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58 Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v.11, n.1/3, p.58-75, 1994 AGROINDÚSTRIA E REESTRUTURAÇÃO INDUSTRIAL NO BRASIL: ELEMENTOS PARA UMA AVALIAÇÃO Walter Belik 1 RESUMO A indústria agroalimentar brasileira está vivendo um processo de profunda reestrutu- ração, que é conseqüência do avanço das mudanças técnicas e organizacionais que têm início a partir da segunda metade dos anos 70 e que passam a moldar a atuação das empresas instaladas no Brasil. O aumento da competição externa e as mudanças no perfil do consumidor interno podem ser apontadas como elementos determinantes deste processo. Em função deste novo quadro produtivo emergem com elos dinâmi- cos na cadeia agroalimentar os segmentos de logística e distribuição (varejo, ataca- do, “catering” e outros). Evidências levantadas neste trabalho permitem afirmar que estes segmentos passam a exercer um posição de maior força na determinação de margens de lucro e de “mix” de produtos a serem colocados no mercado. AGRIBUSINESS AND INDUSTRIAL RESTRUCTURING IN BRAZIL: ELEMENTS FOR EVALUATION ABSTRACT The Brazilian agro-food industry is living a deep restructuring process. This restructuring has been related to the increasingly organizational and technical changes that took place since the second half of the 1970’s. The external competitiveness and changes in Brazilian consumer profile could be pointed out as main elements of this process. Due to this new framework the segments of logistic and distribution (retail, wholesale, catering and others) come out as dynamic links in the agro-food chain. Evidences arose in this paper has empowered to affirm that this links has got better positions regarding the determining of profit margins and product mix. 1 Professor do Instituto de Economia-IE, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP.

Agroindústria e Reestruturação Industrial No Brasil

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    AGROINDSTRIA E REESTRUTURAO INDUSTRIALNO BRASIL:

    ELEMENTOS PARA UMA AVALIAO

    Walter Belik1

    RESUMO

    A indstria agroalimentar brasileira est vivendo um processo de profunda reestrutu-rao, que conseqncia do avano das mudanas tcnicas e organizacionais quetm incio a partir da segunda metade dos anos 70 e que passam a moldar a atuaodas empresas instaladas no Brasil. O aumento da competio externa e as mudanasno perfil do consumidor interno podem ser apontadas como elementos determinantesdeste processo. Em funo deste novo quadro produtivo emergem com elos dinmi-cos na cadeia agroalimentar os segmentos de logstica e distribuio (varejo, ataca-do, catering e outros). Evidncias levantadas neste trabalho permitem afirmar queestes segmentos passam a exercer um posio de maior fora na determinao demargens de lucro e de mix de produtos a serem colocados no mercado.

    AGRIBUSINESS AND INDUSTRIAL RESTRUCTURING IN BRAZIL:ELEMENTS FOR EVALUATION

    ABSTRACT

    The Brazilian agro-food industry is living a deep restructuring process. Thisrestructuring has been related to the increasingly organizational and technicalchanges that took place since the second half of the 1970s. The externalcompetitiveness and changes in Brazilian consumer profile could be pointed out asmain elements of this process. Due to this new framework the segments of logisticand distribution (retail, wholesale, catering and others) come out as dynamic links inthe agro-food chain. Evidences arose in this paper has empowered to affirm that thislinks has got better positions regarding the determining of profit margins and productmix.

    1 Professor do Instituto de Economia-IE, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),

    Campinas, SP.

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    A ESTRATGIA COMPETITIVA DA EMPRESAS E OS MERCADOS

    A partir do ps-guerra a expanso da economia mundial foi acelerada. Pro-duo e consumo em massa, repetidos ganhos de produtividade nas indstri-as e desenvolvimento crescente dos mercados garantiram os anos douradosdo capitalismo.

    Ao final dos anos 60, este padro de crescimento, conhecido comofordista, comea a apresentar sinal de cansao. A prosperidade trouxe parao mercado um enorme contingente de novos consumidores mas ao mesmotempo elevou os salrios e diminuiu os ganhos proporcionados pela produti-vidade. No campo international, a hegemonia norte-americana era colocadaem xeque pela crise do dlar e pela ascenso de polticas nacionais no quediz respeito gesto monetria e ao comrcio exterior.

    Segundo Suzigan (1988: p.8): neste quadro que as economias avan-adas iniciam a transio, acelerada a partir de 1977-78, para um novo pa-dro de crescimento e sobretudo para uma nova trajetria tecnolgica, com odesenvolvimento de novas tecnologias, de produtos e de processos de fabri-cao e sua difuso no s no interior da prpria indstria como tambm naeconomia e sociedade como um todo. Alm disso, foram desenvolvidas no-vas tcnicas gerenciais, novas formas de organizao industrial e novas es-tratgias de mercado.

