desperdício de 75% da matéria-prima e da ener-gia contida na biomassa lenhosa convertida a car-vão vegetal é simplesmente o desperdício da opor-tunidade de ter a indústria da carboquímica vegetal renovável e sustentável. Assim, será a abundância a nossa maior desgraça ou será que o consenso so-bre a inovação na indústria brasileira está sendo er-roneamente conduzido?

Foto: Bioware

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Agroenergia em Revista

Análises químicas para a cadeia produtiva das biorrefinarias

Por: Clenilson Martins Rodrigues, pesquisador da Embrapa Agroenergia

As biorrefinarias estão cada vez mais presentes no contexto do aproveitamento racional, renovável e sustentável da biomassa. Da

mesma forma que existe ampla diversidade de biomassa, tanto de origem vegetal quanto de origem animal, que pode ser empregada como matéria-prima para as biorrefinarias, inúmeras são as técnicas analíticas que podem ser utilizadas nos processos de avaliação qualitativa ou quantitativa, seja na fase inicial de classificação e caracterização da matéria-prima, dos precursores formados durante o processo de transformação e na caracterização e identificação dos produtos e coprodutos obtidos ao final da cadeia de produção.

Nas etapas que se deseja reconhecer, monitorar e identificar modificações estruturais ocorridas duran-te os processos de transformação, técnicas como a espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier, a espectroscopia Raman, a espectros-copia no ultravioleta/visível e a espectrometria de massas constituem poderosas ferramentas analíti-cas para avaliar as alterações de grupos funcionais presentes na matriz transformada.

Dependendo do nível de aprofundamento no pro-cesso de caracterização, várias alternativas podem ser empregadas e diversas técnicas analíticas pode-rão ser combinadas para viabilizar o reconhecimen-to do produto que se deseja monitorar. No caso de amostras complexas, constituídas por uma mistura com diversos constituintes, é normal ocorrer pro-cessos de separação com posterior etapa de detec-ção das substâncias separadas.

No caso de substâncias polares (açúcares, etanol, metanol, corantes, pigmentos, monômeros de resi-nas fenólicas etc.) é comum encontrar metodologias

que empregam a cromatografia líquida acoplada a detectores como: índice de refração, arranjo de fo-todiodos, espalhamento de luz, espectrometria de massas e outras. Para os casos em que se deseja investigar compostos voláteis ou de baixa polari-dade (ácidos graxos, biodiesel, bioquerosene etc.) normalmente emprega-se a cromatografia gasosa acoplada a detectores como: ionização por chama, espectrometria de massas, captura eletrônica e ou-tros.

A figura apresenta o esquema simplificado com as etapas empregadas na caracterização dos produtos das biorrefinarias e os vários tipos de análises que podem ser realizadas.

Como exemplificado na figura, o nível de aprofunda-mento no processo de caracterização dos produtos provenientes das biorrefinarias dependerá da com-plexidade dos compostos químicos gerados. Para aqueles compostos mais simples, poderão ser em-pregadas técnicas que permitem a caracterização on-line; para o caso de compostos mais complexos, tais como: plásticos, resinas fenólicas, espumas, solventes, produtos químicos intermediários, adesi-vos, detergentes e outros, que possam ser usados como precursores em processos industriais, outras etapas de avaliação química poderão ser necessá-rias para garantir a completa identificação.

Nestes casos poderão ser investigados desde a pu-reza do precursor, podendo passar por etapas que envolvam isolamento, purificação, obtenção do teor de impurezas e a completa caracterização estrutural. As técnicas analíticas empregadas na avaliação quí-mica podem incluir ensaios simples como a obten-ção do ponto de fusão ou processos de caracteriza-

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ção mais sofisticados que podem empregar análise elementar, ressonância magnética nuclear, obtenção da atividade óptica, dentre outras. As informações obtidas por estas técnicas fornecerão parâmetros necessários para a correta identificação de um pro-duto químico proveniente de uma biorrefinaria.

