Âmbito de Aplicação do Código dos Contratos Públicos e Normas Comuns de Adjudicação

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João Henriques PinheiroCentro de Estudos de Direito Público e Regulação (CEDIPRE)Faculdade de Direito da Universidade de CoimbraFevereiro de 2011

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  • N D I C E

    1. MBITO DE APLICAO ............................................................................................ 9 1.1. Relevncia do tema .................................................................................. 9 1.2. Contratos pblicos .................................................................................. 10 1.3. A entidade adjudicante .......................................................................... 14 1.4. Organismos de direito pblico ............................................................... 16 1.5. Outras entidades adjudicantes............................................................... 21 1.6. Extenses do mbito de aplicao do CCP contratos subsidiados ..... 22 1.7. Contratao excluda .............................................................................. 22 1.8. Regimes de excluso parcial ................................................................... 23 1.9. Sntese do mbito de aplicao do CCP ................................................. 32 1.10. mbito de aplicao do CCP nos sectores especiais ............................ 33 1.11. Contratao excluda nos sectores especiais ....................................... 39

    2.INCIO DO PROCEDIMENTO ..................................................................................... 41 2.1. Deciso de contratar .............................................................................. 41 2.2. Autorizao de despesa ......................................................................... 42 2.3. Especificidades das parcerias pblico-privadas ..................................... 44 2.4. Escolha do procedimento ....................................................................... 46 2.5. Agrupamentos de entidades adjudicantes ............................................ 48 3. SUPORTE (ELECTRNICO) DA CONTRATAO ........................................................ 48 3.1. Enquadramento da contratao electrnica ......................................... 48 3.2. Legislao complementar do CCP em matria de contratao

    electrnica .............................................................................................. 50 3.3. A prossecuo do princpio da transparncia atravs da contratao

    electrnica .............................................................................................. 57 3.4. Conceitos nucleares da contratao electrnica ................................... 58 3.5. A prova material e a contratao electrnica ........................................ 60 3.6. Segurana das comunicaes ................................................................. 61 3.7. O momento da prtica dos actos ........................................................... 61 3.8. Presunes legais relativas s comunicaes electrnicas .................... 62 3.9. Responsabilidades dos intervenientes ................................................... 63

    4. PEAS DO PROCEDIMENTO .................................................................................... 64 4.1. Natureza das peas de procedimento .................................................... 64 4.2. Identificao das peas de procedimento ............................................. 65 4.3. Programa de procedimento e convite ................................................... 66 4.3. Caderno de encargos .............................................................................. 67 4.4. Peas do procedimento no contrato de empreitada de obras pblicas 68 4.5. Efeitos dos vcios nas peas de procedimento ....................................... 71 4.6. Peas de procedimento nas parcerias pblico-privadas ........................ 73

    5. PARMETROS DO PROCEDIMENTO ........................................................................... 76 5.1. Preo base .............................................................................................. 76

  • 5.2. Preo contratual ..................................................................................... 77 5.3. Benefcio econmico e valor do contrato ............................................... 78 5.4. Prazo de vigncia .................................................................................... 79 5.5. Especificaes tcnicas ........................................................................... 80 5.6. Preocupaes ambientais ....................................................................... 84 5.7. Common Procurement Vocabulary (CPV) .............................................. 87

    6. ESCLARECIMENTOS E RECTIFICAES ........................................................................ 87 6.1. Enquadramento dos esclarecimentos e rectificaes no CCP ................ 87 6.2. Prazo e modo da insero dos esclarecimentos e rectificaes ............ 88

    7. ERROS E OMISSES ............................................................................................... 89 7.1. Evoluo do instituto dos erros e omisses ........................................... 89 7.2. Efeitos do surgimento de erros e omisses ............................................ 92 7.3. Procedimento de apresentao de erros e omisses ............................ 94

    8. INTERVENIENTES NO PROCEDIMENTO ....................................................................... 95 8.1. Candidatos e concorrentes ..................................................................... 95 8.2. Jri ........................................................................................................... 98

    9. PROPOSTA ........................................................................................................ 100 9.1. A proposta ............................................................................................. 100 9.2. Contedo da proposta .......................................................................... 102 9.3. Elementos que instruem a proposta .................................................... 102 9.4. Proposta variante .................................................................................. 103 9.5. Suporte de apresentao das propostas .............................................. 104 9.6. Prazos de apresentao de propostas .................................................. 105 9.7. Consulta das propostas ......................................................................... 107

    10. ANLISE DAS PROPOSTAS E ADJUDICAO ............................................................. 109 10.1. Obteno de esclarecimentos sobre as propostas ............................. 109 10.2. Avaliao de propostas e discricionariedade ..................................... 109 10.3. Aspectos vinculativos na avaliao de propostas ............................... 113 10.4. Seleco do critrio de adjudicao e avaliao ................................ 115 10.5. Modelo de avaliao ........................................................................... 116 10.6. Concorrncia e avaliao de propostas .............................................. 118 10.7. Atributos das propostas ...................................................................... 119 10.8. Antecipao da proposta no modelo de avaliao ............................ 121 10.9. Adjudicao ......................................................................................... 122

    11. FORMALIDADES POSTERIORES ADJUDICAO ....................................................... 125 11.1. Notificao da adjudicao ................................................................. 125 11.2. Apresentao dos documentos de habilitao .................................. 125 11.3. Suporte de apresentao dos documentos de habilitao ................ 126 11.4. Idoneidade contratual ........................................................................ 127 11.5. Prova da idoneidade contratual ......................................................... 129

  • 11.6. Cauo ................................................................................................ 130

    12. CONTRATO ..................................................................................................... 131 12.1.Exigibilidade do contrato escrito ......................................................... 131 12.2. Outros elementos do contrato ........................................................... 133 12.3. Contratos nulos .................................................................................. 134 12.4. Minuta do contrato ............................................................................ 135 12.5. Assinatura ........................................................................................... 136

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    M B I T O D E A P L I C A O D O C D I G O D O S C O N T R A T O S P B L I C O S E

    N O R M A S C O M U N S D E A D J U D I C A O

    1. mbitodeaplicao

    1.1. Relevnciadotema

    O mbito de aplicao do Cdigo dos Contratos Pblicos, aprovado pelo Decreto-Lei n. 18/2008, de 29 de Janeiro (CCP), dos temas que mais interessam a comunidade jurdica.

    No s pelo facto de a publicao do Decreto-Lei n. 18/2008, de 29 de Janeiro1, ter alterado substancialmente os trmites em que se desenvolvia a actividade de contratao pblica, consolidada em trs geraes de textos normativos, como pelo impacto que tal mudana gera no quotidiano das entidades adjudicantes, das pessoas e empresas que contratam com os poderes pblicos.

    A crescente contratualizao realizada pelas entidades adjudicantes para assegurar no s fornecimentos de bens e servios inerentes ao seu funcionamento, como a externalizao de funes das prprias pessoas colectivas, reforam a importncia que a actividade contratual tem nas relaes que as entidades adjudicantes estabelecem com terceiros.

    No plano financeiro e econmico, a relevncia da contratao pblica demonstra-se por representar cerca de 30% da despesa pblica2 e por constituir um instrumento poltico de estmulo actividade das pequenas e mdias empresas,

    1 O CCP foi rectificado pela Declarao de Rectificao n. 18-A/2008, de 28 de Maro, alterado pela Lei n. 59/2008, de 11 de Setembro, pelo Decreto-Lei n. 223/2009, de 11 de Setembro e republicado pelo Decreto-Lei n. 278/2009, de 2 de Outubro, posteriormente alterado pela Lei n. 3/2010, de 27 de Abril e pelo Decreto-Lei n. 131/2010, de 14 de Dezembro. 2 Interveno do Conselheiro Presidente do Tribunal de Contas, Dr. Guilherme DOliveira Martins, no Seminrio NOVAS PERSPECTIVAS NA CONTRATAO PBLICA, realizado em 20 de Novembro de 2006.

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    desiderato j manifestado nas Directivas sobre contratos pblicos, nomeadamente atravs de mecanismos de subcontratao que foram acolhidos no CCP.

    Neste contexto, o peso burocrtico e a complexidade do cumprimento das solues legais de formao da vontade contratual podem, involuntariamente, significar implicaes de vria ordem para os decisores e demais intervenientes nos procedimentos adjudicatrios.

    Tais implicaes podem assumir natureza financeira em processos de responsabilidade sancionatria promovidos pelo Tribunal de Contas [alnea b) do n. do artigo 65. da Lei n. 98/97, de 26 de Agosto], natureza disciplinar [alnea a) do artigo 16. da Lei n. 58/2008, de 9 de Setembro], mas tambm podem fundamentar a responsabilizao extracontratual perante os eventuais lesados com os vrios actos compreendidos na actividade de contratao pblica (n. 2 do artigo 7. da Lei n. 67/2007, de 31 de Janeiro).

    Tambm no plano criminal, existem certos tipos especiais, associados a expresses de ilicitude na actividade de contratao pblica, tais como a corrupo activa ou passiva, para a prtica de acto lcito ou ilcito e a participao econmica em negcio (artigos 372. a 374. e 377. do Cdigo Penal), que ganham relevo pelo mediatismo de determinados processos judiciais e porque o legislador destaca, como requisito de idoneidade contratual, a inexistncia de qualquer condenao, com trnsito em julgado, pela prtica destes e de outros crimes identificados na alnea i) do n. 4 do Anexo I ao CCP.

    Todas estas razes justificam a intensa laborao interpretativa sobre o tipo de entidades a que se aplica o CCP (mbito subjectivo), e sobre o tipo de contratos que so por ele regulados (mbito objectivo).

    Perante este binmio, verifica-se que a aplicao do CCP, numa lgica de consolidao conceptual, assenta em dois conceitos nucleares, ocontratopblico e aentidadeadjudicante, que so o ponto de partida de qualquer deciso de realizao de despesa pblica com a celebrao de contratos.

    1.2. Contratospblicos

    Logo no prembulo do Decreto-Lei n. 18/2008, de 29 de Janeiro, o legislador anuncia a inteno de projectar o conceito de contrato pblico a partir da acepo subjectiva de entidadeadjudicante.

    Deve, portanto, tomar-se por assente que a definio do mbito de aplicao do CCP pressupe uma integrao das perspectivas objectiva e subjectiva da aplicao

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    da lei.