    No caso da agroindstria e especificamente na indstria de alimentos,estas mudanas foram patentes. O esgotamento do modelo fordista come-ou a se fazer sentir tanto pelo lado da produo como pelo lado do consu-mo. Formas organizativas ultrapassadas levavam a que a indstria fosseobrigada a atuar em escalas gigantescas diversificando sua produo hori-zontalmente, abrangendo um enorme gama de itens; e verticalmente, inte-grando-se aos seus fornecedores e distribuidores. Pelo lado do consumo, aaparente saturao dos mercados nos pases de renda alta fazia com que astaxas de crescimento do setor fossem bastante modestas.

    A reestruturao que ocorre na Europa e Estados Unidos desde meadosdos anos 70 vai mudar radicalmente este quadro. Um dos principais mitosdesta indstria: o de que se tratava de uma indstria madura, de baixo cres-cimento e fria do ponto de vista tecnolgico comea a ser revisado.

    O processo produtivo das empresas lderes na indstria alimentar iniciaum profunda mudana neste perodo. A introduo da informtica e, emmenor grau, das biotecnologias revolucionou os mtodos de produo,abrindo caminho para a utilizao eficiente de menores escalas de produo

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    e a uma diversificao das fontes de matrias-primas. No que se refere aosaspectos organizativos, novos desenhos so colocados em ao. Mudam asrelaes entre fornecedores e distribuidores, influenciando uma verdadeirareconverso das relaes em toda a cadeia industrial. Novas associaesentre firmas so realizadas respeitando-se afinidades geogrficas e culturaisdos mercados.

    A merger mania, como foi chamada no Reino Unido nos anos 80,tomou conta da indstria de alimentos. O nmero de mergers naquele passubiu para mais de 3 bilhes de libras esterlinas em 1984-85, comparando ao1,2 bilho de libras do pico de 1972. S no segundo trimestre de 1986 asaquisies na indstria atingiram 5,5 bilhes (Chiplin & Wright 1987). Otamanho dos mergers tambm cresceu e, o que mais importante, a maio-ria absoluta dos mesmos concentrou-se em aquisies horizontais, absor-vendo concorrentes. Uma parte significativa destes ocorreram na indstriade alimentos.

    Diversas razes so comumente apontadas como explicativas para ogrande volume de fuses e aquisies ocorrida na ltima dcada nesta in-dstria. Entre elas podemos apontar a busca de economias de escopo porparte das empresa lderes, a busca de melhores posies em mercados emer-gentes, as boas possibilidades de retorno na compra de participaes emempresas subavaliadas e, evidentemente, as possibilidades de introduo debarreiras tecnolgicas permitindo a consolidao de determinadas lideranasde mercados.2

    Segundo Green & Rocha dos Santos (1992), o caso da indstria de ali-mentos um exemplo clssico da formao de uma economia de rede, emque, dada a perecibilidade do produto, o fator tempo e o nvel de estoquesdesempenha um papel preponderante. O elemento diferenciador da indstriade alimentos no processo de reestruturao em curso a partir dos anos 80 foia capacidade deste segmento em se adaptar a um programa de produoflexvel do tipo just-in-timetrabalhando com matrias-primas de difcilhomogeneizao e de alta sazonalidade. De fato, dada a necessidade de es-tabelecer um largo tempo de colaborao com slidos mecanismos de fixa-o de preos e pactuao de margens ao longo de toda a cadeia produtivah uma ruptura do modelo fordista e a emergncia de uma verdadeira so-lidariedade produtiva.

    2 Ver a este respeito, Comission of the European Communities (1993) e Coll et al. (1992).

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    Este sistema de trabalho adotado pela nova indstria alimentos se apro-xima do que se define como sistema Toyota, ou toyotismo, simplesmente,o novo paradigma para a reestruturao da indstria. A idia de um sistemade produo diferenciado da produo em massa e contnua, est apoiadoem dois pilares principais: 1) a produo just-in-time; e 2) a auto-avaliao da produo. Em outras palavras, isto significa ndice reduzido dedefeitos e eliminao de desperdcios (Ohno 1990: p.16). Todavia, mais doque a adoo de um novo sistema de produo, o toyotismo pode ser des-crito como um sistema de trabalho. Novos mtodos organizativos definindorelaes entre fornecedores e relaes dentro das unidades produtivas doorigem a um renovado ambiente produtivo3. A flexibilidade proporcionadapelo novo sistema de trabalho trouxe vantagens inegveis sobre a produoem massa diante de um mercado segmentado e altamente diversificado.