A necessidade do emprego de métodos e técnicas analíticas envolvidos no monitoramento da cadeia produtiva das biorrefinarias é uma realidade que não estará vinculada apenas ao conceito de acompa-nhamento dos processos realizados, mas também por razões pautadas em aspectos legais e de nor-mas que buscarão a garantia da qualidade do que

for produzido, bem como a segurança relacionada à toxicidade e ao impacto ambiental que, por ven-tura, possam ser ocasionados com o uso de pro-dutos originados das biorrefinarias. Além do mais, avanços e aprimoramentos serão constantes neste processo, tendo em vista que técnicas e metodolo-gias defasadas poderão ser ineficientes e ineficazes e não funcionar para novos materiais que venham a ser desenvolvidos. Neste sentido, tanto as indús-trias como as agências de regulação necessitarão de novos métodos e novas ferramentas analíticas que sejam cada vez mais rápidos, confiáveis, precisos, exatos e de baixo custo.

Figura. Esquema simplificado de aplicação de diferentes técnicas analíticas para a análises dos produtos das biorrefinarias.

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Aspectos econômicos das biorrefinariasPor: Gilmar Souza Santos, pesquisador, Daniela Tatiane de Souza, analista, da Embrapa Agroenergia

►Introdução

Em biorrefinarias, os estudos eco-nômicos são fundamentais para nortear as decisões a ser toma-das pelas empresas e produtores. Nas análises, merecem atenção as estimativas de escala, escopo, impactos ambientais, custos de produção e rentabilidade. No arti-go, são abordados quatro aspec-tos econômicos, sendo eles: a) Economia Verde; b) Economia de Escala; c) Economia de Escopo e d) Engenharia Econômica. As Economias de Escala e de Esco-po determinam o porte do negó-cio, devendo ser ambientalmente sustentáveis, seguindo as práti-cas da Economia Verde. Os con-sumidores desejam produtos de menor impacto ambiental, porém não estão dispostos a pagar mais por isso. Desta forma, Economia Verde, Economia de Escala e Eco-nomia de Escopo devem fornecer informações para a Engenharia Econômica na sua avaliação de retorno do investimento e renta-bilidade do negócio.

►Biorrefinarias e economia verde

As biorrefinarias viabilizam a criação de uma matriz energéti-ca renovável e sustentável, além da geração de produtos que cau-sam menores impactos ao meio

ambiente. Esta definição está alinhada com o novo enfoque de Economia Verde das empre-sas. Com as exigências de no-vas estratégias para fazer frente às mudanças climáticas, pegada ecológica, eficiência energética, emissões de poluentes e outras questões ambientais e de saúde pública, as empresas estão bus-cando cada vez mais produtos verdes. Estratégias como a Ava-liação do Ciclo de Vida (ACV), in-tegrada com a Economia Verde, ajudam no estudo dos impactos ambientais, econômicos e sociais associados a um produto, proces-so ou atividade das biorrefinarias, identificando oportunidades de redução de impactos negativos do desenvolvimento de novos produtos, comparações entre al-ternativas de produção e tomada de decisões. Além da Avaliação do Ciclo de Vida, aspectos de Economia Ambiental como os Critérios de Pareto/Coase para es-tabelecimento de ponto de equi-líbrio entre produção e poluição, Taxa Pigouviana para redução da emissão de poluentes e o TEEB (Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade), desenvolvido pelas UNEP / Nações Unidas, para valorização econômica dos servi-ços ambientais serão úteis para demonstrar sua viabilidade sob o ponto de vista ambiental.

As biorrefinarias utilizam uma estratégia verde, tornando o uso da biomassa mais eficiente e competitivo, com a produção de maior variedade de produtos de forma ambientalmente correta e alinhada com as necessidades dos consumidores. Neste aspec-to, um desafio será a disponibili-dade de matéria-prima em todos os meses do ano sem impactos ambientais, aumento da área plantada ou do uso direto da ter-ra. Integrar a cana-de-açúcar ou oleaginosas com uma cultura de entressafra como o sorgo sacari-no, por exemplo, será importan-te para viabilizar a produção de etanol, biodiesel, biomateriais e de outros bioprodutos de forma contínua.

