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J. C. Ferreira de Almeida * Situação e problemas do ensino de Ciências Sociais em Portugal A situação do ensino das Ciências Sociais em Portugal, que tem sofrido uma evolução cujo significado é objecto de análise no pre- sente artigo, continua a caracterizar-se pela inexistência da possibilidade de uma forma- ção fulcralmente cientifica. Com vista à pre- paração específica de cientistas sociais, que explicitar, antes do mais, um certo número de requisitos decorrentes, quer das necessidades do desenvolvimento socio-econó- mico, quer das próprias exigências do conhe- cimento enquanto produto de uma «prática» determinada. Na conclusão do artigo, o Autor aponta algumas informações e sugestões acerca de modalidades de incremento da for- mação para as Ciências Sociais. Observações preliminares 1. É propósito do presente artigo apresentar algumas con- siderações acerca da situação das ciências sociais no ensino supe- rior português, assim como de alguns dos problemas implicados pelo necessário incremento da formação neste sector do conheci- mento. Deste enunciado decorre imediatamente um dos factores que o diferenciam de outros dos textos incluídos nesta colectânea de estudos sobre «A Universidade na Vida Portuguesa»: é que, se quanto a outras matérias é possível começar por um exame detalhado daquilo que existe, seja bom ou mau, para seguidamente se proporem adaptações ou melhoramentos, no que respeita às «ciências sociais» (no sentido particular, mais * José Carlos FERREIRA DE ALMEIDA Diplomado pelo Instituto de Estu- dos Políticos da Universidade de Paris. Frequência completa, na Sorbonne, do ciclo de doutoramento de investigação em Sociologia. Membro do Grupo de Bolseiros de Sociologia da Fundação Calouste Gulbenkian. Assistente do Instituto de Estudos Sociais nos anos lectivos 66-67 e 67-68. Membro da So- ciedade Francesa de Sociologia. 697

ALMEIDA - Situação e Problemas Do Ensino de Ciências Sociais Em Portugal

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  • J. C.Ferreira

    deAlmeida *

    Situao e problemasdo ensino de CinciasSociais em Portugal

    A situao do ensino das Cincias Sociaisem Portugal, que tem sofrido uma evoluocujo significado objecto de anlise no pre-sente artigo, continua a caracterizar-se pelainexistncia da possibilidade de uma forma-o fulcralmente cientifica. Com vista pre-parao especfica de cientistas sociais, hque explicitar, antes do mais, um certonmero de requisitos decorrentes, quer dasnecessidades do desenvolvimento socio-econ-mico, quer das prprias exigncias do conhe-cimento enquanto produto de uma prticadeterminada. Na concluso do artigo, o Autoraponta algumas informaes e sugestesacerca de modalidades de incremento da for-mao para as Cincias Sociais.

    Observaes preliminares

    1. propsito do presente artigo apresentar algumas con-sideraes acerca da situao das cincias sociais no ensino supe-rior portugus, assim como de alguns dos problemas implicadospelo necessrio incremento da formao neste sector do conheci-mento. Deste enunciado decorre imediatamente um dos factoresque o diferenciam de outros dos textos includos nesta colectneade estudos sobre A Universidade na Vida Portuguesa: que,se quanto a outras matrias possvel comear por umexame detalhado daquilo que existe, seja bom ou mau, paraseguidamente se proporem adaptaes ou melhoramentos, noque respeita s cincias sociais (no sentido particular, mais

    * Jos Carlos FERREIRA DE ALMEIDA Diplomado pelo Instituto de Estu-dos Polticos da Universidade de Paris. Frequncia completa, na Sorbonne,do ciclo de doutoramento de investigao em Sociologia. Membro do Grupode Bolseiros de Sociologia da Fundao Calouste Gulbenkian. Assistente doInstituto de Estudos Sociais nos anos lectivos 66-67 e 67-68. Membro da So-ciedade Francesa de Sociologia.

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  • adiante indicado, em que esta expresso ser usada ao longodeste texto) praticamente de uma situao de no existnciaque se parte. Trata-se, naqueles casos, de propor reformas;trata-se, neste, de pugnar por uma criao.

    Aponto desde j: as notas que vo ser apresentadas poucoou nada contm de original. O princpio adoptado como inclu-sivamente se pode ver pela bibliografia consultada e citada con-sistiu na utilizao sistemtica de trabalhos alheios, quer no quetoca definio da situao das cincias sociais em Portugal, querquanto problemtica geral relativa ao seu ensino, ao seu lugarnuma poltica da cincia, etc.*. Acrescento porm que no ignoroa necessidade de adoptar critrios, de definir opes, ao efec-tuar qualquer seleco; e que dessas opes, quando as opiniesdos autores dos trabalhos consultados divergem, assim como damaior ou menor nfase dada a certos pontos, me sinto plenamenteresponsvel.

    2. No quadro destas consideraes liminares importa cir-cunscrever o mbito do assunto a tratar, no que toca ao que, nopresente texto, se dever entender por cincias sociais.

    B sabido que no existe acordo geral quer quanto defini-o a dar de cada disciplina, quer quanto s fronteiras que asseparam, assim como, a fortiori, sobre a hierarquia que entreelas se possa estabelecer; na realidade, nem sequer existe umconsenso generalizado acerca das designaes que melhor corres-ponderiam a certos ramos do conhecimento em matria social.Contudo, existe efectivamente conhecimento do social tomadocomo objecto de estudo cientfico sejam quais forem os ramosem que se pretenda compartiment-lo. E, at porque esse saberevolui de forma extremamente rpida, no valer a pena, nomea-damente em artigo desta ndole, entrar nas querelas de demar-cao.

    No se estranhe, pois, o carcter muito pragmtico da res-posta quanto ao que neste artigo, salvo meno especial, se deverentender por cincias sociais. Trata-se de englobar o conjuntode matrias geralmente referidas por expresses como: CinciasSociais, Cincias Humanas ou Cincias do Homem (social) masexcluindo deste conjunto, por motivos circunstanciais, algumasdisciplinas.

    Assim, ficaro de fora, nas consideraes que se seguem:1 O sistemtico recorrer a documentao de vria ordem levou a agru-

    par, em lista fornecida no fim do artigo, as referncias bibliogrficas rela-cionadas com os temas acima apontados, sendo o leitor remetido para elaspelos nmeros apresentados entre [ ] , que ir encontrando no prprio corpodo texto. Deixam-se para as notas de rodap apenas as indicaes dos traba-lhos que, por acessrios relativamente aos temas nucleares, se no justificaincluir naquela lista.

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  • a Economia, quer porque a sua situao (desenvolvimento doconhecimento, possibilidades de utilizao deste, ensino j insti-tucionalizado em Portugal) a diferencia da maioria das outras dis-ciplinas, quer porque a ela se dedica um artigo especial nestemesmo volume; os aspectos da Psicologia que aqui poderiam estar includospor motivos em parte anlogos aos referidos a propsito da Eco-nomia; e a Histria, porque o seu estatuto epistemologia, como o seuestatuto universitrio, pe problemas de carcter peculiar, queme no sinto habilitado a tratar.

    Cumpre-me ainda reconhecer que, em muito do que adiante dito, terei por vezes em mente mais a sociologia do que qual-quer das outras cincias sociais. Tal facto resultar certamentede deformao-formao pessoal; mas no s: creio no exagerarse afirmar que as caractersticas especficas-diferenciais da socio-logia (em sentido restrito: nem sociografia, nem sociatria) tor-nam paradigmtica a sua situao entre ns.

    3. Referi desde o incio o propsito deste artigo: apresentaralgumas consideraes acerca das cincias sociais do ensino supe-rior portugus. Essas consideraes sero agrupadas em duaspartes de ndoles distintas. A primeira consiste numa tentativade anlise da actual situao do ensino destas cincias, quer paraa caracterizar, quer para sugerir uma interpretao dos limites eda significao das recentes alteraes nela integradas. A segundatem em vista contribuir para o desenvolvimento da formaocientfica neste campo do saber, no nosso Pas, para o que importaevidenciar no s os imperativos de carcter societal que maisfortemente requerem uma tal formao, como tambm algumasdaquelas exigncias, ou requisitos internos, atributos do prpriotipo de conhecimento em causa, que surgem como as mais impor-tantes ao encarar-se esse mesmo desenvolvimento. Reservam-separa a concluso algumas informaes e sugestes de carctermais prtico, relativas a possveis modalidades desse desejvelincremento.

    O ENSINO DAS CINCIAS SOCIAIS EM PORTUGAL

    A. Caracterizao da situao actual

    4. Num artigo, acerca da sociologia em Portugal, publicadoem 1963 e reproduzido, com algumas alteraes, em 1964 ([-Z0.&L

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  • p. 10) escrevia A. SEDAS NUNES: [...] a situao da Sociologianas Universidades , efectivamente, muito precria. Inexistenteem 7 das 8 Faculdades (2 Faculdades de Direito, 3 de Letras, 2 deEconomia e o Instituto Superior de Cincias Sociais e PolticaUltramarina) era que, logicamente, deveria apoiar-se, e impossi-bilitada, em 6 das 7 Faculdades onde penetrou2, de suscitar vo-caes docentes especficas, devido ausncia de um quadro legalque permita a especializao sociolgica as perspectivas, quese lhe abrem, de desenvolvimento e de aquisio de uma slida ebem definida posio cientifica na Universidade, so de factomuito limitadas e desfavorveis 3.

    Em 1965, referindo-se no apenas sociologia mas a umconjunto mais vasto de disciplinas, afirmava V. MAGALHES GO-DINHO ([3], p. 148): [...] no existe neste momento em Portu-gal a possibilidade de formar um autntico especialista em qual-quer das cincias humanas, seja ela qual for.

    Que a anlise do primeiro autor citado se mantm vlida, nooferecer dvidas a ningum. Quanto concluso do segundo^j que a frase reproduzida constitui o fim de um pargrafo ini-ciado por: No h entre ns licenciatura em Psicologia. Comono h em Sociologia, nem em Etnologia e Antropologia cultural e

    2 (Citao revista de acordo com o Autor).

    Destes estabelecimentos de ensino superior pertencentes s Universi-dades, nos quais existem cadeiras permanentes de Sociologia, o grupo de 6 aque se refere o Autor constitudo por:

    a) Faculdades de Cincias de Coimbra, Lisboa e Porto insUiuto Superior Tcnico(cadeira de Sociologia Geral dos cursos de Engenharia)Obs.: tambm nas Faculdades de Cincias que os alunos deArquitectura frequentam a cadeira de Sociologia Geral.

    b) Instituto Superior de Agronomia(cadeira: Histria da Agricultura. Sociologia Rural)

    c) Escola Superior de Medicina Veterinria(cadeira: Sociologia Rural)

    O 7. estabelecimento, que constitui a excepo referida na citao apresen-tada, e no qual existem vrias cadeiras de ndole sociolgica, o:

    Instituto Superior de Cincias Sociais e Poltica Ultramarina.Cf. [10 .6], p. 9.

