Ambiente e desenvolvimento sustentável

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    AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL:REFLEXO SOBRE A EDUCAO AMBIENTAL NOMBITO DA GESTO AMBIENTAL EMPRESARIAL

    Marinez Gil Nogueira*

    RESUMO

    Este ensaio visa refletir sobre o cenrio de mudanas contemporneas no mundodo trabalho, ressaltando a incluso da problemtica ambiental na gesto daspolticas pblicas e privadas. Discute as possibilidades de existncia de espao nombito empresarial privado para realizao de processos de educao ambiental.Analisa que os problemas ambientais no podem mais ser compreendidos apenassob a tica centrada nas cincias naturais, exigindo uma anlise mais abrangenteque inclua o componente social, ampliando a questo para uma dimenso scio-ambiental. A estruturao deste trabalho apia-se em um estudo bibliogrfico,constituindo-se como uma reflexo terica dividida em trs partes. Na primeira,realiza-se um resgate histrico da emergncia da discusso ambiental e do

    paradigma de sustentabilidade do desenvolvimento nas sociedades capitalistas,enfatizando a institucionalizao no mbito internacional de programas deeducao ambiental. Na segunda parte, discorre-se a cerca da emergncia de

    polticas de gesto ambiental no mbito das empresas empresariais privadas,refletindo sobre o discurso de responsabilidade scio-ambiental empresarial. Naltima parte, realiza-se uma reflexo sobre as possibilidades de implementao deeducao ambiental no mbito empresarial, enfatizando a necessidade dedesvelamento das reais intenes dessa ao de educao sob a perspectiva desustentabilidade do desenvolvimento.

    Palavras-Chave: ambiente, empresa, desenvolvimento sustentvel e educaoambiental.

    ABSTRACT

    Environment and Sustainable Development: Reflection on EnvironmentalEducation in a Companys EnvironmentalManagement

    This paper aims at reflecting on contemporary changes in the world of work bypointing out the inclusion of environmental issues in the management of public

    * Docente do Departamento de Servio Social da Universidade Federal do Amazonas/UFAM,Mestre em Cincias Sociais na rea de Desenvolvimento Regional - UFRN. Doutora emBiotecnologia na rea de Gesto da Inovao - UFAM/INPA. Pesquisadora do Grupo

    Interdisciplinar de Estudos Scio-Ambientais e de Desenvolvimento de Tecnologias Apropriadas naAmaznia - INTER-AO/CNPQ. E-mail: [email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    and private policies. It discusses the possibility that there is space in privatebusiness to carry out Environmental Education processes. It states thatenvironmental issues require a broad analysis which should include the socialcomponent, rather than a look merely focused on natural sciences. Thus, the mattermay reach a socio-environmental dimension. This paper is based on a

    bibliographical study and its theoretical reflection is divided in three parts. Thefirst part presents a historical background of the environmental discussion and ofthe paradigm of development sustainability in capitalist societies, and emphasizesinstitutionalization of international Environmental Education programs. Thesecond part is about the emergence of policies in environmental management in

    private companies, and reflects on the discourse of a companys socio-environmental responsibility. The third part reflects on the fact that EnvironmentalEducation may be implemented in companies, and points out the need to revealwhat intention this educational action has from the perspective of developmentsustainability.

    Keywords: Environment; Company; Sustainable Development; EnvironmentalEducation.

    INTRODUO

    As inflexes da reestruturao produtiva sobre a classetrabalhadora revelam um processo de exacerbao da questo social nacontemporaneidade, evidenciada na ampliao do processo deempobrecimento e excluso social, visto que segmentos cada vezmaiores da populao tornam-se sobrantes, desnecessrios. Essa a raizde uma nova pobreza de amplos segmentos da populao, cuja fora detrabalho no tem preo, porque no tem mais lugar no mercado(IAMAMOTO, 2000, p.33).

    Concordamos com Andrade (2000b) e seu alerta de que,atualmente, para se refletir sobre temticas relacionadas com a injustia,a pobreza, a misria e a excluso social, ou seja, sobre os desafios postoss polticas pblicas e s lutas sociais na contemporaneidade, torna-se

    imprescindvel correlacionar tais temticas com a questo ambientale ato polmicasustentabilidade do desenvolvimento.

    A discusso ambiental que perpassa a questo da sustentabilidadedo desenvolvimento bastante complexa e traz tona o questionamentoe o repdio ao tradicional conceito de crescimento econmico, colocandoem xeque o modelo civilizacional capitalista/industrialista (ouanticivilizacional), baseado numa lgica destrutiva que ameaa o futurodo planeta e da humanidade. Essa lgica responsvel pela destruio

    criminosa da fora de trabalho (o que pode ser constatado pela lgica da

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    acumulao flexvel) e a devastao irresponsvel da natureza.Desse modo, o que est no cerne da questo ambiental o

    questionamento da mxima capitalista de crescimento ilimitado e dapretensa dissociao da relao homem e natureza, tendo sido a ltimavisualizada pela tica da economia poltica tradicional como um objetodas necessidades humanas a ser dominado em favor do primeiro, ouseja, como se essa relao no fosse de reciprocidade dinmica,desvinculando os efeitos da ao humana sobre a natureza e,consequentemente, sobre a sua condio de vida inserida no meionatural. O que se observa que a viso que o homem construiu sobre oambiente pauta-se em uma tica antropocntrica que dualiza e fragmentao prprio conceito de ambiente, revelando uma no compreenso da

    interao homem-natureza.Segundo Reigota (1994), o homem vive na contemporaneidade

    profundas dicotomias, pois se considera como um elemento da natureza,mas vive como se fosse um ser parte, apenas observador e/ouexplorador da mesma. As consequncias de uma viso antropocntrica edualista sobre o ambiente (a qual sustenta a racionalidade econmica docrescimento ilimitadodo capitalismo) revelaram que a crise econmicados anos 70, nos pases de capitalismo avanado e nos pases do

    chamado Terceiro Mundo, tinha um novo ingrediente relacionadodiretamente com a reduo do ndice de qualidade de vida de grandeparte da populao mundial: era a poluio que, juntamente com apossibilidade de saturao dos recursos naturais, interferia no presente eno futuro da humanidade (LEONARDI, 1996, p.241).