►A Importância da economia de escala

Nas biorrefinarias, a Economia de Escala será um fator determi-nante. Do ponto de vista econô-mico, quanto maior a produção ou o consumo de um produto, menor o custo unitário dele. De maneira simplificada, é possível afirmar que temos Economia da Escala quanto é mais econômi-co aumentar a produção em uma planta do que aumentar a oferta do produto final em outra unida-de. As biorrefinarias têm a pos-sibilidade de operação integrada

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aos processos (bio ou petro) quí-micos existentes, gerando econo-mia e aumento de produtividade.

Utilizando uma usina de cana-de--açúcar como exemplo, quando ocorre um aumento da capaci-dade de moagem ela aproveita melhor a mão-de-obra industrial e os custos administrativos (cus-tos fixos da unidade). Para uma biorrefinaria, além da escala da matéria-prima, será importante analisar a vantagem competitiva das escalas de produção das di-versas rotas tecnológicas e dos bioprodutos gerados.

A capacidade instalada de moa-gem em uma usina tradicional da região centro-sul é de 2,5 milhões de toneladas. Novas usinas já es-tão trabalhando com capacidade de moagem acima de 4 milhões de toneladas, a exemplo de uni-dades da ETH Bioenergia, Raízen e da Petrobrás Biocombustível. Nota-se um claro objetivo de ga-nhar em escala por parte dos no-vos players do setor sucroener-gético, já visando operação como biorrefinarias.

►Economia de escopo em biorrefinarias

Em um mercado favorável para as biorrefinarias, um fator im-portante será a diversificação da produção e a flexibilidade, mes-mo com o acréscimo de custos associados à maior complexi-dade resultante. Isso se explica pela compensação advinda dos ganhos de escala esperados com o crescimento da demanda frente ao incremento de custos trazidos pela diversificação. Sendo assim, uma Economia de Escopo pos-sibilita uma redução de custos

quando aumenta a variedade de matérias-primas, processos e de bens produzidos na mesma em-presa. No caso das biorrefinarias, a Economia de Escopo ocorre quando é mais econômico pro-duzir biocombustíveis, materiais ou produtos químicos a partir de biomassa, de forma conjunta, do que produzi-los separadamente.

Flexibilidade é outro aspecto im-portante, pois permite alteração do mix de processos produtivos e ajuste da oferta dos diversos pro-dutos de acordo com a demanda. Outro fator importante é a presen-ça de matérias-primas comuns na produção, a exemplo da cana--de-açúcar e oleaginosas, assim como as complementaridades na sua produção. Por definição, em-presas diversificadas a exemplo das grandes petroquímicas e pe-trolíferas ou unidades vinculadas (ex.: ETH Bioenergia, Petrobrás Biocombustível, Raízen etc.), com forte presença nos setores agrí-cola e industrial de etanol ou bio-diesel, poderão explorar melhor esse conceito.

Outro elemento importante na Economia de Escopo em Biorrefi-narias é a integração estratégica. As grandes empresas químicas,

petroquímicas ou petrolíferas in-tegram suas atividades, expan-dindo-se para o elo seguinte na cadeia de seu produto, normal-mente buscando uma atividade de maior valor agregado (para frente) ou para o elo anterior da cadeia (para trás). De forma semelhante, as biorrefinarias poderão produzir sua própria biomassa, planta de industrialização, fonte de distri-buição (indústrias intermediárias) e comercialização (consumidor final) dos produtos, tornando-se totalmente integradas. A estraté-gia é ter mais controle sobre suas fontes de suprimento, utilizando matérias-primas renováveis (ex. cana-de-açúcar, oleaginosas) ou reduzindo o poder de negociação de fornecedores. Também pode-rá ocorrer a integração em usinas autônomas de cana-de-açúcar. Elas poderão se verticalizar “para frente”, adquirindo empresas quí-micas ou petroquímicas, visando diversificar o seu leque de produ-tos e alcançar novos mercados, com produtos de maior valor agregado.