    Ou seja, o legislador estendeu o mbito de aplicao objectivo do CCP a todos os contratos, qualquer que seja a sua designao e natureza, administrativa ou privada3, sempre e quando tais contratos sejam outorgados por entidadesadjudicantes. Esta previso abrangente encontra-se, claramente, consagrada no n. 2 do artigo 1. do CCP, extraindo-se da norma que contratos pblicos so todas e quaisquer relaes jurdicas bilaterais, em que uma das partes seja uma entidade adjudicante.

    Cabem, naturalmente, nesta previso os contratos administrativos4 cuja densificao passou a ter acolhimento expresso no prprio CCP (n. 6 do artigo 1.), em funo das seguintes qualificaes:

    a) Determinao legal, ou vontade das partes;

    b) Objecto pblico (acto administrativo ou exerccio de poderes pblicos);

    c) Concesso ao co-contratante de prerrogativas de direito pblico, relativamente a coisas ou funes do contraente pblico;

    d) Regime de direito pblico na formao de contrato cuja execuo influencie a realizao das atribuies do contraente pblico.

    A consagrao legal da figura do contrato administrativo censurada pelos autores que o consideravam uma espcie em vias de extino5; no obstante, por fora da opo do legislador, a Parte III do CCP passou a conter um regime substantivo especial que permite prognosticar uma longa vida para o contratoadministrativo.

    , precisamente, neste sentido que se pronunciam os autores que defendem a universalizao do contrato administrativo, enquanto expresso do movimento constante de unificao da contratao administrativa, que provoca a administrativizao de relaes jurdicas originariamente concebidas e experimentadas

    3 A redaco do CCP neste ponto parece permissiva quanto permanncia da distino entre contratos administrativos e contratos de direito privado da administrao. A distino defendida por MARIA JOO ESTORNINHO (A fuga para o direito privado, 2. reimpresso, Almedina, 2009) foi ganhando apoio, doutrinal e jurisprudencial (entre outros, MRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, A necessidade de distino entre contratos administrativos e privados da Administrao, no projecto do CCP, in Cadernos deJustiaAdministrativa, n. 64, pginas 28 e seguintes). 4 entre outros, JOS MANUEL SRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos ContratosAdministrativos, Almedina, Coimbra, 1987; JOS LUIS ESQUVEL, Os contratos administrativos e aarbitragem, Almedina, 2004; MARK BOBELA-MOTA KIRKBY, Contratosadministrativosdesubordinao, Associao Acadmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2002; PEDRO GONALVES, O ContratoAdministrativo(UmaInstituiodoDireitoAdministrativodoNossoTempo), Almedina, 2003. 5 JOO CAUPERS, mbito de aplicao subjectiva do Cdigo dos Contratos Pblicos, in CadernosdeJustiaAdministrativa, n. 64, pginas 9 e seguintes.

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    sob a gide do direito privado6.

    Este entendimento gera dvidas, desde logo sobre as vantagens ou necessidade de remover da vontade da administrao a celebrao de contratos subordinados ao direito privado, ou restringir excessivamente o recurso a esta modalidade de contratao.

    Utilizando a tipificao do CCP, pode questionar-se se devero todos os contratos de aquisio de bens ou de servios ser considerados contratos administrativos, apenas porque o legislador os incluiu na Parte III do Ttulo II do CCP?

    Cremos que existe espao para a diferena. Um contrato com objecto possvel de direito privado s ter de ser administrativo se as partes o subordinarem a esse regime, ou se tal sujeio decorrer da lei.

    A mera sujeio de um contrato a uma disciplina administrativista reflectir, tendencialmente, uma subida do seu custo para a entidade adjudicante pela simples repercusso, no preo, do valor do risco acrescido que a sua execuo comporta. Efectivamente, um contrato cuja normal execuo possa ser interceptada por imperativos de direito pblico aumenta o risco da sua execuo, sendo expectvel que o adjudicatrio salvaguarde uma parcela do preo para cobrir tais eventualidades.

    Ora, ponderando vantagens e inconvenientes, cremos que em determinadas circunstncias, em que as prerrogativas de interesse pblico no sejam predominantes, poder a administrao eleger um posicionamento paritrio que lhe permita beneficiar de uma normalizao da relao contratual, comportando tal opo uma previsvel reduo do valor da despesa a realizar com a celebrao do contrato.

    No se afasta uma disciplina publicista na formao destes contratos, o que se defende uma no sujeio obrigatria da relao contratual substantiva ao acervo de direitos e obrigaes previstos na disciplina da Parte III do CCP, opo que se extrai do n. 5 do artigo 1. do CCP.

    Acresce referir, em reforo do entendimento exposto, que a relao entre contratos pblicos e contratos administrativos, permite identificar a configurao de diferenas de regime entre eles, porquanto o legislador admitiu que nem todos os contratos celebrados pelas entidades adjudicantes tero de se submeter ao regime dos contratos administrativos7.

    6 MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDR SALGADO DE MATOS, Contratos Pblicos DireitoAdministrativoGeral, Tomo III, Dom Quixote, 2008, pginas 39 e 40. 7 Pode inclusivamente estabelecer-se entre os conceitos uma relao de especialidade, segundo a qual o contrato administrativo qualificado como uma espcie do gnero mais abrangente que o contrato

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    Resta-nos, portanto, salientar que, quando a lei no imponha uma soluo contrria, as entidades adjudicantes tm liberdade de optar entre submeter um contrato com objecto de direito privado disciplina da Parte III do CCP, ou configurar uma relao contratual fora da esfera administrativista.

    Esta opo genrica mais no do que uma concretizao do Princpio da Especialidade, que serve de critrio para delimitar a capacidade jurdica das pessoas colectivas (artigo 160. do Cdigo Civil).

    1.2.1. O mbito de aplicao objectivo do CCP abrange, ainda, o actoadministrativo substitutivo de contratoadministrativo (n. 3 do artigo 1. do CCP). Esta previso limita-se ao elenco da atribuio de subsdios e a contratos de uso privativo do domnio pblico8.

    O acolhimento no CCP de uma norma desta natureza tambm significa a preveno de situaes de fraude lei, tais como fugas no justificadas s regras da concorrncia por via da prtica de um acto administrativo em substituio da constituio de uma relao contratual.

    A este propsito, RUI MEDEIROS alerta para a incompletude estrutural das Directivas n.s 2004/18/CE e 2004/17/CE, derivada da sua no incidncia sobre os contratos de concesso de servios pblicos, e para a necessidade de submeter tais contratos concorrncia de todos os potenciais interessados9, tal como defende a Comisso em comunicao interpretativa dedicada a este tema.

    Este entendimento, salvo melhor opinio, no prejudica que determinados domnios, ainda reservados, como os relativos defesa e segurana, acolham a atribuio de uma concesso de servio pblico, por acto unilateral, para preservar outros valores e interesses tais como os relativos prossecuo de interesses essenciais de segurana nacional (Decreto-Lei n. 33/2009, de 5 de Fevereiro), desde que tal opo tenha suporte no texto do Tratado da Unio Europeia.

    Esta prerrogativa dos Estados Membros mantm-se em vigor perante a recente entrada em vigor da Directiva n. 2009/81/CE do Parlamento Europeu e do Conselho,

    pblico (DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo Volume II, Almedina, 2001, pgina 498). 8 A restrio a este conjunto de actos a tese defendida por MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDR SALGADO DE MATOS, Contratos Pblicos..., pgina 46, com base na imposio unilateral de certos efeitos, ainda que sujeitos a aceitao do destinatrio do acto administrativo. 9 RUI MEDEIROS, mbito do novo regime da contratao pblica luz do princpio da concorrncia, in CadernosdeJustiaAdministrativa, n. 69, pginas 4 e 5.

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    de 13 de Julho de 2009, relativa coordenao dos processos de adjudicao de determinados contratos de empreitada, contratos de fornecimento e contratos de servios por autoridades ou entidades adjudicantes nos domnios da defesa e da segurana.

    De facto, o artigo 2., n. 1 da Directiva n. 2009/81/CE, salvaguarda a vigncia do contedo do artigo 296. do Tratado da Unio Europeia, como no poderia deixar de ser, o que garante a possibilidade de os Estados Membros adoptarem medidas que considerem adequadas salvaguarda da prossecuo dos seus interesses essenciais de segurana.

    1.3. Aentidadeadjudicante

    A par do contrato pblico, temos outro conceito nuclear para a definio do mbito de aplicao do CCP, precisamente o conceito de entidadeadjudicante.

    No oferece dvidas a integrao no conceito de entidadeadjudicante, exvi n 1 do artigo 2. do CCP, da administrao pblica em sentido orgnico, que constituda pelo Estado10, Regies Autnomas, autarquias locais, institutos pblicos11, fundaes pblicas12 e associaes pblicas13.

    Estas pessoas colectivas de direito pblico, atravs dos seus rgos e servios, so responsveis pela realizao de despesa pblica e, como tal, vinculados, pela lei e

    10 A designao de Estado abrange, na administrao central, os servios integrados, subordinados ao Oramento de Estado, bem como os servios e fundos autnomos (unidades militares, hospitais pblicos, centros de sade, universidades) e a segurana social (A. L. SOUSA FRANCO, FinanasdoSectorPblico, Associao Acadmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2003, pginas 10 e 11). 11 A figura do instituto pblico abrange os servios personalizados, as fundaes pblicas, os estabelecimentos pblicos e as empresas pblicas (DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de DireitoAdministrativo, Volume I, Almedina, 1993, pginas 319 e seguintes). A classificao ganha relevncia e interesse no domnio da contratao pblica no que se refere aos servios personalizados e aos estabelecimentos pblicos. Este ltimo subconjunto integra os hospitais pblicos, sem gesto empresarial, as universidades e respectivas faculdades. A Lei n. 3/2004, de 15 de Janeiro, com uma perspectiva englobante, acolheu no conceito de instituto pblico quaisquer fundos ou servios dotados de personalidade jurdica que se integrem na administrao indirecta do Estado e das Regies Autnomas dos Aores e Madeira. 12 As fundaes pblicas, enquanto patrimnios que so afectados prossecuo de fins pblicos especiais, no incluem as fundaes previstas na Lei n. 62/2007, de 10 de Setembro, ou seja as instituies de ensino superior que venham a adoptar a forma de fundaes pblicas de direito privado. 13 Integram este conceito um conjunto de entidades agrupadas na administrao autnoma do Estado, tais como associaes de municpios, associaes de freguesias, as reas metropolitanas, as ordens profissionais (VITAL MOREIRA, AutoRegulaoProfissionaleAdministraoPblica, Almedina, 1997).