    De acordo com Lima (1997, p.207) observou-se, a partir docontexto vigente, a emergncia mundial da discusso sobre a questoambiental, pois se intensificaram os problemas scio-ambientais, tais

    como: o crescimento e a desigual distribuio demogrfica; os processosde urbanizao acelerada; o consumo excessivo de recursos norenovveis; a contaminao txica dos recursos naturais; a reduo da

    biodiversidade e da diversidade cultural; o desflorestamento; a geraodo efeito estufa; a reduo da camada de oznio e suas implicaes sobreo equilbrio climtico. Todas as questes citadas tm causado impactona opinio pblica mundial e atrado ateno para uma realidade, atento pouco observada.

    Ainda conforme o mesmo autor (1997), a multiplicao deacidentes e problemas ambientais e a ao do prprio movimento

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    ecolgico, sobretudo a partir da dcada de 1970, impuseram com todafora um questionamento aos modelos de desenvolvimento industrial,tanto capitalista quanto socialista, despertando na sociedade uma novaconscincia relacionada dimenso ambiental da realidade.

    Atualmente, verifica-se o consenso de que os problemas ambientais nopodem mais ser compreendidos apenas sob a tica centrada nas cinciasnaturais, exigindo uma anlise mais abrangente sobre a temtica, a qualinclua igualmente o componente social, ampliando a questo para umadimenso scio-ambiental, no podendo esquecer de levar em contacritrios culturais (JACOBI, 2001).Assim, a concordncia com o pensamento de Reigota (2001, p .14), parao qual o ambiente o lugar determinado ou percebido, onde oselementos naturais e sociais esto em relaes dinmicas e em interao.Tais relaes implicam processos de criao cultural e tecnolgica e

    processos histricos e sociais de transformao do meio natural econstrudo.

    Diante do cenrio exposto, o trabalho aqui apresentado tem comoobjetivo discutir as possibilidades de viabilizao de processos deeducao ambiental no espao empresarial privado, refletindo sobre o

    significado conceitual do desenvolvimento sustentvel e os reaisinteresses da gesto empresarial ambiental a partir das imposies danorma ambiental ISO 14000. Assim, o trabalho est estruturado em trs

    partes. Na primeira, apresentar-se- um resgate histrico da emergnciado paradigma de sustentabilidade, discorrendo sobre a diversidadeideopoltica existente entre as abordagens conceituais. Na segunda parte,

    buscar-se- refletir sobre a gesto ambiental no mbito das empresasprivadas e a chamada responsabilidade scio-ambiental empresarial. Naterceira e ltima parte, realiza-se uma reflexo sobre as possibilidades deimplementao de educao ambiental no mbito empresarial, discutindoas reais intenes dessa ao.

    1CENRIO HISTRICO DE SURGIMENTO DO PARADIGMADE SUSTENTABILIDADE DO DESENVOLVIMENTO EEDUCAO AMBIENTAL

    Do ponto de vista histrico, o marco institucional inicial da

    discusso sobre a crise ambiental e do surgimento do paradigma de

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    sustentabilidade remonta ao ano de 19681, quando foi realizada emRoma uma reunio de cpula entre cientistas dos pases desenvolvidos

    para se discutir o consumo e as reservas de recursos naturais norenovveis e o crescimento da populao mundial at o sculo XXI(REIGOTA, 1994, p.13). Os resultados das discusses travadas nochamado Clube de Romarevelaram, em suas concluses, a urgncia danecessidade de se planejar meios para garantir a conservao dosrecursos naturais e controlar o crescimento da populao.

    O termo desenvolvimento sustentvel aparece pela primeira vezem 1980 numa publicao intitulada: Estratgia Mundial para aConservao, realizada pela Unio Internacional para a Conservao da

    Natureza e dos Recursos (UICN). Conforme j destacado anteriormente,

    essa ONG internacional foi a primeira a esboar princpios voltados paraa elaborao de uma Conveno sobre a Diversidade Biolgica.

    Entretanto, o termo desenvolvimento sustentvel s se tornaamplamente difundido a partir de 1987, com o chamado RelatrioBrundtland2 (GODARD, 1997). Mas o incio da discusso sobre asustentabilidade do desenvolvimento remonta aos primrdios dos anosde 1970, com a elaborao do conceito de ecodesenvolvimento,divulgado a partir de 1974, no trabalho de Ignacy Sachs3 voltado para

    discutir as estratgias do ecodesenvolvimento. Assim, Sachs (1980, p.

    1 Considera-se como marco institucional das discusses no mbito das relaes internacionais.Contudo, no plano terico o incio dessa discusso remonta ao pensamento de Malthus (1766-1834).Para a teoria malthusiana, embasada nas observaes da sociedade americana do sculo XVI, anatureza possui recursos finitos e, portanto, se a populao continuasse a crescer demasiadamente,como consequncia, diminuiriam os recursos naturais. A explicao da teoria de Malthus ficou

    bastante conhecida atravs de seu clculo matemtico predizendo que a populao mundial cresceem progresso geomtrica; contudo, a produo de alimentos (recursos da natureza) aumenta em

    progresso aritmtica. No possvel deixar de considerar que a partir dessa concepo fatalista deMalthus emerge no plano terico o debate sobre a questo ambiental.2De acordo com Reigota (1994), esse relatrio foi patrocinado pela primeira -ministra norueguesaGro-Brundtland, que propiciou a realizao de reunies em vrias cidades do mundo, inclusive emSo Paulo, visando discutir e encontrar solues para a problemtica ambiental levantada aps aConferncia de Estocolmo.3Economista polons radicado na Frana, foi um dos principais membros do grupo que auxiliouMaurice Strong (que foi o secretrio geral da primeira Conferncia das Naes Unidas sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento) no preparo das Conferncias de Estocolmo e do Rio de Janeiro (ECO92). De modo geral, a literatura referente ao tema tem associado a divulgao do conceito deecodesenvolvimento prtica discursiva de Maurcio Strong,no incio da dcada de 1970. O que decorrente exatamente das posies tericas de Sachs que balizaram as aes polticas de Strong no

    mbito das Organizaes das Naes Unidas, tendo em vista que atuou como um assessor dapreparao das grandes Conferncias voltadas para o desenvolvimento humano e meio ambiente.