    Com isto a nova onda de fuses e incorporaes que ocorre nos anos dereestruturao desta indstria direre dos anteriores. Nas dcadas de 50 e 60,as grandes empresas do setor buscavam diversificao adquirindo fornece-dores com o intuito de se integrar com as fontes de matria-prima e, hori-zontalmente, complementando suas linhas de produto. Atualmente, a estra-tgia de fuses e incorporaes est baseada nas associaes, inclusive comconcorrentes, em produtos e reas considerados core para as empresas.4

    No caso dos alimentos, as empresas que se reestruturaram adotando osnovos mtodos de travalho habilitaram-se em fornecer um produto de quali-dade com alta agregao de valor a um mercado de alta renda. Sem deixarpara trs as lies proporcionadas pela produo em escala global mas tendoem conta o fato de que o mercado dos pases desenvolvidos tem um cresci-mento extensivo quase nulo, estas empresas partiram para a segmentaocomo estratgia competitiva.

    O nmero de novos produtos alimentares introduzidos no mercadonorte americano no ltimos anos uma prova destas novas tendncias. Em1970 foi lanado nos Estados Unidos algo em torno de 800 produtos, e estenmero eleva-se para 10 mil no final da dcada de 805. Produtos naturais,tnicos, saudveis, dietticos e semiprontos entre outros compe agora a

    3 O modelo Toyota pressupe uma relao durvel com os subcontratados. Desde 1937,

    quando iniciou as suas atividades de compra junto aos fornecedores, a Toyota vem enfati-zando o destino comum de suas relaes verticais (ver Wiliamson 1985).

    4 Raul Green (1988) denomina este processo de recentragem.5 Ver The Economist, 04-12-93, p.10.

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    nova linha de produtos alimentares. Enfim, tudo que possa agregar valorpode ser lanado no mercado, algo muito distinto da dieta fordista.

    O consumidor dos pases desenvolvidos gasta algo em torno de 12% desua renda para consumir alimentos. De acordo com a lei de Engel, medidaque aumenta a renda destas populaes, uma parte menor desta ser utiliza-da para a compra de alimentos. Na Gr-Bretanha, por exemplo, o tempo detrabalho necessrio para adquirir um dzia de ovos caiu de 22 minutos, em1971, para apenas oito minutos, 1985 (Goodman & Redclift 1990). Os mes-mos autores calculam que ao final dos anos 80 apenas 13,8% da renda fami-liar britnica era empenhada com a compra de alimentos.

    Vale lembrar tambm que uma parcela cada vez maior de mulheres, quetradicionalmente ocupavam-se da preparao de alimentos no lar, est tra-balhanto fora6. Mas no apenas atravs da substituio do trabalho doms-tico que a indstria de alimentos est ganhando espao. As estratgias quelevam em conta a identificao e diferenciao de mercados especficos vaiao encontro de maior disponibilidade do consumidor e as suas conveninci-as. O caso extremo desta nova tendncia de posicionamento da indstriaalimentar so os Estados Unidos. Naquele pas, o montante de despesa comalimentao fora de casa est muito prximo das despesas com alimentos nodomiclio.

    Nesta fase ps-fordista despontam, como plos dinmicos de cresci-mento na cadeia agroalimentar, os segmentos de logstica e distribuio. Alogstica, que normalmente era interna empresa, passa a ser independentena cadeia de produo e toma para si a funo de unir produtores e fornece-dores no menor tempo possvel seja qual for a distncia geogrfica. A distri-buio, por sua vez, por estar em contato direto com a demanda, permiteuma aferio imediata das tendncias de consumo determinando o perfil daoferta. Estes dois elos da cadeia tm aumentado paulatinamente o seu espa-o, seja por meio de maior porcentagem de valor agregado recebido, ou seja,pelo seu poder de determinar estratgias a montante e a jusante.

    6 Segundo Goodman & Redclift (1991), a participao da mulher no mercado de trabalho j

    atinge os 50% em pases como a Inglaterra, na dcada de 80

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    A REESTRUTURAO DA INDSTRIA E O BRASIL

    Ao longo das ltimas duas dcadas, o Brasil viveu uma profunda trans-formao na sua agroindstria alimentar. A seguir vamos analisar o queocorreu no Brasil dada a sua dinmica caracterstica de pas em desenvolvi-mento.

    Dois fenmenos moldaram a agroindstria alimentar brasileira a partirdos anos 70. Em primeiro lugar, a emergncia de uma clara poltica de in-centivos de exportao de produtos agrcolas semiprocessados e manufatu-rados7. Em segunso lugar, a consolidao de um padro de consumo internotipicamente urbano e semelhante quele observado nos pases desenvolvidos.

    Apenas para ilustrar os tpicos apresentados, vale dizer que:

    1) Em um curto perodo delimitado pelos anos 70, o Brasil trocou a sua po-sio de exportador de produtos primrios, como caf, e passou a dominaro mercado de leo e farelo de soja, suco de laranja e caf, alm de ter po-sio de destaque no caso das carnes processadas, tabaco e outras. A par-ticipao dos produtos processados na exportao de produtos do com-plexo agroindustrial brasileiro sobe de 18% em 1970 para 37% em 1985(Lemos 1992: p.219) em um contexto de rpido crescimento das exporta-es com o comrcio internacional em retrao.