►Aspectos de engenharia econômica

Outro aspecto econômico para as biorrefinarias será desenvol-

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Agroenergia em Revista

ver produtos verdes a custos competitivos e com retorno de investimento satisfatório. Conforme a pesquisa “Sustentabilidade Aqui e Agora”, realizada em 2010 em 11 capitais brasileiras pela Ministério do Meio Ambiente em parceria com o Walmart, 74% das pessoas se declaram mais motivadas a comprar produtos que tenham sido produzidos com técnicas de menor impacto ambiental. No entanto, de acordo com a mesma pesquisa, o fator custo é um limitan-te no momento de decidir por produtos verdes que sejam mais caros.

Neste contexto, um fator importante para a viabi-lidade da implantação de operação de uma bior-refinaria é a análise econômica de decisões sobre investimentos. Esta análise passa inicialmente pela rentabilidade do investimento (critério econômico) e na sequência pela disponibilidade de recursos e financiamentos (critério financeiro).

Engenharia econômica de biorrefinarias também deve considerar avaliação de redução de riscos via diversificação de atividades, retorno sobre investi-

mento próprio, índices de produtividade dos equi-pamentos, análise de sensibilidade, modelagem matemática de processos considerando diversas matérias-primas e diferentes rotas tecnológicas, si-mulação de produção e índice de capacidade insta-lada. Para análise das alternativas de investimentos recomenda-se utilizar técnicas de pesquisa opera-cional, econometria, fluxo de caixa, taxa interna de retorno modificada, valor presente líquido, payback, e índice de lucratividade.

►Conclusões

As biorrefinarias são complexos integrados capazes de fabricar uma variedade de produtos (biocombus-tíveis, materiais e substâncias químicas) a partir de diferentes biomassas e diferentes rotas tecnológi-cas. Complexos integrados vêm sendo propostos para aprimorar a eficiência e buscar sinergia entre a produção de bioenergia, produtos químicos e ali-mentos, provocados pelas Economias de Escala e de Escopo. A Engenharia Econômica e a Economia Verde também serão elementos determinantes nos estudos, suportando os resultados de viabilidade.

Foto: José Dílcio Rocha

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Discussão sobre biorrefinarias aproximam empresas e instituições de pesquisaPor: Flávia Bessa e Cristiane Vasconcelos, jornalistas da Embrapa Café

O conceito ainda em evolução, o estado da arte e a visão de futuro para o desenvolvimento de biorrefinarias estiveram em discussão durante

dois dias em um dos primeiros eventos voltado para o tema, o I Simpósio Nacional de Biorrefinarias: cenários e perspectivas (I SNBr), que aconteceu em 29 e 30 de setembro, em Brasília (DF). O evento foi uma realização da Embrapa Agroenergia, com apoio financeiro da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF), da Associação Brasileira de Química (ABQ) e da Sociedade Ibero-Americana para o Desenvolvimento das Biorrefinarias (SIADEB) e patrocínio das empresas Braskem, Pentagro, Sinc do Brasil e Thermo – Nova Analítica. Os objetivos do evento foram fazer um diagnóstico do contexto atual, no Brasil e no mundo, das biorrefinarias e avaliar as rotas tecnológicas e os produtos mais promissores para a viabilização desse tipo de instalação industrial.