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    45) o define como desenvolvimento endgeno e dependendo de suasforas prprias, submetido lgica das necessidades do conjunto da

    populao, consciente de sua dimenso ecolgica e buscando estabeleceruma relao de harmonia entre o homem e a natureza.

    possvel dizer que o conceito de ecodesenvolvimento de IgnacySachs ampliou a concepo de desenvolvimento, pois alm das variveiseconmicas, passou a incorporar variveis polticas, culturais, sociais,ticas, ecolgicas, dentre outras. Os princpios bsicos da nova viso deecodesenvolvimento esto esquematicamente condensados na citao aseguir:

    a) a satisfao das necessidades bsicas de todos os seres humanos no

    presente (solidariedade sincrnica); b) a solidariedade com as geraesfuturas (solidariedade diacrnica); c) a participao da populaoenvolvida em todos os programas de desenvolvimento; d) a preservaodos recursos naturais e do meio ambiente em geral; e) a construo deum sistema social com garantia de emprego, segurana social e respeito aoutras culturas; f) programas de educao (ANDRADE, 2000, p.190).

    A Declarao de Cocoyoc, resultante da Conferncia de 1974 daUNCTAD (Conferncia das Naes Unidas sobre Comrcio e

    Desenvolvimento) e do Programa de Meio Ambiente das Naes Unidas(UNEP) e, tambm, o Relatrio Que Faireapresentado no final de 1975

    pela Fundao alem Dag-hammarskjld, reelaboraram a noo desustentabilidade do desenvolvimento proposto por Ignacy Sachs sem darvisibilidade ao termo ecodesenvolvimento. Assim, conforme Vieira(1995), outro conceito passa a ser amplamente divulgado: o conceito dedesenvolvimento sustentvel, o qual se torna o preferido no mbito dasorganizaes internacionais nesse contexto, tendo em vista que o mesmo

    apresenta uma conotao ideolgica menos radical que o anterior e maiscoerente com uma fase de experimentao com a ideia de uma novaordem econmica internacional (idem, p.109).

    A partir do chamado Relatrio Brundtland, apresentado por umacomisso da ONU em 1987, difundiu-se como desenvolvimentosustentvel: aquele que satisfaz as necessidades do presente semcomprometer a capacidade das geraes futuras satisfazerem as suas

    prprias necessidades. De acordo com Vieira (1995), o relatrio citado

    no acrescentou modificaes substanciais ao conceito dedesenvolvimento sustentvel. Contudo, teve o mrito de reaquecer a

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    discusso sobre a crise ambiental em escala internacional sobre acaracterizao precisa do critrio de sustentabilidade (idem, p.113).

    A perspectiva de ecodesenvolvimento de Sachs (1993) consideraque o desenvolvimento um processo que deve melhorar as condiesde vida das comunidades humanas e, ao mesmo tempo, respeitar oslimites da capacidade de carga dos ecossistemas. Nesse sentido, acreditaque, ao se planejar o desenvolvimento, necessrio considerarsimultaneamente cinco dimenses de sustentabilidade (Idem, p. 25-27):

    SUSTENTABILIDADE SOCIALProcesso de desenvolvimento emque exista maior equidade na distribuio da renda, de modo amelhorar substancialmente as condies de vida da populao e reduzir

    a distncia entre padres de vida de abastados e no abastados;

    SUSTENTABILIDADE ECONMICA - Alocao e gesto maiseficientes dos recursos com um fluxo regular de investimento pblicoe privado. Uma condio fundamental para isso superar as atuaiscondies externas, decorrentes de uma combinao de fatoresnegativos: o nus do servio da dvida e do fluxo lquido de recursosfinanceiros do Sul para o Norte, as relaes adversas de troca, as

    barreiras protecionistas ainda existentes nos pases industrializados e,

    finalmente, as limitaes de acesso cincia e tecnologia; SUSTENTABILIDADE ECOLGICA - Uso dos recursos potenciais

    dos vrios ecossistemas com um mnimo de dano aos sistemas desustentao da vida para propsitos socialmente vlidos.Autolimitao do consumo material pelos pases ricos e pelascamadas sociais privilegiadas em todo o mundo. Definio das regras

    para uma adequada proteo ambiental;

    SUSTENTABILIDADE ESPACIAL - Voltada a uma configuraorural-urbana mais equilibrada e a uma melhor distribuio territorialde assentamentos humanos e atividades econmicas;

    SUSTENTABILIDADE CULTURAL - Busca das razes endgenasdos modelos de modernizao e dos sistemas rurais integrados de

    produo, privilegiando processos de mudanas no seio dacontinuidade cultural e traduzindo o conceito normativo deecodesenvolvimento em uma pluralidade de solues particulares,que respeitem as especificidades de cada ecossistema, de cada culturae de cada local.

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    De acordo com Andrade (2000a), os princpios doecodesenvolvimento esto vinculados s ideias da teoria do self-realiance (autossuficincia, autossustentao), as quais foram defendidas

    por Mahatma Gandhi no processo de luta pela libertao da ndia contrao domnio ingls. Tais propostas esto, tambm, vinculadas s

    preocupaes pela soberania e autonomia dos pases perifricos emrelao aos ditames dos pases centrais hegemnicos. Sendo assim,Vieira (1995) ressalta que os princpios do ecodesenvolvimento

    permitem o resgate da dimenso ecolgica do desenvolvimento,fortalecendo a tese relativa necessidade de uma luta contra adesigualdade social e a dependncia no e sobre o Terceiro Mundo,demonstrando a formao de conscincia dos limites e vulnerabilidade

    da base dos recursos naturais.Andrade (2000a) afirma que os autores Acselrad (1997) e Leroy

    (1997) demarcaram uma ntida separao poltico-ideolgica entre oconceito de ecodesenvolvimento e o de desenvolvimento sustentvel.O ltimo foi amplamente divulgado, a partir desse contexto, comoconsequncia do surgimento do setor empresarial verde no movimentoecolgico. Embora se reconhea alguns pontos comuns entre as referidas

    propostas, tais como o principio bsico de defesa ao direito das geraes

    futuras e a criao de uma sociedade sustentvel, torna-se necessrioficar atento s diferenas ideopolticas.