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    pelos princpios gerais da actividade administrativa14 a aplicar os procedimentos pr-contratuais de formao da vontade contratual.

    Tambm se consideram entidades adjudicantes as associaes, incluindo as de direito privado, que estejam submetidas a uma influncia, jurdica ou financeira, relevante, exercida pelas pessoas colectivas de direito pblico, supra referidas, devido constituio de uma das seguintes situaes de facto:

    sejam, maioritariamente, financiadas por um ou mais associados que tenha(m) natureza jurdica de pessoa colectiva pblica; ou

    estejam sujeitas ao seu controlo de gesto; ou

    tenham um rgo de administrao, direco ou fiscalizao15, cuja maioria dos seus titulares seja por designado pelas pessoas colectivas de direito pblico.

    A lgica desta extenso do mbito de aplicao subjectivo do CCP, apontada por RUI MEDEIROS16, a de tornar o CCP amigo da concorrncia, expandindo a sua aplicao para zonas limtrofes da realizao de despesa com dinheiropblico.

    1.3.1. Por fim, importa sublinhar que o conceito de entidadeadjudicante no se confunde com o de contraentepblico.

    O primeiro dos conceitos entidadeadjudicante - mais abrangente porque engloba todas as entidades a que se aplica o artigo 2. do CCP, mas est

    14 O legislador optou por remover do acervo legal os princpios especficos da contratao pblica, que figuravam nos artigos 7. a 15. do Decreto-Lei n. 197/99, de 8 de Junho. Como vestgio do reconhecimento da interligao entre a actividade de contratao pblica e os princpios da actividade administrativa resistiu o n. 4 do artigo 1. que enuncia o especial dever de considerar os princpios da transparncia, da igualdade e da concorrncia. No obstante, os princpios subsistem como fonte de direito fundamental no sistema da contratao pblica (RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Os princpios gerais da contratao pblica, in EstudosdeContrataoPblicaI, Coimbra Editora, 2008, pginas 51 e seguintes). 15 Em sentido crtico, PEDRO GONALVES (Regime JurdicodasEmpresasMunicipais, Almedina, 2007, pgina 23 e seguintes) considera excessiva que a faculdade de designar os membros de um rgo de fiscalizao seja um factor de qualificao da influncia que uma entidade possa exercer sobre outra. Em rigor esta opinio afigura-se-nos como a mais correcta, porquanto o quadro de competncias dos rgos encarregues da gesto e da fiscalizao, permite que os rgos de gesto tenham um efectivo controlo sobre a actividade da pessoa colectiva em causa, sem que a sua aco fique dependente do rgo de fiscalizao. certo que este ltimo rgo poder fiscalizar e, pontualmente, interferir na aco do rgo de gesto, mas sempre em cenrios desviantes da conduta do rgo de gesto. Esta constatao vale para os diversos regimes jurdicos de funcionamento de pessoas colectivas que se possam analisar: cdigo civil, cdigo das sociedades comerciais, cdigo cooperativo, regime jurdico do sector empresarial do Estado, Lei das empresas municipais, intermunicipais e regionais. 16 RUI MEDEIROS, mbito do novo regime..., pginas 19 e 20.

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    funcionalmente reservado para a fase pr-contratual, que se dirige essencialmente adjudicao de uma proposta.

    O segundo contraente pblico - reporta-se fase de execuo do contrato emergente da proposta adjudicada, mas aplica-se apenas:

    s entidades adjudicantes referidas no n. 1 do artigo 2. do CCP;

    s entidades do n. 2 quando os contratos por estas celebrados sejam qualificados, pelos outorgantes, como contratos administrativos, ou submetidos a um regime substantivo de direito pblico;

    a quaisquer entidades que celebrem contratos no exerccio de funes materialmente administrativas17.

    1.4. Organismosdedireitopblico

    Alm da administrao pblica, em sentido orgnico, o CCP aplica-se a outras entidades adjudicantes referidas no n. 2 do artigo 2. do CCP.

    Na primeira linha, temos os organismosdedireitopblico, previstos nas alneas a) e b) do n. 2 do artigo 2. do CCP.

    Enquadram-se nesta categoria, tendencialmente, as empresas pblicas e as entidades pblicas empresariais reguladas pelo Decreto-Lei n. 558/99, de 17 de Dezembro, bem como as empresas pblicas municipais e metropolitanas reguladas pela Lei n. 53-F/2006, de 29 de Dezembro, quandonotenhamcarctercomercialouindustrial.

    A razo de ser desta submisso ao regime jurdico adjudicatrio das pessoas colectivas pblicas, consiste no reconhecimento da existncia de situao de influncia jurdica ou financeira relevante, que determina que certas entidades se configurem como instrumentos de actuao da administrao18 e, consequentemente, se enquadrem no permetro normativo de contratao pblica.

    Mas, como decorre dos requisitos cumulativos de qualificao, nem todas as pessoas colectivas que integram o sector pblico empresarial devem ser consideradas

    17 O conceito de funes materialmente administrativas corresponde a um modo de execuo de uma tarefa pblica, que se entende por uma actividade exigvel ao Estado ou a outras entidades pblicas (PEDRO GONALVES, Entidades Privadas com Poderes Pblicos O exerccio de poderes pblicos deautoridade por entidades privadas com funes administrativas, Almedina, 2005, pginas 462 e seguintes). 18 RUI GUERRA DA FONSECA, Autonomia Estatutria das Empresas Pblicas e DescentralizaoAdministrativa, Almedina, 2005.

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    organismos de direito pblico.

    O conceito organismo de direito pblico foi introduzido pela Directiva 89/440/CEE, de 27 de Maro de 1989 (que alterou a Directiva 71/305/CEE, de 26 de Julho de 1971, relativa coordenao dos procedimentos de celebrao de contratos pblicos de obras) e manteve-se nas Directivas 92/50/CEE, 93/36/CEE e 93/37/CEE, que regulavam a formao de contratos pblicos.

    O CCP importou o conceito e introduziu-o no ordenamento jurdico nacional, tendo para tal identificado, na alnea a) e respectivas subalneas i) e ii) do n. 2 do artigo 2. do CCP, trs requisitos cumulativos de qualificao que j constavam no n. 9 do artigo 1. da Directiva 2004/18/CE.

    Tais requisitos cumulativos estaro preenchidos se:

    a) a entidade for dotada de personalidade jurdica19;

    b) a entidade tiver sido criada especificamente para satisfazer necessidades de interesse geral, sem carcter comercial ou industrial20;

    c) existir uma situao de dependncia em relao a uma outra entidade adjudicante, resultante de esta financiar maioritariamente21 a actividade daquela, exercer um controlo de gesto22 ou de poder designar, directa ou indirectamente, mais de metade dos membros dos respectivos rgos de administrao, de direco ou fiscalizao do organismo de direito pblico23.

    Como reconhece a jurisprudncia comunitria, a doutrina nacional e o prprio CCP, a densificao do conceito de organismo de direito pblico, para efeitos de verificao do preenchimento do segundo requisito cumulativo criao para

    19 Acrdo do TJCE Comisso/Frana, de 1 de Fevereiro de 2001. 20 Acrdos Adolf Truley, de 27 de Fevereiro de 2003, Korhonen Oy, de 22 de Maio de 2003 e BFI holding, de 10 de Novembro de 1998, todos do TJCE. 21 O conceito maioritariamente financiada foi analisado no Acrdo do Tribunal de Justia, de 3 de Outubro de 2000, relativo ao processo n. C-380/98. Nessa deciso pode interpretar-se que o financiamento no inclui contraprestaes contratuais realizadas pelas entidades adjudicantes, nomeadamente em contratos de prestao de servios. O termo maioritariamente, deve interpretar-se no sentido de que se trata de mais de metade. 22 O ponto 4 da parte decisria do Acrdo Adolf Truley, a propsito do controlo de gesto, declara que a existncia de um simples controlo a posteriori no preenche o critrio de qualificao de organismo de direito pblico. Segundo o Acrdo o controlo de gesto corresponde a uma situao em que, por um lado, os poderes pblicos controlam no apenas as contas anuais do organismo em causa mas tambm a sua gesto corrente na perspectiva da exactido dos nmeros referidos, da regularidade, da procura de economias, da rentabilidade e da racionalidade e, por outro, os mesmos poderes pblicos esto autorizados a visitar os locais de explorao e as instalaes do referido organismo e a transmitir os resultados desses controlos ao centro de deciso. 23 Acrdo University of Cambridge, de 3 de Outubro de 2000.

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    satisfazer necessidades de interesse geral, sem carcter comercial ou industrial - desenvolve-se a partir da no submisso de uma empresa lgica de mercado e concorrncia (n. 3 do artigo 2. do CCP).

    E o que se deve entender por submisso lgica de mercado e concorrncia?

    A questo deveras importante porque o que parece ser uma orientao legislativa destinada a salvaguardar o cumprimento de princpios basilares do relacionamento entre a administrao e os interessados em contratar, no pode consubstanciar-se na imposio de regimes de descriminao negativa para certos operadores econmicos que, apesar de estarem constitudos na esfera de influncia dos poderes pblicos, seriam penalizados, desde logo ao nvel da sua competitividade no mercado, se estivessem sujeitos a teias normativas e riscos de litigncia acrescidos na formao da sua vontade negocial.

    Este tipo de interesses e equilbrios podem e devem ser ponderados quando se procede rigorosa transposio da noo comunitria de organismo de direito pblico.

    Esta tarefa de interpretao poderia ter sido facilitada pelo elemento literal do CCP, mas no o tendo sido haver que percorrer um caminho, no isento de perigos, que leve afirmao da incidncia do CCP sobre a formao de contratos por parte de empresas pblicas.

    Sintetizando, a correcta interpretao do conceito comunitrio de organismodedireitopblico24 pressupe que se identifique o que se entende por necessidadesdeinteressegeralecarcterindustrialoucomercial.

    Assim, necessidades de interesse geral correspondem a insuficincias que decorrem de um interesse directo a prosseguir em favor da comunidade, no subordinado a um interesse individual, ou de grupo organizado. Dizem respeito comunidade como um todo, a sua satisfao assimilada e percebida como a realizao do bem comum.

    Neste sentido, este tipo de necessidades so satisfeitas por servios de interesse geral que englobam:

    actividades de servio no econmico (sistema de educao, proteco social, sade, etc);

    24 Directivas 89/440/CEE, de 27 de Maro de 1989, 92/50/CEE, 93/36/CEE e 93/37/CEE, bem como o Acrdo MANNESMANN, do Tribunal de Justia das Comunidades, de 15 de Janeiro de 1998.