    Pelo decreto n. 48 626, de 12 de Outubro de 1968, que reorganizou oplano de estudos da Faculdade de Economia do Porto, foi includa, no 1. anoda licenciatura em Economia, professada nessa Faculdade, uma cadeira deIntroduo ao Estudo das Cincias Sociais.3

    Sobre os antecedentes da sociologia no nosso Pas poder consultar-se: F. FALCO MACHADO, Sociologia em Portugal (Separata do jornal

    Expanso, s. d., 9 pp.)., contudo, conveniente ter em conta que o A. utiliza o termo Sociologianuma acepo demasiadamente compreensiva, donde resulta aparecerem refe-ridos sob essa designao iniciativas e trabalhos que s remotamente se

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  • social. [...] poderia algum levantar objeces com base emargumento de actualidade, por virtude das alteraes que maisrecentemente se produziram no estado de coisas que originavaaquela afirmao.

    Com efeito, se se percorrer o volume, editado em 1966 peloMinistrio da Educao Nacional, acerca das Possibilidades Edu-cativas em Portugal ([5]), verificar-se- ser possvel, no mo-mento actual, obter-se no nosso Pas uma licenciatura em So-ciologia (ob. cit., p. 146) e uma licenciatura em PsicologiaAplicada 3a (ibid.), assim como a licenciatura em Servio Social(idv p. 124) alm da licenciatura em Cincias Sociais e Po-ltica Ultramarina3b.

    Poderia ainda acrescentar-se que existe um Instituto de Es-tudos Sociais30 (Ministrio das Corporaes) donde saem diplo-mados quer de um Curso de Administrao Social de Empresasquer de um Curso de Poltica Social; e tambm uma Escola Su-perior de Organizao Cientfica do Trabalho, anexa ao InstitutoSuperior de Lnguas e Administrao (instituio privada), cujodiploma de Conselheiro de Organizao Cientfica do Trabalhoe Relaes Humanas na Empresa implica uma opo entre trsseces distintas, das quais duas so: Sociologia Industrial eRelaes Humanas, e Psicologia Industrial. A esta lista seriaainda possvel juntar os cursos ministrados, desde longa data,nos Institutos de Servio Social, de Lisboa e do Porto, e naEscola Normal Social, de Coimbra. E se se quisesse ir at ao en-sino secundrio-mdio, dever-se-ia referir, entre outros, algunsdos cursos dados pelos estabelecimentos que, na publicao acimacitada, aparecem sob a rubrica Novas escolas particulares,correspondentes s novas exigncias da vida social e econmica,como por exemplo o Instituto de Novas Profisses. (Em termosno j de cursos, mas de cadeiras, poder-se-ia tambm relembraras que existem em escolas superiores de outros ramos cientficose profissionais veja-se a nota2).

    ligam com o sentido restrito em que o mesmo vocbulo empregado no pres-sente escrito.

    Convir ainda completar a leitura do artigo mencionado com a deum outro no qual lhe so feitas certas crticas:

    A. da SILVA LEAL, A Sociologia em Portugal (Estudos Sociais eCorporativos, ano II, n. 6, Abril-Jun. 1963: pp. 131-136).

    3a Alis ainda no oficializada.

    3b Posteriormente redaco do presente artigo foi criado (despacho

    ministerial de 29-8-68), tambm no I. S. C. S. P. U., um Curso Complementarde Cincias Antropolgicas.

    3c Posteriormente redaco do presente artigo, o decreto n. 48 429,

    de 11 de Setembro de 1968, veio determinar que o ingresso no I. E. S. exigissehabilitaes correspondentes ao curso complementar dos liceus, cessando apossibilidade de inscrio apenas com o 5. ano.

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  • Perante tal enumerao de diplomas e estabelecimentos deensino, poder parecer, pelo menos, paradoxal continuar a afir-mar-se no existir em Portugal a possibilidade de formar umnico especialista em cincias sociais e humanas. Ora meu pro-psito salientar que me parece manter-se aquela concluso, no-essencial, ainda vlida. Porque, na realidade, o paradoxo saparente como uma anlise mais cuidada do problema facil-mente pe em evidncia.

    5. Retomemos os cursos enunciados. evidente podermos deixar j de lado as novas escolas

    particulares do ensino secundrio-mdio que manifestamenteno pretendem formar especialistas em cincias sociais e con-centrarmo-nos nos ensinos de nvel superior.

    Consideremos primeiro, at porque exemplar, o caso do Ser-vio Social. Mesmo que se no queira ir to longe como JeanSTOETZEL na sua boutade: o Servio Social exactamente ocontrrio da Sociologia4, foroso ser reconhecer que ileg-timo identificar os dois termos da comparao como, de resto,foi posto em evidncia ainda recentemente em Anlise Social,quer directamente numa nota sobre Servio Social e Sociolo-gia, quer indirectamente a propsito da distino que neces-srio operar entre problema social e problema sociolgico 5.Na realidade e esta distino vai ser til para todo o resto dapresente anlise na cincia (sociolgica ou outra) o que estem causa so problemas de conhecimento, enquanto que no Ser-vio Social, como noutras formas de interveno na sociedade, oque est em causa so problemas de aco seja qual for ograu de informao de cunho cientfico e/ou a extenso das tc-nicas da mesma origem que venha a ser necessrio utilizar paraa sua resoluo. E interessa ainda salientar que esta distinoentre problemas de conhecimento e problemas de aco arrastauma consequncia importante: se verdade que a prtica cient-fica, porque prtica tambm, implica referncia a valores, estesso s os valores do prprio conhecimento, enquanto que a acosocial, a prtica social sobre a sociedade (incluindo aquela queexija a utilizao de conhecimentos de origem cientfica) refe-re-se necessariamente a valores sociais, doutrinas, ideologias, isto: no dispensa uma axiologia consciente ou inconsciente, ex-

    4 Em: Seminrio do doutoramento de investigao, Sorbonne, 191/5/64.

    5 M.a Suzana de ALMEIDA, Servio Social e Sociologia : relaes m-

    tuas (Anlise Social, vol. V, n. 17, 1. trim. 1967 : pp. 104-107). M.ft da Conceio TAVARES DA SILVA, Reflexo sobre o conceito de

    problema social I (Anlise Social, vol. V, n. 17, 1. trim. 1967 :pp. 5-22) ; cf. pp. 7-9.

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  • plcita ou implcita referida prpria sociedade. Quando STOE-TZEL diz ser o Servio Social exactamente o contrrio da Socio-Jogia, procura ele pr em evidncia o facto de que os princpiosque orientam o Servio Social e lhe do sentido, constituem umobjecto de anlise cientfica e no o pressuposto desta.

    Voltemos ao problema central que nos ocupa neste ponto:creio ter deixado bem evidentes os motivos pelos quais no possvel considerar um curso de Servio Social como um ensinofulcral de cincia do social por muito intensa que seja a uti-lizao de um saber de raiz cientfica que nele se faa. O ServioSocial um consumidor de produtos cientficos (entre outros),mas no um produtor dos mesmos ou s muito acessoria-mente o , e esta diferena repercute-se necessariamente aonvel do ensino.

    Consideremos seguidamente os restantes cursos antes refe-ridos.

    Os anncios, periodicamente insertos na imprensa diria,acerca da Escola Superior de Organizao Cientfica do Trabalho,apontam a formao de Tcnicos de administrao e psicologiaindustrial e de Peritos em relaes humanas na empresa6.Tcnicos ou Peritos, ainda de aplicadores que se trata eno de cientistas. Distintos embora dos agentes de Servio Socialpela menor implicao axiolgica, pelo menos explcita, aindaaqui encontramos consumidores parcelares e no produtores decincia do social. Anlogo tem sido, no fundo, o significado doInstituto de Estudos Sociais, ainda que diversa seja a prepara-o fornecida, pois que visa ocupaes profissionais distintasdaquelas.

    Quanto licenciatura em Psicologia Aplicada, a prpriaincluso no ttulo do adjectivo aplicada incluso corrects-sima e de louvar traduz claramente o tipo de preparao aque corresponde e as actividades profissionais com ela visadas-De notar ainda a componente extra-cientfica, includa na defi-nio do quadro geral no seio do qual se situam os ensinamentosministrados no I.S.P.A., pois que este, pertencente s Congrega-es Religiosas Masculinas e Femininas de Portugal, declara in-tegrar-se nos princpios da antropologia e mundivivncia cris-ts 7.

    No que toca ao I.S.C.S.P.U., nico de entre os estabeleci-mentos citados a pertencer Universidade e deixando de parte

    6 Cito estes anncios por neles ter vindo a encontrar indicadas estas

    designaes aplicadas aos diplomados pela E.S.O.C.T.; em [5] apenas refe-rido o ttulo de Conselheiro [...], mencionado mais atrs.

    7 A frase citada encontra-se num folheto editado pelo I.S.P.A. e aparece

    reproduzida em [5], p. 146.

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  • a licenciatura em Servio Social, pelo que j disse a respeitodo Servio Social em geral importa salientar o carcter que,sem qualquer conotao pejorativa, poderemos dizer hbrido,da formao sancionada pela licenciatura em Cincias So-ciais e Poltica Ultramarina. Com efeito, o grau conferido produto de uma evoluo institucional bem conhecida cor-responde preparao fornecida pelo Curso de AdministraoUltramarina, acrescida da que ministrada no Curso Comple-mentar de Estudos Ultramarinos; destes cursos fazem partediversas disciplinas, quer de ndole sociolgica ou antropolgica,quer de cunho econmico, quer do campo das Relaes Interna-cionais; mas o elenco de matrias comporta, como natural,grande nmero de cadeiras dedicadas a problemas do Ultramar,as quais, mesmo quando estreitamente relacionadas com as cin-cias sociais, necessariamente tero um carcter mais de cinciaaplicada ou de tcnica social do que de cincia fundamental.Assim, tambm neste caso no parece que se tenham atingidoainda as condies de diferenciao-centrao que corresponde-riam a uma real formao fulcralmente cientfica (no sentidorestrito em que tenho vindo a usar o termo) em matria de conhe-cimento social, isto : de preparao especfica de especialistasem cincias sociais.