    Enquanto o ecodesenvolvimento coloca limites livre atuao domercado, o desenvolvimento sustentvel afirma que a soluo da criseambiental vir com a instalao do mercado total na economia dassociedades modernas (LAYRARGUES apud ANDRADE, 2000a, p.193).

    O que se depreende da anlise transcrita que existe um contedo

    poltico-ideolgico diferenciado entre os conceitos deecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentvel. Em ambos estoimplcitas perspectivas de desenvolvimento; enquanto o primeiro busca asuperao da lgica individualista/predatria do capital, o segundoconceito busca responder aos desafios da crise ambiental mediantemecanismos que consolidam o sistema vigente, isto , visa ao mesmomodelo de desenvolvimento sob uma nova roupagem verde.Assim, oconceito de desenvolvimento sustentvel uma superao positiva para

    o capital dos princpios conceituais do ecodesenvolvimento, os quais

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    representam um questionamento da lgica industrialista vigente numpanorama de globalizao econmica.

    Em relao discusso sobre a educao ambiental, no contextode surgimento do paradigma da sustentabilidade do desenvolvimentodas sociedades capitalistas, ressalta-se a realizao, pela Organizao das

    Naes Unidas em 1972, da primeira Conferncia Mundial de MeioAmbiente Humano, em Estocolmo. A partir dela, a questo ambientalconquistou reconhecidamente um frum poltico. De acordo comReigota (1994), o grande tema de discusso do referido encontro girouem torno da poluio ocasionada, principalmente, pelas indstrias,ressaltando que o Brasil e a ndia defenderam a ideia de que a poluio o preo que se paga pelo progresso. Tal defesa expressava o contexto

    dos chamados milagres econmicos vividos poca.Conforme Leonardi (1996), como resultado da Conferncia de

    Estocolmo, definiu-se recomendar a criao do Programa das NaesUnidas para o Meio Ambiente PNUMA, o qual foi criado em 1973com o objetivo de fomentar junto aos organismos internacionais, anecessidade da educao e formao ambientais em todas as atividadesexercidas pelos mesmos. Para Reigota (1994, p.15), a criao doPNUMA foi uma importante resoluo da Conferncia de Estocolmo, a

    qual divulgou a ideia (...) de que se deve educar o cidado para asoluo dos problemas ambientais. Podemos ento considerar que asurge o que se convencionou chamar de educao ambiental.A partir deento, a Organizao das Naes Unidas (ONU), atravs da UNESCO(United Nation Educational, Scientific and Cultural Organization), foi aresponsvel pela divulgao e fomento da realizao da nova perspectivade educao.

    A educao ambiental passa a ser vista como um instrumento

    necessrio para se alcanar a sustentabilidade do desenvolvimento, tendoem vista que sem uma conscientizao da opinio pblica em relao problemtica ambiental, no se ter um forte apoio global para asmudanas necessrias e, com isso, sero poucas as chances de um realabandono de prticas e atitudes contrrias sustentabilidade dodesenvolvimento.

    A carta de Belgrado, escrita em 1975, por especialistas de todo omundo expressa que a meta da educao ambiental :

    Desenvolver um cidado consciente do ambiente total, preocupado com

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    os problemas associados a esse ambiente e que tenha o conhecimento, asatitudes, motivaes, envolvimento e habilidades para trabalharindividualmente e coletivamente em busca de solues para resolver os

    problemas atuais e futuros (CANADO, 2003, p.01).

    Percebe-se que a educao ambiental deve ser compreendidacomo um processo que pode viabilizar aos cidados uma compreensocrtica e global do ambiente, elucidando valores e atitudes que lhes

    propiciem a tomada de uma posio consciente e participativa a respeitodas questes relacionadas com a preservao e adequada utilizao(conservao) dos recursos naturais.

    Depois da realizao da Conferncia das Naes Unidas sobre

    Meio Ambiente e o Desenvolvimento (UNCED-92), que ficou maisconhecida pelo nome de ECO-92, e tambm da realizao do FrumGlobal, as discusses sobre a problemtica ambiental chegaram concluso de que se no for modificado o atual modelo dedesenvolvimento econmico e no se produzir uma aproximao entrecritrios ecolgicos e processos econmicos, a espcie humana corresrios riscos de sobrevivncia a mdio prazo (LEIS, 1995, p.24). Asindicaes da necessidade de transformar a lgica do modelo de

    desenvolvimento econmico vigente esto presentes em todos os temasda Agenda 21, aprovados na UNCED.Conforme Guilhardes Junior (2003, p.02), o Brasil vem seguindo

    as orientaes gerais, tratadas pela Agenda 21 e pelos demaisdocumentos e tratados internacionais, e j na Constituio de 1988, emseu artigo 255, elege o meio ambiente ecologicamente equilibradocomo direito subjetivo de carter difuso e impe ao poder pblico quanto coletividade o dever de defend-lo, inclusive atravs de promoo, pelo

    poder pblico, da educao ambiental em todos os nveis de ensino.

    Contudo, o processo de reconhecimento da educao ambiental comopoltica pblica somente consolidou-se com a sano, em abril de 1999,da Lei N. 9.795, que disciplina a Poltica Nacional de EducaoAmbiental (PNEA). A referida Lei colocou a Educao Ambiental comocomponente essencial e permanente da educao nacional, a qual deveestar presente e de forma articulada em todos os nveis de ensino, demaneira formal e no formal. Em relao ao mbito no formal da

    prtica de educao ambiental, a Lei em questo, em seu artigo 30 e

    inciso V, incumbe s empresas, entidades de classe, instituies

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    pblicas e privadas, promover programas destinados capacitao dostrabalhadores, visando melhoria e ao controle efetivo sobre o ambientede trabalho, bem como sobre as repercusses do processo produtivo nomeio ambiente.