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    funes intrnsecas prpria soberania (segurana, justia, defesa);

    servios de interesse econmico geral (energia, comunicaes, servios postais, etc)25.

    Por outro lado, o carcter industrial ou comercial distingue as pessoas colectivas em funo do seu posicionamento no mercado.

    Assim, no tm carcter industrialoucomercial as pessoas colectivas que no actuam no mercado de forma plenamente concorrencial, por comparao com os demais operadores econmicos privados, uma vez que dispem (ou podem dispor) de vantagens ou benefcios concedidos pela administrao pblica ou por outras entidades adjudicantes.

    Quando se considera que determinada empresa no tem carcter industrial ou comercial aceita-se que a mesma exerce a sua actividade numa situao privilegiada, na relao com os poderes pblicos, que no est ao alcance dos operadores econmicos comuns, ou de outros interessados.

    Acresce que, como referido no Acrdo Adolf Truley26, o conceito necessidades de interesse geral sem carcter industrial ou comercial reporta-se ao direito comunitrio e deve ser objecto de uma interpretao autnoma e uniforme em toda a Comunidade.

    Assim, a jurisprudncia do Tribunal de Justia das Comunidades considera que o conceito necessidades de interesse geral sem carcter comercial ou industrial abrange:

    a) as necessidades que so satisfeitas de modo diferente da oferta de bens ou de servios no mercado; e

    b) que por razes ligadas ao interesse geral, os poderes pblicos optam por satisfaz-las directamente com os seus recursos, ou atravs de entidades em relao s quais pretendem manter uma influncia determinante.

    Ao invs, uma entidade satisfaznecessidadesde interessegeral comcarcterindustrialoucomercialsempre que actua no mercado numa situao de livre e plena

    25 Comunicao da Comisso ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comit Econmico e Social Europeu e ao Comit das Regies (Livro Branco sobre os Servios de Interesse Geral), de 12 de Maio de 2004. 26 Acrdo do Tribunal de Justia das Comunidades Europeias, de 27 de Fevereiro de 2003, relativo ao processo n. C-373/00 (Adolf Truley GmbH contra Bestattung Wien GmbH).

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    concorrncia com outros operadores econmicos privados27.

    Esta posio est reflectida no n. 3 do artigo 2. do CCP, nos seguintes termos: so consideradas pessoas colectivas criadas especificamente para satisfazernecessidades de interesse geral, sem carcter industrial ou comercial, aquelas cujaactividadeeconmicasenosubmetalgicadomercadoedalivreconcorrncia.

    Contudo, verifica-se que entre o texto do anteprojecto e o texto final do CCP foi abandonada uma enumerao, exemplificativa, das entidades desprovidas de carcter industrial ou comercial. Curiosamente, esta enumerao inclua as empresas pblicas.

    Constata-se, portanto, que o legislador no tomou posio sobre um conceito, necessariamente, subordinado ao contexto factual da aplicao da lei.

    A este respeito refere o Acrdo Comisso contraReinode Espanha28 que aexistnciaouaausnciadeumanecessidadedeinteressegeralsemcarcterindustrialou comercial deve ser apreciada tomando em conta a totalidade dos elementos dedireitoede factorelevantes, taiscomoascircunstnciasquepresidiramcriaodoorganismo em causa e as condies em que o mesmo exerce a sua actividade,incluindo,designadamente,aausnciadeconcorrncianomercado,aausnciadeumfimlucrativoattuloprincipal,afaltadeassunodosriscosligadosaessaactividadebemcomooeventualfinanciamentopblicodaactividadeemcausa.

    Nestes termos, para eximir determinada entidade do conceito de organismo de direito pblico no basta invocar, genericamente, a sua sujeio a um regime de concorrncia no mercado em que opera, tambm preciso verificar todo o contexto de actividade da entidade para se poder concluir se a lgica do seu funcionamento conforme s regras do mercado e da livre concorrncia29.

    Ou seja, a referncia actividadeeconmica[que] senosubmetalgicadomercado e da livre concorrncia, importada pelo nosso legislador, deve ser complementada com os referidos subsdios da jurisprudncia comunitria.

    1.4.1. Seja como for, a invocao da no aplicao do CCP a uma determinada entidade por se considerar que a mesma no um organismo de direito pblico dever suportar-se em suficiente fundamentao, de facto e de direito, que tenha em considerao o esprito da lei.

    27 JOO AMARAL E ALMEIDA, Os organismos de direito pblico, in Estudos em homenagem ao Professor Marcello Caetano, Vol I, FDUL, Coimbra Editora, 2006, pginas 633 e seguintes. 28 Acrdo do Tribunal de Justia das Comunidades, de 16 de Outubro de 2003, relativo ao processo n. C-283/00 (Comisso contra Reino de Espanha). 29 Acrdo korhonen Oy, de 22 de Maio de 2003.

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    E a mens legis, que no se pode deixar de considerar, que as Directivas comunitrias e a jurisprudncia do Tribunal de Justia das Comunidades Europeias tm por fim excluir, simultaneamente, o risco de preferncia de proponentes ou candidatos nacionais em toda e qualquer adjudicao de contratos pblicos por entidades adjudicantes e a possibilidade de um organismo financiado ou controlado pelo Estado, pelas autarquias locais ou por outros organismos de direito pblico se basear em consideraes no econmicas30 na escolha de uma proposta.

    Estas razes concorrem, pois, para uma interpretao declarativa lata do n. 3 do artigo 2. do CCP, que poder levar a uma mudana de paradigma na contratao por parte de inmeras sociedades comerciais e entidades pblicas empresariais integradas no sector empresarial do Estado.

    Alm destas consideraes, apenas uma rigorosa ponderao casustica da actividade e mercado da entidade adjudicante poder fundamentar uma concluso vlida sobre a incidncia do CCP sobre a sua actividade contratual.

    1.5. Outrasentidadesadjudicantes

    Tambm esto includas no mbito de aplicao do CCP as pessoas colectivas que se encontrem sujeitas a uma influncia jurdica e financeira relevante, exercida por um organismodedireitopblico [alnea b) do n. 2 do artigo 2. do CCP], precisamente por se verificarem os mesmos requisitos que levam qualificao de determinada pessoa colectiva como organismo de direito pblico.

    So, como vimos supra, requisitos de qualificao os relativos sua criao (satisfao de necessidades de interesse geral), finalidade, financiamento (directa ou indirectamente pblico) e modelo de governao (controlo de gesto ou designao da maioria dos rgos de administrao, direco ou fiscalizao) por parte de organismos de direito pblico).

    1.5.1. Outro tipo de pessoas colectivas autonomizadas no rol descritivo de incidncia do CCP so as associaes que tenham por associados outras associaes de direito privado, ou pessoas colectivas submetidas a uma relao de influncia jurdica ou financeira relevante, relativamente a uma entidade adjudicante, designadamente um organismo de direito pblico [alnea d) do n. 2 do artigo 2. do CCP].

    Repete-se a lgica presente na alnea g) do n. 1 do artigo 2. do CCP, mas mudam os agentes que podem exercer a influncia relevante.

    30 Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de Janeiro de 2006 (processo n. 980/05).

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    1.6. ExtensesdombitodeaplicaodoCCPcontratossubsidiados

    O Ttulo VIII da Parte II do CCP contempla ainda extenses do seu mbito de aplicao, operada pelo artigo 275. do CCP, de forma a aplicar um conjunto de regras comuns de adjudicao, aos seguintes contratos subsidiados:

    a) Contratos de empreitada, celebrados por quaisquer entidades no referidas no artigo 2. ou no n. 1 do artigo 7., financiados directamente em mais de 50 % por qualquer das entidades adjudicantes da administrao pblica em sentido orgnico ou pelos organismos de direito pblico e outras entidades adjudicantes referidas no n. 2 do artigo 2. do CCP, quando o respectivo preo for superior a seja igual ou superior a 4.845.000 euros;

    b) Contratos de aquisio de servios celebrados por entidades no referidas no artigo 2. ou no n. 1 do artigo 7., desde que sejam financiados directamente em mais de 50 % por qualquer das entidades adjudicantes referidas no artigo 2. e o respectivo preo contratual seja igual ou superior a 206.000 euros e sejam complementares, dependentes ou se encontrem, por qualquer forma, relacionados com o objecto de um contrato de empreitada a cuja formao aplicvel o presente Cdigo nos termos do disposto no nmero anterior.

    Com estas extenses do seu mbito de aplicao, o CCP tenta garantir que na formao de contratos de empreitada e de fornecimentos acessrios ou complementares, por entidades que no sejam integradas na administrao pblica em sentido orgnico, ou organismos de direito pblico, que no se integrem no conceito de entidades adjudicantes dos sectores especiais, devem ser respeitadas as regras comuns de adjudicao, previstas na Parte II do CCP, sempre se verifique um financiamento maioritariamente pblico no contrato a celebrar.

    So regras que decorrem dos princpios da concorrncia, igualdade e transparncia, especialmente identificados no artigo 1., n. 4 do CCP.

    1.7. Contrataoexcluda

    O princpio da abrangncia do mbito objectivo do CCP (oscontratospblicos) contrariado pelo entendimento de que a formao de certos contratos deve estar excluda da disciplina do CCP.

    Os contratos excludos, enumerados no n. 1 do artigo 4. do CCP, tm por objecto convenes internacionais, previamente comunicadas Comisso Europeia e

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    devidamente enquadradas no Tratado da Unio Europeia, para a realizao de projectos comuns relacionados com uma obra pblica ou a aquisio de bens mveis ou de servios destinados realizao ou explorao de um projecto pelos estados signatrios; a regulao por acordo entre Estados membros ou entre um destes e um Estado terceiro no mbito de uma conveno internacional reguladora do estacionamento de tropas, ou contratos precedidos de procedimentos especficos adoptados por uma organizao internacional.

    Tambm se encontram excludos da aplicao do CCP certos contratos cuja natureza jurdica contm especificidades que afastam a sua formao de um ambiente de concorrncia, ou que contm regimes procedimentais especficos (artigo 4., n. 2 do CCP), tais como: contratos de trabalho em funes pblicas e contratos individuais de trabalho (Lei n. 12-A/2008, de 27 de Fevereiro e Lei n. 59/2008, de 11 de Setembro); os contratos de doao de bens mveis a favor de qualquer entidade adjudicante; os contratos de compra e venda, de doao, de permuta e de arrendamento de bens imveis ou contratos similares, regulados pelo Decreto-Lei n. 280/2007, de 7 de Agosto; os contratos relativos aquisio, ao desenvolvimento, produo ou co-produo de programas destinados a emisso por parte de entidades de radiodifuso ou relativos a tempos de emisso31.