    Propositadamente deixei para o fim o caso da licenciaturaem Sociologia, por ser aquele que mais pode dar lugar a con-fuses pelo menos se apenas se atender ao ttulo. esta umadas duas licenciaturas susceptveis de serem obtidas no Ins-tituto de Estudos Superiores de vora cujo objectivo mais im-portante consiste na formao de dirigentes de empresas atra-vs dos seus dois Institutos, o Econmico e o Social ([5], pp.144-146), tambm designados como Seces ou Faculdades de Eco-nomia e Sociologia 8. Do curso de socilogos se diz que tempor fim principal preparar dirigentes competentes sobretudo paraas obras sociais das Empresas ou de outros Centros em que oprogresso social deva surgir com o progresso econmico, propor-cionando] contudo juntamente com slida formao econmicaum conhecimento cientfico da sociologia e dos seus mtodos deinvestigao 9. Como se v, as designaes socilogos e licen-ciatura em Sociologia so utilizadas em sentido imprprio, umavez que se aplicam a um curso cujos objectivos so afinal seme-lhantes aos que norteiam a preparao fornecida pelo Institutode Estudos Sociais ou pela Escola Superior de Organizao Cien-

    8 Estudos Eborenses (edio e propriedade do Instituto de Estudos Su-

    periores), n. 2, 1967, p. 91.9 Frase que consta de um folheto editado pelo referido Instituto

    (e reproduzida quase textualmente em [5], p. 145).

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  • tfica do Trabalho. Sem dvida, h que assinalar um aspectopositivo e importante na criao daquela licenciatura em Socio-logia: aceitou-se, pblica e oficialmente, pela primeira vez emPortugal, a existncia de uma licenciatura com tal designao.Mas no se pode deixar de notar que, atribuindo o ttulo de so-cilogos que, por definio, s podem ser especialistas deum determinado ramo das cincias sociais a profissionais cujacompetncia esperada diz respeito direco de obras sociais,se est a cimentar o tipo mesmo de confuses que importariadesfazer, dificultando a conscincia da distino atrs apontadaentre problema social e problema sociolgico, perpetuandoas amlgamas conceituais conhecimento-aco (que impedem apercepo das articulaes complexas que se estabelecem entreestes dois nveis) e agravando a tendncia a considerar o soci-logo, na melhor das hipteses, como puro tcnico de inquritos 10.Evidentemente, estas observaes nada tm que ver com a qua-lidade intrnseca ou com a utilidade social do curso ministradono Instituto de Estudos Superiores de vora, acerca das quaisno cabe pronunciar-me aqui.

    6. A concluso deste ponto est j expressa naquilo queacima fui apontando. Desde que nos refiramos a uma reflexosobre a noo de cincia e o respectivo estatuto, assim como ssuas implicaes, quer no tocante articulao entre o conheci-mento cientfico e as aplicaes, quer quanto s exigncias dadecorrentes relativamente aos aspectos de formao, uma anlisemais cuidada da preparao que conduz aos ttulos mencionados(ou que fornecida pelos cursos referidos) e dos objectivos visa-dos por essa preparao, pe em evidncia que no existe aindaentre ns a possibilidade de uma real formao em qualquer dascincias sociais ou humanas.

    Se quisermos esquematizar os traos essenciais sacrifi-cando eventualmente as excepes^ por muito meritrias que se-jam, j que no atingem a massa crtica, o limiar crtico, quelhes conferiria importncia estrutural podemos dizer que emPortugal se ensinam Tcnicas Sociais, mas se no ensinam pro-priamente Cincias Sociais. Fornecem-se preparaes profissio-nais com objectivos essencialmente prticos nalguns dos casos,associados a preocupaes axiolgicas bem patentes, mas nose formam cientistas sociais.

    Querem-se tcnicos e acaba-se por criar escolas para atin-gir esse objectivo; mas no se criam os meios de fornecer a for-mao bsica, fundamental, sem a qual no h cincia que ali-

    1(> Ver, a este respeito: [11.a], p. 68.

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  • mente a preparao tcnica. Querem-se utilizadores, consumi-dores intermdios, de cincia do social, mas no se formam pro-dutores da mesma: e aqui se situa, sim, o paradoxo efectivo.

    B. Anlise das Alteraes Recentes

    7. Tentei caracterizar, com base em certas distines queconsidero fundamentais, a situao actual do ensino superior donosso Pas no que respeita aos cursos que mais de perto tm a vercom as cincias sociaisri. Sucede, porm, que houve, de facto, umaevoluo nessa situao a partir de 1960, e nomeadamente desde1963, pois que desde ento foi criada a maior parte dos cursose/ou licenciaturas atrs referidos. No basta, assim, caracte-rizar a situao actual para a compreender, e para sugerirsolues aos problemas pendentes, necessrio se torna tambminterpretar essas alteraes.

    Percorram-se os folhetos ou at mesmo os textos oficiais re-ferentes aos vrios cursos de criao recente. Nos pargrafos emque so anunciados os motivos dessa criao e/ou os respectivosobjectivos e finalidades, aparecem geralmente consideraes ten-dentes a relacionar os novos tipos de escolaridade, ao nvel m-dio e superior, com o nmero crescente de novas actividadesprofissionais, correspondentes s novas exigncias da vida so-cial e econmica ([5], p. 94).

    De facto, com a evoluo das prprias actividades econ-micas e das suas exigncias internas e tambm porque, conco-mitantemente, nos meios dirigentes dessas actividades se tomouprogressivamente conscincia da necessidade de dispor de certotipo de pessoal qualificado conscincia a que no decerto es-tranha a maior abertura a certos exemplos estrangeiros, a difusoda organizao [dita] cientfica do trabalho, etc. comeou aavolumar-se no mercado do trabalho uma procura de tcnicoscuja formao incluiria, em maior ou menor grau, matrias doforo das cincias sociais e humanas.

    Ou seja, se se quiser esquematizar em termos funcionalistas:porque houve um certo nmero de alteraes no plano do sistemaeconmico, delas resultou uma modificao qualitativa da procurano mercado do trabalho. E porque no havia oferta que corres-pondesse a essa procura diferencial, entraram em jogo meca-nismos sociais redutores de tenses o que significava nestecaso eliminar uma carncia , que se traduziram pela criao decerto tipo de cursos.

    11 Relembre-se o sentido em que esta expresso utilizada ao longo do

    presente artigo, tal como foi indicado no ponto 2.

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  • 8. Mas tudo isto merece anlise mais atenta. Partiram osestmulos para a ruptura do anterior statu quo s do nvel dosistema econmico? A resposta final foi adequada ao estmuloinicial e era a nica possvel? suficiente uma anlise centradano mercado do trabalho? Que outros factores entraram emjogo? E ainda: uma anlise de tipo funcionalista a mais per-tinente para dar conta deste fenmeno? Tentarei, ainda que bre-vemente, fornecer algumas respostas.

    Como se sabe, a delimitao do sistema central ao qual seaplica uma anlise relativamente secundria, desde que se faamintervir como variveis externas e/ou como condies aos limi-tes 12 os factores que exeram uma influncia sobre o fenmenoem causa e que no possam ser considerados no interior do ditosistema (em funo da definio do mesmo); se necessrio,guarda-se assim a liberdade de delimitar o sistema central s emcorrespondncia com as finalidades da anlise, e assegura-se aadequao realidade atravs do jogo das referidas variveisexternas. Em termos do que acima se indicou, se se pretendessecentrar a anlise no mercado do trabalho pois que nele sevieram a manifestar as tenses que provocaram a respostacitada ser-se-ia levado, para obter uma explicao suficiente-mente completa, a considerar como condies aos limites (in-cluindo as eventuais estacionaridades de algumas variveis) fac-tores que a prvori aparecem como muito relevantes. Mais valeento j que os fins da presente anlise no determinam par-ticular vantagem na centrao sobre o mercado do trabalho alargar o sistema objecto de anlise por forma a tornar internasalgumas, pelo menos, dessas (em sentido generalizado) variveisexternas.

    9. Alargue-se ento a anlise. Assim, se considerarmos, porexemplo, os fenmenos tendentes a uma planetarizao resultantedo intenso desenvolvimento dos meios de comunicao-informa-o (por demais j postos em evidncia para que se justifiqueproduzir argumentos em abono desta afirmao), e ainda que setenham em conta os factores de controle-perda de informao queentre ns possam jogar neste caso especfico, no parecer des-cabido pensar-se que outros estmulos, alm dos provenientes dosistema de produo de bens e servios atravs do mercado dotrabalho, poderiam provocar uma procura social (em sentidogenrico) de cincia do social. Com efeito, num mundo onde seassiste a uma rpida evoluo e a uma grande difuso deste tipo

    12 As condies aos limites compreendem o conjunto dos parmetros

    exteriores e dos dados iniciais.

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  • de saber, para mais sob forma por vezes conflitual, estranhoseria tendo em conta a referida tendncia, para a planetari-zao, e ainda os nossos pontos de referncia culturais, quese no manifestasse entre ns interesse por essas matrias; queassim prova-o bem a profuso de colquios sobre temas comelas relacionados, assim como as reiteradas solicitaes e ml-tiplas referncias necessidade que haveria, para esclarecer esteou aquele aspecto, de se dispor de cientistas sociais de vriasespecialidades.

    Posto o problema nestes termos, no surpreende que se te-nham criado os cursos que atrs referi; o que aparece como es-tranho que s esses tenham sido criados. E por isso se tornanecessrio introduzir ainda novas variveis na anlise emborao esquema que as integra deva ser apresentado com estatuto dehiptese.

    Grosso modo, pode dizer-se que, se a um estmulo inicialda ordem daquele que apontei veio a corresponder a respostasocialmente concretizada que se conhece, necessariamente fun-cionaram obstculos, resistncias, e que, tendo em conta o pro-cessamento dos mecanismos em jogo, se trata forosamente deresistncias institucionais 15.

    Detenhamo-nos um pouco neste ponto. Consideremos de novoos cursos que foi socialmente possvel criar e a sua caracteriza-o: como vimos, trata-se no essencial^ de ensinos na sua maio-ria fruto de iniciativas privadas, s parcelarmente utilizadores dosconhecimentos que relevam das cincias sociais, visando quase ex-clusivamente a preparao de tcnicos, para actividades de apli-cao, ou de dirigentes de carcter administrativo. O mesmo dizer-se que se est perante uma resposta distorcida relativa-mente procura social genrica de cincia do social. Distorcidaporque: 1.) as aspiraes a uma formao de base (no direc-tamente concebida com vista s carncias imediatas verificadasno mercado do trabalho) no receberam qualquer satisfao,dando quando e se apenas lugar a actividades de tipo fraca-mente compensatrio, da ordem de colquios, mesas redondas,seminrios, etc; 2.) nem sequer a fraco da procura genricaque resulta das exigncias directas do sistema de produo debens e servios recebeu cabal satisfao, pois que por exemplo asfunes profissionais que exigiriam uma formao propriamentesociolgica no podero ser satisfatoriamente desempenhadas pe-

    13 Evidentemente, o termo institucional utilizado aqui no em

    sentido jurdico, mas no seu sentido sociolgico.14

    Quanto mais se caminha do plano dos casos particulares parao nvel societal, mais se metodologicamente obrigado a diminuir a relevnciaatribuda s excepes.