    Para Sachs (1993, p. 55), os resultados da ECO 92 deveriamcontribuir para uma verdadeira revoluo mental extremamentenecessria. Ou seja, para secriar uma verdadeira viso de um conceito

    bsico de desenvolvimento equitativo em harmonia com a natureza quedeve permear todo nosso modo de pensar, informando as aes doscidados, dos decisores e de profissionais de todos os tipos [Grifonosso].

    A partir desse conceito de desenvolvimento equitativo em

    harmonia com a natureza, defendido por Sachs, observa-se que aquesto da sustentabilidade depende dos modos e/ou maneiras de pensardos cidados, modos de representaes de desenvolvimento que incidemem aes concretas. Da se compreende que a educao ambiental deveser pensada como um verdadeiro instrumento de mudanas nos modos de

    pensar dos cidados em relao a sua atuao frente natureza.Contudo, acredita-se ser necessrio refletir de forma crtica as reais

    possibilidades de viabilizao de processos de educao ambiental no

    mbito empresarial privado, enquanto possvel instrumento de formaodos trabalhadores e comunidade local voltada para uma conscincia deresponsabilidade ambiental e dos princpios reais de sustentabilidade dodesenvolvimento (perspectiva de ecodesenvolvimento) e no apenas dalgica de desenvolvimento sustentvelapregoada pelo chamado mercadoverde.

    2 - A GESTO AMBIENTAL EMPRESARIAL E A NORMA ISO

    14000: H REALMENTE UMA RESPONSABILIDADE SCIO-AMBIENTAL POR PARTE DAS EMPRESAS?

    Observa-se que a preocupao empresarial com a questoambiental tem sua origem a partir da crescente presso da sociedade edos mercados consumidores em relao problemtica ambiental, a

    partir da dcada de 70. Essa presso resultou, principalmente nos pasesdesenvolvidos, em um maior controle sobre o setor produtivo por meio

    de uma grande quantidade de normas, regulamentos e legislao

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    ambiental. Dentre as respostas dadas pelo setor produtivo, cabe ressaltara iniciativa de uma regulamentao voluntria atravs da formulao daSrie de Normas ISO414.000, que visa estabelecer normas e ferramentas

    para a gesto ambiental nas empresas, tais como: sistemas degerenciamento ambiental corporativo, rotulao do produto, anlisecompleta do ciclo de vida e polticas de desenvolvimento sustentvel ede proteo ambiental (GUTBERLET, 1996, p.82).

    Para Cavalcanti (1996), as normas propostas pela srie ISO 14.000tm como objetivo equacionar uma problemtica econmica daatualidade, que vem colocando a empresa moderna diante de duasopes: adaptar-se e desenvolver um aprimorado sistema de gesto, oucorrer o risco de perder espaos de mercado, por no se adequar aos

    princpios das normas que esto sendo formuladas (idem, p.207).No h como negar que, atualmente, a questo ambiental tornou-

    se uma ameaa estabilidade das empresas no mercado, tendo em vistaque as restries comerciais aos produtos e processos produtivosconsiderados ambientalmente nocivos sociedade e natureza so osfatores motivacionais que impelem as empresas a se adaptarem s novasregulamentaes ambientais.

    A Poltica de Gesto Ambiental no mbito empresarial privado

    deve ser compreendida e articulada, ento, ao movimento deintensificao da globalizao dos processos de fabricao e decomercializao dos produtos industriais, que vem exigindo cada vezmais um diferencial na qualidade do produto enquanto fator decompetitividade no mercado. A necessidade empresarial de garantirespao e domnio de vendas em um mercado cada vez mais competitivovem impulsionando as empresas a buscarem estratgias defortalecimento da imagem da marca de seus produtos no mercado

    nacional e internacional.

    4A Organizao Internacional para a Normatizao (ISO) uma federao mundial dos organismosnacionais de normalizao, criada em 1947 em Genebra/Sua. De acordo com Gutberlet (1996), otrabalho dessa organizao comeou pela normatizao de medidas e padres, englobando, a partirde 1971, os padres de segurana e sade ocupacional; de qualidade do ar, da gua e do solo. Desde1978, vem abrangendo reas detalhadas em relao ao meio ambiente, com a determinao dertulos ecolgicos ou selos verdes. Em 1987 definiu padres de qualidade total, lanando a srieISO 9000guia de diretrizes para o desenho e documentao de processos e prticas de qualidade

    na empresa. Em 1993, designou a instalao de um Comit Tcnico (TC-207) para elaborar umasrie ambiental, a srie ISO 14000.

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    Vivencia-se a era da qualidade ambiental total, em que asempresas so pressionadas a assumir uma conduta ambientalmenteresponsvel, pois a partir da dcada de 90, as mesmas passaram acompreender o sentido da conduo ecolgica como um negcio, maisespecificamente com a definio da Agenda 21, elaborada durante aECO92, que culminou com a criao do TC207 srie ISO 14000. A

    partir da, observa-se a defesa da tese de que as empresas, parasobreviverem, devem se tornar ambientalmente responsveis, ou seja,verdes. Somente quando o empresariado aceitar o meio ambientecomo parte integrante de cada aspecto da operao total da empresa, que os lderes de uma organizao podem esperar manter sua posiocompetitiva e assegurar sua sobrevivncia (KINLAW,1997, p.15).

    Dessa forma, compreende-se que as empresas passam a alterar seucomportamento produtivo em relao questo ambiental, diante daforte presso da opinio pblica do mercado consumidor, visandosistematizar esforos na busca de resultados produtivos ambientalmentesatisfatrios, para garantir assim, a manuteno da competitividade e dalucratividade. Contudo, mesmo se tendo clareza de que a busca dacertificao ISO 14000 e o cumprimento da legislao ambientalresultam de imposies ou demandas globais de mercados e da postura

    empresarial preventiva de sanes penais, no se pode desconsiderar quequaisquer que sejam os fatores motivacionais, as prticas ambientaisempresariais deles decorrentes podem significar um avano para umareal concretizao do conceito de responsabilidade social e ambiental.