Tema de relevante interesse mundial, no que diz respeito à criação de uma matriz energética renová-vel e sustentável, as possibilidades de viabilizar da

melhor forma as biorrefinarias é um ponto crucial nessa discussão. “Queremos contribuir e construir juntos uma agenda sólida, junto com as instituições de pesquisa e a iniciativa privada, com foco em so-luções”, destacou o chefe geral da Embrapa Agroe-nergia, Manoel Teixeira Souza Jr., que abriu o even-to. Além de pesquisa e inovação, para a viabilidade dessa realidade no país, o apoio governamental também é peça-chave. Sobre isso, o subchefe ad-junto da Secretaria de Acompanhamento de Ações Governamentais da Casa Civil da Presidência da Re-pública e coordenador da Comissão Executiva Inter-ministerial do Biodiesel, Rodrigo Rodrigues, falou da prioridade, na política energética do governo fede-ral, para ampliação das fontes renováveis de ener-gia, embora, segundo ele, a matriz do país hoje seja 45% renovável.

Já com plataformas de biocombustíveis de primeira geração, com destaque para o etanol de cana-de--açúcar, o Brasil manifesta seu interesse em inves-tir agora em biocombustíveis de segunda geração,

Foto: Cristiane Vasconcelos

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Agroenergia em Revista

como o etanol de lignocelulósicos, assim como já investem hoje também Estados Unidos e diversos países da Europa. O questionamento levantado pelo palestrante Francisco Gírio, do Laboratório Nacio-nal de Energia e Geologia e presidente da Socieda-de Ibero-Americana para o Desenvolvimento das Biorrefinarias, foi justamente sobre como fazer essa transição, de primeira para segunda geração. Gírio, que apresentou o cenário das biorrefinarias na Eu-ropa, disse que a União Européia segue um plano para, até 2020, investir 9 bilhões de euros no funcio-namento de unidades demonstrativas de segunda geração. A meta da Europa é duplicar o índice atual de 5% de consumo de biocombustíveis, para 10%, entre 2015 e 2020.

Nos Estados Unidos, o investimento nos sistemas de biorrefinarias valoriza a integração de toda a cadeia produtiva, da matéria-prima no campo aos produtos finais que chegam ao consumidor, foi de 1 bilhão de dólares até 2010. A meta do país é colocar as bior-refinarias de segunda geração em funcionamento até 2012. Os dados e o cenário dos EUA foram ex-postos na palestra da pesquisadora Helena Chum, do National Renewable Energy Laboratory (NREL). Para a pesquisadora, “a maioria dos fracassos nas biorrefinarias vem da falta de integração das cadeias produtivas e de seus membros”, daí a importância do investimento e da eficiente integração entre os elos dessa cadeia.

Alternativas que podem gerar bons resultados na construção de soluções viáveis para as biorrefina-rias também foram apontadas ao se analisar o esta-do da arte do tema no Brasil. Para o gerente de suporte técnico da Petro-brás Biocombustíveis, André Bello, começar por plataformas já consoli-dadas, como é o caso das usinas de cana-de-açúcar, é o caminho mais seguro para as biorrefinarias. Além disso, segundo o palestrante, é pre-ciso considerar alguns fatores para um investimento desses, como a economia de escala, a economia de escopo, diversificação e diferencia-ção da produção e complexidade da iniciativa.

Outro ponto que vem somar para o desenvolvimen-to e o futuro das biorrefinarias é a chamada “química verde”, conceito que vem ganhando força em todo o mundo, a partir da adoção e geração de produtos químicos que causam menores impactos ao meio ambiente, emitem menos CO2 e são menos tóxicos. “Hoje já é possível praticar uma química verde que agrega valor aos nossos produtos com preços com-petitivos”, disse Ronaldo do Nascimento, gerente de P&D da Rhodia Poliamidas e Especialidades, acres-centando que há mercado para os produtos da quí-mica verde, pois “o cliente está disposto a pagar por esses produtos”, ressaltou.

Além de Nascimento, o tema da química verde foi abordado também nas palestras do especialista po-lonês Rafal Bogel-Tukasik, sobre a importância da química verde para as biorrefinarias, e na apresen-tação de James Clark, professor do departamento de Química da University of York e vencedor do En-viroment Prize 2011 da Royal Society of Chemistry (RSC), sobre produtos químicos verdes com poten-cial econômico.