    708

  • los diplomados ou licenciados fornecidos pelos cursos actuais15.Temos ento, em resumo: criao a latere, ou tolerncia espor-dica e limitada, de substitutos funcionais parcelares algunsmais nominais do que efectivos , ou de actividades subcompen-satrias.

    Sendo assim, interessa aclarar a significao da actuao so-cial de resistncias institucionais que conduziu a este resultado16.

    10- Foi Alain TOURAINE que referiu ([29], p. 459) a im-portncia de se reconhecer a natureza contraditria das socie-dades que participam da civilizao industrial e que so ao mesmotempo tradicionais e tambm que participar da civilizao in-dustrial implica apelar para os modelos racionalizadores (nosentido weberiano cf. [25], p. 172), enquanto que a sociedadetradicional se refere s caues meta-sociais da ordem social(TOURAINE, passim). Ora, como nota o mesmo autor, a socio-logia cientfica no se formou por acaso ou como resultante deum trabalho paciente de acumulao e explicao das suas mar-ches. Ela situa-se historicamente, como qualquer outro tipo deconhecimento, mas, situada como cincia e no como doutrina,formou-se somente com o nascimento da civilizao industrial

    15 Veja-se a este respeito: [10.a]> p. 462. Por outro lado, e tomando

    apenas um exemplo: vo crescendo as solicitaes para a realizao de inqu-ritos de ndole sociolgica ou psicossociolgica; mas para fornecer respostascorrectas aos problemas formulados pelas entidades que solicitam esses estu-dos, necessrio se yai tornando ultrapassar a pura recolha do factual, o sim-ples inqurito social, o estudo descritivo, socio-grfico, elementar, e atingiro plano da elaborao terica e conceituai, da socio-logia com todos osproblemas de rigor metodolgico (e no simplesmente tecnolgico, como dema-siadamente se tende a pensar) que ento se colocam. Quantas pessoas haverem Portugal capazes de transcrever um problema dito concreto em lingua-gem de anlise cientfica, de elaborar o esquema terico que lhe corresponda,de fazer a passagem deste para o plano de anlise dos dados a recolher, deassegurar a validade operatria dessa recolha, etc., em suma: de estabelecere controlar de forma correcta um plano de investigao sociolgica investi-gao pura ou aplicada, pouco interessa aqui completo?

    Mais adiante se apresentam argumentos em abono da posio de quedecorrem estas consideraes.

    16 Como se sabe, uma anlise pode ser conduzida numa perspectiva

    funcionalista (nomeadamente se alargada pela incluso de noes como a dedisfuncionalidade ou a de substitutos funcionais), mas pode tambm, porexemplo, orientar-se preferentemente para o estudo das estruturas ou aindapara a pesquisa do sentido-significao. At aqui utilizei, para a abordagemdo problema em causa, essencialmente um modo de anlise correspondente aoprimeiro daqueles tipos. Convir agora, para por em relevo outra espciede mecanismos, se no enveredar abertamente por um modo de anlise exclu-sivamente do terceiro tipo, pelo menos entrar em conta com elementos quedele relevam.

    709

  • [...]; e a mais fundamental Ldas suas caractersticas cient-ficas] consiste em eliminar qualquer referncia, explcita ou im-plcita, a absolutos meta-sociais ([29], pp. 457-458). A pri-meira condio de uma anlise sociolgica o reconhecimento danatureza social dos factos sociais ([29], p. 40),

    Por outro lado, numa comunicao acerca de Desenvolvi-mento e modernizao da sociedade portuguesa, apresentada em1965, A SEDAS NUNES depois de apontar o contraste entreuma sociedade tradicional, que essencialmente repositrio dopassado [...] e uma sociedade moderna, que essencialmente la-boratrio do futuro, e de lembrar que uma sociedade voltadapara o futuro [...] contesta, pe em causa e discute o que nela herana do passado notava: alguns desejariam que essa con-testao, inelutvelmente implicada no processo de desenvolvi-mento, se confinasse em sectores bem delimitados, deixando tudoo mais inclume ([2],p. 248).

    Confrontemos estes dois grupos de citaes e retornemos aquesto acima posta: porqu as resistncias institucionais? Noser que se receia que as cincias sociais representem um prin-cpio de contestao generalizada, que ponha em causa as cau-es meta-sociais da ordem social? Industrialize-se (j que ano h alternativa possvel) ou seja: apele-se para os mode-los racionalizadores na esfera da organizao da produo (porexemplo, a organizao cientfica do trabalho, etc), mas man-tenha-se circunscrito esse apelo; no restante continue-se, tantoquanto possvel, a tomar como referncia os absolutos meta-so-ciais (que constituem parte da herana do passado), Participe--se da civilizao industrial no que toca produo, mas pro-cure-se manter a sociedade tradicional.

    E sendo assim no custa a perceber a razo de ser da ausn-cia entre ns, por exemplo, de sociologia. Permita-se-me salien-tar e foi nesse sentido que no incio do artigo referi o seucarcter paradigmtico que exactamente a sociologia, de en-tre as vrias cincias sociais, a que mais se presta a servir deteste, aquela cujo lugar numa determinada sociedade mais cla-ramente significa acerca dessa sociedade, justamente por ser aocontrrio, p. ex., da Economia17 a que mais dificilmente sedeixa reduzir a mero utilitarismo; como diz ainda TOURAINE: umasociologia das sociedades industriais ou em vias de industriali-zao tanto mais necessria quanto ela representa cada vezmais uma reflexo crtica das nossas sociedades sobre si mesmas,Da tambm a fora dos obstculos com que depara ([27], p. 98).

    17 Vd. [.6], p. 1003, e cf. [7], p. 1027.

    710

  • 11. Resta ainda elucidar um ponto: porqu terem sido, ape-sar de tudo, possveis os tais substitutos funcionais parcelares,porqu ter havido resposta, ainda que distorcida? Vrios ele-mentos de resposta encontram-se j esparsos ao longo do textoprecedente; podemos resumi-los em termos de reduo de ten-ses manifestadas no mercado do trabalho, satisfao de cer-tas necessidades do sistema de produo de bens e servios; epoder-se- provavelmente acrescentar-lhes uma certa tendnciapara se no se aparecer internacionalmente como demasiado re-tardado em matria de evoluo cultural. Interessa mais, porm,pr porventura em evidncia outro aspecto: que um substitutoparcelar quando o seccionamento se faz segundo os critrioslatentes que correspondem ao presente caso no s uma res-posta reduzida, no uma resposta em escala reduzida: umaresposta outra outra porque tecnicista, estritamente utilitarista,em vez de cientfica no fundo anti-cientfica. O que, diga-se depassagem, ainda mais grave perigoso no caso das cinciassociais do que em qualquer outro tipo de disciplinas. Mas a tudoisto se far adiante referncia mais detalhada.

    II

    PARA UMA FORMAO EM CINCIAS SOCIAIS12. Tentei at aqui caracterizar, ou analisar, a situao do

    ensino das cincias sociais entre ns, assim como as suas recen-tes alteraes. Tentarei agora fornecer uma contribuio paranovas alteraes necessariamente mais radicais, j que se tra-taria de criar um verdadeiro ensino de cincias sociais, possibi-litando uma real formao nessas matrias.

    Para tal, interessa considerar, quer os imperativos externosem nome dos quais se pode (deve) insistir na criao duma for-mao dessa ordem, quer os seus requisitos internos, as exignciasque decorrem da sua prpria natureza e especificidade. Na im-possibilidade, porm, de tratar exaustivamente a questo parao que seria necessrio no um artigo, mas um livro abordareiapenas alguns desses imperativos e requisitos, seleccionados oupela sua importncia intrnseca ou por nem sempre serem osmais apontados.

    A. Imperativos Externos

    13. Pode pr-se o problema: para alm da satisfao dacuriosidade, da vontade de saber e de cientificamente saber para qu dermas sociais? A resposta pode ser dada por refe-

    111

  • rncia quilo que constitui o desafio maior do nosso tempo: o de-senvolvimento. verdade que este tema as cincias sociais eo desenvolvimento tem sido amplamente tratado numa litera-tura que vai sendo j internacionalmente abundante. Mas no menos verdade que, nomeadamente num certo nmero de pases,entre os quais o nosso, existem to poucos indcios concreti-zao social de percepo do problema, que vale a pena repi-s-lo.

    Como escreve Friedrich SCHNEIDER, Presidente do ComitInterino da Conferncia Ministerial sobre a Cincia, da O.C.D.E.,no prefcio ao relatrio sobre As cincias sociais e a polticados governos18: numa poca marcada pelo desenvolvimento r-pido do progresso cientfico e tcnico, particularmente visvel naindustrializao e nas modificaes que da resultam para a cul-tura e para as sociedades, as cincias sociais tm um papel vitala desempenhar para que se torne possvel a identificao, a com-preenso e a interaco dos problemas humanos e sociais levan-tados pelos rpidos progressos da cincia, cia tcnica e da meca-nizao. Por isso tm necessariamente uma contribuio a dar aodesenvolvimento das nossas sociedades e da civilizao [...]([23], p. 7). Em termos de aco, o conhecimento cientfico uma mediaoe no a nica; mas uma mediao cada vez me-nos dispensvel. E quando a aco visa explcita e directamentea sociedade, o conhecimento do social verdadeiramente impres-cindvel, sob pena de se multiplicarem as actuaes ineficazes,quando no at o agravamento das situaes a corrigir.

    A ilustrao das consideraes precedentes pode ser feita nosmais variados campos. Entre os mais importantes encontra-se o doplaneamento- O desenvolvimento no apenas uma situao, mastambm uma aco voluntria e uma reivindicao como temvindo a ser lembrado com insistncia por, entre outros, AlainTOURAINE19. Ora, a planificao (ou pode ser) justamente umdos instrumentos privilegiados dessa aco voluntria tendentea promover o desenvolvimento. Trata-se, porm, de um instru-mento exigente e difcil. A esse respeito se diz, ainda no referidorelatrio da O.C.D.E.: [...] os processos de planificao cadavez se revelam mais complexos e difceis de manejar. O esforode previso no pode satisfazer-se com projeces ou com extra-polaes, deve apoiar-se numa viso clara das interdependnciassociais. [...] O desenvolvimento j no pode exprimir-se unica-mente em termos de investimentos e de produo, de priorida-

    18 Deste relatrio e da reunio que o originou foi dada notcia em

    Anlise Social, vol. IV, n. 14, 2. trim. 1966, p. 355.19 P. ex., em: Alain TOURAINE, Le rationalisme liberal de Michel

    Crozier (Sociologie du Travail, 6e anne, n. 2, Avr.-Juin 1964: pp. 188-197),p. 192.