    No Brasil, em 1997, o socilogo Herbert de Souza (Betinho) e oIBASE (Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas)

    promoveram eventos para a discusso de um modelo de Balano Social5de empresas e, tambm, incentivaram a publicao do mesmo. No

    5Andrade (2000a) observa que o Balano Social tem sua origem na ideia de responsabilidade socialempresarial que se desenvolveu nos EUA a partir dos anos 60 e no incio da dcada de 70 naEuropa, como resposta aos movimentos sociais contestatrios que exigiam das empresas uma

    postura mais tica e solues institucionais adequadas aos impactos sociais e ambientais geradospelas mesmas. A resposta foi a criao da chamada auditoria social, que tinha como objetivodesenvolver uma imagem positiva das empresas junto sociedade atravs da prestao de contas desuas aes, realizando um Balano Social de seus resultados. Atualmente, vrios pases exigem oBalano Social: EUA, Blgica, Frana, Inglaterra, Alemanha, Portugal e Canad. No Brasilregistrou-se, na dcada de 60, parcas iniciativas nesse sentido. Somente na dcada de 90 o chamadoBalano Social voltou a entrar na agenda de discusso empresarial, na esteira da defesa, por parte do

    socilogo Herbert de Souza, da ideia da responsabilidade social e da cidadania das empresas. aque surge osloganEmpresa Cidad.

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    mesmo ano foi reapresentado ao Congresso Nacional, o Projeto de Lei n03.116/97, o qual pretendeu estabelecer a obrigatoriedade de apresentaodo Balano Social para entidades pblicas e privadas. Com isso, diversasleis municipais passaram a incentivar a publicao do Balano Social e,em Porto Alegre-RS, foi aprovada, em 1998, a Lei n0 8.116/98, quetornou obrigatria a realizao do balano social para as empresasestabelecidas no municpio. Em 1999 foi realizada a primeiraConferncia Internacional do Instituto Ethos de empresas eresponsabilidade social, assim como foi lanado pela Cmara Municipalde So Paulo, o selo Empresa Cidad, passando a premiar empresascom Balanos Sociais de Qualidade. Cabe ressaltar que, no mbitointernacional, em 1997, surgiu a Global ReportingIniciativeGRI, que

    se trata de um movimento internacional pela adoo e uniformizao dosrelatrios scio-ambientais publicados pelas empresas. No mesmo anofoi tambm criada a SA8000, que uma norma de certificao voltada

    para as condies de trabalho, tendo como parmetro as convenes daOrganizao Internacional do Trabalho OIT. J no ano de 2000 foilanado pela ONU o chamado Global Compact (Pacto Global), visando

    promoo e implementao de nove princpios nas reas de direitoshumanos, trabalho e meio ambiente.6

    possvel observar que, durante a dcada de 90, tanto em nvelnacional como internacional, foram criadas leis e normas que passaram aexercer um poder de presso e controle sobre o comportamento socialdas empresas relacionado sua conduta scio-trabalhista e ambiental.Diante de tal conjuntura, o Instituto Ethos de Empresas eResponsabilidade Social lanou, em junho de 2001, o Guia deElaborao de Relatrio e Balano Anual de Responsabilidade SocialEmpresarial, o qual visa fornecer a seus associados alguns indicadores

    bsicos de desempenho econmico, social e ambiental, com o objetivode fomentar a prtica de transparncia na atividade empresarial diantedos mais variados pblicos envolvidos em seu negcio (pblico interno,fornecedores, consumidores/clientes, comunidade, governo e sociedade).

    O Instituto Ethos defende o princpio de que uma empresaambientalmente responsvel deve agir para a melhoria e conservao da

    6Essas informaes foram retiradas do documento intitulado Guia de Elaborao de Relatrio eBalano Anual de Responsabilidade Social Empresarial (2001), o qual tem como organizadores

    Cristina Murachco, Marcelo Linguitte, Simone Kubric, Valdemar de Oliveira Neto e Viviam PaesBarreto Smith.

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    qualidade ambiental, assumindo um compromisso, frente ao meioambiente, de minimizar seus impactos negativos e amplificar os

    positivos. Assim, toda empresa deve agir para a manuteno e melhoriadas condies ambientais, minimizando aes prprias potencialmenteagressivas ao meio ambiente e disseminando, para outras empresas, as

    prticas e conhecimentos adquiridos neste sentido (Instituto Ethos deEmpresas e Responsabilidade Social, 2001, p.44). Dentre os indicadoresde desempenho ambiental formulados pelo Instituto, cabe destacar osindicadores de iniciativas relacionadas ao gerenciamento ambiental, taiscomo: a) gerenciamento de resduos; b) aes compensatrias em geral(conservao de reas protegidas, reflorestamento, etc.); c) educaoambiental; d) desempenho em relao ao uso de recursos naturais.

    Observa-se que a educao ambiental, no mbito das organizaesempresariais, vem sendo considerada como um dos indicadores deresponsabilidade social e ambiental. Desse modo, torna-se necessria arealizao de uma investigao cientfica que possibilite a discusso e areflexo crtica em relao existncia ou no no mbito empresarial

    privado, de espao para a efetivao de formas de educao ambientalque expressem os princpios de uma formao para a cidadania, taiscomo foram pensados no Tratado de Educao Ambiental, aprovado no

    Frum Global de 1992.Dito de outra forma, interessa-nos discutir se a efetivao de umapoltica de gesto ambiental nas empresas visando certificao da ISO14001 pode ser considerada um real instrumento para a viabilizao deeducao ambiental no meio empresarial, assim como para a viabilizaode formao de uma conscincia de responsabilidade ambiental e dos

    princpios de sustentabilidade do desenvolvimento.Acredita-se ser imperativa a necessidade do desvelamento

    cientfico do real significado das chamadas prticas de responsabilidadesocial e ambiental realizadas por empresas certificadas pela ISO 14001.Torna-se necessrio verificar se os resultados da efetivao das polticasde gesto ambiental conferem s empresas apenas uma imagem verde,necessria para um bom marketing de responsabilidade ambiental esocial, ou se realmente vem se constituindo, a partir da ISO 14001, emcompromisso srio das empresas certificadas com a questo dasustentabilidade. Ser que a lgica do lucro passou realmente aincorporar a lgica da responsabilidade social e da prudncia ecolgica?