    2) O consumo brasileiro passou a ter um perfil mais homogneo nas duasltimas dcadas. Em mdia, o brasileiro gasta 24,7% de sua renda com oconsumo de alimentos. Dadas as profundas diferenas sociais, no entanto,as classes de renda mais baixa empenham 37% da sua renda (at dois sa-lrios mnimos) contra apenas 11% nas classes de renda mais altas (acimade 30 salrios mnimos) no consumo de alimentos. No obstante as dife-renas de renda, em todas as classes predomina o consumo de alimentosindustrializados adquiridos em lojas de auto-servio. Atualmente, no Bra-sil, o peso da embalagem e do esforo de marketing para a venda deprodutos representa um dos principais componentes da estrutura de custosdo produto.

    3) Tomando-se os dados de renda disponvel do consumo e a distribuio dariqueza agrupada, segundo famlias, observamos alguns dados de interesse.As famlias que ganham at dez salrios mnimos 82,5% detinham

    7 Ver Belik (1992).

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    apenas 41,4% da renda disponvel para consumo, o que representava US$112,1 bilhes de dlares em 1991. Com base nestas informaes, verifica-se que a renda disponvel para alimentao, tomando-se apenas o extratode at dez salrios mnimos, atinge US$ 27,5 bilhes de dlares, o que demodo algum tem sido desprezvel.8

    Dado este ambiente, as empresas agroindustriais expandiram-se nosanos 70 e consolidaram-se nos anos 80. No mercado internacional, a estrat-gia foi a de produzir um semiprocessado ou mesmo um produto industriali-zado a preos competitivos. A destinao geogrfica do produto aparecetambm como diversificada, atingindo mercados como o Extremo Oriente eo Oriente Mdio. No mercado interno, a estratgia foi extensiva mas tam-bm intensiva, abrindo mercado e introduzindo produtos pouco sofisticadose segmentados.

    Apesar do crescimento e da enorme expanso da agroindstria proces-sadora, nos anos 70 e incio de 80, no se pode afirmar que houve um pro-cesso pleno de reestruturao neste segmento. A reestruturao no sentidoclssico como foi apontado anteriormente no caso europeu e norte-americano, ainda algo polmico no caso do Brasil.

    A Tabela 1 apresenta uma panormica dos movimentos de fuses eincorporaes ocorridas no Brasil nos ltimos anos. As participaes emcada empresa variam de caso para caso, desde uma participao minoritriaat uma simples aquisio. Vale lembrar tambm que a Tabela 1 apresenta altima situao observada, aps a ocorrncia de uma seqncia de mudanasno comando das empresas.

    Observa-se pela Tabela que determinados segmentos da indstria dealimentos no Brasil sofreram uma verdadeira renovao no panorama de suapropriedade. Vrias empresas estrangeiras passaram a trabalhar no mercadonacional em associaes ou pela simples participao em empresas locais.Ao mesmo tempo, empresas nacionais diversificaram-se e algumas mudaramo seu foco, participando de determinados mercados com renovada fora.

    8 Dados obtidos atravs da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios do IBGE, de 1987-

    88, atualizada pelas ponderaes do IPCA de janeiro de 1993.

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    Tabela 1. Brasil: participaes e parcerias na indstria agroalimentar (1985-1994).

    Segmento Empresa entrante Empresa adquirida

    Massas e biscoitos

    Nestl (Sua)Bung y Born (Brasil)Nabisco (EUA)United Biscuits (EUA)Borden (EUA)BSN (Frana)

    Ailiram e BuitoniPetybonJupiterguiaAdria e RomaniniCampineira

    Temperos CPC (Brasil) McCormick e Kitano

    Sorvetes, sucose achocolatados

    Philip Morris (EUA)Nestl (Sua)Fleishman Royal (EUA)M. Mars (EUA)Quaker Oats (EUA)Dreyfuss (Frana)Granada (EUA)

    Kibon, Sorvane e LactaInsol-GelatoMaguaryNeugebauerToddyFrutropicBrasfrutas

    Laticnios

    Bongrain (Frana)MD. Foods (Dinamarca)Gessy Lever (UK/Holanda)Sodima (Frana)Mansur (Brasil)Parmalat (Itlia)

    BSN (Frana)

    Scandia e C. LimpoVigorRex e LunaLacesa (Yoplait)Flor da NataTeixeira, Supremo, SpamVia Lactea e AlimbaChandler e LPC

    Carnes

    Perdigo (Brasil)

    Sadia (Brasil)Ajinomoto (Japo)Mitsubishi (Japo)Hering (Brasil)

    Bordon (Brasil)