    712

  • des a estabelecer entre dados econmicos somente. [...]Um grandenmero de projectos que se justificam perfeitamente sob um pontode vista econmico requerem, para alcanarem sucesso, conheci-mentos psicolgicos, sociolgicos, culturais, cuja ausncia ou insu-ficincia comprometem a aplicao das decises. ([23], p. 19).

    Do mesmo teor so as consideraes de Claude GRUSONdirector-geral do Instituto Nacional de Estatstica e dos Estu-dos Econmicos (Frana) e, nessa qualidade, personagem dasmais responsveis no sistema francs de planificao , quer numartigo cuja traduo foi publicada em Anlise Social ([2]), quernoutros textos e intervenes20.

    Por outro lado, se se considerar, no o objecto do planea-mento, mas o prprio planeamento como objecto, pode acentuar-se, como Michel CROZIER, que se torna indispensvel conheceros limites de ordem essencialmente psicossociolgica que pesamsobre as decises e encontrar os processos de integrar tal conhe-cimento num raciocnio global ([1], pp. 75-76).

    14. Mas no s relativamente Economia e s suas apli-caes que as restantes cincias sociais aparecem como devendofornecer um contributo importante como tambm no bastaafirmar que a necessidade de uma poltica organizada da cin-cia, reconhecida no caso das cincias exactas e naturais, nosurge como menor no caso das cincias sociais ([23], p. 7).

    No h que argumentar a todo o custo em termos de umaespcie de paralelismo ou simetria entre, por um lado, as cin-cias exactas e naturais e, por outro lado, as cincias sociais ehumanas. Porque, como tambm se diz no j citado relatrio daO.C.D.E. depois de se sustentar que as cincias sociais devemestar representadas nos organismos consultivos encarregados deaconselhar os governos em matria de poltica da cincia , estarepresentao desejvel no apenas para o desenvolvimentocoerente das prprias cincias sociais: tem interesse directo paraas cincias exactas e naturais, dada a importncia dos factoressociais e econmicos em jogo na aplicao dos seus prprios re-sultados ([23], p. 79). Dizia-o j J. D. REYNAUD (quando aO.C.D.E. no tinha ainda publicado este relatrio e se referiaapenas s cincias em geral): Com efeito, para um socilogoseria estranho que se falasse dos efeitos da cincia nas nossassociedades e do uso que estas dela podem tirar sem nos aperceber-mos de que este problema no exige apenas uma tomada de cons-cincia, mas necessita um estudo; mais exactamente um estudode cincias sociais, pois se trata de compreender como se desen-volvem, se organizam e se difundem nas nossas sociedades o en-

    2 V d o p. ex.: [17].

    713

  • sino e a investigao. Por outras palavras, parece-nos que ascincias sociais devem ser includas num tal projecto por duasrazes: primeiro, porque elas fazem parte das cincias, com umlugar modesto, mas com problemas particulares; depois, porqueelas podem, por excelncia, fornecer o meio de analisar os dadossobre os quais se apoia qualquer poltica cientfica ([&4], p. 229).

    Anlogas posies tm j sido tomadas entre ns, e nestamesma revista, por exemplo as de M. MURTEIRA ao referir-se aO planeamento da Investigao Cientfica nos pases em desen-volvimento ([6]). E vem a talhe de foice lembrar o que, j em1954, escreveu Pierre DE BIE numa publicao da U.N.E.S.C.O.,pois que, embora incluindo uma afirmao manifestamente exa-gerada, tem o mrito de salientar um ponto essencial: No querespeita aos pases menos desenvolvidos, talvez nem sempre setenha suficientemente reconhecido que as suas necessidades nadomnio das cincias socio-culturais so muito mais imperiosasdo que no das cincias da natureza. Um pas menos desenvolvidopode muito bem dispensar laboratrios de qumica ou de fsicae utilizar os resultados de investigaes feitas noutros pases,enquanto que no pode dispensar investigaes sobre os seus pro-blemas sociais e culturais: aqui a matria a estudar originale comporta repercusses particulares. no prprio local que necessrio estudar o problema e procurar-lhe a soluo ([15],p. 29).

    15. Cabe ainda referir aqui um outro aspecto importanteda poltica da cincia, no caso particular dos pases menos desen-volvidos.

    sabido que numa poltica da cincia h que distinguiruma poltica pela cincia conjunto de disposies tendentesa utilizar da melhor maneira os resultados e as possibilidadesoferecidas pelo conhecimento cientfico em todos os sectores davida nacional e uma poltica para a cincia: conjunto dedisposies visando organizar e estimular a expanso dos re-cursos cientficos e tcnicos, e assegurar nomeadamente os meiosfinanceiros, materiais e humanos indispensveis ao esforo de in-vestigao (cf. [23], p. 38-39). Ora, como sustenta M. MURTEIRAno artigo acima apontado: no caso de um pas como Portugal, mais decisivo o aspecto da poltica para a cincia do que o as-pecto complementar: pela razo simples de que o escasso poten-cial cientfico e tcnico disponvel, embora susceptvel de melhorutilizao a curto prazo, entrava qualquer perspectiva de melhoriasubstancial da situao existente ([6], p. 578).

    Estas observaes dizem respeito ao potencial cientfico etcnico em todos os ramos do conhecimento mas se encararmos especificamente o caso das cincias sociais elas tomam ainda

    tu

  • maior acuidade. Porque as possibilidades actuais de um suficientedesenvolvimento destas cincias aparecem entre ns como catas-trficamente diminutas, impe-se afirmar e repisar posies dotipo das que foram citadas. E tanto mais quanto aparecendooficialmente referida desde 1965 (na Proposta da Lei de Meiose no relatrio do Oramento Geral do Estado para 1966) a neces-sidade de uma poltica cientfica nacional e tendo sido iniciadaa criao das estruturas institucionais que tomaro a seu cargotal poltica pode o momento presente conter, no que toca scincias sociais, quer o germe (que se desejaria efectivo) dumaviragem fundamental, quer as condies do prolongamento dasua situao actual; situao que de todas a mais desfavore-cida, no seio do geral sub-desenvolvimento cientfico.

    16. Foi posto em evidncia, nesta parte dedicada aos impe-rativos de carcter societal, externos, que mais fortementerequerem a criao de uma formao de especialistas em cinciassociais, o contributo que o conhecimento cientfico do social podefornecer para (entre outros aspectos) a formulao de decisesmais adequadas aos fins a atingir. Convm, contudo, acrescentaralgumas consideraes a esse respeito, no sentido de delimitaressa contribuiopor ser este um dos pontos em que o rela-tivo desconhecimento, acerca da natureza e dos propsitos destascincias21, mais frequentemente gera certo nmero de equvocose de indevidas extrapolaes. Alm de que, como lembra aindaM. MURTEIRA: a utilizao da Economia pela poltica social ambgua, e tanto pode significar uma vontade de progresso, comoum disfarce de situaes radicalmente avessas a esse progresso,apenas dispostas a justificarem-se com o apoio dos cientistas e tc-nicos sociais ([7], p. 1027). Ora, o que aqui se aponta relati-vamente Economia, poderia igualmente dizer-se a respeito deoutros ramos do conhecimento e de outras formas de interven-o; definam-se, pois, as responsabilidades.

    Conforme disse atrs, o conhecimento cientfico do socialconstitui uma mediao cada vez mais imprescindvel para aaco sobre a sociedade, para a interveno social. O trabalhode investigao pode tornar mais claros os diferentes termos deuma escolha (cf. [23], pp. 32-33), permite fundamentar a defi-nio de uma estratgia nomeadamente pela anlise crtica dos

    21 Jeanne PARAIN-VIAL abre o seu livro La nature du fait dans les

    sciences humaines (Paris, P.U.F., 1966) com a seguinte advertncia: Estelivro destina-se muito menos aos especialistas das cincias humanas, queconhecem melhor que ningum os limites da sua cincia, do que ao sensocomum que espera delas demasiado ou demasiado pouco.

    115

  • mecanismos a pr em jogo e da articulao das diversas etapase das medidas a tomar; mas no dispensa as opes sobre osfins a atingir. E estes relevam, de facto, de escolhas inelutvel-mente polticas, que necessariamente envolvem, ou os interessesdos grupos atingidos pelas consequncias da adopo de estasou aquelas medidas, ou/e o plano da doutrina e dos valores so-ciais. Como diz Jean MAISONNEUVE: Nenhuma praxis pode dis-pensar uma axiologia e aqueles que pretendem furtar-se-lhe optamna realidade por um activismo manobrador, ou mistificador, ousimplesmente trapalho22. A intensificao do investimentocientfico no processo de tomada de decises permite efectiva-mente reduzir nestas a parte de aposta-suputao que inevita-velmente contm e, concomitantemente, deslocar para diferentenvel de generalidade-depurao a opo valorativa; mas esta no nunca inexistente (contrariamente ao que, implcita ou expli-citamente, se pressupe em certas iluses tecnicistas). O conhe-cimento permite melhorar a adequao entre as mediaes instru-mentais e os objectivos a atingir, assim como aumentar aracionalidade interna quer de um sistema de meios quer das suasarticulaes complexas com um sistema de fins; mas no eliminaa necessidade de fixar esse sistema de fins 2j.

    B. Requisitos Internos

    17. At aqui, nesta II Parte, tenho considerado s a utili-dade social (societal) do conhecimento do social e da o terempregue a expresso: imperativos externos. Mas o conheci-mento tem as suas exigncias especficas, os seus imperativosou requisitos internos. Ele prprio produto social de uma prticasocial embora de uma prtica cuja lgica interna a diferenciade outros tipos mais generalizados so complexas as relaes--tenses24 que se estabelecem entre produo e apropriao-uti-lizao dos objectos-conhecimento, como complexos so tambmos processus de produo-criao, de transmisso-difuso ouainda de codificao-aplicao. Dir-me-o que neste artigo se tratafundamentalmente de ensino e que bastar considerar o que a

    22 Jean MAISONNEUVE, Un schma d'intervention psycho-sociologique

    breve pour des collectivits structure simple (Revue Franaise de Socio-logie, vol. VI, n 2, Avr.-Juin 19-65: pp. 191-202), p. 191.

    23 Acrescento-se, j agora, que quando os agentes sociais dos sistemas

    de meios, esquecendo a natureza instrumental destes, tendam a consider-loscomo autnomos, se entra numa via propriamente patolgica.

    24 No encontro outra forma de dar a ideia que corresponde ao termo

    francs rapport quando oposto a relation.