    No obstante, estes ltimos contratos no esto completamente excludos da aplicao da Parte II do CCP, porque a alnea b) do n. 2 do artigo 11. refere que quando os mesmos sejam celebrados por entidades que operam nos sectores especiais (artigos 7. a 15. do CCP), a Parte II do CCP sempre aplicvel formao de contratos relativos aquisio, ao desenvolvimento, produo ou co-produo de programas destinados a emisso por parte de entidades de radiodifuso ou relativos a tempos de emisso.

    1.8. Regimesdeexclusoparcial

    Encontram-se parcialmente excludos da aplicao do CCP, por estarem apenas isentos da aplicao da Parte II, um conjunto de relaes jurdicas que o legislador no submeteu a uma disciplina equivalente da formao dos demais contratos pblicos.

    1.8.1. O primeiro sub-conjunto de contratos que beneficia desta excluso

    31 O legislador nacional seguiu o critrio comunitrio de excluir este tipo de contratos, por considerar que a formao dos mesmos, em regime de concorrncia, pode conflituar com a prossecuo de desgnios culturais e sociais (considerando 25 da Directiva 2004/18/CE).

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    parcial reporta-se aos contratos acelebrarentrequaisquerentidadesadjudicantes, os quais no esto, nem so susceptveis de estar, submetidos concorrncia de mercado (artigo 5., n. 1 do CCP).

    O legislador identifica como razes vlidas para a submisso concorrncia de mercado a natureza ou caractersticas das prestaes, a posio relativa das partes ou o contexto da sua formao.

    Em termos concretos, esta distino limita a capacidade jurdica das pessoas colectivas de direito pblico, que compreende a possibilidade de outorgarem contratos entre si, de modo a que, por exemplo, o Estado se apresente como cliente e uma associao pblica como prestadora de servios na formao de um contrato de consultoria que deva ser submetida concorrncia de mercado por existirem diversos operadores qualificados para realizar essa prestao contratual.

    Esta limitao justifica-se num contexto da contratao pblica, pois a plenitude da capacidade jurdica das entidades adjudicantes no pode introduzir distores normal concorrncia nos mercados pblicos.

    Assim quando estejam em causa prestaes fungveis que possam ser prestadas por uma pluralidade de interessados, e que um desses interessados seja uma entidade adjudicante, deve promover-se a concorrncia entre eles.

    o que decorre da jurisprudncia comunitria32 e tambm do n. 8 do artigo 1. da Directiva n. 2004/18/CE.

    Acresce que a posio relativa das partes no mercado h que ser apurada previamente celebrao do contrato, sob pena de se criar uma situao de facto consumado. A concorrncia no funcionar em contratos a celebrar na esfera de um monoplio do fornecedor, mas j dever funcionar perante um oligoplio.

    Especiais responsabilidades recaem sobre as entidades adjudicantes quando a sua actuao do lado da procura for determinante para a configurao do mercado.

    1.8.2. Tendo presente a finalidade do legislador de preservar ao mximo a intangibilidade do princpio da concorrncia, o contedo n. 1 do artigo 5. deve ser interpretado conjugadamente com o artigo 6., n. 1 e com o artigo 16., n. 2.

    Assim, no domnio das relaes contratuais que se possam estabelecer entre entidades adjudicantes da administrao pblica, em sentido orgnico, o CCP afirma

    32 Acrdo do Tribunal de Justia das Comunidades, de 18 de Novembro de 1999, relativo ao processo n. C-107/98 (Acrdo Teckal).

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    uma restrio capacidade jurdica contratual que visa dilatar as margens para a concorrncia dos operadores de mercado na formao dos seguintes contratos: empreitadas de obras pblicas, concesso de obras pblicas, concesso de servios pblicos, locao ou aquisio de bens mveis e aquisio de servios.

    Ou seja, aos contratos administrativos qualificados na Parte III do CCP, aplica-se obrigatoriamente na sua formao a parte II do Cdigo, o que equivale a dizer que sero criadas iguais oportunidades de contratar entre pessoas colectivas pblicas e privadas.

    Nota-se, portanto, uma limitao liberdade de celebrao de relaes contratuais entre pessoas colectivas pblicas, entendendo-se que no mbito destes contratos dever prevalecer o princpio da concorrncia, em detrimento da opo protocolar33.

    Esta chamada de ateno no nos pode fazer esquecer que quando seja outro tipo de contrato que esteja em formao, devem ponderar-se os elementos previstos no n. 1 do artigo 5. do CCP, isto a natureza das prestaes ou as suas caractersticas, a posio relativa das partes ou o contexto da sua formao e aferir-se se a peculiaridade do contrato em causa impe que o mesmo seja submetido concorrncia.

    1.8.3. Uma outra restrio, de mbito diferente, que se prev para os organismos de direito pblico. O legislador afirma, no n. 2 do artigo 6., que os organismos de direito pblicos s esto obrigados a aplicar a Parte II do CCP na celebrao dos contratos administrativos qualificados na Parte III do CCP. Regista-se a preocupao nuclear do legislador em implementar uma efectiva concorrncia para uma determinada tipologia de contratos.

    No entanto, tambm se percepciona que a rigorosatransposiodoconceitodeorganismo de direito pblico, tendencialmente dirigida ampliao do mbito de aplicao subjectivo do CCP, vai cedendo perante algumas restries relevantes.

    Uma delas precisamente a contida no n. 2 do artigo 6. do CCP, porquanto os organismos de direito pblico vo poder celebrar, entre si, uma mirade de contratos de direito privado, de direito pblico mas com objecto de direito privado, contratos mistos, sem que tenham de ponderar os factores de concorrncia previstos no n. 1 do artigo 5. e, consequentemente, aplicar as normas comuns de adjudicao previstas no

    33 frequente o recurso celebrao de protocolos entre entidades adjudicantes da administrao pblica em sentido orgnico que contm autnticas prestaes fungveis susceptveis de ser submetidas concorrncia. Estas opes devem ser revistas face disciplina em anlise do CCP.

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    CCP.

    Cremos que neste aspecto, o legislador poderia ter ido mais alm para consagrar uma vinculao uniforme na adopo de procedimentos adjudicatrios pelos organismos de direito pblico.

    A flexibilidade de gesto reclamada por estas entidades seria sempre um factor a ter em conta.

    No obstante, os limiares34 mais elevados que a lei prev para a adopo de determinados procedimentos j oferece, em nosso entendimento, uma garantia de celeridade na conformao dos procedimentos. O caso paradigmtico o ajuste directo, que pode ser seleccionado para contratos de valor inferior a 75.000 euros, quando se trate de entidades adjudicantes da administrao pblica em sentido orgnico, ou para contratos de valor inferior a 193.000 euros, quando celebrados por organismos de direito pblico.

    Afinal, a despesa gerada pelos organismos de direito pblico realizada com financiamento pblico e nesse aspecto - o da natureza do financiamento - no se distingue da despesa que realizada por outras entidades adjudicantes que so pessoas colectivas de direito pblico.

    De facto, se os princpios subjacentes execuo de tal despesa so comuns transparncia, concorrncia, igualdade no se encontra razo convincente para a limitao da restrio acolhida no n. 2 do artigo 6. do CCP.

    1.8.4. No n. 2 do artigo 5. do CCP, o legislador acolheu expressamente a figura da contratao in house35, que corresponde a uma relao contratual entre dois sujeitos juridicamente distintos, em que se verifica uma relao de estreita dependncia da adjudicatria em relao adjudicante, que subtrai ou elimina a autonomia de vontade da adjudicatria, de tal forma que o contrato se equipara a uma operao interna ou realizada dentrodecasa.

    Por fora desta opo excluiu-se da aplicao da Parte II do CCP os contratos celebrados por uma entidade adjudicante com uma entidade adjudicatria, quando se

    34 Os limiares comunitrios previstos na legislao sobre contratos pblico foram recentemente revistos pelo Regulamento (CE) n. 1177/2009 da Comisso, de 30 de Novembro de 2009 (publicado no JO L n. 314, de 1 de Dezembro de 2009), que altera as Directivas n.s 2004/17/CE, 2004/18/CE e 2009/81/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. 35 O conceito foi desenvolvido a partir da jurisprudncia comunitria, especialmente a partir do Acrdo Teckal.

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    verifique o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:

    a) A adjudicatria est submetida perante a entidade adjudicante a um controlo anlogo que esta exerce, isoladamente ou em conjunto com outra entidade, sobre os seus servios; e

    b) A adjudicatria desenvolve o essencial da sua actividade em benefcio de uma ou de vrias entidades adjudicantes que exeram sobre ela o controlo anlogo referido na alnea anterior.

    A interpretao destes requisitos encontra-se suficientemente desenvolvida no estudo de GONALO GUERRA TAVARES e NUNO MONTEIRO DENTE sobre o mbito de aplicao do CCP36, mas no prejudica a apresentao de algumas notas complementares.

    Defendem estes autores que a densificao do conceito controlo anlogo se concretiza por aproximao ao controlo hierrquico exercido sobre os servios internos de uma qualquer entidade administrativa, designadamente atravs do uso dos poderes subjacentes a uma relao hierrquica administrativa.

    Cremos que a previso normativa da alnea a) do n. 2 do artigo 5. do CCP contm mais do que a verificao deste tipo de controlo hierrquico, pois pode conter, claramente, o tipo de relao que, pelo menos, se estabelece entre sociedades comerciais em relao de domnio total (artigos 480. e seguintes do Cdigo das Sociedades Comerciais), em que uma delas pode emitir instrues vinculativas sobre a outra, sem que possa, contudo, substituir-se ou revogar uma deciso tomada pelos rgos sociais da sociedade dominada.

    Todavia, os poderes de facto que a sociedade dominante exerce sobre a sociedade dominada, tais como a eleio de rgo sociais, o reforo ou diminuio de capitais, alteraes relevantes sobre a actividade, incluindo alteraes do pacto social, deliberao sobre o relatrio e contas anuais, deliberao sobre remuneraes dos rgos sociais, sero poderes mais eficazes do que propriamente os poderes hierrquicos que se estabelecem no seio de uma organizao de matriz vertical.