    Chapec, Sulina, UtingaMococa e BorellaFrig. MouranOsatoPerdigo Agroind.La Villete, Betinhae ContibrasilSwift-Armour

    Conservas Gessy Lever (UK/Holanda)Quaker Oats (EUA)

    CicaCoqueiro

    Confeitos Dart & Kraft (EUA) Embar

    Fonte: publicaes especializadas.Valeria, portanto, citar alguns exemplos:

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    1) Setores como o de leite e laticnios receberam um grande volume de ca-pital estrangeiro. O mercado de laticnios no Brasil poderoso. Em 1990,por exemplo, o Brasil produziu 13,6 bilhes de litros, o que nos colocaentre as naes de maior produo do mundo. Todavia, o consumo percapita brasileiro, o que leva em conta tambm as importaes, est entreos mais baixos dentre as naes de renda mdia, apenas 90 litros/ano, emtodas as suas formas.De modo geral, as caractersticas da produo nacional so pobres. Aprodutividade por vaca de apenas 3 litros/dia e esta chega a se reduzir60%, em determinadas regies nos meses de entressafra9. Todavia, emmeio a estas caractersticas de produo, convivem determinados bolsesde eficincia e qualidade. Nestas regies, a partir da produo com gadode raas pode-se obter altos ndices de produtividade e grande eficinciana captao. O leite pasteurizado ainda um produto indiferenciado noBrasil. A sua distribuio ao consumidor final pulverizada e o apelo marca no proporciona nenhum fator de diferenciao ao produto. Ade-mais, o produto esteve sob controle de preos do governo at recente-mente, em 1990.Os queijos e demais laticnios, ao contrrio do leite, praticamente no so-freram controles governamentais, suas margens de comercializao soelevadas e o apelo marca fundamental. Dadas as caractersticas derenda no Brasil, o peso dos produtos elaborados a partir do leite ainda baixa. Estima-se que, em mdia, o consumidor brasileiro gaste apenasalgo em torno de 0,8% de sua renda disponvel para consumo na comprade produtos derivados do leite. Estas porcentagens representam um mer-cado de mais de US$ 2 bilhes anuais, que caso bem trabalhado poderender vultosas receitas para os fabricantes. Oman (1985), citando oexemplo da Danone no Brasil, mostra que dois anos aps o lanamento desua linha de iogurtes, esta pas j era o terceiro mercado para a empresa,logo atrs da prpria Frana e Alemanha.A presena de empresas estrangeiras no merado tende a se elevar na me-dida em que as oportunidades de aquisio de redes de captao de leitefluido se apresentarem. Esta bacias leiteiras so normalmente controladaspor uma cooperativa que no possui marca forte nem esquemas de comer-cializao. Neste sentido, as empresas estrangeiras capitalizadas, introdu-

    9 Ver Farina (1993: p.17).

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    zindo novos processos de produo e com a utilizao elevada da seg-mentao tendem a ter presena acentuada no mercado.

    2) No setor de carnes de aves evidente o avano da produo nacional. Oconsumo per capita de carnes brancas no Brasil saltou de 2,6 quilos porhabitante, em 1970, para 10,9 quilos por habitante, em 1980, para mais de14 quilos por habitante em 1993, superando assim o consumo de carnebovina no Pas, mas ainda distante do consumo anual norte-americano, de41 quilos por habitante.Este avano na produo de aves foi possvel a partir da introduo deinovaes na fase de criao, possibilitando um ganho signifivativo nataxa de converso. Atualmente, no Brasil, um frango abatido com 42 a45 dias, no mximo, pesando 1.680 gramas. No incio dos anos 70, osfrangos nacionais eram abatidos com 60 dias de vida. A taxa de conversoneste perodo variou de 3,0 para 2,4. Tambm em outros aspectos os ga-nhos podem ser notados. Na granja, a internalizao de avs com o des-envolvimento de linhagens prprias - o chester - desenvolvido pela em-presa Perdigo, que detm 10% do mercado.Vale lembrar que, adicionalmente, na logstica de produo, foi possvelverificar grandes progressos. Atualmente, o modelo de quase-integraotem sido utilizado em novas reas de fronteira. Nestas regies as raesso preparadas a partir de matrias-primas locais com os componentesnutricionais estabelecidos em pr-mix.O modelo produtivo brasileiro pode ser caracterizado como voltado paraexportao. O frango nacional produzido sob medida, de acordo com asnecessidades da demanda. A produo nacional de carne avcola atingiu,em 1992, 3,2 milhes de toneladas, das quais 350 mil toneladas foram ex-portadas, sendo praticamente 1/3 deste total como frango em pedaos. Emmenos de 15 anos, a produo nacional de aves foi multiplicada por seisvezes, tendo como principal fator de expanso os mercados do OrienteMdio e Extremo Oriente, que obsorvem quase 80% das exportaes na-cionais (Campbell 1993).Apesar da presena macia da grande empresa nacional neste setor, j seobserva a entrada de capital japons. No caso da Misubishi, a sua entradaest ligada necessidade de a Perdigo ter uma base de apoio no Japo,marcado de grandes possibilidades. Atualmente, todos os grandes expor-tadores brasileiros possuem escritrios de representao naquele pas.