    116

  • este diz respeito; mas a verdade que, sem ter em conta, expl-cita ou implicitamente, o conjunto do ciclo e as relaes-ten-ses entre os seus vrios momentos, se cair exactamente nomesmo tipo de situaes patolgicas a que aludi, em 11., a prop-sito da relao entre tcnica e cincia. Sempre que se isole umtermo derivado, tender-se- para uma qualquer forma de dege-nerescncia que pode ir at teratologia.

    Porque o ensino difuso de conhecimento, no convenienteconsider-lo sem referncia criao do mesmo. E porque ele tambm transmisso de modos-de-fazer, preparao profissional,convir interrogarmo-nos sobre a ligao entre a cincia e a tc-nica, entre o saber e o saber-fazer.

    18. As tcnicas, se encaradas na sua relao com o conhe-cimento cientfico, aparecem como degradaes (de-gradaes).Necessrias, certamente; mas, mesmo assim, resduos codifica-dos. Com o risco de esclerose e, no limite, de coisificao e ritua-lizao, que da resulta. Se uma tcnica isolada do saber quelhe deu origem, dois tipos de deformao so de temer: um con-siste na reificao dos conceitos e na sua eventual fetichizao,o outro (ligado, de resto, ao primeiro) implica a perda da noo,quer dos campos de validade dos resultados cientficos, quer dosdomnios de aplicao vlida dos conceitos. que impedir a refle-xo ao nvel da teoria (no seu sentido mais pleno, ou seja:incluindo a reflexo sobre a adequao do conhecimento rea-lidade validade externa e sobre o rigor e coerncia das arti-culaes tericas e das mediaes instrumentais validade in-terna) significa eliminar a possibilidade de referncia retroactivas instncias crticas. Ora, s a crtica dos sistemas tericos per-mite pr em evidncia os seus fundamentos e os postulados laten-tes, sem o que as aplicaes podem facilmente tornar-se patol-gicas 25.

    Referi j o maior perigo da reduo tecnicista no caso dascincias sociais e humanas. Interessa indicar os motivos dessaafirmao. Um deles evidente: as tcnicas derivadas destascincias aplicam-se, imediata e no apenas mediatamente, aoshomens, com todos os riscos que uma tal situao comporta.Mas outros motivos existem, que vm acrescer os riscos de ma-nipulao e intoxicao eventualmente at sem que deles sedem conta os respectivos agentes. JS que as cincias sociais; so

    25 evidente que se alude aqui a um processo social (sejam quais forem

    no interessa agora as suas implicaes ao nvel da actividade cientficaindividual); enquanto prtica social que o conhecimento cientfico temestado a ser tratado.

    m

  • ainda proto-cincias: e quanto mais uma cincia incipiente,maior a necessidade de dominar o conjunto do saber que ela inte-gra para se poder avaliar a validade da transcrio operacionaldum fragmento desse saber. E tanto maior, neste caso, quantoo objecto do conhecimento das cincias sociais particularmentedifcil; como lembrou Jacques MONOD, prmio Nobel de biologia:o facto social duma complexidade superior ao facto biolgicoou psicolgico 26. Ora, o tcnico tende a no ter conscinciados pressupostos includos no conhecimento que lhe chega codi-ficado em tcnica e, por isso mesmo, no se apercebe facil-mente dos limites do campo de validade da sua aplicao.

    Pensa-se, por vezes, que por as cincias sociais serem jovens fcil formar tcnicos nelas competentes; nada mais errado justamente por serem incipientes, mal seguras ainda dos seuspassos, que estas cincias implicam uma formao difcil, se cor-recta. Esse o motivo de, ao ser discutida na Sociedade Francesade Sociologia a possibilidade de vir a ser criado um diploma deperito socilogo, terem sido manifestadas tantas reticncias esempre posta em evidncia a necessidade imperiosa de uma vastaformao sociolgica genrica (mantendo-se, portanto, a posiodefendida 10 anos antes por Pierre DE BIE cf. [15], p. 95);como apontou TOURAINE: a criao de uma profisso sociolgicano deve comear pelos escales mais baixos, mas sim pelos maisaltos 27. Sem o que se corre o perigo de ver surgir e vo japarecendo entre ns, por exemplo em matria de Psicologia,alguns indcios nesse sentido desde os inconscientes aprendi-zes de feiticeiro at queles escrocs Yk peu prs de quefalava Andr REGNIER.

    Mais haveria a dizer, at porque os problemas se pem dife-rentemente consoante se trata de socio-grafias ou de socio-Zo-gwis2S para no falar j das sociatrias. Mas estas considera-es vo j longas; seja-me, pois, concedido remeter o leitor, porum lado, para os apontamentos em torno das articulaes entreconhecimento cientfico e aplicaes, insertos na parte I-A, e, poroutro lado, para as judiciosas reflexes, acerca da relao tc-nicacincia, de V. MAGALHES GODINHO em [If\ (pp. 991 e 993) 29.

    26 Numa entrevista concedida ao jornal Le Monde, 9/12/65.

    27 Faut-i l crer un diplome d'expert-sociologue? (Socit Frana ise

    de Stociologie, ac ta do debate de 18/4/64, doc. po l i c ) , p . 5.28

    Sobre a distino en t re grafias e logias considere-se o que decorreda nota 15.

    29 Permita-se-me, uma vez que cito este ar t igo, sa l ientar que me no

    parece conveniente perpetuar a amlgama entre cincia (a inda que dohomem) e humanismo, pois que este constitui uma axioliogia. Que pode e porque n o ? s e r v i r - s e do conhecimento cientfico; mas que no deixa,por isso, de ser a-cientfico (ainda quando meta-cientfico), como qualquer

    718

  • 19. Consideremos agora a articulao entre a criao e adifuso do conhecimento cientfico. Tem o problema vindo a serdebatido entre ns em termos de separao e at de autonomiaou, pelo contrrio, de reunio, de duas funes: pesquisa e docn-cia. E devo dizer que me inclino mais para as posies defendidas,por exemplo, por M. RODRIGUES LAPA e ainda recentemente ex-pressas de novo ([9]) do que para as posies dos que se lheopem porque creio que tinha razo A. CELESTINO DA COSTAao afirmar que a funo docente e a de investigador exigemqualidades muito diversas, que podem coexistir, mas que no foroso nem muito vulgar que coexistam ao.

    Pe-se, contudo, o problema de forma particular, quando decincias sociais se trata. E os motivos so, pelo menos parcial-mente, idnticos aos que atrs apontei a propsito do maior perigoda reduo tecnicista no caso destas cincias. Porque inacaba-das, por no possurem por enquanto um corpo bem definidode conhecimentos incontestados, por inclusivamente se debateremainda com incertezas sobre o seu prprio estatuto epistemolgico,pode nelas ser inconveniente, do ponto de vista cientfico, entre-gar o ensino a um no-investigador; este conhece os livros, masno se encontra directamente confrontado com a opacidade doreal enquanto objecto de conhecimento (pois que s como actorsocial a defronta).

    que a especificidade das cincias do social provm dascaractersticas peculiares que nelas reveste a relao observadorobjecto; a relao do cientista com o seu objecto de anlise peproblemas mais graves no caso das cincias sociais do que no dascincias ditas da natureza. Todo o observador, porque indivduo, necessariamente actor/agente social; ora, a relao de cadaindivduo com o seu campo de aco histrico-social processa-semediante uma pr- ou para-sociologia decorrente, por um lado,da prpria prtica social, mas tambm mais ou menos fortementeimpregnada de factores ideolgicos. Da existncia dessa pr- oupara-sociologia resulta, ao contrrio do que muitas vezes sepensa e nunca ser demais sublinh-lo no uma maior fa-cilidade na apreenso do raciocnio cientfico sobre a realidade

    outra axiologia. No se veja aqui nesta matria todos os cuidados sopoucos... um qualquer cientismo; creio sim que se, por um lado, nem sde cincia vive o homem (e ainda bem), por outro lado necessrio se tornao maior rigor no aprofundamento cientfico; e o rigor comea pela delimi-tao entre cincia e no-cincia. Sejamos todos humanistas, se assim o qui-sermos; sejamos tambm cientficos, aqueles que assim o desejarmos; contro-lemos humanisticamente a utilizao do conhecimento cientfico, se for essa nossa escolha; mas no identifiquemos a priori humanismo e cincia.

    30 Citado em [0], p. 347.

    719

  • social, mas sim um dos grandes obstculos com que depara essaapreenso, quer na medida em que a atitude cientfica em matriasocial pressupe exige distanciao relativamente aos valoressociais (visto estes fazerem parte de objecto a analisar), quer aindaporque os elementos do conhecimento corrente pr-cientfico po-dem funcionar como crans, dificultando o acesso s noescientificamente elaboradas31. Supondo resolvidas todas as ques-tes de honestidade intelectual, resta o problema da obliteraoideolgica; ainda que solucionado este, fica de p a dificuldadede decantar, a partir do magma intervencionista-utilitarista-nor-mativo (o homem age, intervm para, e a prtica processa-se nosvalores e no fora deles), a possibilidade de uma atitude anal-tico-observadora; e, ainda que atingida esta, resta formar a capa-cidade de, para ler o real, utilizar a mediao de novos con-ceitos.

    Do tomar conscincia de problemticas desta ordem decor-rem posies como as expressas pelo professor de sociologia que,ao referir a utilizao de mtodos pedaggicos activos, aponta:[...] tais mtodos, que visam modelar atitudes em face de umobjecto de anlise, parecem-nos especialmente apropriados noquadro da sociologia. No exige esta que seja posta em questoa experincia social do socilogo? Ento a formao do socilogono releva somente do plano abstracto dos conhecimentos inte-lectuais; deve, do mesmo modo, situar-se ao nvel das atitudesrelativas aos outros e sociedade. esta a nica forma de evitara promoo de um tecnicismo primrio, contrrio ao esprito deuma verdadeira crtica sociolgica ([16], p. 125). Na mesmalinha se situam observaes dos prprios estudantes, como as da-queles que, aps referirem vrias actividades que seria de desejarfazerem parte de uma formao sociolgica actual, acrescentam de-verem elas ser completadas por uma formao no-directiva. Estaformao deve permitir aos estudantes aprofundar as motivaesque os conduziram a escolher esta forma de actividade. Ela per-mitir-lhes- igualmente tomar conscincia da estrutura da suapersonalidade e poder objectivar os valores atravs dos quaisabordam a realidade social quando participam numa investiga-o ([30], p. 154).

    No parecer, ento, estranho que LVI-STRAUSS continue areferir32 as particulares dificuldades de relao observadorobjectono caso do conhecimento do social, dentro da mesma ordem de

    31 Formular assim esta problemtica equivale, em diferente linguagem,

    a abordar questes como a das relaes concretoabstracto, realpensamento,efectivovirtual, etc. No aqui o lugar para desenvolver estes aspectos.Permita-se-me somente lembrar a frase de LANGEVIN: O concreto o abstractotornado familiar pelo uso.