Outro tema discutido no evento foi o aproveita-mento máximo do potencial das usinas de cana-de--açúcar, uma das rotas tecnológicas para biorrefina-rias. Segundo Paulo Coutinho, gerente de P&D da Braskem, a complexidade da cadeia produtiva deve ser levada em consideração no processo produti-vo. O palestrante também chamou a atenção que definir tecnologias e produtos “vencedores”, ainda não é possível. “Há que ter como ponto de vista o mercado, valores agregados, as diferentes compo-

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sições envolvidas na sinergia e na logística, para se ter noção das perspectivas de futuro. Sabe-se que competência nas mais diversas rotas tecnológicas é necessária e que os biocombustíveis trazem mais segurança energética e desenvolvimento rural, mas são apenas um pedaço da solução para mitigar as conseqüências do efeito estufa”.

Seguindo essa discussão, o gerente de tecnologia da British Petroleum (BP) Brasil, Wesley Ambrósio, disse acreditar que há moléculas campeãs, como o etanol celulósico, porque existe mercado. “As tec-nologias podem ser integradas às usinas de cana--de-açúcar para produzir biodiesel e outros produ-tos a partir do açúcar. O primeiro desafio para isso é melhorar o rendimento da cadeia produtiva para ter maior rentabilidade e melhorar a conversão do açú-car. Há ainda o desafio da escala logística e talvez o maior deles, o gargalo mais importante, que é a existência de pessoas qualificadas para desenvolver e operacionalizar os resultados da ciência”.

Trazendo um pouco da experiência do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) no desenvolvimento de biorrefinarias, o gerente de P&D do CTC, Jaime Fingueruti, afirmou que a usina de cana, é a base para que outras sejam estabelecidas. “Há uma série de tendências nas quais temos de nos encaixar e a biorrefinaria deve ser o fruto dessas tendências. A população mundial vai se estabilizar em cerca de 9 a 10 bilhões de pessoas em 2100, demandando

aumento de cinco a seis vezes na atual produção de commodities e de três vezes e meio na produção de energia. Sabemos que o Brasil cada vez mais é eficiente na produção de energia e que tem água e terra e muitas possibilidades tecnológicas, inclusive sustentáveis, mas não basta apenas nós fazermos a nossa parte. O impacto no jeito de produzir é global e todos os países devem fazer seu dever de casa. A biomassa que melhor se encaixa na ecologia mun-dial é a de cana-de-açúcar e novas tecnologias de-vem ser desenvolvidas para aumentar sua sustenta-bilidade”.

Na visão do diretor da Vinema Biorrefinarias do Sul, Vilson Machado, que falou sobre a utilização de grãos como matéria-prima de biorrefinarias, como arroz, trigo, sorgo, milho, aveia e cevada, o arroz é o produto mais viável neste momento para produzir etanol na região Sul do Brasil. “Essa produção não abalará a cadeia de produção de alimentos”, ressal-tou Machado.

Em termos de recursos para pesquisa e inovação, gerente do Departamento de Indústrias Químicas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) salientou que o BNDES em conjunto com a FINEP, lançaram o Plano de Apoio à Inova-ção dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (PAISS), que está em andamento e que contemplará empresas e instituições de pesquisa com cerca de R$ 1 bilhão para aplicação em bioetanol de 2ª gera-

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ção, novos produtos de cana-de-açúcar e tecnolo-gias, equipamentos, processos e catalisadores para gaseificação de cana-de-açúcar e seus resíduos.

Para trazer a visão do Ministério da Ciência, Tecnolo-gia e Inovação (MCTI), o Coordenador-geral de Tec-nologias Setoriais, Adriano Duarte Filho, falou sobre diversos processos e soluções em fase de imple-mentação, como a Rede de Bioetanol, a Plataforma de Desenvolvimento em Gaseificação e estratégias de parcerias público-privadas. Para ele, há desafios a ser enfrentados como: aumento de produção e produtividade de biomassa, mitigação de proble-mas ambientais, diversificação de novos produtos e mercados, sustentabilidade, economia de merca-do, definição de linhas de pesquisa e incentivos em parcerias público-privadas, competitividade, visibi-lidade, oportunidades de inovação tecnológica, etc. “Há oportunidades que envolvem tecnologia para redução de perdas na produção e também para de-senvolvimento de novas soluções a médio e longo prazos”, completou.