    3) As carnes bovinas tambm tiveram um desempenho extraordinrio naltima dcada. Apesar dos problemas com as carcaas provenientes de

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    determinadas regies atacadas pela febre aftosa, o Pas aumentou suaparticipao no mercado externo. E o que mais importante, a parcela deproduto processado e at mesmo o manufaturado est crescendo. A tec-nologia de processamento de carnes no Brasil est entre as mais avana-das do mundo, apesar da tecnologia pecuria estar praticamente estacio-nada.Por causa das tendncias internacionais de aumento no consumo de car-nes brancas, o setor frigorfico nacional adaptou-se e muitos frigorficostradicionais agora j processam tambm carnes de aves. Com isto, temosconvivendo lado a lado no Brasil um setor moderno com instalaes deltima gerao e um setor tradicional com abatedouros marginais, em queinexiste controle de qualidade e se pratica a evaso fiscal. Em funodesta falta de informaes mais confiveis estima-se que a produo decarnes seja ainda maior que aquela apresentada nas estatsticas oficiais.Recentemente, a pesquisa com couros dos IBGE reestimou o consumo decarne bovina no Brasil a partir dos dados de processamento de couros.Com base nestes nmeros, chega-se a uma cifra 64,2% maior para o anode 1989, elevando o consumo nacional per capita de carnes bovinas para23,3 kg/ano (Pessanha 1991).A rpida mudana de posies entre os grupos nacionais e tambm a qua-se eliminao dos grupos estrangeiros nos ltimos anos foi acompanhadapelo reaparelhamento dos produtores. Novas instalaes adequadas aopadro do fast-food local e tambm maior demanda por cortes nobresmostram a nova face dos setor. Na pecuria, a transferncia de embries ea inseminao artificial melhoraram a qualidade das carnes, mas aindano se equacionou maiores exportaes (Wilkinson 1993).

    4) No setor de moinhos, grandes mudanas esto ocorrendo com a desregu-lamentao geral deste segmento. Aps mais de 20 anos de controle depreos e a estatizao da compra da matria-prima a modernizao estocorrendo por intermdio da concentrao da produo. Os grandes moi-nhos, com instalaes mais modernas e alta capacidade ociosa esto ab-sorvendo os moinhos menos eficientes. Ademais, os moinhos remanes-centes esto se adaptando para receber diferentes qualidades de trigo epreparar as misturas demandadas pelo mercado institucional.Todavia, apesar da concentrao e modernizao em curso, so poucos osmoinhos que buscavam integrao produzindo tambm massas ou bis-coitos. Este mercado est entre os que mais crescem no Brasil atualmente.Devido s caractersticas cada vez mais urbanas da populao e ao de

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    marketing, generalizou-se o consumo de massas e biscoitos. Comparan-do-se as pesquisas do ENDEF de 1975 e POF de 1987-88 na regio me-tropolitana de So Paulo, no intervalo de renda de um a 40 salrios mni-mos, verifica-se que o consumo de farinhas, fculas e massas cresceuquase 25% no total dos gastos em alimentao no domiclio. Este item, aolado dos gastos com panificados representam 11,6% do total de gastoscom alimentao no domiclio na regio metropolitana de So Paulo.Vale recordar tambm que o consumo de trigo per capita no Brasil deapenas 45 kg/ano em comparao com o da Argentina, que de 130kg/ano (Mendes 1994: p.123). Com a entrada do trigo argentino, decor-rente dos acordos do Mercosul, em uma faixa de preos mais acessvel,este consumo nacional dever crescer, ainda que a conjuntura econmicabrasileira mantenha-se recessiva.Atualmente, dado o rompimento da camisa de fora colocada pelas cotasde moinhos e a grande liberdade na formao de preos de produtos, j possvel verificar maior interesse pelas empresas produtoras de massas ebiscoitos na sua integrao com os moinhos. Pode-se inclusive afirmarque, com maior participao das empresas estrangeiras no segmento ecom esta busca de integrao, este dever se tornar um dos segmentosmais dinmicos da indstria agroalimentar.