    32 Vd., ex., [20], pp . 582-583.

    720

  • ideias que o levara j, em 1954, a defender a existncia de ana-logias entre a formao de um antroplogo e a de um psicana-lista ([19], p. 127): ambas exigem uma transmutao psicol-gica. Mas esta transmutao s pode ser estimulada e verificadapor algum que por ela j tenha passado; e a menos que todosos professores de cincia do social fossem submetidos a umaforma especfica de formao tendente a obter esse resultado parece muito mais provvel encontrar reunidas estas condiesnum investigador (que a elas levado pela prpria prtica dainvestigao) do que num puro difusor-docente.

    20. Existe uma objeco possvel a este ponto de vista. que consideraes deste teor, se importantes para as logias,seriam muito acessrias no caso das grafias. Esta posio no errada mas insuficiente. verdade que as dificuldades darelao observadorobjecto, nas cincias sociais, so muito maisimportantes e evidentes quando est em jogo o nvel analftico-in-terpretativo do que quando se pretende apenas um estudo descri-tivo, factual. Convm, no entanto, salientar mais alguns pontos.Em primeiro lugar: a ideia de uma equivalncia entre grafiase logias epistemolgicamente incorrecta. Em qualquer estudo,por muito simplesmente descritivo que ele seja, encontram-se in-tegrados elementos de logias; no existem leituras directas doreal, qualquer leitura pressupe a mediao de conceitos, e estespertencem s logias; o que acontece frequentemente fazer-seuma utilizao a-crtica, porque no consciente, de noes de talmodo tornadas correntes que se pensa ter-se acedido ao factobruto, ao concreto (veja-se a frase de LANGEVIN citada na nota31). Se em grande parte dos estudos descritivos elementares estailuso no ocasiona inconvenientes graves, nem sempre, no en-tanto, assim; e, de qualquer forma, certamente prefervel,do ponto de vista metodolgico, ter-se a conscincia das proble-mticas correspondentes aos nveis mais exigentes e elaborados,ainda mesmo naqueles casos, situados a nveis mais elementares,em que essas problemticas ocupam um lugar menos fulcralmenteestratgico. Em segundo lugar: desde que um estudo, seja ele omais socio-grfico, recorra, para a recolha de informao, a umarelao inter-pessoal (o que extremamente frequente, dada avoga dos inquritos por questionrio ministrado por inquirido-res), e mesmo que o tratamento dos dados a apurar no ponhaproblemas particulares da ordem dos atrs apontados, estar sem-pre em jogo a atitude do entrevistador na relao inquiridor in-quirido, o que de novo vem colocar questes includas nas queforam referidas no ponto 19.

    Acrescente-se ainda: a relao grafiaslogias que, dum pontode vista epistemologia, subordina aquelas a estas, deve compor-

    721

  • tar tradues no plano das prticas sociais ligadas ao conheci-mento. No minha ideia afirmar que todos os estudos no seuduplo sentido: estudos=investigaes, anlises, mas tambm estu-dos =transmisso do conhecimento se devem situar no plano daslogkis; mas parece-me imprescindvel acentuar que cientifica-mente (e at socialmente) perigoso acreditar que, e procedercomo se, os conhecimentos e as investigaes de carcter socio-grfico pudessem transmitir-se e fazer-se sem controle de, e re-ferncia a, instncias (quer subjectivas, quer institucionais) quedependem de e remetem para a teoria e a metodologia. No poracaso que Edgar MORIN refere a importncia, para a sociologia,de no cair no terra-a-terra emprico que esconde o mais dissi-mulado dos dogmatismos, aquele que se ignora a si prprio, por-que escamoteia todos os problemas de mtodo e de intelignciareduzindo-os a questes tcnicas ([22], p. 105); como no poracaso que TOURAINR, falando da tentao de se privilegiarem asabordagens descritivas, frequentemente de expresso estatstica,se lhes refere em termos de inqurito sociogrfico cego ([26],p. 21).

    21. Henri JANNE chamou a ateno para o facto de que ocientista como homem e os corpos cientficos como grupos noescapam presso inconsciente do social interiorizadoP5. E noparece possvel conseguir a eliminao dessa presena (veja-se, aesse respeito, p. ex.: IH]). Mas possvel, sim, fazer recuar oplano em que intervm essas presses inconscientes, por forma,por exemplo, a que o social interiorizado tenda a manifestar-seapenas pelas suas componentes culturais de carcter mais gen-rico, muito para alm, portanto, dos particularismos culturaise subculturais associados obliterao ideolgica e s preocupa-es finalistas a que atrs fiz referncia. Da a necessidade detal transmutao psicolgica.

    Ou seja: h um trabalho a efectuar sobre o prprio cientista,trabalho que tende a revelar-lhe nveis profundos da sua perso-nalidade, que participaro at do seu inconsciente; e isto porqueo estatuto do objecto ltimo de anlise das cincias sociais tam-bm o de um inconsciente ?4. A partir do momento em que se

    3 3 Henri JANNE, Introduction: Les cadres sociaux de Ia sociologie

    (Cahiers Internationaux de Sociologie, vol XXVI, Janv.-Juin 1959: pp. 3-13),p. 8. O sublinhado meu F. A.

    O Autor acrescentava: [ . . . ] Quantos raciocnios no passam de racio-nalizaes? Quantas teorias no so mais do que ideologias no sentido deKarl Marx ou, se se preferir, derivaes no sentido de Vilfredo Pareto?

    3 4 A no confundir com noes como a de inconsciente colectivo

    ( J U N G ) , por exemplo.

    722

  • reconhece que os dados mais no so do que indicadores, sinaisque remetem para variveis cujo sentido fornecido por uma an-lise conceituai decorrente-constituinte da teoria, h que admitirque a dificuldade essencial reside neste remetem. O que equivalea dizer que o que importa procurar reconstituir, em sentidoinverso, a articulao que, no prprio real, une os dois nveisanaliticamente isolados. porque a significao social de umaaco no se confunde com o sentido que o actor social lhe atribui([29], p. 26) [...], porque de certa maneira a sociologia oestudo do inconsciente social, que os maiores sucessos foramobtidos no estudo dos sistemas simultaneamente os mais natu-rais e os menos conscientes, os que so estudados pelo etnlogo{[26], pp. 4-5).

    22. Veio tudo isto a-propsito da articulao entre criaoe difuso do conhecimento cientfico e, mais particularmente, darelao entre pesquisa e docncia, no caso especfico das cinciassociais.

    Est-se perante duas ordens de factores parcialmente con-traditrias. Por um lado, no h dvida de que as aptides, as qua-lidades (e at o temperamento) requeridas pelo exerccio de cadauma destas funes no so coincidentes, podendo mesmo ser,em parte, antagnicas. Por outro lado, o que atrs disse tende asustentar que ao menos alguns dos requisitos peculiares do en-sino das cincias sociais exigem, para serem satisfeitos, disposi-es que menos dificilmente se encontraro num investigador doque naquele que s exera a funo docente. Resta, ento, encarara forma de articular os elementos contraditrios.

    Diga-se desde j que nada se ganha em pura e simplesmenteamalgamar ou identificar as duas funes; quer por aquela dife-rena de qualidades pessoais, quer porque as formas institucio-nais e organizacionais mais adequadas a uma delas podem noser as mais apropriadas para a outra. Convir, portanto, que osestatutos sociais associados, quer funo docente, quer funo de pesquisa cientfica, se tornem realidades prprias e au-tnomas.

    Por outro lado: no se v motivo para que todos os investi-gadores sejam professores; ou, por outras palavras (que melhorcorrespondem forma como o problema por vezes posto): noh qualquer justificao antes pelo contrrio para que s osprofessores investiguem, ou para que toda a investigao estejaligada ao ensino, ainda que superior35. Mas vem-se fortes ra-

    35 Ponto que no desenvolvo por ser este artigo centrado no na inves-

    tigao, nem na relao pesguisa-ensino, mas sim no ensino.

    72S

  • zoes para que os docentes, fio campo das cincias sociais, estejamsimultaneamente implicados, em maior ou menor grau, em acti-vidades de investigao. E tanto mais implicados quanto maisanaltico-interpretativa, e menos simplesmente descritiva, for amatria de que se ocuparem.

    E mais: convir encarar novas formas, mais maleveis, deligar os investigadores s funes docentes a novas funesdocentes. O que pressupe uma profunda transformao do sis-tema educacional, quer nos seus mtodos pedaggicos, quer nassuas estruturas institucionais ambas as coisas decorrendo, deresto, de novas formas de encarar a transmisso do conhecimento,de que foi dado atrs um plido exemplo ao apontar-se que im-porta no s a aquisio de conhecimentos-informao, mas tam-bm (principalmente?) a de uma nova atitude em face da realidade.Importa no tanto o saber factos como o saber olhar, o aprendera disponibilidade intelectual para ler o real e, particularmente, lera novidade no real.

    Concluso

    PARA UM ENSINO DAS CINCIAS SOCIAIS EM PORTUGAL

    Indicadas algumas caractersticas da deficiente situao doensino superior das cincias sociais entre ns, e apontados as-pectos, quer dos imperativos externos, quer dos requisitos in-ternos de uma formao efectiva nesse campo do conhecimento, chegada a ocasio de propor algumas ideias, e fornecer indica-es, com vista a possveis modalidades de incremento daqueleensino, em Portugal36.

    23. A ideia-base a de que importa quebrar o crculo vi-cioso do subdesenvolvimento do conhecimento cientfico do so-cial. E no se v como faz-lo sem passar pela criao de umensino que vise a formao de autnticos cientistas sociais.

    H que perder a iluso da possibilidade de obter resultadossatisfatrios atravs dum simples ensino de aplicao. Como h

    36 Seria destitudo de sentido apresentar qualquer plano detalhado. S

    se justificaria elaborar e relatar um tal plano se se lhe reconhecesse algumapossibilidade de eficcia prtica. Mas, para isso, seria necessrio que ele seinscrevesse no quadro de uma transformao previsvel (at porque uma pro-posta desse teor conteria inelutvelmente implicaes, relativas a modifica-es estruturais do sistema universitrio, mais vultuosas do que a reformade qualquer Faculdade j existente), quadro do qual lhe viria, quer o est-mulo, quer a indicao das condies aos limites a ter em conta.

  • que acentuar que mesmo o ensino directamente profissional s vivel, em termos at de eficcia da prpria aco, se re-colo-cado no seio de uma diviso social da prtica tcnico-cientificaque compreenda todos os seus aspectos e no apenas os de carc-ter utilitrio. Ora, sendo assim, no pode haver ensino vivo emsociedade na qual no exista investigao. Mas, ento, torna-senecessrio que o sistema escolar forme pessoas capazes de inves-tigar 37. E, se se tiver em conta o que mais atrs indiquei acercade alguns aspectos da articulao criao difuso do conheci-mento no caso particular das cincias sociais, terse- a noo dopeso que este imperativo nelas assume38.