    A partir deste exemplo podemos sugerir que a interpretao do conceito controloanlogo englobe todas as situaes em que uma entidade adjudicante possa influenciar, de forma permanente, directa ou indirectamente, a formao da vontade da entidade dominada, independentemente do veculo ou forma de influncia.

    36 GONALO GUERRA TAVARES e NUNO MONTEIRO DENTE, CdigoDosContratosPblicosmbitodasuaaplicao, Almedina, 2008, pginas 59 e seguintes.

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    1.8.5. Tambm aderem os supra mencionados autores ao entendimento extrado do Acrdo Carbotermo37 segundo o qual se verifica o requisito do exercciodoessencialdaactividadedaentidadeadjudicatriaemproldaentidadeouentidadesadjudicantes, quando essa actividade representar, pelo menos, 80% da actividade da entidade adjudicatria.

    Ora, este critrio carece de ser aprofundado, porque seno podem criar-se situaes de contratao inhouse indevidas.

    Assim, ser porventura adequado que o intrprete se inspire na norma do artigo 13. da Directiva n. 93/38/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa coordenao dos processos de celebrao de contratos nos sectores especiais, que previa, como condio de aplicao da contratao directa entre duas entidades, a verificao de que 80% do volume mdio de negcios realizado por uma dessas empresas na Comunidade em matria de servios, nos ltimos trs anos, resulte da prestao desses servios s empresas s quais se encontra associada por uma relao inhouse.

    O factor temporal deve ser introduzido para se garantir estabilidade e consistncia na anlise impedindo que um contrato excepcional, num determinado ano, influencie e distora o posicionamento no mercado de determinada entidade. Pelo que na interpretao da alnea b) do n. 2 do artigo 5. do CCP, deve considerar-se um perodo relevante para aferir se determinada entidade adjudicatria dirige para determinada entidade adjudicante o essencial da sua actividade.

    Inclinamo-nos, face regra que vigorou no corpo da Directiva n. 93/38/CEE, para um perodo de trs anos, mas admitem-se, necessariamente, excepes fundamentadas. Desde logo no momento em que a entidade adjudicatria foi criada, que pode ser h menos de 3 anos, e numa eventual alterao estrutural da entidade adjudicatria de forma a satisfazer, quase em exclusividade, as necessidades da entidade adjudicante, abdicando, por isso, de uma plena concorrncia no mercado.

    Tal como foi referido a propsito da interpretao da descrio normativa da qualificao de determinada entidade como organismo de direito pblico, consideramos que s uma anlise casustica dos elementos de facto em presena permitir interpretar de forma conclusiva a constituio, manuteno ou extino de uma relao inhouse.

    37 Acrdo do Tribunal de Justia das Comunidades, relativo ao processo n. C-340/04, de 11 de Maio de 2006 (Carbotermo SpA e Consorzio Alisei contra Comune di Busto Arsizio e AGESP SpA).

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    1.8.6. Uma outra especificidade foi acolhida, expressamente, no n. 3 do artigo 5. do CCP para os hospitais que tenham a natureza jurdica de entidade pblica empresarial (enquadramento genrico dos artigos 23. a 34. do Decreto-Lei n. 558/99, de 17 de Dezembro).

    Estas entidades adjudicantes beneficiam de uma maior flexibilidade na contratao de empreitadas de obras pblicas de valor inferior a 4.845.000 euros e aquisies de bens e servios de valor inferior a 206.000 euros. Por fora desta especificidade legal, tais entidades podero nesse tipo de contratao dispensar a aplicao da Parte II do CCP, abrindo-se caminho para uma ampla liberdade de celebrao.

    Este regime tornou-se extensvel s associaes de direito privado que prossigam finalidades a ttulo principal de natureza cientfica e tecnolgica, bem como, exclusivamente no mbito da actividade cientfica e tecnolgica, pelas instituies de ensino superior pblicas e pelos laboratrios de Estado, devido publicao do Decreto-Lei n. 278/2009, de 2 de Outubro (artigo 2.).

    No obstante, estas entidades adjudicantes esto submetidas aos princpios da transparncia, concorrncia e igualdade e, por fora do disposto no n. 13 da Resoluo de Conselho de Ministros n. 49/2207, de 28 de Maro, devem adoptarcritrios de adjudicao orientados por princpios de economia e eficcia queasseguremaeficinciadastransacesrealizadaseaigualdadedeoportunidadesparatodososinteressadoshabilitadosparaoefeito.

    1.8.7. O n. 4 do artigo 5. contm ainda um conjunto de excepes que se traduzem, nas matrias por eles referidas, numa reserva de contratao no submetida concorrncia, pois a formao de tais contratos fica dispensada da aplicao da Parte II do CCP.

    Encontram-se abrangidos por essas excepes:

    a) Contratos que devam ser celebrados com uma entidade, que seja ela prpria uma entidade adjudicante, em virtude de esta beneficiar de um direito exclusivo de prestar o servio a adquirir, desde que a atribuio desse direito exclusivo seja compatvel com as normas e os princpios constitucionais e comunitrios aplicveis38 - A ttulo de exemplo, a concesso prevista no Decreto-Lei n. 33/2009, de 5 de Fevereiro;

    38 RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Os princpios gerais..., pginas 51 e seguintes.

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    b) Contratos mediante os quais qualquer das entidades adjudicantes da administrao pblica em sentido orgnico se obrigue a alienar ou a locar bens mveis ou a prestar servios, excepto quando o adquirente ou o locatrio tambm seja uma entidade adjudicante o artigo 6., n. 1 do CCP, j esclarece que na formao de contratos de aquisio ou locao de bens mveis e de aquisio de servios entre entidades adjudicantes descritas no n. 1 do artigo 2. se deve aplicar a Parte II do CCP;

    c) Contratos cujo objecto principal consista na atribuio, por qualquer das entidades adjudicantes do sector pblico administrativo tradicional de subsdios ou de subvenes de qualquer natureza Decreto-Lei n. 167/2008, de 26 de Agosto relativo atribuio de subvenes pblicas;

    d) Contratos de sociedade cujo capital social se destine a ser exclusivamente detido pelas entidades adjudicantes do sector pblico administrativo tradicional39 - por fora do disposto nos artigos 273., n. 2 e 488., n. 1 do Cdigo das Sociedades Comerciais podero ser outorgados contratos de sociedade em que no esteja presente o nmero mnimo de accionistas ou em que a entidade adjudicante seja o nico accionista;

    e) Contratos de aquisio de servios financeiros relativos emisso, compra, venda ou transferncia de ttulos ou outros instrumentos financeiros, nomeadamente os contratos relativos a operaes de obteno de fundos ou de capital pela entidade adjudicante, bem como os contratos a celebrar em execuo das polticas monetria, cambial ou de gesto de reservas e os de aquisio de servios de carcter financeiro prestados pelo Banco de Portugal;

    f) Contratos de aquisio de servios que tenham por objecto os servios de sade e de carcter social mencionados no anexo II-B da Directiva n. 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Maro, bem como os contratos de aquisio de servios que tenham por objecto os servios de educao e formao profissional mencionados no referido anexo, que confiram certificao escolar ou certificao profissional os servios mencionados no anexo II-B da Directiva n. 2004/18/CE encontram-se, actualmente, identificados no Regulamento (CE) n. 213/2008 da Comisso, de 28 de Novembro de 2007, que altera o Regulamento (CE) n.

    39 Embora esta excepo no refira os organismos de direito pblico, deve considerar-se que os mesmos tambm no esto vinculados a promover um dos procedimentos adjudicatrios da Parte II do CCP porque o n. 2 do artigo 6. no inclui o contrato de sociedade no conjunto de contratos que estas entidades adjudicantes devem obrigatoriamente submeter concorrncia.

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    2195/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo ao Vocabulrio Comum para os Contratos Pblicos (CPV)40;

    g) Contratos que se destinem satisfao de necessidades de uma entidade adjudicante cujos servios se encontrem instalados em territrio de Estado no signatrio do Acordo sobre o Espao Econmico Europeu, desde que celebrados com uma entidade tambm nele sediada;

    h) Contratos a celebrar, ao abrigo de um acordo de cooperao para o desenvolvimento, com uma entidade sediada num dos Estados dele signatrios e em benefcio desse mesmo Estado, desde que este no seja signatrio do Acordo sobre o Espao Econmico Europeu;

    i) Contratos abrangidos pelo disposto na alnea b) do n. 1 e no n. 2 do artigo 296. do Tratado da Comunidade Europeia, desde que a respectiva formao seja regulada por lei especial esta excepo enquadra-se na disciplina especfica de contratao de equipamentos militares prevista no Decreto-Lei n. 33/99, de 5 de Fevereiro41.

    1.8.8. A dispensa da aplicao da Parte II do CCP no significa uma total fugapara o direito privado na formao destes contratos, porquanto as entidades adjudicantes na sua formao esto submetidas aos princpios gerais da actividade administrativa e s normas que concretizem preceitos constitucionais constantes do Cdigo do Procedimento Administrativo42. Tambm quando estejam em causa contratos com objecto passvel de acto administrativo e demais contratos sobre o exerccio de poderes pblicos, aplicam-se as normas constantes do Cdigo do Procedimento Administrativo, com as necessrias adaptaes.

    Quando a entidade adjudicante seja uma das referidas no n. 1 do artigo 2., na

    40 No obstante a excluso da aplicao da Parte II do CCP, o n. 5 do artigo 5. determina que a contratao destes servios deve basear-se na descrio do objecto do contrato, conforme as regras aplicveis s especificaes tcnicas previstas no artigo 49., devendo a entidade adjudicante publicitar a adjudicao conforme previsto no artigo 78. do CCP. 41 J foi publicada a Directiva n. 2009/81/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, relativa coordenao dos processos de adjudicao de determinados contratos de empreitada, contratos de fornecimento e contratos de servios por autoridades ou entidades adjudicantes nos domnios da Defesa e Segurana. Esta Directiva entrou em vigor no dia 21 de Agosto, dever ser transposta at 21 de Agosto de 2011 e determinar a alterao do Decreto-Lei n. 33/99, de 5 de Fevereiro, na medida em que regulamenta o recurso ao procedimento por negociao sem publicao prvia de anncio, o processamento de informaes classificadas e a inscrio de regras relativas confidencialidade e segurana nos abastecimentos. 42 Esta vinculao j era doutrinariamente defendida por MARIA JOO ESTORNINHO (A fuga para odireitoprivado).