    5) No setor de leos vegetais as transformaes foram aceleradas. O leovegetal, que era apenas um subproduto do farelo e da torta de soja, ex-portados nos anos 70, passou a ser base de consumo no Brasil. Ao mesmotempo, a soja alou posio de base para consumo de animais na Europa enos Estados Unidos. Atualmente, praticamente todos os grandes gruposinternacionais que comercializavam soja no passado praticam algum tipode processamento dessa matria-prima.Os produtos do complexo soja compem o principal item da nossa pautade exportaes. Algo em torno de US$ 3 bilhes tem sido exportado anu-almente pelos produtores e transformadores de soja. Segundo Castro(1993: p.8), o Brasil est perdendo mercado na exportao de farelo eleo de soja enquanto retorna ligeiramente exportao de gros. Esta in-verso de prioridades deve-se ao acirramento da concorrncia com a Ar-gentina, fechamento de alguns mercados europeus e tambm maior lucra-tividade na exportao do gro brasileiro em certos anos frente ao produtoprocessado.Na realidade, aps a expanso nos anos 70, a capacidade de esmagamentono Brasil praticamente estagnou-se. No entanto, a elevada capacidade de

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    esmagamento alcanada na dcada de 70 esteve ligada ao fenmeno dodeslocamento da fronteira da soja e forma de concorrncia praticadaentre as empresas processadoras. Atualmente, o Brasil possui um parqueprodutivo bastante eficiente, ganhando dos demais competidores no quese refere produtividade. Entretanto, a nossa maior vulnerabilidade colo-ca-se na fase de transporte em que os custos de deslocamento da soja soextremamente elevados (ver ABAG 1993: p.99).No mercado interno, o processamento da soja e a sua difuso por meio deprodutos de consumo cada vez mais prticos acompanha as tendnciasinternacionais. Visando a atingir os segmentos de maior renda, mais preo-cupados com os aspectos ligados sade, a indstria tem lanado marga-rinas lquidas e leos duplamente filtrados e com baixo teor de gorduras satu-radas.

    EM DIREO REESTRUTURAO

    Os exemplos apresentados ilustram as profundas mudanas pelas quaisa indstria agroalimentar est passando no Brasil. Poderamos acrescentar aestes exemplos inmeros outros ligados ao setores de conservas, sucos, fru-tas processadas e outros. Todavia, no seria possvel configurar estas mun-danas como um caso clssico e reestruturao industrial, no ambiente tec-nolgico e de mercado. De qualquer forma, podemos afirmar que h ummovimento que flui em direo restruturao daquilo que se costuma de-nominar de sistema agroalimentar, no Brasil.

    Este movimento est promovendo mudanas organizacionais nas em-presas, nas relaes entre fornecedores e demandantes, na logstica da dis-truibuio e na segmentao mercado e produtos. O interesse estrangeiro emdeterminadas reas, como de lcteos, massas e biscoitos, revela a busca deassociaes com grupos locais em vista das dificuldades em atingir as fontesde matria-prima regionais. Da mesma forma, o desconhecimento do merca-do, da legislao e dos hbitos culturais tem levado incorporao de em-presas nacionais bem posicionadas pelo capital estrangeiro. Todavia, emcertos mercados como o de carnes, a supremacia da indstria nacional aindainconteste devido aos bons resultados da poltica de incentivo a esses setorese tambm dda capacidade empresarial brasileira.

    No entanto, alguns autores, como por exemplo Green & Rocha dosSantos (1993), argumentam que o Brasil est fora do processo de reestrutu-

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    rao, e que o observado so apenas movimentos espordicos. Isto ocorreriapor dois motivos principais:

    1) O paradigma fordista de produo e consumo no Brasil ainda no apro-fundou. Pelo lado do consumo, mantm-se ainda grandes bolses de mis-ria e as desigualdades sociais so elevadas. Neste mercado, dificilmenteseria possvel aprofundar a segmentao de produto, melhoramento asmargens brutas. J pelo lado da produo, so poucos os agentes queapresentam um nvel de produtividade elevado e custos decrescentes. Pelocontrrio, os aspectos produtivos das empresas muitas vezes so deixadosde lado em nome de estratgias financeiras. Paras as multinacionais,muitas das estratgias de modernizao utilizadas no primeiro mundo nopoderiam ser transportadas diretamente ao Brasil, o que exigiria custossuplementares de desenvolvimento de produtos inviveis dentro da lgicaprodutivas das empresas.

    2) As chamadas vantagens comparativas do Brasil na produo de alimentosdevem ser relativizadas. Acesso fcil s fontes de matrias-primas j no um privilgio restrito a alguns pases. Mesmo levando-se em conta queas biotencologias no cumpriram o seu papel previsto para este final desculo, so poucas as alternativas para os pases fornecedores de matri-as-primas10. A desregulao no comrcio internacional trouxe novoscompetidores de novas regies, at ento desconsiderados pelos competi-dores tradicionais. Ao mesmo tempo, a mudana de hbitos de consumonas reas mais ricas tem deslocado produtos de consumo corrente em tro-ca de novos produtos base de matrias-primas mais saudveis. Os auto-res lembram tambm que eventuais vantagens locacionais poderiam serinviabilizadas por problemas de transporte e infra-estrutura de comunica-es (Green & Rocha dos Santos 1993: p.36).