    Um outro problema, que tem sido muito debatido39, diz res-peito ao quadro institucional mais propcio para o desenvolvimentodo ensino destas cincias. Parece no oferecerem dvidas a di-ficuldade e os inconvenientes de enxertar cursos desta naturezanas faculdades tradicionais, nomeadamente se orientadas para osestudos jurdicos i0; mas est-se ainda longe de um largo acordoacerca da melhor soluo para este problema at porque eleum dos que mais fortemente pem em causa a estrutura actual,herdeira de um longo passado, da maior parte das Universidadesnos mais variados pases.

    , no entanto, possvel apontar as trs propostas de reno-vao em torno das quais se tm polarizado as discusses sobreeste assunto. Uma delas assenta na criao de Faculdades deCincias Sociais, gozando da mesma independncia e restantesprerrogativas das outras Faculdades pr-existentes. Uma outrainsiste na criao de Departamentos (a que tambm, por vezes depende da legislao de cada pas , se chama Institutos) noseio de Faculdades j existentes, por exemplo nas Faculdades deLetras. A terceira refere-se tambm a Departamentos (ou Insti-tutos) mas inter-Faculdades; em geral, vem esta posio asso-

    3 7 A importao, quer de pessoal qualificado, quer de conhecimentos,

    certamente necessria ^e constitui mesmo um recurso essencial na fasede arranque dum novo tipo de ensino), mas no ser nunca suficiente pa r aa resoluo doa problemas de fundo.

    3 8 As referncias, quer necessidade de vivificar o ensino atravs de

    ligaes estreitas com a investigao, quer importncia que se deve at r ibuir formao de investigadores, so extremamente abundantes. Consulte-se,p a r a nos conservarmos nas fontes e autores j citados: [23~\> nomeadamentepp. 26-27, 72-74 e 83-84; [13}, passim; [28], pp. 288, 290 e 292,

    39 Sobre um debate ainda recente, veja-se [21].

    4 0 Cf. [15] , pp. 15-18 e [#S], p . 73 ; um bom exemplo, acerca da oposi-

    o entre o esprito jurdico e as concepes actuais das cincias sociais, fornecido em: Jean TRICART, Role nouveau des seiences humaines (Pros-pective, n.8 12, Janvier 1965: n. especial: La recherche scientifique, FEta tet Ia Socit p p . 101-116), p . 111.

    725

  • ciada que defende a diminuio da importncia atribuda aoquadro-Faculdade e a acentuao do quadro-Universidade estesDepartamentos seriam, pois, Departamentos de Universidade, per-mitindo articular novos ensinos com alguns dos que so j minis-trados nas Faculdades existentes.

    Um exame aprofundado destas propostas exigiria, como evidente, largas pginas no aqui o lugar para o efectuar.Diga-se somente que qualquer das propostas traz consigo impli-caes diversas relativamente ao elenco de matrias compreen-dido na designao cincias sociais, e sua inter-ligao, assimcomo quanto a forma de solucionar os problemas ligados, quer aotipo de formao obtida no ensino secundrio, quer aos laos ou sua ausncia entre as matrias versadas nas actuais es-colas superiores e as que corresponderiam aos novos cursos. Poroutro lado, a escolha entre novas Faculdades e criao de De-partamentos, quer no seio de uma Faculdade, quer de Univer-sidade, arrasta problemas institucionais delicados formas deautonomia e de dependncia, estatuto dos membros do corpo do-cente, etc. e pe em causa, afinal, o conjunto do sistema univer-sitrio e at do sistema escolar em geral41.

    Uma outra questo, da maior importncia, diz respeito aocontedo do ensino das cincias sociais. De tudo o que fui dizendono decorer deste artigo, creio resultarem j consequncias bas-tante directas, ainda que genricas, relativamente a este ponto.E, de resto, na revista Anlise Social, publicou j Jean-Daniel REY-NAUD um artigo ([8]) em que aborda aquilo que de fundamentalh a expor sobre a questo, em pas que se encontra ainda emfase de carncia quase total nesta matria.

    Afirmou Edgar MORIN que o pensamento justifica-se porsi prprio mas, se for necessrio justific-lo, o socilogo poderdemonstrar que o pensamento oxignio da vida social 42. Serpreciso acrescentar que ainda melhor se aplica esta frase ao pen-samento sobre o social?

    Maro de 1968

    41 No por acaso que o Colquio de Caen (vd. [IS}) se prolongou este

    ano pelo Colquio de Amiens (15-17/3/68), onde foi tratado o problema daescola no seu sentido mais lato.

    42 E d g a r M O R I N , Le droit Ia rflexion (Revue Franaise de Socio-

    iogie, Vol . V I , n 1, Janv . -Mars 1965: pp . 4 -12) , p . 6.

    126

  • BIBLIOGRAFIA

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    [ 2 ] GRUSON, Claude Planeamento econmico e investigaes sociolgi-cas. Ankse Sociatt, vol. III, n. 9-10, 1. semestre 196-5: pp. 93-102.

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    [4 ]MAGALHES GODINHO, Vitorino As Cincias Humanas e um NovoHumanismo. O Tempo e o Modo, n. 43/44, Nov.-Dez. 1966:pp. 984-993.

    [ 5 ] MINISTRIO DA EDUCAO NACIONAL, INSTITUTO DE ORIENTAO PRO-FISSIONAL Possibilidades Educativas em Portugal (organizao esco*lar portuguesa). Nova edio, remodelada e actualizada pelo Dr. Fer-nando FALCO MACHADO. Lisboa, 1966, 347 p.

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    [ 5 ] R E Y N A U D , Jean-Daniel Sobre o ensino das Cincias Sociais.Anlise Social, vol. III, n.s 12, Out. 1965: pp. 429-440.

    [ 9 ] RODRIGUES LAPA, Manuel Consideraes sobre o ensino e a inves-tigao nas Universidades.Seara Nova, n. 1465, Nov. 1967:pp. 346-349.

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    SEDAS NUNES, Adrito Uma aproximao Sociologia.[a] Anlise Social, voL III, n. 9-10> 1. semestre 1965: pp. 7-72.

    727

  • [6] Parcialmente retomado, com alteraes, sob o ttulo Posio evocao da Sociologia em O Tempo e o Modo, n. 43/44, Nov.-Dez.1966: pp. 994-1021.

    \12~\ SEDAS NUNES, Adrito Desenvolvimento' e modernizao da socie-dade portuguesa. Comunicao apresentada oralmente no Semin-rio sobre Desenvolvimento Econmico, realizado em Novembro de 1965,em Lisboa, por iniciativa da Ordem dos Engenheiros. Transcrita emBoletim da Ordem dos Engenheiros, vol. 12, n. 3, Maio/Jun. 1967:pp. 243-265.

    [IS] SEDAS NUNES, Adrito Para a reforma da Universidade: um im-portante debate em Frana. - Anlise Social, vol. IV, n. 16, 4. trim.1966: pp. 684-696.

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    [15]DE BIE, Pierre L'enseignement de Ia sociologie, de Ia psychologiesociale et de Tanthropologie sociale. Em U.N.E.S.C.O., Les sciencessociales dans Venseignement suprieur. Paris, 1954: pp. 11-101.

    [16] GRANAI, Georges Quelques remarques sur 1'enseignement de Iasociologie dans les Facultes des Lettres et des Sciences Humaines. Revue de VEnseignement Suprieur (Paris), 1965 n. 1-2, Janv.-Juin(n. especial: La Sociologie): pp. 119-127.

    [17]GRUSON, Claude I/utilisation de Ia sociologie par les services pu-blics et par les services prives. Em Aspects de Ia sociologie fran-aise. Paris, 1966, Les ditions Ouvrires (Coll. LyEvolution de Iavie sociale, dir. P.-H. CHOMBART DE LAUWE) : pp. 139-147.

    [18~\ L A PALOMBARA, Joseph Le cincia social en los pases en desarrollo:Problema de culturizacin. Revista Espanola de ia Opinin Pblica(Madrid), n. 9, Jul.-Sept. 1967: pp. 9-43.

    [19]LEVI-STRAUSS, ClaudePlace de lranthropologie dans les sciencessociales et problmes poses par son enseignement. Em U.N.E.S.C.O.,Les sciences sociales dans lyenseignement suprieur: sociologie, psy-chologie sociale et anthropologie culturelle. Paris, 1954: pp. 102-133.

    [20] - LEVI-STRAUSS, Claude Critres scientif iques dans les disciplinessociales et humaines. Revue International des Sciences Sociales(U. N. E. S. C. O.), vol. XVI (1964), n.e 4: pp. 579-597.

    \21]MORAZ, Charles La cration ventuelle de Facultes de sciencessociales. Revue Franaise de Sociologie (Paris), vol. VI, n. 3, Juil.--Sept. 1965: pp. 336-341; seguido da transcrio do debate:pp. 341-348.

    [22]MORIN, Edgar L'enseignement de Ia sociologie, de Ia psychologiesociale et de Tantliropologie sociale. Em U.N.E.S.C.O., Uenseigne-ment des sciences sociales en France. Paris, 1953: pp. 93-114.

    728

  • [23] . O. C. D. E. Les sciences sodales et Ia politique des gouvemements.Paris, 1966, 115 p.

    [24] REYNAUD, Jean-Dardei Une poltique des sciences sociales. Revue Franaise de Sociologie (Paris), vol. VI, n. 2, Avr.-Juin 1955:pp. 225-233.

    125] TOURAINE, Alain Sociologie du dveloppement. Sociologie duTravail (Paris) 5. anne, n. 2, Avr.-Juin 1963: pp. 156-174.

    [26] TOURAINE, Alain Pour une sociologie actionnaliste. Archives Eu-ropennes de Sociologie (Paris), Tome V, 1964, n. 1: pp. 1-24.

    [27] TOURAINE, Alain La sociologie industrielle. Revue de VEnseigne-ment Suprieur (Paris), 1965, n. 1-2, Janv.-Juin (n. especial: Lasociologie): pp. 91-98.

    [28] TOURAINE, Alain Le sociologue, son travail et Ia socit. Socio-logie du Travail (Paris), 7 anne, n. 3, Juil.-Sept. 1965: pp 285-294.

    [29]TOURAINE, Alain Sociologie de VAction. Paris, 1965, ditions duSeuil, 507 p.

    [30] Un groupe d'tudiants de TUniversit de Paris Que pensent lestudiants de Ia formatioii sociologique actuelle?. Revue de VEnseig-ment Suprieur (Paris), 1965, n. 1-2, Janv.-Juin (n. especial: LaSociologie): pp. 149-154.

    129