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    formao dos contratos referidos nos nmeros 1 a 4 ainda aplicvel, com as necessrias adaptaes, o disposto nos captulos VIII e IX do ttulo II da parte II do presente Cdigo, o que significa que mesmo aos contratos excludos se aplicam as disposies relativas habilitao dos concorrentes e prestao de cauo nos contratos, o que garante que as entidades adjudicantes que possam beneficiar da flexibilidade conferida pela contratao excluda devero, ainda assim, zelar pela idoneidade dos contraentes e salvaguardar o cumprimento do contrato a executar atravs do caucionamento da responsabilidade pelo bom cumprimento das prestaes contratuais adjudicadas.

    1.9. SntesedombitodeaplicaodoCCP

    Com base na anlise dos pontos antecedentes, estamos em condies de apresentar uma sntese esquemtica do mbito de aplicao do CCP:

    Referncianormativa

    Tipologiadeentidadesadjudicantes Contratosabrangidos

    Administrao pblicaem sentido orgnico(n.1doartigo2.doCCP)

    Estado; Regies Autnomas; autarquias locais; institutos pblicos; fundaes pblicas43; associaes pblicas; e associaes de que faam parte, pelo menos, uma destas pessoas colectivas e desde que na relao entre ambas a associada exera sobre a associao uma influncia jurdica ou financeira relevante44

    O CCP aplica-se a todos os contratos que celebrem, com as seguintes excepes:

    - contratos excludos (artigo 4. do CCP);

    - contratos celebrados entre entidades adjudicantes que no sejam susceptveis de ser submetidas concorrncia (n. 1 do artigo 5.);

    - contratao in house (n. 2 do artigo 5.);

    - outros contratos previstos no artigo 5., salvaguardando-se a aplicao a estes contratos dos Captulos VIII e XIX da Parte II45.

    Organismosdedireitopblico[alneasa)eb)do n. 2 e n. 3 doartigo2.doCCP]

    Pessoas colectivas que tenham sido criadas especificamente para satisfazer necessidades de interesse geral, sem carcter industrial ou comercial e desde que uma das entidades da administrao pblica

    Aos contratos de empreitada de obras pblicas, concesso de obras pblicas, concesso de servios pblicos, locao ou aquisio de bens mveis e aquisio de servios aplica-se a Parte II do CCP. Os outros contratos celebrados pelos

    43 No inclui as instituies de ensino superior que venham a adoptar a forma de fundaes pblicas de direito privado. 44 A influncia relevante evidencia-se pela verificao de uma das seguintes situaes: i) a associao seja maioritariamente financiada pela associada; ii) esteja sujeita ao seu controlo de gesto; iii) tenham um rgo de administrao, de direco ou de fiscalizao cuja maioria dos titulares seja, directa ou indirectamente, designada por aquelas entidades. 45 n. 7 do artigo 5. do CCP.

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    Referncianormativa

    Tipologiadeentidadesadjudicantes Contratosabrangidos

    em sentido orgnico exera sobre a pessoa colectiva uma influncia jurdica ou financeira relevante46 Pessoas relativamente s quais, pelo menos, um organismo de direito pblico exera uma influncia jurdica ou financeira relevante.

    organismos de direito pblico esto dispensados da aplicao das normas do CCP na sua formao.

    Outrasentidadesadjudicantesdenaturezaassociativa[alnead)don.2doartigo2.doCCP]

    - As associaes de que faam parte uma ou vrias das pessoas colectivas que sejam os referidos organismos de direito pblico, desde que, pelo menos, uma destas associadas exera sobre a associao uma influncia jurdica ou financeira relevante.

    Aos contratos de empreitada de obras pblicas, concesso de obras pblicas, concesso de servios pblicos, locao ou aquisio de bens mveis e aquisio de servios aplica-se a Parte II do CCP. Os outros contratos celebrados pelos organismos de direito pblico esto dispensados da aplicao das normas do CCP na sua formao.

    Entidadesadjudicantesporextenso[artigo275.doCCP]

    Pessoas colectivas que no sejam consideradas entidades adjudicantes, nos termos dos artigos 2. ou n. 1 do artigo 7. do CCP

    - Contratos de empreitada financiados directamente em mais de 50 % por qualquer das entidades adjudicantes do artigo 2. quando o respectivo preo for superior a seja igual ou superior a 4.845.000 euros.

    - Contratos de aquisio de servios financiados directamente em mais de 50 % por qualquer das entidades adjudicantes referidas no artigo 2., o respectivo preo contratual seja igual ou superior a 206.000 euros e os servios sejam complementares, dependentes ou se encontrem, por qualquer forma, relacionados com o objecto de um contrato de empreitada a cuja formao aplicvel o CCP.

    1.10. mbitodeaplicaodoCCPnossectoresespeciais

    Por fora da Directiva n. 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Maro de 2004, as entidades que operam nos sectores especiais (gua, energia, transportes e servios postais)47 so identificadas pelo CCP como entidades abrangidas pela aplicao da Parte II do CCP48.

    46 infra nota de rodap n. 27. 47 No artigo 9., n. 1, o legislador identificou as vrias categorias de servios especiais. 48 O Decreto-Lei n. 223/2001, de 9 de Agosto continha o regime adjudicatrio aplicvel formao dos contratos celebrados nos sectores especiais, foi revogado pelo Decreto-Lei n. 18/2008, de 29 de

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    A concretizao desta orientao comunitria no fcil face recepo normativa operada pelo CCP, nos artigos 7. a 15. do CCP, em que abundam as remisses para o prprio CCP e para os textos das Directivas comunitrias sobre contratos pblicos, excepes s solues legais e limitaes a essas excepes, formando uma teia normativa difcil de interpretar, sem que seja perceptvel a razo de ser de tal arte de legislar.

    Numa tentativa de clarificao, importa, num primeiro momento, segmentar a anlise e sugerir que o ponto de partida na aplicao do regime adjudicatrio dos sectores especiais identificar a actividade em que a entidade opera e verificar se essa actividade subsumvel no elenco de actividades pertencente aos sectores especiais.

    Num segundo momento, dever o intrprete verificar se a entidade adjudicante em causa, se enquadra no mbito subjectivo especial definido pelo legislador para os sectores especiais.

    Num terceiro e ltimo momento haver o intrprete que apurar se o contrato que se visa celebrar um dos contratos identificados no CCP como estando submetido ao regime adjudicatrio dos sectores especiais.

    Portanto, a submisso de determinada contratao a este regime adjudicatrio pressupe a ponderao consecutiva da actividade desenvolvida, da natureza jurdica da entidade que a desenvolve e do objecto do contrato a celebrar.

    1.10.1. Aplicando a metodologia de interpretao sugerida, verificamos que as entidades adjudicantes referidas no n. 2 do artigo 2., que inclui os organismos dedireitopblico, devero aplicar as regras de incidncia objectiva e subjectiva previstas no ttulo II da Parte I do CCP, quando os contratos a celebrar digam directa e principalmente respeito a uma ou vrias das actividades dos sectores especiais (artigo 12. do CCP).

    Ou seja, pode verificar-se uma sobreposio do mbito subjectivo de aplicao do CCP, mas numa lgica de especialidade prevalecem as normas delineadas para os sectores especiais quando as entidades adjudicantes j estivessem, por fora da sua natureza jurdica, submetidas aplicao do CCP, pela aplicao do n. 2 do artigo 2..

    Como referido, a aplicao do regime dos sectores especiais pressupe uma subsuno clara da contratao em causa s actividades identificadas pelo legislador

    Janeiro, que unificou os regimes adjudicatrios aplicveis s entidades adjudicantes, independentemente do sector em que operam.

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    como sectores especiais.

    Consequentemente, do confronto entre o artigo 7. e o artigo 9. do CCP resulta que se devem considerar desenvolvidas nos sectores especiais, para efeitos da aplicao do CCP, as seguintes actividades:

    Sector Actividade

    guaeenergia

    Colocao disposio, a explorao e a alimentao de redes fixas de prestao de servios ao pblico no domnio da produo, do transporte ou da distribuio de gua potvel, electricidade, gs ou combustvel para aquecimento. Explorao de uma rea geogrfica com a finalidade de: Prospectar ou proceder extraco de petrleo, gs, carvo ou outros combustveis slidos.

    Transportes

    Colocao disposio dos transportadores areos, martimos ou fluviais quaisquer terminais de transporte, designadamente aeroportos, portos martimos ou interiores. Colocao disposio e a explorao de redes de prestao de servios de transporte pblico por caminho de ferro, por sistemas automticos, por elctricos, por trleis, por autocarros ou por cabo, sempre que as condies de funcionamento, nomeadamente os itinerrios, a capacidade de transporte disponvel e a frequncia do servio, sejam fixadas por autoridade competente

    Serviospostais49eactividadesconexas

    Prestao de servios postais.Prestao de servios de gesto de servios de correio, anteriores ou posteriores ao envio postal. Prestao de servios de valor acrescentado associados via electrnica e inteiramente efectuados por essa via, incluindo os servios de transmisso protegida de documentos codificados por via electrnica, os servios de gesto de endereos e os servios de envio de correio electrnico registado. Prestao de servios de filatelia. Prestao de servios que combinem a entrega fsica ou o armazenamento de envios postais com outras funes no postais. Prestao de servios financeiros, nomeadamente servios de seguros, servios bancrios, servios de investimento e servios relativos emisso, compra, venda ou transferncia de ttulos ou outros instrumentos financeiros ou ainda ao processamento de ordens de pagamento postal, ordens de transferncia postal ou outras similares.

    Acresce que a prestao de servios postais e actividades conexas s so consideradas como actividades integradas nos sectores especiais, para efeitos de aplicao do CCP, se os respectivos servios forem prestados por uma entidade que preste igualmente servios postais, em condies no expostas concorrncia em mercado de acesso no limitado.

    49 Servios que consistem na aceitao, tratamento, transporte e distribuio de envios postais, incluindo os que possam ou no ser reservados ao abrigo do disposto no artigo 7. da Directiva 97/67/CE, do Parlamento e do Conselho, de 15 de Dezembro.

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    1.10.2. Mas, nem todas estas actividades esto plenamente inseridas no conceito de sectores especiais, porque logo no artigo 10. do CCP o legislador introduz uma srie de excepes relevantes.

    Desde modo, no deve ser considerada, para efeitos de interpretao do conceito sectores especiais e consequentemente para a aplicao do CCP, as actividades de alimentao de redes fixas de prestao de servios ao pblico no domnio da produo, transporte ou distribuio de gua potvel ou de electricidade, previstas no artigo 10. do CCP.