    10 A emergncia das biotecnologias trouxe consigo um otimismo enorme quanto s possibili-

    dades de substituir totalmente a natureza em laboratrio (Gooman et al. 1987). Acreditava-se que os pases produtores de matrias-primas seriam definitivamente deslocados de suasposies proporcionadas por suas vantagens comparativas naturais. Todavia, o horizonte deaplicaes da biotecnologia ainda est muito distante. A maior parte dos novos processosainda no chegou a escalas comerciais. Pode-se observar apenas o avano da biotecnologiaem certas etapas da produo agroindustrial, como em testes de vacinas e na apresentaode produtos.

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    Este dois elementos ao nosso ver no devem ser suficientes para refutaras evidncias apresentadas anteriormente, as quais apontam para o incio deum processo de reestruturao da produo de alimentos no Brasil. Doponto de vista do mercado interno, o crescimento da populao predomi-nantemente jovem com hbitos urbanos representa um mercado consumidorlargo o suficiente para ser comparado com diversos pases do primeiro mun-do, ainda que se leve em considerao a populao com renda disponvelpara o consumo.

    Exemplo da potencializao do mercado urbano no Brasil o cresci-mento das despesas com alimentao fora de casa, mormente em restauran-tes do tipo fast food e tambm a alimentao no locais de trabalho. Nesteparticular o crescimento do catering nacional tem atrado inmeras empre-sas internacionais fornecedoras vidas por conquistar um dos mercados emmaior crescimento no mbito mundial.11

    Vale recordar tambm o crescimento dos auto-servios no Brasill. Se-gundo dados do Censo Comercial de 1985, os supermercados e hipermerca-dos respondiam pela comercializao de 78% das carnes conservadas, 74%dos hortigranjeiros, 72% dos cereais e leguminosas, 71% dos laticnios egneros de primeira necessidade. Segundo a Asssociao Brasileira de Su-permercados, o faturamento do setor atingiu 5,3% do PIB, em 1993, estandopresente em 34.005 pontos de venda, onde trabalham 522.400 empregados.Tambm a codificao de produtos em supermercados progride rapidamen-te. Em 1987 havia apenas 100 produtos com cdigo de barras, chegando a20.500 produtos em dezembro de 1993.12

    Estes elementos constituem sem dvida um mercado moderno e prontoa colocar suas exigncias segmentadas para a indstria. Sem dvida, o mer-cado brasileiro um mercado de contrastes. Mais de 80% das famlias bra-sileiras vivem com uma renda familiar de at 10 salrios mnimos. No en-tanto, os outros 20% restantes detm um renda disponvel para consumo demais de US$ 150 bilhes (em 1991) em mos de apenas 5,7 milhes de fa-mlias. Um nvel de consumo desta natureza exige segmentao, especiali-zao e qualidade por parte das empresas.

    Outro elemento importante a ser destacado quando se fala em potencialdo mercado brasileiro refere-se ao verdadeiro poder de compra da popula-

    11 Segundo entrevistas com tcnicos do setor de alimentao.12 Segundo informativo da Associao Brasileira de Automao Comercial.

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    o. Calculado e comparado pelo dlar norte-americano, o poder de consu-mo nacional estaria entre os pases pobres o PIB per capita brasileiro esta-ria em torno de US$2,500. Todavia, ao compararmos este poder de compraem moeda local, assim como o fez o FMI13, o PIB per capita brasileiro equi-valeria a US$4,900, com um PIB que ultrapassaria os US$770 bilhes, em1992.

    O segundo argumento em favor da reestruturao diz respeito presen-a do Brasil nos mercados externos. Esta tambm ilustra a constatao deque o setor produtivo nacional realizou um profundo ajuste que permitiu aliderana em determinados mercados de semiprocessados e manufaturadosde forma extremamente competitiva. Curiosamente, permitiu tambm que asempresas nacionais pudessem fornecer produtos cada vez mais sofisticados e com custos mais reduzidos ao consumidor interno.

    Friedman (1990) acredita que a ajuda do FMI na dcada de 70 permitiuque o Terceiro Mundo entrasse em uma experincia semelhante a da Re-voluo do Milho dos EUA no sculo passado. As velhas e anacrnicascompanhias mercantis abriram espao para as prticas modernas ligandoaos complexos de produo durvel agropecuria (Friedman 1992:p.374). A tendncia elevao dos preos dos alimentos nos mercados in-ternacionais, por polticas nacionais de restrio da oferta, e o apoio dosgovernos s polticas agroexportadoras esto transformando estes pases emNACs New Agricultural Countries. Mas, vale dizer, o Brasil tem aindauma caracterstica nica: combina a sua condio de NAC com a de NIC Newly Industrialized Country ao mesmo tempo (Friedman 1992: p.378).

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