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    3 EDUCAO AMBIENTAL EMPRESARIAL: UMINSTRUMENTO PARA A VIABILIZAO DO CHAMADODESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL?

    A partir das conferncias realizadas na ECO-92, chegou-se aoconsenso de que o grande desafio ambiental do desenvolvimentoeconmico seria o de encaminhar aes que dinamizem o acesso conscincia ambiental dos cidados a partir de um intenso trabalho deeducao. O marco do consenso foi a elaborao, discusso e aprovao,durante a UNCED (Rio-92), no encontro da sociedade civil (FrumGlobal), do Tratado de Educao Ambiental para SociedadesSustentveis e Responsabilidade Global. Os princpios do documento

    enfatizam o respeito diversidade e o compromisso individual ecoletivo com um certo tipo de sociedade (sustentvel) e, portanto, derepdio s sociedades desenvolvimentistas a qualquer custo (JACOBI,2001, p.394). Entre os quinze princpios que compem o tratado, torna-se fundamental destacar os quatro itens abaixo:

    A educao ambiental deve ser crtica e inovadora, seja namodalidade formal, no formal e informal. Ela tanto individual

    como coletiva. No neutra; um ato poltico voltado para atransformao social; A educao ambiental deve buscar uma perspectiva holstica,

    relacionando homem, natureza e universo, e tambm serinterdisciplinar. Alm disso, deve buscar a solidariedade, igualdade erespeito atravs de formas democrticas de atuao, bem como

    promover o dilogo; A educao ambiental deve valorizar as diversas culturas, etnias e

    sociedades, principalmente aquelas dos povos tradicionais;

    A educao ambiental deve criar novos estilos de vida, desenvolveruma conscincia tica, trabalhar pela democratizao dos meios decomunicao de massa. Objetiva formar cidados.

    Observa-se que os importantes encontros internacionaisrelacionados problemtica ambiental enfatizaram a relevncia daeducao ambiental para o alcance da chamada sustentabilidade dodesenvolvimento, demonstrando que a mesma tem uma ntima relaocom a formao da cidadania e com uma reformulao dos valores ticose morais individuais e coletivos, necessria para a continuidade da vidano planeta (LEONARDI, 1996, p.249).

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    Desse modo, possvel dizer que a discusso ambiental traz tonauma discusso envolvendo a ampliao do conceito de cidadania, quedeve abarcar, alm da posse dos direitos civis, polticos e sociais, odireito ao ambiente saudvel. Compreende-se que a noo de direitosobre o ambiente muito nova, quando comparada relao dosdireitos conquistados pelos cidados ao longo da histria dahumanidade. muito recente a ideia de que a natureza um bem a ser

    preservado, pois ela tambm se acaba, e que o homem tem direito (edever) de preserv-la (LEONARDI, 1996, p. 249).

    Faz-se necessrio, portanto, pensar a educao ambiental comoinstrumento de formao e de exerccio da cidadania, ou seja, como umveculo para a criao de uma novaalianaentre o homem e a natureza.

    O conceito de naturezano pode deixar de incluir os seres humanos, queso essencialmente seres sociais e histricos; assim como o conceito de

    ser humanono pode deixar de incluir a natureza biofsica. por issoque se fala atualmente na necessidade de construir uma nova relaohomem/natureza, ou at um novo contrato entre os dois, que na verdade

    pertencem a uma mesma entidade ontolgica (LEONARDI, 1996, p. 250).Diante da concepo de educao ambiental anteriormente

    analisada, nos interessa questionar se no mbito empresarial privado

    existe espao para o desenvolvimento de uma perspectiva de educaoambiental voltada para a formao e exerccio da cidadania.

    Sendo assim, novamente surge uma convergncia com Reigota (2001),quando elucida que uma verdadeira educao ambiental deve serentendida como uma educao poltica, e sua prtica se justifica quandocolabora para a busca e construo de alternativas sociais, baseadas em

    princpios ecolgicos, ticos e de justia, para as geraes atuais e futuras.

    Vimos anteriormente que a Agenda 21 e a srie de normas da ISO14000 so os grandes resultados da ECO-92, sendo que as finalidadesdessas polticas se diferenciam conforme seu pblico-alvo.

    [...] a ISO visa ao mercado enquanto que a Agenda 21 destinada sociedade em geral e aos governantes. Ambos so instrumentos para odesenvolvimento sustentvel, pois integram a ideia preservacionista ao

    benefcio econmico atravs de uma poltica de sucesso que atenda competitividade de uma economia globalizada (CANADO, 2003, p.01).

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    Observa-se, a partir disso, no mbito das aes pblicas e privadasdas instituies da sociedade uma tentativa de busca de conciliao deinteresses historicamente antagnicos em uma sociedade capitalista:acumulao de capitalX preservao da natureza. A lgica capitalistade crescimento ilimitado contrria s reais necessidades do homem eda natureza, as quais dependem de uma perspectiva sria, real e concretade sustentabilidade ecolgica do desenvolvimento econmico, social ecultural, ou seja, de uma perspectiva de ecodesenvolvimento.. Entende-se que necessrio visualizar com uma lente crtica as reais bases desse

    processo de aproximao entre as preocupaes de preservao econservao da natureza com a dita lgica da responsabilidadeambiental empresarial instaurada pela norma ISO 14000, considerando

    os reais interesses mercadolgicos (marketing verde) mascarados pelabandeira do compromisso empresarial com o dito desenvolvimentosustentvel. Contudo, ressalta-se o avano instaurado mediante as aesdo Estado para regulamentar as aes do capital em relao ao uso

    predatrio da natureza.Logo, diante do quadro de presso da sociedade ps ECO-92, o

    Estado intensificou as medidas reguladoras que visam controlar erestringir o uso dos recursos naturais, estabelecendo padres e medidas

    econmicas com vistas internalizao de custos e ao uso racional doambiente. Em paralelo, as organizaes empresariais so impelidas a seestruturarem para cumprir as novas medidas legais impostas pela Agenda21 e, tambm, para responder s novas exigncias de mercado com basena ISO 14000.