    De acordo com este preceito, o intrprete, na aplicao do CCP, dever considerar as seguintes excepes, que resultam na inexistncia da obrigatoriedade de aplicar as regras procedimentais previstas na Parte II do CCP:

    Sector Actividadeexcepcionada

    guaeenergia

    A produo de gua potvel ou de electricidade, pela entidade adjudicante, seja necessria ao exerccio de uma actividade diferente da alimentao de redes fixas de prestao de servios ao pblico. A alimentao daquela rede dependa apenas do consumo prprio da entidade adjudicante e no tenha excedido 30 % da produo total de gua potvel ou de electricidade dessa entidade, consoante o caso, tomando por referncia a mdia dos trs ltimos anos, incluindo o ano em curso. A alimentao de redes fixas de prestao de servios ao pblico no domnio da produo, transporte ou distribuio de gs ou de combustvel para aquecimento quando: a) A produo de gs ou de combustvel para aquecimento pela entidade

    adjudicante seja a consequncia inevitvel do exerccio de uma actividade diferente das actividades dos sectores especiais;

    b) A alimentao daquela rede se destine apenas a explorar de maneira mais econmica a produo de gs ou de combustvel para aquecimento e no represente mais de 20 % do volume de negcios da entidade adjudicante, tomando por referncia a mdia dos trs ltimos anos, incluindo o ano em curso.

    Transportes

    A prestao de um servio de transporte pblico por autocarro excepcionada do conceito de sectores especiais quando outras entidades possam tambm exercer livremente essa actividade, nas mesmas condies, quer num plano geral quer numa zona geogrfica especfica.

    Delimitado o tipo de actividade subjacente subsuno no mbito dos sectores especiais, possvel elencar o tipo de pessoas colectivas que devem ser consideradas entidades adjudicantes nos sectores especiais.

    Nestes termos, o mbito subjectivo especfico dos sectores especiais inclui:

    a) Quaisquer pessoas colectivas, que no se enquadrem no artigo 2. do CCP, nomeadamente por satisfazerem necessidades de interesse geral com carcter comercial ou industrial, que exeram uma ou vrias actividades

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    nos sectores da gua, da energia, dos transportes e dos servios postais e em relao s quais qualquer das entidades adjudicantes referidas no artigo 2. possa exercer, directa ou indirectamente, uma influncia dominante50;

    b) Quaisquer pessoas colectivas que no sejam entidades adjudicantes, nos termos do artigo 2., mas que gozem de direitos especiais ou exclusivos no atribudos no mbito de um procedimento de formao de contrato com publicidade internacional e que tenham por efeito51:

    i. Reservar-lhes, isolada ou conjuntamente com outras entidades, o exerccio de uma ou vrias actividades nos sectores da gua, da energia, dos transportes e dos servios postais; e

    ii. Afectar substancialmente a capacidade de quaisquer outras entidades exercerem uma ou vrias dessas actividades;

    c) Quaisquer pessoas colectivas constitudas exclusivamente por entidades adjudicantes referidas nas alneas anteriores ou que sejam por elas maioritariamente financiadas, estejam sujeitas ao seu controlo de gesto ou tenham um rgo de administrao, de direco ou de fiscalizao cuja maioria dos titulares seja, directa ou indirectamente, designada por aquelas entidades, desde que se destinem ao exerccio em comum de actividade nos sectores da gua, da energia, dos transportes e dos servios postais52.

    Aps a identificao das actividades compreendidas nos sectores especiais, da contratao excluda e das entidades adjudicantes, o trilho do intrprete na interpretao do Ttulo II da Parte I do CCP no termina, j que o artigo 11. do CCP reserva aos operadores dos sectores especiais um mbito de aplicao objectivoespecial, que se traduz, novamente, numa restrio da aplicao do CCP.

    Efectivamente no so todos os contratos outorgados por estas entidades adjudicantes dos sectores especiais que ficam submetidos disciplina do CCP, mas to

    50 O n. 2 do artigo 7. contm, a ttulo exemplificativo, um conjunto de indcios constitutivos da situao de influncia dominante: entidade dominante tem a maioria do capital social ou a maioria dos direitos de voto da entidade dominada; a entidade dominante tem o controlo de gesto da entidade dominada ou a faculdade de designar a maioria dos titulares dos seus rgo de administrao direco ou fiscalizao. 51 A principal diferena em relao previso da alnea anterior decorre do facto de relativamente a estas pessoas colectivas beneficirias de um direito exclusivo ou especial, que no tenha sido formado em ambiente de concorrncia, as entidades adjudicantes do artigo 2. no poderem exercer uma influncia dominante. 52 Aplica-se a esta alnea a lgica de qualificao dos organismos de direito pblico, que est presente no n. 2 do artigo 2. do CCP.

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    somente aqueles que preencham os seguintes requisitos cumulativos:

    a) contratos que digam directa e principalmente respeito a uma ou a vrias das actividades por elas exercidas nos sectores da gua, da energia, dos transportes e dos servios postais; e

    b) O objecto desses contratos abranja prestaes tpicas dos seguintes contratos:

    i. Empreitada de obras pblicas cujo valor seja igual ou superior a 4.845.000 euros53;

    ii. Concesso de obras pblicas;

    iii. Concesso de servios pblicos;

    iv. Locao ou aquisio de bens mveis, ou aquisio de servios, cujo valor seja igual ou superior a 387.000 euros54.

    Sem prejuzo destas limitaes genricas aplicao do CCP, o legislador imps a aplicao da Parte II do CCP s entidades adjudicantes dos sectores especiais quando os contratos a celebrar digam respeito a uma ou vrias das actividades desses sectores e tenham por objecto:

    a) Contratos de aquisio de servios de carcter financeiro prestados pelo Banco de Portugal55;

    b) Contratos relativos aquisio, ao desenvolvimento, produo ou co-produo de programas destinados a emisso por parte de entidades de radiodifuso ou relativos a tempos de emisso.

    Em particular, no sector da gua, as entidades adjudicantes referidas pelo n. 1 do artigo 7. esto vinculadas a aplicar a Parte II do CCP, na formao dos seguintes contratos:

    a) Contratos relacionados com projectos de engenharia hidrulica, de irrigao ou de drenagem, desde que o volume de gua destinada ao abastecimento de gua potvel represente mais de 20 % do volume total de gua fornecida de acordo com aqueles projectos ou por instalaes de

    53 alnea b) do n. 1 do artigo 16. da Directiva n. 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Maro, com a redaco que lhe foi conferida pelo Regulamento (CE) n. 1422/2007 da Comisso, de 4 de Dezembro de 2007 54 Alnea a) do n. 1 do artigo 16. da Directiva n. 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Maro, com a redaco que lhe foi conferida pelo Regulamento (CE) n. 1422/2007 da Comisso, de 4 de Dezembro de 2007. 55 Lei orgnica do Banco de Portugal, aprovada pela Lei n. 5/98, de 31 de Janeiro, com as alteraes introduzidas pelos Decretos-Lei n.s 118/2001, de 17 de Abril, 50/2004, de 10 de Maro e 39/2007, de 20 de Fevereiro.

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    39

    irrigao ou de drenagem;

    b) Contratos relacionados com a rejeio ou o tratamento de guas residuais56.

    1.11. Contrataoexcludanossectoresespeciais

    Tal como sucede para a contratao pblica comum (artigos 4. e 5. do CCP), nos sectores especiais tambm existem contratos excludos.

    De acordo com o artigo 13. do CCP, o mbito de aplicao objectivo, definido nos artigos 11. e 12. do CCP, deixa de ser relevante para a vinculao dessas entidades adjudicantes adopo de um procedimento adjudicatrio quando se pretenda celebrar:

    a) Contrato a executar num pas terceiro, desde que tal execuo no implique a explorao fsica de uma rede pblica ou de uma rea geogrfica no interior do territrio da Unio Europeia;

    b) Contratos a celebrar por uma entidade adjudicante cuja actividade esteja directamente exposta concorrncia57 em mercado de acesso no limitado, desde que tal seja reconhecido pela Comisso Europeia, a pedido do Estado Portugus, da entidade adjudicante em causa ou por iniciativa da prpria Comisso Europeia, nos termos do disposto no artigo 30. da Directiva n. 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Maro;

    c) Contrato a celebrar entre uma entidade adjudicante abrangida pelas alneas a) ou b) do n. 2 do artigo 2. (organismos de direito pblico) e uma empresa sua associada ou uma entidade abrangida pela alnea d) do mesmo nmero da qual aquela entidade adjudicante faa parte (associaes nas quais os organismos de direito pblico exeram uma

    56 Decreto-Lei n. 379/93, de Novembro e Decreto-Lei n. 90/2009, de 9 de Abril, referentes ao regime de explorao e gesto dos sistemas multimunicipais e municipais de captao, tratamento e distribuio de gua para consumo pblico, de recolha, tratamento e rejeio de efluentes e de recolha e tratamento de resduos slidos e Decreto-Lei n. 90/2009, de 9 de Abril, referente ao regime de Parcerias entre o Estado e as Autarquias Locais para a explorao e gesto de sistemas municipais de abastecimento pblico de gua, de saneamento de guas residuais urbanas e de gesto de resduos urbanos 57 De acordo com o n. 2 do artigo 30. da Directiva n. 2004/17/CE, interferem no juzo de exposio concorrncia critrios como as caractersticas dos produtos ou servios em causa, a existncia de produtos ou servios alternativos, os preos e a presena, real ou potencial, de mais do que um fornecedor dos produtos ou servios em questo.

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    influncia, jurdica ou financeira, relevante)58;

    d) Contrato a celebrar entre uma entidade adjudicante abrangida pela alnea d) do n. 2 do artigo 2. e uma entidade abrangida pelas alneas a) ou b) do mesmo nmero ou uma empresa associada a esta ltima;

    e) Contrato a celebrar entre uma entidade adjudicante abrangida pelas alneas a) ou b) do n. 1 do artigo 7. e uma empresa sua associada ou uma entidade abrangida pela alnea c) do mesmo nmero, da qual aquela entidade adjudicante faa parte;

    f) Contrato a celebrar entre uma entidade adjudicante abrangida pela alnea c) do n. 1 do artigo 7. e uma entidade abrangida pelas alneas a) ou b) do mesmo nmero ou uma empresa associada a esta ltima.

    As excluses previstas nas alneas c) a f) s se aplicam desde que, pelo menos, 80 %59 da mdia do volume de negcios da empresa associada nos ltimos trs ano