Alfred Szwarc, coordenador de emissões e tecnolo-gias da ÚNICA, falou sobre a visão de futuro da in-dústria de cana-de-açúcar. Ele acredita que a empre-sa do setor sucroenergético, para melhor comparar e selecionar rotas tecnológicas e avaliar riscos e in-vestimentos deve levar em consideração seu perfil para definir as melhores opções. “Há várias opor-tunidades para futuro. É necessário ver até onde é possível chegar, ampliando a gama de produtos. O futuro indica amplas oportunidades que passam pela busca de novos caminhos, com sabedoria. Para isso, há que se ter acompanhamento permanente, análise crítica da evolução tecnológica, desenvolvi-mento de ferramentas e informações para tomada de decisão e políticas públicas para incentivar a ado-ção de tecnologias avançadas”.

Avaliando o evento, Szwarc disse ser uma iniciativa estruturada e organizada para discutir as biorrefina-rias, algo que está mudando o panorama industrial

de diversas empresas. “Hoje temos como entender melhor o conceito de biorrefinarias, que, no passa-do, foi desenvolvido na prática. A integração de pro-dutos verdes com combustíveis renováveis é uma simbiose que vem atender uma expectativa de co-nhecer e para onde estamos rumando. As perspec-tivas são muito promissoras”.

Sílvio Vaz, coordenador do I Simpósio Nacional de Biorrefinarias, estima que o evento possibilitou um passo adiante na discussão do assunto, tendo mos-trado opiniões convergentes de diferentes setores da indústria e do governo e apontado demandas claras de pesquisa e desenvolvimento a ser traba-lhadas pela Embrapa e outras instituições. “Foi mui-to importante promover a visão de conjunto das vá-rias vertentes envolvidas no tema, assim como é de máxima importância ter essa visão integrada para analisa-lo e propor novas soluções para as biorrefi-narias no Brasil”, concluiu.

Veja o folder no link:http://www.cnpae.embrapa.br/publicacoes-para-download/folder/biorrefinaria.pdf/view

Novidades:A Embrapa Agroenergia já está organizando o II Simpósio Nacional de Biorrefinarias, que está programado para 2013.

I Simpósio Nacional de Biorrefinarias

Local: Embrapa Estudos Estratégicos - CECAT

Data: 29 e 30 de setembro de 2011

Brasília, DF

Promoção e Realização

Apoio

Patrocínio

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Embrapa publica livro sobre biorrefinarias

Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia

“Biorrefinarias: Cenários e Perspectivas” é o título do livro publicado pela Embrapa Agroenergia, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF), como resultado do I Simpósio Nacional de Biorrefinarias (I SNBr). Organizado pelo pesquisador Silvio Vaz Jr., da Embrapa, o livro apresenta 11 capítulos assinados por especialistas no tema com atuação em indústrias e instituições de pesquisa, como Braskem, BP Brasil, ÚNICA, Universidade de York (Inglaterra), Laboratório Nacional de Energia e Geologia (Portugal), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Biodiesel (CTBE), Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e Embrapa Agroenergia.

A publicação tem o “objetivo de mostrar, de forma clara e prática, o que são as biorrefinarias, o atual estado da arte e desafios relacionados, bem como as necessidades de políticas e parcerias público privadas”, explica o prefácio da obra. Os capítulos falam sobre matérias-primas, desafios tecnológicos, potencial econômico, estratégias público-privadas e química verde.

A publicação não está sendo vendida. Interessados em obter um exemplar podem solicitá-lo no endere-ço [email protected].

Biorrefinarias

Cenários e Perspectivas

Sílvio Vaz Jr.Editor Técnico

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