    Desse modo, a gesto econmica e produtiva passa a incorporar oadjetivo ambiental, ou seja, a gesto ambiental significa uma ao

    planejada segundo a viso de ambiente como o espao de interaes

    entre o homem e a natureza, dando nfase dimenso poltica presentenas decises relativas propriedade e ao uso dos bens naturais. ParaFeichas (2003), a gesto ambiental empresarial deve garantir a oferta de

    bens necessrios aos processos produtivos e vida, adotando medidas deconservao do meio ambiente. Os impactos ambientais e sociais

    precisam servir de parmetros de deciso juntamente com os critrioseconmicos. A conscincia de que os bens naturais se tornaram finitos,devido ao uso que deles se tm feito precisa ser estimulada com aeseducacionais.

    A partir da dcada de 90 - diante das exigncias postas pelo poder

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    pblico, mas, principalmente, pelas exigncias de mercado colocadaspela necessidade de certificao da Norma ISO 14001 , verifica-se aincorporao de perspectivas de programas de educao ambiental nomeio empresarial privado. Para Vieira (2003, p. 01):

    As organizaes esto sendo estrategicamente sensibilizadas a adotar umnovo modelo de gesto empresarial contemplando a qualidade ambiental.Em meio a tantas mudanas, no mbito das empresas, a educaoambiental assume um papel fundamental. Tem como objetivo alcanaruma transformao profunda dos funcionrios dentro da organizao, do

    presidente ao cho-de-fbrica, sobre questes como o uso inteligentedos recursos naturais, condies mais seguras sob o aspecto ambiental

    para os operrios, reduo das infraes ambientais e destinao finaladequada de rejeitos.

    Considera-se bastante otimista a viso do autor aqui transcrita.Contudo, entende-se que se torna necessrio refletir criticamente o papelque realmente a educao ambiental tem assumido nos sistemas degesto ambiental empresariais. Isso porque no faltam crticas a enfatizarque a maioria dos programas de educao ambiental praticada no mbitoempresarial privado pode ser analisada como um conjunto de aes

    fragmentadas e descontnuas, voltadas mais para o chamado MarketingVerde do que para uma efetiva ao de educao.

    Em funo do exposto, acredita-se que se torna urgente realizarum estudo que possa avaliar os resultados dos programas de educaoambiental empresarial, visando desvelar de que forma tais aes tmcontribudo para a formao de uma conscincia scio-ambiental por

    parte dos trabalhadores, e consequentemente, pela comunidade local. necessrio tambm desvelar a viso dos representantes do capital

    (gestores e/ou tcnicos das empresas) sobre a sustentabilidade dodesenvolvimento, identificando as reais bases terico-filosficas daeducao ambiental implementada. Acredita-se ser importantecompreender se os implementadores dos processos de educaoambiental nas empresas tambm foram alvo desse processo de

    formao, pois se entende queos programas de educao ambiental nodeveriam ser apenas para os trabalhadores, tendo em vista que no sosomente eles que devem ser conscientizados sobre a problemtica

    ambiental.Assim, corrobora-se o pensamento de Motta (2003, p.03), quando

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    afirma que, nas empresas, um programa de educao ambiental tem queser um conjunto de atividades sistematizadas e com a participao ativados diversos setores da empresa e que auxiliem na elaborao deindicadores ambientais e operacionais que demonstrem no s os

    benefcios de um programa de educao ambiental como tambm doprprio sistema de gesto ambiental. Acredita-se que somente por essavia a gesto ambiental empresarialmediante os programas de educaoambiental poder se constituir como ferramenta fundamental para aconcretizao dos princpios de sustentabilidade ecolgica, social,cultural e econmica do desenvolvimento, em que a preservao e aconservao dos recursos da natureza sejam consideradas essenciais.

    CONSIDERAES FINAIS

    No atual contexto da cultura da qualidadeno meio empresarial, asatividades de treinamentos assumem um novo e estratgico papel,visando melhorar a performance competitiva da empresa. Cada vez maisvem sendo difundida a ideia da necessidade de que o treinamento dostrabalhadores esteja aliado a uma maior valorizao e maximizao do

    potencial dos mesmos, permitindo a manuteno do processo de

    melhorias contnuas atravs da educao, com um permanente incentivoao aprendizado e ao ensino (Andrade,2000a p.182) (Grifo nosso).O que se observa a abertura, no mbito empresarial privado, em

    meio chamada responsabilidade scio-ambiental empresarial(instaurada pelas exigncias impostas pela certificao da ISO 14001,num contexto de competitividade globalizada), de um possvel espao

    para se desenvolver processos de educao e, entre eles, a educaoambiental.

    Acredita-se que se uma empresa internalizar, de forma real eefetiva, os princpios da sustentabilidade em suas aes gerenciais,poder despertar cada funcionrio para mudanas de atitude em relaoao ambiente, incentivando a ao e a busca de solues concretas para os

    problemas relacionados ao uso no sustentvel dos recursos naturais e dabiodiversidade. Desta forma, o espao empresarial privado poderconstituir-se como um locus potencial de uma educao ambiental nocotidiano de trabalho e, tambm, na comunidade, atravs de instrumentose tecnologias de gesto que concretamente incorporem o conceito degesto do ambiente de forma sustentvel.

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    Compreende-se que a educao ambiental a base para o alcanceda sustentabilidade do desenvolvimento, pois para alcanar talsustentabilidade, necessrio mudar a cultura atual, incentivando avalorizao da natureza, da biodiversidade e da comunidade(sociodiversidade). Assim, a educao ambiental est intimamente ligadacom a formao da cidadania e a reformulao de valores ticos emorais, individuais e coletivos, sem a qual no ser possvel garantir acontinuidade da vida no planeta.

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